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O liberalismo e o intervencionismo econômico


Ângelo Miranda

Conforme Leonardo Vizeu, são formas econômicas que determinam a


participação do Estado nas atividades de cunho econômico desenvolvidas em seu
território. Após o fim do tradicional modelo de Estado liberal, não existe mais falar
em liberalismo puro, mas em diferentes formas de intervencionismo, decorrente do
ideário político do poder posto.
• ESTADO LIBERAL - decorria da doutrina filosófica/política do liberalismo
(respeito do Estado ao pleno exercício dos direitos e garantias por parte dos
indivíduos). Fundamentado na livre-iniciativa, na liberdade de mercado, no
princípio da autonomia das vontades privadas, no dirigismo contratual e no
caráter absoluto do direito privado. Foi fruto do pensamento do filósofo
escocês Adam Smith que defendia "que a harmonia social seria alcançada por
meio da liberdade de mercado, com um ambiente concorrencialmente
equilibrado, que garantia a maximização de seu nível de bem-estar
socioeconômico", no que se convenciona chamar de teoria econômica da
“Mão Invisível”. Segundo Nagib Slaib Filho, o Estado Liberal caracteriza-se por
uma postura absenteísta, atuando de forma neutra e imparcial na atividade
econômica. Como dito acima, não existe mais de forma pura.
• ESTADO INTERVENCIONISTA ECONÔMICO - Influenciado por John Maynard
Keynes1, nesta forma de participação o Estado atua com o fito de se garantir
o exercício racional das liberdades individuais. A política intervencionista não
visa ferir os postulados liberais, mas, tão somente, fazer com que o Estado
coíba o exercício abusivo e pernicioso do liberalismo. Visa a garantia da livre-
iniciativa e da liberdade de mercado, a partir da ordem técnica, sem
estabelecer políticas públicas sociais. O intervencionismo se dá de forma
direta, na qual o estado assume a iniciativa da atividade econômica na
condição de produtor de bens e serviços ao lado dos particulares; ou, ainda,
de forma indireta, na qual o estado atua tributando, incentivando,
regulamentando ou normatizando a atividade econômica. Assenta-se,
juridicamente, no princípio da defesa do mercado ou proteção à concorrência
e economicamente, na Teoria dos Jogos. Maior exemplo prático ocorreu nos
EUA, inicialmente com a legislação antitruste e, posteriormente, com o New
Deal, concebido, planejado e executado pelo presidente Franklin Roosevelt2.

1Especialmente na obra Toeria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda.


2New Deal foi o nome dado a um conjunto de ações nos Estados Unidos entre 1933 e 1937, sob a
presidência de Franklin Roosevelt, com o objetivo de recuperar e reformar a economia norte-
americana, e assistir os prejudicados pela Grande Depressão. As ações lançaram as bases do
Estado Intervencionista Econômico de forte e nítida inspiração keynesiana. O New Deal tinha 4

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• ESTADO INTERVENCIONISTA SOCIAL (WELFARE STATE) - Tem por ideal


garantir que sejam efetivadas políticas de caráter assistencialista na
sociedade, para prover os notadamente hipossuficientes em suas
necessidades básicas. Aqui, o Estado se preocupa com a coletividade e com
os interesses transindividuais, ficando mitigados os interesses pessoais de
cunho individualista. Também chamado de Estado de bem-estar social
(Welfare State) ou estado providência, porque é aquele que provê uma série
de direitos sociais aos cidadãos de modo a mitigar os efeitos naturalmente
excludentes da economia capitalista sobre as classes sociais mais
desfavorecidas. Juridicamente, fundado no primado da solidariedade, que
determina o compartilhamento mútuo dos riscos sociais por todos os
membros da sociedade e economicamente também na Teoria dos Jogos (mas
com monitoramento de mercado voltando a indução das realização das
metas soiciais). Estado atua como uma entidade de seguridade social, na qual
a sinistralidade de eventos, como desemprego, indigência etc, tem seus
custos arcados e cobertos por todos, ficando a cargo do estado efetivar as
políticas de justiça e inclusão social. Assume responsabilidades sociais
crescentes, em caráter de prestações positivas, como a previdência,
habitação, saúde, educação etc, e também como empreendedor substituto
em áreas e setores considerados estratégicos para o desenvolvimento da
nação. Ganhou força após as Guerras mundiais. ritica-se em grande parte
esta forma estatal de posicionamento econômico diante do grande déficit
que, por via de regra, gera nas contas públicas, uma vez que o Estado assume
atividades acima de suas capacidades, tendo em vista que atua tanto como

