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HISTÓRIA E DOCUMENTAÇÃO

– ABORDAGENS PRÁTICAS
AULA 2

Prof. Igor Tadeu Camilo Rocha


CONVERSA INICIAL

O objetivo desta aula será esmiuçar de maneira mais verticalizada alguns


pontos sobre as classificações dos documentos, suas identificações e tipologias,
de modo que elas poderão ser mais bem fixadas e compreendidas nos seus
aspectos mais centrais. Em primeiro lugar, veremos como as classificações
adotadas nos arquivos históricos oferecem informações valiosas que irão nortear
a execução de uma pesquisa histórica. Das classificações, vamos apresentar
alguns tipos documentais, o que necessariamente implicará algum
aprofundamento quanto à análise tipológica dos documentos.
Posteriormente, veremos os bancos de dados, sua lógica, funções,
historicidade e funcionamento. Finalmente, analisaremos alguns exemplos de
bancos de dados com documentação histórica, a fim de percebermos as
aplicações práticas de alguns apontamentos feitos ao longo desta aula.

TEMA 1 – APROFUNDANDO AS CLASSIFICAÇÕES DE UM DOCUMENTO

Anteriormente, vimos que as tipologias documentais devem ser


construídas por meio de uma análise crítica, interna e externa, do documento.
Para tanto, lançamos mão de ciências auxiliares, como a diplomática, a
paleografia, a linguística, entre outras. Assim, podemos chegar à
contextualização das atribuições de um documento, das competências, funções
e atividades da entidade geradora/acumuladora dele (Belloto, 2002, p. 19-20).
Quaisquer outras ciências que permitam ao pesquisador retirar o máximo de
informações de um documento, a fim de dinamizar as suas possibilidades de
análise, também podem servir como ciências auxiliares. Por exemplo, o
desenvolvimento da cartografia histórica é tributário, em muito, do diálogo entre
a história e a geografia para análise de mapas, paisagens e características
diversas dos espaços físicos no passado (Bueno, 2004; Rodrigues, 2014).
Tendo em vista tais conhecimentos, os arquivos que guardam e fazem a
curadoria dos documentos criam suas classificações. Baseando-se nelas,
podemos classificá-los quanto ao gênero, espécie, tipologia, natureza do
assunto e forma e formato. Essas informações, geralmente, constam nos
catálogos dos arquivos, em apresentações gerais dos documentos, bem como
nas várias disposições de organização dos documentos em seus acervos. É
fundamental lembrar que tais classificações são dinâmicas e podem mudar na

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medida em que os próprios materiais em que as sociedades humanas registram
suas informações também evoluem. Arquivos e também pesquisadores
precisam constantemente lidar com mudanças de suporte, de meios de
circulação, de formas de escrita e de registro de linguagens, entre várias outras
características.
As classificações, aqui, embora incorporem outras referências, têm como
referência principal a obra de Heloísa Liberalli Bellotto (2002, p. 45-90), Como
fazer análise diplomática e análise tipológica de documento de arquivo.

1.1 Classificação quanto ao gênero

A classificação do documento quanto ao gênero é a maneira de


representá-lo em relação ao seu suporte. Aqui importa sabermos como o
documento em questão porta e contém a informação que será acessada.
Tradicionalmente, o historiador/pesquisador recorre à fonte escrita. Nesse caso,
o documento é classificado no gênero textual, mas, certamente, não nos atemos
a essa única classificação.
Um documento pode ser classificado no gênero cartográfico quando ele
se refere a mapas ou plantas de construções humanas. Quando o documento
carrega sua informação na forma de imagens estáticas, como fotografias,
cartazes, panfletos, gravuras ou pinturas, seu gênero de classificação é o
iconográfico. Já no caso de imagens em movimento, como filmes ou animações,
classificamos o documento no gênero filmográfico.
Há, também, a classificação do documento como registro fonográfico ou
sonoro, no caso de documentos cuja informação esteja na forma de gravações
sonoras, discos, compact discs (CDs) ou mídias como o MP3 ou o MP4. Alguns
arquivos possuem registros documentais no gênero micrográfico, ou seja, na
forma de microfilmes ou microfichas. Atualmente, ainda crescem os acervos em
mídias digitais, classificados como gênero informático.

