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CIÊNCIA CRIMINAL
ANO 26 • N.°s 1 a 4 • janeiro-dezembro 2016 • DIRETOR:JORGE DE FIGUEIREDO DIAS
Periodicidade trimestral • Preço desta edição: Euros 45,00 (IVA incluído)

1 a.QUf.2017

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UWVIBSIDADE DE COIMIIA
INSTITUTO DE DIREITO PENAL
ECONÓMICO E EUROPEU

Instituto de Direito Penal Económico e Europeu


Instituto Jurídico da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
I
SUMÁRIO
DOUTRINA

Criminal Law Science (Strafrechtswissenschaft) 3


Urs Kindhâuser

Direito Penal Económico — E Legítimo? E Necessário?. L 33 \


Anabela Rodrigues

O Objecto da Consciência da Ilicitude 59


Joachim Renzikowski

Entre Neutralidade e Cumplicidade


O Envolvimento de Agentes Económicos na Comissão de
Crimes Internacionais 75
António Manuel Abrantes

A Execução da Medida de Segurança Privativa da Liberdade


Um Olhar sobre a Enfermaria de Segurança do Centro Hospitalar
Psiquiátrico de Lisboa . —13:
Sílvia Marques Alves

RPCC25 (2
O OBJECTO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 4

Joachim Renzikowski*
Universidade Martin-Luther, Halle-Wittenberg
(Alemanha)

I —Introdução

No âmbito dos diferentes problemas que se colocam quanto ao


§17 StGB(1) inclui-se a questão de saber a que se refere a consciência da ilici-
tude. Existe consenso no sentido de a mera contrariedade do comportamento
aos bons costumes não ser suficiente (2) . As normas jurídicas e as normas da
moral podem até entrecruzar-se em determinado âmbito e o conhecimento

* Tradução por Inês Fernandes Godinho, integrada nas actividades do Grupo


de Investigação "O Direito e o Tempo" do Instituto Jurídico da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, no âmbito do Projecto "Desafios Sociais, Incerteza e
Direito" (UID/DIR/04643/2013).
(,)
N. da T.\ StGB: Strafgesetzbuch, Código Penal alemão.
(2)
S. BGHSt 2, 194, 202; BGH, Goltdammer'sArchivfur Strafrecht, 1969, 61;
JOECKS, in: Miinchener Kommentar zum StGB, Bd. 1, 2. AufL, Munchen, 2011, § 17,
n.° m. 10; NEUMANN, in: Nomos Kommentar zum StGB, 4. Aufl., Baden-Baden 2013,
§ 17, n.° m. 13; ROXIN, Strafrecht. Allgemeiner Teil, Bd. 1, 4. Aufl., Munchen, 2006,
§ 21, n.° m. 12.

RPCC 26 (2016)
O OBJECTO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 5

Joachim Renzikowski*
Universidade Martin-Luther, Halle-Wittenberg
(Alemanha)

I — Introdução

No âmbito dos diferentes problemas que se colocam quanto ao


§17 StGB(1) inclui-se a questão de saber a que se refere a consciência da ilici-
tude. Existe consenso no sentido de a mera contrariedade do comportamento
aos bons costumes não ser suficiente (2) . As normas jurídicas e as normas da
moral podem até entrecruzar-se em determinado âmbito e o conhecimento

* Tradução por Inês Fernandes Godinho, integrada nas actividades do Grupo


de Investigação "O Direito e o Tempo" do Instituto Jurídico da Faculdade de Direito
da Universidade de Coimbra, no âmbito do Projecto "Desafios Sociais, Incerteza e
Direito" (UID/DIR/04643/2013).
(l)
N. da T.: StGB: Strafgesetzbuch, Código Penal alemão.
S. BGHSt 2, 194, 202; BGH, Goltdammer s ArchivJur Strafrecht, 1969, 61;
JOECKS, in: Munchener Kommentar zum StGB, Bd. 1, 2. Aufl., Munchen, 2011, § 17,
n.° m. 10; NEUMANN, in: Nomos Kommentar zum StGB, 4. Aufl., Baden-Baden 2013,
§ 17, n.° m. 13; ROXIN, Strafrecht Allgemeiner Teil, Bd. 1, 4. Aufl., Munchen, 2006,
§ 21, n.° m. 12.

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JOA CHIM RENZIKO WSKL

da contrariedade aos bons costumes do comportamento poderá permitir uma


consciencialização da valoração jurídica. Todavia, é o legislador — e não a
consciência — que decide o que é juridicamente vinculante. Por este motivo,
a consciência da ilicitude não se esgota no conhecimento da danosidade so-
cial do comportamento Não obstante, o direito (penal) apenas pode proibir
comportamento socialmente danoso, ainda que nem todos os comportamentos
socialmente danosos sejam proibidos. Também aqui é apenas o legislador que
faz a escolha vinculante, do que é proibido e do que é permitido (4) .
Em sentido diverso encontra-se o entendimento segundo o qual deve ser
exigido o conhecimento da punibilidade ou, pelo menos, a consciência de que
o comportamento em causa seja sancionado pelo direito (5) . Chamando à co-
lação o texto da lei — o § 17 StGB refere-se à "intenção da prática de um
ilícito" — a doutrina dominante refere a consciência da ilicitude ao sistema de
valores material do Direito, ou seja, à violação de uma norma jurídica. Não se
trata de um conhecimento exacto da norma, da sua ordenação como sendo de
natureza civil, penal ou de direito público, nem sequer da sua correcta subsun-
ção, importanto que o agente tenha presente a valoração de estar em causa algo
juridicamente proibido (6) . Concomitantemente, e residindo aí a contradição, a
consciência da ilicitude retratada deverá ser divisível, na medida em que a per-

