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Superior Tribunal de Justiça

AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 417.502 - RJ (2002/0024686-9)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO


AGRAVANTE : TRANSROLL NAVEGACÃO S/A
ADVOGADOS : MARCEL PEREIRA HID DA COSTA GUEDES E OUTRO
ROGÉRIO LEITE LOBO E OUTRO(S)
THAÍS ATAYDE HENRIQUE E OUTRO(S)
AGRAVADO : SANAVE NAVEGAÇÃO LTDA
ADVOGADO : FRANÇOISE PADILHA MENEZES E OUTRO(S)
EMENTA

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE


COBRANÇA. FRETE INTERNACIONAL. CONTRATO DE
TRANSPORTE INTERNACIONAL DE MERCADORIAS.
ALEGADA OMISSÃO NO JULGAMENTO REALIZADO PELO
TRIBUNAL ESTADUAL. INEXISTÊNCIA. FIXAÇÃO
CONTRATUAL DO PREÇO E PAGAMENTO DA DÍVIDA COM
BASE NA VARIAÇÃO CAMBIAL. POSSIBILIDADE. EXCEÇÃO
PREVISTA NO ART. 6º DA LEI 8.880/94, C/C O INCISO I DO
ART. 2º DO DECRETO-LEI 857/69. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
1. Não se vislumbra violação aos arts. 458 e 535 do Código de Processo
Civil, porquanto as questões submetidas ao Tribunal de origem foram
suficiente e adequadamente delineadas, com abordagem integral do tema
e fundamentação compatível, notadamente no que se refere ao
enquadramento do contrato de transporte internacional de mercadorias
nas exceções previstas no art. 6º da Lei 8.880/94, c/c o inciso I do art. 2º
do Decreto-Lei 857/69.
2. O contrato de transporte internacional de mercadorias entre o porto
argentino de Zarate e o brasileiro do Rio de Janeiro caracteriza-se como
contrato e título "referentes a importação ou exportação de
mercadorias" -, haja vista tratar-se de "frete internacional para
importação de mercadoria estrangeira".
3. O serviço contratado em âmbito internacional tem seus custos
vinculados à moeda estrangeira, com prevalência do dólar
estadunidense. Não há, assim, como pretender-se que o preço de tais
operações seja fixado em moeda nacional.
4. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,


decide a Quarta Turma, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do
voto do Senhor Ministro Relator. Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira,
Marco Buzzi e Luis Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 19 de março de 2013(Data do Julgamento)

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MINISTRO RAUL ARAÚJO


Relator

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Superior Tribunal de Justiça
AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 417.502 - RJ (2002/0024686-9)

RELATOR : MINISTRO RAUL ARAÚJO


AGRAVANTE : TRANSROLL NAVEGACÃO S/A
ADVOGADOS : MARCEL PEREIRA HID DA COSTA GUEDES E OUTRO
ROGÉRIO LEITE LOBO E OUTRO(S)
THAÍS ATAYDE HENRIQUE E OUTRO(S)
AGRAVADO : SANAVE NAVEGAÇÃO LTDA
ADVOGADO : FRANÇOISE PADILHA MENEZES E OUTRO(S)

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO: Cuida-se de agravo regimental


interposto por TRANSROLL NAVEGACÃO S/A contra decisão da relatoria do em. Ministro
FERNANDO GONÇALVES, que negou seguimento ao recurso especial sob os seguintes
fundamentos:

a) no que se refere à violação ao art. 333, I, do Código de Processo Civil, "o


agravante limita-se a afirmar que o dispositivo teria sido violado, sem, no entanto, indicar,
de forma clara e precisa, em que constituiu a apontada ofensa, o que torna deficiente a
fundamentação recursal e impede a abertura da via especial, incidindo, portanto, a
censura da súmula 284 do Supremo Tribunal Federal" (fl. 231);

b) "No tocante à Lei 8.880/94, o recorrente não aponta qual ou quais


dispositivos infraconstitucionais considera violados pelo acórdão recorrido, limitando-se
a aduzir violação genérica, o que, como é cediço, não dá ensejo ao conhecimento do
recurso pela alínea 'a' do permissivo constitucional, ante a flagrante deficiência recursal
(súmula 284 do Supremo Tribunal Federal)" (fl. 231);

c) "não se verifica, na espécie, omissão ou ausência de fundamentação na


apreciação das questões suscitadas", acrescentando "ter havido manifestação do Tribunal a
quo sobre as questões de fato e de direito para fundamentar o resultado" (fl. 231);

d) a conclusão a que chegou o Tribunal de origem no sentido de considerar que


"não há se falar em nulidade da cláusula contratual que fixou o preço do frete em dólar,
convertido em real na data do pagamento, face ao que dispõe o art. 2º do Decreto-Lei n.º
857/69, que expressamente exclui a incidência do art. 1º, já que se trata de frete
internacional para importação de mercadoria estrangeira", alinhou-se à jurisprudência desta
Corte.

