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Decolonialidade no ensino do inglês:

um projeto político
Decolonialidad en la enseñanza del inglés: un proyecto político
Decoloniality in elt: A Political Project
Décolonialité dans l’enseignement d’anglais : un projet politique

Carmen Helena Guerrero Nieto Começamos este projeto como um empreendimento coletivo. O
Professora titular, Universidad periódico Íkala convidou Carmen Helena, professora e pesqui-
Distrital Francisco José de Caldas,
Bogotá, Colombia.
sadora colombiana na área do ensino de inglês, para organizar um
chguerreron@udistrital.edu.co volume especial sobre decolonialidade e elt. Devido a sua postura
https://orcid. decolonial, Carmen Helena não consideraria fazê-lo sozinha e res-
org/0000-0003-4011-788X trita à Colômbia. Ela lembrou que Clarissa, no Brasil, também estava
trabalhando com decolonialidade e ensino-aprendizagem de inglês,
Clarissa Menezes Jordão
Professora emérita, Universidade e logo convidou-a como co-editora. Clarissa aceitou imediatamente
Federal do Paraná, Curitiba, Brazil. o convite e sugeriu que Gabriela se juntasse ao grupo. Como acadê-
clarissamjordao@gmail.com mica argentina, especialista em teoria política decolonial e jornalista
https://orcid. baseada nos Estados Unidos, Gabriela contribuiria com uma terceira
org/0000-0003-3558-5603 perspectiva sobre decolonialidade que estava fora da área de ensino
586 Gabriela Veronelli da língua inglesa per se, mas que lidava com vantagens e benefícios
Pesquisadora visitante, Center for de ser/atuar em inglês den-
Global Studies and the Humanities, tro e fora da academia.
Duke University, North Carolina, usa. Gabriela também aceitou o
gabriela.veronelli@binghamton.edu
convite e aqui estamos nós.
https://orcid.
org/0000-0001-7869-1057
Nossas práticas comparti-
lhadas adquirem existência
em uma grande interface
criada por nossas leitu-
ras semelhantes, mas não
isentas de tensões, pois
nossos entendimentos são informados por experiências individuais
(mas coletivamente construídas), emoções, perspectivas, culturas,
comunidades interpretativas e assim por diante. No entanto, conse-
guimos estabelecer links significativos em nossas conversas on-line,
e o que era um esforço “puramente acadêmico” acabou sendo um
espaço onde, corazonando, nos apegamos umas às outras. A razão
pela qual mencionamos esta dimensão afetiva de nosso projeto, uma

Recebido: 2022-02-28 / Aceito: 2022-07-13 / Publicado: 2022-09-15


https://doi.org/10.17533/udea.ikala.v27n3a01
Direitos autorais, Universidad de Antioquia, 2022. Este é um artigo em acesso aberto, distribuído sob a licença Creative
Commons by-nc-sa 4.0 Internacional

Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura


Medellín, Colombia, Vol. 27 Issue 3 (September-December, 2022), pp. 586-594, ISSN 0123-3432
www.udea.edu.co/ikala
Íkala Decoloniality in elt: A Political Project

