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ACADEMIA GONÇALVES DIAS/CURSO DE FORMAÇÃO DE OFICIAIS

DIREITO PENAL MILITAR

I – CONSIDERAÇÕES PROPEDÊUTICAS

1) Breve histórico do D. Penal Militar no Brasil – Origem na legislação penal


portuguesa. As embarcações portuguesas trouxeram também todo o arcabouço jurídico do
velho mundo, que sofreu influência do domínio romano e o visigoto. Chega ao Brasil sob a
forma de Ordenações Filipinas, de 1603. No livro V se encontravam os dispositivos
penais do Reino. Não consagrava nítida separação entre o D. Penal Comum e o D. Penal
Especial, Militar. Havia algumas disposições mais próximas a um D. Criminal Militar como a
que tratava “dos que fogem das Armadas”, o que equivale ao crime de deserção. Em
1763 junta-se os Artigos de Guerra do Conde de Lippe, que vigoraram até final do
século XIX, com o surgimento do Código Penal da Armada (vieram na época em que o
Marques de Pombal, na iminência de uma guerra com a Espanha, solicitou à Inglaterra um
militar que pudesse instruir as tropas portuguesas, recaindo a indicação sobre Wilhelm
Lippe. Nesta legislação percebe-se o 1º delito de insubordinação (hoje equivalente à
recusa de obediência do art.163 do CPM). O art. 4º previa: “ todo militar que cometer uma
fraqueza, escondendo-se, ou fugindo, quando for preciso combater, será punido com a
morte”.
O Código Penal da Armada (Dec. nº 18 de 07.03.1891) pôs termo aos
Artigos de Guerra. Seguiu-se depois em 1944 o Código Penal Militar que vigorou até 31 de
dezembro de 1969, com a entrada em vigor do atual CPM (Dec-Lei nº 1.001 de 21 de
outubro de 1969) em 01 de janeiro de 1970.

2) CONCEITO – Segundo FERNANDO GALVÃO “o Direito Penal pode ser entendido


como o ramo do direito público que reúne os princípios e normas jurídicas que limitam o
poder punitivo do Estado estabelecendo que a prática de determinadas condutas tenha
como consequência a aplicação de penas ou de medidas de segurança ”. Por sua vez
JORGE ALBERTO ROMERO conceitua o Direito Penal Militar, enquanto especialização do
D. Penal: “como o complexo de normas jurídicas destinadas a assegurar a realização dos
fins essenciais das instituições militares”.

3) A RESPEITO DE UMA TEORIA DISCURSIVA DO DIREITO, A ARGUMENTAÇÃO


JURÍDICA – A partir da 2ª metade do Séc. XX a compreensão do raciocínio jurídico
baseou-se na percepção de que a prática do Direito consiste essencialmente em
argumentar. A argumentação jurídica se verifica no momento de elaboração da norma
jurídica, no momento da aplicação da norma aos casos concretos e ainda no momento em
que se constrói ou reformula a dogmática jurídica. Merecem destaque os seguintes
juristas: Theodor Viehweg, Parelman e Stephen Toulmin.
Posteriormente, a teoria da ação comunicativa de Habermas, propôs
a superação da racionalidade prática por meio da racionalidade comunicativa e Robert
Alexy sistematizou a argumentação jurídica a partir da perspectiva do participante e não
do observador. Tais contribuições consolidaram a concepção discursiva do Direito. Neste
contexto, o D. Penal passa a ser compreendido sob o prisma de um constante processo
discursivo de legitimação da intervenção punitiva.

4) PERSPECTIVA DISCURSIVA DO D. PENAL MILITAR – No Brasil, com a


redemocratização iniciada em 1985, tornou-se imperioso rever os conceitos fundamentais
do Direito Penal sob prisma do processo democrático e da teoria discursiva do Direito.
O trabalho deve ser desenvolvido a partir da busca por legitimação para a intervenção
punitiva, superando a perspectiva do Direito revelado e do tradicional, para reconhecer na
ordem jurídica a expressão da soberania popular. Para o D. Penal significa que a validade
das normas jurídicas de conduta social decorre da legitimidade de sua construção
comunicativa, que confere um caráter emancipatório ao Direito, e não simplesmente
regulatório, que se funda no temor da aplicação das penas.
A teoria do crime deve ser compreendida como resultado de um
consenso sobre os pressupostos da intervenção punitiva, que se estabelece por meio de
um processo discursivo prático possível que se verifica no ambiente real do espaço de
discussão pública da sociedade brasileira.
Para a aplicação do direito positivo, no processo judicial é
necessário assegurar às partes, da melhor maneira, a possibilidade de expor e comprovar
os argumentos racionais que foram apresentados para a sustentação de suas pretensões.
Também é necessário que o julgador decida a questão submetida ao exame judicial de
maneira racional, fundamentando discursivamente a decisão conforme os fins político-
criminalmente atribuídos à intervenção repressiva. A decisão judicial, portanto, deve ser
fundamentada sob a ótica do participante e não do observador. A compreensão
procedimentalista da intervenção penal, os pressupostos comunicativos e as condições do
processo democrático que estabelecem a punição constituem sua única fonte de
legitimação.