pilares: a) reformas econômicas e regulação de setores da economia; b) medidas emergenciais; c)


transformações culturais; e d) nova pactuação política entre o Estado e fatores sociais. Para tanto,
o Estado passou a ter: a) controle sobre bancos e instituições; b) construção de obras de
infraestrutura para a geração de empregos e aumento do mercado consumidor; c) concessão de
subsídios e crédito agrícola a pequenos produtores familiares; d) criação de empresas privadas
de Previdência Social; e) diminuição da jornada de trabalho, com o objetivo de abrir novos
postos, além de criação de uma política de renda mínima; f) incentivo à criação de sindicatos para
aumentar o poder de negociação dos trabalhadores. Foram criadas nos Estados Unidos dezenas
de agências federais, cujo paradigma no direito brasileiro são as autarquias sob regime especial,
as "alphabet agencies", devido à profusão das siglas com que eram designadas: CCC (Civilian
Conservation Corps), TVA (Tennessee Valley Authority), PWA (Public Works Administration),
FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), entre outras. No plano econômico, fundou-se na
Teoria dos Jogos desenvolvida pelo matemático suíço John Von Neumann no início do séc.
XX. Analisando as características dos agentes privados, de suas políticas empresariais e os
possíveis resultados diante de cada estratégia, avalia as prováveis decisões que esses agentes
tomarão. Assim, sendo o mercado um ambiente extremamente competitivo e não cooperativo na
sua essência, a probabilidade de dois ou mais agentes obterem resultados idênticos ou
semelhantes é praticamente zero. Logo, quando dois ou mais agentes concorrentes entre si
apresentam resultados parecidos, há fortes indícios de que estejam combinando suas estratégias
previamente, adotando conduta cartelizada. Ressalte-se que essa teoria constituiu significativo
avanço nas ciências econômicas e sociais, pois permite se examinar o comportamento do agente
privado em interação com os demais concorrentes, e não só de forma isolada.

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prestador de serviços públicos quanto como empreendedor da atividade


econômica. O planejamento estatal revelou-se fracassado por gerar um
ambiente desfavorável ao investimento privado e insegurança jurídica, ante a
grande atuação do Estado na economia. Ademais, critica-se este modelo por
ensejar grande déficit nas contas públicas, atuando o Estado acima das suas
capacidades.
• ESTADO INVENCIONISTA SOCIALISTA - é a forma intervencionista máxima do
Estado, uma vez que este adota uma política econômica planificada, baseada
na valorização do coletivo sobre o individual. O Poder Público passa, então, a
ser o centro exclusivo para as deliberações referentes à economia. Os bens
de produção são apropriados coletivamente pela sociedade por meio do
Estado, de modo que este passa a ser o único produtor, vendedor e
empregador. A livre-concorrência e a liberdade de mercado são literalmente
substituídas pelo planejamento econômico racional e centralizado em torno
do Poder Público, rejeitando-se sistematicamente, a autonomia das decisões
privadas. Juridicamente, baseia-se na supremacia do interesse público.
Preocupa-se, basicamente, com o bem em comum e as necessidades da
coletividade, em detrimento do liberalismo individual. Vizeu acrescenta que a
prática revelou que o Estado Socialista é inoperante diante da diversidade
das necessidades individuais de cada um dos membros da coletividade. Como
exemplo histórico do fracasso do modelo de intervencionismo socialista, o
autor cita Nicolas Werth, que narra o fatídico episódio conhecido como
Holodomor3. Por sua vez, os demais Estados que organizaram seus meios de
produção com base no ideário socialista igualmente revelaram-se incapazes
de garantir o abastecimento interno e a economia popular
• ESTADO REGULADOR - Após o insucesso dos modelos intervencionistas,