1.2 Classificação quanto à espécie

Quanto à espécie, os documentos são classificados em relação à


disposição e natureza das informações contidas neles. Na maior parte das
vezes, quando acessamos o documento, vemos nessa classificação as funções
que os documentos tiveram no seu contexto de elaboração. Assim, nesse ponto,

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os documentos são classificados como atas, processos, certidões, ofícios,
decretos, ordens, despachos, cartas, entre outras possibilidades.

1.3 Classificação quanto à tipologia

Em termos técnicos, a tipologia documental é a configuração que uma


espécie de documento assume de acordo com a atividade e finalidade que o
originou. Dito de outra maneira, a tipologia é uma especificação mais exata da
espécie do documento.
Por meio de exemplos, a explicação pode se tornar mais clara. Tomemos
o caso do processo inquisitorial contra o Padre Antônio Vieira (Igreja Católica
Romana, 1659-1668), no final do século XVII. Em relação à classificação por
espécie, é possível identificar que o documento é um processo. Já quanto à
tipologia, se trata de um processo inquisitorial.
Da mesma maneira, um documento cuja classificação por espécie seja a
de um ofício, quanto à tipologia, ele poderá ser classificado como um ofício real,
um ofício presidencial, entre outros tipos de ofício.

1.4 Classificação quanto à natureza do assunto

Sobre a natureza do assunto, o documento é classificado quanto ao seu


teor e autorização para acesso público ao seu conteúdo. Nessa classificação,
devemos ter em vista algumas implicações burocráticas quanto à divulgação do
conteúdo de determinado documento. Inicialmente, um documento pode ser
classificado como ostensivo quando sua divulgação não acarreta prejuízo a
alguém; ou sigiloso, caso contrário.
Documentos oficiais ou de natureza jurídica costumam ter, estabelecidos
por legislação, tempos de sigilo, ou seja, só podem ser acessados após
determinado tempo e/ou mediante algumas condições. Um exemplo claro que
podemos evocar, presente no cotidiano de pesquisadores/historiadores no
Brasil, é quanto a documentos arquivados em arquivos públicos estaduais ou no
Arquivo Nacional, do Rio de Janeiro, que devem passar por esse tipo de
restrição.

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Saiba mais

Mais informações sobre esse tipo de classificação de documentos podem


ser obtidas em: <http://www.arquivonacional.gov.br/br/informacoes-
classificadas> (Brasil, 2018).

Um exemplo famoso é o do Arquivo Secreto Apostólico do Vaticano. A


despeito de muita mitificação veiculada sobre possíveis segredos guardados
nele, o local estabelece apenas alguns tipos de restrição de acesso a
determinados documentos, informações e dados, em função de cuidados com o
acervo ou sigilo burocrático e legal imposto a alguns documentos, por certo
período (Franco; Pinheiro, 2012, p. 36-37).
No caso de pesquisas com fontes orais ou arquivos pessoais, ainda
existem outras implicações dessa classificação, uma vez que a divulgação e o
acesso a esses documentos dependem, a rigor, da autorização de seus
proprietários ou, ainda, são exigidos termos e compromissos relacionados à
ética científica.

1.5 Classificação quanto à forma e formato

Referente à forma ou formato, a classificação se dá quanto às


características físicas e técnicas dos registros de acordo com o que se apresenta
no documento. Dito de outra forma, aqui a classificação se relaciona com a
materialidade do registro. Assim sendo, um registro textual pode vir numa forma
classificada como livro, códice, pergaminho, papiro, fragmento, caderno, lista,
diário, entre outras. Um registro sonoro pode ser na forma de disco, fita, CD,
MP3, MP4, entre outras.
Um aspecto fundamental de ressaltar aqui é que um documento pode ter,
e muitas vezes tem, mais de uma classificação. Um documento escrito pode ter
uma classificação textual, como espécie; se ele for microfilmado, ele terá na
mesma classificação um gênero micrográfico; a partir daí, ele será classificado
de acordo com as suas demais características. Quanto mais elaborado e
complexo for um documento, maior a possibilidade de ele comportar múltiplas
classificações.

