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O UNIVERSO

DA GOVERNANÇA
NA VELOZ
ECONOMIA
Algum controle para as
contradições de conectar o mundo

VE R S ÃO 1
O Universo da Governança na economia veloz 1
MASTERS
COLABORADORES
Adonai Arruda José Godoi
Ana Amélia Cunha Pereira Filizola Josias Cordeiro
Anderson Godz Karine Krenzinger
Andrea Sorgenfrei Luiz Calado
Bernardo Quintão Marcelo Deschamps
Bruno Ceschin Marcelo Venturi
Camila Pokrywiecki Marcia Camara
Carlos Henrique Pastro Pereira Marco Poli
Celso Hiroo Ienaga Marcos Araujo
Courtnay Guimarães Marcos Buson
Cristiane Werner Maria Bofill
Daniel Cattani Maria Carolina
David Knopfholz Becher Marina Beraz
Denilson Camilo Michael Fukuda
Diego Barreto Michelle Taminato
Diego Godoy Milena Seabra
Domingos A. Laudisio Milton Fabricio Pereira
Dongley Martins Murilo Basso
Edilson Miranda Nelly Canguçu
Elton Miranda Omarson Costa
Emilia Chagas Ovidio Felippe Pereira da Silva Jr.
Fabio Póvoa Paula Gulin Vianna
Fábio Santos Pierre François Roulet
Fernanda Latronico Rafael de Tarso Schroeder
Filippos Karabalis Raphaela Gulin
Francisco Millarch Ricardo Cabianca
Gianfranco Muncinelli Rodolfo Fucher
Guilherme Cunha Pereira Roque Borgonovo
Guilherme Dorocinski Sandro Magaldi
Guilherme Krauss Sergio Alexandre
Guilherme Santana Silvia Barcik
Guilherme Vieira Thábata Gulin Guarinello
Heloisa Garrett Thiago Ayres
Inaiá Botelho Thiago Silva Schütz
Iomani Engelmann Vinicius Dunetz
Jeff Prestes Vivian Muniz
João Guetter Welysson Soares
João Kepler

Seja você também um colaborador da próxima edição clicando aqui.

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introdução
As discussões sobre governança e nova economia têm evoluído naturalmente com o avanço das tecnologias
e dos novos modelos de negócio, mas ganham espaço também pelas grandes contradições geradas.
Chegaram às ruas, literalmente, temas como os patinetes e bicicletas compartilhados e seus acidentes
de percurso – de negócios ou ainda legislativos –, o esgarçamento do tecido social com um emblemático
exemplo dos homeless em plena São Francisco, o conflito do Uber com as prefeituras e táxis mundo afora,
sem falar nos impactos da “privacidade hackeada” do Facebook e na nova guerra fria pela tecnologia 5G.

Nas primeiras pesquisas, realizadas em 2017, antes mesmo do lançamento do livro “Governança & Nova
Economia”, foram apontadas duas faces dessa moeda. Uma é a governança DE startups, enquanto a outra
é a governança PARA startups. Era o começo de um aprendizado: unir governança e nova economia, dois
dos temas mais importantes das últimas décadas, é um desafio maior.

É empolgante ver movimentações a respeito, vozes e cursos trazendo a inovação como pauta para a
governança. Acreditamos que temos contribuído pra isso. Em um país estigmatizado por “fazer negócios”
nem sempre de forma adequada, é preciso que a sociedade avance na direção de iniciativas velozes e
corretas, recuperando a competitividade.

Por esse motivo, precisamos não somente do MasterClass em Governança & Nova Economia, mas também
de iniciativas como um PDC (Programa de Desenvolvimento de Conselheiros) Avançado da Fundação
Dom Cabral, do Programa de Formação para Conselheiros da PUCPR, do Caderno de Governança para
Startups e Scale Ups do IBGC, do Programa de Formação de Conselheiras ABPW da Saint Paul, sem falar
dos eventos Gonew que se espalham por várias cidades brasileiras. Já não era sem tempo: da alta gestão
a um empreendedor early stage1, todos precisam discutir as matizes de governança diante do impacto da
transformação da tecnologia e sob o prisma da propriedade.

Ainda que a pauta tenha avançado, não se trata de um tema fácil. Em outubro de 2018, por exemplo, em
um Congresso de Governança sobre inovação, a palavra blockchain sequer foi citada – naquele momento,
ela já constava na capa do livro “Governança & Nova Economia” e ali havia um capítulo inteiro apontando-a
como um dos dez fatores de pressão da nova economia na governança.

São consideradas empresas em early stage (estágio inicial) as que possuem até três anos de existência.
1

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Avançando no tempo, porém, hoje temos construído e compartilhado conhecimento em rede com as
mais de 15 mil pessoas da Comunidade Governança & Nova Economia, além dos cerca de 200 Masters
formados nos últimos meses no Programa MasterClass. Aprendemos juntos que reunir governança
e nova economia transcende as duas dimensões apontadas originalmente no livro: governança DE e
PARA startups.

É uma discussão que nos traz ao menos mais duas perspectivas. Primeiro, evoluímos os dez fatores
de pressão para a percepção de uma série de contradições que formam um dinâmico conjunto de
órbita, que vamos chamar de Espaço de Contradições. Aqui, estamos em frente de algo fundamental
para a intersecção entre governança e nova economia, pois é no Espaço de Contradições que serão
reconhecidos os maiores desafios da união desses temas e, consequentemente, as oportunidades para
futuras discussões, encontros, ebooks, grupos temáticos, para o MasterClass e para as missões nacionais
e internacionais.

Já no outro extremo está o Board Canvas, um núcleo de fundamentos que busca trazer todo esse
universo para a máxima simplificação, do prisma das pessoas, do empreendedor sem tempo nem dinheiro
para gerar qualquer artefato de governança que não seja algo rápido e amigável para grudar nas paredes
de coworkings.

Essa simplificação é necessária porque a inovação e os novos modelos de negócio têm efeito encantador
e, por vezes, atraem toda a atenção de sócios no início das pequenas e médias empresas e startups. Outro
motivo é que tanto no Brasil quanto na América Latina falta altivez financeira aos empreendedores: eles
empreendem por necessidade, e não por opção.

Assim, este ebook tem como objetivo consolidar e sumarizar essas dimensões em uma visão maior
sobre o tema: um landscape que denominamos de “Universo Governança & Nova Economia”. É isso
que estamos construindo em comunidade: sabemos que a próxima ruptura de paradigma pode não
estar atrelada à tecnologia — mas a um acerto de contas entre o papel que a tecnologia assumiu na
sociedade contemporânea e o ser humano. Afinal, como Benedict Evans questiona, “conectar o mundo
tem consequências muito além da tecnologia?”.

Anderson Godz

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índice
CAPÍTULO 1
Board Canvas:
uma visão amigável
06

CAPÍTULO 2
Governança PARA empresas pequenas, médias e startups:
uma visão dual
09

CAPÍTULO 3
Governança DE empresas pequenas, médias e startups:
uma visão ampliada
16

CAPÍTULO 4
Espaço de Contradições:
uma visão maior
19

CONCLUSÕES
41

REFERÊNCIAS
43

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capítulo

BOARD
1
CANVAS
uma visão amigável

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A primeira das dimensões desse Universo é a mais simples redução dos fundamentos de Governança
Corporativa: o Board Canvas. Um núcleo fundamental para uma prática simples e amigável de governança
para empresas pequenas, médias e startups, além de uma visão clara do ambiente, desafios e oportunidades.
Antes que a Governança se estabeleça em artefatos maiores, como códigos, condutas e procedimentos,
e antes que ela estabeleça o contrato social, acordo de acionistas ou até mesmo acordo de fundadores,
sua base mais fundamental precisa ser debatida logo no início da discussão dos negócios e das ideias, por
meio de um modelo simplificado de uma página inspirado pelo Business Model Canvas.

Seus principais fundamentos estão divididos em quatro pilares:

1) Valores: aqui estão os elementos relacionados às questões pessoais dos envolvidos. Deve
ser debatido o que cada sócio-fundador tem como Prioridade, Valores Pessoais, Relações
Anteriores ou Familiares e Ética e Caráter.

2) Expectativas: o segundo ponto são as expectativas, que abrangem três elementos para
serem analisados sobre o que se quer da nova empresa e o que não é esperado: Velocidade e
Objetivos, Mudanças ou Pivots e Apetite a Riscos.

3) Entregas: são as entregas pessoais de cada um dos envolvidos na ideia. É preciso responder
aos elementos: Skills e horas por semana, Aportes e Retiradas e Responsabilidades. O
que cada pessoa entrega de si para o novo negócio e o que não está disposta a entregar?

4) Controle: esse tópico envolve quatro elementos: Societário e Jurídico, Contratos e Funding
(financiamento), Cadências de Gestão e Governança e Propriedade Intelectual. Levando
isso em consideração, é preciso responder à questão: como os envolvidos devem se organizar a
respeito? Essa dimensão, diferente das outras três, não é imprescindível nas primeiras discussões
de uma nova empresa, mas deve ser considerada o quanto antes.

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Entende-se o Board Canvas como uma das mais simples
abordagens existentes hoje no Brasil para o alcance das
práticas de governança voltadas a empresas pequenas,
médias e startups.

A discussão desses elementos no nascedouro das companhias pode mitigar riscos de conflitos que
resultam em uma das principais causas de falhas em negócios joviais: o conflito entre sócios e investidores.

São, ao todo, 13 pontos que precisam ser alinhados se não logo nos primeiros instantes após o nascimento
da empresa, ao menos assim que for formulado o plano de negócios. Se não houver alicerces bem
alinhados, o crescimento acelera não apenas o negócio, mas também as tensões e conflitos. O ebook
completo e gratuito pode ser baixado aqui. É um experimento coletivo que pode ser melhorado por toda
a comunidade empreendedora.

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capítulo
2
GOVERNANÇA
para EMPRESAS
PEQUENAS,
MÉDIAS E
STARTUPS
uma visão dual

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Avançando uma dimensão: o assunto agora é PME ou startup per se2, quando a governança precisa ser
estabelecida para negócios pequenos, sejam eles startups ou pequenas/médias empresas.

Atualmente, há duas publicações com abordagens mais consistentes mas com uma diferença nobre:
a forma de “cortar o bolo”. Uma delas é o “Caderno de Governança para Startups e Scale Ups”, do IBGC
(Instituto Brasileiro de Governança Corporativa). Nesse caderno, as práticas são colocadas na perspectiva
de quatro estágios: Ideação, Validação, Tração e Escala (para facilitar, vamos batizá-lo aqui de “modelo
IVTE”). Esses estágios estão mais ligados ao produto do que necessariamente à mesa dos sócios da
startup.

