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CENTRO UNIVERSITÁRIO CARIOCA

TATIANA FULY AVENAS

PROJETO DE PESQUISA

PEDAGOGIA DECOLONIAL: PRÁTICAS DE LIBERTAÇÃO E A CONSTRUÇÃO


DE UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

RIO DE JANEIRO
2020
TATIANA FULY AVENAS

PEDAGOGIA DECOLONIAL: PRÁTICAS DE LIBERTAÇÃO E A CONSTRUÇÃO


DE UMA EDUCAÇÃO DEMOCRÁTICA

Projeto de Pesquisa apresentado à


Professora Sandra Sierra do Centro
Universitário Carioca, como requisito
parcial para a aprovação na disciplina
Projeto de ação Pedagógica.

RIO DE JANEIRO
2020
SUMÁRIO

1- TEMA.............................................................................................................................. 3
2- PROBLEMA .................................................................................................................... 3
3- HIPÓTESE ...................................................................................................................... 3
4- OBJETIVO GERAL ........................................................................................................ 3
5- OBJETIVOS ESPECÍFICOS.......................................................................................... 3
6- JUSTIFICATIVA ............................................................................................................ 3
7- REFERENCIAL TEÓRICO ........................................................................................... 4
8- METODOLOGIA .......................................................................................................... 20
9- CRONOGRAMA DA PESQUISA ................................................................................ 21
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 22
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1- TEMA
Pedagogia decolonial: práticas de libertação e a construção de uma educação democrática.

2- PROBLEMA
Como repensar a educação de forma crítica, assumindo a necessidade da decolonização
educacional como princípio ético da prática docente.

3- HIPÓTESE
Propõe-se reconhecer como ultrapassado o atual sistema de educação e suas formas de
legitimação de conhecimento, a partir de teorias e práticas pedagógicas que visem a libertação
de sujeitos e a efetivação de novos saberes.

4- OBJETIVO GERAL
 Analisar de forma crítica a atual conjuntura do modelo educacional ainda colonizador,
de um sistema que se dá de cima para baixo, em uma estrutura vertical de poder e
como os professores executam esse modelo, ressaltando e propondo estratégias a partir
de uma perspectiva decolonial.

5- OBJETIVOS ESPECÍFICOS
 Compreender a importância da pedagogia decolonial, reconhecendo a legitimidade da
interculturalidade e epistemes advindas de todo e qualquer grupo social;

 Desenvolver o pensamento crítico para além de uma educação euro-centralizadora,


apresentando o cruzo de saberes como alternativa na reinvenção do ser;

 Apresentar estratégias que visibilizem a diversidade cultural dentro das escolas,


valorizando a vivência extracurricular e sua potencialidade.

6- JUSTIFICATIVA
Quinhentos e vinte anos de colonização do Brasil. Colonização esta que teve como
principais atributos civilizar, exterminar, explorar, segregar, impor e dominar. E que
caracteriza a relação de processos históricos de desumanização. Que traz consigo a
estaticidade da educação, cultura, linguagem, crença e epistemologias, tidas como únicas, de
uma civilização à outra.
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O país nasce, cresce e se constitui, enquanto povo, do que o invasor queria para ele e
esquece de si próprio e do outro enquanto sujeito. Experimenta no decorrer do tempo (e ainda
hoje) a própria invisibilização, ficando com o lugar subalterno, o lugar “outro”.
A presente pesquisa nasce dos ensaios do pensar. Da necessidade de existir e não
apenas coexistir. Das reflexivas e inquietantes aulas da disciplina de Didática das Ciências
Sociais que ao desestabilizar, fez nascer a consciência reflexiva referente àquilo que foi
imposto até os dias atuais e ressaltar a importância de se reivindicar uma educação que refaça
sua prática, decolonize seu chão e reescreva sua história. Preocupação que emerge de
estudiosos, coletivos e movimentos sociais. De baixo para cima. Dos campos, dos quilombos,
das aldeias, dos terreiros, das periferias. E indaga: até quando a educação se dará por meio de
ultrapassadas práticas pedagógicas?
O termo decolonial advém de um pensamento crítico tendo como ponto de partida os
subalternizados e reflete sobre a construção de um projeto educacional voltado para o
repensar criticamente o modelo de educação que se segue sem pensamento analítico e/ou
questionamentos profundos. Compreende as múltiplas formas de construção de conhecimento
como epistemes legítimas e diversas, contrapondo-se às tendências educacionais dominantes,
euro centralizadoras e que afirmam seus saberes, teorias e epistemologias como verdades
universais imutáveis, incapazes de dialogar e reconhecer outros tipos de culturas e produções,
senão as suas próprias.
A relevância acadêmica e social desta pesquisa se relaciona com o papel social da
escola e sua formação para a cidadania. Sendo assim, faz-se necessário o refletir e a criação
de práticas docentes emancipadoras, que libertem e visibilizem sujeitos. Portanto, esta
pesquisa torna-se essencial pelo fato de abordar e propor estratégias que conduzam, a partir da
perspectiva decolonial, para a construção de uma educação verdadeiramente democrática.

7- REFERENCIAL TEÓRICO

7.1 – Educação colonizadora e o conclame por uma pedagogia decolonial.


Faz-se necessário compreender a constituição histórica e social do Brasil, de como se
deu a efetivação do que compreende-se por educação e de como as histórias foram
perpetuadas ao longo dos tempos até a atualidade mantendo o mesmo padrão colonizador, que
não admite a pluralidade de sua própria gente.
É fundamental que se reconheça os processos segregadores e excludentes que
formataram os sistemas político e educacional e suas formas de legitimação de conhecimentos
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e epistemologias, de forma a resgatarmos, desocultarmos e legitimarmos outras formas de


