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LUTANDO CONTRA A INCREDULIDADE

Leitura Bíblica: Gênesis 3.1-9

Proposição: A tentação é sempre caracterizada pela proposta diabólica da


não-crença nas promessas divinas.

Introdução

Uma parábola russa diz que um caçador estava mirando um urso, quando
o urso falou: "Não é melhor falar do que atirar? O que é que você quer?
Vamos negociar."

Baixando a espingarda, o caçador falou: "Eu quero um casaco de pelo de


urso para me cobrir." "Bom, esta é uma questão negociável”, falou o urso.
"Eu apenas quero um estômago cheio. Vamos negociar."

Depois de algum tempo falando, o urso voltou sozinho para a floresta. As


negociações foram um sucesso. Cada um recebeu o que queria. O urso
conseguiu seu estômago cheio e o caçador ficou coberto de pelo de urso.

O texto que acabamos de ler tem a ver com argumentação, com


convencimento e com uma proposta que não deu certo para um dos lados,
assim como a grande lição desta parábola nos ensina. Entrar em acordo
com um inimigo é um caminho para a morte.

EXPOSIÇÃO

1. Gênesis 3 é um dos textos bíblicos que mais recebem comentários da


parte de estudiosos das Escrituras, especialmente dentre os textos do
Antigo Testamento. Isto é relevante e coerente, uma vez que esta passagem
nos apresenta como o pecado passou a fazer parte da realidade humana.
Deus criou o homem para glorificá-Lo, desfrutando de um estado de
obediência em santidade; no entanto o tentador se aproxima de Eva,
seduzindo a mulher a não se submeter ao mandamento de Deus. A mulher,
por fim, cede à proposta de Satanás e contribui para que seu esposo, Adão,
também peque; o resultado desta rebelião contra a Lei de Deus é visto em
todo o relato subsequente da Escritura.
O pecado é tanto um ato quanto um estado. Na qualidade de rebelião
contra a Lei de Deus, o pecado é um ato da vontade humana; como
separação entre criatura e Criador, o pecado é um estado. Um crime é uma
transgressão de qualquer mandamento de uma determinada lei; portanto,
nesse sentido, o pecado é um crime contra Deus.
2. O texto começa nos apresentando uma figura pitoresca: a serpente.
Sua descrição é marca por um adjetivo muito interessante: ela é sagaz,
astuta; na verdade, mais sagaz que todos os animais selváticos que o
Senhor Deus tinha feito. Assim, nesta descrição a serpente é qualificada
como um ser esperto e criado por Deus, não se tratando uma espécie de ser
que por sua própria natureza pudesse assumir um confronto em pé de
igualdade com o Senhor. À luz da revelação progressiva das Escrituras,
isto é, à medida que vamos progredindo na leitura bíblica, fica explícita a
ideia de que a serpente é “o grande dragão, a antiga serpente, chamado
diabo ou satanás, que engana o mundo todo” (Ap 12.9).
A sua sagacidade não é uma falha de caráter, mas uma nota que
evidencia a sua enorme capacidade argumentativa. A continuação do texto
nos mostra isto. A serpente começa uma conversa fazendo uma pergunta
em que parece estar interessada no que aconteceria com os seres humanos.
No hebraico, a primeira frase da serpente dá a ideia de suscitar uma
dúvida. Quando Lutero traduz a Bíblia para o alemão, ele coloca a
pergunta da serpente nos seguintes termos: “Sim, mas será que...?”; ele
também coloca uma nota do rodapé da passagem com o seguinte
comentário: “Não consigo reproduzir bem o hebraico, nem em alemão ou
latim, pois a palavra soa como se alguém torcesse o nariz, rindo e
zombando de mim”.