dimensão muitas vezes omitida nos textos acadê- leve sensação de já não ter o que aprender na
micos, é que esta omissão é uma das violências, em vida depois dos 50 anos de idade. Sou docente
nosso trabalho acadêmico tradicional, que a deco- sênior e supervisiono mestrado e doutorado em
lonialidade procura denunciar. O que queremos nível de pós-graduação na Universidade Federal
dizer não é que o trabalho acadêmico é feito sem do Paraná, e recentemente fui contratada como
professora visitante na Universidade Estadual do
emoção, mas que este aspecto de nossas relações
Rio de Janeiro - São Gonçalo, ambas universida-
acadêmicas, apesar de seu papel central na forma
des públicas e por tanto totalmente gratuitas.
como pensamos e fazemos nosso trabalho, rara- Meus interesses de pesquisa têm sido a interface
mente é destacado. entre efl e a formação de professores, pós-es-
truturalismo, inglês como língua franca (ilf) e
Com isso em mente, decidimos apresentar aos práticas decoloniais.
leitores nossos antecedentes acadêmicos, expe-
riências e interesses de pesquisa temperados com Gabriela: Sou uma sobrevivente da alienação
alguns aspectos de nossas identidades pessoais que à qual o eurocentrismo e a dependência epis-
normalmente não aparecem em periódicos acadêmi- têmica de nossas universidades nos condenam,
cos como Íkala. Então, aqui vamos nós: devido aos padrões de conhecimento gerados
pela modernidade. Imagine esta minha sobre-
Carmen Helena: “Entre as diferentes identi- vivência não como um evento que tem um
dades que personifico, gostaria de mencionar antes e um depois, mas sim como a luta diá-
a que mais gosto: sou uma formadora de pro- ria, contínua e eterna dos viciados em processo
fessores. Ao longo do caminho, tenho estado de recuperação, uma luta para ficarem sóbrios
em contato com muitos professores de mui- um dia de cada vez, sendo sempre tentada, no
tos lugares e com muitas realidades diferentes. meu caso, pela miragem da assimilação e do 587
Com eles aprendi sobre um mundo que não hiper-individualismo. Sobreviver não tem sido
está em livros ou jornais, mas em sua vida diária, meu próprio mérito, ou melhor, não tem sido
aquele que vivia no “medo e ternura”, como diz somente o meu mérito. Tive o privilégio de
a canção de Silvio Rodríguez. Na mesma linha, trabalhar com os mestres do pensamento anti-
tenho ideias e ideais esquerdistas, que influen- -colonial e anti-racista e aprender sobre suas
ciaram minha maneira de existir no mundo. A resistências no papel e na carne. Tive a sorte
crítica tem estado no centro tanto de meu tra- de habitar espaços institucionais que já foram
balho acadêmico quanto de minha vida pessoal cindidos por gerações anteriores de decoloniza-
e, mais recentemente, comecei a caminhar para dores, feministas negras, filósofos da libertação,
a decolonialidade em elt1. Nesse caminho, pedagogos da liberdade, teóricos da dependên-
reclamei e convidei outros a reclamarem a pro- cia, tradutores transculturais e pensadores de
priedade sobre nosso “outro idioma” (inglês) e fronteira.
sobre o campo de elt.
As rachaduras são tênues, mas são enérgi-
Clarissa: Eu sou uma mulher branca, cisgênero, cas. Tenho habitado estes espaços com outros
na casa dos 50 anos, vivendo em um relaciona-
sobreviventes da violência colonial onto-epis-
mento estável por 20 felizes anos. Sou tutora
têmica. Temos tecido redes de preocupações,
de gatos gêmeos que agora têm 7 anos de idade.
formas de vida, sabedorias ancestrais, relações
Não muito tempo após a aposentadoria eu
espirituais e sociais, e experiências de busca de
comecei a me dedicar à música e ao canto, o que
libertação. Temos espalhado as ervas daninhas
se revelou um grande desafio e dissipou a mais
nas paredes rachadas para nos conhecermos
decolonialmente. Meu foco tem sido as mora-
1 English language teaching, ou ensino de língua inglesa. das linguísticas criativas da diferença colonial,
Decidimos manter a abreviatura em língua inglesa por- para as quais precisamos de uma análise das
que ela é amplamente utilizada na área. opressões linguísticas capitalistas racializadas,