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Em suas razões recursais, de início, a agravante reafirma que a decisão proferida
pelo Tribunal estadual violou os arts. 458, II, e 535, II, do CPC, tendo em vista que "o Tribunal a
quo, mesmo após instado através de Embargos de Declaração, não sanou a omissão
apontada tanto na sentença quanto no v. Acórdão recorrido, qual seja, esclarecer em qual
exceção dos incisos do art. 2º do Decreto-Lei nº 857/69 o contrato de transporte entre as
partes estaria enquadrado" (fl. 238).

Salienta, ainda, que, acaso superada tal irregularidade, há de ser observado que a
decisão ora combatida deixou de apreciar o recurso especial no que se refere especificamente à
interposição pela alínea "c" do permissivo constitucional, tendo em vista que houve demonstração
de divergência jurisprudencial quanto "à impossibilidade de utilização da moeda estrangeira
como indexador inflacionário, argumento este sequer analisado na decisão ora agravada"
(fl. 238).

Nesse contexto, afirma que "o ponto nodal da discussão reside,


primeiramente, em saber se e em que hipótese de exceção do art. 2º do DL nº 857/69 o
contrato de prestação de serviço de transporte marítimo celebrado entre as partes se
enquadra" (fl. 238), notadamente diante do fato de que há de ser reconhecido que "o contrato
de prestação de serviços de transporte marítimo celebrado entre as partes não se
enquadra em nenhuma das exceções previstas no art. 2º do DL 857/69, devendo ser
aplicado, portanto, o disposto no art. 1º do mesmo diploma legal, que determina a
nulidade do título" (fl. 239).

Requer, por fim, a reconsideração da decisão agravada ou sua reforma pela


Turma Julgadora.

É o relatório.

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ADVOGADO : FRANÇOISE PADILHA MENEZES E OUTRO(S)

VOTO

O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): De início, não se


vislumbra violação aos arts. 458 e 535 do Código de Processo Civil, porquanto as questões
submetidas ao Tribunal de origem foram suficiente e adequadamente delineadas, com abordagem
integral do tema e fundamentação compatível.

Com efeito, da análise dos autos, observa-se que as instâncias ordinárias não
deixaram de se manifestar a respeito da adequação da atividade contratada aos incisos do art. 2º
do Decreto-Lei nº 857/69, conforme se extrai do seguinte trecho do v. aresto recorrido:
"Não há que se falar em nulidade da cláusula contratual que
fixou o preço do frete em dólar, convertido em real na data do
pagamento, face ao que dispõe o art. 2º do Decreto-Lei nº 857/69,
que expressamente excluiu a incidência do art. 1º, já que se trata
de frete internacional para importação de mercadoria estrangeira,
nem muito menos na alegação de enriquecimento sem causa.
In casu, como salientou a douta sentenciante, não se trata de
contrato de mútuo, mas de outra espécie de contratação tendo como
referencial moeda estrangeira, atendendo, inclusive ao ramo de
negócio das partes envolvidas, não podendo ser invocada a tese de
enriquecimento ilícito ou, ainda, a teoria da imprevisão, tendo em
vista, que no ramo de atividade da recorrida, o pagamento com
taxa de câmbio desatualizada, como pretende a apelante, geraria
para ela um prejuízo equivalente em dólares, moeda corrente neste
tipo de comércio." (fl. 145).

Nesse contexto, impende ressaltar, em companhia da tradicional doutrina e do


maciço entendimento pretoriano, que o julgado apenas se apresenta como omisso quando, sem
analisar a questão colocada sob apreciação judicial, ou mesmo promovendo o necessário debate,
deixa, num caso ou no outro, de considerar aspecto por si só relevante para influir na solução
reclamada, o que não ocorre na espécie.

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A decisão ora agravada também não merece reparos quanto ao mérito.

Com efeito, a controvérsia travada nos autos diz respeito à possibilidade de


fixação contratual do preço e pagamento da dívida com base na variação cambial, notadamente
diante da legislação que regula a matéria e prevê, como regra geral, a nulidade de cláusulas
contratuais que "estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou, por alguma
forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso legal do cruzeiro", nos termos do
art. 1º do Decreto-Lei 857/68 e posteriores alterações legislativas e regulamentares.