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TEMA 2 – OS TIPOS DOCUMENTAIS

É fundamental, aqui, voltarmos às duas primeiras classificações do tema


anterior: espécie e tipologia. Como foi visto, é da espécie documental que se
pode classificar seu tipo. Dessa forma, explica Heloísa Bellotto (2002, p. 91),
uma listagem geral de todos os tipos documentais seria impossível de ser feita,
apesar de ser viável a existência de um glossário, lista ou inventário das espécies
documentais existentes.
Isso quer dizer que, uma vez identificada a espécie documental, a única
maneira viável de se constituir uma lista ou algo similar de tipos documentais é
caso ela seja feita circunscrita a uma determinada área de ação, na qual o
documento em si possa ser pensando segundo o seu contexto e de acordo com
a sua finalidade. Por exemplo, um pesquisador/historiador irá encontrar a
espécie atas num glossário de espécies documentais, ao consultar algum
manual de diplomática ou arquivística. No entanto, consultando a documentação
específica do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), deverá ter em vista em sua
pesquisa que irá se deparar com atas do Conselho Ultramarino ou outras
nomenclaturas mais detalhadas do tipo do documento e, possivelmente, outras
classificações, conforme o que vimos no Tema 1, quando for o caso.
Ter em vista essas duas classificações básicas são fundamentais, já que,
em si, tais terminologias indicam informações importantes ao
pesquisador/historiador. Lembremos que tais classificações servem para se criar
formas eficientes de organização dos arquivos, tornando mais dinâmica sua
consulta e busca.
Ainda com base na metodologia apresentada por Heloísa Bellotto (2002),
explicaremos alguns fundamentos básicos sobre como se desenvolver
classificações tipológicas dos documentos históricos, o que também auxilia o
pesquisador/historiador quanto a identificar devidamente as tipologias
documentais, facilitando sua pesquisa e consulta aos arquivos.

2.1 Como fazer uma análise tipológica: noções preliminares

Heloísa Bellotto (2002, p. 93) explica que podemos estabelecer dois


pontos de partida para a análise tipológica, ou seja, para chegar aos tipos de
documentos históricos que consultamos nos arquivos, depois de identificarmos
sua espécie: o da diplomática e o da arquivística. Uma breve digressão aqui é

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necessária, para entendermos o que é cada uma dessas ciências, ainda que se
teça uma breve definição delas.
Originalmente, a diplomática é uma disciplina que surgiu nas instâncias
administrativas e governamentais, voltada aos estudos dos aspectos formais dos
documentos. Nos dias atuais, ela é muito mais abrangente, por cobrir os estudos
sobre aspectos formais e técnicos de quaisquer tipos de documentos. A
diplomática, assim, ocupa-se de aspectos como datação, autenticidade,
estrutura, fórmulas, ciclos dos documentos, bem como identificação de seus
aspectos internos, externos e intermediários (Duranti; Macneil, 1996, p. 47).
Já a arquivística ou arquivologia abarca, na sua definição, os estudos
sobre normas, técnicas, princípios e procedimentos diversos para o
gerenciamento e organização de arquivos de quaisquer finalidades, entre eles
os arquivos históricos. Essa ciência abrange um vasto campo de estudos, como
o processamento arquivístico, os sistemas de gerenciamento e a administração
e o processamento arquivísticos (Aldabalde, 2018).
Depois dessas definições, podemos entender os caminhos distintos
tomados na análise tipológica do documento pela diplomática e pela arquivística.
Na diplomática, o elemento inicial é a decodificação
do próprio documento e suas etapas são: da anatomia do texto ao discurso; do
discurso à espécie; da espécie ao tipo; do tipo à atividade; da atividade ao
produtor. Já na arquivística, o elemento inicial tem de ser, necessariamente, a
entidade produtora do documento e o percurso é diferente. Começa de sua
competência à sua estrutura; da sua estrutura ao seu funcionamento; do seu
funcionamento à atividade refletida no documento; da atividade ao tipo; do tipo
à espécie; da espécie ao documento.
O resultado de ambos os percursos, conclui Bellotto (2002, p. 93), será o
mesmo, pois iremos chegar ao ponto de encontro desejado entre o documento
(suporte, meio, contextualização) e a sua função (aquilo que se pretende ao se
emitir o documento). Dessa maneira, é necessário que se dê a interação entre a
especificidade de um ato e a tipologia documental adequada para a sua
concretização, podendo ser a sua finalidade dispositiva, probatória ou
informativa.

