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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia – 2007, Vol.

15, no 2, 269 – 282

Artigo traduzido:
A definição skinneriana de comportamento verbal e a
arbitrariedade do signo lingüístico

Maria de Lourdes R. da F. Passos


Universidade Federal do Rio de Janeiro e University of Massachusetts Medical School-
Shriver Center

Resumo
O conceito lingüístico da arbitrariedade do signo lingüístico ocupa posição central na definição
de Skinner do comportamento verbal. O papel das convenções da comunidade verbal, em vez de
princípios mecânicos e geométricos, no estabelecimento da relação de contingência entre a
resposta verbal e suas conseqüências, é crucial na distinção entre comportamento verbal e não
verbal. Sugere-se uma mudança de ênfase nos elementos da definição do comportamento
verbal: do agente do reforçamento, o ouvinte, para o critério de reforçamento, as convenções da
comunidade verbal. A concepção de arbitrariedade da linguagem tem suas origens na filosofia
da antigüidade grega e foi mantida viva, através de uma tradição ininterrupta, até a lingüística.
A formulação de Skinner do comportamento verbal foi influenciada por essa tradição, em
especial na versão apresentada pelo lingüista Leonard Bloomfield.
Palavras-chave: Definição de comportamento verbal, Distinção comportamento verbal/não
verbal, Arbitrariedade do signo lingüístico, Skinner, Bloomfield.

Skinner’s definition of verbal behavior and the arbitrariness of


the linguistic signal

Abstract
The linguistic concept of the arbitrariness of the linguistic signal is at the center of Skinner’s
definition of verbal behavior. The role of the conventions of the verbal community, instead of
mechanical and geometrical principles, in establishing the contingent relation between the
verbal response and its consequences constitutes the crucial distinction between verbal and
non-verbal behavior. A change of emphasis on the elements in the definition of verbal
behavior from the agent of reinforcement, the listener, to the criterion for reinforcement, the
conventions of the verbal community, is advocated. The concept of the arbitrariness of
language has its origins in ancient Greek philosophy and was kept alive through an
uninterrupted tradition that reached linguistics. Skinner’s formulation of verbal behavior was
influenced by that tradition, especially in the version presented by the linguist Leonard
Bloomfield.
Keywords: Definition of verbal behavior, Distinction between verbal/non-verbal behavior,
Arbitrariness of the linguistic signal, Skinner, Bloomfield.

Muito foi escrito sobre a abordagem de Holmes, 2001; Leigland, 1997; Moore,
Skinner do comportamento verbal, que foi 2008, p. 162; Osborne, 2003). Este artigo
avaliada tanto como inovativa e analisa a definição de Skinner do
revolucionária, quanto como inadequada e comportamento verbal, examina seus limites
problemática (Hayes, Blackledge, & Barnes- e sugere uma mudança da ênfase em seus

Publicação original: Passos, M. L. R. F. (2007). Skinner’s Definition of Verbal Behavior and the
Arbitrariness of the Linguistic Signal. Temas em Psicologia, 15(2), 161-172.
Endereço para correspondência: Maria de Lourdes R. F. Passos - E-mail: mlpassos@yahoo.com.
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elementos; discute problemas especiais no (Skinner, 1957, p. 225). O comportamento


estudo do comportamento verbal levantado verbal é modelado por um ambiente verbal
pela natureza convencional das relações em que as pessoas respondem com as
envolvidas em suas contingências de maneiras características do grupo a que
reforçamento; e apresenta brevemente uma pertencem (p. 226). Essas maneiras são a
fonte da definição de Skinner do língua da comunidade (p. 36), as línguas
comportamento verbal em discussões estudadas pelo lingüista (p. 461). O
filosóficas e lingüísticas da linguagem, comportamento verbal surge da interação
especialmente na concepção da natureza entre o falante e o ouvinte, relativa às
arbitrária do signo lingüístico. práticas da comunidade verbal – sua língua
Elementos-chave na distinção feita por (p. 226).
Skinner entre operantes verbais e não A definição do comportamento verbal
verbais já aparecem em The Behavior of em Upon further reflection (Skinner, 1987) é
Organisms (Skinner, 1938/1991): (a) As muito clara sobre a relação entre o
respostas verbais são “mecanicamente não comportamento verbal e as línguas: “O
eficazes” 1 em contraste com as respostas comportamento verbal é comportamento
que produzem seu reforçamento agindo reforçado através da mediação de outras
sobre o ambiente (p. 50); (b) O campo pessoas, mas somente quando as outras
verbal é “definido como a parte do pessoas se comportam com as maneiras que
comportamento que é reforçada somente foram modeladas e mantidas por um
através da mediação de um outro ambiente verbal resultante da evolução, ou
organismo” 2 (p. 116). Além das diferenças língua” 4 (p. 90).
em complexidade, o comportamento verbal Por agora, falaremos sobre o
é considerado como a esfera onde a ciência comportamento verbal baseado em línguas,
pode possivelmente encontrar diferenças mas mais tarde retornaremos à definição
entre o comportamento dos homens e dos mais ampla.
demais animais (p. 442). Skinner caracterizou e distinguiu o
Verbal Behavior (Skinner, 1957, p. 1-2) comportamento verbal do não verbal por
esclarece o significado da expressão meio de dois critérios inter-relacionados: (1)
mecanicamente não eficaz: enquanto a As propriedades do operante verbal não o
resposta não verbal é reforçada de acordo relacionam às suas conseqüências através
com as relações mecânicas e geométricas dos princípios mecânicos e geométricos que
que suas propriedades têm com o ambiente, descrevem a organização e o funcionamento
a resposta verbal atua indiretamente no do ambiente físico, mas através das práticas
ambiente através da mediação de um da comunidade verbal; (2) As conseqüências
ouvinte. Apesar da inclusão nesta ampla do comportamento verbal são apresentadas
definição não apenas da linguagem, mas através da mediação de um ouvinte, cujo
também de gestos, desenho, etc., Skinner comportamento de apresentar as
tomou o comportamento verbal vocal conseqüências foi condicionado de acordo
baseado em línguas, em geral no inglês, com essas práticas. Os dois critérios foram
como seu dado principal (p. 14), e na prática apresentados juntos, mas, enquanto o
confinou sua análise a ele. Limitações reforçamento através do ouvinte foi
explícitas foram logo adicionadas à freqüentemente indicado, a ausência de
definição: “o ouvinte deve estar relações mecânicas e geométricas entre o
respondendo com maneiras que foram comportamento verbal e suas conseqüências,
condicionadas precisamente a fim de embora não negada, foi muito mais
reforçar o comportamento do falante” 3 raramente mencionada. Ainda mais
raramente mencionado é o papel da língua
da comunidade no condicionamento do
1
“non-mechanically effective”.
2
“defined as that part of behavior which is
4
reinforced only through the mediation of another “Verbal behavior is behavior that is reinforced
organism”. through the mediation of other people, but only
3
“the ‘listener’ must be responding in ways when the other people are behaving in ways that
which have been conditioned precisely in order have been shaped and maintained by an evolved
to reinforce the behavior of the speaker”. verbal environment, or language”.
Definição skinneriana de comportamento verbal 271