Sobre a questão, transcreve-se parte do judicioso voto proferido pela eminente


Min. NANCY ANDRIGHI, no julgamento do REsp 804.791/MG, precedente colacionado na r.
decisão ora agravada, verbis:
"Inicialmente, dada a sucessiva alteração da legislação, bem
como diante da divergência jurisprudencial acerca do tema,
inclusive no âmbito desta Corte, imperioso que se estabeleça a
distinção entre: (i) a previsão de pagamento de uma dívida em
moeda estrangeira; e (ii) a indexação desta dívida pela variação
cambial de moeda estrangeira.
Conforme anota Armando Álvares Garcia Júnior, “no primeiro
caso, poder-se-ia falar em recusa ou restrição do curso legal de
nossa moeda, não se podendo, todavia, afirmar o mesmo no
segundo caso, pois é patente que tal tipo de pactuação não tem o
condão de obstruir, recusando ou restringindo, a moeda nacional,
que continua em seu curso” (Contratos dolarizados no direito
brasileiro. São Paulo: LTr, 2000, p 20).
Até a década de 30 do século passado, vigorava no Brasil o art.
431 do CCom, que, em sua redação original, permitia às partes a
estipulação contratual de pagamentos em moeda estrangeira. No
mesmo sentido, vigia o art. 947, § 1º, do CC/16. A prática é própria
de países de economia inflacionária, em que o poder de compra da
moeda se altera rapidamente, conduzindo a diferenças
significativas entre o valor real e o valor nominal dos créditos. As
chamadas cláusulas monetárias contrastam com o princípio do
nominalismo monetário, objetivando conservar no tempo o valor
real dos créditos, pela modificação de sua expressão nominal.
Entretanto, o crescente intervencionismo estatal na nossa
economia resultou no curso forçado da moeda, como forma de
resguardar a estabilidade monetária interna e a própria soberania
nacional. Foi assim que o Dec. 23.501/33, em seu art. 1º, proibiu a
estipulação de pagamentos em moeda estrangeira, regra essa
mantida pelo art. 1º do DL 857/69 e pelo art. 1º da Lei 10.192/01 e,
mais recentemente, pelos arts. 315 e 318 do CC/02. A vedação
aparece, ainda, em leis especiais, como no art. 17 da Lei 8.245/91,
relativa à locação. A exceção a essa regra geral vem prevista no
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art. 2º do DL 857/69, que enumera hipóteses em que se admite o
pagamento em moeda estrangeira, quais sejam: (i) contratos e
títulos referentes a importação ou exportação de mercadorias; (ii)
contratos de financiamento ou de prestação de garantias relativos
às operações de exportação de bens de produção nacional,
vendidos a crédito para o exterior; (iii) contratos de compra e
venda de câmbio em geral; (iv) empréstimos e quaisquer outras
obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e
domiciliada no exterior, excetuados os contratos de locação de
imóveis situados no território nacional; e (v) contratos que tenham
por objeto a cessão, transferência, delegação, assunção ou
modificação das obrigações referidas no item anterior, ainda que
ambas as partes contratantes sejam pessoas residentes ou
domiciliadas no país.
A possibilidade de indexação de dívidas com base na variação
cambial, por sua vez, obteve tratamento distinto do ordenamento
pátrio ao longo desse tempo. Até 1994, tal indexação era admitida.
Com a vigência do Plano Real (Lei 8.880/94), porém, diversas leis e
decretos vedaram, de uma forma geral, a utilização da variação
cambial de moeda estrangeira como indexador. Essas normas
culminaram na edição da Lei 10.192/01, cujo art. 1º, de forma
incisiva, proibiu a indexação, excepcionadas as hipóteses previstas
no art. 2º do DL 857/69. Tal proibição foi encampada pelo art. 318
do CC/02.

