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QUEM QUER SER PROFESSOR?

Brasil tem um dos piores pisos salariais do mundo e risco de apagão


docente é iminente. Especialistas avaliam os desafios e possíveis caminhos
para recuperar o prestígio da profissão

Dolores Orosco 15 de Outubro de 2023


Eduardo Amaral Santos tem 22 anos e vive em Tabira, município com
cerca de 30 mil habitantes, no sertão do Pernambuco. Neste ano, conclui a
graduação em Ciências Biológicas num curso de educação à distância. Quer ser
professor, como a mãe e as três irmãs. Seu sonho é um dia dar aulas em uma
universidade, mas, enquanto o diploma não vem, atua como substituto na rede
municipal de ensino. Ele acredita na potência de sua profissão, que “um
professor pode mudar vidas”, mas sabe que tem um caminho duro pela frente.
“A falta de políticas públicas de incentivo e a violência em sala de aula me
assustam. Também me sinto solitário quando procuro apoio das famílias dos
alunos”, reflete. “Muitos pais não sabem como controlar os filhos, principalmente
na fase de rebeldia da adolescência, e responsabilizam a escola.”
Se seguir determinado em seus planos, o jovem tabirense poderá ser, no
futuro, um dos poucos profissionais de sua área. Além dos problemas citados
por Eduardo, ser professor hoje é exercer um ofício que, de tão precarizado,
corre o risco de entrar em extinção. Pesquisa divulgada em 2022 pelo Instituto
Semesp – que representa as mantenedoras do ensino superior – aponta que,
até 2040, a educação básica pode sofrer um apagão, com a falta de pelo menos
235 mil docentes. “O número de ingressantes nas licenciaturas vem caindo
bruscamente e a maioria dos profissionais em atuação hoje tem, em média, 50
anos”, explica a educadora Lúcia Teixeira, presidente do Semesp.

Entre 2009 e 2021, a quantidade de professores de até 24 anos, em início


de carreira, despencou 42,4%, passando de 116 mil para 67 mil, indica o
levantamento. Os baixos salários estão entre os principais motivos que justificam
o desinteresse pela licenciatura. Segundo relatório divulgado em 2021 pela
Organização para a Cooperação do Desenvolvimento Econômico (OCDE), o
piso salarial do docente brasileiro era o mais baixo entre os 40 países que fazem
parte da entidade global, incluindo aí vizinhos latinos como Colômbia e México.

No Brasil, informa o relatório, um professor tem salário inicial de US$ 13,9


mil por ano (cerca de R$ 71 mil) – o valor é referente a 2018 e foi convertido em
dólar para melhor comparação das remunerações, levando em conta o custo de
vida em cada nação. Em Portugal, o salário inicial por ano é de cerca de US$ 34
mil (R$ 172 mil), enquanto no México é US$ 27 mil (R$ 136 mil) e, na Colômbia,
US$ 22 mil (R$ 111 mil).
No entanto, dinheiro não é o único problema. Saúde mental é um dos
fatores que vem pesando ainda mais na rotina de quem trabalha em sala de aula.
Paolla Vieira, diretora da Conectando Saberes — programa da Fundação
Lemann formada por mais de 600 docentes em todo o Brasil — conta que
“questões psicológicas” são citadas por 75% dos professores que desistem da
carreira. “Conversando com mais de 6 mil integrantes da nossa rede, verificamos
que 48% deles afirmam ter entrado na profissão por ‘falta de opção’ e nesta
resposta há vários retratos de um mesmo Brasil”, diz Paolla. “Para você passar
na licenciatura é preciso a menor nota de corte, dentre as carreiras mais
concorridas. Além disso, em lugares mais distantes do país, a pedagogia acaba
sendo uma faculdade mais fácil de ser encontrada do que medicina, por
exemplo. A pessoa começa a se formar professor em um lugar muito pouco
estruturado.”

De repente, especialista

Outro problema comum citado pelos entrevistados é a inadequação em


sala de aula. “Por falta de profissionais, acontece de um professor se ver
obrigado a ensinar uma disciplina que não é a sua. Imagine o efeito disso no
aprendizado do aluno”, diz Paolla.

A falta de professores especialistas é outra das consequências do


desinteresse pela magistratura. A pedagoga Anna Helena Altenfelder, presidente
do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária
(Cenpec), afirma que os levantamentos mais recentes mostram que há uma
queda preocupante em ingressantes em licenciaturas como Ciências Sociais,
Música, Filosofia e Artes. “Essas foram as disciplinas que apresentaram as
menores quantidades de matrículas em 2021”, explica.