comportamento do ouvinte. A língua é fala (p. 80); (8) permite uma comparação
referida muito mais freqüentemente pela fácil entre sons emitidos e ouvidos, tornando
expressão um tanto vaga “as práticas da possível obter uma grande similaridade entre
comunidade verbal”. Quase nunca é eles (p. 80); (9) é aprendido por meio de
destacado que a apresentação das duplicação do produto, que é altamente
conseqüências pelo ouvinte é contingente à precisa (p. 80).
presença no comportamento do falante das
propriedades que são convencionalmente O ambiente verbal e os limites da
características da língua da comunidade definição do comportamento
verbal. verbal
As propriedades essenciais do Como as relações envolvidas nas
comportamento verbal – sua forma (as contingências que modelam o
topografias que integram a classe operante), comportamento verbal são convencionais,
a probabilidade de uma dada forma de arbitrárias, elas precisam ser mantidas
resposta, sua freqüência total, sua energia e estáveis e ser ensinadas pela comunidade
altura (Skinner, 1957, p. 22) – surgem da verbal. O condicionamento do ouvinte
relação que elas mantêm com as consiste principalmente no estabelecimento
conseqüências deste comportamento, e esta de controle discriminativo do
relação tem uma natureza particular. Ela não comportamento operante pelas formas
é descrita por princípios mecânicos e fonéticas. Esse controle inclui as relações
geométricos, mas pelos princípios que arbitrárias que ligam formas fonéticas aos
descrevem a língua, o conjunto das práticas significados da língua: ao ouvir Dê-me a
convencionais de uma comunidade verbal. boneca, o ouvinte deve dar a boneca e não a
Assim, as propriedades do comportamento mesa. O repertório discriminado do ouvinte
verbal são selecionadas pelo ambiente de sob controle de estímulos verbais o
acordo com as convenções da língua – e um transforma automaticamente em um
ouvinte é um mediador necessário devido à professor do comportamento verbal, em
inabilidade do comportamento verbal para alguém que pode modelar e manter o
atingir conseqüências práticas por si mesmo. comportamento verbal do falante. O ouvinte
O comportamento verbal tem pouco suporte reforçará o comportamento verbal do falante
e constrangimento ambiental, com seus que apresenta as formas contidas nas
limites ditados pela compatibilidade das relações arbitrárias que são convencionais na
topografias envolvidas nas suas muitas e comunidade verbal.
variadas formas, na necessidade de alcançar
Embora a ausência de relações
o ouvinte, e, sobretudo, pelas convenções da
mecânicas e geométricas da resposta verbal
comunidade verbal. Desta maneira, a
em relação à sua conseqüência tenha sido
distinção crítica entre comportamento verbal
mencionada na literatura como a
e não verbal reside no critério de
característica crítica do comportamento
reforçamento, não em sua fonte ou agente,
verbal (por exemplo, Lee, 1984), o papel
porque este critério dá origem às
mediador do ouvinte tem sido mais
propriedades que distinguem o
enfatizado, dando origem a alguns
comportamento verbal do não verbal. De
equívocos, como o entendimento de que o
acordo com Skinner (1957,1987), o
comportamento de pressionar a barra do rato
comportamento verbal vocal: (1) é efetuado
é verbal porque é reforçado através do
com um nível da energia não relacionado à
experimentador, treinado por sua
magnitude do efeito que alcança no
comunidade científica para assim o fazer, o
ambiente (Skinner, 1957, p. 204); (2) é
qual estaria atuando como um ouvinte
normalmente muito rápido (p. 205); (3)
(Hayes et al., 2001). Uma nota de rodapé em
recebe freqüentemente reforço intermitente e
Verbal Behavior deu origem a este
atrasado (p. 205); (4) tem seus efeitos
equívoco:
multiplicados ao atingir muitos ouvintes (p.
206); (5) não depende da visão para ser Nossa definição de
eficaz (Skinner, 1987, p. 80); (6) não comportamento verbal,
envolve o uso das mãos (p. 80); (7) tem incidentemente, inclui o
disponível uma grande variedade de sons da comportamento de animais
272 Passos, M. L. R. F.