ii. Da jurisprudência do STJ

O pagamento de dívidas em moeda estrangeira é tratado de


maneira pacífica por este STJ, que já se manifestou reiteradas vezes
afirmando ser “legítimo o contrato de compra e venda celebrado em
moeda estrangeira, desde que o pagamento se efetive pela
conversão em moeda nacional” (REsp 779.832/PR, 4ª Turma, Rel.
Min. João Otávio de Noronha, DJe de 28.04.2008. No mesmo
sentido: REsp 194.629/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Carlos Alberto
Menezes Direito, DJ de 22.05.2000; e REsp 848.424/RJ, 4ª Turma,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 18.08.2008). Vale dizer,
salvo as exceções previstas no art. 2º do DL 857/69, o devedor
somente é liberado da dívida pelo pagamento em moeda corrente
nacional, forçando-se, com isso, o curso desta.
Com relação à possibilidade de indexação, contudo, constata-se
a existência de alguma controvérsia nos precedentes surgidos após
a entrada em vigor do Plano Real.
Confiram-se a seguir os julgados, dispostos em ordem
cronológica.
No julgamento do REsp 209.295/PB, Rel. Min. Barros Monteiro,
DJ de 26.08.2002, a 4ª Turma admitiu a cobrança de dívida
estipulada em moeda estrangeira não enquadrada nas exceções do
art. 2º do DL 857/69, ressalvando que 'foram cobradas em moeda
nacional cujo valor, inclusive, constava no verso de cada uma, com
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o acréscimo de que a referência ao dólar era tão-somente para se
ter por base a equivalência entre as duas moedas, no momento do
resgate' (grifei).
A 3ª Turma, por sua vez, no julgamento do REsp 527.465/SP, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 25.02.2004, decidiu
que 'o ajuste prevendo a atualização do preço do imóvel pela
variação do dólar (...), sob a regência do art. 6º da Lei nº 8.880/94,
é nulo de pleno direito'.
Em outro precedente da 4ª Turma, desta vez relativo ao AgRg no
Ag 612.405/MG, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 22.08.2005,
versando sobre hipótese bastante semelhante à dos autos, qual seja,
empréstimo atualizado mediante variação cambial, foi mantido o
acórdão que afastou qualquer violação ao DL 857/69 e ao art. 1º
da MP 1.675-55/98, convertida no art. 1º da Lei 10.192/01, sob o
argumento de que o pagamento se efetivou 'mediante a conversão
em moeda nacional'.
A questão chegou a ser analisada pela 2ª Seção, no julgamento
do REsp 647.672/SP, minha relatoria, DJ de 20.08.2007, que
consignou ser a indexação em moeda estrangeira 'rechaçada pelo
art. 27 da Lei nº 9.069/95 (Lei do Plano Real)'.
Mais recentemente, contudo, no julgamento do REsp 900.680/SP,
Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 14.04.2008, a 4ª Turma
voltou a se manifestar pela validade de contratação em moeda
estrangeira não enquadrada nas exceções do art. 2º do DL 857/69.
De acordo com o voto condutor, o fato da dívida ter sido contraída
em moeda estrangeira, com previsão de que a conversão para
moeda nacional se fizesse na data do efetivo pagamento, permite
concluir 'que a dívida está sendo exigida em reais, o que não
agride as disposições do Decreto-lei 857/69 e da Lei nº 8.880/94'.
A partir dos precedentes supra, constata-se que, mesmo após a
vigência do Plano Real, em certas ocasiões, houve equiparação
entre a possibilidade de se pagar dívida expressa em moeda
estrangeira, desde que convertida em moeda nacional, e a
indexação de dívidas pela variação cambial.
Entretanto, como visto, tais hipóteses são absolutamente
distintas, sendo certo que, desde o advento da Lei 8.880/94, a
mencionada indexação é vedada.
A confusão possivelmente decorre do fato de que, em se tratando
de contratação em moeda estrangeira prevista no art. 2º do DL
857/69, não só se admite indexação, como a jurisprudência desta
Corte é firme no sentido de que 'a sua conversão em moeda
nacional deve ocorrer na data do efetivo pagamento e não em data
pretérita' (REsp 680.543/RJ, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de
04.12.2006. No mesmo sentido: REsp 270.674/RS, 3ª Turma, Rel.
Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 20.08.2001; e REsp
83.752/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Barros Monteiro, DJ de
13.08.2001).
Seja como for, quando não enquadradas nas exceções do art. 2º
do DL 857/69, as dívidas fixadas em moeda estrangeira não
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permitem indexação. Sendo assim, havendo previsão de pagamento
futuro, tais dívidas deverão, no ato de quitação, ser convertidas
para moeda nacional com base na cotação da data da contratação
e, a partir daí, atualizadas com base em índice de correção
monetária admitido pela legislação pátria."

Observa-se, na hipótese dos autos, que o contrato firmado entre as partes data de
1998, na vigência, portanto, da Lei 8.880/94, que passou a vedar a utilização da variação cambial
da moeda estrangeira como indexador, ressalvadas as exceções previstas no art. 2º do
Decreto-Lei 857/69.

