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Capítulo
I – A Relação entre Liberdade Econômica e Liberdade Política; Capítulo II – O papel do
governo numa sociedade livre.
É evidente que a liberdade econômica, nela própria e por si própria, é uma parte
extremamente importante da liberdade total. Vista como um meio para a obtenção da
liberdade política, a organização econômica é importante devido ao seu efeito na
concentração ou dispersão do poder. O tipo de organização econômica que promove
diretamente a liberdade econômica, isto é, o capitalismo competitivo, também promove a
liberdade política porque separa o poder econômico do poder político e, desse modo, permite
que um controle o outro. (p. 09)
A História somente sugere que o capitalismo é uma condição necessária para a liberdade
política, mas, evidentemente, não é uma condição suficiente. [...] É, portanto, claramente
possível haver uma organização econômica fundamentalmente capitalista e uma organização
política que não seja livre. (p. 09)
A explicação mais simples para tais alterações na política reside no sucesso limitado do
planejamento central ou sua incapacidade de alcançar os objetivos estabelecidos. Entretanto,
esse fracasso pode ser atribuído, pelo menos em certa medida, às implicações políticas do
planejamento central e à inconveniência de seguir sua lógica até o fim - uma vez que fazer isso
levaria a destruir direitos privados altamente valorizados. É possível também que essa
mudança seja somente uma interrupção temporária na tendência coletivista deste século.
Mesmo assim, ilustra a relação estreita existente entre liberdade política e organização
econômica. (p. 10)
O poder econômico pode ser amplamente dispersado. Não há leis de conservação que forcem
o crescimento de novos centros de poder econômico à custa dos centros já existentes. O poder
político, de outro lado é mais difícil de descentralizar. Podem existir numerosos pequenos
governos independentes. [...] Em consequência, se o poder econômico é adicionado ao poder
político, a concentração se torna praticamente inevitável. De outro lado, se o poder econômico
for mantido separado do poder político, portanto, em outras mãos, ele poderá servir como
controle e defesa contra o poder político. (p. 12)
O uso dos canais políticos, embora inevitável, tende a exigir muito da coesão social, essencial a
toda sociedade estável. [...] Qualquer aumento do número de questões, para as quais é
necessária uma concordância explícita, sobrecarrega demais os fios delicados que mantêm
uma sociedade coesa. Se chegar a questões nas quais os homens estão profundamente
envolvidos, mas de pontos de vista diferentes, pode ocorrer o rompimento da sociedade.
Diferenças fundamentais sobre valores básicos quase nunca, ou nunca mesmo, podem vir a ser
resolvidas nas urnas; na verdade, só podem ser decididas, embora não resolvidas, por meio de
um conflito. As guerras civis e religiosas da história constituem testemunhos sangrentos desse
julgamento. (p. 16)
O uso amplo do mercado reduz a tensão aplicada sobre a intrincada rede social por tomar
desnecessária a conformidade, com respeito a qualquer atividade que patrocinar. Quanto
maior o âmbito de atividades cobertas pelo mercado, menor o número de questões para as
quais serão requeridas decisões explicitamente políticas e, portanto, para as quais será
necessário chegar a uma concordância. Como contrapartida, quanto menor o número de
questões sobre as quais será necessária a concordância, tanto maior probabilidade de obter
concordâncias e manter uma sociedade livre. (p. 17)
Do mesmo modo que um bom jogo exige que os jogadores aceitem tanto as regras quanto o
árbitro encarregado de interpretá-las e de aplicá-las, uma boa sociedade exige que seus
membros concordem com as condições gerais que presidirão as relações entre eles, com o
modo de arbitrar interpretações diferentes dessas condições e com algum dispositivo para
garantir o cumprimento das regras comumente aceitas. [...] Esses são, pois, os papéis básicos
do governo numa sociedade livre - prover os meios para modificar as regras, regular as
diferenças sobre seu significado, e garantir o cumprimento das regras por aqueles que, de
outra forma, não se submeteriam a elas. (p. 17)
A necessidade do governo nesta área surge porque a liberdade absoluta é impossível. [...] As
liberdades dos homens podem entrar em conflito e quando isso acontece a liberdade de uns
deve ser limitada para preservar a de outros. (p. 18)
O papel do governo, até aqui considerado, é o de fazer alguma coisa que o mercado não pode
fazer por si só, isto é, determinar, arbitrar e pôr em vigor as regras do jogo. Podemos também
querer fazer por meio do governo algumas coisas que poderiam ser feitas pelo mercado - em
face de certas condições técnicas ou semelhantes que tornam difícil tal execução. Trata-se de
casos em que a troca, estritamente voluntária, é extremamente cara ou praticamente
impossível. Há duas classes gerais de casos desse tipo: monopólios e outras imperfeições do
mercado e os efeitos laterais. (p. 19)
A segunda classe geral de casos em que a troca estritamente voluntária é impossível tem
origem quando ações de indivíduos têm efeitos sobre outros - e pelas quais não é possível
recompensá-los ou puni-los. Este é o problema dos "efeitos laterais". (p. 20)
Os efeitos laterais podem ser encarados de dois modos. Podem ser uma razão para limitar as
atividades do governo ou para expandi-las. Os efeitos laterais impedem a troca voluntária
porque é difícil identificar os efeitos em terceiros e medir sua magnitude, mas essa dificuldade
está presente do mesmo modo na atividade governamental. [...] Consequentemente, quando
o governo se empenha em certas atividades para eliminar efeitos laterais, estará em parte
introduzindo um novo conjunto de efeitos laterais por não poder taxar ou compensar os
indivíduos de modo apropriado. [...] Além disso, o uso do governo para eliminar os efeitos
laterais como tal tem outro efeito lateral extremamente importante que não está relacionado
com a ocasião em questão para a ação governamental. Toda a ação de intervenção
governamental limita a liberdade individual diretamente e ameaça a preservação da liberdade
indiretamente. (p. 21)