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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

FACULDADE DE AGRONOMIA ELISEU MACIEL


CURSO DE ZOOTECNIA
DISCIPLINA DE AQUICULTURA

Sérgio Piedras
Introdução

Os peixes são animais que têm uma capacidade incrível de adaptação, o que lhes
permite colonizar os mais diferentes habitats; esta plasticidade se reflete nas suas mais
variadas estratégias, principalmente de alimentação e reprodução. O animal desenvolve
mecanismos que lhe permitem tirar o máximo de vantagens do ambiente que dispõe.
Realizam migrações, constroem ninhos, incubam ovos e protegem os filhotes, entre
inúmeras outras particularidades Fig. 1). A reprodução é a fase mais importante na vida
do animal, pois através dela ele garante a manutenção da sua espécie. É um processo
fisiológico mediado pela complexa atuação de eventos neurohormonais que,
desencadeados por estímulos ambientais, provocam no peixe reações especificas que
culminam com a desova.

Técnicas de reprodução
Técnicas de reprodução

Desova natural assistida:

Carpa comum
Traíra, Catfish

Figura 1

A desova natural assistida (Fig. 1) é utilizada naquelas espécies que desovam em águas
lenticas (paradas), que não fazem piracema (migração). Nesses casos, conhecendo o
período e hábitos reprodutivos das espécies, estimulamos a reprodução através do
oferecimento de condições ambientais, físicas e biológicas para que a reprodução ocorra
naturalmente de forma controlada por nos (período, local, quantidade de matrizes, etc).

Vídeo desova natural: https://www.youtube.com/watch?v=i0ERKwwGvV8

Reprodução Induzida

Controle endócrino da reprodução

A reprodução em peixes pode ser vista como o resultado de numerosos fatores bióticos
e abióticos que exercem efeitos, tanto de longo prazo sobre o crescimento ovariano,
quanto de curto prazo sobre a maturação final e ovulação dos oócitos. Uma resposta
temporalmente adequada a sinais exógenos (como temperatura, fotoperíodo, chuvas
etc.) e endógenos maximizam o sucesso reprodutivo, pela obtenção de um equilíbrio
ótimo entre a sobrevivência dos adultos que estão desovando e a sua progênie.
Obviamente, o custo de um esforço reprodutivo temporalmente inapropriado varia
bastante com a estratégia reprodutiva, sendo maior naquelas espécies que ovulam uma
única vez e morrem a seguir, como o salmão do pacífico e, consideravelmente menor
em reprodutores parciais, que ovulam muitas vezes sobre um extenso período de
desova, como as tilápias, por exemplo.

Os peixes de piracema (fazem migração) têm uma estratégia intermediária, mas que
também demanda em considerável esforço. Eles passam grande parte do ciclo
reprodutivo preparando seus gametas para desová-los de uma única vez, maximizando
esse esforço com a deposição de milhões de ovos simultaneamente.

Situações ambientais diferentes fornecem sinais específicos que podem ser explorados
para predizer o tempo em que a reprodução tem mais probabilidade de sucesso. Em
ambientes previsivelmente inóspitos como extremas latitudes e altitudes, fotoperíodo e
temperatura são sinais confiáveis associados com a previsão de condições de primavera
ou semelhantes ao verão. Enquanto que os ambientes tropicais não sofrem extremos
sazonais em fotoperíodo e temperatura, freqüentemente existem períodos de seca e
umidade regularmente repetidos. É por isso que temos períodos de reprodução
razoavelmente definidos, variáveis conforme a região. Assim, o timing da reprodução
em peixes pode ser influenciado por vários fatores, incluindo temperatura, fotoperíodo,
salinidade, conteúdo iônico da água, fluxo da água, abundância de alimento,
disponibilidade de local para nidificar e condições sociais.

Mais comumente, peixes tropicais e subtropicais podem exibir reprodução sazonal em


associação com o estabelecimento da estação das chuvas, que está correlacionado com a
disponibilidade de alimento, assim como ao habitat.

Em muitas espécies, a maturação gonadal freqüentemente precede o estabelecimento da


estação das chuvas, possivelmente em resposta à crescente concentração iônica das
águas que estão secando. Em espécies tropicais pode ser encontrada reprodução durante
todo o ano, embora exista um pico de reprodução em associação com a estação chuvosa.
Como um corolário, pode-se afirmar que a reprodução é um processo que só deve
ocorrer naturalmente em circunstâncias favoráveis para a prole e para os reprodutores.
Os estímulos ambientais são captados pelos peixes através de seus órgãos sensoriais.
Sistemas sensoriais e áreas especificas do cérebro servem para integrar eventos internos
e externos, que resultam em alterações no sistema reprodutivo. O estímulo pode ser
enviado, por exemplo, através dos olhos, sistemas olfatório, vomeronasal ou auditivo,
com inputs a núcleos cerebrais específicos (Hipotálamo- Fig 2).