o) Contudo, cfr. ARTHUR KAUFMANN, Das Unrechtsbewufitsein in der Schuld-


lehre des Strafrechts, Mainz 1949, p. 142 ss.; idem, Das Schuldprinzip, 2. Aufl., Hei-
delbeig 1976, p. 130 ss.; SCHMIDHAUSER, „Úber Aktualitãt und Potentialitat des Un-
rechtsbewuBtseins", ih: Festschriftjiir Hellmuth Mayer, Berlin 1966, p. 317 e s., 329.
<4) JOECKS (nota 2), § 17, n.° m. 11; NEUMANN (nota 2), § 17, n.° m. 15.
(5)
JOECKS (nota 2), § 17, n.° m. 1 6 ; NEUMANN (nota 2), § 17, n.° m. 21; SCHRO-
EDER in: Leipziger Kommentar zum StGB, Bd. 1, 11. Aufl., Berlin 2003, § 17, n.° m.
7; LAUBENTHAL/BAIER, „Durch die Auslándereigenschaft bedingte Verbotsirrtumer
und die Perspektiven europáischer Rechtsvereinheitlichung", Goltdammer's Archiv jur
Strafrecht, 2 0 0 0 , 2 0 5 , 2 0 7 s.
% BGHSt 2 , 1 9 4 , 1 9 6 s . , 2 0 2 ; 1 0 , 3 5 , 4 1 ; 4 5 , 9 7 , 1 0 1 s.; FISCHER, StGB, 6 2 . Aufl.,
Mtínchen, 2 0 1 5 , § 17 n.° m. 3; ROXIN (nota 2 ) , § 2 1 , n.° m. 1 2 f.; STERNBERG-LIEBEN/
SCHUSTER, in: Schônke/Schrõder, StGB, 2 9 . Aufl., Munchen, 2 0 1 4 , § 1 7 n.° m. 5 ; VOGEL,
h: Leipziger Kommentar zum StGB, Bd. 1 , 1 2 . Aufl., Berlin, 2 0 0 7 , § 1 7 n.° m. 1 9 .
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ão
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da violação da norma A não significa a consciência da ilicitude com
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ofensa à norma B<7>. Quando se lê no BGHSt<8> 10, 35, 39, que: "Nem a
vista à ia
c oiisciênc em geral de fazer algo ilícito, nem a consciência da ilicitude refe-

r i a a outro tipo legal de crime podem fundamentar o concreto juízo de culpa


do agente pela violação do tipo legal de crime por si violado", então não sobra
jfluito da doutrina dominante ( 9 ) .
Em seguida, não se trata tanto do § 17 StGB, que é apenas uma norma con-
tingente, mas antes do fundamental, designadamente de uma perspectiva norma-
tivo-teorética, afeiçoada pela consideração da teoria do direito kantiana.

H — Normas de comportamento e normas de sanção

A distinção entre n o r m a s de comportamento primárias (p. ex.: "Não de-


ves matar!") e n o r m a s d e sanção secundárias (p. ex., § 212 (1) StGB "Quem
matar outra p e s s o a (...) será (...) punido com pena de prisão não inferior a
cinco anos") é geralmente reconduzida a BINDING, sendo, todavia, anterior,
encontrando-se j á trabalhada p o r BENTHAM (10)
. BINDING fundamenta esta dis-
tinção do seguinte m o d o : é impreciso designar o crime como violação de
uma norma penal, u m a v e z que o agente faz exactamente o que à lei penal
prevê no tipo legal de crime (11>. O juízo de ilicitude pressuporia, logicamen-
te, a aceitação p r é v i a de n o r m a s jurídicas, antecedentes e fundamentalmente

(7) ROXIN (nota 2 ) , § 2 1 , n.° m. 1 6 ; STERNBERG-LIEBEN/SCHUSTER (nota 6 ) , §


17, n.° m. 8.
(8)
N. da T. : BGHSt, Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça alemão
(9)
Assim também GAEDE in: Matt/Renzikowski, StGB, Míinchen 2013, § 1
n.° m. 9: inconsequente.
(10)
Mais aprofundadamente RENZIKOWSKI, „Die Unterscheidung zwischen J
máren Verhaltens- und sekundâren Sanktionsnormen in der analytischen Rechtstl
rie", in: Festschrift fur Karl-Heinz Gõssel, Heidelberg, 2002, p. 3, 7 ss.
(u)
Exactamente por isso é para KELSEN, Reine Rechtslehre, 2 . AufL, 1
1960, p. 116 s. „das Unrecht (Delikt) nicht Negation, sondem Bedingung des Re<
Nesta sequência, o agente não viola o direito, mas antes cumpre-o!

