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ACERVO

R E V I S T A DO A R Q U I V O N A C I O N A L

VOLUME 8 • NÚMERO • 01/02 • JAN/DEZ • 1995

LEITURAS E LEITOREl

MINISTÉRIO DA IUSTIÇA

ARQUIVO NACIONAL
Ministério da Justiça
Arquivo Nacional

ACERVO
R E V I S T A D O A R Q U I V O R A C I O N A L

RIO DF. JANEIRO, V.8, NUMERO 01/02. JANEIRO/DEZEMBRO 19%


© 1 9 9 5 by A r q u i v o n a c i o n a l
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Acervo: revista d o Arquivo Nacional. —


v. 8 , n . 1-2 ( j a n . / d e z . 1 9 9 5 ) . — R i o d e J a n e i r o : A r q u i v o n a c i o n a l , 1 9 9 5 .
V.; 2 6 c m
Semestral
Suspensa de 1990 a 1992
Cada número possui um tema distinto
issn 0102-700-X
1. A r q u i v o l o g i a - P e r i ó d i c o s 2 . H i s t ó r i a - P e r i ó d i c o s 3 . A r q u i v o s - T e c n o l o g i a A p l i c a d a -
P e r i ó d i c o s I. A r q u i v o n a c i o n a l
S U M Á R I O

01
APRESENTAÇÃO

03
ENTREVISTA COM ROGER CHARTIER

13
ENTREVISTA COM ROBERT DARNTON

19
Os CLÉRIGOS E OS LIVROS NAS MINAS GERAIS DA SEGUNDA
METADE DO SÉCULO X V I I I
Luiz Carlos Villalta

53
OS 'LETRADOS* DA SOCIEDADE COLONIAL: AS ACADEMIAS E A
CULTURA DO ILUMINISMO NO FINAL DO SÉCULO X V I I I
Berenice Cavalcante

67
SERVIDÃO E DÚVIDA: O LEITOR DA HISTÓRIA DO FUTURO DE
ANTÔNIO VIEIRA

Marcus Alexandre Motta

83

LEITORES DO RIO DE JANEIRO: BIBLIOTECAS COMO JARDINS DAS


DELICIAS

Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira

105

CULTURA CIENTÍFICA E SOCIABILIDADE INTELECTUAL NO BRASIL


SETECENTISTA: UM ESTUDO ACERCA DA SOCIEDADE LLTERÃRIA DO
Rio DE JANEIRO
Lorelai Brilhante Kury e O s w a l d o Munteal Filho
123

LEITURA E LEITORES NO BRASIL, 1820-1822: o ESBOÇO


FRUSTRADO DE UMA ESFERA PÚBLICA DE PODER
L ú c i a M a r i a B a s t o s P. N e v e s

139

A DISTINÇÃO E SUAS NORMAS: LEITURAS E LEITORES DOS MANUAIS


DE ETIQUETA E CIVILIDADE - R l O DE JANEIRO, SÉCULO X I X
Maria do C a r m o Teixeira Rairího

153

R E V O L U Ç Ã O E HERESIA NA BIBLIOTECA DE UM ADVOGADO DE


M ARI A N A
Paulo G o m e s Leite

167

EDIÇÕES PERIGOSAS: A Exerci,OPÊDIE PARA ROBERT


DARNTON

Cláudia Heynemann

183
A LIVRARIA DO TEIXEIRA E A CIRCULAÇÃO DE LIVROS NA CIDADE
DO R i o DE JANEIRO, EM 1 7 9 4

Nireu Oliveira Cavalcanti

195
P E R F I L INSTITUCIONAL
R E A L G A B I N E T E PORTUGUÊS DE L E I T U R A

Antônio Gomes da Costa

199
BIBLIOGRAFIA
A P R E S E N T A Ç Ã O

Tentar saber que livros possuíam os D e d i c a d o a estes t e m a s , este n ú m e r o d a