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da colonialidade da língua, para que possamos uma teoria crítica da sociedade (Castro Gómez,
superá-las através da comunicação decolonial. 2007). Finalmente, postulam o pensamento e a
ação decolonial como uma opção, uma alternativa
As teorias sobre decolonialidade estão presen- ao eurocentrismo, e não como uma contra-hegemo-
tes no cenário acadêmico desde a última década nia que reproduz a universalidade que ela própria
do século xx. As primeiras reuniões do Programa questiona e quer interromper.
Latino-Americano de Pesquisa em Modernidade/
Colonialidade foram compostas por acadêmicos Até agora, a decolonialidade tem sido compreendida
latino-americanos e caribenhos de diferentes áreas e definida de muitas maneiras, o que destaca suas
e disciplinas, tais como ciências sociais (Quijano, características como um campo de conhecimento
Grosfoguel, Lander), semiótica (Mignolo, heterogêneo e plural, englobando diversas formas
Palermo), filosofia (Lugones, Maldonado-Torres, de ações ou, melhor ainda, de práxis. Preferimos
Castro-Gómez, Dussel), antropologia (Escobar, o termo práxis, uma vez que teoria e prática estão
Coronil) e educação (Walsh), entre outras, e foram sempre entrelaçadas, inseparáveis, entrelaçamento
seguidas e expandidas internacionalmente por uma enfatizado pela maioria dos estudos decoloniais
segunda geração de estudiosos de vários campos. (Freitas, 2018).
As teorias decoloniais propõem uma reflexão sobre a
herança colonial dos impérios ibéricos nas Américas
durante os séculos xvi a xx, que está entremeada
ao que a teoria social contemporânea chama de
“modernidade”. A narrativa decolonial propõe que
588 modernidade e colonialidade são fenômenos depen- No entanto, a decolonialidade não é uma perspec-
dentes um do outro, genealogicamente enraizados tiva em que tudo vale. Concebemos esta área como
na mesma matriz de ser/poder/conhecer produ- sendo guiada por alguns princípios que unem estu-
zida no século xvi, e geopoliticamente articulados diosos e praticantes de diversos espaços, incluindo
com o nascimento do sistema capitalista global. os seguintes: a) um apelo enfático por conhecimen-
Quijano mostrou que o século dezesseis produ- tos e saberes que foram invisibilizados pela lógica da
ziu uma divisão racial/internacional do trabalho, modernidade/colonialidade e do neoliberalismo;
uma identificação colonial da população mun- b) um chamado para localizar e situar o conheci-
dial que marcaria a história posterior do sistema mento em sua corporeidade/afetividade; e c) uma
capitalista. É por isso que, para os estudiosos deco- luta para apreciar a heterogeneidade e simultanei-
loniais, a questão da “raça” como primeira forma dade das visões de mundo como produtivas, ainda
de “alteridade” moderna e sua ligação com a colo- que (ou justamente por serem) tensas e confli-
nialidade é central para suas reflexões. Outro tema tuosas. Isto quer dizer que a decolonialidade não
central é a reflexão sobre a geopolítica e a política silencia a diferença nem aceita a violência (seja sutil
corporal do conhecimento, que deslocam o foco ou explícita) de visões de mundo que excluem e/ou
para conhecimentos “outros” e razões “outras” promovem a morte, tanto física quanto metafórica.
cujos potenciais desafios são o eurocentrismo e a
colonialidade em nossas universidades e escolas, Esta edição de Íkala também tem como objetivo
mas que, enfrentando tais desafios, são capazes de começar a preencher o que vemos como uma lacuna
mobilizar projetos de vida “outros”. Além disso, geo- e corpo-política nos estudos de elt. Os con-
os estudiosos decoloniais remetem suas genea- ceitos Sul Global e Norte Global têm sido utilizados
logias a pensadores não dominantes (Guamán por estudiosos críticos para descrever um agrupa-
Poma de Ayala, Cesaire, Kusch, Fanón, Freire, mento de países e regiões com certas características
Anzaldúa, etc.) para traçar os fundamentos de socioeconômicas e políticas e, significativamente,