5) O COMPROMISSO DO D. PENAL MILITAR DE REALIZAR JUSTIÇA – A ideia de


aplicar o D. Penal Militar, a legitimidade de intervenção punitiva está intimamente ligada à
ideia de Justiça. Há a compreensão, a partir da Univ. de Heidelberg, após o trauma do
holocausto, com Gustav Radbruch, de que “ Direito quer dizer o mesmo que vontade e
desejo de justiça”. Quando houver uma contradição, num grau tão insustentável, entre a
lei positiva e a justiça, aquela deve ceder lugar a esta, i. é, a lei cede lugar a justiça.
Uma teoria de justiça foi objeto de muitos estudos de filósofos e
juristas no Séc. XX, sendo objeto de destaque a de Justiça Social de Hans Kelsen, a
da Justiça Formal de Perelman, a da Justiça como correção de Robert Alexy e a
da Justiça como equidade de John Rawls. Todos estes estudos levaram a
consolidação do Direito e de seu compromisso com a realização da Justiça na Constituição.
Este novo paradigma de Justiça constitucional deve orientar a interpretação e a aplicação
de todas as disposições da legislação repressiva.

6) BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA TEORIA DO CRIME NO CÓDIGO PENAL


MILITAR – A teoria do crime no CPM adveio do projeto de C. Penal Comum, Dec.-Lei nº
1004/69 que não chegou a entrar em vigor, por ter sido revogado no período da vacacio
legis. Mas o projeto de CPM, Dec.-Lei 1.001/69 seguiu adiante e foi aprovado, entrando
em vigor no dia 1º de janeiro de 1970. Pode-se identificar a teoria causalista da ação
para identificar a conduta que caracteriza o crime militar. As referências legais que mais
evidenciam o modelo adotado dizem respeito à culpabilidade. Percebe-se no art. 33 do
CPM, no que diz respeito aos crimes dolosos e culposos, a rubrica culpabilidade. O art.
69, por sua vez, inclui entre as circunstâncias judiciais a intensidade do dolo e o grau
de culpa. Estas duas disposições indicam que os conceitos de dolo e culpa estariam
alocados no juízo de culpabilidade, bem como que a concepção da culpabilidade adotada é
a psicológico-normativa nos moldes da teoria casual-naturalística - o CP comum
vigente ao tempo da entrada em vigor do atual CPM, continha as mesmas referências à
intensidade do dolo e o grau de culpa em seu art. 42 – os dois estatutos repressivos
sinalizavam para a mesma construção teórica do crime.
A parte especial do CPM estabelece tipos incriminadores dolosos e
culposos de modo a firmar a questão no plano da tipicidade. O elemento subjetivo que
orienta a realização da conduta importa à identificação do tipo incriminador. Se o CPM
define tipos incriminadores culposos, não é possível sustentar que dolo e culpa são
elementos do juízo de culpabilidade.
Ainda no âmbito da tipicidade cabe observar que o CPM estabelece
que a causa de que depende a existência do crime pode ser uma ação ou omissão
(art.29). Esta norma substituiu as antigas circunstâncias judiciais relativas à intensidade
do dolo e o grau de culpa, por culpabilidade. A identificação da omissão como causa
evidencia que a teoria do crime não é de natureza ontológica, como pretendeu a teoria
causal-naturalista, pois a omissão naturalisticamente não pode causar qualquer
resultado. No plano ontológico, a omissão não pode constituir causa. Somente no
plano normativo é possível afirmar que a omissão é causa da violação da norma
jurídica. Se o CPM define a relação de causalidade conforme os parâmetros normativos,
não é possível sustentar que o modelo teórico adotado é o casual-naturalísta.
É preciso considerar para a compreensão desta temática acerca da
Teoria do Crime no Código Penal Militar, o que estabeleceu o legislador por ocasião da
reforma da parte geral do Código Penal comum (Lei 7.209/84), que ao tratar dos crimes
dolosos e culposos, em seu art. 18, retirou a rubrica culpabilidade. A mudança indica que
não se pode mais entender dolo e culpa como elementos conceituais do juízo de
culpabilidade. Com a nova redação do art. 20 (CP comum), fica claro que os referidos
elementos conceituais passaram a integrar o juízo de tipicidade. Se o erro de tipo exclui
o dolo, mas permite a punição por culpa, dolo e culpa são elementos do tipo
incriminador e não da culpabilidade. Logo a reforma penal acolheu a mudança
sistemática proposta pela teoria finalista e se apresenta coerente com uma parte
especial que distingue tipos incriminadores dolosos e culposos. Por fim, é correto afirmar
que as disposições do CP comum se apresentam absolutamente compatíveis com os
sistemas pós-finalistas que trabalham com os elementos subjetivos no tipo e na
ilicitude, bem como com uma culpabilidade estritamente normativa.
Há uma ÚNICA TEORIA DO CRIME, pois não é possível admitir que
o ordenamento jurídico brasileiro mantenha um modelo teórico diferenciado para a
identificação do crime militar, sob pena de manifesta violação aos princípios
constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia (art, 1º, I e art. 5º,
caput, ambos da CF/88). Civis e militares são cidadãos brasileiros igualmente dignos,
sendo que a condição de militar não justifica a diversidade de tratamento no que diz
respeito à identificação da conduta criminosa.
Os crimes previstos na legislação extravagante se diferem dos crimes
previstos no CP comum em razão da especificidade do bem jurídico que pretendem tutelar
e não em razão da possibilidade de utilização de uma teoria do crime diversa.
O ordenamento jurídico somente pode admitir uma única teoria do
crime. Para a identificação dos crimes comuns, eleitorais e militares deve-se utilizar a
mesma teoria do crime. Destarte, os dispositivos constantes no CPM que expressam teoria
do crime diversa, devem ser interpretados em conformidade com a diretriz constitucional
da isonomia para que o sistema normativo estabeleça validade para uma única teoria do
crime; logo estes dispositivos do CPM foram revogados pela reforma penal comum
promovida pela Lei 7.209/84.

