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CÂMARA MUNICIPAL DE JOÃO PESSOA

PROJETO DE LEI ORDINÁRIA, DE 2023

(Da Sra. Ana Caroline Silva Braz/4296731, João Pessoa Polo Epitácio)

Dispõe sobre a criação do Programa Lugar de Mulher, destinado às mulheres em


situação de rua vítimas de violência.

A Câmara Municipal de João Pessoa decreta:

Art. 1º Fica criado o Programa Lugar de Mulher, destinado a acolher e apoiar mulheres
em situação de rua vítimas de qualquer modo de violência.

Art. 2º O Programa Lugar de Mulher funcionará a partir de uma articulação entre a


Secretaria de Desenvolvimento Solcial (SEDES), a Secretaria de Direitos Humanos e
Cidadania, a Secretaria de Infraestrutura (Seinfra), a Secretaria de Saúde (SMS) e a
Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, sob forma colaborativa.

§1º Caberá à Secretaria de Desenvolvimento Social e à Secretaria de Direitos Humanos


e Cidadania:

I- Selecionar e acolher as mulheres de que trata o artigo primeiro dessa lei;

II- Identificar, através de entrevista, a individualidade de cada mulher; e

III- Ministrar o suporte a cada mulher, de acordo com a necessidade dela.

§2º Caberá à Secretaria de Infraestrutura:

I- Construir um espaço físico adequado para o funcionamento do programa,


priorizando a localização acessível e estrutura ideal para o funcionamento favorável
dele.

§3º Caberá à Secretaria de Saúde:

I- Selecionar, por meio de concurso público, profissionais de saúde especializados a fim


de atender as mulheres acolhidas pelo programa, serão eles: assistentes social,
psicólogos, enfermeiros, clínico geral, médico psiquiatra, ginecologista, entre outros,
os quais serão determinados as quantidades de acordo com o tamanho do público a
ser atendido;

II- Cadastrar, aquelas que ainda não estão cadastradas, no Sistema Único de Saúde
(SUS), garantindo assistência de saúde além da oferecida no programa; e

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III- Combater a pobreza menstrual, distribuindo absorventes e tampões no local sede
do programa.

§4º Caberá à Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres:

I- Coordenar o Programa Lugar de Mulher;

II- Buscar apoio financeiro para o funcionamento adequado;

III- Selecionar, por maio de entrevistas, voluntários para o funcionamento diário do


programa; e

IV- Garantir a harmonia e colaboração de todas as secretaria e órgãos envolvidos.

Art. 3º A Secretaria de Políticas Públicas para Mulheres poderá delegar a entidades não
governamentais e sem fins lucrativos a seleção de voluntariado para o programa de
que trata o Art. 2º, parágrafo 4, inciso III dessa Lei.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

O avanço tecnológico e o crescimento exponencial de grandes centros urbanos, fez com


que a população rural se deslocasse para a cidade, em busca de condições de vida
melhores e mais favoráveis. O que acarretou em um grande número de pessoas
chegando nas cidades de uma forma extremamente rápida. As consequências desse
deslocamento acelerado são das mais diversas, mas aqui será colocada uma das mais
preocupantes: o crescimento do número de pessoas em situação de rua. No Brasil pós
pandemia de Covid-19, o crescimento desse segmento subiu significativamente.
Segundo estudo recente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a população
em situação de rua no Brasil cresceu 38% entre 2019 e 2022, chegando a 281.472
pessoas. É importante frisar que, apesar dos dados do Ipea, esses números na prática
são bem maiores, uma vez que o grau de dificuldade para quantificar essa população é
enorme devido a falta de residência física, alta mobilidade, entre outros pontos.

Movida pelo patriarcado e o machismo estrutural enraizado, a nossa sociedade, por


muitas décadas, comparou o gênero feminino ao negativo, onde sempre o homem seria
superior à mulher. Criando-se assim um cenário em que a mulher é propriedade do
homem com o qual ela vive (e subordinada a qualquer outro), a violência por
“desobediência” e “maus comportamentos” seriam então normalidades. Atualmente,
apesar dos inúmeros avanços no que diz respeito aos direitos das mulheres na
sociedade, com leis que a protegem, como a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340) e a Lei
do Feminicídio (Lei nº 13.104), as ocorrências dos casos de violência contra a mulher
ainda são alarmantes. No Brasil, de acordo com dados da Ouvidoria Nacional de Direitos
Humanos, de janeiro a julho de 2022 forma feitas mais de 31 mil denúncias de violência
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familiar ou doméstica contra mulheres. Em relação ao feminicídio, quando uma mulher
é assassinada apenas pelo fato de ser mulher, o Brasil ocupa o 5º lugar no ranking
mundial segundo dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos
Humanos (ACNUDH).