experimentais onde os reforços são alavanca não é como o comportamento


fornecidos por um experimentador ou verbal, dado que age no ambiente (p. 50). A
por um aparato projetado para nota em Verbal Behavior refere-se
estabelecer contingências que se provavelmente à modelagem manual
assemelham àquelas mantidas pelo (Peterson, 2004) e a experimentos onde o
ouvinte normal. O animal e o reforço é contingente a propriedades da
experimentador compreendem uma resposta definidas arbitrariamente pelo
pequena mas genuína comunidade experimentador, tal como levantar a cabeça
verbal. 5 (Skinner, 1957, nota de a certa altura, independentemente de
rodapé 11, p. 108) qualquer tipo de efeito no ambiente
(Skinner, 1953, p. 91-92). Em ambos os
Este entendimento foi mantido em
casos a causa imediata para a liberação do
nosso campo em duas formas: em um
reforço não é a ação da resposta no
sentido mais restrito, cujo conteúdo não é
ambiente, mas a ação de um ouvinte
especificado claramente (Osborne, 2003), o
especial, o experimentador.
comportamento parece ser considerado
verbal somente naquelas situações onde o Se testarmos os exemplos do animal
experimentador está liberando pessoalmente experimental e do cão em relação aos dois
o reforço; em um sentido mais extenso, o critérios inter-relacionados que definem
comportamento de interesse de animais em mais completamente o comportamento
experimentos operantes é considerado verbal verbal, eles não passarão no teste e não se
apenas porque o reforço é programado pelo qualificarão como tal. É verdade que em
experimentador (Michael & Mallot, 2003; todos estes casos há outro organismo
Hayes et al., 2001). Igualmente verbal seria envolvido, em níveis diferentes, dependendo
o comportamento do cão cujo latir ou sentar- do exemplo, na apresentação das
se à porta tenham sido reforçados pela conseqüências. Mas a apresentação das
abertura dela por alguém (Michael & Mallot, conseqüências não é contingente à presença
2003). Se as conseqüências são arranjadas no comportamento do animal de
ou fornecidas por humanos, então o propriedades que são características das
comportamento selecionado é verbal. A práticas de uma comunidade verbal. Ao
definição de Skinner de comportamento contrário, na maioria dos casos, a
verbal tem sido criticada porque seria de fato apresentação das conseqüências é
tão abrangente a ponto de abarcar realmente contingente a alguma relação do
todos os estudos experimentais do operante comportamento com o ambiente físico.
e porque não seria funcional. Pois, em vez As propriedades do pressionar a barra –
de voltar-se para a história do organismo de por exemplo, taxa, magnitude, e topografias
interesse (o falante), voltar-se-ia para a das respostas – são selecionadas pelo
história de um outro organismo (o ouvinte) ambiente de acordo com as relações
(Hayes et al., 2001). mecânicas e geométricas que elas têm com o
A interpretação mais estrita aparato experimental, qualificando este
provavelmente faz mais justiça ao que operante como não verbal. Apesar de ser o
Skinner aparentemente queria dizer. Em The experimentador quem arranja as
behavior of organisms (1938/1991) ele contingências, elas funcionam de acordo
apresenta, como uma das razões para com princípios mecânicos e geométricos.
escolher pressionar a alavanca pelo rato Mesmo no caso da modelagem, o critério
como o operante que estudará na situação móvel de reforçamento é definido em geral
experimental, o fato de que pressionar a pelo experimentador (ver, por exemplo,
Skinner, 1953, p. 91-93; Donahoe & Palmer,
5
2004, p. 116-117), embora não
“Our definition of verbal behavior, incidentally, necessariamente, de acordo com a relação do
includes the behavior of experimental animals comportamento com o ambiente físico, não
where reinforcements are supplied by an
de acordo com as práticas convencionais de
experimenter or by an apparatus designed to
establish contingencies which resemble those
uma comunidade.
maintained by the normal listener. The animal A similaridade entre as situações do
and the experimenter comprise a small but comportamento verbal relativas às línguas e
genuine verbal community.” do comportamento de interesse de animais
Definição skinneriana de comportamento verbal 273

experimentais ou de cães que latem ou se verbal. Talvez, em vez de ressaltar o papel


sentam à porta é muito limitada. Por um do ouvinte, nossa definição deveria ser mais
lado, estas situações compartilham a ou menos assim: o comportamento verbal é
característica de terem um outro organismo comportamento operante, cujas propriedades
mediando o reforçamento. Por outro lado, a são selecionadas de acordo com as
ausência de uma comunidade verbal, no caso convenções de uma comunidade verbal. Esta
dos animais não humanos, priva seu definição acompanharia as linhas sugeridas
comportamento de características por Skinner, particularmente em seu estudo
importantes do comportamento verbal: (a) sobre a evolução do comportamento verbal
Não há uma comunidade verbal, a cujas (1987, p. 75), onde ele analisa um exemplo
ricas e complexas práticas convencionais imaginário de dois homens pescando: A
(sua língua) o comportamento dos animais empurra e puxa a rede da água em seguida à
deveria se conformar. Conseqüentemente, as resposta vocal de B, que observa quando um
formas do comportamento em consideração peixe é capturado na rede. Ao decidir
não são ricamente diferenciadas e não quando o comportamento vocal de B pode
mostram o nível de produtividade que é ser apropriadamente chamado verbal,
característico do comportamento verbal; (b) Skinner não escolheu a alternativa “quando
Não há uma comunidade verbal constituída [a resposta vocal de B] foi fortalecida pela
por organismos cujo comportamento produz primeira vez pela ação de A de puxar a rede
produtos audíveis similares. Assim, o animal (isto é, quando se [a resposta vocal de B]
não tem a oportunidade de aprender por tornou um operante vocal)” 6 (1987, p. 89),
imitação e modelagem e por funcionar como mas escolheu a alternativa “quando [a
ouvinte de seu próprio comportamento resposta vocal de B] foi modelada e mantida
verbal, processos que possivelmente tornam por um ambiente verbal transmitido de uma
muito rápida e precisa a aprendizagem do geração a outra (quando se tornou parte de
comportamento verbal (Skinner, 1987, p. 74, uma ‘língua’)” 7 (1987, p. 89).
80; Donahoe & Palmer, 2004, p. 318-319). Como mencionado acima (p. 2), a
Isto não significa que os animais são definição de comportamento verbal abrange
necessariamente incapazes de diversos tipos de comportamento, tais como
comportamento verbal, mas significa que gesticular e desenhar, além dos que
uma comunidade verbal – um conjunto de envolvem as línguas. Entretanto, “verbal” é
práticas convencionais características de um um adjetivo cujo significado usual envolve
grupo – é uma condição prévia para a línguas. A denominação de todo o conjunto
modelagem e manutenção do de diferentes tipos de comportamento verbal
comportamento verbal. E simplesmente não por uma expressão mais adequada ao tipo
é verdade que o experimentador e o animal, específico que envolve línguas induz à
ou o ser humano e o cão, constituem “uma compreensão de que uma língua está
comunidade verbal genuína”, porque uma certamente envolvida sempre que a
comunidade verbal é constituída por expressão aparece. O comportamento verbal
organismos mais um conjunto de práticas baseado em línguas compreende um
convencionais, compartilhadas pela domínio que abarca um rico conjunto de
comunidade e transmitidas através das fenômenos porque é o produto de ambientes
gerações (Bloomfield, 1933/1961, p. 42; sofisticados chamados línguas. Para deixar
Skinner, 1957, p. 226, 461, 1987, p. 75). claro aquilo de que estamos falando, e
A distinção entre o comportamento também para termos uma expressão para
verbal e não verbal é estabelecida mais designar este conjunto particular de
propriamente a partir do critério pelo qual o fenômenos, talvez devêssemos usar a
ambiente seleciona as propriedades da
resposta: se as propriedades selecionadas da 6
“when it was first strengthened by A’s action in
resposta são descritas pelas relações
pulling the net (that is, when it became a vocal
mecânicas e geométricas que elas têm com operant)”.
suas conseqüências, o comportamento não é 7
“when it was shaped and maintained by a
verbal; se a descrição destas propriedades verbal environment transmitted from one
especifica as convenções de uma generation to another (when it became part of a
comunidade verbal, o comportamento é ‘language’)”.
274 Passos, M. L. R. F.