educações porque reais, porque diversas, porque legítimas.
Compreendendo a urgência da humanização dos povos subalternizados e seus
respectivos grupos sociais, compenetrando o histórico cultural, social e político da América
Latina e do mundo, há de se analisar o desenvolvimento de uma pedagogia decolonial na
educação brasileira que levante uma proposta que exija a superação dos padrões
epistemológicos dominantes, do padrão branco de identidade e que supere a necessidade de
referências eurocêntricas para o reconhecimento de culturas, saberes e educações. Um padrão
que subjuga o sistema educacional a práticas conservadoras e euro-centralizadoras e impede a
visibilidade de outras lógicas históricas, culturais, sociais e pedagógicas, como a afirmação de
novas epistemes.
Oliveira e Candau (2010) abordam a problemática existente nas relações entre
educação e todas as faces de cultura existentes e que não são respeitadas na prática
pedagógica. Dentro dessa preocupação, localizam a produção do grupo
“Modernidade/Colonialidade”, formado por diferentes intelectuais latino-americanos, visando
construir um projeto epistemológico, ético e também político de forma crítica.
Tal projeto que aqui se anuncia presume uma abordagem que vá de encontro à
modernidade ocidental e seus postulados históricos, sociológicos e filosóficos, de modo a
buscar pela construção de processos educativos culturalmente referenciados, refletindo sobre
interculturalidade e em como a educação é forjada a partir de relações étnico-raciais na
América latina e, especificamente, no Brasil.
Da mesma forma, a partir destas observações preliminares, trazem ao debate os
estudos sobre as relações étnico-raciais e em como esses estudos se projetam no meio
acadêmico e movimentos sociais, interferindo diretamente nas políticas públicas e ações
governamentais.
Aprofundam o debate sobre educação intercultural, situando como se dá os processos
educacionais da educação e elucidam de que forma os países invadidos pela lógica
colonizadora europeia tiveram suas epistemologias emudecidas, na medida em que o
pensamento colonizador alcança a subjetividade dos povos, sobrevivendo e imperando entre
eles.
Os autores denunciam a forma com que políticas públicas educacionais utilizam os
termos interculturalidade e multiculturalismo de forma superficial e limitadora, mantendo um
padrão único, hegemônico, ainda que suas sociedades sejam plurais e com vasto repertório
cultural.
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Dessa forma, o colonizador destrói a forma de pensar do outro, o invisibiliza, o


subalterniza. Reprime os modos de produção de toda e qualquer forma de conhecimento,
saberes e culturas, impondo sobre sociedades as suas próprias epistemologias, culturas,
educações e formas de pensar e agir sobre o mundo.
O mesmo sucede com a imposição de uma classificação racial étnica da população,
que promoveu o afastamento de grupos humanos não-europeus, que ao serem taxados como
diferentes, também foram taxados como inferiores. Fica, pois, claro um verdadeiro racismo
epistêmico que culmina na inferiorização de todo produto advindo destes grupos.
Denuncia-se aqui toda a ideia de progresso que tem como premissa a hegemonia
epistemológica dominante, em que a Europa aparece como superior, não admitindo nenhuma
outra epistemologia como espaço de produção ou construção de pensamento científico, crítico
ou cultural.
Tal fator, junto ao que era considerado inteligência e civilização, marcado pelo critério
histórico de povos com ou “sem história”, foi determinante para justificar as invasões, a
colonização, e a barbárie europeias com relação a outros povos. Estando no centro, no topo do
restante da população mundial, fez valer seu poder em cima dos demais povos,
subalternizando e estabelecendo relações de soberania e poder.
É imperativo afirmar que impondo formas de ser e estar no mundo, utilizando-se da
supremacia de um povo sobre o outro, através da introdução de sua cultura, economia e
religiosidade em detrimento da cultura do outro, se estabelece uma hegemonia epistêmica, e
até linguística, desprezando as línguas nativas, imaginários e as próprias cosmovisões nativas,
a colonialidade inferioriza e nadifica o outro porque diferente. Não basta instaurar, dentro de
sua lógica de barbárie, a colonialidade do poder, o pensamento absoluto visa a colonialidade
do ser.
Oliveira e Candau (2010) elucidam que operando na negação sistemática do outro e de
tudo que este representa, o colonialismo faz com que o outro enxergue a si mesmo como
nada, como menor, como inferior. Coisifica e nadifica o outro, até transformá-lo em um mal
absoluto, deformador, irrecuperável.
O projeto decolonial apresentado pelo grupo “Modernidade/Colonialidade” e
analisado pelos autores, busca a emancipação epistêmica com a responsabilidade de introduzir
epistemes invisibilizadas. Um projeto epistemológico novo, diferente dos padrões que
permeiam o sistema educacional. Trata-se de uma construção alternativa que vá de encontro
às propostas eurocêntricas e seu projeto de civilização, que suprimem epistemes outras.
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Os autores defendem que uma prática decolonial implica em barrar o pensamento


colonizador, que destrói o imaginário do outro, e ao invisibilizar e subalternizar os que julgam
menores porque inferiores, reafirma o seu próprio imaginário colonialista. É dessa forma que
a colonialidade vestida de poder reprime todo conhecimento, cultura, epistemes vindas de um
lugar outro e impõe as suas, operando através da sedução, da negação, do esquecimento, do
fetichismo cultural criado em torno de sua própria cultura.
No tocante a isto, há de se quebrar as correntes que ainda escravizam mentes para que
possamos superar a atual estrutura social, política e epistêmicas de colonialidade. Visão que
compreende uma pedagogia dialógica e múltipla. Que nos chama a atenção para a necessidade
da legitimação de novas epistemologias.

Almejar desenvolver uma reflexão sobre o ensino de história e suas bases


epistemológicas a partir da perspectiva “outra” (...) requer operar uma mudança de
paradigma como precondição para o reexame da interpretação da história brasileira.
Essa mudança de paradigma implica também a construção de uma base
epistemológica “outra” para se pensar os currículos propostos pela nova legislação,
ou seja, novos espaços epistemológicos, interculturais, críticos e uma pedagogia
decolonial. (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p. 39)

