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Em todo ano em que se inicia, é tempo com uma realidade totalmente nova, e são
de ingresso de milhares de estudantes nas apresentados com vislumbre à uma
universidades públicas e privadas. Estes universidade que se orgulha de seu
estudantes, que nas universidades públicas tradicionalismo e desempenho em cursos
(estaduais e federais) conseguiram rasgar a renomados.
peneira social que é o vestibular, se deparam
A "tradição do trote" nas universidades direito de orquestrar as outras pessoas para
brasileiras foi iniciada na passagem do século seu benefício ou entretenimento, podendo
XIX para o XX, introduzida pelos estudantes relacionar ao fato de uma parcela dos trotes
da elite, a partir dos exemplos violentos da mais violentos se encontram nos cursos mais
Universidade de Coimbra (Portugal), que por elitizados da educação pública brasileira.
sua vez remetia à práticas da Idade Média,
justamente no momento de consolidação das Para as mulheres, os trotes
universidades europeias no século XV. universitários utilizam da violência sexual
como forma de humilhação e essas
Dessa forma, é impossível dissociar estudantes, e casos como assédio e estupro
o trote universitário da conformação da são relatados anualmente nos processos de
universidade tradicional no Brasil, com ingresso, de forma informal ou levando a
perfil extremamente violento, elitista, formalidade acadêmica, no formato de
racista e misógino. denúncia. Devemos ressaltar que muitas das
denúncias comunicadas as faculdades não
Dentre as práticas mais comuns estão; são levadas com seriedade, permitindo que
ingressantes sempre chamados de bichos ou essas agressões continuem e permaneçam
por apelidos pejorativos, sendo "emancipados normalizadas e legitimadas dentro do
pelos veteranos", através de um ritual de ambiente universitário, deixando-o cada vez
extrema violência e depreciação; músicas de mais inseguro. Chamando o trote de tradição,
humilhação aos ingressantes, enfeitamentos neutralizamos a sua violência,
e descaracterização do corpo do calouro, a impossibilitando o combate direto a esses
obrigação de ser submisso/a e silenciado/a, a costumes vexatórios e que apenas reforçam
embriaguez forçada de calouros pelos uma estrutura de dominação entre as
veteranos. Ações essas que sempre são pessoas.
justificadas em prol da manutenção da
tradição do trote. Estes casos não são isolados,
pertencentes a uma ou outra cidade, mas são
Nesse sentido, entendemos o trote generalizados por todo o Brasil, sendo
como uma ação que reproduz na estudantada necessário apenas uma pesquisa para
ingressante as estruturas de dominação, de identificar os inúmeros casos que ocorreram
violência e humilhação recorrentes em nossa ao longo dos anos, e perceber uma constante:
sociedade, intensificada no pensamento de a falta de investigação sobre os agressores e
que existem estudantes, que por conta de seu a facilidade em arquivamento pelo Poder
tempo na instituição, se acham no poder de Público destes episódios violentos.
ser "donos" de outros. Nós lembramos a estes
estudantes de que nenhum estudante Relembramos a memória de todas e
ingresso é "propriedade", seja de outro todos os estudantes que foram brutalmente
estudante, professor ou de qualquer outro violentados, desde humilhações, processos
agente universitário, e percebemos que essa vexatórios, embebedamento, ridicularização
perspectiva dialoga com a própria origem do dos corpos, assédios, estupros, a casos como
trote, uma vez que os mais ricos se acham no o de Edison Chi Hsueh, assassinado por
estudantes de medicina da USP em um trote que essa "tradição" se estenda por mais
de 1999. Relembramos também os casos de tempo, causando traumas profundos no
nossa cidade, em que dois estudantes foram processo de entrada na universidade
brutalmente agredidos por se recusarem a brasileira.
raspar seus cabelos, tendo que ser
hospitalizados, culminando em pontos em seu Relembramos para não nos esquecermos,
rosto e amnésia temporária. para não perdoarmos!
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