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Os desafios e perspectivas do Ensino Superior no Brasil: o

professor como agente de transformação

José Braga Martins Filho

Em tempos de tantos ataques ao Ensino Superior, como as falas do ministro da


Educação Milton Ribeiro (Governo Jair Bolsonaro), onde o mesmo disse que “a
universidade deveria, na verdade, ser para poucos, nesse sentido de ser útil à
sociedade”; que “são os pais dos ‘filhinhos de papai’ que pagam impostos e sustentam
a universidade pública”; e que “não adianta o jovem ter um diploma se não tem
emprego”, fica cada vez mais evidente a necessidade de se fazer a defesa deste tipo de
ensino, algo que não era necessário poucos anos atrás. Pelo contrário, a universidade
gozava de prestígio dentre os governantes (tanto o é que programas de financiamento
e cotas raciais foram criados para potencializar a inclusão de grupos antes
inalcançáveis pelas IES). Ou seja, os desafios do Ensino Superior, para além dos
próprios gerados pelo processo ensino-aprendizagem e pela eterna escassez de
recursos, agora apresentam-se na boca de quem deveria defendê-lo. Antes que se pense
que essa falta de prestigio é um fenômeno passageiro, devemos relembrar que o
ministro da Educação anterior já havia declarado que as universidades são lugares de
balbúrdia; que há plantações de maconha dentro das mesmas; defendeu a presença de
polícia dentro dos campi; defendeu o pagamento de pós-graduação pelos alunos; criou
um programa chamado “Future-se”, onde defendia doações, aluguel e até mesmo a
venda de patrimônio público para empresas privadas, bem como naming rights,
submetendo-as às regras de mercado, ignorando a função cientifica e social da
universidade e fazendo crer que tais instituições só teriam utilidade caso passassem a
dar lucro ou que não dessem “prejuízo”; ainda sobre o “Future-se”, o a universidade
que aderisse ao programa teria que abrir mão de realizar contratação de professores via
concurso público para empregá-los via CLT (Carteira de Trabalho), algo que
aumentaria a rotatividade dos profissionais e prejudicaria de forma severa as pesquisas;
acabou com o programa “Idioma Sem Fronteiras”, o qual já havia formado 818 mil
estudantes desde que foi criado em 2014 e que oferecia cursos gratuitos de idiomas
diversos, bem como exames de proficiência, à comunidade acadêmica; publicou uma
portaria em pleno dia de réveillon de 2019 que restringia a participação de cientistas
brasileiros a apenas dois integrantes em fóruns, feiras, seminários e eventos fins,
mesmo que as viagens não fossem pagas pelo governo, em clara demonstração de
desprestigio pelas pesquisas e livre-pensar.
Para além dos citados desafios ideológicos, temos o desafio financeiro.
Lembrando a frase de Darcy Ribeiro - que disse que a crise da Educação brasileira não
é crise, é projeto – as dificuldades impostas por sucessivos governos neoliberais, que
tudo enxergam sob a ótica do capital e seus oligarcas, fazem a academia brasileira ter
que sobreviver e se superar com cada vez menos recursos financeiros, o que implica
em menos recursos materiais e humanos. Em maio de 2019, o MEC anunciou a
retenção de 30% da verba das universidades federais; no mesmo ano, foram anunciados
vários cortes que atingiram 11 mil bolsas de pós-graduação, mestrado e doutorado pelo
país; em fevereiro de 2020, foi anunciada a proibição de universidades e institutos
federais aumentarem a despesa com pessoal, o que, na prática, invalidou benefícios de
servidores, como auxílio-natalidade ou retribuição de titulação, em um claro
desestímulo ao progresso individual do servidor da Educação.
Para além dos entraves governamentais, temos ainda a problemática inerente ao
ensino superior e sua complexidade em um país continental como o Brasil, com
realidades díspares. Como nos alerta Neves (2007):

Os grandes desafios da educação superior estão relacionados a inúmeras


questões, tais como: a ampliação do acesso e maior equidade nas condições do
acesso; formação com qualidade; diversificação da oferta de cursos e níveis de
formação; qualificação dos profissionais docentes; garantia de financiamento,
especialmente para o setor público; empregabilidade dos formandos e
egressos; relevância social dos programas oferecidos; e estímulo à pesquisa
científica e tecnológica.