Dentro desta perspectiva, Arroyo (2014) defende a necessidade de desocultar a


verdadeira história da colonização e suas heranças negativas, bem como a história e luta de
seus protagonistas. Desmascarando uma história perversa, criadora de inexistências, que
tornando-se oficiais, tornaram-se, também, segregadoras, transformando grupos sociais em
sub-humanos, subcidadãos.
Arroyo (2014) afirma que repolitizamos o imaginário do outro na medida em que
nutrimos uma estrutura social que os difere e segrega social, política, econômica, cultural e
pedagogicamente desde a colônia até os dias atuais. É necessário refletirmos sobre a
reconstrução histórica de uma classificação racista que nos segrega e culmina em uma
pedagogia padronizada e de dominação. Pedagogia que não dialoga com as diferenças e
reproduz a mesma experiência colonial.
A pedagogia que se desenvolve hoje, se constrói atrelada a um mesmo padrão de
sistema e o reforça na medida em que é concebida em função da relação de poder e do lugar
de cada pessoa e seu coletivo nas relações de classificação e dominação social. Observa-se
que toda e qualquer tentativa de superação desses padrões colonizadores, avançando para
políticas de equidade no âmbito educacional, encontra resistências nesses padrões, onde
concepções pedagógicas ultrapassadas continuam sendo renovadas dentro de um sistema que
se declara democrático.
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A esse respeito, o autor alerta que ao mesmo tempo em que avançamos no


reconhecimento da centralidade da diversidade em nossa história, ainda persistem diferentes
formas de segregação ao pensar e tratar essas diversidades. Permanecemos estagnados na
medida em que acompanhamos o persistir destas configurações na sociedade, vendo estes
sujeitos tendo seus corpos, culturas e epistemes invadidas por hierarquias predefinidas em
nossa história, não sendo reconhecidos como sujeitos de políticas do próprio conhecimento.
Analogamente, Rufino (2019) reflete os efeitos do colonialismo como uma espécie de
maldição, onde a produção de violências causou perda de potência e desencante e vem
operando de forma assassina.
Ao longo dos tempos, lembra o autor, o colonialismo e o pensamento colonizador
expande suas formas de gerenciamento de vidas, propagando uma agenda política não-
dialógica e repressora. Esse processo forja mentalidades, linguagens, culturas e atua na
relação entre ser, saber e poder. “A educação conforme proposta pelo modelo dominante
perpassa pela anulação da diversidade da vida”. (RUFINO, 2019, p. 76).
Sendo assim, o autor sustenta um projeto educacional que se oponha à colonialidade.
Colonialidade esta que ao atravessar tempo, espaço e existências, se revela aos sujeitos e
grupos sociais de diferentes formas, provocando traumas, estabelecendo violências nos mais
variados campos da vida e promovendo, acima de tudo, a desesperança do ser.
Salienta que a colonização não só provocou, como ainda provoca o destroçamento dos
seres subalternizados, como a bestialização do próprio opressor, ratificando que sobre a
colonialização não há seres civilizados, mas barbarizados por injustiças sociais e cognitivas.
Ressalta que o processo de descolonização deve ser um ato revolucionário e de
compromisso com a vida, como prática de transformação social.
O projeto de educação proposto pelo autor, vislumbra uma outra gramática, uma outra
linguagem que fora suprimida por um modelo de educação colonizador que sagrou-se único
para os demais, interditando a diversidade e emudecendo as múltiplas formas de sentir e
pensar o mundo.
Fala-se de uma pedagogia que vê nas religiões de matrizes africanas, em Exu e na
encruzilhada caminho e campo de atuação. Que tem profunda responsabilidade com a vida e
carrega consigo a missão de encantar, tamanho o desencante que a política colonizadora de
repressão ao ser já causa. Projeto que é contrário aos desvios ontológicos e epistemicídios
praticados e a todas as formas de dominação, manipulação e controle do ser, estabelecendo-se
para além da lógica assassina do colonialismo, que tem como princípio castrar e gerenciar
vidas.
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O autor reage à lógica monocultural e educacional para acentuar que para além das
expectativas de um sistema repressor e assassino, essa dinâmica que se estabelece como única
possibilidade para os demais, não se sagrou vencedora. O jogo ainda está em campo
aguardando que sejam construídas novas possibilidades a partir de novas perspectivas
movidas por prática social, luta e reencantamento.
A educação que emerge do chão da escola é comprometida com as caravelas que
trouxeram os invasores, com as catequeses que cercearam direitos, com o aprisionamento das
culturas que aqui encontraram e o silenciamento de todos os povos diferentes do que
consideravam “normais”, cultos, dotados de inteligência e racionalidade.
Tal sistema educacional, ainda movido por esta lógica de dominação e monoracial,
molda sujeitos que estejam preparados para a convivência capitalista e de subjugação, onde o
mesmo compreenda sua posição dentro do jogo relacional de ser, saber e poder. Dentro desta
perspectiva, a educação atual serve a um sistema e não aos sujeitos a quem se destina.
Compreender a importância de uma pedagogia decolonial permeando as práticas
educativas e ações docentes é não só reconhecer o modelo colonizador que ainda serve como
base fundamental de um sistema contraditório e excludente, mas trabalhar para superá-lo.
Reconhecendo a legitimidade da interculturalidade que constitui a raiz de nossa sociedade e
valorizando as epistemes advindas de todo e qualquer grupo social.

7.2 – O cruzo de saberes e a reesperança do ser.


O encontro de saberes, a troca dessas epistemes, as múltiplas construções, a diversas
possibilidades de práticas educacionais devem resgatar a esperança perdida.
Propõe-se um projeto de educação que esteja disposto a dialogar. A considerar toda a
problemática que compreende a multiplicidade do ser e os diferentes tempos e espaços de
formação. Que compreenda a urgência de validar os saberes advindos de todos os grupos
sociais e os cruze. Apenas o encontro, o cruzo e a renovação dos saberes esperançará o ser.
Oliveira e Candau (2010) defendem que o conceito de interculturalidade, que
compreende um processo dinâmico e dialógico entre as culturas por meio da comunicação,
aprendizagens, respeito e princípio de equidade, é fundamental na reconstrução do
pensamento-outro, como processo e como projeto político.
Dentro dessa perspectiva deve ser compreendida como processo em que o fim não é o
ideal de sociedade, mas a transformação da colonialidade e padrões de poder e, também,
como projeto político e pedagógico, uma vez que compreende em sua profundidade um
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processo dinâmico, legítimo, de muitos sujeitos, autores e produtores de conhecimento,


formas de comunicação e múltiplas aprendizagens.
Ainda sobre este aspecto:
A perspectiva da diferença colonial requer um olhar sobre enfoques epistemológicos
e sobre as subjetividades subalternizadas e excluídas. Supõe interesse por produções
de conhecimento distintas da modernidade ocidental. Diferentemente da pós-
modernidade, que continua pensando tendo como referência o ocidente moderno, a
construção de um pensamento crítico “outro”, parte das experiências e histórias
marcadas pela colonialidade. (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p.24)