II DO CRIME PENAL MILITAR

Importa considerar os critérios legais e constitucionais para


caracterizar os crimes militares.

1) DEFINIÇÃO DE CRIME MILITAR – A CF/88, nos arts. 124 e 125 adotou o critério
ratione legis para a definição do crime militar. A Nova Ordem Constitucional, ao adotar o
CRITÉRIO OBJETIVO da definição legal, rompeu com a orientação que seguia o CRITÉRIO
SUBJETIVO, ligado à condição do sujeito ativo da conduta (ser militar) para a definição
de crime militar, que se mantinha desde a Constituição de 1934. Dessa forma crime
militar é somente o que a Lei diz como tal.
Destarte, a CF/88 no art. 124, caput, menciona que a Justiça Federal
Militar compete processar e julgar os crimes militares definidos em Lei, e à Justiça Militar
Estadual, conforme o art. 125, §§ 4º e 5º da CF/88, compete processar e julgar os
militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as Ações Judiciais contra
Atos Disciplinares Militares, ressalvadas a competência do JURI, quando a vítima for civil,
cabendo ao tribunal competente decidir a perda do POSTO e da PATENTE dos OFICIAIS e
da GRADUAÇÃO das PRAÇAS.
A doutrina tradicional sustentou que o crime militar é a infração
penal prevista no CPM que lesiona bens ou interesses vinculados à missão
constitucional das Instituições Militares.
Com a ampliação do conceito de crime militar promovido pela
Lei 13.491 de 13.10.2017, o entendimento de CRIME MILITAR deve ser revisto. A
referida Lei alterou o Inciso II do art. 9º do CPM, para atribuir a natureza militar aos
crimes previstos em toda legislação penal brasileira, desde que praticados nas
circunstâncias que expressamente enumera e que identificam o contexto de
realização de atividades estritamente militares. Fica claro o interesse de preservar o
padrão de qualidade dos serviços prestados pelas Instituições Militares à sociedade.
Então para FERNANDO GALVÃO, crime militar é “a infração penal
prevista no CPM ou na legislação penal que lhe seja extravagante e que lesiona
bens jurídicos por meio da inadequada realização das atividades inerentes às
Instituições Militares no cumprimento de sua missão constitucional, neles incluídos os que
interessam à existência e ao regular funcionamento das Instituições Militares, como os
seus princípios organizacionais da disciplina e hierarquia.” (Direito Penal Militar, 5ª ed,
Ed. D’ Plácido, 2022, S.Paulo/B. Horizonte)
Para JORGE DE ASSIS, crime militar é: “toda violação acentuada ao
dever militar e aos valores das Instituições Militares. Distingue-se da transgressão
disciplinar porque esta é a mesma violação, porém na sua manifestação elementar e
simples. A relação entre crime militar e transgressão disciplinar é a mesma que existe
entre crime e contravenção”. (Comentários ao Código Penal Militar, 8ª ed, Ed. Juruá,
Curitiba, 2014).

2) CLASSIFICAÇÃO DOS CRIMES MILITARES: CRIMES PROPRIAMENTE


MILITARES, CRIMES IMPROPRIAMENTE MILITARES E CRIMES MILITARES POR
EXTENSÃO -

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