3 Termo de origem ucraniana que significa matar pela fome. Nos idos de 1930, Stálin decidiu
aplicar uma nova política para a URSS por meio da transformação radical e acelerada das suas
estruturas econômicas e sociais. Essa mudança visava à coletivização da agricultura (a
apropriação pelo Estado soviético das terras, colheitas, gado e alfaias pertencentes aos
camponeses, independentemente do consentimento destes ou do pagamento de qualquer
indenização pelo confisco). Dessa forma, o Estado passaria a estabelecer planos de coleta para a
produção agropecuária, que lhe permitiria, de modo regular e quase gratuito, abastecer as
cidades e as forças armadas, bem como exportar para o estrangeiro. Por outro lado, pretendia-se
estabelecer um efetivo controle político-administrativo sobre o campesinato, forçando-o a apoiar
o regime soviético. Todavia, em virtude de sua falta de sensibilidade para com as necessidades
individuais dos agricultores, somada à truculência do Estado soviético que agia com o seu cortejo
de violências, de torturas e de chacinas pela fome, impondo-se pela força letal, o Holodomor
constituiu uma enorme regressão civilizacional. Assistiu-se à proliferação de déspotas locais,
dispostos a tudo, para extorquir aos camponeses as suas escassas reservas alimentares e à
banalização da barbárie, que se traduziu em rusgas, abusos de autoridade, banditismo, abandono
infantil, “barracas da morte”, canibalismo e agravamento das tensões entre a população rural e a
população urbana.

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houve um retorno comedido aos ideais do liberalismo, sem, contudo,


abandonar a necessidade de sociabilidade dos bens essenciais, a fim de se
garantir a dignidade da pessoa humana. Caracteriza-se numa nova concepção
para a presença do Estado na economia, como ente garantidor e regulador
da atividade econômica, que volta a se basear na livre-iniciativa e na
liberdade de mercado, bem como na desestatização das atividades
econômicas e redução sistemática dos encargos sociais, com o fito de se
garantir equilíbrio nas contas públicas, sem, todavia, desviar o Poder Público
da contextualização social, garantindo-se, ainda, que este possa focar
esforços nos serviços públicos essenciais. Juridicamente, funda-se no
princípio da subsidiariedade, no qual o Poder Público somente irá concentrar
seus esforços nas áreas nas quais a iniciativa privada, por si só, não consiga
alcançar o atingimento das metas sociais de realização do interesse coletivo.
Economicamente, baseia-se também na Teoria do Jogos, mas adota a solução
denominada Equilíbrio de Nash 4 . Assim, a iniciativa de exploração das
atividades econômicas retorna à iniciativa privada, a qual irá realizá-la dentro
de um conjunto de planejamento estatal previamente normatizado para
tanto, com o fito de conduzir o mercado à realização e consecução de metas
socialmente desejáveis, que irão garantir o desenvolvimento sócio-
econômico da Nação.

4Denomina-se Equilíbrio de Nash a solução para determinado mercado competitivo, no qual


nenhum agente pode maximizar seus resultados, diante da estratégia dos outros agentes.
Segundo Nash, citado por Vizeu, onde não há o pressuposto basilar de ambientes
concorrencialmente saudáveis, a persecução do interesse privado meramente irá conduzir a
monopólios cujos efeitos a médio e longo prazo serão perniciosos, uma vez que um agente, por
razões de eficiência pode naturalmente conquistar o mercado, afastando os demais competidores
diretos. Assim, para a salutar manutenção da Ordem Econômica, evitando a concentração de
poder econômico e seu uso abusivo, necessário se faz que o Estado fomente a livre-concorrência,
por meio de políticas que assegurem a participação e permanência de todos os agentes
concorrentes entre si em seus respectivos mercados. Portanto, em mercados que não partem da
premissa da concorrência saudável, mister se faz ao Estado intervir de maneira a garantir que a
realização do interesse coletivo garanta a todos a consecução de seus interesses particulares,
ainda que experimentem resultados mínimos, pulverizando-se, destarte, o poderio econômico, a
fim de evitar seu uso abusivo.

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