Neste contexto, os autores ressaltam a questão do pensamento de fronteira, que tem


por finalidade tornar visíveis outras lógicas e formas de pensar, diferente do padrão
dominante, mantendo o questionamento e a criticidade sobre essas histórias, mas introduzindo
outras epistemes e modos de pensar.
Tal processo possibilita a construção de múltiplas estratégias entre os coletivos
subalternos, uma vez que esse pensamento crítico propõe que se crie e possibilite novas
comunidades interpretativas que ajudem a enxergar o mundo através de um olhar “outro”, por
meio de uma nova perspectiva que não a colonizadora. Esse enfoque se constitui como
alternativa ao racismo epistêmico e à própria colonialidade do poder, do saber e do ser.
O encontro de saberes por meio da interculturalidade tem um significado ligado a um
projeto social, cultural, educacional, político, ético e epistêmico que visa decolonizar e
transformar de forma legítima, simétrica e mútua, espaços políticos e educacionais, propondo
um giro epistêmico capaz de produzir novas compreensões simbólicas e novos conhecimentos
epistemológicos a respeito do mundo.
Interculturalidade está para além de incorporar nos currículos escolares temas,
formulações teóricas ou metodologias pedagógicas a partir de lógicas eurocêntricas de
educação, onde sob o pretexto de incorporar representações e culturas marginalizadas, acabam
por reforçar estereótipos e colaboram para a manutenção da hegemonia.
Percebe-se, então, que interculturalidade crítica compreende um projeto que deve ser
construído por e para pessoas invisibilizadas e subalternizadas durante o processo de
colonização e sobrevive após esta experiência histórica de submissão. Perspectiva esta que é
pensada a partir da ideia de uma prática que se contraponha à política hegemônica,
monocultural, e monorracional do conhecimento.
Corroborando com este pensamento, Arroyo (2014) afirma que manter as
representações excludentes e segregadoras continua sendo uma condição que justifica a
continuação das desigualdades sociais, étnicas e raciais. E que as teorias pedagógicas, ao
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tentar modificar essas práticas, o fazem com insucesso, uma vez que tais processos
exclusivistas tornaram-se estruturantes do sistema educacional.
Reproduz-se até a atualidade, como herança colonizadora, as relações de poder e saber
impostos, tendo que urgentemente superarmos esse padrão na busca da valorização das
resistências e legitimação de novos saberes.
O autor salienta que um significado é revelado através dos movimentos sociais desses
sujeitos que foram emudecidos, silenciados por tanto tempo: contestar as formas de
legitimação de conhecimentos que negam sua relevância para o currículo oficial e práticas
pedagógicas de fato libertadoras. Contestamento que se dá em forma de resistência e luta,
denunciando a urgência de termos um currículo dialógico, diverso e abrangente.
Fundamenta que se faz necessário pensar de que forma equipamos grupos sociais,
docentes e educadores para resistir a essa força de imaginários sociais, que ao se perpetuarem
em nossa cultura política e pedagógica, propagam o mito da democracia racial, contribuindo
para a manutenção das relações de dominação e centralidade de etnias e culturas,
colaborando, dentro da esfera educacional, para as constantes falhas nas teorias, práticas e
políticas pedagógicas. E ratifica: “Converter a diversidade racial em padrão de
superioridade/inferioridade humana, intelectual, cultural, moral tem sido em nossa história um
dos mecanismos pedagógicos mais perversos e persistentes”. (ARROYO, 2014, p. 152).
No tocante a isto, o autor reflete a respeito das vítimas desse sistema, que desde a
infância carregam saberes, conhecimentos e culturas que não dialogam com suas próprias
histórias de vida, não interagem com quem são. E ratifica a urgência de um projeto que
aproxime esses corpos do seu chão, do seu território, das suas raízes culturais e sociais.
Arroyo (2014) salienta ainda a questão da afirmação das identidades, onde submete-se
sujeitos, desde a colonização, a um padrão de poder, dominação e subordinação e que legitima
um sistema de classificação racista, etnicista e sexista dos coletivos. Propõe-se, portanto,
refletir sobre os processos antipedagógicos para destacar pedagogias de libertação de que já
são sujeitos.
O autor levanta o questionamento a respeito do lugar histórico das pedagogias
produzidas e praticadas e da necessidade de questionarmos as relações destas práticas
pedagógicas para com os sujeitos envolvidos nestas narrativas, pois a história não pode
continuar sendo contada como se houvesse se iniciado a partir da educação jesuítica, como se
esta fora o primeiro contato do povo com a educação. Como se antes desta educação formal,
nenhuma outra forma de conhecimento tivera sido produzido porque não fora legitimado
oficialmente.
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Face a isto, Rufino (2019) sustenta que a educação deva estabelecer um modelo
educacional que proporcione o cruzo de saberes e a construção de novas epistemes,
valorizando tudo que existe e a potencialidade do ser.
A pedagogia das encruzas propõe uma prática pedagógica que se dê pelo efeito do
cruzo que, por sua vez, provoca deslocamentos e possibilidades, respondendo a todo que
chega ser impossível enxergar, sentir, pensar e fazer o mundo através de um único ponto de
vista, por uma única perspectiva, de forma monocultural, monorracial.
Em suma, o que se propõe é uma educação que precisa urgentemente se deseducar do
princípio pré-estabelecido de que existe um padrão absoluto que deve ser seguido por todos os
subalternizados pela lógica colonizadora. E considera urgente transgredir as formas de
escolarização praticadas no Brasil, que permanece seguindo lógicas que difundem o
pensamento exclusivista e excludente.
A pedagogia como a reivindico compreende-se como um complexo de experiências,
práticas, invenções e movimentos que enredam presenças e conhecimentos múltiplos
e se debruça sobre a problemática humana e suas formas de interação com o meio. É
nessa perspectiva que a educação, fenômeno humano implicado entre vida, arte e
conhecimento, torna-se uma problemática pedagógica. (RUFINO, 2019, p. 74).

