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Novo Ensino Médio: entenda as 3 principais

críticas ao modelo
O MEC publicou uma portaria que suspende o cronograma de implementação do
plano durante 60 dias para avaliar e reestruturar a política nacional, vigente desde
2022

Sob a promessa de promover maior autonomia sobre os currículos e formar


estudantes mais aptos para entrar no mercado de trabalho, o novo Ensino
Médio passou a ser implementado em 2022 nas escolas públicas e privadas do
Brasil. Muitas das mudanças sugeridas, porém, são criticadas pelos profissionais
de educação, bem como pelos próprios alunos.

Em meio a uma onda recente de manifestações contrárias à reforma, Camilo


Santana, responsável pela pasta do Ministério da Educação (MEC), publicou nesta
terça-feira (4) no Diário Oficial da União a Portaria n° 627/2023. A medida prevê a
suspensão durante 60 dias do Cronograma Nacional de Implementação do Novo
Ensino Médio.

Segundo o ministro, a ação tem como objetivo atender as demandas da população


a partir de uma reavaliação e reestruturação da política nacional. Ele reitera que a
portaria não acarreta mudanças na rotina das escolas neste momento, tampouco
nos planos para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) deste ano.

“Vamos ampliar a discussão. O ideal é que, em um processo democrático, a gente


possa escutar a todos. Principalmente, quem está lá na ponta, que são os alunos,
os professores e aqueles que executam a política, que são os estados”, declarou
Santana em anúncio durante evento no MEC.

Conheça, a seguir, algumas das críticas ao modelo.

1. Falta de debate com a sociedade


A proposta de reformulação do Ensino Médio foi criada como uma medida
provisória — que tem tramitação rápida e parte do Executivo —, durante o governo
de Michel Temer. Em 2017, o texto foi aprovado pelo Congresso Nacional no
formato da Lei n° 13.415, que estabeleceu a adoção do novo sistema de forma
gradativa a partir de 2022 até 2024.

Desde que foi apresentado, o projeto foi alvo de críticas pela ausência de debate
sobre os interesses da sociedade, isso tanto em relação aos especialistas em
educação quanto por parte dos alunos. “Foi uma medida autoritária que não
manteve diálogo com a comunidade escolar, as entidades educacionais ou
estudantis”, caracteriza Bruna Brelaz, presidenta da União Nacional dos Estudantes
(UNE), em nota.

Mesmo diante da pandemia de Covid-19, enfrentada a partir de 2020, e já no


mandato de Jair Bolsonaro, os planos para o novo Ensino Médio não foram
revistos. Além das dificuldades de se alterar um modelo em atividade há décadas,
era preciso pensar em soluções para os novos prejuízos que foram gerados pelo
isolamento social e pelas defasagens do ensino a distância (EAD) forçado, como
medida de emergência.

Mais do que isso, movimentos ligados à educação alegam, em carta aberta, que o
governo federal se ausentou das discussões sobre o assunto, deixando as
responsabilidades pelas mudanças a cargo apenas dos estados e municípios. “A
implementação nesse contexto revela mais uma de suas facetas perversas,
impossibilitando o debate democrático, dificultando o controle social e
aprofundando os processos de precarização e privatização da educação pública”,
diz o documento.

O ministro Santana defende que a suspensão assinada por ele é justamente uma
resposta direta a esse sentimento das organizações pedagógicas. “A questão
transcende a simples revogação e passa pelo debate sobre melhoria da qualidade”.

Ao longo do período de reavaliação do modelo, será realizada uma consulta


pública por meio de audiências com a sociedade civil, oficinas de trabalho com as
unidades da federação, seminários e pesquisas com estudantes, professores e
gestores escolares. A partir desses resultados, mudanças deverão ser propostas
para 2024.
2. Exclusão de disciplinas
Outro ponto de críticas ao novo Ensino Médio é a reorganização da grade de aulas.
No lugar das tradicionais disciplinas (História, Artes, Química, Biologia etc.), o
conteúdo é apresentado aos jovens em quatro áreas do conhecimento integradas
(Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da
Natureza e suas Tecnologias e Matemática e suas Tecnologias).

