Você está na página 1de 5

Aula: 14

Temática: Linguagem: clareza,


concisão e objetividade

Em sua vida acadêmica e, mais tarde, na profissional, você


terá várias oportunidades de produzir textos escritos que
serão posteriormente lidos por seus professores e colegas.
Para que o entendimento deles seja possível, é necessário que, ao redigi-
los, você procure organizar suas idéias e apresentá-las de modo claro,
conciso e objetivo.
Clareza, concisão e objetividade são características da linguagem de tex-
tos acadêmicos, administrativos, técnicos e científicos. Isso não significa,
segundo Margaret Norgaard, que esses textos devam apresentar “uma ob-
jetividade completamente desapaixonada” , o que tornaria a leitura peno-
sa e enfadonha. O importante é que, qualquer que seja o “estilo” do autor,
as idéias possam ser compreendidas, sem a interferência de ambigüida-
des e redundâncias desnecessárias. “Afinal, na era do conhecimento e da
informação, uma comunicação com clareza e objetividade é obrigatória” ,
diz a jornalista Margot Cardoso.
A clareza é reflexo direto da organização do pensamento de quem escre-
ve. Por isso, antes de se iniciar a redação de um texto, é necessário refle-
tir, fazer um levantamento das principais idéias que se quer passar para,
depois, organizá-las de um modo lógico a fim de que, mais tarde, o leitor
possa acompanhar o raciocínio do autor. Um texto tem clareza quando as
informações e idéias nele contidas são facilmente apreendidas, sem que
o leitor precise “adivinhar” o que o redator quis dizer. Um dos principais
responsáveis pela falta de clareza em um texto (ou um trecho) é a ambi-
güidade, à qual dedicaremos toda a próxima aula.
Como a clareza, a concisão e a objetividade revelam a organização men-
tal da pessoa que redige um texto, já que elas consistem na comunicação
daquilo que é essencial: diz-se que um texto tem objetividade quando vai
diretamente ao assunto, sem introduções muito longas e dispersivas nem
frases iniciais desnecessárias. Isto é, quando fazemos a seleção das idéias
que pretendemos desenvolver em um texto, vamos deixando de lado tudo
aquilo que não esteja relacionado com o que não é nossa intenção tratar
naquele momento. Com isso, já temos meio caminho andado para a elabo-
ração de um texto objetivo e conciso.

Apud Othon M. Garcia. Comunicação em prosa moderna: aprender a escrever,
aprendendo a pensar. 2ªed, R.J.: Fundação Getúlio Vargas, 1973, p.376.

“Falar e escrever bem”. Revista Vencer, fev. 2006, Apud http://www.gramaticaonline.
com.br/. Acesso em 10/9/2006
UNIMES VIRTUAL
62 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO
Do ponto de vista da linguagem, para se alcançar a concisão, é necessário
evitar repetições desnecessárias, palavras supérfluas, o uso exagerado de
adjetivos e as frases longas e confusas.

A passagem abaixo, retirada de um texto da revista Isto É (24/3/93) trata


de um caso interessante – e extremo – de concisão:

Carta concisa: Nesta modalidade, permanecem im-


batíveis o escritor francês Victor Hugo (1802-1885) e
os seus editores /.../. O autor encontrava-se em férias,
fora de Paris, e queria saber a todo custo como an-
dava a venda de seu último romance, Os miseráveis.
Armou-se, então, de papel e pena para escrever pura
e simplesmente: ‘ ?’ Para sua satisfação, obteve como
resposta: ‘!’

No extremo oposto da linguagem concisa está a empregada nos proces-


sos judiciais, que se caracteriza pela prolixidade, o que é justificado no
trecho abaixo (Folha de S.Paulo, 28/6/93):

A linguagem rebuscada dos processos, muitas vezes


incompreensível para um não-iniciado, é uma her-
ança do século passado. Os escrivães ganhavam por
palavra. Por essa razão, se esmeravam em esticar ao
máximo as frases, criando floreios que se tornaram o
próprio estilo da escrita judicial.

Você deve ter percebido, pela data da publicação do texto acima, que o
“século passado” é o XIX. No entanto, até hoje encontramos, mesmo em
publicações dirigidas ao grande público, como revistas e jornais, textos
extremamente prolixos, pois passam bem longe da clareza, da concisão e
da objetividade. Tanto é assim, que o jornalista Elio Gaspari, por meio de
Madame Natasha – a qual já apresentei a vocês na aula anterior – costu-
ma brincar com textos em linguagem exageradamente complexa.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha detesta música e eleições. Ela cuida


da verticalização do idioma e concedeu uma de suas
bolsas de estudo ao deputado Aloizio Mercadante,
pela seguinte pérola num artigo em que definiu os ob-
jetivos de uma nova política externa para o Brasil:
“O terceiro macroobjetivo diz respeito ao estabeleci-
mento de uma nova arquitetura das relações econômi-

Apud Mauro Ferreira. Redação comercial e administrativa: gramática aplicada,
modelos, atividades práticas. S.P.: FTD, 1996, p. 111.

Idem. Ibidem, p.11.

Folha de S.Paulo. 21/7/02, p. A11.
UNIMES VIRTUAL
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO 63
cas internacionais que, por um lado, avance na refor-
mulação do sistema de entidades internacionais da
área econômica (Bird, FMI, OMC), de modo a torná-
las mais voltadas para o desenvolvimento dos países
retardatários, e, por outro, possibilite a construção de
um marco regulatório internacional sobre os fluxos de
capital financeiro que reduza a instabilidade econômi-
ca mundial e proteja os países em desenvolvimento
dos efeitos de seus movimentos especulativos”.
Natasha entendeu que o deputado propõe um novo
ordenamento do comércio e das finanças mundiais.
Entendeu também que o PT começou a se expressar
no dialeto da ekipekonômica.