O autor denomina arte do cruzo como as transgressões, reinvenções e


transformações necessárias à vida. Dentro de uma perspectiva de encruzilhada, onde se dá o
cruzo, o encontro, o cruzo atravessa todo conhecimento que se considera absoluto e o refaz.
No entendimento do autor, transgredir os parâmetros coloniais é lutar por outras
formas de educações, uma luta pela vida, pelo direito de existir. Consiste em legitimar
espaços, tempos, corpos, experiências, linguagens e gramáticas.
De modos diversos, compreendendo múltiplas formas de produções de culturas e
conhecimentos, os saberes se cruzam ressaltando o inacabamento do ser e as vastas
experiências humanas. Trata-se de operar ações que cruzem diferentes esferas de saber, como
um ciclo que gerará conhecimentos cruzados de outros saberes, operando no campo da
equidade, para produzir outras rotas possíveis.
A esse respeito, Freire (1996) considera responsabilidade do educador combater um
sistema que ao longo dos tempos invisibilizou e doutrinou, impondo culturas e conhecimentos
de povos dominantes às identidades plurais. Sob este ponto de vista, a prática docente deve
estimular a capacidade crítica dos sujeitos, aguçar suas curiosidades e insubmissão.
Proporcionando uma educação que exalte a produção de saberes através da experiência que
instiga e inquieta.
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Educação crítica é aquela que leva o aluno a questionar e intervir no que está sendo
passado a ele. Vendo-se sujeito de seu próprio conhecimento, o aluno é levado a superar a
curiosidade ingênua que está associada ao saber de senso comum, uma vez que o aluno passa
a tomar posse de novos saberes.
Professores e alunos, agindo colaborativamente, na medida em que questionam
suas próprias práticas, se transformam em sujeitos reais de construção e reconstrução do
saber. Sendo assim, o ato de ensinar deve alimentar a busca incessante, os questionamentos
fundamentais a uma prática pedagógica que esteja disposta com uma comunicação ampla com
novos saberes e com isso proponham novas intervenções direcionadas não a destruição de
culturas e saberes, mas que estejam dispostas a promover uma educação para a liberdade.
Além disso, faz-se necessário estabelecer a proximidade entre currículo formal e
toda a gama de experiências sociais vivenciadas pelos sujeitos, dando voz a eles,
compreendendo que todo processo educacional deve ter como ponto de partida o próprio
aluno e sua realidade sociocultural. Agindo assim, a escola respeita e valoriza os saberes
adquiridos fora do espaço escolar, legitimando os saberes socialmente construídos e
colaborando na construção de seres sociais críticos.
À medida que se transforma a educação e as mais variadas formas de experiências
ocorridas com os sujeitos em seus múltiplos espaços de formação, enquanto seres histórico-
sociais, em conteudismo, minimiza-se o próprio caráter formador da educação e desrespeita-
se a natureza dos sujeitos que são por si só capazes de avaliar, discernir, intervir no mundo
que o cerca. Dessa forma, perpetuamos uma educação incoerente e opressora.
Freire (1996) nos coloca diante da necessidade de pensar de maneira correta. Da
aceitação do novo que não pode ser acolhido apenas por ser novo, assim como o critério de se
repudiar algo deve estar para além do julgamento desse ser considerado velho
cronologicamente e por isso não valer mais.
Nos chama atenção igualmente para repudiar toda e qualquer forma de
discriminação na validação do novo e do velho para a ação pedagógica. Ressalta que o agir de
forma preconceituosa além de ofender os sujeitos e suas histórias, os subalterniza e os
emudece. ‘Faz parte igualmente do pensar certo a rejeição mais decidida a qualquer forma de
discriminação. A prática preconceituosa de raça, classe e gênero ofende a substantividade do
ser humano e nega radicalmente a democracia”. (FREIRE, 1996, p. 36).
Desse modo, é responsabilidade do professor ensinar a pensar certo. Estabelecer a
dialogicidade e o entendimento colaborativo que fará com que esta intercomunicação
dialógica resulte em compreensão e não apenas aceitação do que está sendo comunicado.
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Da mesma forma, cabe ao professor reconhecer e assumir sua identidade cultural. Uma
vez que os sujeitos educacionais assumem-se enquanto sujeitos históricos e sociais,
produtores de conhecimento ao longo da história, se assumem, também, como objetos
moldados pelo sistema que os construiu.
Ao realizar esta assunção de identidade e papéis dentro da constituição da sociedade,
compreende-se a importância e a urgência do respeito pela “outredade” do “não eu”, pela
identidade cultural dos indivíduos, sujeitos dos processos de aprendizagens. Ressaltando o
papel da solidariedade social e política para a efetivação de uma sociedade de fato
democrática, onde cada um possa ser mais de si mesmo.
A educação euro-centralizadora parte de uma premissa de obediência e subordinação,
onde seres não são pensantes, mas depositório de informações sem qualquer bagagem
epistêmica capaz de dialogar com o sistema, tampouco subvertê-lo.
Desenvolver o pensamento crítico para além de uma educação euro-centralizadora,
significa possibilitar uma educação que já está presente no dia a dia dos sujeitos que
protagonizam essa educação. Está em legitimar os encontros de frestas, os múltiplos espaços
educacionais que até hoje foram negligenciados e inferiorizados por estarem fora dos muros
escolares.
A pedagogia pautada na decolonialidade é movida pela crença nas possibilidades e
potencialidades dos corpos renegados. Acredita no encontro, onde o cruzo de saberes de
diversos sujeitos dar-se-á como alternativa para reinvenção e esperançamento do ser.

7.3 – Legitimando estratégias e possibilidades na busca pela libertação dos sujeitos.