homens de u m a determinada época e revista Acervo, reúne artigos que
sociedade e c o m o e por que o s liam têm discutem o c o n t e ú d o de bibliotecas, as
sido u m a preocupação constante dos recepções e práticas de leituras, e as
sociólogos e historiadores da leitura. sociabilidades intelectuais no Brasil d o s
s é c u l o s XVIII e X I X . A l é m d i s s o , traz
Um d o s trabalhos precursores desta
uma inovação: entrevista dois dos
temática foi escrito no século XIX, pelo
maiores especialistas no assunto, os
historiador francês Daniel Mornet. E m
historiadores Roger Chartier e Robert
seu artigo "Os ensinamentos das
Darnton.
b i b l i o t e c a s p a r t i c u l a r e s n o s é c u l o XVIII",
o autor procurava avaliar a difusão das Os artigos de Luiz Carlos Villalta, Paulo
obras i l u m i n i s t a s a partir d o acervo G o m e s Leite e T â n i a B e s s o n e partem d o
daquelas bibliotecas. C o m isso, o conteúdo de bibliotecas para tentar
historiador buscava responder à perceber o que e como liam
pergunta: o que liam os franceses no determinados grupos. Villalta analisa as
s é c u l o XV1I1? bibliotecas de clérigos nas Minas Gerais
d a s e g u n d a m e t a d e d o s é c u l o XVIII p a r a
O artigo d e M o r n e t g e r o u u m a s é r i e d e
avaliar e m que m e d i d a os livros que elas
trabalhos que buscavam reconstituir não
possuíam influenciaram as condutas
apenas o conteúdo das bibliotecas de
políticas e sexuais destes clérigos.
diferentes grupos sociais mas também,
e principalmente, o consumo, a A partir dos Autos da Devassa da

circulação e a recepção dos livros. Inconfidência Mineira e do conteúdo da

Assim, os trabalhos mais recentes sobre biblioteca de J o s é Pereira Ribeiro, Paulo

as p r á t i c a s e a r e c e p ç ã o d a s l e i t u r a s j á Gomes Leite analisa a leitura e a

não partem mais d o pressuposto de que circulação dos chamados livros

a simples posse d o s livros é s i n ô n i m o perigosos, que excitavam o ardor

da leitura d o s m e s m o s . Interessados e m revolucionário dos letrados mineiros d o

analisar as formas de se ler u m a s é c u l o XV111. T â n i a B e s s o n e e s t u d a o

determinada obra, sua recepção e c o n t e ú d o das bibliotecas particulares de


circulação, os historiadores e sociólogos médicos e advogados na virada do
têm se d e b r u ç a d o cada vez mais sobre século XIX para o X X tentando perceber
este objeto, tentando articular as nào apenas que livros estes homens
diferentes formas de venda, acesso e possuíam mas também o que liam.
maneiras de ler o livro. As s o c i a b i l i d a d e s i n t e l e c t u a i s viven-
c i a d a s no B r a s i l d o s s é c u l o s XV11I e XIX Claudia Heynemann. A primeira discute
aparecem nos artigos de Berenice o c o n t e ú d o dos m a n u a i s de etiqueta e
Cavalcante, Lorelai Brilhante Kury & civilidade que circulavam no Rio de
Oswaldo Munteal e Lúcia Bastos. J a n e i r o d o s é c u l o XIX e a i m p o r t â n c i a
Berenice Cavalcante investiga o elenco de s u a leitura para a q u e l e s que se
de q u e s t õ e s q u e a t r a í a a e l i t e i n t e l e c t u a l denominavam membros da "boa
da C o l ô n i a e a nova sociabilidade sociedade". Claudia Heynemann enfoca
vivenciada por estes a c a d ê m i c o s que, a o universo de livros clandestinos,
despeito das diferenças advindas da panfletos e literatura pornográfica que
riqueza ou do conhecimento, igualavam- era c o n s u m i d a na França no período
se n a c o n d i ç ã o d e l i v r e s pensadores. p r é - r e v o l u c i o n á r i o a partir d a a n á l i s e d e
Robert Darnton sobre a Encyclopédie.
A S o c i e d a d e Literária d o Rio de J a n e i r o
e a especificidade do grupo de letrados A r e v i s t a p u b l i c a a i n d a u m c u r i o s o artigo
que a c o m p u n h a m é o tema do artigo de Marcus Motta que reflete s o b r e as
de O s w a l d o M u n t e a l F i l h o Se L o r e l a i possibilidades de leitura de um texto,
Brilhante Kury. Mele, os autores d i s c u t i n d o a p o s i ç ã o do leitor a partir
a n a l i s a m o lugar o c u p a d o p e l a n a t u r e z a de níveis de s u b m i s s ã o ao texto e das
no p e n s a m e n t o destes ilustrados e d ú v i d a s que este a p o n t a para o leitor
c o m o os m e m b r o s desta Sociedade t e n d o p o r b a s e a História do Futuro do
lançam mão do arsenal intelectual padre Antônio Vieira.
oriundo das Luzes européias, para
Este número de Acervo apresenta
refletirem sobre a condição do h o m e m
também um d o c u m e n t o inédito do
que vive em contato quase direto c o m
Arquivo Nacional localizado por Nireu
a natureza.
Cavalcanti que, em seu artigo, revela a
Lúcia Bastos parte dos folhetos, e x i s t ê n c i a d e u m a i m p o r t a n t e l i v r a r i a na
panfletos e p e r i ó d i c o s p u b l i c a d o s entre C o r t e n o f i n a l d o s é c u l o XVIII.
1821 e 1 8 2 3 p a r a a n a l i s a r as l e i t u r a s d a
O perfil institucional é d e d i c a d o ao Real
elite intelectual que participou do
Qabinete Português de Leitura,
movimento da Independência. Enfoca
instituição que guarda e dá acesso à um
também o nascimento da idéia de
valioso patrimônio estimado em
o p i n i ã o p ú b l i c a q u e , para e l a , surgiu no
350.000 volumes.
Brasil nesse p e r í o d o e se produziu
graças aos h o m e n s de letras. F i n a l m e n t e e, s e m t r o c a d i l h o , desejo
u m a b o a leitura a todos os leitores.
A questão da r e c e p ç ã o das leituras e
c i r c u l a ç ã o de livros é e n f o c a d a nos Maria do Carmo Rainho
artigos de M a r i a d o C a r m o Rainho e Editora
E n t i r e v i s t a c o m Ri ox o
g ge er r C / L a r t i e r