Observe que, no primeiro período do último parágrafo, o autor “traduz”, de


forma concisa, as idéias de Aloizio Mercadante que haviam sido apresen-
tadas numa linguagem extremamente prolixa.

Então, precisa ficar claro para nós que escrever bem não é escrever ”di-
fícil”, usar um vocabulário rebuscado, redigir as frases na ordem indireta,
criar “suspense” a todo momento. Pelo contrário, devemos escrever cor-
retamente e tomar bastante cuidado para que nossos textos sejam inteli-
gíveis para nosso(s) receptor(es).

Sem querer cobrir todos os problemas a serem evitados, listo em seguida


alguns cuidados que devemos ter. Por exemplo:

• escrever as frases em ordem direta (sujeito+verbo+complemento),


evitando inversões bruscas e desnecessárias;
• empregar períodos curtos, dividindo os longos em dois ou mais (aten-
ção, aqui, à pontuação);
• observar se uma palavra (um pronome, por exemplo) não está substi-
tuindo simultaneamente duas outras já citadas;
• evitar palavras e expressões intercaladas na frase;
• reduzir o emprego de formas verbais duplas;
• evitar o uso excessivo da palavra que (ao uso exagerado do que dá-se o
nome de “queísmo”);
• substituir palavras semelhantes por outras (palavras da mesma família
etimológica, por exemplo);
• evitar o uso excessivo do gerúndio (em especial do famoso, e cada vez
mais execrado, “gerundismo”: “Vou estar transferindo sua ligação!”);
• evitar redundâncias.

UNIMES VIRTUAL
64 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO
O texto abaixo é uma adaptação que fiz de algumas passa-
gens do Livro Primeiro da obra A cidade antiga, do histo-
riador Fustel de Coulanges. Observe como a linguagem é
clara, objetiva, concisa – totalmente adequada ao assunto, aos receptores
e ao objetivo do autor (passar informações acerca dos fundamentos da
família romana).

Alguns fundamentos da família romana

Na Grécia e na Roma Antigas, a constituição da família estava intimamen-


te relacionada com a crença de que a morte era uma simples mudança de
vida, na qual a alma permanecia junto ao corpo, e ambos continuavam a
viver na terra, ou melhor, no lugar em que haviam sido sepultados. Nos
ritos fúnebres, enterravam-se, juntamente com o morto, os objetos que se
julgava ele viesse necessitar, como roupas, vasos, armas e, às vezes, ca-
valos e escravos para que servissem o morto no sepulcro como o haviam
feito em vida; sobre o túmulo, deixava-se alimento e derramava-se vinho:
“Os mortos nutrem-se dos manjares que lhes colocamos sobre o túmulo e
bebem do vinho por nós ali vertido: de modo que um morto a quem coisa
alguma se ofereça está condenado à fome perpétua”, escreveu Luciano.

Os mortos eram tidos como entes sagrados: para o modo de ver dos an-
tigos, cada morto era um deus, e os túmulos eram os templos dessas
divindades – diante de cada um, construíam um altar onde depositavam
oferendas.

Tanto os gregos como os romanos acreditavam que, se deixassem de ofe-


recer aos mortos alimentos, incensos ou sacrifícios, eles sairiam de seus
túmulos para repreender os vivos, enviando-lhes doenças ou ameaçando-
os com a esterilidade do solo. Se, ao contrário, os mortos fossem sempre
cultuados, tornar-se-iam deuses tutelares, amando, protegendo e ajudan-
do aqueles que os honravam. Eram chamados, pelos latinos, de lares ou
manes.

Toda casa de grego ou de romano possuía um altar. Era obrigação do dono


da casa conservar as brasas que aí ardiam dia e noite – o fogo só deixava
de brilhar sobre o altar quando toda a família já havia morrido. Esse fogo
era cultuado, a ele eram dirigidas as preces, em torno dele reunia-se a
família, pois ele a protegia, conservava sua vida, alimentava-a com seus
dons, concedia-lhe a pureza do coração e a sabedoria.

Como se vê, os manes ou lares eram domésticos, isto é, eram cultuados


por seus descendentes, o que criava um poderoso laço entre todas as

Fustel de Coulanges. A cidade antiga. 10ª ed, Lisboa: Livraria Clássica Ed, 1971, p.11
- 43.
UNIMES VIRTUAL
LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO 65
gerações de uma mesma família. Os latinos chamavam esse culto dos
antepassados de parentare (só mais tarde apareceram os “heróis” e “deu-
ses” nacionais).

Cada família, portanto, tinha o seu fogo sagrado, cultuado na privacidade,


com regras, festas, orações e hinos próprios. Apenas o pai tinha o poder
de transmitir esses ritos familiares – e somente a seu filho. Essa religião
doméstica só se transmitia de descendente masculino a descendente
masculino, pois os antigos acreditavam que o poder reprodutor residia
exclusivamente no pai. Por isso, a mulher só participava das cerimônias
pela intervenção do pai ou do marido, e, “depois da morte, não recebia a
mesma parte que o homem no culto”.

Os fundamentos da família romana encontram-se, então, na religião do lar


e dos antepassados, cuja primeira instituição foi o casamento.

UNIMES VIRTUAL
66 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTO

Você também pode gostar