Já o livro “Governança & Nova Economia” sugere que a maturidade das práticas de governança seja
aplicada na perspectiva dos estágios de financiamento de startups: bootstrapping3, incubação/aceleração,
investimento anjo, seed (Investimento Semente), séries A, B, C, D, em diante – vamos aqui batizá-lo de
“modelo BISS”.

É importante ressaltar que não há certo e errado aqui. Na verdade, existem razões para as diferentes
abordagens.

Na perspectiva da Comissão de Startups do IBGC,


que procurou não ser determinista no Caderno, o
entendimento é de que os quatro estágios representam
uma oportunidade para startups aplicarem boas práticas
independentemente de receberem ou não investimentos.

2
São as startups em seu conceito clássico: empresas jovens que buscam explorar atividades inovadoras no mercado, a partir de um modelo de negócios
repetível e escalável, num cenário de extrema incerteza.
3
Quando são utilizados recursos próprios na criação da empresa, sem a participação de investidores externos.

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Embora o financiamento seja uma condição quase obrigatória para empresas de crescimento rápido, não
necessariamente será para a totalidade delas – o recém unicórnio Ebanx é um exemplo.

Mas é preciso considerar que a história do Ebanx também passou inúmeras vezes por Ideação, Validação,
Tração e Escala. E, além disso, foi comum nessa trajetória passar por mais um estágio: destruição! Empresas
de uma nova economia precisam desarmar qualquer controle ou governança em cima de criações e
extensões de seus negócios que não devam ser continuados por quaisquer motivos – e é preciso fazer
isso rapidamente.

Cabe ressaltar que o IBGC também considerou a instabilidade/imaturidade do mercado brasileiro e o fato
de que os estágios, sobretudo no Brasil, ainda estavam se assentando, quando da discussão do Caderno.

Já o modelo proposto no livro “Governança & Nova Economia” delineou os estágios de financiamento das
boas práticas de outra forma: parte-se da premissa que investidores-anjo e venture capital são elementos
habituais desse mercado e, por esse motivo, o modelo BISS é pautado pela régua dos estágios de
financiamento de startups (bootstrapping, investimento anjo e semente, séries A, B, C em diante).

O entendimento é de que as práticas de governança mudam quando se altera o Cap Table e a


mesa do board – se está sendo feito um bootstrapping, é necessário certo nível básico de práticas como
transparência e report. Agora, se uma startup começa a receber um investimento anjo ou entra para uma
aceleradora, provavelmente o nível de accountability, de “prestação de contas”, precisa mudar – mesmo
que singelamente e sem “pesar”. Daqui nasceu o lema speed & some control.

O objetivo, porém, não é explicar detalhadamente cada modelo e suas fases – o livro e o Caderno são o
melhor lugar para isso e é possível acessá-los em: Governança & Nova Economia e Caderno de Governança

1 ideação
2 validação

4 escala
3 tração

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para Startups do IBGC. A ideia aqui é tentar sumarizar os principais elementos e retratá-los dentro do
espectro maior, que é o Universo.

No modelo IVTE, sumarizado e resumido a seguir, cada fase de crescimento representa um momento
propício para a adoção ou aprimoramento de determinadas práticas de governança.

“ Na primeira fase, a de Ideação, a startup está situada entre o desenvolvimento da


ideia e o entendimento do problema ou lacuna do mercado que pretende resolver.
O negócio ainda não tem, necessariamente, atividade operacional nem existência
formalizada do ponto de vista jurídico, mas as partes já estão envolvidas e poderão
ser alavancadas com métodos de gestão.

Nesse sentido, a Governança é voltada para estruturar os papéis e as responsabilidades


dos sócios, especificar as formas de contribuição e a intensidade de dedicação, a
remuneração e futura participação, bem como opções de saída e descontinuidade,
além de garantir a titularidade da propriedade intelectual da sociedade e o alinhamento
entre os sócios, o processo de tomada de decisão e a construção de consenso.

Em seguida, na fase de Validação, o produto, mercado e modelo de negócio estão em


experimentação, e são testadas as proposições e suposições levantadas na primeira
fase. Aqui, a empresa está formalizada, tem atividade operacional e pode receber os
primeiros aportes de recursos de terceiros.

A Governança se volta, então, para constituir a empresa e definir regramentos quanto


aos direitos e deveres dos sócios, incluindo as primeiras reflexões sobre o propósito da
empresa. Também são organizadas práticas referentes a potenciais empregados-chave
e quanto à relação com clientes e parceiros estratégicos. Ainda, começa a se tornar
essencial a manutenção de controles internos e indicadores mínimos adequados para
a apuração de resultados e eventual prestação de contas a terceiros.

Já na fase de Tração, o produto está validado e a prioridade do negócio está na


construção de uma base sólida que o levará a escalar (scale up) em alta velocidade.
Aqui, a governança tem como foco fortalecer o entendimento da diferença entre a
posição de sócio e de executivo, definir alçadas para as tomadas de decisão, estruturar
o conselho (consultivo ou de administração) e evoluir nas práticas de planejamento e
controle do negócio.

Na fase final, Escala (crescimento), a empresa já está estabelecida e tem como desafio
crescer em ritmo acelerado, garantindo a exploração das oportunidades e a expansão


do negócio. O enfoque é consolidar práticas de governança que podem auxiliar o
negócio a prosperar e a ter a continuidade desejada.

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Legenda:

Growth Governance
IBGC

Bootstrapping Aceleração Anjo Seed Série A Série B Série C, D...

ACORDO DE CEO & HEADS


FUNDADORES
Inicial Padronizado Avançado Otimizado
Atribuições da diretoria Indicação dos diretores Avaliação do diretor- Remuneração da
MENTORIA presidente e da diretoria diretoria e Avaliação da
executiva diretoria

CARISMA
REVISÕES
CONFIDEN-
CIALIDADE RELACIONAMENTOS BOARD ADVISORS CONSELHOS
Relacionamento com
partes interessadas Inicial Padronizado Avançado Otimizado
TRANSPARÊNCIA
Conselho consultivo, Reuniões do conselho de Classes de conselheiros, Conselho de família e
Política de dividendos, administração, Papel dos conselheiros Assembleia geral
INFORMAÇÕES Presidente do conselho, Independência dos independentes em
Remuneração dos conselheiros, Regimento situações de potencial
Acesso às instalações, conselheiros de interno, Atribuições do conflito, Prazo do
informações e arquivos administração e conselho de mandato, Conselheiros
Disponibilidade de tempo administração, suplentes, Avaliação do
Composição do conselho conselho e dos
de administração, conselheiros,
Introdução de novos Planejamento da
conselheiros e sucessão, Educação
Relacionamento do continuada dos
conselho de conselheiros, Conselhos
administração interconectados,
Orçamento do conselho e
consultas externas e
Secretaria de governança

POLÍTICAS
Inicial Padronizado Avançado Otimizado
Conflito de interesses Política de divulgação de Código de conduta e Liquidez dos títulos ,
informações e Uso de Canal de denúncias PolÍtica de prevenção e
informações detecção de atos de
privilegiadas natureza ilícita e Política
sobre contribuições e
doações

ASPECTOS JURÍDICOS COMITÊS E CONTROLE


E SOCIETÁRIOS
Inicial Padronizado Avançado
Estatuto/Contrato social
Auditoria interna Comitês do conselho de Comitê de auditoria e
e Acordo entre os sócios
administração, Comitê de Auditoria independente
conduta, Papel da diretoria
no código de conduta,
Conselho fiscal e
Gerenciamento de riscos,
controles internos e
conformidade (compliance)

AÇÕES E VOTOS
Inicial Padronizado Avançado
Conceito ‘’uma ação, um Mediação e arbitragem Mecanismos de
voto’’, Transferência de proteção contra tomada
controle, Transações de controle
entre partes
relacionadas e Política
de negociação de ações

Parte integrante do livro


Governança
De maneira & Novao Economia
um pouco diferente, modelo BISS parte da premissa de que um novo negócio pode passar
diversas vezes por ideação, validação, tração ou pivotar, mesmo já tendo inúmeros sócios e investidores.
Assim, foi estabelecida uma visão sequencial para cada estágio do crescimento rápido, evitando
superficialidades ou fragilização dos controles, mas ousando apontar temas polêmicos como o “carisma

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de líderes messiânicos que irradiam tanto propósito quanto compliance”.

O modelo BISS começa no estágio de Bootstrapping, quando os criadores utilizam apenas recursos
próprios, “apertando os cintos”, para dar início à operação. Nesse primeiro estágio, são aplicados quatro
fundamentos. Três deles estão no escopo que o livro chama de “abordagem Growth Governance”: Acordo
de fundadores, Mentoria e Carisma. Já inspirado pelo IBGC, recomenda-se a aplicação de alguns elementos
sobre Confidencialidade.

O próximo passo habitual de uma startup consiste em se juntar a um programa de Aceleração ou


Incubação. Nesse estágio, o maior benefício não é financeiro, mas sim a ampliação da Mentoria. Três
fundamentos adicionais são recomendados: Relacionamentos, CEO & Heads (inicial) – aqui começam a
aparecer os agrupamentos e alguns níveis de maturidade (inicial, padronizado, avançado e otimizado) –,
bem como o fundamento de Revisões.

No terceiro estágio, Investimento anjo, surgem desafios de governança relacionados à transparência, trato
das informações e relacionamento com stakeholders. Por isso, há um salto de quatro novos fundamentos
de governança. Três deles são inspirados nos do IBGC: Indicação dos diretores, Transparência e Acesso
às instalações, informações e arquivos. O outro tem origem na Growth Governance: o Board de Advisors.
Assim, os quatro fundamentos são: CEO & Heads (padronizado), Transparência, Informações e Board de
Advisors.

Já no estágio Seed, ou Investimento Semente, um negócio recebe investimentos para incrementar e


consolidar o produto e sua força de vendas. Por isso, aumentam os desafios nas questões jurídicas e
societárias e, com eles, a necessidade de começar a criar políticas, além de estruturar fundamentos que
serão a base para as próximas rodadas. Nesse estágio, portanto, as práticas de governança possuem
quatro fundamentos a serem considerados: CEO & Heads (avançado), Conselhos (inicial), Políticas (inicial)
e Aspectos jurídicos e societários.

Empresas que chegam ao estágio Série A têm receita, um product market fit4 e, na maioria das vezes,
receberam investimentos para impulsionar a produção e a distribuição e/ou incrementar o modelo de
negócio.

Nesse momento, a estruturação da governança se dá em cinco fundamentos: CEO & Heads (otimizado),
Conselhos (padronizado), Políticas (padronizado), Comitês e controle (inicial) e Ações e votos (inicial).

No estágio Série B, o foco é ampliar, escalar ou, também, adquirir outras empresas, o que exige a
implantação de novas estruturas e até mesmo uma aplicação mais completa das práticas. Aqui, é preciso
uma significativa evolução das práticas por meio de quatro fundamentos: Conselhos (avançado), Políticas
(avançado), Comitês e controle (padronizado) e Ações e votos (padronizado).