expressão “comportamento verbal ligado. De acordo com a definição fisicalista


lingüístico”. oferecida por Bloomfield (1933/1961), o
A arbitrariedade da relação entre som e significado lingüístico é constituído pelos
significado no comportamento verbal estímulos que regularmente precedem e
lingüístico coloca desafios específicos para seguem a forma emitida (p. 27).
nossa pesquisa e contribui para retardar a Os sinais lingüísticos têm sido
acumulação de conhecimento neste campo. considerados arbitrários desde o início dos
Os princípios mecânicos e geométricos que debates filosóficos (para divergências ou
relacionam operantes não verbais a suas considerações limitadoras, ver Benveniste,
conseqüências funcionam universalmente do 1966, p. 49-55; Jakobson, 1990, p. 407-421;
mesmo modo, o que facilita a compreensão Jespersen, 1922/2007, p. 396). Tanto quanto
das contingências envolvidas em muitos outros itens na lingüística e em
procedimentos experimentais. Em acréscimo outras ciências como a psicologia, as origens
ao repertório comportamental modelado por deste debate são encontradas entre os gregos
contingências que temos em relação a estes da antigüidade. Esta discussão aparece no
princípios, eles são muito bem descritos por Crátilo de Platão no debate phýsis-nómos
ciências, tais como a física e a matemática. (ou natureza-convenção) como respostas
Ao contrário, as convenções que relacionam opostas à questão sobre a origem e
operantes verbais a suas conseqüências funcionamento das palavras: a conexão entre
variam de acordo com as várias as palavras e seus significados é natural e
comunidades verbais. O pesquisador terá necessária, ou convencional? (Bloomfield,
mais dificuldade para compreender um 1933/1961, p. 4; Jakobson, 1990, p. 407-
procedimento que envolva práticas de 421; Robins, 1997, p. 23-25).
comunidades verbais em relação às quais Coseriu (1977, p. 21) considera ser
não tenha nenhum repertório modelado por Aristóteles a primeira fonte de uma tradição
contingências porque não é um membro contínua que afirma a arbitrariedade da
delas (para o mesmo problema no campo linguagem e que se estende da filosofia até a
lingüístico, veja, por exemplo, Diekhoff lingüística científica, que emerge no século
(1915/1970) e Aron (1918/1970). Além XIX, e também à lingüística estrutural do
disso, a maioria das línguas são século XX. Aristóteles considerou que “o
insuficientemente, ou de forma nenhuma, nome é som com significado em razão do
descritas pela lingüística (Bloomfield, que já está estabelecido” 8 (Coseriu, 1977, p.
1933/1961, p. 57; Crystal, 1997, p. 286- 23). De acordo com Coseriu, em fraseado
287). De qualquer maneira, mesmo quando moderno, isto significa que para Aristóteles
o analista é um membro da comunidade a relação entre som e significado na
verbal relativa ao comportamento verbal de linguagem é estabelecida historicamente. A
interesse, como a análise do comportamento formulação de Aristóteles era descritivo-
estuda o comportamento de organismos funcional (era sobre como os sinais
individuais e não o funcionamento de lingüísticos funcionam), não genética (não
comunidades verbais, nós precisaremos das era sobre a origem dos sinais lingüísticos), e
descrições das práticas das comunidades significava que as palavras funcionam em
verbais feitas por outras ciências, virtude da tradição histórica, não por meio
especialmente das feitas pela lingüística. de uma relação natural e necessária entre
som e significado.
A subseqüente longa viagem desta
A arbitrariedade da linguagem nas concepção destacou às vezes o componente
investigações filosóficas e negativo da perspectiva de Aristóteles – não
lingüísticas sobre a linguagem necessária por natureza –, às vezes o
A ancoragem da linguagem nas positivo –instituída historicamente (Coseriu,
convenções da comunidade verbal, em vez 1977, p. 24). Um certo deslocamento da
de no ambiente físico, é designada pelos
lingüistas como “a arbitrariedade do signo 8
“[e]l nombre es sonido con significado en razón
lingüístico”. O signo lingüístico é uma de lo que ya está establecido” (citado e traduzido
unidade da língua constituída por um forma do grego para o espanhol por Coseriu, 1977, p.
fonética junto com o significado a ela 23).
Definição skinneriana de comportamento verbal 275

