O livro de Milton Friedman “Capitalismo e Liberdade”, convém observar que o
livro, grosso modo, divide-se em duas partes. Como ele mesmo escreveu na Introdução, “os dois primeiros capítulos tratam dessas questões (referentes ao liberalismo) de modo abstrato, mais em termos de princípios do que de aplicações concretas. Os capítulos seguintes aplicam esses princípios a um bom número de problemas particulares”. Para os interesses a que me propus, restringirei os meus comentários aos capítulos teóricos. Aqui abordarei o tema do primeiro capítulo – a relação entre liberdade econômica e liberdade política – e, no próximo artigo, com o qual pretendo fechar essa série, o tema do segundo – que é o papel do governo numa sociedade livre. Friedman abre o capítulo negando que economia e política possam constituir territórios separados de investigação. Ele afirma: “A organização econômica desempenha um papel duplo na promoção de uma sociedade livre. De um lado, a liberdade econômica é parte da liberdade entendida em sentido mais amplo e, portanto, um fim em si próprio. Em segundo lugar, a liberdade econômica é também um instrumento indispensável para a obtenção da liberdade política”. Friedman insiste em adjetivar o capitalismo de “competitivo”, como se pudesse existir um outro tipo e como se houvesse, na prática, os modelos de concorrência perfeita. Talvez reflita um pouco o clima da época, de luta contra os monopólios, tradição nos EUA. Eu particularmente comungo com a tese de Alceu Garcia de que não cabe essa qualificação, vem que a realidade mostra que, nos micromercados, há sempre uma forma de monopólio de fatos para aquela cadeia produtiva e que monopólios, na ordem capitalista, não se mantêm sem haja apoio estatal. O ponto essencial de Friedman, todavia, e com o qual estou inteiramente de acordo, é precisa haver a separação clara entre o poder econômico e o poder político. Isso é essencial e se não ocorrer na prática elimina-se a sociedade aberta, posto que se as pessoas não tiverem como obter os meios de sobrevivência pela via do mercado, independentemente do Estado, a condição de liberdade desaparece. Nas suas palavras: “O tipo de organização econômica que promove diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo…, também promove a liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, desse modo, permite que um controle o outro”. Friedman insiste que, do ponto de vista teórico, só há duas formas de coordenar as atividades econômicas de milhões de seres humanos. Ou pela cooperação voluntária via mercado ou pela coerção – o planejamento centralizado dos Estados socialistas autoritários (uma tautologia). Não há meio termo. E, está mais do que provado, a primeira alternativa é a única verdadeiramente racional, pois a par de obter a máxima eficiência econômica, é a única que pode conviver com a liberdade. E vai mais longe, ao afirmar que “a ameaça fundamental à liberdade consiste no poder de coagir, esteja nas mãos de um monarca. De um ditador, de uma oligarquia, ou de uma maioria momentânea. A preservação da liberdade requer a maior eliminação possível de tal concentração de poder e a dispersão e distribuição de todo o poder que não puder ser eliminado”. Esses são os pontos essenciais por ele abordados. Fica claro que a antípoda dessa proposta – o Estado intervencionista – é a materialização da opressão. As diferentes formas de socialismo são apenas a negação da liberdade, ou seja, a escravização dos indivíduos. CAPÍTULO 2
O papel do governo em uma sociedade livre é o objeto do segundo capítulo do
livro “Capitalismo e Liberdade”, de Milton Friedman, sobre o qual discorrerei aqui, encerrando a série de comentários que me propus fazer sobre a obra. Ele é taxativo: “Por mais atraente que possa o anarquismo parecer como filosofia, ele não é praticável em um mundo de homens imperfeitos. As liberdades dos homens podem entrar em conflito e quanto isso acontece a liberdade de uns deve ser limitada para preservar a de outros”. O Estado é visto pelo autor como uma espécie de árbitro: “Do mesmo modo que um bom jogo exige que os jogadores aceitem tanto as regras quanto o árbitro, encarregado de interpretá-las e de aplicá-las, uma boa sociedade exige que seus membros concordem com as condições gerais que presidirão as relações entre eles…“. Friedman afirma que, consoante a sua tese de que é preciso separar o mais possível o poder econômico do poder político, que “quanto maior o âmbito de atividades cobertas pelo mercado, menor o número de questões para as quais serão requeridas decisões explicitamente políticas”. Enquanto árbitro, o governo precisa garantir as regras, pois a “organização de atividade econômica através da troca voluntária presume que se tenha providenciado, por meio do governo, a necessidade de manter a lei e a ordem para evitar a coerção de um indivíduo por outro; a execução de contratos voluntariamente estabelecidos; a definição do significado de direitos de propriedade, a sua interpretação e a sua execução; o fornecimento de uma estrutura monetária”. Friedman gasta alguns parágrafos do seu texto para analisar o problema dos monopólios e a sua relação com o governo. Embora reconheça que, “na prática, o monopólio frequentemente, se não geralmente, origina-se de apoio do governo ou de acordos conspiratórios”, ele reconhece que em algumas situações ocorre o chamado “monopólio técnico”, cabendo três alternativas de ação: monopólio privado, monopólio público ou regulação pública. Ele não tem uma resposta pronta, uma regra geral, para os casos de monopólio natural. Cada situação deveria ser examinada para se ver o posicionamento adequado do governo. A fato é que no Brasil sabemos em que dá o monopólio público, natural ou não. É sempre uma fábrica de favorecimentos e de esbulho dos consumidores indefesos, como vemos hoje no caso dos derivados de petróleo e da energia elétrica. Penso que o melhor mesmo é que a iniciativa privada realize a produção econômica em qualquer situação, cabendo ao governo fazer a regulação, para que não se permita que o abuso estatal seja substituído pelo abuso privado. Em qualquer caso, penso que o governo jamais deverá ser um produtor direto de bens e serviços. Esses são os pontos mais relevantes do capítulo. Fridman fecha o texto insistindo que “o liberal consistente jamais é um anarquista”. Tenho de concordar com ele. O Estado pode ser um legítimo defensor da Ordem, uma necessidade para a humanidade. O anarquismo não é alternativa. Uma estrutura de poder democrático é a maneira mais inteligente de se controlar as tentações totalitárias sempre implícitas por parte dos agentes do Estado. Para tanto, é preciso impor como regra fundamental a separação completa entre o poder econômico e o poder político. Sempre que me debruço sempre esse assunto – a relação entre política e economia – releio com proveito o artigo de Olavo de Carvalho, datado de 16/09/1999, intitulado “Dinheiro e Poder”, publicado no Jornal da Tarde. Friedman concordaria com ele. Segundo o filósofo, tornar um homem rico ou “mais rico” não torna os demais mais pobres. Com o poder a coisa é diferente. O “mais poder” se faz sempre em um jogo de soma zero, de modo que alguém só se torna mais poderoso se os demais forem submetidos. CAPÍTULO 1
O Estado é necessário, sim, porém a vigilância sobre ele deve ser cerrada, sem tréguas, permanente. Senão, o monstro cresce e escraviza a todos nós.
LIMONGI, Fernando Papaterra. O Federalista: Remédios Republicanos para Males Republicanos. In: WEFFORT, Francisco C. (Org.) Os Clássicos Da Política. São Paulo, Editora Ática, 2004, Vol. 1.