Propõe-se a construção de um pensamento crítico “outro” que tenha como referencial,
princípio, ponto de partida, as experiências e histórias dos sujeitos que protagonizaram os
desmandos da colonialidade. Que se faça a conexão, o cruzo de todas as formas de
pensamento crítico e questionador, dentro de uma perspectiva decolonial de educação.
Dentro dessa perspectiva, Freire (1996) afirma que a prática docente deve estar
compactuada com o diálogo e uma ação pedagógica que considere epistemes e saberes
múltiplos nas abordagens educativas. Ressalta que a importância do questionamento e
criticidade educacional, conscientiza com relação à colaboração dos múltiplos sujeitos e suas
produções de conhecimento, fazendo com que compreendamos a máxima de que “ensinar não
é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua
construção”. (FREIRE, 1996, p. 22).
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Acreditando no estado de rebeldia, provocado pela curiosidade epistemológica


aguçada, propõe-se uma educação de fato democrática, que vê na reflexão crítica que a tudo
questiona e a nada se submete, caminho para transcender a lógica colonial de
condicionamento e submissão.
Conhecimentos são múltiplos e inacabados, assim como os sujeitos. Deste modo, a
leitura do mundo deve estar comprometida com possibilitar que as contextualizações que se
cria dentro do aparato educacional deem conta da pluralidade do ser, permitindo que outro
seja sujeito de si, transcendendo o que é dito, conceituado, exposto, para que o ato de ensinar
e aprender não seja estático, mas libertador.
É imperativo abordar a importância dos gestos do professor e de como essas ações
marcam de forma significativa a vida de um aluno, contribuindo para sua autoconfiança,
autoestima e capacidade intelectual, na medida em que o professor abre possibilidade para
que o aluno apresente seu mundo de cultura, com o qual ele se identifica.
Este saber, o da importância desses gestos que se multiplicam diariamente nas
tramas do espaço escolar, é algo sobre que teríamos de refletir seriamente. É uma
pena que o caráter socializante da escola, o que há de informal na experiência que se
vive nela, de formação ou deformação, seja negligenciado. Fala-se quase
exclusivamente do ensino de conteúdos, ensino lamentavelmente quase sempre
entendido como transferência do saber. (FREIRE, 1996, p. 44).

Uma vez que, historicamente, pessoas aprendiam em seus grupos sociais, através das
experiências, em seu dia a dia, e assim perceberam a necessidade e a possibilidade de se obter
novas maneiras de aprender e ensinar, acreditar em uma educação que se dá de modo
unilateral seria um erro.
Educar não é adestrar pessoas, mas ensinar a aprender a pensar, apostar na
solidariedade como princípio norteador da ação docente e estar atento às práticas de
desumanização, que não acreditam na mudança e na transformação.
Valorizar as experiências informais advindas das ruas, dos trabalhos, dos pátios, do
cruzamento de vários gestos de todos aqueles envolvidos, direta ou indiretamente, no
processo ensino-aprendizagem, é compreender que educações emergem de todos esses
ambientes e relações.
Sendo assim, educar é reconhecer e incorporar ao currículo formal, aos conteúdos
didáticos pedagógicos, todo questionamento, informação e conhecimento que os alunos
trazem para o espaço físico da escola. Ao levar em consideração a vida pregressa do aluno e
suas experiências diárias, luta-se contra o silenciamento dos sujeitos e a tentativa de
minimizar seus saberes.
16

Proporcionar experiências pedagógicas repletas de desafios e curiosidade, é acreditar


em uma pedagogia solidária e colaborativa, regida pela amorosidade e esperança, capaz de
superar o falso ensinar e o falso aprender de maneira crítica e questionadora.
Citando Oliveira e Candau (2010), analisando de que forma podemos refletir a partir
das ruínas deixadas pela colonialidade, os autores trazem como possibilidades pedagógicas as
brechas e margens deixadas pela coloniallidade e pelas quais podemos agir, mirando
estratégias educacionais dialógicas.
Esse enfoque crítico que se constitui como um projeto contrário ao racismo epistêmico
e à colonialidade de diversas existências, exprime a intencionalidade de pluralizar espaços e
epistemologias, pois apenas assim dar-se-á dignidade a seres humanos excluídos de todos os
processos de produções de culturas, identidades e existências.
Portanto, decolonialidade é visibilizar as lutas contra a colonialidade a partir das
pessoas, das suas práticas sociais, epistêmicas e políticas. A decolonialidade
representa uma estratégia que vai além da transformação da descolonização, ou seja,
supõe também construção e criação. Sua meta é a reconstrução radical do ser, do
poder e do saber. (OLIVEIRA E CANDAU, 2010, p. 25).

Os autores entendem que toda a problemática em torno da educação deve visar a


superação do padrão eurocêntrico centralizador e de dominação. Há de se democratizar o
sistema educacional pautados na dialogicidade pedagógica, no respeito pelas diferenças, no
princípio de equidade e justiça.
Em concordância com este pensamento e a partir do reconhecimento da pluralidade da
sociedade brasileira, os autores relatam a respeito dos avanços de garantias em lei do ensino e
reformas educacionais, que se deram por meio das lutas de movimentos sociais e do
movimento negro.
Tais reinvindicações deram origem à Lei n. 10.639 de 9 de janeiro de 2003, que
alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação que inclui no currículo oficial da Rede de
Ensino a obrigatoriedade da presença da temática "História e Cultura Afro-Brasileira e
Africana" e afirma:
Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura Afro-Brasileira.
§ 1o O conteúdo programático a que se refere o caput deste artigo incluirá o estudo
da História da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra
brasileira e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do
povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil.
§ 2o Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados
no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e
de Literatura e História Brasileiras. (BRASIL, 2003, apud OLIVEIRA E
CANDAU, 2010, p. 31).
17