RPCC
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" JOA CHIM RENZIKO WSKL

diferentes daquele juizo. Daqui decorre, para BINDING, que quem pretender
compreender a essência (das Wesen) do crime, terá de se ocupar, desde logo,
c o m as normas de comportamento e a sua violação <l2>. De modo semelhante]
BENTHAM considera a norma de comportamento e a norma de sanção como "two
distinct laws, and not parts of one and the same law" (l3) (I4), não obstante ambas
as normas se conjugarem em um preceito legal (,5) . Uma norma de sanção — que
BENTHAM designa de "subsidiary law" — não pode ser compreendida, nem se-
quer existir sem uma norma de comportamento ("principal law"), à qual se refira:
"the idea of such a law being included in their very essence." (16) (17)
BENTOAM e BINDING fundamentam a distinção entre as normas de com-
portamento e as normas de sanção com diferentes destinatários: as normas de
comportamento dirigem-se ao cidadão, indicando quais as condutas que deve
ter e de quais se deve abster. Diversamente, para BENTOAM a norma de sanção e
o respectivo "command to punish" dirigem-se ao juiz™, enquanto que B I N D I N G
entende ser o destinatário o Estado <»>. Aos diferentes destinatários corresponde

(12) BINDING, Die Normen und ihre Ubertretung, Erster Band: Normen und
Strafgesetze Leipzig, 1872, p. 4, nota 2; cfr. ainda do mesmo autor, Handbuch des
Strafrechts, Erster Band, Leipzig, 1885, p. 155, 162 ss.
(13) BENIHAM, Cf Laws in General, ed. por H.L.A. Hart, London 1970, p. 139
(XI. 12.) em oposição a THOMAS HOBBES, De Cive, 1646, Cap. XIV, 6 e 7, in: Malmesbu-
riensis Opera quae latine scripsit omnia, in unum corpus nunc primum collecta studio et
labore Gulielmi Molesworth, Vol. D, London 1839, que vê a imposição de comportamen-
to e a ameaça de sanção não como dois tipos diferentes de leis („duae legum species"),
mas antes como duas partes de uma mesma lei („ejusdem legis duae partes").
(,4)
N. da T. : inglês no original.
(,5
> BENTOAM (nota 13), p. 143 s. (XI. 18.).
<"> BENTOAM (nota 13), p. 1 4 2 (XI. 16.). Diferentemente de BINDING, BENTOAM
não restringe a concepção dualista das normas ao direito penal. „Subsidiary laws" são
para ele todas as,remediai laws", ou seja, leis que prescrevem consequências jurídicas
para a violação de normas de comportamento. Tais consequências jurídicas não são uni-
camente a pena, mas também a indemnização (cfr. § 1004 BGB), idem, p. 149 ss. (XE.).
(17)
N. da T. : inglês no original.
(,8)
BENTHAM (nota 13), p. 140 (XI.15).

BINDING,NormenI(nota 12),p. 6ss., 13 ss.; idem,Handbuch (nota 12), p. 189ss.


O OBJECTO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 65

V _ diverso fim regulatôrio: as normas de comportamento referem-se a deveres


p obediência dos destinatários em relação ao Estado, enquanto que as normas
^ de sanção fundamentam o direito de punir do Estado(20). Para BENTHAM, como
^ t a m b é m para BINDING, O ponto decisivo reside no reconhecimento de normas de

p comportamento primárias na realidade da pena como consequência do injusto.


A teoria das normas dualista é criticada por não conseguir distinguir as
r supostas normas de comportamento antecedentes das normas morais ou de di-
reito natural(2,). Pelo menos em relação a BENTHAM esta crítica não colhe, dado
\ que, de acordo com a sua posição, a norma de comportamento primária proíbe
r n § 0 apenas determinadas condutas, como também ameaça com uma pena pelo
R incumprimento (22\ Para BENTHAM é justamente este aspecto que é muito impor-
[ tante. A lei seria vista por si só, ou seja, sem ameaça de sanção, como supérflua
M
| 1 As an expression of will, it is impotent."(23). Por isso é que a lei inclui, ao lado
da norma de comportamento, dirigida "more particularly to your understan-
ding", um pedaço da mesma diferenciado, "serving to make known to you what
motive the legislator has furnished you for complying with that inclination",
dirigido "to your wilP'(24).
Diversamente, BINDING considera a ligação da norma de comportamento
com a ameaça de pena como um anexo supérfluo, porque o destinatário da nor-
ma não o pode cumprir ou violar. A vinculatividade de uma norma derivaria de
si mesma ("Tu deves!") e deveria ser distinguida da sua eficácia(25). Esta crítica
falha, todavia, o ponto decisivo. Uma lei penal ser eficaz é uma questão empírica
que se dirige a saber quantos destinatários da norma a violaram e foram por isso
punidos. Em relação a BENTHAM, trata-se de uma coisa diferente, designadamen-
te a evidenciação da forma de actuação do direito. O direito reage a conflitos.