Por fim, no estágio Série C, D..., IPOs ou STOs5 podem estar em pauta. Por isso, nessa fase, alguns dos
elementos de governança fazem mais sentido para empresas que tenham como foco um IPO ou que já
tenham realizado algo nesse sentido, como, por exemplo, a PagSeguro. Aqui, são quatro fundamentos de
Governança: Conselhos (otimizado), Políticas (otimizado), Comitês e controle (avançado) e Ações e votos
(avançado).

4
Aderência, ajuste entre produto e mercado.
5
IPO também é conhecido como a abertura de capital; é quando uma empresa vende ações para o público pela primeira vez, através de uma oferta pública
inicial. Já STOs são os security tokens; um valor mobiliário, ou seja, um ativo financeiro, como dívida, participação, etc

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capítulo
3
GOVERNANÇA
de EMPRESAS
PEQUENAS,
MÉDIAS E
STARTUPS
uma visão ampliada

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A terceira dimensão do “Universo Governança & Nova Economia” é a governança na relação COM startups.
Isso se refere ao modo como corporates, empresas tradicionais e consolidadas, investidores (sejam
pessoas físicas ou jurídicas), family offices ou empresas pequenas, médias ou familiares estejam dispostas
ou precisem se relacionar com startups. Vamos denominar todos esses agentes de relacionamento como
moveholders6.

Há alguns motivos para pensar sob essa ótica. Primeiro porque os riscos reputacionais são muito
diferentes entre moveholders e startups. O MVP (Minimum Viable Product ou produto mínimo viável)7
para um moveholder talvez não possa ser tão mínimo assim, já que possui uma reputação no mercado
– diferente do risco e tolerância a falhas que se pode assumir em uma startup, que muitas vezes sequer
tem CNPJ.

A relação entre moveholders e startups pode ocorrer de


inúmeras formas de acordo com o nível de entendimento.

E pode também precisar ser rapidamente desenvolvida ao longo do tempo, adaptando-se à velocidade
de crescimento e evolução dos negócios joviais. Há várias maneiras de fomentar esse processo, do
envolvimento breve, que ocorre por meio de eventos, até possibilidades de incubação, aceleração,
contratação de serviços, parcerias e, no limite, investimentos.

6
De acordo com Paulo Nassar, “são as partes interessadas que se agrupam em redes e outras formas de comunicação digital e híbridas (digitais e analógicas),
e que não são apreendidas pelas velhas segmentações de relações públicas, como as dos stakeholders, conceito definido por R.Edward Freeman, no século
passado”. Além disso, está relacionado às movimentações: os stakeholders se movem muito rapidamente, graças a diversos fatores (como, por exemplo,
mudanças nos modelos de negócios vigentes), agindo, portanto, como moveholders.

Prática que consiste em lançar um novo produto ou serviço com o menor investimento possível, para testar o negócio antes de aportar grandes investimentos.
7

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Inspirado nos quatro pilares do Board Canvas, pode-se dizer que as relações entre os moveholders e startups
também podem ter diferentes entregas, expectativas, valores e formas de controle. Da contratação e/ou
aproximação entre esses agentes, do desenvolvimento de soluções por parte de empreendedores para
problemas específicos de corporações, do oferecimento de serviço de suporte e espaço físico para os
primeiros passos da startup, de programas de aporte de smartmoney em troca de equity (dívida conversível
e/ou opção de compra) a um grupo de startups ou funcionários da corporação.

Essas relações passam, ainda, pelos programas de conexão para a realização de pilotos para que a
startup tenha a corporação como cliente, pelas iniciativas de desenvolvimento conjunto de soluções para
determinado tema/problema em diferentes formatos jurídicos, que podem culminar no investimento de
capital da empresa ou fundo em separado com vistas à criação de novos negócios para retorno financeiro
ou estratégico.

Em qualquer um desses caminhos, é preciso estabelecer


práticas adequadas para a relação entre moveholders e
startups.

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capítulo

ESPAÇO DE
4
CONTRADIÇÕES
uma visão maior

O Universo da Governança na economia veloz 18


Para a Singularity University, a governança é um dos grandes desafios globais para promover a mudança de
uma era de escassez para uma era de abundância. O desafio da governança é definido como a “participação
equitativa na governança formal e social por todas as pessoas que estejam de acordo com os princípios
de justiça e direitos individuais, livres de discriminação e preconceitos baseados em identidade e capazes
de atender às necessidades de um mundo em mudança exponencial”.

Ocorre que não são apenas esses temas apontados pela Singularity que constituem os desafios a serem
enfrentados para que as empresas tenham não só velocidade, mas sejam operadas de maneira correta.
Qualquer retrato dos negócios em nosso tempo deve considerar que o ambiente atual é dinâmico e tem
a inovação como principal característica, de acordo com a instituição.

Estamos, contudo, diante de uma realidade complexa para operacionar essa dinâmica e fazê-la acontecer,
ainda mais se considerarmos os temas relacionados a controle. Aqui, podemos retornar a um conceito
empregado no início da década de 1990: o termo VUCA (Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity), que
surge após o fim da Guerra Fria. Cabe ressaltar que uma das principais diferenças entre a década de 1990
e os tempos atuais é a velocidade da transformação de todos os modelos e transações conhecidas.

Mesmo não sendo um conceito novo, trata-se de expressão capaz de traduzir com perfeição os desafios
enfrentados pelas empresas na era contemporânea, sobretudo em um meio extremamente tecnológico
e digital onde é cada vez mais desafiador se destacar e inovar.

Mas qual é o paradoxo desse desafio contemporâneo na medida em que as inovações têm normalmente
rompido o ambiente de controle e das legislações vigentes? E como endereçamos um cenário de empresas
globais com modelos de negócios baseados em dados, cujas decisões estão se tornando mais complexas
que aquelas tomadas por nações? Qual é a definição de ética para um mundo hiperconectado em uma

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economia digital? Quais são os desafios para entender a economia do compartilhamento em toda a sua
complexidade, com nuances e contradições, sem cair em estereótipos, binarismos ou ideologias?

Assim nasce o Espaço de Contradições, a partir da revisão do capítulo 1 do livro “Governança & Nova
Economia”, chamado de “Os dez fatores de pressão da nova economia na governança”. A seguir, são
apontadas e sumarizadas as principais percepções e aprendizados recentes.

1. CAPITAL, ACCOUNTABILITY, PERENIDADE E VALUATIONS


O fluxo do capital tem migrado para alvos que, potencialmente, pagam melhores prêmios. No
Vale, foram estimados mais de US$ 15 bilhões de dólares em investimentos apenas em 2019. No
Brasil, temos vivido muitos eventos de liquidez associados a uma taxa Selic cada vez menor. Ou
seja, em várias partes do mundo há mais capital em jogo e, antes de mais nada, a inovação tem
em movimentos macroeconômicos um de seus combustíveis principais.

E aqui começam as contradições: uma empresa com mais donos não significa uma
empresa com melhor governança. Os investimentos mais frequentes no cotidiano dos
empreendedores são aliados para que as empresas se desenvolvam e ganhem escala. Mas,
paradoxalmente, representam também uma área maior para o conflito entre propriedade e
gestão. Ou seja: há mais necessidade de governança.

Por um lado, uma maior quantia de dinheiro pode criar um cenário com complicações para as
empresas que o recebem de forma desproporcional. “Dinheiro abundante e barato funcionou
como energia artificial para empresas problemáticas que deveriam ser fechadas”, disse o
jornalista Celso Ming em artigo publicado no Estadão.

Ming explica boa parte do boom de startups e da “nova economia”. Juros zero elevam valuations
de empresas não lucrativas na perpetuidade e permitem follow-ons “infinitos”, financiando
prejuízos. A impressão que fica é a de que apenas quando (e se) a taxa aumentar haverá o
retorno ao modelo “normal”.

Diante desse cenário, devido ao aumento do fluxo de capital, cada vez mais processos
específicos de due diligence se tornam essenciais para aferir adequadamente os potenciais
financeiro, econômico, de experiência (ROX – Return on Experience) e de tecnologia.

E a famosa frase de que “se investe em jóquei e não em cavalo” tem outros desdobramentos.
Mas quais critérios podem ser adotados para tais aferições em startups? Valuations não são
mais como antigamente. Primeiro porque é preciso fazer due diligence não só do negócio, mas
também do time e dos fundadores. Além disso, novos elementos desafiam regras e a percepção
contábil das empresas, como o Day Asset, os LTVs de longo prazo e os custos de controle sobre
dados, que se movem rapidamente de um ativo para um passivo.

Um levantamento de Jay Ritter, professor da Universidade da Flórida conhecido como Mr. IPO,
apontou que 81% dos 134 IPOs realizados nos Estados Unidos em 2018 foram de companhias
que registraram prejuízo nos 12 meses anteriores à abertura do capital.

Como resposta aos padrões muitas vezes rígidos do IPO, empresas velozes estão apostando
em outros modelos de abertura de capital. O principal deles hoje é o direct listing, modelo usado
recentemente por empresas como Spotify e Slack para fugir da subavaliação do IPO tradicional.

O Universo da Governança na economia veloz 21


De acordo com Ritter, as empresas deixaram de ganhar US$7 bilhões, apenas em 2018, por
causa da subavaliação dos bancos na hora de abrir o capital.

Importante ressaltar que a movimentação volumosa não é um problema por si só, mas talvez
a distorção da motivação para os investimentos. Vive-se em uma época em que parece existir
mais apetite em investir em empresas joviais como “bilhetes de loteria” do que apetite para
manter investimentos em instrumentos com taxas de juros quase zero ou negativas.

No início dos anos 2020, juros no Japão, Suíça e Estados Unidos levam os investidores a serem
pouco exigentes quanto à ROI de curto prazo ou ao payback rápido. Investir em empresas
joviais traz uma esperança adicional de se ter um grande negócio na mão – quem sabe até
um “unicórnio”? Talvez a ansiedade por um futuro viável melhor seria maior que a certeza do
passado e presente expressada em poupança sem juros positivos. Quem sabe, até mesmo,
isso levaria os investidores a serem mais resilientes a retornos menores, sendo que fenômenos
como Tesla e Uber ainda têm prejuízos operacionais gigantes. Isso pode ser um sinal de que os
investidores estão menos “gulosos”.

A prestação de contas é o outro lado da moeda da entrada


de capital.

Accountability é o aspecto chave aqui, pois melhora a empresa de modo geral, independentemente
do seu tamanho. Se ela está constantemente se mensurando e prestando contas a alguém ou a
um grupo, tende a produzir melhores resultados, mesmo crescendo rapidamente.