Controle neuroendócrino da
reprodução de peixes
Eixo hipotálamo – hipófise - gônadas
Maturação sexual depende de fatores internos
(idade, condição corporal) e externos
Estímulos ambientais

Hipotálamo
C GnRH
G
B Hipófise
Gonadotrofinas

Gônadas

Hormônios sexuais

Figura 2

Para compreender o input da informação para o sistema neurohormonal, e como o


cérebro pode integrar o output neurohormonal, para regular a atividade reprodutiva, é
preciso conhecer como os vários órgãos atuam como uma unidade: são os elementos do
sistema hipotálamo-hipófise-gônadas (ovários e testículos). O hipotálamo é uma região
específica do cérebro que, entre outros neurohormônios, secreta o hormônio liberador
de gonadotropinas - GnRH, e a dopamina, que têm influencia na liberação de
gonadotropinas - GtHs da hipófise.

A hipófise é uma glândula que produz vários hormônios, entre eles as gonadotropinas,
responsáveis pelo controle da reprodução. Essas gonadotropinas vão atuar sobre as
gônadas, promovendo a liberação de hormônios esteróides, estes com atuação na
maturação dos gametas, tanto durante o ciclo reprodutivo quanto nas fases finais de
maturação e ovulação. Os esteróides retornam ao hipotálamo e hipófise via corrente
sanguínea, para modular as funções subsequentes desses órgãos.

Diferente do que acontece com mamíferos, onde o embrião é nutrido através da mãe, o
embrião da maioria dos peixes realiza o seu desenvolvimento às expensas da reserva
acumulada no ovo, sob a forma de compostos de lipofosfoglicoproteínas chamados
genericamente de vitelo (Fig. 3). Na maioria dos ovócitos de vertebrados, o vitelo não é
sintetizado in situ, mas sim derivado de uma proteína precursora conhecida como
vitelogenina, sintetizada no fígado do animal.
Figura 4

Larva ao nascer não se apresenta completamente formada. Destaca-se o vitelo que vai
servir com alimento até o 3° ou 5° dia, enquanto a larva conclui seu desenvolvimento.

Durante o desenvolvimento ovariano, a Gonadotropina I (GtH-I) produzida pela


hipófise, é levada pela corrente sangüínea até o ovário, que produz o estrógeno Estradiol
17b e o lança novamente na corrente sanguínea para ser transportado até o fígado. Aqui,
o estradiol estimula a produção de um precursor do vitelo (gema) do ovo, a
vitelogenina, que volta para o ovário e é incorporado pelo ovócito em crescimento.

Quando a vitelogênese (deposição de vitelo) se completa, a hipófise reduz a produção


de gonadotropina I e aumenta a secreção de gonadotropina II (GtH-II). Sob ação desta o
ovócito, então vitelogênico, morfologicamente pronto mas fisiologicamente
incapacitado para ser ovulado, sofre a maturação final (migração e quebra do núcleo ou
vesícula germinal) e está pronto para ser ovulado (Fig. 5).

Controle neuroendócrino da reprodução de fêmeas


• Fatores endógenos
• Estímulos ambientais

Sistema Nervoso Central


Hipotálamo

GnRH (+)
Dopamina (-)

Hipófise

GtH I GtH II
Desova

Vitellogênese Gônadas
Maturação
dos ovócitos
Figado Progestinas
Β-estradiól

Figura 5
Durante o desenvolvimento testicular, que também está sob o controle das
gonadotropinas (GtH I e GtH II), estão envolvidos no processo de espermatogênese
(Fig. 6).

Controle neuroendócrino da reprodução de machos


• Fatores endógenos
• Estímulos ambientais

Sistema Nervoso Central


Hipotálamo

GnRH (+)
Dopamina (-)

Hipófise

GtH I GtH II

Gônadas

Testosterona Espermatogênese

Figura 6

A importância prática de saber sobre o processo vitelogênico tem implicação em vários


aspectos. O primeiro deles diz respeito à alimentação adequada da fêmea - uma vez que
a reserva do embrião é dada através do vitelo acumulado no ovócito, um animal com
deficiência nutricional vai priorizar a sua própria manutenção e destinar para
incorporação no ovócito apenas parte do que seria necessário para o bom
desenvolvimento posterior do embrião. Consequentemente, vai resultar em larvas
frágeis, com mortalidade elevada. Em outras palavras, isto significa que devemos
alimentar adequadamente o animal muito antes do início do período reprodutivo,
momento em que o processo de vitelogênese já está na sua fase final ou mesmo
completo.