perspectiva descritivo-funcional de lingüística da arbitrariedade do signo


Aristóteles na direção de uma perspectiva lingüístico à definição de Skinner do
genética apareceu logo em seguida: muito comportamento verbal. O primeiro é An
freqüentemente, os autores discutiram a introduction to the study of language (1914),
origem da tradição que estabeleceu a relação escrito sob a influência da psicologia de
entre sons e significados. Já na escolástica, o Wundt (Bloomfield, 1914/1983, p. vi), é
“instituído historicamente” de Aristóteles fundamentalmente mentalista com respeito a
tornou-se “estabelecido intencionalmente”, certas concepções da linguagem mais gerais
considerando a intencionalidade de quem e fundamentais. O livro foi considerado
estabeleceu o signo lingüístico. (Bolling, 1917/1970; Diekhoff, 1915/1970;
Posteriormente, a discussão filosófica foi Kess, 1983) como uma síntese erudita do
mantida nas mesmas linhas, e vemos o conhecimento lingüístico disponível na
surgimento de expressões como “ex arbitrio, época, dando continuidade a algumas
arbitrary, arbitrarius” (p. 27). Apesar do fato introduções à ciência lingüística muito boas,
de que desde o início do uso do termo neste mas não atualizadas, tal como Language and
contexto arbitrário tenha significado the study of language (1867) de Whitney e
“intencionalmente estabelecido ou imposto”, Introduction to the study of the history of
a palavra veio subseqüentemente significar language (1891), de Strong, Logeman e
apenas “não motivado ou relacionado por Wheeler. O livro de 1914 foi influente como
natureza”, o que não é necessariamente uma um livro-texto, mas foi suplantado pelo
discussão sobre origem (p. 28). extremamente influente Language
Ao longo do tecido filosófico desta (Bloomfield, 1933), e, hoje em dia, o
noção, a diversidade das línguas foi primeiro não é muito bem conhecido mesmo
considerada evidência que suporta a noção no campo da lingüística (Kess, 1983).
da arbitrariedade do signo lingüístico (p. O primeiro capítulo do livro
28). A arbitrariedade do signo lingüístico (Bloomfield, 1914/1983) discute a natureza
foi, e ainda é, compreendida como ausência e origem da linguagem, essencialmente em
de uma conexão causal natural (como a linha com a psicologia de Wundt (Aron,
encontrada na relação fumaça-fogo) ou de 1918; Esper, 1968, p. 188-192; Kess, 1983;
identidade (como a que liga uma coisa à sua ver também Bloomfield, 1913/1970). Ele
imagem) entre som e significado (ou entre o apresenta um ponto de vista evolucionário
signo lingüístico e o mundo extralinguístico) de acordo com o qual estados mentais de
(p. 51). Mesmo quando os autores algumas animais geram movimentos expressivos,
vezes consideraram as onomatopéias como reações físicas naturais (como, por exemplo,
uma possível exceção à arbitrariedade, os uma expressão facial de amargura, que
filósofos, e posteriormente os lingüistas, poderia aparecer como resultado do
sustentaram que elas são muito poucas e que movimento de recuar a parte posterior da
seu papel na língua não é muito importante língua, mais sensível a gostos amargos).
(Coseriu, 1977, p. 33, 49, 55; Robins, 1997, Linguagem gestual (como apontar ou
p. 23-24); as onomatopéias são mais descrever algo através de movimentos, por
freqüentemente concebidas como também exemplo, um chapéu caracteristicamente
arbitrárias, assim como as diferenças entre usado por alguém) é movimento expressivo
elas de língua para língua evidencia enfraquecido ou de alguma forma
(Coseriu, 1977, p. 43). modificado e usado para comunicação. A
Desde o surgimento de sua ciência no relação entre o gesto e o que ele expressa é
início do século XIX, os lingüistas, em geralmente aparente, tal como no ato de
geral, abraçaram a tese da arbitrariedade do apontar, que teria evoluído da tentativa da
signo lingüístico, como o fizeram os criança de agarrar algo que ela não poderia
influentes lingüistas Whitney e H. Paul alcançar. A linguagem vocal surgiu de
(século XIX), e Saussure e Bloomfield movimentos expressivos e apareceu quando
(século XX). não o movimento em si mesmo mas o som
Dois livros-texto de Bloomfield, ambos que ele produzia se transformou em objeto
mencionados por Skinner (1979) em cartas da atenção dos outros. Diferentemente da
escritas em 1934 (Vargas, 1992), são de maioria dos movimentos expressivos, os
interesse ao conectarmos a concepção sons da língua vocal não são indicativos do
276 Passos, M. L. R. F.

que expressam. Mesmo as onomatopéias, em variação; (2) é menos laboriosa e vagarosa,


que parece haver uma conexão direta entre o não exigindo muito esforço muscular; (3)
som e a experiência relacionada, são muito depende da audição em vez da visão, a
limitadas em número e suas formas são primeira, mas não a última, estando quase
relacionados a outras formas da língua sempre aberta para a estimulação exterior,
(Bloomfield, 1914/1983, p. 81). A ausência além de ser independente da necessidade de
de uma conexão natural (imediata) entre girar o corpo (1914/1983, p. 8).
som e significado permite a transferência de
significado e explica a mudança lingüística e O livro-texto Language (1933) de
a diversidade das línguas através do tempo e Bloomfield, excepcionalmente influente na
do espaço: na linguagem vocal, “nunca lingüística (Coseriu, 1986, p. 149; Hockett,
houve um estágio em que um ouvinte 1984, 1999; Lepschy, 1982, p. 84-85;
pudesse reconhecer qualquer coisa além de Robins, 1997, p. 237-238), afirma, sucinta,
uma conexão arbitrária entre o som e o mas completamente, a arbitrariedade do
sentido” 9 (Bloomfield, 1914/1983, p. 16). A signo lingüístico e é muito mais conciso
forma dos enunciados depende dos hábitos sobre gestos e sua relação com a linguagem
da comunidade lingüística do falante tanto vocal. A fala e os gestos são concebidos
no que diz respeito aos sons quanto aos como tipos similares de comportamento no
significados: sentido de que não agem diretamente no
mundo extralinguístico, mas funcionam
assim como cada língua usa
como estímulos para um ouvinte, cujo
apenas um conjunto limitado extraído
comportamento age diretamente no mundo
da infinidade de sons possíveis ao
extralinguístico (Bloomfield, 1933/1961, p.
órgão vocal humano, da mesma forma
22-27, 38-39). Apesar de alguma medida de
cada língua divide a infinita variedade
imitação presente nos gestos (por ex.: dois
de experiências da vida em um
dedos que imitam um homem andando), e
número limitado de classes dentro de
assim alguma semelhança ou relação natural
cada qual todas as experiências são
com o que significam, eles são
nomeadas pela mesma expressão. As
principalmente convencionais e usados
classes assim reconhecidas pelas
como um acessório à linguagem (p. 39, 144,
diferentes línguas são… muito
147). Ainda mais do que no caso dos gestos,
diferentes…. [A] descrição das várias
“a conexão das formas lingüísticos com seus
classes de experiências e dos
significados é inteiramente arbitrária” 11
complexos de sons usados para
(Bloomfield, 1933/1961, p. 145) e
expressá-los constitui o léxico ou
estabelecida pelas convenções da
dicionário de uma língua. 10
comunidade verbal. Palavras diferentes com
(Bloomfield, 1914/1983, p. 90)
o mesmo significado em línguas diferentes
Bloomfield sublinhou as vantagens da (por exemplo, doll em inglês e boneca em
linguagem vocal sobre os movimentos português) indicam a arbitrariedade da
expressivos sem som. Ela: (1) permite maior relação entre forma e significado, em vez de
uma relação natural necessária. Exigindo um
9
pouco mais de sutileza para discernir, mas
“there never was a stage in which a hearer tendo muita importância para a compreensão
could recognize any but an arbitrary connection
das línguas, as formas lingüísticas de línguas
between sound and sense”.
10
“… just as each language uses only a limited
diferentes não correspondem a seus
set out of the infinity of sounds possible to the significados da mesma maneira (Bloomfield,
human vocal organ, so each language divides the 1933/1961), isto é, não há uma
infinitely various experiences of life into a correspondência biunívoca entre as formas
limited number of classes within each of which lingüísticas de línguas diferentes. O sistema
all experiences are named by the same inteiro da língua é arbitrário, é convencional,
expression. The classes so recognized by the e o modo como cada língua classifica o
different languages are … very different.… the mundo é único. Por exemplo, em português
description of the various experience-classes and
of the sound-complexes used to express them,
11
constitutes the lexicon or dictionary of a “the connection of linguistic forms with their
language.”. meanings is wholly arbitrary”.
Definição skinneriana de comportamento verbal 277