Mas os padrões de trabalho para prestação de contas têm, em certa medida, mudado e por vezes
avançado para práticas não convencionais. Vale um exemplo: empresas joviais estão utilizando
um nível de prestação de contas que vai além; hoje, há a abertura de números e informações
de forma significativamente mais ampla perante todos os colaboradores. Um benefício dessa
prática é, em tese, um maior engajamento dos colaboradores e dos sócios. Sentir a pressão dos
números ou de informações mais sensíveis pode, de certa forma, demonstrar fraquezas, mas
também despertar o melhor comprometimento dos envolvidos.

Isso tem como efeito colateral a hipertransparência, tema que será abordado em detalhes mais
à frente.

Outro exemplo é um precoce início de reports a terceiros, habitualmente possíveis investidores,


criando uma espécie de diálogo que nutre essa relação com informações como burn rate
(taxa na qual uma empresa perde dinheiro), demanda e tração. Mais à frente essa troca pode
(ou não) levar esse terceiro a investir e efetivamente figurar como um novo personagem na
empresa. A accountability, então, é um fator decisivo desde os instantes iniciais: é uma chave
para empreendimentos velozes, que devem começar e terminar com a prestação de contas para
gerar credibilidade.

Por outro lado, a definição clássica de empresas como organismos vivos parte da ideia de
que elas nascem, crescem e morrem. Dentro dessa visão, a perenidade sempre foi um desafio
e um ideal almejado.

O Universo da Governança na economia veloz 22


Segundo Emerson Carlos Colin, sócio-fundador da Solers e da Verax Consultoria, há um outro
olhar sobre a perenidade das empresas como organismos vivos: colocar a preservação de
riqueza em primeiro plano, sujeitando o retorno e o crescimento a ela. Ele argumenta, no livro
“Perenidade: Estratégias e Iniciativas para Prolongar a Longevidade Empresarial”, que gerar
retorno e crescer é mais fácil quando a perenidade é relegada. E é assim que muitas empresas
crescem e são lucrativas até que um dia podem deixar de sê-lo. Mas dado que os valuations e
a prestação de contas estão diferentes, qual o impacto disso na perenidade das empresas?

Outro aspecto é o economics do negócio. No caso da Grow, por exemplo, as contas são distintas
para bicicletas e patinetes, o que torna cada uma das frentes mais ou menos viáveis. Em relação
às bicicletas, os custos do equipamento, na faixa de R$ 50 a R$ 100, especula-se, viabilizam a
operação mesmo com poucas viagens por dia. Já os patinetes são equipamentos mais caros e
menos duráveis, o que puxa os preços para cima. Com custos de R$ 3 para desbloquear e mais
R$ 0,50 por minuto de uso, os patinetes não conseguiram se firmar como meio de transporte
competitivo – dependendo da viagem, os preços são equivalentes a corridas em aplicativos de
caronas, como Uber e 99. O CEO da Lime chegou a apontar que a vida útil dos patinetes deveria
dobrar para que a companhia se tornasse economicamente viável.

Os exemplos recentes dos valuations da WeWork, que teve o IPO cancelado, e da Peloton, que
foi punida com preços em queda de 4% e negociou ações 15% abaixo do preço do IPO, ou ainda
de Uber e Netflix, que viram seu valor de mercado crescer antes mesmo de apresentar lucro,
além de outros valuations e IPOs recentes que foram contra a lógica tradicional, são casos que
mostram que a preocupação com a perenidade é, para dizer o mínimo, diferente. Ao que parece,
condiciona-se a perenidade à regra do jogo the winner takes all. Em uma era em que dados são o
novo petróleo, o jogo intensivo de capital e a alavancagem sem limites, independentemente do
lucro e do EBITDA, parecem ser como sair cavando poços desmedidamente em qualquer lugar.

2. NOVAS ESTRATÉGIAS, SUCESSÃO E GESTÃO


Como estabelecer controles e monitorar modelos de negócios inéditos? Eles jogam por terra
métricas corporativas do passado? Talvez não, mas, de acordo com Eric Ries, empreendedor do
Vale do Silício, muitos dos instrumentos de gestão não estão preparados para um ambiente de
extrema incerteza.

É importante estar familiarizado com os novos modelos de negócios e as estratégias específicas


do setor em evolução (sejam serviços, software, tecnologia ou digital, entre outros) e se sentir
confortável com um ritmo de mudança mais rápido do que aqueles do passado. Algumas
organizações, como o Guardian Media Group, do Reino Unido, reformulam e substituem seus
planos estratégicos a cada três meses. Como observa Fabiola Arredondo, diretora da Burberry,
Campbell Soup Company e National Public Radio, os conselhos costumavam fazer uma sessão
de planejamento estratégico anualmente. Agora, é mais comum introduzirem discussões
estratégicas em cada reunião do conselho, com uma discussão mais aprofundada uma ou duas
vezes por ano.

Para negócios velozes, modelos engessados não são a


melhor opção. Algum controle, porém, é necessário.

O Universo da Governança na economia veloz 23


Visando uma alternativa mais intuitiva e straight to business, encontramos nos debates na
Comunidade o modelo de três frames, sugerido pelo professor Courtnay Guimarães, como meio
para orientar controles e monitoramentos de negócios:

O Frame 1 é voltado totalmente à execução. É onde são discutidas as coisas mais tangíveis e, por
isso, acaba sendo mais palatável aos conselhos. Já o Frame 2 é baseado em inovação estrutural,
ou digitalização. É aqui que entram projetos de “mais com menos”, sendo mais palpável pelo
lean management 8 e value stream management 9. Por último, o Frame 3 é mais voltado a corporate
ventures e venture capital.

Embora seja um modelo interessante na busca por delinear questões de controle para novas
estratégias e gestão, na hora da prática as coisas não são divididas de forma tão precisa – na
maioria das vezes, os desafios para os três frames se misturam no decorrer dos processos.

Um desses desafios é a sucessão empresarial, uma preocupação crescente dos proprietários


de empresas, tendo em vista o ambiente de negócios mais veloz e o encurtamento do ciclo
de vida das empresas. E a grande questão é: como não perder o timing das gerações futuras
para sucessão em uma empresa familiar? Como cita Simone Cicero “como consequência dessa
profunda integração entre a Internet e a sociedade, estamos testemunhando uma explosão
cambriana de ofertas Diretas ao Cliente (B2C), geradas por um ciclo virtuoso de desagregação e
reorganização”.

De uma época em que legados eram transmitidos de pai para filho e as preocupações da
governança familiar, em sua maioria, eram sobre criar conselhos de família e definir o papel das
futuras gerações em relação aos negócios, passamos para o momento em que temos menos
certeza sobre a perenidade dos negócios e a sobrevivência para a atual geração na gestão. John
Davies está ultrapassado.

Perpetuar a empresa para uma família pode ser a desgraça


futura desta quando a empresa for triturada por nova
proposição de valor baseada em tecnologias disruptivas.

Não deveria ser a governança familiar totalmente repensada? A cada dia temos menos certeza
sobre o papel das próximas gerações e do family office no que tange a investimentos, empresas
e novos modelos de negócios.

Assim, a perenidade tratada no tópico anterior se traduz, agora, muito mais em gerar ciclos
de novos negócios do que em transferência de legado e sucessão. Nesse sentido, um caminho
pode ser, como aponta Emerson Carlos Colin, encarar os ciclos empresariais mais breves com
naturalidade.

8
Abordagem de gestão que tem como objetivo principal criar valor para a empresa por meio da redução de desperdício.
9
Prática de lean management que ajuda a determinar o valor dos esforços e recursos de desenvolvimento e entrega por meio da identificação e exame dos
fluxos de valor.

O Universo da Governança na economia veloz 24


3. BLOCKCHAIN, IAS, HETs E TECNOLOGIAS ESPECÍFICAS
A tecnologia é encantadora e sedutora, mas não podemos deixar de lado questões humanas – a
sociedade e, sobretudo, o meio em que estamos inseridos estão preparados para acompanhar
e suportar os resultados desses avanços?

Alguns temas e tecnologias são úteis para pontuar esse fator de pressão. São desafios significativos
para a governança questões como soluções blockchain; big data; inteligência artificial e machine
learning; realidade virtual e aumentada; sensores IoT e drones; e, ainda, relação entre tecnologia
exponencial e direitos humanos e segurança - questões essas apontadas pela própria Singularity
University.

O livro “Governança & Nova Economia” também já indicava o blockchain como a possível “disrupção
da confiança” por possuir informação completa sobre endereços e transações realizadas por
participantes, escritas e validadas, publicamente verificáveis, contendo o momento exato em
que foram acordadas, de forma pública e anônima. É o empoderamento das pontas de uma
rede para efetiva troca de valor por meio digital, independente de um terceiro que certifique a
veracidade e a segurança da transação.

As criptomoedas ainda são exemplo maior da tecnologia blockchain e, embora conhecidas por
pequenos nichos no grande público e apesar de serem somente um grão de areia na quantia de
dinheiro que gira no mundo, sua importância não pode ser deixada de lado. Se as criptomoedas
vieram para ficar, se assumirão o protagonismo econômico, trata-se de um tópico para debates.
A questão é que elas ainda estão na twilight zone (zona crepuscular) entre o correto e o out-of-
law (fora da lei): são mais de 2 mil moedas em cripto e é possível que ocorra muito expurgo no
sistema até que algumas delas se estabeleçam como âncoras.

E, como aponta Benedict Evans, a “criptotecnologia” aumenta a complexidade de ação em


espaços de policiamento e regulamentação, afinal, confere anonimato, liberdade para agir e
para se expressar em níveis que tornam quase impossível a regulação - cabe ressaltar ainda que
trata-se de um ecossistema com bases e atores distribuídos de forma não rastreável.

E se as criptos podem assustar, as HETs (Human Enhancement Technologies ou Tecnologias de


Melhoria Humana) assustam muito mais. Nanotecnologia, biotecnologia, medicina avançada,
neuroergonomia e todos os estudos relacionados à saúde digital amadurecem rapidamente,
passando de aplicativos básicos de acompanhamento de pacientes para ações altamente
invasivas e pouco regulamentadas.

O desenvolvimento de tecnologias de ponta começa a


obscurecer as linhas entre computadores e biologia.

E uma parcela crescente de empresas da economia veloz está começando a atingir o cérebro,
conforme aponta relatório da CBInsights.

Até mesmo o Facebook anunciou planos para criar interfaces cérebro-máquina que permitam
aos usuários digitar usando o pensamento. Em outro estágio de desenvolvimento, a Neuralink
de Elon Musk é um dos destaques em HET. A companhia está desenvolvendo interfaces cérebro-
máquina por meio de implantes neurais para conectar mentes humanas a computadores. O
objetivo da empresa é tornar a IA uma extensão do cérebro humano, criando essencialmente

O Universo da Governança na economia veloz 25


uma relação simbiótica humano-IA. Elon Musk chegou a afirmar que a tecnologia permitiria obter
“conhecimento sobre-humano”.