(20)
BINDING, Handbuch (nota 1 2 ) , p. 162 s.
(21)
SCHMID, Das Verhàltnis von Tatbestand und Rechtswidrigkeit aus rechts-
theoretischer Sicht, Berlin 2002, p. 62 s.
(22)
BENTHAM (nota 1 3 ) , p. 1 4 0 ( X I . 1 4 . ) .
« BENTHAM (nota 13), p. 137 (XI.8. e 9.).
(24)
BENTHAM (nota 13), p. 134,144 (XI.4., 18. e 19.).
(25)
BINDING, Normen I (nota 1 2 ) , p. 2 6 ss.; idem, Handbuch (nota 12), p. 160 ?

RPCC 26 (2
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— JOACHIM RENZIKOWSKI

Ali, onde todos se comportam de forma correcta por motivos morais, as normas
jurídicas tornam-se desnecessárias. As pessoas de boa vontade não precisam de
direito e s t a d u a l A s normas jurídicas desenvolvem a sua aplicação apenas ali,
onde as convicções morais se tomaram frágeis ou onde a tentação da violação
da norma ameaça sobrepor-se. Aqui o direito procura, através da ameaça com
uma sanção, criar um contrapeso eficaz na motivação do destinatário. Em suma:
as normas jurídicas são cumpridas como normas jurídicas, para evitar conse-
quências indesejadas. Nesta medida, podemos compreender BENTHAM como um
percursor da doutrina da coacção psicológica de FEUERBACH.

IH A garantia da liberdade externa através de coacção jurídica


no Estado de Direito

(I) De acordo com KANT, a tarefa do Eatado de Direito consiste em ga-


rantir a liberdade dos cidadãos "do arbítrio necessário de outro" (27)(28) através
do Direito.
"O direito é o conceito próprio das condições sob as quais o arbítrio de um
pode ser harmonizado com o arbítrio de outro de acordo com uma lei universal
da liberdade." ^
"O estado jurídico" — ou seja, a sociedade civil de u m Estado de Direito
— "é o único comportamento das pessoas umas com as outras que contém as
condições sob as quais cada um pode participar do seu direito" ( 3 0 ) . Precisa-
mente no sentido das teorias do contrato social clássicas, em K A N T cada um

W
SANTO AGOSTINHO, De libero arbítrio, 1.15, 3 1 .
(27)
KANT, Metaphysik der Sitten (1797), in: Kants gesammelte Schriften. Hrsg.
von der Kõniglich-PreuBischen Akademie der Wissenschaften. Erste Abteilung, Band
6, Berlin 1907, p. 203, 237.
(28)
N. da T.: nas passagens de Kant traduzidas em corpo de texto foi tida em
conta a tradução para português da Metafísica dos Costumes, de Artur Morão, na edição
de 2004 das Edições 70.
(29)
KANT (nota 27), p. 230.
(30)
KANT (nota 27), p. 305 s.
O OBJECTO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 67

é obrigado pela razão a passar do estado natural, isto é, um estado sem ordem
jurídica, para o estado jurídico, ou seja, o Estado, por não estar seguro de
outro modo 00 . Pois que a pessoa não pode confiar que os outros respeitarão
a sua esfera de liberdade apenas por boas intenções.
O Estado garante a liberdade dos cidadãos através do Direito, e de uma
forma específica. Desde logo, o Direito respeita ao Meu e ao Teu exteriores.
Uma má intenção como tal é uma violação de uma lei moral, mas a liberdade
pessoal de uma outra pessoa não é afectada por aquela intenção. Basta esta ra-
zão para não haver motivo para proibir acções interiores. Os acontecimentos
mentais também se deixam analisar, ainda que não permitam a verificação da
sua existência02). Daí que:
"Os deveres segundo as leis jurídicas podem ser apenas deveres externos, por-
que esta legislação não exige que a ideia deste dever, a qual é interna, seja por
si motivo de determinação do arbítrio do agente e uma vez que carece de mo-
tivo adequado à lei, apenas motivos externos podem ser associados à lei." 0 3 )

Uma vez que os motivos dos destinatários da norma não pertencem ao


objecto do direito, resta como único meio de influenciar o comportamento a
coacção:
"Um direito estrito apenas pode ser aquele exclusivamente externo. Este fun-
da-se na consciência da vinculatividade de cada u m à lei; m a s a determinação
do arbítrio de acordo com a lei não pode e nem deve, quando deva ser pura,
recorrer a esta consciência como motivo, antes apoia-se no princípio da pos-
sibilidade de uma coacção externa, o qual pode coexistir com a liberdade de

(31) Vgl. K A N T (nota 2 7 ) , p. 3 0 7 : „Aus dem Privatrecht im naturlichen Zustande


[= o seja, o direito algo diferente do Meu] geht nun das Postulat des õffentlichen Rechts
hervor: du sollst im Verhàltnisse eines unvermeidlichen Nebeneinanderseins mit allen
anderen, aus jenem heraus in einen rechtlichen Zustand, d.i. den einer austeilenden
Gerechtigkeit iibergehen".
(32)
Cfr. KANT, Kritik der reinen Vernunft ( 2 . Aufl. 1 7 8 7 ) , in: Kants gesam-
melte Schriften, Band 3, Berlin 1911, B 373 nota: „Die eigentliche Moralitãt der
Handlungen (Verdienst und Schuld) bleibt uns daher, selbst die unseres eigenen Ver-
haltens, gãnzlich verborgen. Unsere Zurechnungen kõnnen nur auf den empirischen
Charakter bezogen werden."
<33> K A N T (nota 2 7 ) , p. 2 1 9 .