De acordo com Rosa e Brêtas (2015), dentre tantas causas, as violências doméstica e/ou
familiar fazem algumas mulheres chegarem ao limite do que podem suportar. Diante
disso e da extrema necessidade de fugir para salvar a própria vida (algumas vezes a vida
dos filhos também) por falta de outras opções, as mulheres optam por abandonar o lar
e recorre à vida nas ruas. Entretanto, nas ruas as mulheres seguem sendo vítima de
violências, das mais variadas. Passam por opressão apenas por ser mulher, humilhação
geralmente ligada a higiene, abusos sexuais, violência física, entre outras. Em 2022 a
repórter Beatriz Calais escreveu uma matéria contendo depoimentos reais de mulheres
em situação de rua da cidade de São Paulo, entre os depoimentos colhidos está o de
Jandira Mariana Senna de 56 anos que vive em situação de rua há mais de 20 anos. Em
um trecho Jandira relata um caso de violência física sofrido: “Um marido que tive na rua
me batia muito e, um dia, atirou em mim. O resultado foi esse. Tenho que tomar isso
para o resto da minha vida.” A “isso” Jandira se refere a uma injeção diária que precisa
tomar para aliviar as dores causadas por uma hérnia abdominal consequente da
violência. Há ainda relatos de mulheres recém-chegadas as ruas que ficam dias sem
dormir pelo fator medo, e muitas outras que já possuem uma vivência de rua que
adotaram suas próprias estratégias para fugirem da violência. Optam por se disfarçarem
de homem para conseguirem dormir sem serem abusadas sexualmente, dormem (ou
pelo menos tentam) com faca ou qualquer outro objeto que possa ser usado como arma
para se defender e até procuram abrigos disponibilizados pelas prefeituras para
passarem a noite, porém, esses não são o suficiente.

Em várias cidades do Brasil existem abrigos para pessoas em situação de rua, a grande
maioria com horário fixo de entrada até às 19 horas e de saída no máximo às 6 horas.
Em João Pessoa existem dois Centros POP (Centros de Referência Especializado para
População em Situação de Rua) com camas, kit de higiene, espaço para banho, refeições
e espaço de lazer. Entretanto, a grande questão ainda é a que se diz respeito às mulheres
em situação de rua vítimas de violência. Isso porque um lugar para dormir adequado e
espaço privado para higiene não é suficiente para essas mulheres. Além de assistência
social e atendimento médico, elas precisam de acompanhamento psicológico e jurídico,
no mínimo. Se essas mulheres são ou podem ser violentadas de diversas maneiras, por
que oferecer um tratamento único para todas? Isso não pode acontecer. Sendo assim,
a criação do Programa Lugar de Mulher irá garantir atenção especial individualizado
para cada mulher em situação de rua vítima de violência, além de um abrigo feminino
onde possam dormir longe do medo de ser violentada ou de não acordar.

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REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Brasil tem mais de 31 mil
denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022.
[Brasília] Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 8 ago. 2022. Disponível
em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2022/eleicoes-2022-periodo-
eleitoral/brasil-tem-mais-de-31-mil-denuncias-violencia-contra-as-mulheres-no-
contexto-de-violencia-domestica-ou-familiar. Acesso em: 19 jan. 2023.

Brasil ocupa o 5º lugar no ranking da violência contra a mulher. Universidade


Tiradentes, 2021. Disponível em: https://portal.unit.br/blog/noticias/brasil-ocupa-o-
5o-lugar-no-ranking-da-violencia-contra-a-mulher/. Acesso em: 19 jan. 2023.

Pessoas em situação de rua contam com serviços para acolhimento e reinserção


social em João Pessoa. Prefeitura de João Pessoa, 2021. Disponível em: https://www.
joaopessoa.pb.gov.br/noticias/pessoas-em-situacao-de-rua-contam-com-servicos-
para-acolhimento-e-reinsercao-social-em-joao-pessoa/. Acesso em: 19 jan. 2023.

ROSA, Anderson da Silva; BRETAS, Ana Cristina Passarella. A violência na vida de


mulheres em situação de rua na cidade de São Paulo, Brasil. Interface (Botucatu),
Botucatu, v. 19, n. 53, p. 275-285,Jun/ 2015 . Disponível em: https://www.scielo.br/
j/icse/a/8T6c9LN8dqCzSJRFyypZDbT/?lang=pt. Acesso em: 17 jan. 2023.

OLIVEIRA, Juliana Lopes; ANDRADE, Laura Freire de. Mulheres em situação de rua:
desigualdade de gênero e estratégias de sobrevivência. Minas Gerais, 2019.

BRASIL. Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. População em situação de rua


supera 281,4 mil pessoas no Brasil. [Brasília] Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada,
8 dez. 2022. Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/categorias/45-todas-as-
noticias/noticias/13457-populacao-em-situacao-de-rua-supera-281-4-mil-pessoas-no-
brasil. Acesso em: 17 jan. 2023.

Violência e sobrecarga: como vivem as mulheres em situação de rua da capital


paulista. Elas que Lucrem, 2022. Disponível em: https://www.eql.com.br/saude-
emocional/2022/02/violencia-e-sobrecarga-como-vivem-as-mulheres-em-situacao-de-
rua-da-capital-paulista/. Acesso em: 17 jan. 2019.

Sala de sessões, em 20 de janeiro de 2023


ANA CAROLINE SILVA BRAZ

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