São os primeiros capítulos dessa contradição específica que apontam para um conflito global. O
Ocidente, por questões culturais ou religiosas, deve discutir se cederá à pressão por uma raça
humana aprimorada desenvolvida no Oriente ou correrá o risco de compor seus estratos sociais
com seres menos inteligentes e, por consequência, tornar-se uma sociedade inferior.

De todo modo, em uma sociedade que está no caminho do “tudo é possível”, talvez essa
evolução seja o contraponto necessário para nos reaproximarmos de nossas humanidades.
Aqui, Simone Cicero reafirma: “o 5G, ‘criptotecnologia’ , machine learning e IA estão chegando
ao mundo e prometem transformar profundamente a cadeia de valor. Agora é nossa missão
entender como essas e outras inovações tecnológicas que estão amadurecendo, como AR/VR,
interfaces de voz e neural, computação quântica, nova química de baterias, drones, medicina
de precisão e biotecnologia, podem afetar ainda mais a cadeia de valor, possibilitando imaginar
novos tipos de empresas em rede”.

4. PLATAFORMAS, COMUNIDADES, MOVEHOLDERS E ECOSSISTEMAS EM REDE


O MIT (Massachusetts Institute of Technology) define “plataformas” como ambientes,
computacionais ou não, que conectam grupos diferentes e obtêm benefícios de outros
participantes. O conceito subjacente abrange empresas que vão do Google ao Facebook,
passando pela plataforma de videogame Steam to Taser, por exemplo.

Nesse escopo, uma estratégia de plataforma é uma abordagem para entrar em um mercado
com foco em permitir que os participantes da plataforma se beneficiem da presença de
outros, segundo o MIT. A formulação de uma estratégia de plataforma requer ferramentas
distintas para ajudar os empreendedores e gerentes a enfrentar os desafios da criação e captura
de valor. Já a participação na plataforma é interdependente das opções de usuários, e seu maior
desafio é garantir a inclusão de todos.

Mas há outros novos fatores nesse tema. Em empresas velozes, é preciso considerar que os
próximos unicórnios serão “animais mutantes”. Enquanto a Ebanx não pode ser encarada como
mera fintech, a Gympass, por exemplo, pode deixar de ser uma solução para academias e tornar-
se uma fintech. Segmentos de mercado e formas de monetização dos negócios podem mudar
rapidamente.

Assim, graças à tecnologia digital, toda empresa pode ser uma plataforma, ampliando
seu alcance, velocidade e eficiência. O livro “Plataforma – A Revolução da Estratégia”, dos
pesquisadores do MIT Geoffrey Parker e Marshall Van Alstyne em parceria com o consultor
Sangeet Paul Choudary, a descreve como “o novo modelo gerencial e organizacional a ser
implantado”. Já Simone Cicero reforça que “as plataformas controlam grandes quantidades das
partes em crescimento da economia e possibilitam, mais do que nunca, manter uma posição-
chave na hora de definir a aparência da economia conectada, quem pode participar e a que
custo.”

O Universo da Governança na economia veloz 26


As comunidades, portanto, são encaradas,
tradicionalmente, como algo que orbita uma organização.

Também estão relacionadas a locais geográficos ou, por último, são temáticas. Em todas as
formas, a comunidade implica um grau de apego e pertencimento que oferece um senso comum
de identidade. Prevê-se que a comunidade ofereça contribuições benéficas para construir
uma sociedade sólida e vibrante, segundo a professora Heather Douglas, da Universidade de
Queensland, na Austrália.

Ao falar sobre a Comunidade Governança & Nova Economia, temos um exemplo concreto: somos
um grupo de pessoas reunidas em torno de um tema explicitado no próprio nome; operamos de
forma colaborativa, mas com habilidades específicas que convergem para objetivos em comum.
Somos, portanto, uma comunidade temática.

Habilidades específicas em torno de um objetivo comum é um conceito-chave. Uma importante


referência nesse sentido é apresentado por Henry Timms e Jeremy Heimans no livro “O novo
poder”, com seu acrônimo ACE (Ideias Acionáveis, Conectadas e Extensíveis, em português), que
já debatemos anteriormente.

“Acionável” significa levar você a fazer alguma ação, a se engajar, a ir além do que apenas
receber algo. “Conectada” porque traz o sentimento de fazer parte de uma comunidade de
iguais. “Extensível” no sentido de que isso pode ser customizado, alterado ou estendido por
qualquer um, ao seu modo. O ACE desafia a governança com protagonismo do quase ego e
com a necessidade de um novo tipo de conduta pessoal e empresarial sobre confidencialidade.
E isso afeta diretamente a relação da empresa com seus stakeholders e shareholders. E vai além:
os torna moveholders.

Em tempos de hiperexposição, que falaremos no próximo tópico, alta conectividade e negócios


em rede, stakeholders e shareholders viraram moveholders. Pelos moveholders passam a resposta
às mudanças das formas de monetização, dos segmentos de mercado e dos novos modelos
de negócio: inexoravelmente, essas mudanças (ou pivos) afetam e alteram rapidamente os
stakeholders ao redor dos negócios.

Nesse contexto de mudanças, novos modelos baseados em cooperação e cocriação desafiam


não só os moveholders, mas as fronteiras entre as organizações e entre os colaboradores dentro
delas. Nesse novo contexto, a palavra de ordem é “interação”, distribuída entre indivíduos e
organizações, promovendo a desmaterialização, a descentralização e o compartilhamento.

Ecossistemas também são comunidades, mas de outro tipo: geográficas (eles, porém, não são
ou podem ser alimentados apenas com a base geográfica). Centros gravitacionais de inovação,
como o Vale do Silício, surgem a partir de um tripé formado por capital, empreendedores e
academia10, bem como incubadoras/aceleradoras, empresas interessadas em inovar, provedores
de serviços, venture builders, laboratórios de pesquisa e desenvolvimento, além do Poder Público,
entidades governamentais e agências regulatórias e de fomento.

10
No caso, Universidade Stanford, Universidade da Califórnia em Berkeley, Singularity University, entre outras.

O Universo da Governança na economia veloz 27


No Brasil, embora apenas no final de 2017 tenha surgido o primeiro unicórnio, a 99, comprada
pela chinesa Didi, há um ecossistema que vem se formando nos últimos anos. Hoje, a lista inclui
nomes como Nubank, MadeiraMadeira, Olist, Buser, Creditas e VTEX. Só em 2019 surgiram
cinco unicórnios brasileiros: Loggi, Gympass, QuintoAndar, Ebanx e Wildlife. Esse ecossistema
inclui ainda uma série de organizações dedicadas à educação, iniciativas públicas, corporações,
aceleradores, investidores-anjo e globais, venture capitals, mídia & eventos, coworkings, redes e
microrredes.

Em meio a tantos stakeholders, é absolutamente necessário que as organizações trabalhem cada


vez mais abertas e conectadas. E há diversos caminhos para tanto, desde ações concretas de
economia de colaboração, passando por incubadoras e aceleradoras internas, até estratégias de
Black Ops (empresas espiãs que focam em destruir a nave-mãe). Cabe às práticas de governança
corporativa apresentar a flexibilidade e o controle adequados para lidar com os ecossistemas
e organizações cada vez mais conectados e colaborativos. É preciso orquestrar visões para o
futuro digital que permitam cooperar em rede com comunidades, plataformas, moveholders,
ecossistemas e, também, com os atuais e futuros concorrentes.

E, como se isso não bastasse, há um perverso efeito colateral: a maior dificuldade de lidar com
os dados, a privacidade, a transparência e os riscos reputacionais.

5. TRANSPARÊNCIA, PRIVACIDADE, DADOS E RISCOS REPUTACIONAIS


Os escândalos de vazamento de dados do Facebook são conhecidos e reconhecidos pela própria
empresa. Mas o Facebook é um exemplo de duas perspectivas diferentes desse tema. Primeiro,
é possível ouvir na web as reuniões de conselho da rede social, fato que mostra o quanto todos
estão (ou optam por estar) expostos.

A outra perspectiva mostra também lições sobre a forma com a qual se deve lidar com a
hiperexposição.

As decisões para empresas como o Facebook são tão ou


mais complexas do que para algumas nações.

De forma inteligente, Mark Zuckerberg tem usado exatamente esse argumento depois dos
escândalos da Cambridge Analytica e se colocado na posição de apontar um poder referencial
como forma de tentar reduzir a pressão sobre sua empresa.

Por outro lado, a expectativa é cada vez maior em relação a empresas conectoras que se posicionam
claramente quanto aos conflitos e principais temas da sociedade. A Amazon ameaçou demitir
funcionários por falarem sobre mudanças climáticas sem a devida autorização da empresa. Em
protesto, mais de 350 trabalhadores da companhia publicaram declarações com seus próprios
nomes em um post no Medium, violando intencionalmente a política de forma massiva.

O protesto aconteceu pouco depois de a Amazon criar um portal interno para os trabalhadores
solicitarem permissão com “justificativa comercial” para falarem com a imprensa. Muitas
empresas têm políticas sobre comunicações externas, e a política da Amazon faz sentido em

O Universo da Governança na economia veloz 28


alguns casos, como projetos confidenciais. Mas os trabalhadores afirmaram que o modelo na
nova política da Amazon está “silenciando” os funcionários e exigindo que eles “renunciem à
sua integridade”. As repercussões para os trabalhadores ainda não estão claras, mas é evidente
que são levantados debates sobre os limites entre privacidade, hiperexposição e riscos para a
reputação da empresa.

No Brasil, caminha a implantação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), inspirada em


legislações já vigentes em países da Europa. O texto legal busca preencher algumas dessas
lacunas de exposição de forma a proteger o cidadão, seus dados e sua privacidade. Pensemos,
por exemplo, em uma situação-problema no setor da saúde: confundir dados ou informações
de determinado paciente que levem a tomar decisões não protocolares pode acarretar em um
diagnóstico incorreto, e não apenas em danos à reputação da empresa.

Mas enquanto isso, do outro lado do mundo, na China, a proteção de dados é um tópico
recente e controverso: se por um lado, como parte de suas características culturais, parcela da
sociedade chinesa não se sente afetada, a opinião pública começou a se atentar para a questão
a partir de 2018, quando Robin Li, fundador do Baidu, fez um comentário sobre “privacidade
de negociação por conveniência”. O Baidu foi processado no mesmo ano por um grupo de
proteção aos direitos do consumidor na província de Jiangsu por coletar dados do usuário sem
consentimento – o processo foi retirado depois que a empresa removeu a função de monitorar
os contatos e atividades dos usuários.