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JOA CHIM RENZIKO WSKL

cada u m de acordo c o m leis universais."04*

Corresponderia à razão, quando cada um se decidisse pelo comporta-


mento dos deveres morais, e o ser humano tem justamente a possibilidade de
o fazer, uma vez que, contrariamente ao arbítrio animal "que é determinado
pela inclinação (impulso sensível, estímulo)", o arbítrio humano é pelo mes-
m o influenciado, mas não determinado, pelo que pode "ser determinado às
acções por vontade pura" 05 *.

"A liberdade do arbítrio é a independência da sua determinação pelos impulsos


sensíveis... [como também] a faculdade da razão pura, de ser prática por si." 06>

Apenas por esta razão é que o discurso das normas e deveres é logica-
mente possível, dado que o livre arbítrio também se pode determinar de acor-
do com leis morais07*. Quando alguém não se determina de acordo com leis
morais, antes segue as suas inclinações — K A N T denomina este fundamento
de determinação do arbítrio de "patológico" 08 * —, não resta alternativa senão
ameaçá-lo com uma desvantagem, "pois uma legislação necessária não deve-
ra constituir um engodo que seja convidativo" 09 *.

(2) Foi com base nestas premissas da teoria do direito kantiana que F E U E R -
(40)
BACH desenvolveu a sua doutrina da coacção psicológica . Neste contexto, as
passagens mais relevantes do seu manual merecem ser aqui reproduzidas.
"§ 8. A harmonização da vontade e das forças de cada um para garantir a li-
berdade de todos é o que fundamenta a sociedade civil. Uma sociedade civil
organizada através da sujeição à vontade social através da Constituição é um
Estado. A sua finalidade é a constituição do estado jurídico, ou seja, a existên-

(34
* KANT (nota 27), p. 232.
05)
KANT (nota 27), p. 213.
W KANT (nota 27), p. 213 s.
(37)
KANT (nota 27), p. 214.
(38)
KANT (nota 2 7 ) , p. 2 1 9 .
(39
* Ibid
(40)
® Aprofundadamente trabalhada em FEUERBACH, Revision der Grundsãtze
und Qrrundbegriffe des positiven peinlichen Rechts. Erster Theil, Erfurt 1799, p. 43 ss.

' C C 2 6 (2016)
o OBJECTO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 69

cia comum das pessoas de acordo com as leis do direito. — § 9. As ofensas ao


direito de qualquer tipo contradizem o fim do Estado (§ 8) ... O Estado está
assim legitimado e instado a encontrar medidas através das quais as ofensas ao
direito sejam tornadas impossíveis. — § 10. As medidas exigidas pelo Estado
têm necessariamente de ser medidas coactivas. Aqui pertence, desde logo, a
coacção física do Estado, que previne ofensas ao direito, I. prospectivamente,
na medida em que evita uma ofensa ainda não acabada, ...II. após a ofensa.
— § 11. A coacção física não é todavia suficiente para evitar todas as ofensas
ao direito ... porque [a mesma] ... depende do reconhecimento circunstancial
da ofensa iminente,... — § 12. Para que as ofensas ao direito sejam evitadas,
paralelamente à coacção física terá de existir uma outra, a qual precede a con-
clusão da ofensa e, tendo origem no Estado, tenha eficácia em cada caso, sem
que para tanto seja pressuposto o conhecimento de uma ofensa iminente. Uma
tal coacção apenas poderá ser a coacção psicológica." 00

Este excerto explica-se por si mesmo. Uma vez que a eliminação do peri-
go ou da situação de necessidade através da polícia nem sempre é possível, e
uma vez que a punição do agente ocorre após o facto, ou seja, demasiado tar-
de, a ordem jurídica tem de procurar evitar quebras do direito de outra forma.
Por isso é que as leis penais ameaçam com penas (42) . Esclarece F E U E R B A C H :

"§ 13. Todas as ofensas têm a sua razão psicológica nos sentidos, em que me-
dida a faculdade de determinação (Begehrungsvermõgen) dã pessoa é impul-
sionada pelo prazer ou não na realização da determinação da própria. Este im-
pulso sensorial pode ser evitado através do conhecimento de cada um de que o
seu facto terá necessariamente como consequência um mal que é maior do que
o desprazer resultante da não concretização do impulso para o facto. — § 14.
Ora, para que possa ser fundamentada a convicção geral da necessária evitação
de tais males pelas ofensas, então I. uma lei tem de os determinar como con-
sequência necessária do facto (ameaça legal). E para que a realidade de cada
um dos contextos ideais legalmente definidos possa ser fundada na percepção