Dito isto, podemos ir ao conteúdo da pergunta, propriamente dita: “É


assim que Deus disse: Não comerei de toda árvore do jardim?” A batalha
começa na linguagem! Vamos usar de certa liberdade para parafrasear o
texto: “Será que o que Deus disse é isto mesmo? Fiquei sabendo por aí que
ele andou proibindo vocês de participarem de todas estas árvores
disponíveis no jardim”. Satanás polidamente manobra Eva para o que
pudesse parecer uma discussão teológica sincera, porém subverte a
obediência e distorce a perspectiva ao enfatizar a proibição de Deus, não
sua provisão, reduzindo a ordem divina a uma questão: Deus está sendo
sincero? “Olha, pense bem: talvez Deus está privando vocês de uma
conquista que vocês realmente merecem participar”.

3. Podemos destacar alguns detalhes importantes nesse relato da


tentação. Em primeiro lugar, a serpente, ao dirigir-se à mulher, perguntou-
lhe de forma mentirosa, adulterando a Palavra de Deus, se eles não
poderiam comer de toda árvore do jardim. Em segundo lugar, Eva, ao
invés de rejeitar a pergunta mentirosa, também mudou a Palavra e
acrescentou algo que Deus não ordenara, dizendo que não deveriam tocar
no fruto. Em terceiro lugar, o diabo contradisse outra vez a Palavra de Deus
afirmando categoricamente que se comessem do fruto proibido não
morreriam. E, em quarto lugar, o diabo lançou a sedução no coração de
Eva ao dizer-lhe que, se comessem, seriam como Deus, conhecedores do
bem e do mal.

Dá para perceber como aconteceu a tentação? Ela foi um processo e se


deu em relação à Palavra de Deus. Mentiras, dúvidas, incertezas em
relação à Bíblia levam a tentação e conduzem ao pecado.
Os resultados deste diálogo sombrio entre Eva e a serpente são descritos
a partir do v. 6. A conversa terminou. As duas pessoas não conversam entre
si, e a serpente também sumiu. Parece até que a mulher está
completamente sozinha. Antes de tomar uma decisão, ela fica olhando
para a árvore, refletindo. O relato inclui essa imagem da mulher sozinha
debaixo da árvore para deixar claro, de uma vez por todas: qualquer que
seja a decisão tomada, ela age de forma autônoma. Não há ninguém
exercendo qualquer tipo de pressão sobre ela e, por isso, ela é totalmente
responsável pelo seu ato. Ao lutar pela decisão correta, aparece toda a
gama de emoções humanas. Os sentidos da visão e do paladar concordam
entre si e despertam o desejo. Os instintos mais básicos dizem-lhe: "Esses
frutos são bons para comer", o sensível estímulo estético aparece na
expressão "agradável aos olhos", e a maior e mais forte atração é revelada
na constatação: "desejável para dar entendimento". Esse relato registra,
para todos os tempos, a cobiça que Deus mais tarde combate com seu
mandamento: o Novo Testamento cita as três etapas da cobiça, a saber, “a
concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida”.

ENSINO/DOUTRINA

O pecado é uma falha na confiança e em Deus e uma declaração da própria


autonomia. Este ensinamento se faz presente no texto que estamos
abordando: foi descrendo no que Deus disse que Eva acabou cedendo ao
pecado, ouvindo uma sugestão diabólica.

A desconfiança ou (nos termos bíblicos) a incredulidade diante das


promessas divinas é um dos principais fatores que nos levam ao pecado.
Quando o escritor de Hebreus fala sobre os israelitas no deserto, há menção
clara a respeito: “Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em
qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus
vivo; pelo contrário, exortai-vos mutuamente cada dia, durante o tempo
que se chama Hoje, a fim de que nenhum de vós seja endurecido pelo
engano do pecado” (Hb 3.12,13). E ainda continua: “Ora, quais os que,
tendo ouvido, se rebelaram? Não foram, de fato, todos os que saíram do
Egito por intermédio de Moisés? E contra quem se indignou por quarenta
anos? Não foi contra os que pecaram, cujos cadáveres caíram no deserto?
E contra quem jurou que não entrariam no seu descanso, senão contra os
que foram desobedientes? Vemos, pois, que não puderam entrar por causa
da incredulidade” (Hb 3.17-19).