Outro aspecto importante é o momento adequado para injetar o hormônio - se o ovócito


não estiver numa determinada fase avançada da maturação, não irá produzir os
esteróides necessários para a maturação final e ovulação.

Em peixes de piracema, na ausência de estímulo hormonal exógeno, o desenvolvimento


do ovócito não se continua além da fase vitelogênica. falta-lhe um “gatilho” hormonal
para que continue o seu desenvolvimento, e é isso que se fornece ao animal quando se
administra as preparações hormonais de indução artificial da reprodução.

Na maioria dos peixe os óvulos permanecem férteis apenas por um breve período
(carpas, pacus, etc. são um bom exemplo) a desova ou extrusão deve acontecer
rapidamente. Idealmente, a injeção dos hormônios deve ser cronometrada para produzir
ovulação em uma hora conveniente do dia. Ovulação e supermaturação dos óvulos
mantidos na cavidade do corpo são altamente temperatura-dependentes.

Depois que a desova termina, os oócitos vitelogênicos remanescentes são reabsorvidos,


num processo conhecido como regressão gonadal. Isso também acontece finalmente em
peixes maduros que não encontram as condições adequadas para a maturação final e
desova.

A maturação final e a ovulação são os estágios de reprodução mais comumente


induzidos na terapia hormonal. Uma variedade de protocolos são efetivos, inclusive
manipulação ambiental em algumas espécies.

Objetivos da indução artificial da maturação e ovulação em peixes

A prática mais usual da utilização de hormônios na reprodução induzida de peixes no


Brasil está mais relacionada à desova de peixes de piracema (fazem migração), mas esse
é apenas um dos objetivos possíveis da manipulação hormonal com fins reprodutivos.
Os hormônios ou preparações hormonais podem ser utilizados para adiantar o período
de desova em uma população, por exemplo. Um período antecipado de reprodução
permite aos produtores maior flexibilidade na comercialização de larvas e alevinos.
Além disso, pode-se restringir a desova a um certo período, também, para maximizar
tempo e recursos, permitir maior rendimento e rotatividade dos viveiros de alevinagem.
Podem ser utilizados também para sincronizar a desova de machos e fêmeas e aumentar
a produção de sêmen, que é crítico em algumas espécies. Pode-se, ainda, com a ação
combinada de manejo ambiental, ampliar os períodos em que os animais estão aptos
para a reprodução. São infinitas as aplicações, existindo inúmeras técnicas e várias
preparações hormonais disponíveis no mercado.

Tipos de hormônios utilizados na indução artificial da reprodução em peixes

Principais indutores de reprodução de peixes.

Local de atuação Formas de indução

Hipotálamo Manipulação do ambiente (fotoperíodo, temperatura),


presença de machos e fêmeas, estresse, instalação de
ninhos.
Hipófise Antagonistas da dopamina
Análogos de GnRH
Gônadas Extrato hipofisário
HCG
Figura 7

Como já foi visto, a reprodução nos peixes é controlada pelo eixo hipotálamo-hipófise-
gônadas (Fig. 2). Esse mecanismo seqüencial permite intervenções em vários níveis,
para promover ou interferir no processo de maturação, com o uso de compostos
específicos (Fig. 7).

A desova de peixes em sistemas de produção comercial é baseada no uso de Hipófise,


que é mais econômico e de resultados conhecidos. As demais formas de indução, ainda
apresentam algumas incertezas, sendo utilizadas para fins de pesquisa.

Extrato de hipófises de peixes - A hipofisação é um processo bastante conhecido,


praticado desde a década de 30, e é uma simples terapia de substituição, ou seja, a
gonadotropina de um peixe é administrada em outro que não está produzindo o
suficiente por si mesmo, e desencadeia os passos da seqüência hormonal (Fig. 5 e 6),
levando à maturação final/ovulação. É a técnica de indução mais utilizada. Pode ser
efetuada a partir de hipófises frescas ou dessecadas em acetona.

A injeção de extrato hipofisário é o método mais comum no Brasil, normalmente com


resultados positivos na maioria das espécies. As doses médias utilizadas são de
5,5mg/kg para fêmeas, aplicadas em duas doses, com 12 horas de intervalo (sendo 10%
do total na dose inicial e o restante na dose decisiva) e 2-3mg/kg para machos, em dose
única, por ocasião da segunda dose das fêmeas. As apresentações comerciais são
usualmente em glândulas ou pó de glândulas trituradas, em frascos de 1 g.

