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Da Exclusão à Inclusão
Crianças com habilidade abaixo da média são muito mal servidas por nosso
sistema educacional. Aquele que é menos capaz academicamente continua a
sofrer as conseqüências de quaisquer que sejam os problemas agudos ou crôni-
cos que afetam o sistema educacional.
(Department of Education and Science – DES, 1991, p. 2)
Estas palavras, que foram ditas pelo Chefe dos Inspetores das Escolas da
Sua Majestade no período de 1989 a 1990, iluminaram o fracasso do sistema
educacional para responder às necessidades de crianças cujas aquisições e
habilidades educacionais estão abaixo da média. Apesar de essa análise ainda
apresentar um cunho de verdade após uma década, ela não faz referência ao
fato de que a maioria das crianças que são menos capazes academicamente
são também aquelas que vivem nas áreas em desvantagens social e econômica.
Estamos muito aquém de entender por que e como crianças com histó-
rias de pobreza, com tanta freqüência, fracassam nas escolas e muito menos
ainda o que pode ser feito para reduzir ou eliminar tais disparidades. Não há
uma explicação simples ou única para isso. Alguns culpam as crianças por
serem menos inteligentes ou estarem menos “prontas” para aprender. Outros
criticam os pais pelo fracasso como conseqüência do fato de não se interessa-
rem pelo desenvolvimento de seus filhos e de não oferecerem um ambiente
que conduza ao desenvolvimento e à aprendizagem. As escolas são culpadas
por terem baixa expectativa quanto ao aproveitamento dos alunos e, além
disso, por aceitarem com facilidade que as crianças pobres serão aquelas que
mais provavelmente não terão um bom desempenho na escola. Quase todos
nós culpamos o governo por não gastar dinheiro suficiente com as crianças ou
por gastá-lo de maneira errada.
24 Peter Mittler
foi particularmente bem-vinda pelos professores que trabalham com alunos com
necessidades educacionais especiais, já que oportunizou a introdução do tema
necessidades especiais em cada grupo de trabalho, assim como ouviu os interes-
ses das questões relativas às necessidades especiais durante um genuíno proces-
so de consulta. O relatório Dearing refletiu ainda um grau de entendimento
quanto ao talento e à riqueza de inventividade demonstrados por professores,
tanto nas escolas regulares como nas escolas especiais, os quais trabalham com
maior flexibilidade em um quadro de referência oferecido pelo Currículo Nacio-
nal. Isso foi complementado por uma série de diretrizes e “exemplos de traba-
lho” oferecidos pelos grupos de trabalho dos professores (Fagg et al., 1990) e
pelo National Curriculum Council, alguns deles discutindo a ampla gama de
alunos com necessidades educacionais especiais (NCC, 1989a), mas muitos de-
les focando as crianças com dificuldades graves de aprendizagem (NCC, 1992;
School Curriculum and Assessment Authority – SCAA, 1996a).
O novo Currículo Nacional, implementado em setembro de 2000, incor-
porou o conceito de inclusão como um princípio fundamental desde a sua
implantação, o que se refletiu no trabalho de cada comissão disciplinar. Se
essa nova versão do currículo é bem mais aceitável a uma ampla gama de
alunos do que a versão anterior era, um passo significativo foi dado em termos
de um trabalho em direção à educação inclusiva (ver Capítulo 7).
DIREITOS HUMANOS
1
N. de T. Este documento foi publicado no Brasil pela Coordenadoria Nacional para Inte-
gração da Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE) e é distribuído gratuitamente. Ed.
Ministério da Justiça – Secretaria Nacional de Direitos Humanos.
30 Peter Mittler
são foi constituída por Barnardos como parte da série What works?, a qual
objetiva “produzir informação sobre práticas proveitosas e efetivas no traba-
lho com crianças e pessoas jovens disponíveis ao profissional atuante” (Sebba
e Sachdev, 1997, p. 5). Nesse estágio, é válido citar uma passagem das conclu-
sões dessa revisão:
MUDANDO TERMINOLOGIAS
Especial?
Há onze anos, Peter Pumfrey e eu escrevemos um pequeno artigo no
Times Educational Supplement, no qual sugerimos que “o conceito de necessi-
dades educacionais especiais cresceu além da sua utilidade e deve ser coloca-
do à parte” (Pumfrey e Mittler, 1989; Mittler, 2000, em um artigo retomando
esse assunto). Mesmo se isso fosse abolido por uma resolução ministerial a
partir de amanhã, o prejuízo causado pelo uso da referida linguagem levaria
muito tempo para ser sanado.
Isto é mais do que um assunto da linguagem do “politicamente correto”:
refere-se ao constante uso de palavras que criam ou mantêm um modo de pen-
sar que perpetua a segregação exatamente em um momento em que estamos
falando sobre mover-se em direção a sistemas educacionais mais inclusivos e
sobre uma sociedade mais inclusiva. Nesse contexto, o uso continuado da pala-
vra “especial” não é apenas um anacronismo, mas também é algo discriminatório.