Afirmam os mencionados dispositivos legais:


- Lei 8.880/94: Art. 6º - "É nula de pleno direito a contratação de
reajuste vinculado à variação cambial, exceto quando
expressamente autorizado por lei federal e nos contratos de
arrendamento mercantil celebrados entre pessoas residentes e
domiciliadas no País, com base em captação de recursos
provenientes do exterior."

- DL 857/69:
Art. 1º - "São nulos de pleno direito os contratos, títulos e
quaisquer documentos, bem como as obrigações que exeqüíveis no
Brasil, estipulem pagamento em ouro, em moeda estrangeira, ou,
por alguma forma, restrinjam ou recusem, nos seus efeitos, o curso
legal do cruzeiro."

Art. 2° - "Não se aplicam as disposições do artigo anterior:


I - aos contratos e títulos referentes a importação ou exportação de
mercadorias;
II - aos contratos de financiamento ou de prestação de garantias
relativos às operações de exportação de bens de produção
nacional, vendidos a crédito para o exterior;
III - aos contratos de compra e venda de câmbio em geral;
IV - aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou
devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior, excetuados
os contratos de locação de imóveis situados no território nacional;
V - aos contratos que tenham por objeto a cessão, transferência,
delegação, assunção ou modificação das obrigações referidas no
ítem anterior, ainda que ambas as partes contratantes sejam
pessoas residentes ou domiciliadas no país.
Parágrafo único: Os contratos de locação de bens móveis que
estipulem pagamento em moeda estrangeira ficam sujeitos, para sua
validade, a registro prévio no Banco Central do Brasil." (grifei)

No caso, por óbvio, o contrato de transporte internacional de mercadorias entre o

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porto argentino de Zarate e o do Rio de Janeiro, conforme elucidado pelo eg. Tribunal de origem
e na decisão agravada, deve ser inserido na regra do inciso I do art. 2º do Decreto-Lei 857/69 -
contratos e títulos "referentes a importação ou exportação de mercadorias" -, haja vista
tratar-se de "frete internacional para importação de mercadoria estrangeira" (fl. 145), qual
seja, 230 veículos modelo Sprinter da Mercedez-Benz.

O serviço contratado em âmbito internacional, ninguém ignora, tem seus custos


vinculados à moeda estrangeira, com prevalência do dólar estadunidense. Não há, assim, como
pretender-se que o preço de tais operações seja fixado em moeda nacional.

Não há que se falar, portanto, em proibição de contratação em moeda estrangeira,


notadamente diante da natureza do serviço contratado entre as partes.

O objetivo da ré, ora agravante, na verdade, em face da considerável alteração do


valor do dólar norte-americano frente ao real, na época, é que se admita o pagamento à autora,
pelo serviço de frete internacional referente à importação, com base no valor do dólar do dia
11/1/1999 (data de vencimento da duplicata), não obstante o pagamento só tenha ocorrido em
25/1/1999.

Ante o exposto, mantendo-se íntegros os fundamentos da decisão agravada,


nega-se provimento ao agravo regimental.

É como voto.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
QUARTA TURMA

AgRg no
Número Registro: 2002/0024686-9 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 417.502 / RJ

Números Origem: 200100100548 990010483665

EM MESA JULGADO: 19/03/2013

Relator
Exmo. Sr. Ministro RAUL ARAÚJO
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. LUCIANO MARIZ MAIA
Secretária
Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : TRANSROLL NAVEGACÃO S/A
ADVOGADOS : ROGÉRIO LEITE LOBO E OUTRO(S)
MARCEL PEREIRA HID DA COSTA GUEDES E OUTRO
ADVOGADA : THAÍS ATAYDE HENRIQUE E OUTRO(S)
RECORRIDO : SANAVE NAVEGAÇÃO LTDA
ADVOGADO : FRANÇOISE PADILHA MENEZES E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Contratos

AGRAVO REGIMENTAL
AGRAVANTE : TRANSROLL NAVEGACÃO S/A
ADVOGADOS : ROGÉRIO LEITE LOBO E OUTRO(S)
MARCEL PEREIRA HID DA COSTA GUEDES E OUTRO
THAÍS ATAYDE HENRIQUE E OUTRO(S)
AGRAVADO : SANAVE NAVEGAÇÃO LTDA
ADVOGADO : FRANÇOISE PADILHA MENEZES E OUTRO(S)

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão
realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao agravo regimental, nos termos
do voto do Senhor Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Maria Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Luis
Felipe Salomão votaram com o Sr. Ministro Relator.

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