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2.2 Visualizando a análise tipológica de um documento

Depois de vermos as etapas e como funciona uma análise tipológica


documental, é fundamental que visualizemos cada uma dessas partes. Com
essa exemplificação, será possível, toda vez que consultarmos um arquivo
histórico, entendermos de maneira mais detalhada os cabeçalhos, catálogos ou
informações gerais de quando consultamos qualquer documento.
Louise Gagnon-Arguin (1998) montou o que chamou de grade de
análise do documento, que segue o seguinte roteiro:

a. denominação do tipo documental e sua categoria: especificação do


tipo e categoria do documento, compondo mesmo seu título num
catálogo, por exemplo;
b. contextualização da criação: aqui estarão especificados o máximo
possível de detalhes sobre a criação do documento, bem como
circunstâncias gerais que levaram à sua criação;
c. definição: terminologias que o definem, a serem buscadas em dicionários
especializados, catálogos ou quaisquer documentos que o categorizem
conforme seu contexto de criação;
d. conteúdo: sequência o mais detalhada possível de dados identificados
no documento, apontando aqueles que ocorrem em documentos do
mesmo tipo;
e. condições de validade: alguns documentos devem conter essa
informação, do ponto de vista administrativo e jurídico;
f. funções do documento: referem-se às razões da criação do documento,
propriamente, do ponto de vista administrativo e organizacional;
g. conservação: refere-se aos prazos e motivos dos prazos pelas razões de
permanência nos arquivos, quando for o caso;
h. autoria: nesse caso, quem é o autor ou autora do documento, pessoa
física ou instituição;
i. documentos conexos: documentos paralelos, contemporâneos,
posteriores ou anteriores ao documento em questão, que formem com ele
alguma cadeia necessária de informações, quando for o caso (nem todo
documento tem outros documentos conexos a ele);
j. informações complementares: outras informações relevantes sobre o
documento;

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k. legislação: leis que normalizem existência, arquivamento, conservação e
acesso àquele tipo de documento, complementando o corpo de
informações que devem constar na análise tipológica.

É importante frisar que, mesmo se tratando de um modelo bastante


aplicado nos arquivos, essa grade de análise poderá variar de arquivo para
arquivo e, aqui, devemos fixá-la como uma base de informações que devem ser
entendidas como informações gerais do documento.

TEMA 3 – METODOLOGIAS E O TRATO COM OS DOCUMENTOS

Vimos, anteriormente, que é necessário adequar a metodologia de análise


dos documentos quando se muda tanto a pergunta que o pesquisador/historiador
faz às fontes quanto as próprias tipologias de fontes. Entendendo a metodologia
como o conjunto de procedimentos a serem operacionalizados para se
responder a uma questão posta durante uma pesquisa, uma escolha
metodológica tem necessariamente de dialogar com as espécies e tipologias dos
documentos que são acessados. Caso contrário, a pesquisa em questão torna-
se inviável, ou seja, impossível de ser realizada diante da falta de condições
objetivas para realizá-la.
O pesquisador/historiador, assim que define seu problema, deverá
escolher criteriosamente seu método, de maneira que este seja compatível com
a sua formação de historiador; e, ao mesmo tempo, adotar certa flexibilidade no
uso do método escolhido, de modo a não cair prisioneiro de procedimentos que
prejudiquem as interpretações históricas de fundo e a verificação das hipóteses
de trabalho (Cardoso; Vainfas, 1997). Dessa maneira, será possível explorar a
documentação de maneira apropriada, tratando-a de maneira dinâmica a fim de
que ela possibilite respostas às questões levantadas.
Esse tipo de análise deve preceder a escolha de metodologias
quantitativas ou qualitativas, bem como as variantes delas. Uma metodologia
quantitativa, por exemplo, só poderá ser usada se a documentação e os dados
presentes nela existirem em quantidade e volume adequados a uma
quantificação, assim como a serialização desses dados quantificados.
As análises qualitativas e mesmo as quantitativas, em outra proporção,
por sua vez, necessitam de atenção especial aos documentos conexos aos
analisados, de forma que o pesquisador/historiador possa fazer os cruzamentos