Se pretendemos reconceitualizar o nosso campo de ação, a partir dos 20%
vislumbrados pelo Warnock,2 para um grupo ainda maior de termos que abran-
jam todas as crianças que vivem na pobreza e, portanto, que estão em situação
de risco de uma performance acadêmica significativamente inconsistente, deve-
mos perguntar-nos se a linguagem que usamos serve aos nossos objetivos ou se
os enfraquece. Essas crianças são consideradas “especiais” apenas porque o sis-
tema educacional até então não foi capaz de responder às suas necessidades. O
desafio da inclusão é que ela objetiva a reestruturação do sistema para que ele
possa responder a uma gama inteira de necessidades especiais. Logo, devemos
encontrar palavras que impeçam a rotulação das crianças, ao mesmo tempo que
enfatizem os desafios ao sistema.
Necessidades?
A introdução do conceito de necessidades no início dos anos 70 (Gulliford,
1971) e a sua subseqüente adoção no Relatório Warnock foi muito útil naquele
período. Esse conceito ajudou a mudar a ênfase dos defeitos e dos déficits da
criança para a identificação de uma necessidade individual única, descon-
siderando-se os rótulos trazidos pela categorização (diagnósticos).
Infelizmente, a definição dessas necessidades foi cada vez mais limitada
pelos recursos disponíveis e foi guardada por agências e profissionais suspei-
tos, deixando os pais e os próprios alunos à margem. Alguns julgamentos
legais notáveis encorajaram autoridades a acreditar que não precisariam for-
necer serviços se elas não tivessem meios de financiá-los.
2
N. de T. O Relatório Warnock, publicado em 1978 no Reino Unido, é o resultado de uma
análise profunda da situação educacional da pessoa portadora de deficiência.
Educação Inclusiva 33
DA INTEGRAÇÃO À INCLUSÃO
Booth argumenta que a inclusão não pode ser considerada de modo iso-
lado da exclusão: “Defino inclusão em termos de dois processos vinculados. É
o processo de aumentar a participação dos aprendizes na escola e de reduzir a
sua exclusão com relação ao currículo, à cultura e às comunidades das insti-
tuições educacionais regulares existentes na vizinhança (Booth, 1999a, p. 78).
De forma equivalente, Ainscow caracteriza a inclusão deste modo:
Eles também merecem apoio dos seus diretores e das autoridades locais, as-
sim como dos coordenadores de necessidades especiais da escola e dos servi-
ços externos de apoio à escola. Isto deve ser expresso com clareza no plano de
desenvolvimento da escola e na política de necessidades especiais.
As definições de acordo com essas linhas sugerem que a inclusão é in-
compatível com as classes especiais nas escolas regulares devido ao grau de
segregação entre os alunos com necessidades educacionais especiais e os ou-
tros alunos. Algumas autoridades educacionais locais optaram por muitas es-
colas regulares especialmente equipadas em uma ampla área, as quais acei-
tam crianças com deficiência significativa nas salas de aula regulares, mas que
podem estar situadas a alguma distância da casa da criança. A maioria das
escolas especiais tem vínculos com as escolas regulares próximas, onde os
alunos têm oportunidades semanais de assistirem às aulas nas salas de aula
regulares (Fletcher-Campbell, 1994). Poucas dessas abordagens respondem
ao critério estrito para inclusão, porque as escolas não estão no bairro onde a
criança mora e porque não há evidência de uma reforma curricular para aco-
modar um grupo maior de alunos.
Em uma interpretação estrita, a inclusão também é incompatível com a
manutenção de longo prazo de um sistema de educação isolado, pelas mes-
mas razões que a educação compreensiva,3 com freqüência, é considerada
incompatível com a continuação das Grammar Schools. Entretanto, esta não
é, com certeza, a perspectiva do governo britânico, que se refere ao espectro
ou ao contínuo de serviços nos quais as escolas especiais continuarão a ser
uma opção, embora com um papel diferenciado, o qual ainda deve ser debati-
do (Department for Education and Employment – DfEE, 1998a).
CONCLUSÕES
Este capítulo pintou uma tela muito ampla de alguns dos desafios funda-
mentais com os quais nos deparamos no processo de nos movermos em direção
a sistemas educacionais mais inclusivos. A rua de acesso à inclusão não tem um
fim porque ela é, em sua essência, mais um processo do que um destino. A
inclusão representa, de fato, uma mudança na mente e nos valores para as
escolas e para a sociedade como um todo, porque, subjacente à sua filosofia,
está aquele aluno ao qual se oferece o que é necessário, e assim celebra-se a
diversidade. Embora usemos a linguagem da diversidade, da justiça social e da
igualdade de oportunidades, a sociedade em que vivemos ainda está repleta de
desigualdades, as quais, por sua vez, refletem-se no sistema educacional. Como
podemos mudar tal sistema dividido em um outro, que é mais inclusivo? Como
3
N. de T. A educação compreensiva é realizada nas Comprehensive Schools, as quais devem
receber as crianças da própria comunidade em que se inserem.
Educação Inclusiva 37
esse paradoxo pode ser resolvido? Será que as escolas podem mostrar o cami-
nho? Portanto, precisamos ver as necessidades especiais nos contextos mais
amplos das desigualdades sociais e da marginalização. Isto também é parte do
desafio de reduzir a pobreza e atingir a justiça social.
O processo de trabalhar para a educação inclusiva ainda pode ser visto
como uma expressão de luta para atingir os direitos humanos universais. Como
isso é uma prioridade global, cuja liderança foi assumida pelas Nações Uni-
das, o Capítulo 2 fornecerá o contexto internacional a partir do qual, então,
consideraremos os desenvolvimentos no Reino Unido.