A problemática da privacidade na China incitou até mesmo proibição da venda de chips


americanos para a Huawei, em uma ação do governo Trump baseada em identificar a China como
foco de preocupação e agir para enfrentá-lo. É um reflexo do predomínio da tecnologia 5G como
principal campo de batalha geopolítico entre os Estado Unidos e a China na disputa pelo posto
de superpotência. A decisão do governo americano é baseada no temor de ciberespionagem:
ao controlar as comunicações em outros países, os chineses poderiam usar os equipamentos
para violar a privacidade de cidadãos do Ocidente, espionar órgãos oficiais e até cortar serviços
essenciais no caso de uma guerra.

Ao mesmo tempo em que a hiperexposição pode ser um problema, a tendência é de que


cada vez mais as empresas sejam transparentes com seu público, mesmo nos casos em que
os negócios chegam ao fim, como mostra a coletânea de “insights póstumos” de empresas da
plataforma de inteligência CBInsights. Em um contexto mais amplo, não é mais apenas sobre
falhar e corrigir um erro rapidamente, mas sim falhar, corrigir e também compartilhar as lições
aprendidas na mesma velocidade.

Qualquer negócio que anseie ser pioneiro e sustentável adota a transparência como o núcleo de
seus objetivos, independentemente de qual seja seu segmento. É o que defende Stuart Levinson,
CEO e cofundador da Carrot, em artigo sobre o futuro da transparência nos negócios como
algo que vai além das relações empregador-empregado e se estende para o relacionamento
da empresa com seus clientes e o público em geral. “Fundadores excepcionais continuam a
explorar novas maneiras de serem transparentes – alguns mais ambiciosos que outros –
tornando públicas as informações de negócios para qualquer um ver”, afirma Levinson.

Isso é evidente nas possibilidades trazidas por empresas de economia colaborativa: na concepção
de smart cities, os dados coletados pelas companhias podem ser usados pelas cidades de forma
produtiva, como aconteceu no México, onde a Uber suspendeu cerca de 240 usuários que

O Universo da Governança na economia veloz 29


viajaram com motoristas que transportaram um passageiro suspeito de estar infectado com o
novo coronavírus.

Por outro lado, investidores são mais atraídos para empresas velozes que implementam
processos que promovem transparência, segundo a advogada Chin Hooi Yen, no artigo “Should
Startups Bother With Corporate Governance?”. Paradoxalmente, empresas anabolizadas por
capital de risco, como vimos no item 1, e hiperconectadas, como vimos no item 4, possuem,
também, vocação para integração: são mais comuns e aceleradas as parcerias, alianças, fusões e
aquisições, as integrações de sistemas e, naturalmente, as práticas de inovação aberta.

Estamos diante, então, da hipertransparência – e posicionar-se diante dela é uma questão


estratégica indispensável, seja por uma obrigação legal ou como efeito direto do modelo de
negócio. A contradição é que todos esses elementos somados resultam em maiores riscos
para conciliar o crescimento e a reputação das empresas. Não por acaso equilibrar os riscos
reputacionais e a transparência adequada são desafios ainda maiores diante de regulações que
cada vez menos acompanham o ritmo das inovações, como veremos a seguir.

6. TIMING TO LEGAL
Raras empresas da nova economia conseguem fazer o que a Netflix fez: crescer
exponencialmente sem despertar grandes reações públicas ou regulatórias. A inovação sempre
à frente da regulação traz consigo um desafio que parece intransponível. Se já é naturalmente
desafiador seguir regulações quando se tem o mapa, imagine quando ele ainda não existe. Com
a velocidade das inovações cada vez maior, o vácuo legal que sustenta muitos dos aspectos de
governança também aumenta – e ao mesmo tempo em que um vácuo de legislação atrapalha,
seu excesso também é prejudicial: poucas empresas que crescem exponencialmente fazem isso
sem ofender aspectos regulatórios, legais ou até mesmo questões morais.

No contexto brasileiro, a situação é ainda mais desafiadora, já que as características históricas,


culturais e políticas fazem com que seja difícil para as empresas se manterem inovadoras ao
mesmo tempo em que seguem as regulações. Durante o MasterValley, um grupo de pouco mais
de uma dezena de empresários, investidores e conselheiros apontou um diferença importante
nos negócios nos EUA: como, em geral, as leis são cumpridas e processos são seguidos, a
governança se trata de um ponto que sequer é questionado.

Ainda no Brasil, em 2019 uma decisão de primeiro grau na Justiça do Trabalho penalizou a Loggi
em R$ 30 milhões em indenizações, obrigando a companhia a reconhecer vínculo empregatício
de seus entregadores. A companhia rapidamente cresceu e em cerca de cinco anos atingiu mais
de 79 milhões de consumidores, tornando-se um dos unicórnios brasileiros em meados de
2019, mas de uma hora para outra poderia ter seu modelo de negócio inviabilizado: a Justiça
determinou que a empresa registrasse todos os motoboys que trabalham para ela via aplicativo,
fixasse jornada de trabalho de oito horas diárias, oferecesse capacete e coletes e desse descanso
semanal. A Loggi conseguiu suspender a decisão até a apreciação do caso pelo Tribunal Regional
do Trabalho (TRT) da 2ª Região, o que ainda não ocorreu.

Claro, o modelo de trabalho adotado por aplicativos como a Loggi, iFood, Uber e outros atrai
críticas de especialistas, que apontam que os apps precarizam o trabalho. O CFO do iFood,
Diego Barreto, professor do MasterClass Governança & Nova Economia, admite que há “espaço

O Universo da Governança na economia veloz 30


para melhorar”, mas em recente entrevista fez uma observação, no mínimo, pertinente: “é difícil
acreditar que há mais de 80 mil entregadores ligados a uma plataforma se a relação entre nós
e o entregador é ruim”. Por outro lado, os trabalhadores elogiam a flexibilidade do trabalho e a
autonomia por ela proporcionada, podendo criar as próprias rotinas e ritmos de trabalho – e,
consequentemente, de renda.

São Paulo criou uma regulação tardia por decreto exigindo uma série de mudanças que poderiam
inviabilizar o modelo de negócio da Loggi caso a decisão não tivesse sido suspensa até decisão do
Tribunal Regional do Trabalho.

No Brasil, culturalmente, não se sabe o que deve ou não


ser regulado, e, na dúvida, regula-se demais, o que é
um problema porque, por definição, regulação demais
impede a inovação.

Por outro lado, empresas joviais são notadamente ruins em estabelecer relações governamentais,
o que companhias já consolidadas sabem fazer muito bem. Em um país extremamente legislado,
é difícil entrar em modelos de negócios que envolvem áreas caras ao setor público sem que se
tenha uma boa presença nesse mesmo setor. De qualquer forma, está claro que vivemos em um
sinal de descompasso entre o ritmo de mudanças nas novas formas de trabalho e os modelos de
regulação e legislação vigentes. Simone Cicero aponta que “sintomas de obstáculos crescentes
para manter a rede segura e sã e gerenciar preocupações regulatórias estão crescendo: os
lucros do Airbnb aparentemente estão caindo ultimamente, exatamente no processo de
tornar a plataforma mais justa e robusta aos olhos dos formuladores de políticas e das partes
interessadas da sociedade.”

Essa tensão ilustrada entre questões legais e o avanço empresarial não é nova: desde a Revolução
Industrial, que posteriormente incitou alterações nas condições de trabalho, relações se chocam
e depois evoluem – hoje, porém, esses ciclos são muito mais velozes e intensos. Um ambiente
de mudanças rápidas traz contradições também sobre formas de controle. E cria desafios
que sequer faziam parte da realidade de empresas, negócios e pessoas. Mas esse vácuo legal
é responsabilidade das empresas ou dos governos? É preciso também ter em mente que que
determinada legislação (ou ausência dela) pode afastar investimentos estrangeiros.

De qualquer forma, é inegável que há um novo mercado de trabalho, que foca no


empreendedorismo e no protagonismo do indivíduo, mas a sociedade ainda não está preparada
para esse novo cenário – especialmente o Brasil. Uma regulação mais assertiva e pontual, porém
não excessiva, pode auxiliar a garantir o equilíbrio das nossas relações, e a dinâmica dessas
relações é que provoca e modifica o Direito.

7. EMPRESAS-ESTADO, GOVERNOS, NOVO PODER E MONOPÓLIOS DIGITAIS


Nesse tópico, a contradição começa a partir de uma nova forma de propagação de ideias e do
engajamento em torno de algo e que surge do indivíduo. Definida por Timms e Heimanns como
“o novo poder”. Mas como fazer isso quando estamos inseridos em um contexto efervescente,
um caldeirão de diferenças culturais composto por grupos distintos, tanto em comunidades
locais como em cidades ou, ainda, organizações sociais? A Singularity aponta como caminho o

O Universo da Governança na economia veloz 31


uso de tecnologias para a melhoria dos serviços governamentais e a tomada de decisões por
meio da digitalização, mas o desafio é maior.

Primeiro no que tange a empresas-Estado. Como foi citado no item 6, decisões para empresas
como o Facebook são tão complexas quanto as tomadas por governos e nações. Mark Zuckerberg
tem dito que espera dos governos mais envolvimento com decisões que precisam ser tomadas
por empresas como a dele.

Ao mesmo tempo, relações governamentais e institucionais podem muitas vezes evidenciar o


descompasso entre inovação e regulação: quando empresas crescem rapidamente inovando e
a regulação não as acompanha, é comum surgir uma caçada regulatória às iniciativas disruptivas.
Foi o caso da Loggi citado anteriormente.

Também em São Paulo, a prefeitura apreendeu 557 patinetes da Grow, em uma caçada
comandada por guardas metropolitanos e agentes da subprefeitura de Pinheiros, que chegaram
a retirar os veículos das mãos de usuários enquanto eles os utilizavam. Segundo a companhia,
cerca de 400 aparelhos acabaram danificados na operação. Uma ação extrema, mas que é
reflexo do descompasso entre inovação e regulação.

Segundo porque os modelos que preconizam boas práticas de governança, contudo, ainda
o fazem de forma hiperlocalizada. Eles nasceram enraizados nas realidades e nos aspectos
regulatórios em que estão inseridos: existe uma dicotomia entre a hiperlocalização das pessoas
permitida pela tecnologia e as diferenciações das regulações, uma vez que estamos espalhados
pelo mundo.

Desse modo, organizações como OCDE, IBGC, SEC e CVM trabalham para compreender essas
novas realidades criadas e traduzi-las para a sociedade. Mas encontram dificuldades até mesmo
para se reinventar e se posicionar em seu próprio quintal, quanto mais para obter uma eficiente
articulação internacional diante da velocidade e do avanço global de empresas-Estado, de
organizações do novo poder e de toda a forma que se dissemina e engaja milhões de pessoas, a
despeito de existirem boas práticas estabelecidas.