Uma pessoa toca o violão e Uma criança Ao discutir a evolução de um ambiente


brinca com o brinquedo, mas em inglês verbal, uma língua, Skinner (1987, p. 75)
Uma pessoa plays o violão e Uma criança debate igualmente a evolução dos gestos. Os
plays com o brinquedo. A mesma forma movimentos podem ser fisicamente muito
fonética – plays – é relacionada em inglês à similares às situações que significam (como
ação que uma pessoa executa com o violão e os usados para modelar o comportamento de
à ação que uma criança executa com o abrir uma porta deslizante) ou menos
brinquedo. Em português duas diferentes similares, na medida em que se tornam mais
formas fonéticas – toca e brinca – são distantes de ter um efeito prático no mundo
relacionadas a cada uma destas duas ações. e mais próximos de se transformarem em um
gesto atuando no comportamento de outros
(p. 78-79).
O vínculo entre as concepções de Ele menciona as vantagens do
comportamento verbal e comportamento vocal sobre os gestos na
arbitrariedade do signo lingüístico selecção natural, em termos que lembram
Skinner distinguiu o operante não fortemente a comparação de Bloomfield
verbal de pressionar uma barra dos (1933/1961):
operantes verbais na base de que o primeiro,
Os sons são eficazes no escuro,
mas não os últimos, tem um suporte externo
nos cantos, e quando os ouvintes não
(precisa da barra) através do qual age no
estão olhando, e podem ser feitos
ambiente (Skinner, 1938/1991, p. 50). O
quando as mãos estão ocupadas com
comportamento verbal escapa facilmente do
outras coisas. Há vantagens especiais,
controle de estímulo, “porque por sua
entretanto, em extensos repertórios
própria natureza não requer suporte
operantes, especialmente na enorme
ambiental - isto é, nenhum estímulo precisa
variedade de sons da fala disponíveis.
estar presente para dirigi-lo ou formar elos
Os gestos não são tão conspicuamente
importantes no encadeamento das
diferentes quanto os sons da fala e por
respostas” 12 (Skinner, 1957, p. 47).
isso seu número é menor, e os sons
Quando respostas que não agem no
que alguém produz são mais
ambiente, tal como flexionar a perna, são
parecidos com os sons que ouve do
reforçadas, “elas se tornam gestos” 13
que os gestos que alguém faz são
(Skinner, 1938/1991, p. 50). De acordo com
parecidos com os gestos que vê
Skinner (1938/1991, p. 50; 1957, p. 47), os
(porque são vistos de um diferente
gestos são respostas verbais, mas muitos
ponto de vista). Aprende-se a
deles podem ter-se originado de respostas
gesticular através de duplicação do
que tinham efeitos práticos no mundo, e são
movimento, mas a falar através de
extensões destas respostas práticas (tais
duplicação do produto, que é mais
como o policial de trânsito parando um carro
precisa. 14 (Skinner, 1987, p. 80)
por meio de um gesto que pararia alguém se
realmente atingisse a pessoa). Skinner
(1957, p. 466) oferece diversos exemplos em
que um comportamento que é 14
mecanicamente eficaz sobre alguém (tal “Sounds are effective in the dark, around
corners, and when listeners are not looking, and
como parar uma pessoa pressionando a mão
they can be made when the hands are busy with
em seu peito) vem a ser apresentado em other things. There are special advantages,
forma incipiente (tal como apenas estender a however, in large operant repertoires, especially
mão sem tocar na pessoa), e adquire um the enormous variety of available speech sounds.
efeito no comportamento do outro, caso em Gestures are not as conspicuously different as
que é um gesto e é comportamento verbal. speech sounds and hence are fewer in number,
and the sounds one produces are more like the
sounds one hears than the gestures one makes are
12
“because by its very nature it does not require like the gestures one sees (because they are seen
environmental support -that is, no stimuli need from a different point of view). One learns to
be present to direct it or to form important links gesture through movement duplication but to
in chaining responses”. speak through product duplication, which is
13
“they become gestures”. more precise.”.
278 Passos, M. L. R. F.