Contudo, mesmo com esses avanços, a realidade mostra uma política de resistência
que insiste em suprimir sujeitos, suas histórias e produções culturais, abrindo caminho para a
necessidade do debate em torno da superação desse modelo por meio de uma educação que
tenha como base uma pedagogia decolonial.
Para Rufino (2019), a visibilização dos sujeitos excluídos dos processos sociais e
cognitivos compreende a reescrita da educação a partir de uma perspectiva africana de
religião e os signos que a compõe como uma espécie de resposta a todo aparato colonial e
religioso imposto até os dias de hoje.
Na concepção do autor, das existências suprimidas através dos tempos e sua lógica
dominadora, nascem corpos que praticam esquiva e golpe. Corpos negativados, porém
potentes, que reagem aos ataques políticos, sociais, pedagógicos e de repressão ao seu direito
de existir. Que utilizam da ginga, do drible, para superar os conceitos e preconceitos
colonialistas que até aqui forjaram suas identidades.
Dentro da perspectiva de encruzilhada, ir de encontro ao saber absoluto está em ser
flexível e em dinamizar as possibilidades do ser. Enxergar por entre brechas oportunidade de
transgredir. De transcender, acoplar e cruzar os saberes porque diversos.
A partir do saber em encruzilhadas, a transgressão da colonização das mentalidades
emerge como um ato de libertação, que produz o arrebatamento tanto dos marcados
pela condição de subalternidade (colono) quanto dos montados pela condição de
exploradores (colonizadores). A prática das encruzilhadas como um ato descolonial
não mira a subversão, a mera troca de posições, mas sim a transgressão. Assim,
responde eticamente a todos os envolvidos nessa trama, os envolve, os “emacumba”
(encanta), os cruza e os lança a outros caminhos enquanto possibilidades para o
tratamento da tragédia chamada colonialismo. (RUFINO, 2019, p. 75).

Trata-se de se reivindicar uma pedagogia que enxergue a educação de forma


encarnada, feita por corpos, seres, potências e diferentes formas de sentir, pensar e fazer o
mundo. E compreenda como problemática pedagógica todas as interações sociais que fazem
parte do cotidiano dos sujeitos, suas experiências, vivências e conhecimentos.
Todavia, o autor argumenta a respeito da educação que vigora, invisibilizadora das
educações advindas de outros espaços-tempo que não os escolares, que atacam e silenciam
terreiros, esquinas, ruas, experiências, gramáticas, saberes e epistemes.
Neste sentido, propõe-se uma pedagogia, denominada Pedagogia das Encruzilhadas,
que se desenvolva em cima de práticas não excludentes, que acredite nas mais variadas
narrativas e formas de educação.
Trata-se de validar os diferentes modos de educação praticados nos mais variados
espaços, como terreiros, ruas, rodas de samba, jongo, capoeira, uma vez que tal como a
educação, os sujeitos são amplos e diversos.
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Dentro desta perspectiva, a abordagem pedagógica apresentada elucida estratégias que


operam na expansão do corpo e suas múltiplas possibilidades de ver, sentir e compreender o
mundo. São, portanto, ações de fresta, como denomina o autor, que cruzam tudo que existe e
os refaz de forma transgressora.
A pedagogia proposta carrega em seu nome seu princípio primordial. Operar a partir
da lógica de encruzilhada é operar a partir da pluralidade das formas e existências, sendo este
projeto não de oposição absoluta às epistemes ocidentais, onde um modo de educação
absolutize-se sobrepondo-se ao outro, mas de possibilidade outra, dialógica, possibilidade.
Rufino (2019) reivindica uma pedagogia que parta da premissa de que existe diversas
formas de educação e contextos educativos e se deixe encantar pelos cruzos, estando
comprometida com o trabalho dialógico frente a um sistema conservador e antidemocrático,
visando a justiça social e cognitiva.
Além disso, o autor orienta práticas e tece experiências para fundamentar uma prática
pedagógica que esteja comprometida com o outro, vindo assim a produzir memórias,
conhecimentos e aprendizagens múltiplas. O alinhavar de todas essas experiências, efeitos do
cruzo, que ocorrerá dentro do espaço-tempo escolar ou não, suas significações e
interpretações é o que se deve entender por educação.
Esses cruzos provocam os efeitos mobilizadores para a emergência de processos
educativos comprometidos com a diversidade de conhecimentos. No cruzo, marcam-
se as zonas de conflito, as zonas fronteiriças, zonas propícias às relações dialógicas,
de inteligibilidade e coexistência. (RUFINO, 2019, p. 80).

É importante ressaltar que o próprio sentido da palavra pedagogia, seu conceito e


denominação foi reduzido a um modo de ensinar. Tal denominação não dá conta da
especificidade dos seres, seus modos de produção próprios e experiências de aprendizagens.
Portanto, seres diversos compreendem ações dialógicas, pedagogias diversas.
Corroborando com o pensamento dos autores supracitados, Arroyo (2014) enfatiza que
o repensar é a principal exigência para que a escola pública e o sistema educacional brasileiro
adotem práticas democráticas.
Segundo ele, o território das teorias e práticas pedagógicas acolhe as representações
sociais dos subalternizados e constata que a educação colabora para a manutenção da
segregação e inferiorização destes grupos, incentivando didáticas, currículos e gestão que não
contemplam todos os sujeitos e suas diversidades. Tal modelo, contribui com a padronização
de um sistema que suprime existências.
Contudo, se durante muito tempo o que tínhamos, enquanto sociedade, eram
existências esquecidas, levadas a aceitar o lugar subalterno, sem lugar de fala, isto muda com
19

a consciência de não mais comodismo ou medo. Explica que estes corpos, por tempos
subjugados, na medida em que reagem, não mais se acomodam ou se amedrontam diante das
estruturas segregadoras.
As presenças afirmativas reivindicam espaço e reconhecimento legítimos, questionam
o Estado sobre estratégias que reconheçam suas presenças e suas histórias. Conclamam
articulações públicas que desocultem seus corpos, seus conhecimentos, suas culturas. Que
rompam com as inexistências fomentadas, apresentem novas pedagogias.
Mais que isso, estes coletivos exigem que sejam sujeitos políticos e protagonistas de
políticas afirmativas que refletirão sobre os seus corpos. Solicitam que os deixe apresentar
outras educações, outras epistemes, outras lógicas pedagógicas, que foram consideradas
inferiores porque diferentes da lógica colonial.
Dialogar com eles e não apenas para eles requer reconhecer que políticas afirmativas e
pedagogias não podem ser construídas sem eles, já que serão feitas para eles. E que a
participação e o debate dos termos destas políticas e os padrões de suas afirmações tem de ser
pensado e discutido por eles enquanto sujeitos e não como destinatário final.
O caráter afirmativo de suas presenças coloca na arena política, nos órgãos de
formulação, análise, avaliação de políticas a necessidade de passar dessas políticas
compensatórias de desigualdades e de carências para políticas afirmativas da
diversidade. Um aprendizado político de extrema relevância para os diferentes. Uma
outra consciência de suas identidades coletivas, de destinatários agradecidos de
políticas benevolentes do Estado e dos gestores e analistas para se afirmares sujeitos
políticos de políticas. (ARROYO, 2014, p. 135).