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conforme sua localização nos cenários coloniais e de decolonialidade que sustentam esta edição de
imperiais dos projetos de história e de civilização Íkala.
anglo-europeus; ou seja, os termos sinalizam se um
país ou região está do lado que gera ou que sofre Dito isto, as implicações do pensamento deco-
a colonização. Como tal, utilizamos os termos lonial em contextos específicos de ensino e
principalmente em referência a especificidades onto- aprendizagem de línguas têm sido pouco explo-
-epistemológicas e não a localizações geográficas. radas, especialmente quando se trata de línguas
estrangeiras (ou segunda língua ou língua adicio-
O campo de elt tem sido tradicionalmente domi- nal) como o inglês. Em suas funções como língua
nado pela visão do mundo do Norte Global, franca e sua reificação como língua dominante na
determinando não apenas como e que língua inglesa América Latina, inequivocamente após a imple-
deve ser ensinada, mas também o que conta como mentação de políticas linguísticas que favorecem
conhecimento e que tipo de pesquisa deve ser con- seu ensino-aprendizagem em relação a outras lín-
duzida no e sobre o campo. A idéia principal por guas, o inglês tem estado intimamente ligado à
trás de nosso título, “O Sur responde”, é que a expe- globalização e à internacionalização (Figueiredo,
riência do mundo em geral, e de elt em particular, 2017; Jordão et al., 2020), duas áreas que se
é muito mais ampla do que o Norte Global, sendo beneficiam muito da decolonialidade crítica, par-
que o Sul Global tem sido uma fonte inesgotável de
ticularmente quando consideramos os princípios
experiências, conhecimentos, inovações políticas e
acima mencionados (visibilização, personificação,
sociais, e celebrações de diferenças sistematicamente
localização). Tais princípios também se conectam
silenciadas. Assim, desafiando a tradição canônica
à interculturalidade crítica e à translinguagem,
onto-epistêmica do Norte Global, esta edição de
duas áreas desenvolvidas mais explicitamente em
Íkala também visa inovar através do encontro e do 589
diálogo com entendimentos e práticas de elt que suas relações com elt do que a decolonialidade.
emergem da diferença geo- e corpo-política de edu- Como você deve ter notado, nesta edição essas
cadores, pesquisadores e estudiosos do Sul Global. duas áreas se unem na interface com a decolonia-
lidade, o que representa um passo significativo em
O trabalho diretamente relacionado a elt mais direção a um possível preenchimento dessa lacuna.
significativo para nós, que nos ajudou a cons-
truir nossos próprios conhecimentos e formas de Outra lacuna que vemos na área de elt é a falta de
conhecer em torno da (de)colonialidade, inclui o tra- atenção aos esforços de decolonialidade empreendi-
balho de autores como Alastair Pennycook, Sinfree dos por professores e alunos, incluindo formadores
Makoni, Jennifer Jenkins, Barbra Seidlhofer, Henry de professores. Tal ausência é outra dimensão do
Widdowson, B. Kumaravadivelu, Braj Kachrú, campo que esta edição especial de Íkala sobre deco-
Suresh Canagarajah, Sávio Siqueira, Clarissa Jordão, lonialidade e elt começa a explorar.
Telma Giménez, Michelle El Kadri, Lynn Mario
T. M. de Souza, Walkyria Monte Mór, Mario A decolonialidade que estamos destacando aqui
López-Gopar, Adriana González-Moncada, Jairo vem do Sul geopolítico e onto-epistemológico
Soto-Molina e Carlo Granados, para citar apenas que responde. Estamos escrevendo a partir de nos-
alguns. Embora nem todos eles possam ser con- sas posições, até recentemente marginalizadas, que
fortavelmente rotulados como decoloniais ou agora lentamente estão chegando à visibilidade. O
geopoliticamente localizados no Sul Global, seu interesse contemporâneo pelas vozes do sul talvez
trabalho nos ajudou a refletir sobre nossa prá- se deva a um senso de que é hora de buscar outras
xis e a nos posicionarmos dentro do campo da formas, de entender o mundo de forma diferente
linguística aplicada, do inglês como língua estran- da universalidade projetada pela modernidade/
geira e do ilf. Seus nomes são mencionados aqui colonialidade. Ou talvez este interesse venha da
a fim de facilitar a localização das interpretações constatação de que os sistemas de compreensão

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ocidentais não nos ajudaram a cuidar uns dos supostamente universais de ensinar, aprender e
outros ou a sustentar e apreciar a vida na Terra fazer línguas.
(no espírito de Gaia), de modo que precisamos
urgentemente encontrar alternativas. Ou, talvez, Neste contexto, analisamos a língua inglesa do Sul
tal preocupação venha simplesmente do afeto e da e no Sul, negociando nossos entendimentos com
empatia. Seja qual for a razão, a decolonialidade, o conhecimento institucionalizado, tentando
em sua interface com o pensamento do Sul, uniu encontrar as lacunas que nos permitirão avan-
forças com outras escolas de pensamento crítico çar em vez de aceitar passivamente seu domínio
para construir teorias e métodos para se interro- sobre nossas praxiologias locais. Isto não tem sido
gar como a racionalidade eurocêntrica/moderna/ fácil. Como editores convidados, ficamos feli-
colonial tenta apagar a diferença, homogeneizar zes com o fato de que a conhecida e amplamente
formas de conhecimento e produzir a mesmice, divulgada revista Íkala estivesse planejando abrir
em um processo violento que quer silenciar e espaço para uma edição especial sobre decoloniali-
diminuir algumas subjetividades enquanto pro- dade e, ao fazê-lo, tensionava seus próprios limites
move outras como universais. com respeito aos estudos de elt. Isso foi para nós
um ponto de partida e um convite para ampliar
ainda mais tais limites. No entanto, tivemos que
negociar, por um lado, com os autores que sub-
meteram seus textos, a fim de que conseguíssemos
ser criativos e originais ao mesmo tempo em que
pudéssemos ser bem recebidos e compreendidos
por Íkala e seus usuários.
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Por outro lado, tivemos que pedir a Íkala que
Entretanto, nossa visão de elt vem colorida por fosse mais flexível em suas exigências editoriais,
uma perspectiva crítica que vê o ensino-apren- especialmente em termos da estrutura dos textos
dizagem do inglês na América do Sul como uma e das classificações pré-determinadas dos arti-
dimensão da vida, prenha de possibilidades de gos, tais como estudos empíricos, estudos de caso,
re-significar visões de mundo e desenvolver uma artigos metodológicos e teóricos e revisões de lite-
atitude decolonial em relação à agência política ratura. Tivemos a sorte de poder contar com a
situada e à cidadania ativa. A língua inglesa, obri- abertura de Íkala. Para esta edição especial, Íkala
gatória em muitos sistemas educacionais do Sul, concordou em admitir uma seção chamada “expe-
nos permite promover práticas em sala de aula riências pedagógicas”. Eles também concordaram
que ampliam perspectivas e procedimentos de que as seções dentro dos artigos seriam nomea-
interpretação, ajudando professores e alunos a das de forma diferente: alguns dos artigos, como
se sentirem coletivamente responsáveis por seu os leitores notarão, não trazem uma seção especial
mundo, na medida em que se envolvem em práticas para “resultados” ou “metodologia”, e muitos não
escolares que lhes permitem conceber alternativas nomeiam suas seções como de costume em outras
à opressão e violência onto-epistêmicas e físi- edições da revista.
cas. O inglês como disciplina é para nós, e para
os autores desta edição, um espaço para questio- Isto também gerou alguma pressão por parte de
nar preconceitos linguísticos, racismo epistêmico, Íkala, pois eles estão legitimamente preocupados
a noção de falante nativo, normativismo e peda- com os índices que estabelecem o prestígio da revista.
gogia autoritária, entre muitas outras dimensões Tais índices aumentam o público leitor e ampliam
do ensino-aprendizagem de línguas que têm sub- o interesse do público por alguns periódicos, mas
metido a criatividade local à arrogância de formas também tendem a privilegiar a homogeneidade e