Enquanto isso, o predomínio da tecnologia 5G é, atualmente, o principal campo de batalha


geopolítico entre os Estado Unidos e a China na disputa pelo posto de superpotência. O
argumento do governo americano para que a Huawei seja impedida de fornecer tecnologia para
as redes 5G dos aliados tem como base o temor de ciberespionagem. Ou seja, ao controlar
as comunicações em outros países, os chineses poderiam usar os equipamentos para violar a
privacidade de cidadãos do Ocidente, espionar órgãos oficiais e até cortar serviços essenciais no
caso de uma guerra. Conforme citado no item 5, o governo Trump estava certo em identificá-lo
como um foco de preocupação e de agir para enfrentá-lo, mas essa é uma batalha que caminha
para a derrota.

Tais preocupações são cruciais no contexto da era da conectividade digital, que pode ser
implantada em mobilidade, assistência médica, fabricação e varejo. O uso apenas nesses quatro
domínios comerciais, em pesquisa da McKinsey, poderia aumentar o PIB global entre US$ 1,2
trilhão e US$ 2 trilhões até 2030. Assim, o valor em jogo acabará por aumentar trilhões de dólares
em toda a economia global. A maior parte desse valor pode ser capturada com conectividade
avançada, usando tecnologias que já estão disponíveis há algum tempo, mas ainda têm alto
potencial inexplorado pelo mercado.

O Universo da Governança na economia veloz 32


Além das implicações para a indústria, a conectividade
também tem ramificações para a sociedade.

Permitir que mais pessoas se conectem aos fluxos globais de informação, comunicação e serviços
pode adicionar um valor que vai de US$ 1,5 trilhão a US$ 2 trilhões ao PIB global. Embora as
lacunas entre os países permaneçam, essa tendência pode liberar maior potencial humano e
prosperidade em muitas nações em desenvolvimento.

É evidente que a tecnologia, diferentemente do petróleo e da indústria automobilística, tem


vocação para concentração – que não parte apenas das empresas, mas dos próprios usuários.
Nas redes sociais, todos desejam estar onde todos estão. Se uma rede social fosse particionada
em várias de forma impositiva por excesso de concentração de mercado, por exemplo, o efeito
rede se encarregaria de gerar nova concentração, já que os próprios clientes – nós, usuários –
desejam isso: querem estar onde todos estão.

Por outro lado, a tecnologia nas mãos de empresas monopolistas está configurada com
potencial manipulador do pensamento das massas. Por isso, tal vocação para concentração da
tecnologia é um campo fértil para o surgimento de monopólios digitais – o grande conglomerado
do Facebook é o exemplo mais destacado desse tipo de estratégia, levada em frente, inclusive,
comprando concorrentes e suas equipes para se manter na liderança do setor de social media.

Assim como acontece com os monopólios da economia real, o perigo está em colocar uma grande
concentração de poder nas mãos de poucos – e isso é agravado quando o usuário desconhece
essa situação de monopólio e não sabe que está atrelando diversos aspectos de sua vida a
uma empresa ao ceder seus dados, afinal, como se cria uma sociedade preparada para uma
concentração tão grande de informação? Nesse contexto, governos têm se tornado virtualmente
inoperantes no que se refere ao controle e à legislação para assegurar que a tecnologia não seja
usada para fins antiéticos.

8. ÉTICA E COMPLIANCE
Uma questão levantada na Comunidade Governança & Nova Economia lança luz sobre um
dilema que poderá ser parte de um futuro próximo: “será que é ético não pagar salário a robôs
mesmo eles sendo mais inteligentes e eficazes do que os seres humanos?”. À medida em que a
tecnologia avança, a ética é rediscutida.

O Investopedia, um dos mais reconhecidos portais sobre finanças e educação financeira


do mundo, ensina que a ética, no escopo de negócios, é definida como “políticas e práticas
apropriadas em relação a assuntos potencialmente controversos, como abuso de informação
privilegiada, suborno, discriminação, responsabilidade social e deveres fiduciários”.

A ética não é necessariamente orientada pela lei, mas


compõe uma diretriz básica que as empresas podem
seguir para obter aprovação do público e fazer negócios
de forma correta.

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Um olhar mais atento à evolução da automação mostra que essa contradição é pertinente para
as indústrias, que até 2025 terão robôs executando metade de todas as funções produtivas
no local de trabalho. Nesse cenário, pode ser preciso desenvolver algum regulamento para
proteger os novos trabalhadores automatizados. Se chegarmos ao nível de desenvolvimento de
IA em que os robôs consigam simular a consciência humana de forma precisa, surgem novas
perguntas: um robô pode ser explorado? Discriminado? Deve ser compensado por seu trabalho
e, em caso afirmativo, como? Os robôs podem se sindicalizar? Eles têm direitos sobre as coisas
que produzem?

No mesmo lado da moeda está o compliance, definido como “um conjunto de políticas e
procedimentos internos de uma empresa para cumprir leis, regras e regulamentos ou para
manter a reputação da companhia” – mesmo em tempos de hiperexposição.

Em 2017, a Uber reconheceu um aumento nos incidentes de segurança em suas operações


em São Paulo. Uma das causas especuladas pela imprensa foi a nova opção de pagamento
em dinheiro. Criminosos estariam abrindo contas com nomes falsos e atraindo motoristas para
realizar assaltos. Aceitar pagamentos em dinheiro foi uma estratégia da Uber para crescer de
forma mais rápida em mercados em desenvolvimento. Nesses países, cartões de crédito são
menos comuns e a segurança pública é um desafio, potencializando riscos operacionais.

Como prevenir situações como essa da Uber? Deve-se definir processos de acompanhamento da
conformidade de todas as atividades da organização que tenham impacto no cumprimento de
leis, regulamentos e normas internas e externas. A alta gestão deve se perguntar: qual é o nível
atual de risco para a segurança cibernética dos processos? Como saber se está funcionando?

O compliance precisa estar totalmente conectado às


mudanças estruturais dos negócios e da sociedade.

Ele é crucial para negócios corretos, mas não pode se resumir a um conjunto de normas seguidas
cegamente pelas pessoas que compõem o negócio. Não se trata apenas de regras e políticas,
mas de alinhar cultura e ética à missão e objetivos da companhia.

Em negócios velozes, obediência passiva pode ser uma causa mortis. As pessoas que constroem
a empresa diariamente precisam ter abertura para questionar o compliance quando ele não faz
mais sentido. É preciso evoluir para disobedience, que não significa desordem, mas sim capacidade
de questionar: esse compliance continua fazendo sentido? Ele não deve engessar o negócio, mas
sim se moldar ao seu modelo e ritmo de crescimento.

9. CULTURA, PESSOAS E PARTNERSHIP


Do lado de fora do prédio onde uma recente reunião de conselho do Facebook aconteceu,
protestos pediam a saída de Mark Zuckerberg, até pouco tempo atrás queridinho da Bay Area,
da empresa. Um dos acionistas afirmou na reunião que o Facebook é a “autocracia falida de
Zuckerberg”. Imagine ouvir isso das pessoas da própria companhia que criou do zero, no
dormitório da faculdade. Manter a cultura organizacional ativa, pétrea e, ao mesmo tempo, “em
movimento” é o grande desafio. Mas estamos abertos a reavaliá-la constantemente?

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Embora muitas empresas joviais nasçam com o DNA da
cocriação, nas corporações essa transformação acontece
de forma micro, muito pontual, para depois se espalhar,
em um processo de transformação em rede.

Até por isso, modelos de UpSkilling de colaboradores visando o digital mindset são a solução
encontrada pela maioria das organizações.

Levando em conta as experiências observadas em grandes corporações, é possível concluir que


a transformação digital se dará através de pequenos experimentos, em áreas mais propensas a
inovar. Por meio da obtenção de resultados positivos nessas áreas, virá o estímulo para outras
seguirem, ou vai ser gerado um processo de spinoff. Será um processo longo, mas consistente.

Cenários como esse mostram a importância de modelos de partnership (remunerações,


recompensas, incentivos, modelos societários), seja por meio de injeção monetária, do
compartilhamento de diferentes habilidades ou, ainda, da participação em lucros e perdas em
prol de um objetivo comum.

Já a cultura sem códigos escritos ou normas de conduta tem sido forjada por líderes messiânicos
e outliers com incrível capacidade de entrega. Assim, um ambiente de mudanças velozes cria
desafios que antes sequer faziam parte da realidade de empresas, negócios e pessoas.

Uma cultura forte e viva, portanto, é uma das respostas


fundamentais para a nova realidade dos negócios.

A teoria é bonita e faz sentido, mas como colocá-la em prática? A ideia do líder messiânico
representa uma característica fundamental, especialmente quando em processo de construção.
Com o crescimento da empresa, porém, logo a cultura precisa desencarnar do corpo do líder
e se transformar em organismo próprio, capaz de se relacionar e de se manifestar nos mais
diferentes entes do quadro.

A cultura organizacional pode ser a chave para resolver o vácuo legal citado no item 7. É preciso
estar atento às ferramentas que o mundo oferece para que seja possível melhorar processos,
custos e reforçar a cultura. Uma cultura bem definida já é meio caminho andado para uma boa
governança, e pode ser um diferencial que ajudará a driblar a insegurança legal que o Brasil
proporciona.

Mas, claro, cabe sempre ficar de olho nos dois lados da moeda. Um caso recente chama atenção:
funcionários da empresa de desenvolvimento imobiliário Igloo Regeneration, de Manchester, na
Inglaterra, não serão mais reembolsados por refeições que contenham carne – a companhia
decidiu implantar uma política de despesas estritamente vegetariana. E, embora seja louvável
o estímulo de hábitos mais saudáveis, até que ponto a empresa tem o poder de mudar hábitos
privados de seus funcionários? Como separar, se for possível, valores e culturas propagados
por companhias eficientes e ditas modernas dos valores políticos de seus fundadores e/ou
controladores? Eis uma nova contradição.

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10. HIPERDIVERSIDADE E ATIVISMO
No contexto atual de altos níveis de diversidade populacional e aumento do pluralismo, falar
apenas em diversidade não encapsula a dimensão da nossa realidade social. Um estudo com
180 gerentes corporativos na Espanha explorou as percepções de diversidade e constatou
que, dependendo de quem está respondendo, a diversidade geralmente significa uma de três
coisas: diversidade demográfica (gênero, raça, orientação sexual, etc), diversidade experiencial
(afinidades, hobbies e habilidades) e diversidade cognitiva (como cada um aborda os problemas
e pensa sobre as coisas). Todos os três tipos moldam a identidade de cada indivíduo.