As relações envolvidas no analisou o mundo não verbal. Assim, por


estabelecimento dos operantes verbais são, exemplo, em português carne refere-se a
em geral, arbitrárias, refletindo a uma parte do corpo dos animais,
arbitrariedade da língua. Em todos os independentemente de o contexto ser ou não
operantes, a relação entre a resposta verbal e ser o da alimentação. Em inglês, duas
o reforço é arbitrária. Igualmente arbitrária é palavras diferentes, meat e flesh, referem-se
a relação de (Skinner, 1957): (a) o estímulo a este aspecto idêntico da realidade
aversivo ou a privação e a resposta verbal, extralingüística. A arbitrariedade da análise
no mando (1957, p. 35); (b) o estímulo é devida, parcialmente, ao fato de que
discriminativo não verbal e a resposta muitas das propriedades de estímulos que
verbal, no tato (p. 81); (c) o estímulo controlam tatos podem ser identificadas
discriminativo verbal que controla os apenas por meio de um ambiente verbal. O
textuais (p. 65-69) e os intraverbais (p. 71); controle das formas de respostas por
(d) e os estímulos discriminativos verbais e estímulos, ou propriedades de estímulos,
não verbais que controlam os autoclíticos (p. ocorreu de forma não planejada e não há
311). Entretanto, embora fortemente nenhuma necessidade lógica aparente pela
relacionados, os operantes verbais não são qual alguns, mas não outros estímulos ou
unidades lingüísticas; nos primeiros, propriedades, adquiriram controle sobre as
encontraremos similaridade em algumas formas:
relações de controle. Nos ecóicos (p. 55) há
Ao estudar as propriedades do
similaridade formal entre os estímulos
mundo das coisas ou eventos aos
discriminativos verbais e a resposta verbal.
quais respondemos verbalmente,
Nas transcrições (p. 69-71), a relação entre
devemos nos erguer por nosso próprio
os estímulos discriminativos verbais e a
esforço; muitas propriedades da
resposta verbal pode ser arbitrária, como
natureza podem ser identificadas e
acontece ao tomar ditado ou escrever com
tratadas exclusivamente por meio de
um tipo diferente dos que estão funcionando
práticas verbais. Não obstante, o
como estímulos discriminativos verbais, ou
problema do controle de estímulo no
de similaridade formal, no caso de copiar de
tato pode ser examinado
uma fonte escrita usando o mesmo tipo. A
significativamente. Se o mundo
similaridade encontrada nas relações dos
pudesse ser dividido em muitas coisas
estímulos discriminativos verbais com a
e eventos separados e se pudéssemos
resposta verbal nos ecóicos e nas
estabelecer uma forma separada de
transcrições acontece porque sua função no
resposta verbal para cada um, o
repertório do falante é construir as unidades
problema seria relativamente simples.
de que outros operantes verbais são feitos.
Mas o mundo não é tão facilmente
Estas unidades devem ter similaridade
analisado, ou pelo menos não foi
formal com as encontradas na comunidade
analisado assim por aqueles cujo
verbal. Os operantes verbais nos quais há
comportamento verbal devemos
similaridade formal entre estímulos
estudar. Em qualquer repertório
discriminativos e resposta verbal permitem
verbal amplo encontramos uma
comparação e auto-reforçamento (p. 70), o
confusa mistura de relações entre
que pode facilitar sua aprendizagem.
formas de resposta e formas de
A arbitrariedade das relações estímulos. O problema é achar as
envolvidas nos operantes verbais é discutida unidades básicas de
claramente por Skinner em sua abordagem 15
“correspondência”. (Skinner, 1957,
do controle de estímulo no tato. A p. 115-116)
correspondência entre as formas de fala que
constituem os tatos e os estímulos ou
propriedades de estímulos que controlam 15
“In studying the properties of the world of
estes formas não é simples de ser estudada things or events which are responded to verbally
empiricamente. O repertório de tatos we must lift ourselves by our own bootstraps;
encontrados em uma dada comunidade many properties of nature can be identified and
verbal corresponde à maneira particular e dealt with only through verbal practices.
arbitrária como esta dada comunidade Nevertheless the problem of stimulus control in
Definição skinneriana de comportamento verbal 279

Por não sermos capazes de encontrar as Bloomfield atribuiu à psicologia a


formas originais das palavras, e também por tarefa de explicar o comportamento de
causa da diversidade das línguas do mundo falantes e ouvintes:
(Skinner, 1987, p. 91), Skinner (1957, p. 468)
Não compreendemos o
questiona a apresentação das onomatopéias
mecanismo que faz as pessoas
como uma explicação para a o r i g e m d a
dizerem determinadas coisas em
l i n g u a g e m b a s e a d a n a similaridade
determinadas situações, ou o
física entre o estímulo e a resposta.
mecanismo que as faz responder
apropriadamente quando estes sons da
Conclusão fala atingem seus tímpanos.
A relação peculiar da linguagem com o Evidentemente estes mecanismos são
mundo extralinguístico, corporificada na um aspecto de nosso equipamento
noção de arbitrariedade do signo lingüístico, geral para responder a estímulos,
está no centro do conceito de Skinner de sejam eles sons da fala ou outros.
comportamento verbal. Skinner foi Estes mecanismos são estudados na
influenciado especialmente pela discussão fisiologia e, em especial, na
de Bloomfield sobre a arbitrariedade da psicologia. Estudá-los em seu papel
linguagem, que enfatizou não apenas a especial na língua, é estudar a
ausência de qualquer tipo de relação natural psicologia da fala, psicologia
entre unidades lingüísticas e seus lingüística. Na divisão do trabalho
significados, mas igualmente a ineficácia da científico, o lingüista trata somente
linguagem no mundo extralingüístico, e sua dos signos da fala…; ele não é
eficácia sobre o ouvinte. Em resumo, competente para tratar de problemas
diversos elementos levantados no debate da fisiologia ou da psicologia. 16
filosófico e lingüístico sobre a arbitrariedade (1933/1961, p. 31-32)
do signo lingüístico aparecem na concepção Verbal Behavior de Skinner assume
de Skinner de comportamento verbal: a esta tarefa atribuída por Bloomfield à
ineficácia do comportamento verbal no psicologia. É a primeira tentativa na história
ambiente físico; os gestos como um das ciências da linguagem de especificar e
precursor evolucionário do comportamento explicar os repertórios do falante e do
verbal vocal e como um tipo de ouvinte por meio de um modelo científico
comportamento verbal; as vantagens de suscetível de abordagem experimental. A
sinalizar por meio de sinais vocais em vez contribuição verdadeiramente original de
de visuais; a natureza da relação entre som e Skinner foi mostrar os processos
significado nas onomatopéias; as diferenças comportamentais pelos quais as conexões
entre as palavras de diferentes línguas e a arbitrárias entre sons e significados que
variedade das línguas como sinal da constituem as línguas são inseridas nas
arbitrariedade da linguagem; a falta de contingências de reforçamento que modelam
identidade entre o som da fala e o mundo o comportamento de falantes e ouvintes.
extralingüístico; a arbitrariedade geral da
análise e classificação do mundo feitas pelas
16
línguas. “We do not understand the mechanism which
makes people say certain things in certain
situations, or the mechanism which makes them
respond appropriately when these speech-sounds
the tact can be meaningfully examined. If the strike their ear-drums. Evidently these
world could be divided into many separate things mechanisms are a phase of our general
or events and if we could set up a separate form equipment for responding to stimuli, be they
of verbal response for each, the problem would speech-sounds or others. These mechanisms are
be relatively simple. But the world is not so studied in physiology and, especially, in
easily analyzed, or at least has not been so psychology. To study them in their special
analyzed by those whose verbal behavior we bearing on language, is to study the psychology
must study. In any large verbal repertoire we find of speech, linguistic psychology. In the division
a confusing mixture of relations between forms of scientific labor, the linguist deals only with
of response and forms of stimuli. The problem is the speech-signal …; he is not competent to deal
to find the basic units of ‘correspondence’.” with problems of physiology or psychology.”
280 Passos, M. L. R. F.