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restringir a criatividade, beneficiando estruturas e não, mas também o que cada um de nós entendia
metodologias pré-determinadas, em arranjos que como “rigor acadêmico” e sua (pouca) importância
muitas vezes não correspondem ao que realmente para determinar quais artigos poderiam ser selecio-
acontece no processo de pesquisa e/ou redação de nados para esta edição. A solução que encontramos,
trabalhos acadêmicos. Além disso, acadêmicos de considerando a heterogeneidade de práticas dentro
todo o mundo têm sido submetidos à lógica neoli- da decolonialidade, foi aceitar os termos de deco-
beral que vincula os aumentos salariais à publicação lonialidade que cada artigo/autor havia escolhido,
em revistas indexadas em bases de dados nacionais desde que mantivessem os três princípios que infor-
e internacionais, como Publindex e Scimago, nas mam nossa visão compartilhada da decolonialidade
quais Íkala está atualmente indexada. No processo conforme definidos acima.
de preparação desse volume, também tivemos que
considerar esta dimensão da vida acadêmica. Somos gratas umas às outras como editoras, aos
autores e a Íkala, especialmente na pessoa de
Portanto lidamos com as tensões entre, por um Doris Correa, pela receptividade e paciência de
lado, nossas expectativas como editoras convi- todos em negociar conosco. A partir deste com-
dadas para organizar um volume com a temática plexo processo de negociação pudemos construir
decolonial, editoras que imaginavam construir esse volume especial como um esforço coletivo
com os autores um volume que seria uma espécie de que, esperamos, possa inspirar os estudiosos e pro-
encarnação da decolonialidade em múltiplos níveis, fessores de inglês onde quer que se encontrem em
e por outro lado com as regras e regulamentos que sua práxis.
uma revista indexada como Íkala tem que seguir.
Tais tensões exigiram de nós o estabelecimento de Sobre os Artigos
591
pactos em que cada parte cedia um pouco. Nossas
Reconhecendo como efetivas a ordenação e classi-
negociações envolveram, por exemplo, contempori-
ficação dos artigos realizada por Íkala, gostaríamos
zar sobre o que conta como rigor científico e escrita de oferecer aqui um resumo dos artigos enfocando
acadêmica dentro deste campo amplamente colo- o modo como cada um pratica decolonialidade,
nizado e neoliberal do conhecimento acadêmico: fazendo eco aos princípios já mencionados.
devemos ceder às expectativas naturalizadas de que
artigos de boa qualidade precisam seguir práticas Carvajal, Hurtado, Lara, Ramírez, Barón, Ayala
padronizadas específicas? Devemos ousar e desa- e Coy fornecem uma rica autoetnografia coletiva
fiar tais expectativas? Lógicas imperialistas como escrita (tecida) por sete professores estagiários e
as que apoiam a Publindex e a Scimago devem praticantes, na qual eles relatam suas viagens na
nos impedir de aceitar artigos que não estejam em implementação de uma pedagogia de possibili-
conformidade com tais práticas? Ousamos. Um dades. Para este fim, eles declaram a pedagogia
pouco, não muito, para que pudéssemos publi- como uma forma política de resistir à imposição
car os artigos e manter o ranking da Íkala, mas do ensino e da pesquisa em elt como dissociados
o suficiente para nos orgulharmos do resultado e da dimensão humana, enquanto abraçam os prin-
esperar que todos os envolvidos, juntamente com cípios dos povos indígenas e contestam a “aridez”
nossos leitores, também se orgulhem. das pedagogias de elt. Para ilustrar sua jornada
coletiva neste projeto, eles utilizam três “fios”:
Entre nós três também houve muita negociação. tornar-se, abraçar e transformar. Em tornar-se, os
Para começar, nossos entendimentos de decoloniali- autores refletem sobre a multiplicidade de dimen-
dade e de quão plural, ampla ou estrita ela poderia ser sões de si mesmos e reconhecem o ensino como
percebida eram diferentes. Não apenas tivemos que uma forma de ativismo. Em abraçar, cada um
negociar o que contava como decolonialidade ou reconta sua luta para se tornar professores que