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entre dados de documentos diferentes, o que consiste em se cotejar os dados
de outras fontes com aqueles dados retirados e analisados de um corpo principal
de documentos.
Em síntese, uma escolha metodológica adequada sempre deve partir de
um conhecimento das especificações, tipologias e classificações do documento.
Não apenas do documento no singular, mas de todo o corpus documental e
também das possibilidades de cruzamento que a documentação permite ao
pesquisador/historiador. Além disso, como vimos no item anterior, essas
classificações, especificações e estudos tipológicos possuem critérios. O
conhecimento deles facilita a busca e pesquisa documental nos arquivos.

TEMA 4 – BANCO DE DADOS: O QUE SÃO, FUNÇÕES E EXPERIÊNCIAS

Inicialmente, precisamos entender o que são os bancos de dados.


Existem várias definições sobre eles. De acordo com Heuser (1998, p. 2), eles
são um “conjunto de dados integrados que tem por objetivo atender a uma
comunidade de usuários”. Bevilacqua (2010, p. 15) complexifica a definição ao
afirmar que “o banco de dados é tido como uma coleção ordenada de elementos
de dados relacionados com a função de suprir as necessidades de informação
de uma organização e possibilitar o compartilhamento [dessas informações] por
usuários múltiplos” e que, como tal, tem como requisitos os seguintes aspectos:

 Trata-se de uma coleção de elementos com uma ordem própria


(selecionada e não aleatória), eles devem estar conectados da
forma mais lógica possível;
 Os elementos de dados não são estruturas soltas. Eles são inter-
relacionados e pertinentes dentro da lógica organizacional;
 O banco de dados é concebido para suprir demandas de
informação específicas de uma organização. Dados e informações
que não se encaixam nessas demandas específicas estão no lugar
errado;
 Dados e informações do banco de dados são compartilhados
(colaboração e acesso voltados para os objetivos organizacionais).
(Bevilacqua, 2010, p. 16)

Um equívoco comum é o de entender o banco de dados como um


fenômeno marcadamente contemporâneo. É fundamental, aqui, se ater à
explicação de Tiago Gil (2015, p. 31-49), sobre bancos de dados feitos por e
voltados para historiadores, que diz que eles são formulados sobre “ombros de
gigantes” (Gil, 2015, p. 31-49) que, com variadas experiências, legaram à
historiografia questões debatidas até hoje a respeito da sua eficiência para a
organização e disposição de dados para pesquisas em história.
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Assim sendo, Medeiros (2007) faz uma periodização do desenvolvimento
do banco de dados dividida em cinco etapas. Segundo o autor, os bancos de
dados têm origem datada nas décadas de 1950 e 1960, com o desenvolvimento
das primeiras linguagens de programação. Já na década de 1970, surgiram
linguagens que conseguiram agregar aos bancos componentes que descrevem
as estruturas e localizações dos dados. Nessa segunda etapa, porém, o acesso
aos dados ainda não era padronizado.
Já na terceira etapa, que aconteceu entre o fim da década de 1970 e o
início da de 1980, nos foram apresentadas as primeiras experiências de
padronização para acesso de dados. As companhias de software, nesse
período, passaram a ofertar sistemas de gerenciamento de banco de dados.
Assim, no final da década de 1980, vimos a quarta etapa do desenvolvimento do
banco de dados, com o surgimento da standard query language, responsável
pelo padrão de linguagem universal de acesso a banco de dados, garantindo-lhe
alguma uniformidade.
Finalmente, na virada dos anos 1990 para os 2000, foram criados modelos
mais avançados de banco de dados, com sistemas orientados a objetos e se
valendo de tecnologias avançadas de processamento de dados, de inteligência
artificial e outras inovações tecnológicas aplicadas a eles.

TEMA 5 – MODELOS DE BANCOS DE DADOS

Os bancos de dados são normalmente separados em tipos ou modelos.