É por colocar em xeque nossa crença em Deus que somos levados a pecar.
E toda vez que colocamos a Palavra de Deus sob nossa descrença, estamos
chamando Deus de mentiroso. Os israelitas perderam o descanso por não
receberem as palavras de Deus com fé; Eva cedeu à tentação no Éden por
não ter acreditar na seriedade do mandamento de Deus, por sua falta de
confiança nas promessas de Deus.

1. As promessas de Deus são motivo de alegria, mas também devem


nos conduzir a tratá-Lo com a devida seriedade. Não podemos sair por aí
recortando os nossos textos bíblicos favoritos, pensando que somente o que
nos agrada é aplicável para nossas vidas, estamos vivendo uma religião
distante do que o Evangelho de Jesus ensina. A frase é de Agostinho, mas
seu valor é para nós todos: “Se você crê somente naquilo que gosta no
evangelho e rejeita o que não gosta, não é no evangelho que você crê, mas,
sim, em si mesmo”. As promessas de Deus são verdadeiras.

De Deus mui firmes são as promessas

Falhando tudo, não falharão

Se das estrelas o brilho cessa


Mas as promessas brilharão

Se a febre arde, se extingue a vida

E quer a morte te arrebatar

Nas Suas promessas terás guarida

Bastante pra te abrigar

As promessas de Deus são firmes e podemos nos abrigar nelas. Que


conforto temos, meus irmãos! O Senhor promete nos livrar, não deixar de
nos amar, nos preservar do maligno e nos fazer triunfar até mesmo diante
do inimigo mais implacável, que é a morte: lembre-se do que Jesus disse,
“Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra,
viverá; e todo o que vive e crê em mim não morrerá, eternamente” (Jo
11.25,26).
2. Ter tais esperanças é fruto da bondade de Deus. No entanto,
precisamos atentar para o caráter de Deus revelado nas Escrituras, por
meio das quais somos alertados para também notarmos a severidade de
Deus. Ele promete livrar, proteger, dar vitória; mas também promete lidar
de maneira implacável com o pecado. O pecado é tão sério aos olhos de
Deus que Ele enviou Seu Filho para morrer pagando o preço pelos nossos
pecados; isto significa que Deus não trata este assunto de modo
irresponsável.
Por isso que a proposta da antiga serpente continua sendo a mesma:
duvide das promessas de Deus, passe por cima do que Deus disse e viva a
sua autonomia; seja a sua própria lei, ignorando o que Deus disse. O
pecado em nossas vidas só pode ser chocado neste ninho das falsas
promessas da serpente. Somos alertados pela palavra sobre a malignidade
do pecado, sobre suas consequências desastrosas, sobre sua face tão
repugnante aos olhos de Deus. E se insistimos em pecar é porque estamos
dando ouvidos à falsa segurança que a conversa da serpente está
produzindo em nossas vidas.

Vale repetir: O pecado é uma falha na confiança e em Deus e uma


declaração da própria autonomia.

APLICAÇÃO

Isto se desdobra em nossas vidas de forma muito patente, uma vez que a
tentação faz parte de nossa realidade cotidiana. Todos os dias somos
expostos a situações que podem ser consideradas como convites ao pecado.

