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Copyright ~ 2020, Metanoia Editora

Editora
Léa Carvalho
Consultor
Jean Baptista
Capa
Design: MaLu Santos I Ilustração: Ricardo Sanzi
Projeto gráfico
MaLu Santos
II ustrações
Ricardo Sanzi
Diagramação das ilustrações
Aline Inforsato
Revisão
Guiliana da Silva Santos e Jean Baptista
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ClP-BRASIL CATA'-OGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
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B669m
Boita, Tony
Museologia LGBT : cartografia das memórias LGBT9' + em acervos,
arquivos,p'atrimônios, monumentos e museus transgressores Tony Boita. - 1.
ed. - Rio de Janeiro: Metanoia, 2020.
148p.:il.;23cm.

Inclui bibliografia
ISBN 978-65-86137-11-8
1. Homossexualidade - História. 2. Homossexualidade Aspectos
sociais. 3.ldentidade de gênero. 4. Administração e gestão de arquivos,
bibliotecas e centros de documentação. I. Título.

20-66564 CDD: 306.766


CDU: 025.1
Camila Doni, Ilartmann BibliOlec.lria - CRB-7!6472
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Às pessoas travestis, tral1Sexu.ais, tral1Sgmeros,
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Sindicato Nacional dos Edilorf's de Livros (SNEl) - www.snel.org.br qu.eers, intersexu.ais, lésbicas, gays e bissexu.ais
Impresso no Brasil qu.e tiveram suas mem6rias exiladas.
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de memórias exiladas de sexualidades desobedientes". Trata-se de uma


cartografia social, perpassada por subjetividades, aberta e rizomática.
Pesquisadorxs do campo da memória, do patrimônio e dos museus

T ive a honra de acompanhar e tenho a alegria de apresentar a pesquisa


Museologia LG BT: Cartografia das Memórias LG BTQI+ em Acervos,
Arquivos, Patrimônios, Monumentos e Museus Transgressores. Tarefa
encontrarão aqui um exemplo de estudo antropológico e etnográfico
lastreado em um levantamento de fontes por meio de visitas a museus
(físicos e virtuais) e websites, de buscas em jornais, revistas, e livros, além
desafiadora, realizada de forma primorosa por Tony Boita, essa cartografia de documentários e vídeos, beneficiando-se também das redes de pesquisa
é fruto de um longo percurso iniciado em produções anteriores do autor, e de afetos, como a Revista Memória LGBT e a Rede LGBT de Memória
mas que aqui se revela de forma sistematizada e potente. Tarefa delicada, e Museologia Social. Ainda do ponto de vista metodológico, a troca de
pois debruça-se na procura de vestígios em uma estratigrafia emaranhada, cartas com as instituições e a aplicação de um questionário também foram
formada por camadas de exílio, violência e silenciamento. utilizadas de forma engenhosa.
Os bens patrimoniais e os museus foram, desde os seus primórdios, Profissional e artífice do campo da memória e da Museologia, Tony
espaços de identidades moldadas na figura masculina, na heterossexualidade, demonstra como memórias traumáticas, como a epidemia da AIDS, foram
na branquitude, na propriedade e na colonialidade. Palcos da norma trabalhadas por meio de redes de solidariedade em coletivos de pessoas LG BT,
buscaram - e ainda buscam - o apagamento das diferenças, por vezes resultando em um primeiro movimento dessas iniciativas. Em um segundo
encenadas em uma diversidade redutora. movimento, as iniciativas relacionadas à memória LGBT vivenciaram dois
Assim, os corpos, os saberes, os lugares e as expressões LG BT têm fenômenos de ampliação: um associado ao seu crescimento quantitativo
sido sistematicamente excluídos das políticas patrimoniais e dos museus e outro ao alargamento das diferenças representadas nesses espaços. O
institucionalizados. Esse mecanismo de negação dos direitos culturais dessa trabalho preocupa-se em apontar o predomínio de experiências associadas
população é revelador de um sistema hetero-cis-normativo, que busca a memórias de homens gays, demandando um olhar interseccional que
apagar as histórias e as memórias associadas às sexualidades desobedientes. considere gênero, raça, classe e outros marcadores sociais da diferença,
olhar também presente em experiências realizadas em museus comunitários
Felizmente, essas memórias exiladas, empregando um conceito elaborado e em outras iniciativas devotadas à memória social de grupos vulneráveis,
por Cristina Bruno, continuam existindo, ainda que deslocadas de forma especialmente no contexto brasileiro. Nessas experiências surgem as lésbicas
violenta dos espaços oficiais de memória. Como o pássaro Benu, presente negras, as travestis, as mulheres e homens transexuais, além de toda uma
em mitos e histórias do continent~ africano mais tarde apropriado infinidade de formas de ser e estar no mundo. Como nos lembra Tony,
como fênix pelos gregos - , essas memórias refazem-se constantemente, o "promover estas memórias subalternas é um ato de resistênciá'.
que demonstra que a memória é uma "categoria viva, dinâmica, seletiva,
documental, manipulável e constantemente em conflito", como nos Se por um lado as experiências mapeadas são potentes ao evidenciarem
adverte o autor desta pesquisa. Construídas entre afetos e resistências, as essa resistência, por outro lado, quando as comparamos com um quadro
memórias transviadas ressurgem em iniciativas reveladoras da força e das geral - o trabalho mostra que apenas 17% dos países membros da ONU
redes de pes~oas travestis, transexuais, lésbicas, bissexuais e gays. possuem iniciativas voltadas para a memória de sexualidades náo normativas
- identificamos ainda um longo caminho a ser percorrido.
Essa cartografia, portanto, revela um movimento de resistência múltiplo
e diverso, com o levantamento de mais de uma centena de iniciativas que A negação do direito à memória está diretamente ligada à negação de
positivam as memórias LG BT ao redor do mundo. Cabe apontar que, como direitos humanos como a saúde, a educação e a segurança, representando
indica o autor, "essa cartografia não se refere exclusivamente a territórios a perda da própria vida, como afirma o autor: "ao eliminar a juventude
e a lugares, mas sim às relações e aos processos de liberdade e resistência LGBT hoje, o Estado elimina futuras vidas, memórias e a possibilidade de
amanhá para esses jovens". Nesse sentido, a pesquisa demonstra a conexão
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entre os direitos humanos e os culturais, entre políticas da memona e
práticas do bem viver. As "ausências resultam, a médio e longo prazo, em
um profundo silenciamento social que perpassa os museus e os patrimônios
cul turais" .
o livro que temos em mãos aquenda para essas memórias desobedientes,
para fluxos e movimentos de corpos, assim como para práticas, saberes,
performances e expressões. Essas iniciativas são inspirações necessárias e
acalentadoras para os dias atuais e futuros.

Camila Azevedo de Moraes Wichers


Professora de Museologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia
Social da Universidade Federal de Goiás (UFG) e Integrante do Ser-tão -
Núcleo de Estudos e Pesquisas em Gênero e Sexualidade.

Goiânia, novembro de 2019

EXISTE UMA
M USEOLOGIA LG BT?

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