(41)
FEUERBACH, Lehrbuch des gemeinen in Deutschland gultigen peinlichen
Rechts, 14. Aufl., hrsg. v. Mittermaier, GieBen 1847, p. 36 ss.
(42)
De assinalar que a discussão jurídico-penal sobre os fins das penas é feita de
forma invertida, na medida em que primeiro coloca a questão, se e quando é possível
punir, para daí retirar a legitimação da ameaça de sanção — cuja sub specie protecção
de bens jurídicos chega sempre demasiado tarde. A este propósito ALTENHAIN, Das
Anschlufidelikl, Ttibingen 2002, p. 326 ss.
70

JOA CHIM RENZIKO WS KL

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fenS
ZhcM f ^ * ? ^ ° « mesma relacionado na lei tem de ser
«F wiuo ^execução). A eficácia conjunta do poder legislativo e executivo <43>
com vista a intimidação constitui a coacção psicológica."(44)
FEUERBACH não é ingénuo ao ponto de se contentar com a prevenção
por ameaça, antes sabe que: Uma lei que não seja aplicada não é levada a
sério. Ao conceito de direito penal pertence indelevelmente o princípio da
legalidade. Nessa medida, através do crime não é apenas colocada e m perigo
uma pessoa, mas toda a comunidade 05 *, pois o ladrão torna "todo o património
inseguro"06*. Em ceita medida, o agente testa os limites da lei penal. Q u a n d o o
Estado não reage, como avisou na lei penal, coloca em causa o estado jurídico
e, consequentemente, os direitosdos cidadãos.
A coacção psicológica sò pode ser conseguida por uma lei q u e seja conhe-
cida pelos seus destinatários. FEUERBACH baseia, assim, o princípio "nulla p o e -
na sine lege"07*, sendo que também a imputação pressupõe o c o n h e c i m e n t o
da punibilidade:
"§ 85. Para a questão da imputação exige-se, ... II. que a determinação da
v o n t a d e ( n e g a t i v a ou positiva) que seja causa do crime também contradiga
internamente, o u seja, no ânimo do agente, a lei penal, na medida em que o

(43) jv ^ 77- Aqui, no sentido do poder que executa o mal previsto na lei.
M Feuerbach, Lehrbuch (nota 4 1 ) , p. 3 8 . Quem continuar a ler (em especial
os §§ 16 a 18), facilmente chega à conclusão de que FEUERBACH de modo algum é um
defensor de uma teoria relativa que deva ser oposta à teoria absoluta de K A N T , como em
Roxin (nota 2), § 3 n.° m. 3 e 2 2 . Com efeito, o seu conceito de punição distingue-se
apenas com nuances do kantiano, problemática que não será aqui desenvolvida. A este
propósito, RENZIKOWSKI, „Strafe und Strafrecht bei Kant", in: Gíinther/von Hirsch/
Neumann (Hrsg.), Retributive Elerriente in der Strqfthèorie: Die Rolle der Begriffe Ver-
geltung und Tadel, 2016.
(45)
KANT (nota 27), p. 3 3 1 .
(46
> - KANT (nota 27), p. 3 3 3 — na medida em que se dispensa a si mesmo do
Direito (vd. nota à anotação A do §49 na p. 321).
, ç1 | (nota 4 1 ) , p. 4 1 (§ 20); criticamente, GRECO,
diges und Totes in Feuerbachs Straftheorie, 2009, p. 253 ss.

RPCC 26 (2016)
Q OBJECTO DA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE 71

mesmo a) conheça o crime e a sua punibilidade civil..." ( 4 8 )

O conhecimento da punibilidade é "a representação da lei e a valoração


da acção de acordo com a lei e as suas consequências"(49).
(3) Esta argumentação mereceu muita crítica. Em seguida serão primor-
dialmente analisadas mais de perto três dessas críticas. Já os contemporâneos
de FEUERBACH apontavam que a sua doutrina da intimidação "não tinha em
conta a justiça material da ameaça penal (sanção)" antes teria de "considerar
qualquer meio que servisse o propósito de intimidação como justificado"(50).
A intimidação não conhece, assim, medida. O aviso não é sem razão, aten-
dendo à inclinação, tão difundida quanto realista, da política criminal para
penas mais severas, mas, na verdade, não colhe. Em um Estado de Direito, do
qual também parte F E U E R B A C H , a intimidação não vale por si, antes pode ser
aceite como intimidação legalmente fundamentada.
"Aquele que ofende e é censurado ainda tem direitos, pelo menos o direito de
apenas ser coagido por leis justas." ( 5 1 )

Em nada se relaciona com o Direito querer fazer de alguém um exemplo.