Nessa perspectiva surge o termo “superdiversidade”, cunhado pelo sociólogo Steven Vertovec
no artigo “Ethnic and Racial Studies”. Aqui, extrapolamos esse conceito e adotamos o conceito
de hiperdiversidade: um estado de altíssimo nível de pluralidade na sociedade. O Reino Unido
é um exemplo evidente desse estado – e citado por Vertotec em sua teoria: há um número
crescente de imigrantes, de diversas origens e grupos étnicos, transnacionalmente conectados,
diferenciados socioeconomicamente e que interagem de forma dinâmica e variada, criando
tensões sociais, políticas e novas formas de ativismo. Por isso é necessário, sobretudo, ensinar
a lidar com essa diversidade.

Tradicionalmente, entende-se o ativismo como ação em prol de uma causa, que vai além das
ações cotidianas, incluindo debates, protestos, greves e outros movimentos organizados.

O crescimento do ativismo atualmente está se tornando


um campo fértil para empreender e inovar.

Um exemplo é o Crowdpac, plataforma tecnológica projetada para aumentar o engajamento


político. Considerada o Kickstarter da política, a plataforma permite aos usuários financiar
candidatos e campanhas políticas. Cabe ressaltar, porém, que o ativismo sempre existiu. Ele só
está mais organizado para se fazer ouvir. De qualquer forma, seu trunfo está em criar algoritmos
que fornecem informações precisas sobre políticos, eleições e questões políticas, incluindo
o mapeamento de candidatos e a correspondência dos perfis políticos dos usuários com os
candidatos, que também são convidados a usar o serviço – aqui há um contraponto: esses
mesmos algoritmos podem criar uma falta de diversidade.

Assim, no contexto dos negócios, tem-se múltiplas gerações convivendo em um mercado


cada vez mais amplo e com mais possibilidades. E se há uma ruptura geracional, há também
espaço para ativismos (sejam eles ambientais, sociais ou, até mesmo, digitais), que influenciam
diretamente no tecido social.

11. SUSTENTABILIDADE E ABUNDÂNCIA


A sustentabilidade sob o prisma da tecnologia e da inovação pode ser analisada sob a ótica de
Peter H. Diamandis e Steven Kotler, autores do best-seller “Abundância: o Futuro é Melhor do que
Você Imagina”. Os autores pregam que a tecnologia é o motor de uma abundância, contribuindo
para a elevação na qualidade de vida de todos os habitantes do planeta e a descrevem como
um futuro em que nove bilhões de pessoas terão acesso a água potável, alimentos, energia,
assistência médica, educação e todo o necessário para um padrão de vida de primeiro mundo,
graças à inovação tecnológica.

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No âmbito dos negócios, iniciativas como os ODS ajudam
a balizar as atividades e os objetivos para o futuro de
forma sustentável.

De acordo com Paul Polman, CEO da Unilever, a sustentabilidade precisa “deixar de ser uma
iniciativa de gestão focada no aumento de lucratividade ou valor de mercado”. Ela passa, hoje,
por revisões estratégicas que focam no mundo externo: não é mais sobre o que temos ou
vendemos, mas sim para onde o mundo caminha e qual é o nosso papel nessa jornada.

Ainda na perspectiva de Diamandis e Kotler, as tecnologias em computação, energia, medicina


e muitas outras áreas estão se desenvolvendo a uma taxa exponencial e, em breve, permitirão
descobertas que hoje parecem impossíveis. Essas tecnologias já permitiram avanços
surpreendentes em muitas áreas com poucos recursos graças à livre concorrência e a “prêmios”
cada vez maiores na corrida tecnológica.

Para que as mudanças aconteçam, entretanto, é necessário redefinir as dificuldades


enfrentadas por certas parcelas da população: não se trata de uma questão de escassez,
mas sim de acessibilidade, segundo Diamandis e Kotler. As novas oportunidades e modelos de
negócios ampliam oportunidades e explicam muitos dos novos modelos de vigentes que, em
essência, oferecem maior acessibilidade e têm papel fundamental nessa redistribuição.

Já a ONU estabelece os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), que apontam uma


agenda global de 17 metas de desenvolvimento social e econômico de forma sustentável. Além
disso, os ODS incluem o enfrentamento da pobreza, fome, saúde, educação, aquecimento global,
igualdade de gênero, água, saneamento, energia, urbanização, meio ambiente e justiça social.

Quem vencerá a batalha entre a era da abundância, pregada por Diamandis e Kotler, e escassez,
alvo das ODS da ONU?

Há situações relacionadas à sustentabilidade que são tanto positivas quanto negativas. É o caso
da Grow, cujo serviço de compartilhamento evita novas aquisições pelo usuário, um ponto para
a sustentabilidade. Mas no modelo proposto, sobretudo quanto às bicicletas, os bens são pouco
duráveis, precisando ser trocados em poucas semanas ou até dias, o que gera uma grande
quantidade de lixo que, à primeira vista, não foi previsto durante a implementação do serviço.
Então, o objetivo de criar um serviço favorável ao meio ambiente e à qualidade de vida não é
atingido (ou é atingido de forma, no mínimo, contraditória) quando não há um plano B para
tal situação. Mas também há exemplos positivos, como o movimento da tecnologia que criou
uma geração de “tecnofilantropos”, que usam seus bilhões para tentar resolver problemas
aparentemente insolúveis, como fome e doenças. Um outro exemplo positivo é Bill Gates e sua
Bill & Melinda Gates Foundation, que leva infraestrutura para regiões empobrecidas da África.

Tecnicamente, para endereçar essa contradição podemos nos inspirar na recomendação do IBGC
de que seja formado um comitê específico que sirva de instrumento à alta gestão para endereçar
o assunto. O “Guia de Sustentabilidade para as Empresas” reforça também que as empresas
devem ser capazes de relatar os impactos econômicos que suas operações ocasionaram, tanto
positiva como negativamente. A companhia deve, ainda, ser capaz de relatar como pretende
aperfeiçoar os aspectos positivos ou erradicar (ou melhorar) os aspectos negativos das suas

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operações na comunidade, bem como relatar os impactos nos ecossistemas dessa mesma
comunidade.

O desafio é: as oportunidades precisam ser distribuídas de maneira igual, mesmo em um mundo


cada vez mais assimétrico, com desvantagens regionais, diminuição das fontes tradicionais de
dinheiro e completa reformulação da capacidade tecnológica. Precisamos utilizar a abundância
para endereçar os aspetos de sustentabilidade, evitando que ocorra o esgarçamento do
tecido social, conforme será tratado no tópico a seguir.

12. ESGARÇAMENTO DO TECIDO SOCIAL E SOCIEDADE 5.0


Se por um lado os ODS se dedicam a enfrentar desafios para o desenvolvimento sustentável,
por outro incluem metas relevantes para o desenvolvimento social das comunidades. Tais metas
estão reunidas no ODS 11: tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros,
resilientes e sustentáveis.

O ODS 11, aliás, toca em desafios que estão no cerne da chamada Sociedade 5.0, conceito nascido
no Japão que prega que, pós-Indústria 4.0, tecnologias como big data, inteligência artificial e
Internet das Coisas (IoT) devem ser usadas para criar soluções com foco nas necessidades
humanas.

O ex-vice-presidente de crescimento de usuários do Facebook, Chamath Palihapitiya, disse


sentir uma tremenda culpa por seu trabalho em “ferramentas que estão esgarçando o tecido
social”. Segundo ele, as mudanças trazidas pelas redes sociais têm transformado as formas
fundamentais de relacionamento entre as pessoas. A visão pessimista do executivo pode ser
questionável, mas não se pode negar que o momento é de mudanças estruturais, promovidas
pela tecnologia, nas relações humanas.

Nesse escopo, “inclusão” e “impacto” se tornaram palavras em voga. Mesmo assim, os temas
fomentam uma discussão séria, que extrapola correntes ideológicas.

A exclusão digital é um dos pontos que geram o


esgarçamento do tecido social.

Tal exclusão pode ser vista em qualquer lugar, seja em países em desenvolvimento ou, até
mesmo, em São Francisco, berço de inovação. Algumas alternativas são apontadas para lidar com
essa questão, como a “bolsa família mundial”, espécie de pedágio para empresas de tecnologia
defendido até por economistas liberais, como Milton Friedman e Friedrich Hayek.

De qualquer forma alguns novos negócios associados à Sociedade 5.0 já podem ser vistos até
mesmo no Brasil. Aqui, por exemplo, temos a MetaMaker, que procura ensinar robótica de forma
acessível para auxiliar crianças e jovens a se expressar como cientistas e inventores. Na mesma
linha, a Parças é uma startup que procura implementar a Justiça Restaurativa e foca em ensinar
programação para ex-presidiários, adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas
e egressos das medidas de internação e semiliberdade. Já a LegalBot possui um sistema de
gestão do fluxo de normativos que busca controlar o risco regulatório e democratizar o acesso
à inteligência regulatória.

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Exemplos importantes, que de certa forma estão relacionados com o tópico Hiperdiversidade
e Ativismo, já visto anteriormente. Mas, no fim do dia, diante da dimensão do problema, ainda
sabemos pouco sobre como lidar com essas questões.

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conclusões

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VELOCIDADE E ALGUM CONTROLE

As matizes para analisar prós e contras de empresas velozes são variadas, como é o caso da
Grow, citado nos tópicos 1, 7 e 11 do Espaço de Contradições, com nuances de um mundo VUCA
(Volatility, Uncertainty, Complexity e Ambiguity). Um modelo que seja capaz de capturar essas
matizes de complexidade e traduzi-las em práticas de governança DE/PARA empresas rápidas e,
mais simples ainda, alinhamentos essenciais de valores, como ocorreu entre o board da Grow,
torna indispensável a simplificação e agilidade do uso de um Board Canvas.

É nesse contexto, das variadas contradições que emergem dos avanços das tecnologias e da
veloz economia, que o Espaço de Contradições surge. Todos os elementos são vivos, não-
lineares e capazes de se afetar mutuamente e ao todo, em todos os sentidos.

Nos últimos anos, evoluímos rapidamente do hardware para o software. Depois, do software
para os dados. Agora, estamos partindo dos dados para a privacidade. A pergunta é: qual será a
próxima evolução? Embora a resposta ainda seja imperfeita e incompleta, não temos dúvida de
que ela passa por: Governança!

É preciso, contudo, pensar em uma nova governança. Talvez ancorada em princípios, como
transparência e accountability? Como preconizada hoje pelo IBGC e por vários de seus similares
ao redor do mundo, ela está baseada em estruturas, processos e práticas. Utilizar esse modelo
para muitas das novas empresas voltadas à inovação pode ser um caminho para estagnação e
burocracia inútil.

A busca por empresas velozes e corretas se encontra em um contexto que não só inspira
velocidade e algum controle, mas que reconhece as contradições e as desafia para que mais
pessoas possam, em qualquer lugar e a qualquer momento, promover decisões mais sábias em
redes hiperconectadas; os princípios de governança na veloz economia precisam ser como ela:
uma jornada hiperconectada de várias matizes em torno de speed and some control.

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