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desafiam o status quo e escolhem o caminho da jus- para a coexistência entre as pessoas. A segunda
tiça social. Em transformar, eles refletem sobre sua parte apresenta conhecimentos e propostas didá-
própria humanidade, deficiências e crescimento, ticas baseadas nos loci a partir dos quais eles são
dando proeminência à dimensão emocional dos produzidos e enunciados. Nesta parte emergem
professores. Estes três fios dão ao leitor um vislum- a ideia e a prática de pedagogias de reconciliação
bre dos desafios e possibilidades de um caminho para promover uma concepção não patológica de
para adotar o ensino da língua inglesa a partir de conflito e, a partir daí, uma abertura para a recon-
uma perspectiva decolonial. figuração do ensino da língua inglesa como uma
prática social humanizadora.
O artigo de Granados está dividido em duas par-
tes principais. Na primeira parte ele compartilha Ortiz, Arismendi e Londoño contribuem para
os resultados de um estudo etnográfico crítico as discussões sobre o que significa construir a
no qual ele analisou as opiniões de estudantes de interculturalidade no campo das línguas estran-
graduação e professores, bem como alguns docu- geiras na Colômbia, com um estudo que entende
mentos oficiais, em relação à colonialidade do a interculturalidade como conceitual e peda-
campo da educação de professores de inglês na gogicamente entrelaçada com o projeto de
Colômbia. Granados afirma que a implemen- decolonialidade. A iniciativa mostra como a inter-
tação do Programa Nacional de Bilinguismo culturalidade crítica se constitui em possibilidade
(inglês) continua a gerar desigualdades educacio- pedagógica para decolonizar o elt na Colômbia
nais e de práticas profissionais. Na segunda parte, e contribuir para a construção de um país mais
e como uma forma de desafiar as práticas coloniais justo. Também destaca como os espaços para o
em elt, o autor apresenta uma proposta baseada desenvolvimento profissional dos professores
592 na interculturalidade crítica. Sua proposta exige podem contribuir para a construção de projetos
a) o reconhecimento profissional, geo-político- interculturais na Colômbia e para a Colômbia
-corporal dos professores de língua inglesa, e b) no campo das línguas estrangeiras. A pesquisa-
uma mudança nos programas de ensino de língua -ação qualitativa apresentada foi baseada em um
inglesa, passando de uma perspectiva instrumen- curso com o objetivo de oferecer aos professores
tal orientada para a linguagem e chegando a uma um espaço para explorar e refletir sobre diferen-
abordagem crítica e interdisciplinar. tes formas de diversidade e alteridade, tanto locais
quanto estrangeiras, e sobre a construção coletiva
O artigo de Aguirre-Garzón, Ubaque-Casallas, de propostas didáticas em condições de igualdade,
Salazar-Sierra e López analisa e documenta, de respeito, equidade e dignidade. O artigo oferece
uma perspectiva pedagógica de fronteira e pós- uma riqueza de informações bibliográficas, meto-
-abissal, a formação de professores de línguas dológicas e de avaliação, assim como algumas
estrangeiras na construção de experiências de ferramentas conceituais.
paz e reconciliação para o período pós-acordo
na Colômbia. A primeira parte do artigo analisa Os dois estudos de pesquisa discutidos em Silva
os fatores que influenciaram a lacuna existente e Marson foram desenvolvidos no campo da
em relação à reconciliação social no treinamento formação de professores de inglês. Ambos proble-
em língua inglesa. Os autores mostram como o matizam as concepções de linguagem como um
eurocentrismo e o alinhamento com os legados código neutro ou como um espaço para a trans-
coloniais nas abordagens oficiais de elt implicam missão do pensamento. Ao privilegiar a linguagem
em práticas pedagógicas deslocalizadas que impe- como prática social, as autoras demonstram como
dem os professores de estabelecerem vínculos com este último conceito foi percebido em ambas as
dimensões sociais e fatores culturais importantes investigações. As autoras destacam que exercitaram