A pena tem, assim, de se assumir como unia reacção proporcional ao crime.
Tal vale tanto em relação ao agente como em relação à comunidade, de for-
ma a que tem de ser pressuposta uma certa proporção entre o crime e o mal

(48)
FEUERBACH, Lehrbuch (nota 41), p. 155 s.; idem, Revision der Grundsãtze
und Grundbegrijfe des positiven peinlichen Rechts. Zweiter Theil, Chemnitz 1800, p.
44: „Vorstellung von dem Gesetz von der Verbindlichkeit, die Handlung zu unterlassen
und von der Strafe ais Bestimmungsgrund der UnterlassungHandlung zu".
(49)
FEUERBACH, Lehrbuch (nota 41), p. 163 (§ 90).
(50) MITTERMAIER, in: FEUERBACH, Lehrbuch (nota 41), p. 42 (§ 20a); vd. ainda
LERNER, Lehrbuch des deutschen Strafrecht es, Leipzig 1857, p. 11; KÕSTLIN, Neue
msion der Grundbegrijfe des Criminalrechts, Tubingen 1845, p. 141; mais recen-
nente JAKOBS, Strafrecht Allgemeiner Teil, 2. Aufl., Berlin/New York, 1991, 1/30;
)XIN (nota 3), § 3 n.° m. 32.
(51)
FEUERBACH, Revision /, (nota 4 0 ) , p. 9 3 .
JOA CHIM RENZIKO WS Kl

a m e a ç a d o ^ Que esta proporção não resulta da doutrina da intimidação e ne-


essite de ulteriores considerações não se afirma como crítica decisiva contra
a doutrina de FEUERBACH.
Mais importante é a segunda crítica, que diz respeito ao fundamento da
doutrina da coacção psicológica de FEUERBACH. FEUERBACH parte de uma
ideia de um destinatário da norma racional, que faz a ponderação entre o
prazer e a dor. De acordo com esta premissa, FEUERBACH surge como um
percursor do princípio da escolha racional (rational choice), tal como o mes-
mo é defendido na análise económica do direito para a explicação do direi-
to p e n a ! T o d a v i a , quase nenhum agente actua ponderadamente (54) . Como
exemplos poderemos dar o do agente que se decide espontaneamente pela
prática do facto ou aquele que pratica o facto em um estado de afecto. Situa-
ções em que o próprio FEUERBACH não parte da sua premissa. " A minoria dos
agentes actua da ponderação prévia das vantagens e desvantagens da decisão
pelo crime"(55). A pessoa racional não é, assim, a visada pela norma, dado
A que aquela, de acordo com uma decisão racional, não viola a norma. U m a
vez que o egoísmo à custa do outro não pode ser generalizado, t a m b é m n ã o
pode ser racional de acordo com O entendimento de K A N T ou de F E U E R B A C H .
Corresponde à percepção geral, que a perspectiva de consequências negativas
de uma determinada conduta poderia influenciar o destinatário n o sentido de
omitir a referida conduta. Não pode ser exigido mais de uma lei do que acres-
centar mais uma motivação ao lado de outras motivações com sentido que

(52
> Cfr. ALTENHAIN (nota 42), p. 3 3 1 ; GRECO (nota 47), p. 385 ss.
(53)
Veja-se GARY S. BECKER, „Crime and Punishment: An Economic Ap-
proach", Journal ofPoliticai Economy, 76 (1968), p. 169 ss.
(54)
Assim BERNER (nota 50), p. 11; JAKOBS (nota 5 0 ) , 1 / 2 8 ; LÚDERSSEN, „Die
generalprãventive Funktion des Deliktssystems", in: Hassemer/Luderssen/Naucke
(Hrsg.), Hauptprobleme der Generalprãvention, Frankfurt am Main 1979, p. 54, 70:
ingénuo; KUHLEN, „Anmerkungen zur positiven Generalprãvention", in: Schunemann/
von Hirsch/Jareborg (Hrsg.), Positive Generalprãvention, Heidelberg, 1998, p. 55, 62;
ROXIN (nota 2), § 3, n.° m. 25. Criticamente a esta interpretação de Feuerbach em G R E -
CO (nota 47), «p. 95 ss.
FEUERBACH, Revision II (nota 48), p. 319.
Í55)
O 0BJEC1U UM UU-ZYOU/JIÍVC/^ UA ILICITUDE

possam existir (56) . Que este apelo à inteligência falha quando alguém cons-
cientemente prefere a punição preterindo o direito não é um argumento contra
FEUERBACH, mas antes o destino de qualquer norma jurídica.
Pode conceder-se que são mais as convicções éticas da população do que
o receio da pena que impede a maioria de cometer crimes. Nesta medida, vale
também aqui a conhecida afirmação de BOCKENFÕRDB: "O Estado liberal e se-
cular vive de pressupostos que o próprio não pode garantir"(57). Mas isso não
vai contra a concepção de FEUERBACH. É justamente aí que reside o sentido
liberal em KANT e FEUERBACH, OU seja, que o Direito prescinde de orientar os
cidadãos moralmente através do direito penal (58) . Não se trata daquilo que o
cidadão pensa, conquanto ele actue de acordo com os limites do Direito. Daí
que também não se trate do posicionamento positivo do cidadão relativamen-
te à lei, mas antes que o Direito se mantenha externo.