1. Nossas tentações são multifacetadas e cada um de nós pode possuir


áreas de sua vida onde estas tentações se mostram mais evidentes. Aquela
preocupação exagerada quanto ao sustento, a luta pessoal contra o
orgulho, a dificuldade com a vergonha inapropriada, nossa impaciência, a
cobiça pelo que não nos pertence, a amargura que insiste em ser
demonstrada por nós em nossas palavras, o abatimento, a lascívia, e a lista
é interminável.
2. Nos próximos sermões teremos oportunidade de lidar com estes
assuntos e com a graça de Deus assim faremos. Desde já notemos que
caímos nestes pecados exatamente por não atentarmos com o devido zelo
às promessas de Deus. Ele promete estar conosco, meus irmãos! Ser nosso
abrigo, nosso consolo, nosso rochedo, nosso salvador; Ele abre portas,
realiza o impossível, cura enfermos, transforma vidas; mas Ele também
disse: “daquela árvore, do meio do jardim, no dia em que você comer dela,
morrerá”. O Deus fiel às Suas promessas promete ser implacável em
direção ao pecado e ao pecador.
Vede, agora, que Eu Sou, Eu somente,
e mais nenhum deus além de mim;
eu mato e eu faço viver;
eu firo e eu saro;
e não há quem possa livrar alguém da minha mão.
Levanto a mão aos céus
e afirmo por minha vida eterna:
se eu afiar a minha espada reluzente,
e a minha mão exercitar o juízo,
tomarei vingança contra os meus adversários

e retribuirei aos que me odeiam. (Dt 32.39-41)

3. Se pecamos por incredulidade, o tratamento preventivo para nossa


vitória nesta batalha tem a ver com a confiança que precisamos nas
promessas de Deus. Uma vida em santidade é fruto da gratidão a Deus,
mas não há nenhum problema em nos consagrarmos a Deus pensando na
recompensa que dEle receberemos por graça. Aliás, a Palavra fala que
mesmo os salvos serão julgados nos Tribunal de Cristo e ao que parece os
salvos serão recompensados pelo Senhor.
Precisamos, enfim, estar com os olhos cheios das promessas de Deus.
Precisamos nos alimentar da esperança de estar com Cristo, da certeza de
que Ele nos sustém e nos guarda do mal; precisamos experimentar a
profundidade e a largura deste amor do Salvador para que não tenhamos
o coração endurecido pela incredulidade.

Conclusão

O inglês Frederick Hadley Page viveu no século passado e foi um dos


pioneiros da aviação. Conta-se que certa vez ele pousou numa área deserta
durante uma viagem. Sem perceber, um rato entrou no avião. Durante a
próxima etapa da viagem ele ouviu o som do animal roendo alguma peça
do avião. Desconfiado que era um rato, ele começou a imaginar os danos
que o animal poderia causar aos mecanismos frágeis que controlam um
avião. Não havia locais para pousar e consertar alguma peça
eventualmente danificada.
O que é que ele poderia fazer? Ele lembrou que ouviu dizer que um rato
não sobrevive acima de certas altitudes. Aí ele puxou os controles do avião.
O avião subiu e subiu até o próprio piloto teve dificuldade para respirar.
Atento aos sons, finalmente respirou aliviado quando o som do roedor
havia cessado. Quanto ele chegou ao destino ele achou o rato morto atrás
da cabine do piloto.
O pecado é perigoso, pode fazer um desastre em nossas vidas, causar
uma grande tragédia, algo irremediável. E frequentemente nós somos
atormentados pelo pecado que rói nossas vidas sorrateiramente. O caso
não é porque o pecado está nos roendo, nos prejudicando, mas em como
vamos lidar com ele. Para derrotar o pecado, precisamos levar a situação a
uma nova perspectiva, uma nova altitude; precisamos colocar esta tentação
sob o ponto de vista do que Deus disse. E Ele disse que roubar é errado,
que sonegar é errado, que esta forma de lidar com o sexo oposto é errada;
Ele diz que precisamos honrar nossos cônjuges, não provocar nossos filhos
à ira, não desonrar nossos pais.
Precisamos subir mais alto, meus irmãos. E isto não tem a ver com ir
para o alto de uma montanha ou participar de um evento carregado
emocionalmente para que uma mudança drástica aconteça. Precisamos
apenas das promessas de Deus, nosso alto refúgio. Nesta altitude, o que
está roendo nossas vidas não vai conseguir sobreviver. Nesta altitude,
venceremos o pecado por nossa fé em Jesus Cristo.

Soli Deo Gloria

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