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Resenha e comentários do

livro Geografia Humana,


Sociedade, Espaço e Ciência
Social, de Derek Gregory,
Ron Martin e Graham Smith
– por Thaís Moretz-
Sohn Fernandes

O livro Geografia Humana, Sociedade, Espaço e Ciência Social, dos autores Derek
Gregory, Ron Martin e Graham Smith, foi um dos mais surpreendentes que já li.
Surpreendentes não por incluir conteúdo excepcional ou pensamento único.
Também não por ser uma obra de leitura fluida e gostosa. Surpreendente, sim, pela
capacidade extraordinária de ser expressivo e denso, de equilibrar-se entre o
cansativo e o estimulante, sempre com boa dose de realidade e estímulo à reflexão
e ao pensamento. Um livro para se ler com paciência, para ser mastigado, digerido
e entendido, pois cada capítulo vencido é um grau de lucidez adquirido.

Dividido em duas grandes partes, o livro traz diversas abordagens que, somadas e
complementadas, nos permitem entender o mundo atual, sob diferentes
perspectivas: da Economia, da Sociedade, do Estado, da Geografia. Interessante
pelos exemplos, pelas explicações, pela maneira surpreendente em que um texto
se conecta ao outro e permite um entendimento cada vez mais completo da
globalidade.

Os pontos-chave da primeira parte do livro são a mutação das ciências sociais; a


falta de consenso atual e o surgimento de vários modelos que tentam explicar o
mundo (virada pós-modernista); o problema da “generalização dos modelos de
época”; os desafios “de cima” (processos globais) e “de baixo” (no seio da
sociedade civil); a nova espacialidade da política; a globalização como um desafio à
soberania nacional; a função democrática do Estado e o papel exercido por outros
atores, como os blocos econômicos, a cultura etc.

“Todas as teorias sociais têm algo em comum (…) todas, ao longo do tempo,
tornam-se obsoletas à medida que os eventos históricos se desenvolvem por
caminhos que possivelmente nenhuma teoria poderia ter previsto (…) Surge então
o problema da reconstrução, depois que as tentativas de trabalho improvisado
empreendidas por teóricos obstinados fracassam.”

Mais do que nunca podemos perceber o espírito de mutação e desnorteamento


explicado pelos autores. Tanto as ciências sociais, quanto a política e,
principalmente, a sociedade, têm se encontrado em um estado de reviravolta,
reestruturação e desestabilização, que estimulam a busca por novos sistemas e
regras, rompimentos de regras e ênfase em outros temas, como ambientalismo,
novos tipos familiares etc.

Como as ciências sociais encaram esses acontecimentos?

Os autores respondem a essa pergunta relembrando as diferentes reviravoltas que


já sofreram as diversas ciências:

A Geografia, por exemplo, passou por uma grande transformação nos anos de
1950/1960, quando a “Nova Geografia” suplantou a antiga tradição de
diferenciação de áreas como abordagem de vanguarda. Foi instaurado um período
de estudo mais racional e lógico do território (positivismo) e do espaço geográfico.
Uma segunda transformação veio, depois, com os anos 1970, com a “virada
marxista”, quando os processos históricos e materiais foram recuperados, em um
momento de tendência de crise do capitalismo.

Já a economia, que também passou por suas transformações, vivenciou grandes


rupturas mais antigas, transitando, ainda no século XIX, entre interpretações
clássicas e neoclássicas para, no século XX, mudar para o keynesianismo e depois
um neoneoclassicismo.

A realidade é que, tanto na Geografia, quanto na Economia, bem como em diversas


outras ciências, as teorias têm sofrido pelas generalizações. Vivemos, hoje, a
“virada pós-modernista”, uma era de relativismo epistemológico e pluralismo
metodológico” – evidenciado, inclusive, no fato de hoje a maioria das disciplinas ser
multidisciplinar.

“O consumidor quer saber em que medida o global pode afetar o seu dia-a-dia.
Quer uma ágil e moderna prestação de serviços”.

“A globalização está produzindo um efeito curioso: quando tudo é transnacional, o


local ganha enorme importância”.

Perspectivas em Geografia Humana

Na parte dois do livro, os autores aprofundam o debate dessas ideias dentro do


campo da Geografia Humana. Por meio de interessantes exemplos, sobretudo
ligados a questões ambientais, demonstram como outros atores, além do Estado,
interferem no nosso dia-a-dia, exercendo voz ativa em diversas situações.

Emblemático é o caso das olarias em Bedfordshire, estudado por Andrew Blowers.


Nele, Blowers mostra a polêmica que envolveu a instalação de olarias da empresa
Brick London, que gerariam recursos para a região, mas, ao mesmo tempo,
piorariam a qualidade do ar e do ambiente. Interessante observar a pressão
exercida pelo poder de atração do capitalismo e, de outro lado, dos grupos de
pressão sociais e ambientais e como cada um, a seu modo, exerce influência sobre
“as regras do jogo”.

Em outra análise, agora da fundição Smelter, percebe-se como a construção de


fábricas desse tipo afetam não somente o territórios e os grupos de pressão locais,
mas, também, os territórios de áreas fronteiriças, que podem ser contaminadas
pela poluição. Ou seja, há, no debate, a questão da relativização da soberania”.

Outro fator a ser inserido, ainda, é a “preocupação com as gerações futuras”. Ou


seja, não se pode pensar só no hoje e nos grupos de interesse atuais, mas na
própria sobrevivência da humanidade e no futuro das próximas gerações.

Por fim, temos a questão da cultura. Percebe-se que os acontecimentos afetam, em


escala crescente, as relações de identidade. Capitalismo, globalismo, grupos de
pressão… suas ações geram impactos em outras esferas.

“Ideias e valores culturais são ligados à relação de poder. Determinados grupos


tentam impor sua definição e cultura e outros a contestam.”
Em conclusão, Geografia Humana, Sociedade, Espaço e Ciência Social é uma obra
para ser lida e relida, dada a diversidade de teses, exemplos e argumentos. Mesmo
que lida apenas uma vez, já traz diversas reflexões e certamente impactos na
leitura de outras obras, teses e pensamentos

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