"Estas inclinações civis [ou seja, o não-ter inclinações ilícitas] não podem
existir através do poder e da coacção, tal apenas é possível através de medidas
através das quais o cidadão é educado para estas inclinações."(59)

O Estado de Direito não é, porém, grande educador, dado que a sua fun-
ção se limita à garantia da vida comunitária dos seus cidadãos em liberdade
de acordo com leis. A crítica de que FEUERBACH "tornou as pessoas objecto"
60
í * não colhe, o contrário é que é verdadeiro.
À doutrina dominante é de criticar que a mesma censura a título de culpa
o agente por este não ter feito da norma jurídica o motivo da sua conduta. Esta
doutrina apenas exige que as medidas segundo as quais o agente deva pautar o

(56)
Para um „conceito de intimidação funcional" neste sentido, GRECO (nota
\1\ p. 358 ss.
(57)
BÕCKENFÕRDE, Staat, Gesetischaft\ Freíheit: Studien zur Staatstheorie und
um Verfassungsrecht, Frankfurt am Main, 1976, p. 60.
(58)
Vd. EB. SCHMIDT, Einjuhrung in die Geschichte der deutschen Strafrechts-
lege, 3. Aufl., Gõttingen, 1965, p. 240.
M
FEUERBACH, Revision I (nota 4 0 ) , p. 4 1 .
m
Assim HASSEMER, „Variationen der positiven Generalprâvention", in: Schúne-
tin/von Hirsch/Jareborg (Hrsg.), Positive Generalprâvention, Heidelberg 1998, p. 29,34.
74
JOACHIM RENZIKOJVSK!

seu comportamento sejam medidas jurídicas e nfio morais. As diferentes con-


equencias jurídicas nào sâo tidas em conta. Desta forma, contudo, são mistu-
radas duas categorias. A determinação do seu comportamento de acordo com
o dever prende-se com a moralidade do comportamento em causa (6l) , apesar
de se tratar de culpa jurfdico-penal. Além disso, entra-se em uma contradição,
dado que o princípio da legalidade (também) deriva do princípio da culpa 02 ).

IV — Conclusão

É discutível o significado prático das considerações precedentes. De


qualquer modo, o § 17 (2) StGB oferece uma atenuação da pena para o erro
sobre a proibição não censurável. É justamente no imenso direito penal se-
cundário que com frequência é desconhecida a ameaça com sanção. O pro-
Á blema decisivo está, porém, em outro lugar, mais concretamente, na punição
retroactiva de graves violações de direitos humanos. Os mala in se, que in-
versamente aos delicia mere prohibita fundados na positivação estatal, repre-
f sentam crimes que sempre o foram, têm de constituir tipos legais de crime

(6I) KANT (nota 2 7 ) , p. 2 1 9 : A legislação, „welche eine Handlung zur Pflicht und
diese Pflicht zugleich zur Triebfeder macht, ist ethisch. Diejenige aber, welche das letz-
tere nicht im Gesetze mit einschlieflt, mithin auch eine andere Triebfeder ais die Idee der
Pflicht selbst zulãsst, ist juridisch". Coincidente, FEUERBACH, Revision I (nota 4 0 ) , p. 2 7 :
„Eine Rechtsverletzung wird nemlich bios ais Rechtsverletzung betrachtet, wenn bei ihr
nur auf die ãussere Handlung und auf den Widerspruch derselben mit dem (bios auf ãus-
sere Handlungen sich beziehenden) Gesetze der Gereechtigkeit gesehen wird; sie wird ais
Immoralitat betrachtet, wenn bei ihr nicht bios auf das ãussere der That, sondem auch auf
die Gesinnung der Person, aus welcher sie entsprungen ist, ... gesehen wird."
(62) cfr
- r
oxin (nota 2), § 5 n.° m. 24; vd. também TEDH de 22. 3. 2001 —
34044/96, 35532/97 e 44801/98 (Streletz, Kessler und Krenz vs. Deutschland), §§ 50,
w l ~ f u A G R Z 2 0 0 l > 210 > 2 1 2, 214 s.; contra uma fundamentação da proibição de re-
froactividade com o princípio da culpa GRÚNWALD, ,JBedeutung und Begriindung des
rTlZnlmÊm1Cge"'ZStW16 P- !> 1 1 ss.; DANNECKER, Dos intertempo-
rale btrafrecht, Ttíbingen 1993, p. 257 s.
o OBJBCTO O A CONSCrtNCfA IM tLfCtTVOK
puníveis- Não é suficiente, como se imaginou na Idade Média, que a lei penai
estadual su«ja apenas como legitimação da intervenção, com que o respectivo
tribunal penal ameaça. E antes necessária uma fiindamentaçfto racionai que
também possa legitimar a ameaça de pena ou até mesmo uma certa medida da
pena. Caso contrário poderia ser imputada ao agente uma culpa moral. Mas
Isso será outra questão

(63)
A este propósito RENZIKOWSKI, „Mala per se et delicta mere prohfthta
rechtsphilosophische Bemerkungen zum Rflckwirkungsverbot (Art 7 E M R K Y \
Festschriftfllr VolkerStuttgart, 2010, p. 407 ss., onde nâo foi dada a importai
Krey,
devida a esta última dificuldade.

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