Uma separação bem conhecida é a de Turban, McLean e Wheterbe (2004, p.
594-595), que os classificam nos tipos hierárquico, em rede ou relacional.
Podemos acrescentar a esses o modelo orientado a objetos.

5.1 Modelo hierárquico

O modelo hierárquico, de acordo com o que explica Bevilacqua (2010, p.


18-19), possui uma única raiz e se baseia em modelos de estrutura vertical.
Dessa maneira, dentre as vantagens desse modelo estão o controle, a
velocidade de recuperação de dados e a eficiência da pesquisa. No entanto,
observamos algumas desvantagens no modelo hierárquico, como sua baixa
flexibilidade e uma alta dependência estrutural e sua dificuldade de
relacionamento entre dados estruturalmente distantes.

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5.2 Modelo em rede

O modelo em rede apresenta relações interestruturais devido às suas


listas vinculadas. Dessa maneira, há maior facilidade de cruzamento de
informações. Entretanto, esse modelo apresenta como principal desvantagem
sua operacionalidade complexa e de difícil implantação. Além disso, os arquivos
nem sempre operam com esse modelo devido ao seu custo elevado, que tende
a ser maior que o de outros modelos menos complexos.

5.3 Modelo relacional

O terceiro modelo é o relacional. Ele funciona por meio de linhas


(registro) e colunas (campo), permitindo a manipulação de uma única tabela ou
mesmo um conjunto de tabelas inter-relacionadas. Esse modelo é considerado
de fácil uso e também de manutenção mais simples, desde que não seja
complexificado a ponto de ter um número muito grande de tabelas.

5.4 Modelo orientado a objetos

O modelo orientado a objetos é o mais recente de todos os apresentados


aqui. Segundo Bevilacqua (2010, p. 19), no modelo orientado a objetos “as
entidades (itens informativos independentes) são tratadas como objetos, o que
possibilita uma abordagem de descrição mais precisa e condizente com o ponto
de partida real (referente)”. Dessa forma, é possível uma individualização do
objeto no banco de dados, algo que outros modelos não permitem, além de
outras funcionalidades.

5.5 Aplicando os modelos nos arquivos documentais e exemplos de


arquivos históricos

Um banco de dados voltado a documentos precisa, primeiramente, ser um


produto de um profuso diálogo entre o pesquisador (historiador, arquivista,
diplomatista etc. que vai consultar e analisar os dados que ali serão
armazenados), o arquivista responsável pelo acervo documental (que possui o
instrumental teórico e metodológico de organização de acervos e fundos em
arquivos e conhecimento do corpus documental em questão) e o profissional de
informática (com seu conhecimento e aparato técnico e teórico para a elaboração

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e manutenção desses bancos de dados). A tendência, quando não existe diálogo
entre esses agentes para a elaboração de um banco de dados, é que ele
apresente falhas ou não apresente facilidade de uso.
Sem o conhecimento do arquivista, a organização baseada nos
conhecimentos que vimos nos Temas 1 e 2 não será considerada na elaboração
do banco de dados. Assim, é muito provável que o banco de dados sofra com
problemas relacionados à catalogação, além de a organização de informações
poder comprometer a agilidade de se procurar determinadas informações ou
documentos.
Sem se considerar as necessidades do pesquisador/historiador (ou
mesmo do pesquisador de outras áreas), por sua vez, dificilmente o banco de
dados conseguirá suprir demandas de acesso e busca dos documentos que
possibilitem as análises e os levantamentos documentais como vimos no Tema
2.
Com efeito, o profissional de informática também precisa ser devidamente
ouvido, pois somente ele tem o tipo de habilidade e conhecimento necessário
para transformar os conhecimentos que pesquisador/historiador e arquivista
possuem no trato com o documento em um banco de dados propriamente dito,
útil e viável e que contemple suas necessidades, além da importante tarefa de
sua manutenção.
Os arquivos documentais mais importantes e conhecidos por
pesquisadores observam todos esses aspectos que foram analisados até aqui.
A seguir, temos alguns exemplos de arquivos brasileiros e internacionais, de
acesso on-line, nos quais alguns dos apontamentos feitos até aqui (como as
classificações e análises tipológicas) podem ser melhor visualizados:

 Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do


Brasil (Cpdoc): <https://cpdoc.fgv.br/>, com material sobre a história do
Brasil republicano (FGV, [S.d.]).
 Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), que está integrado à Rede
Portuguesa de Arquivos: <http://antt.dglab.gov.pt/>, com fundos e acervos
do século IX até os dias atuais, de Portugal e suas ex-colônias, como o
Brasil (Portugal, [S.d.]b).
 Arquivo Público Mineiro (APM): <http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/>,
ligado à Secretaria de Estado de Cultura e Turismo de Minas Gerais
(Secult), com fundos sobre Minas Gerais, seus municípios, além de
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órgãos do governo (como as secretarias) e acervos de arquivos privados,
doados ao APM (Minas Gerais, [S.d.]).
 Arquivo Histórico Ultramarino (AHU): <http://ahu.dglab.gov.pt/>, com
importantíssimo acervo administrativo sobre as ex-colônias ultramarinas
portuguesas (Portugal, [S.d.]a). Nele, existe o Projeto Resgate, em
parceria com autoridades brasileiras, que reuniu e disponibilizou uma
vastíssima documentação administrativa da história colonial brasileira:
<http://bndigital.bn.gov.br/projeto-resgate/> (Brasil, [S.d.]).
 Biblioteca Digital Luso-Brasileira: <https://bdlb.bn.gov.br/>, mecanismo
que permite a pesquisadores realizar buscas de documentação histórica
em todos os arquivos em língua portuguesa ao redor do mundo,
redirecionando a seus endereços on-line (Coluso, [S.d.]).

NA PRÁTICA

Nos exemplos de arquivos históricos apresentados no item 5.5,


considerando ainda a possibilidade de se visitar uma infinidade de outros
arquivos que não foram listados, é possível encontrar as tipologias documentais
e identificar os critérios de classificação dos documentos nos acervos
disponibilizados? Os critérios que discutimos aqui (nos Temas 1 e 2, sobretudo)
são aplicados em todos esses arquivos ou não? Existem variações, conforme
algumas particularidades dos arquivos e dos acervos? Quais tipos de
documentos predominam em seus acervos?
Além disso, voltemos a atenção ao Tema 3. As classificações e tipologias
documentais, com base no que vimos aqui, podem orientar decisões a serem
tomadas quanto a escolhas de metodologias de pesquisa? Nas classificações e
tipificações consultadas e analisadas, nas sugestões indicadas anteriormente,
os arquivos nos oferecem informações que podem nos levar a escolher
metodologias quantitativas ou qualitativas? Ou ainda aparecem, nas buscas,
indicações de outros documentos com os quais é possível buscar similaridades
e informações adicionais aos documentos que consultamos?

FINALIZANDO

Inicialmente, vimos que todos os documentos históricos são, assim que


recolhidos por alguma instituição arquivística e armazenados, classificados e

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tipificados. Os critérios para tanto sempre levarão em conta a forma do
documento, sua materialidade e seu conteúdo. Além disso, existem possíveis
variações relacionadas a variantes específicas de cada um dos tipos existentes
ou mesmo a políticas dos arquivos.
Também vimos que ciências como a diplomática, a arquivologia e a
história buscam sempre discutir critérios com os quais essas classificações serão
elaboradas, buscando, na medida do possível, universalizá-los. A criação de tais
padrões facilita a organização, a curadoria e o acesso aos documentos
históricos, o que, por sua vez, facilita a própria atividade de pesquisa de quem
os utiliza.
Vimos, ainda, a importância dessa análise tipológica e da classificação
dos documentos para o ofício do historiador, pois elas oferecem os elementos
que são fundamentais a nossas escolhas metodológicas para a execução de
uma pesquisa histórica na profundidade que ela exige.
Finalmente, vimos que os bancos de dados possuem uma historicidade
importante de ser levada em consideração, não se tratando somente de inovação
da contemporaneidade e do emprego de tecnologias digitais. Seu bom uso e sua
elaboração dependem de profícuo debate interdisciplinar, no qual
pesquisador/historiador, arquivista e profissional de informática possuem
fundamental importância.

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REFERÊNCIAS

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