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sua “escuta atenta” (Freire, 2011) ouvindo as vozes Beato-Canato, Back, Cristovão e Francescon con-
de seus participantes de pesquisa (dando-lhes centram-se no ensino de recursos para a educação
visibilidade) e desenvolvendo suas respectivas aná- indígena no Brasil. Sua análise destaca a originali-
lises sem silenciar a heterogeneidade encontrada no dade de um livro-texto que compreende materiais
campo, permitindo que as tensões fossem expostas desenvolvidos por mais de dez povos indígenas,
e posicionando-se sem necessariamente resolver os inclui narrativas orais e propõe uma conceituação
conflitos que vivenciaram. Elas defendem a educa- diferente da educação e do ensino. Entretanto, os
ção como um espaço de diálogo entre diferenças e autores sugerem mudanças para o livro-didático,
não como um espaço de imposição de consenso. como evitar usar termos pejorativos para se referir
ao conhecimento indígena (que no livro aparece
Entendendo o papel relevante atribuído aos mate-
como mito), e uma visão mais decolonial da lin-
riais de elt, Núñez-Pardo realiza uma análise crítica
guagem como uma prática não-transparente de
de conteúdo de livros didáticos na área, visando
construir sentidos. Seu artigo nos ajuda a perce-
revelar as formas pelas quais as ideologias hege-
ber que, mesmo em uma coleção como esta, que se
mônicas estão no centro desses materiais. Para isso,
propõe a retratar e valorizar a multiplicidade dos
além de analisar os livros didáticos, o autor também
conhecimentos locais, nossos colonizadores inter-
manteve conversas com professores, estudantes
e editoras. Através desta busca, Núñez descobriu nos vêm à tona de quando em vez.
que os livros didáticos de elt, em sua maioria, dis- O artigo de Haus e Schmicheck nos apresenta
seminam ideologias coloniais relacionadas tanto uma discussão fundamentada sobre possibilidades
ao inglês quanto ao neoliberalismo. Ela também
de avaliação outras, apresentando a decoloniali-
encontrou vislumbres de decolonialidade na forma
dade como uma forma de construir tais práticas. O
como os professores refletiram criticamente sobre o 593
artigo, dirigido aos professores de línguas, propõe
conteúdo dos livros didáticos. O objetivo adicional
um afastamento da avaliação como medição de
de Núñez era tornar visíveis as agendas colonial e
resultados, em direção a uma concepção de avalia-
neoliberal divulgadas através desses livros didáticos
ção à luz da alfabetização crítica, translinguagem
e a necessidade de adotar uma abordagem intercul-
tural crítica para contrariar as práticas hegemônicas. e ilf (Inglês como Língua Franca) feito no Brasil,
perspectivas que eles situam dentro da práxis deco-
O artigo de Mosquera-Pérez relata um estudo lonial. Ao longo do texto, Haus e Schmicheck
de caso qualitativo realizado com o objetivo de apontam para a importância de considerar as
analisar os tipos de discursos hegemônicos e de emoções associadas à avaliação dos aprendizes de
resistência que aconteceram em elt nos últimos línguas. Ao descrever dois cursos de inglês ofereci-
anos na Colômbia. Informado por letramen- dos individualmente, mas planejados em conjunto,
tos críticos, análise crítica do discurso e a noção eles apresentam sua experiência como um convite
de contra-hegemonia, sua análise mostra, por um para que outros professores considerem reflexiva-
lado, como a política linguística colombiana tem mente a possibilidade de assumir a avaliação como
sido manipulada para manter dinâmicas de poder uma oportunidade de pensar sobre o impacto que
desequilibradas na sociedade e para implemen- tal processo pode ter no aprendizado e na identi-
tar reformas neoliberais; por outro lado, revela dade dos alunos, e a importância de colaborar com
como os estudiosos de elt resistiram a essas dinâ- os alunos no processo.
micas hegemônicas promovendo a compreensão
intercultural, analisando questões socioculturais O artigo seguinte relata uma experiência pedagó-
embutidas na sociedade colombiana, e refletindo gica em um curso de ilf de Gutiérrez e Aguirre
sobre o papel dos professores de inglês como falan- adaptado às necessidades dos estudantes indígenas
tes não-nativos do inglês. e afro-colombianos. Usando a interculturalidade