Vídeo desova induzida: https://www.youtube.com/watch?v=dR1Ax3z3HXY&t=21s

As condições ambientais são determinantes para o sucesso da indução hormonal (Fig.


8). A temperatura da água deve se manter em ter 24 e 29°C, durante o dia e entre 24 e
25°C durante, pelo menos 7 dias (aqui na nossa região, normalmente à partir de
novembro). Havendo estas condições devemos selecionar os reprodutores, procurando
fêmeas que apresentem abdômen mais saliente (conforme Fig.8) e machos que estejam
espermiando à uma leve pressão abdominal. Selecionados os animais (2 machos para 1
fêmea).

Após a seleção (1 fêmea e 2 machos) os animais são pesados e determinadas as


dosagens de hipófise (Fig.8):

5mg/kg para fêmeas ( sendo 10% ou 0,5mg/kg) na primeira dose, e o restantes 10 ou 12


horas após (2ª dose) Fig. 9.

Para os machos utiliza-se dose única de 2,5 mg/kg, aplicada juntamente com a 2ª dose
da fêmea. Fig. 9.
Técnicas de reprodução

Indução hormonal – Seleção de reprodutores

Figura 8

Conhecidas as dosagens, são preparadas as injeções de hormônio (hipófise) que após


pesadas, a dose de cada animal, são maceradas com ajuda de soro fisiológico (1,5 ml)
para liberação do hormônio contido nas hipófises (Fig 9). A solução resultante é
colocada em aparelho de insulina, para injeção no animal.

O local de injeção (Fig. 9) varia de acordo com a experiência do técnico, podendo ser na
região dorsal, região caudal, região peitoral ou ventral. É importante que a região
escolhida apresente bastante irrigação sanguínea, para que o hormônio seja absorvido
mais rapidamente.

Técnicas de reprodução

Procedimentos para indução hormonal.

Indução: 5mg Hip./Kg diluída e


soro fisiológico (≤ 1,0 ml) Local da injeção
1ª dose =10% do total Regra importante na indução: Nunca exagerar na 1ª dose;

2ª dose= 90% (8-12 hs depois) Ser generoso na 2ª dose.

Figura 9
É recomendável que o processo de indução hormonal seja planejado, pois de acordo
com a espécie a desova vai ocorrer x horas após a aplicação da segunda dose (Fig. 11).

Em nossa região, onde a temperatura da água, no verão é de cerca de 24°C a desova


ocorre cerca de 9 a 12 horas após a segunda dose. Assim recomendamos aplicar a 1ª
dose as 12 hs, a segunda dose as 24 hs, assim a desova deverá ocorrer pela parte da
manhã, entre 9 e 11 hs, de forma que tenhamos tempo de preparar o material par o
processo de extrusão (Fig. 10).

Técnicas de reprodução – Extrusão, fecundação e hidratação

Desova ocorre entre 210 e 230


h/°, após a 2ª dose.(T°C=25)
Comportamento pré-ovulação:
animais agitados, nadam juntos,
fêmeas sobem a superfície
(tomando ar), tem espasmos
musculares.

Etapas da desova
1. Extrusão do sêmem;
2. Extrusão dos óvulos;
3. Fecundação (diluição do
sêmem em 100 ml de
solução fisiológica).
Mistura do sêmem com
óvulos por um minuto (em
30’ a micrópila fecha).
4. Hidratação: adicionar
água aos poucos. Os
ovos aumentam muito de
volume.

Figura 10

De acordo com espécie utilizada a desova vai ocorrer em x horas após a segunda dose.
Este tempo é chamado hora-grua (Fig 11).

Figura 11
Recomendação : https://www.youtube.com/watch?v=dR1Ax3z3HXY 8 minutos

Referências:

Hormônios na Reprodução Artificial de Peixes. Panorama da Aquicultura, Edição 55.

Evoy Zaniboni Filho, Marcos Weingartner Técnicas de indução da reprodução de peixes


migradores1. Rev Bras Reprod Anim, Belo Horizonte, v.31, n.3, p.367-373, jul./set.
2007.

Hugo Pereira Godinho. Estratégias reprodutivas de peixes aplicadas à aqüicultura:


bases para o desenvolvimento de tecnologias de produção. Rev Bras Reprod Anim,
Belo Horizonte, v.31, n.3, p.351-360, jul./set. 2007.

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