Arroyo (2014) nos chama atenção para como age o padrão colonizador que ao
classificar seres humanos, instaura a inferiorização natural, negando suas existências. Uma
vez tendo sua existência negada, seus valores, sua cultura, sua história também lhe são
negados.
É imperativo abordar outro aspecto crítico que emerge das teorias pedagógicas, que
consiste na descrença na possibilidade de educação desses sujeitos. Tal crença, além de gerar
práticas pedagógicas inferiorizantes, isenta o sistema educacional de suas responsabilidades,
culpabilizando as vítimas deste sistema.
Dentro da lógica colonizadora, não é o sistema que por ser excludente os inferioriza e
os reprova, mas eles próprios na condição de inferioridade natural o fazem. Sendo assim, a
naturalização de todas as suas condições acaba por legitimar toda a barbárie.
O autor acrescenta que corrigir a natureza desses seres subjugados e inferiorizados
seria a finalidade principal da educação. Realizar a correção de sua “irracionalidade” e
inferioridade de origem.
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Embora as antipedagogias tenham deformado e causado marcas profundas, Outras


Pedagogias resistem. Tais pedagogias desconstroem o caráter racista dos padrões de poder,
segregador de espaços, inferiorizador de identidades e ao apontar o racismo como estruturan
te, revelam a perversidade do sistema.
Refletir a história da educação e a trajetória que suas práticas pedagógicas percorreram
é, também, pensar na responsabilidade com os sujeitos a quem se destina essa educação. É
repensar todo silenciamento, preconceito, racismo e inexistências causadas em nome de um
sistema colonizador excludente e desumano para superá-lo dando voz aos próprios
inferiorizados.
Construir pedagogias decoloniais e, portanto, de libertação como as sugeridas pelos
autores supracitados, é dar voz às existências e resistências traçadas, ressignificando suas
posições historicamente. É reposicioná-los social, cultural e politicamente, reconhecendo
outras formas de pensar o mundo, valorizando a diversidade de saberes e culturas na formação
de nossa dinâmica enquanto sociedade.
Portanto, o questionamento que é levantado dialoga a partir da necessidade de se ter
um projeto educacional que supere seu passado colonial e colonizador, englobando em seu
currículo práticas de educação popular e legitime, em caráter histórico, a força dessas ações
nos processos pedagógicos de formação perpetuando, assim, a verdadeira história da
humanidade.

8- METODOLOGIA

O projeto aqui apresentado insere-se em uma abordagem qualitativa, de caráter


bibliográfico, pois busca obter seus resultados por meio de fundamentos que estejam
comprometidos em conhecer e analisar as contribuições sobre o tema proposto, procurando
explicar um problema a partir de referências teóricas e suas contribuições.
Além da abordagem qualitativa, este estudo também terá um caráter exploratório, pois
busca o aprofundamento do tema, visando novas possibilidades de reflexão e prática a partir
de novas percepções, explicitando toda a problemática que o tema envolve e as necessidades
que este apresenta.
Enquanto procedimento, este trabalho realizar-se-á por meio de observação indireta na
medida em que busca analisar criticamente a história da educação brasileira e sua herança
colonial, considerando as contribuições das bases bibliográficas.
21

Para fundamentar a presente pesquisa foram utilizadas fontes primárias e secundárias


de pesquisa, livros e artigos científicos de repositórios acadêmicos de grande relevância.
Autores como Freire (1996), Rufino (2014), Oliveira e Candau (2010) e, ainda, o trabalho do
grupo Modernidade/Colonialidade e as contribuições de intelectuais como Aníbal Quijano,
Catherine Walsh e Walter Mignolo. Objetiva-se, ainda, o aprofundamento do tema através de
autores como Boaventura Santos, Chimamanda, Djamila Ribeiro, entre outros.
O material documentado e as respectivas análises provenientes desta pesquisa
resultarão no trabalho de conclusão de curso que se pretende construir.

9- CRONOGRAMA DA PESQUISA

Etapas/Meses AGOSTO SETEMBRO OUTUBRO NOVEMBRO


INTRODUÇÃO
REFERENCIAL TEÓRICO
RESULTADOS E DISCUSSÕES
CONSIDERAÇÕES FINAIS

REFERÊNCIAS

ELEMENTOS PRÉ-TEXTUAIS
REVISÃO DO CONTEÚDO E
ORTOGRÁFICA
ELABORAÇÃO DO PPT PARA
APRESENTAÇÃO ORAL
ÚLTIMA CORREÇÃO
ENTREGA DO RELATÓRIO
FINAL
DEFESA
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REFERÊNCIAS

ARROYO, Miguel. Afirmação das identidades étnicas e raciais. In: ARROYO, Miguel.
Outros sujeitos, outras pedagogias. Petrópolis, RJ: Vozes, 2012. p.119-185

FREIRE, Paulo. Não há docência sem discência. In: FREIRE, Paulo. Pedagogia da
Autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996. p.21-45.

OLIVEIRA, Luis Fernandes; CANDAU, Vera Maria Ferrão. Pedagogia decolonial e


educação antirracista e intercultural no Brasil. SCIELO. Rio de Janeiro, p. 15-40, 2010.
Disponível em :http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
46982010000100002&lng=pt&tlng=pt . Acesso em: 04 fev. 2020.

RUFINO, Luiz. Para que e para quem uma Pedagogia das Encruzilhadas? In: RUFINO, Luiz.
Pedagogia das Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019. p.73-80.

RUFINO, Luiz. Cruzo, arte de rasura e invenção. In: RUFINO, Luiz. Pedagogia das
Encruzilhadas. Rio de Janeiro: Mórula, 2019. p.81-86.

SEVERINO, Joaquim Antônio. Teoria e prática científica. In: SEVERINO, Joaquim Antônio.
Metodologia do Trabalho Científico. São Paulo: Cortez Editora, 2007.p.117-124.

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