Medellín, Colombia, Vol. 27 Issue 3 (September-December, 2022), pp. 586-594, ISSN 0123-3432
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Íkala Carmen Helena Guerrero Nieto, Clarissa Menezes Jordão, and Gabriela Veronelli

crítica e a translinguagem como possibilidades o cultivo de relações heterárquicas, e enfatizam o


pedagógicas, os autores embarcam no que eles cha- valor do sentipensar no processo educacional.
mam de “decolonização de nossa prática de ensino”.
Ao longo do artigo, os autores compartilham não Bonilla-Medina e Finardi examinam as interse-
apenas seus conflitos internos, tensões e lutas, mas ções epistemológicas entre a teoria racial crítica e a
também suas epifanias na tentativa de implementar decolonialidade. Eles enfocam visões racializadas/
uma abordagem decolonial para o ensino de uma colonizadas de elt como uma construção geopo-
língua colonial. Para eles, tornar a interculturali- lítica e elaboram algumas das formas pelas quais
dade crítica e a tradução tangíveis na sala de aula foi elt tem operado como uma potência colonial no
algo tanto desafiador quanto gratificante, pois, pela Brasil e na Colômbia. Usando seu privilégio como
primeira vez, os alunos tradicionalmente negligen- acadêmicos, eles trazem à luz as vozes de qua-
ciados sentiam que eram importantes. Os autores tro estudantes de graduação e pós-graduação da
concluem seu artigo com uma reflexão sobre a res- Colômbia e do Brasil que, através de seus próprios
ponsabilidade dos professores de língua inglesa de projetos de pesquisa, requisitos da graduação,
desconstruir a colonialidade imbuída no ensino da questionaram/contestaram/resistiram a práticas
língua inglesa e suas consequências para a invisibili- racializadas/colonizadas em elt.
zação das populações minoritárias.
Finalmente, o artigo de Costa Rosa e Duboc tem
Refletindo sobre as práticas desenvolvidas em um como objetivo analisar o conceito e o campo de
programa de doutorado em ensino de inglês na investigação da ilf a partir de uma perspectiva
Colômbia, Castañeda e Méndez destacam a impor- decolonial. Na primeira parte, os autores fazem
tância de considerar as emoções no treinamento um exercício de identificação-interrogação-inter-
594 de professores numa perspectiva decolonial. Seu rupção da colonialidade que se articula em torno
artigo apela para a corporificação do conhecimento de questões como “de onde vêm as vozes do ilf
e argumenta pela importância de trazer o afeto para e quem pode expressar os problemas relaciona-
a educação, inclusive em nível superior. Através do dos ao ilf? A análise é baseada em uma série de
conceito de pedagogia, eles sugerem o afastamento artigos sobre a Conferência Internacional de ilf,
da colonialidade do conhecimento e sua universali- realizada entre 2008 e 2019. Na segunda parte,
zação de professores/aprendizes, da objetificação e instando a “trazer o corpo de volta” no campo de
padronização da língua, e de seu imperialismo/capi- ilf, o artigo revisa a literatura sobre ilf Feito no
talismo linguístico. Eles definem a pedagogia como Brasil, uma perspectiva que visa desfazer a violên-
desinteresse, orientação submersa, voz deculonial e cia epistemológica da colonialidade linguística.

Como citar este artigo: Guerrero, C. H., Jordão, C. M., & Veronelli, G. (2022). Decoloniality in
elt: A political project [Editorial]. Íkala, Revista de Lenguaje y Cultura, 27(3), 586–594. https://doi.
org/10.17533/udea.ikala.v27n3a01

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