Também previu-se um aumento de 200 horas na carga horária anual obrigatória


das escolas, além das 800 horas já estabelecidas. Para respeitar isso, a mudança
ampliou a carga horária diária dos estudantes de quatro para cinco horas.

Somando os três anos previstos para o Ensino Médio, a carga horária completa
chega a 3 mil horas. Desse valor, há uma divisão de 60% da carga voltada para uma
formação geral básica, pela qual todos os alunos passam, e outros 40% voltados
para os chamados “itinerários formativos”, projetados para dar mais flexibilidade ao
currículo.

Com um teto para a formação geral básica de 1.800 horas, apenas as disciplinas de
Língua Portuguesa e Matemática são obrigatórias nos três anos. As outras áreas
do conhecimento não são ministradas de forma específica.

O novo modelo ainda é criticado por ser mais flexível em relação ao EAD. Hoje, é
regulamentado que até 20% da carga horária — ou 30% no caso das turmas
noturnas — seja realizada remotamente. “O ensino remoto emergencial durante a
pandemia demonstrou a imensa exclusão digital do Brasil, que impediu milhões de
estudantes de acessarem plataformas digitais de aprendizagem. Essas mesmas
ferramentas estão agora sendo empregadas pelos estados na oferta regular do
Ensino Médio, precarizando ainda mais as condições de escolarização dos
estudantes mais pobres”, destacam os autores da carta aberta.

3. Realidade prática dos itinerários formativos


Os itinerários formativos eram a grande promessa de diferencial para o novo
Ensino Médio. Apresentados como aulas optativas a serem cumpridas em 1.200
horas divididas pelos três anos, a proposta é integrar múltiplas áreas do
conhecimento em um mesmo planejamento pedagógico, de forma a promover ao
jovem uma formação técnica e profissional específica.

Nesse modelo, os estados têm liberdade para desenvolver os itinerários formativos


que serão ofertados nas instituições da região a partir do que deveria ser a
demanda e o interesse da população. Assim, cada escola poderá escolher quais
trilhas de estudo vai oferecer aos seus alunos, sendo obrigatória a disponibilidade
de, pelo menos, dois itinerários.

Mas, na prática, com a oferta de disciplinas como “Empreendedorismo”, “Culinária”,


“Agronegócio”, entre tantas outras, diversos profissionais da educação têm
apontado uma sobrecarga de atribuições e dificuldades para ministrar suas aulas,
presos pelas apostilas. Além disso, há casos de matérias sendo atribuídas a
pessoas sem formação docente e contratadas precariamente para lidar com jovens
em ambiente escolar.

A preocupação em instrumentalizar o Ensino Médio é que as capacitações técnicas


exigem a disponibilidade de infraestrutura nas escolas. Isso pode ser um problema
em instituições localizadas em regiões longe das capitais.

Escolas voltadas para atender as populações residentes do campo, bem como os


quilombolas e os povos indígenas, muitas vezes sofrem com a escassez de
recursos financeiros para o investimento em profissionais e estrutura física. Para a
escola oferecer, por exemplo, um itinerário com foco em informática, é preciso, no
mínimo, ter internet de boa qualidade, computadores e um professor apto para
ministrar as aulas.

Vale destacar que as escolas não são obrigadas a disponibilizar todas as trilhas
previstas pela secretaria de Educação de seu estado. Dessa forma, ainda pode
acontecer dos alunos enfrentarem problemas de não identificação com as
propostas temáticas de sua região.

Em muitos casos, por falta de oportunidade financeira para se locomover para


outras áreas, esses jovens podem optar por trilhas que não correspondem aos
seus interesses. Isso ainda pode fazer com que se forme na região um mercado
saturado de profissionais de mão de obra técnica subqualificada.

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