Como visto, os desafios do ensino superior em nosso país são grandes, ainda mais
levando-se em conta a já falada falta de boa vontade de governantes para com a educação
da população, os recursos sempre limitados e o contexto social de pobreza econômica
onde estão inseridos grande parte dos alunos das IES.
Falando em perspectivas do ensino superior no Brasil, temos alguns fatores que
sempre acompanharam a universidade. São problemas que se repetem ad aeternum. O
descolamento de alguns cursos e o mercado de trabalho é um deles. Especialmente na
área de humanas, muitos alunos se formam e não tem perspectiva de empregabilidade,
especificamente em um mercado cada vez mais limitado, exclusivista e precário, onde a
falta de direitos trabalhistas é vista como “empreendedorismo”. Outra perspectiva ainda
não superada é a barreira do acesso e manutenção do curso por parte dos graduandos.
Com o fim dos exames vestibulares, o ENEM passou a ser a porta de entrada para a
universidade pública. Sendo o exame anual, a cada nota baixa que o pretenso universitário
recebe, perdem-se mais 12 meses à espera do próximo exame, o que desestimula grande
parte dos candidatos, que desistem do sonho da formatura e seguem para o mercado de
trabalho em subempregos ou ainda se rendem à “uberização”, aderindo ao trabalho por
aplicativos de entrega ou de transporte, sem qualquer garantia trabalhista. Já nas
universidades particulares, se a barreira do acesso não é tão grande e exclusivista como
na pública, há a alta taxa de desistência. Graduandos que abandonam seus cursos por não
terem condições de pagá-lo ou que não conseguiram ser contemplados com participação
em programa de financiamento estudantil, como ProUni e FIES.
Mesmo o professor sendo um agente de transformação desta realidade, ele mesmo
encontra limites em seu trabalho. Como afirmam Junior e Cavaignac (2018), os professor
é vítima de alguns fatores estruturais, como “a insuficiência pedagógica dos docentes,
inclusive daqueles que formam professores, a precarização das relações e condições de
trabalho (...) e a falta de recursos públicos para suprir as demandas profissionais e
institucionais.”
Antes de ser um agente transformador, o próprio professor é ele uma vítima do
sistema dominante, de eterna desvalorização do ato de ensinar. Mesmo com essas
barreiras, o docente consegue sim, ser um agente de transformação. Sendo o professor o
responsável pela orientação educacional, teórica e metodológica do aluno, ele acaba
sendo mais que um transmissor de saberes ou facilitador de estudos, passando a servir
como agente transformador da realidade daquele aluno. De acordo com Ruiz (2003):

Os papéis dos profissionais de educação necessitam ser repensado. Esses não


podem mais agir de forma neutra nessa sociedade de conflito, não pode ser
ausente apoiando-se apenas nos conteúdos, métodos e técnicas, não pode mais
ser omisso, pois os alunos pedem uma posição desses profissionais sobre os
problemas sociais, mas como alguém que tem opinião formada sobre os
assuntos mais emergentes e que está disposto ao diálogo, ao conflito, à
problematização do seu saber.

O aluno, inserido no contexto tecnológico da rapidez de propagação das


informações e saberes, busca no professor não somente um depositante de teorias, mas
um guia prático de transformação da realidade vigente, realidade esta que o afeta
diariamente e diretamente, sendo esta a causa de sua pobreza socioeconômica e falta de
perspectivas. O aluno passa a buscar no professor aquilo que nunca teve em casa: a
atenção de alguém culto, que se digne a debater com ele problemas que o afeta.
Na prática, isso quer dizer que o professor pode e deve se envolver em situações
que exigem um posicionamento de sua parte, sendo ele um membro da comunidade
acadêmica. Não apenas nesta, mas na sala de aula e no ambiente universitário. O professor
não pode estar alheio ao mundo à sua volta. Isso por vezes pode até acarretar problemas
a médio prazo, posto que o processo ensino-aprendizado é regido por rígidas normas de
conduta e por vezes é utilizado para sustentar interesses diversos e que não ousam serem
questionados.
BIBLIOGRAFIA

MARQUES, Pedro. Uber com diploma. UOL Economia, 2019. Disponível em:
https://economia.uol.com.br/reportagens-especiais/profissionais-com-faculdade-viram-
uber/#cover. Acesso em: 27 ago. 2021
EDUCAÇÃO é a área mas atingida pelos cortes orçamentários de Bolsonaro. Rede Brasil
Atual, 2021. Disponível em:
https://www.redebrasilatual.com.br/educacao/2021/04/educacao-e-a-area-mais-atingida-
pelos-cortes-orcamentarios-de-bolsonaro/. Acesso em: 27 ago. 2021
JUNIOR, Antônio Germano Magalhães; CAVAIGNAC, Mônica Duarte. Formação de
professores: limites e desafios na Educação Superior. Cadernos de Pesquisa, Fortaleza-
CE, v. 48, n. 169, p. 902-920, jul. set. 2018
O PAPEL do professor como agente de transformação. Tenda do Saber, 2019.
Disponível em: http://blogtendadosaber.com.br/o-papel-do-professor-como-agente-de-
transformacao/. Acesso em: 27 ago. 2021
RUIZ, Maria José Ferreira. O papel social do professor: uma contribuição da filosofia
da educação e do pensamento freiriano à formação do professor. Revista Ibero-Americana
de Educação. Araraquara-SP, n. 33, set. a dez. 2003
NEVES, Clarissa Eckert Baeta. Desafios da Educação Superior. Sociologias, Porto
Alegre, ano 9, n. 17, p. 14-21, jan. a jun. 2007

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