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Publicado em Outubro de 2009

Nota da autora: Uma primeira versão deste artigo foi apresentada na 33ª Annual
Association for Behavior Analysis (ABA) Convention, San Diego, 2007. Fico muito
agradecida a David E. Eckerman por sua leitura cuidadosa do artigo e pelas sábias
sugestões.

Nota da autora II: Em setembro de 2007 esta versão do meu artigo foi submetida ao
periódico Behavior and Philosophy. Em janeiro de 2008 o editor enviou-me duas revisões,
junto com sua decisão de não publicar o artigo (Marr, 2008).
O “Revisor A” considerou que a conexão entre a primeira e a segunda metade do
artigo era vaga, mas achou que a primeira parte poderia ser publicada apesar de discordar
dos pontos centrais da autora sobre a definição de comportamento verbal. O “Revisor A”
considerou ser:

… útil distinguir dois tipos de definição. Quando fazemos um modelo


matemático ou qualquer outro tipo de sistema formal, damo-nos ao luxo de
definir nossos termos antecipadamente. "Um círculo é um conjunto de
pontos em um plano equidistantes de algum [sic] ponto neste plano." Mas
quando estudamos a natureza e tentamos classificar nossas observações,
nossas definições são empíricas, em vez de a priori. Uma definição a priori
pode distinguir claramente entre membros da classe e não membros. Mas as
definições empíricas têm limites nebulosos. " Um cão é um quadrúpede
peludo que late, persegue carros, molha o tapete, etc." Não importa o quão
duramente trabalhemos em tal definição, enfrentaremos casos ambíguos.
(Um coiote é um cão? Um coydog é um cão?) O comportamento verbal é
deste tipo. As classes de comportamento, assim como as classes de
282 Passos, M. L. R. F.

organismos, têm necessariamente limites nebulosos. A melhor definição não


dividirá o domínio do comportamento em classes perfeitamente discretas;
em vez disso, será útil. Parece-me que a definição que o (a) autor (a)
estabeleceu tem esta propriedade. Isto é, acredito que o (a) autor (a) fez um
trabalho muito bom ao identificar uma definição útil, mas é pedir demais a
esta definição que decida sobre casos limítrofes….
Em resumo, penso que o (a) autor (a) fez um trabalho muito bom ao
sumarizar as várias tentativas de Skinner de chegar a uma definição de
comportamento verbal e as combinou em um amálgama coerente que é
particularmente útil. Entretanto, sinto que o uso que o (a) autor (a) faz
desta definição está aberto à controvérsia. O exame do tópico da
arbitrariedade do signo, embora de interesse por si mesmo, parece-me ser
tangencial. 17

Entretanto, a arbitrariedade das relações envolvidas no comportamento verbal têm


sido ressaltadas em discussões recentes sobre a definição de Skinner de comportamento
verbal. Por exemplo, Palmer (2008) recentemente também publicou um artigo sobre este
assunto e sua interpretação da definição skinneriana de comportamento verbal - “O
comportamento verbal emerge em uma comunidade que mantém contingências de
reforçamento para o comportamento que reflete relações arbitrárias mas convencionais
entre estímulos e respostas” (p. 299) – é semelhante à definição de comportamento verbal
que meu artigo sugere poderia ser formulada a partir da distinção de Skinner entre
comportamento verbal e não verbal: “O comportamento verbal é comportamento operante
cujas propriedades são selecionadas de acordo com as convenções de uma comunidade
verbal.” (No discurso filosófico e lingüístico sobre a linguagem, de onde a nomenclatura
“convencional” e “arbitrária” sobre este tema se origina, estas palavras têm basicamente o
mesmo uso.)

Marr, J. E-mail para a autora, 4 de janeiro de 2008.


Palmer, D. C. (2008). On Skinner’s definition of verbal behavior. International Journal of
Psychology and Psychological Therapy, 8(3), 295-307.

17
“…helpful to distinguish two kinds of definition. When we make a mathematical model or any other
kind of formal system, we have the luxury of defining our terms in advance. "A circle is a set of points in
a plane equidistant from any [sic] point in that plane." But when we study nature and attempt to classify
our observations, our definitions are empirical, rather than a priori. An a priori definition can cut cleanly
between members of the class and nonmembers. But empirical definitions have fuzzy boundaries. "A dog
is a furry quadruped that barks, chases cars, sheds on the carpet, etc." No matter how hard we work on
such a definition, we will face ambiguous cases. (Is a coyote a dog? Is a coy-dog a dog?) Verbal behavior
is of this sort. Classes of behavior, like classes of organisms necessarily have fuzzy boundaries. The best
definition will not carve up the domain of behavior into perfectly discrete classes; rather, it will be useful.
It seems to me that the definition the author settles on has this property. That is, I believe the author has
done a very good job of identifying a useful definition, but it is asking too much of such a definition to
decide on borderline cases.…
In summary, I think the author has done a very good job of summarizing Skinner's various attempts at a
definition of verbal behavior and has combined them into a coherent amalgam that is particularly useful.
However, I feel that the use to which the author puts this definition is open to controversy. The discussion
of the topic of the arbitrariness of the signal, while of interest in its own right, seems to me to be
tangential.”

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