No entanto, é nas áreas exatas que, historicamente, o número de


docentes vem apresentando queda progressiva. “Matemática, Física e Química
são as que registram as maiores taxas de desistências acumuladas na última
década”, explica Anna.

A concorrência com as telas

Além de problemas estruturais, o professor hoje lida com uma geração de


alunos impactada por uma pandemia e altamente ligada à tecnologia. Patrícia
Diaz, diretora-executiva na Comunidade Educativa CEDAC, que atua na
formação de docentes, destaca como principal desafio a “pouca mobilização de
alguns jovens para o estudo”.
“O pós-pandemia fragilizou o vínculo do estudante com a escola.
Aprender é um processo complexo e, sem garantir esse desejo interno nos
estudantes, pouco se avança”, explica. “Outros tantos desafios de diferentes
ordens estão presentes na escola. A violência, o racismo e a depressão, só para
citar três que não são nada simples e que também exigem a atenção dos
professores.”

Patrícia destaca ainda o ritmo frenético do avanço tecnológico frente às


estratégias e metodologias utilizadas para o ensino, em tempos de redes sociais.
“Em geral, a escola é uma instituição conservadora e demora para incorporar as
novas tecnologias.”

Possíveis caminhos

Apesar do cenário dramático, soluções para resolver os problemas já


foram postos à mesa, mas precisam ser servidas. No Plano Nacional de
Educação (PNE), do Ministério da Educação e Cultura (MEC), que está em vigor
até 2024, há metas para melhorar a situação salarial e de condições de trabalho
dos professores.

“Elas se referem a valorização dos profissionais de magistério e a


equiparação do seu rendimento médio aos demais trabalhadores com o mesmo
nível de escolaridade. Na verdade, essa meta deveria ter sido cumprida em 2020
e ainda não foi”, explica Anna Helena, do Cenpec. “Da mesma forma, há metas
que asseguram a existência de planos de carreira para profissionais da
educação básica de todos os sistemas de ensino e o estabelecimento do piso
salarial. Hoje, só 19 estados cumprem isso. É preciso uma pressão da população
para que isso aconteça.”

Paolla Vieira, da Conectando Saberes, destaca ainda modelos


internacionais para a formação de novos profissionais que poderiam ser
adotados por aqui. “Alguns países tiveram experiências muito bem sucedidas
para a carreira de professores. Claro que o Brasil é um país continental e
devemos levar isso em conta, mas em Cingapura, por exemplo, há um processo
seletivo para se formar professor que é muito rigoroso. Então estamos falando
dos melhores profissionais entrando na carreira”, explica Paolla. “Na Austrália
existe um período de experiência antes de se formar professor. Eles tiram uma
licença provisória, como se fosse um CNH mesmo. O professor então tem esse
período para entender o que é a docência e se ela faz sentido ou não para ele”,
completa.
Especialistas na área da educação são unânimes ao afirmar que é preciso
ouvir os próprios professores durante a elaboração de políticas públicas para
solucionar os problemas tão graves que há décadas assolam a categoria. É o
que pensa também um dos representantes mais experientes da docência na
cidade de São Paulo, Luiz Carlos Barbizan, 75 anos. “Existe uma discrepância
muito grande entre o que acontece hoje na escola pública e o que pensa quem
a critica e quem tem o poder de tomar as decisões sobre ela. Gente fechada em
seus gabinetes com ar condicionado…”, diz o professor. “O pior não é a falta de
docentes no mercado, mas toda uma demanda reprimida. Na escola faltam
profissionais de saúde, assistentes sociais, recreação e apoio psicológico para
o estudante. Muitos vêm de lares desestruturados e precisam encontrar suporte
para o aprendizado.”

Ao longo da carreira, Barbizan deu aulas de Ciências Sociais, História e


Geografia nas redes privadas e públicas de ensino. Desde 2000 atuava em duas
escolas municipais na Vila Maria e na Cidade A E Carvalho, bairros periféricos
da zona leste paulistana, com adolescentes do 6º ao 9º ano do ensino
fundamental II. Aposentou-se na última semana, após 41 anos de magistratura.
“Um dos meus maiores prazeres era a troca de experiências com jovens colegas.
Quando um deles dizia que tinha muito a aprender comigo, eu sempre respondia
que na verdade era o contrário”, explica. “A educação não evolui na mesma
velocidade que as mudanças na sociedade. Então cada novo professor que entra
em sala de aula tem uma pequena revolução a oferecer.”

https://gamarevista.uol.com.br/semana/o-que-motiva-os-
professores/quem-quer-ser-professor/

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