O
historiador ordem dos livros,
f r a n c ê s entre outras.
R o q e r Mesta entrevista,
Chartier, um dos Roger Chartier ana-
maiores especialistas lisa as possibilidades
na h i s t ó r i a d a leitura, e dificuldades encon-
vem desenvolvendo tradas p e l o s historia-
em seus trabalhos dores ao tentarem
temas c o m o p r á t i c a s e r e c e p ç ã o reconstruir as práticas e a
de leituras, sociabilidades recepção das leituras de uma
intelectuais e e d i ç ã o de livros na determinada sociedade. E chama
França do Antigo Regime, em a t e n ç ã o para o fato de q u e mais
obras c o m o íiistoire de /'edition importante do que tentar s a b e r o
française. Pratiques de lecture, q u e liam os franceses no s é c u l o
Lectures et lecteurs dans Ia XV11I é tentar p e r c e b e r c o m o eles
France de l'Ancien Regime e A liam.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n 1-2. p. 3-12. jan/dez 1995 - pag.3


A C E

Arquivo Nacional. O Senhor considera Tipográfica de Bouillon.


possível responder ã pergunta: "O que É a partir d e s s e c o n h e c i m e n t o q u e h o j e
liam os franceses no século XVIII?" podem ser formuladas novas perguntas:

Roger Chartier. Hoje j á me parece não mais "o que liam os franceses?",

possível responder a essa pergunta. Os mas "como liam os franceses?" E "qual

trabalhos clássicos dos historiadores foi o p a p e l d o i m p r e s s o n o a f a s t a m e n t o

franceses permitiram reconstruir a dos franceses da Igreja e da

produção, a circulação e a posse d o s monarquia?"

títulos autorizados graças à utilização Arquivo Nacional. lia introdução de


maciça e quantitativa d o s registros de E d i ç ã o e s e d i ç á o Robert Darnton afirma
pedidos de permissão, dos catálogos que este livro pode ser lido como uma
dos livreiros e das listas de livros resposta ã questão de Daniel Mornet: "o
presentes nos inventários post-mortem. que liam os franceses no século XVIII?"
O q u e faltou durante m u i t o t e m p o às O que o senhor pensa disso?
conclusões dessas pesquisas foi um
Roger Chartier. Inspirado pelo
bom conhecimento da difusão dos
programa de sociologia d a literatura de
títulos proibidos, q u e n ã o p o d i a m ser
L a n s o n , Daniel Mornet foi s e m d ú v i d a o
i m p r e s s o s no reino, n e m figurar n o s
primeiro historiador que tentou avaliar
catálogos de livraria o u aparecer n o s
a importância da difusão das grandes
inventários de livros pertencentes por
obras d o l l u m i n i s m o a partir de s u a
particulares.
p r e s e n ç a (ou a u s ê n c i a ) n o s i n v e n t á r i o s
Graças à exploração sistemática dos de b i b l i o t e c a s . É este o t e m a d e s e u
arquivos das sociedades tipográficas célebre artigo " O s e n s i n a m e n t o s d a s
instaladas ao redor do reino, e que b i b l i o t e c a s p a r t i c u l a r e s n o s é c u l o XVIII",

publicavam os 'livros filosóficos' para p u b l i c a d o n a Revue d'histoire littéraire

o m e r c a d o f r a n c ê s , a g o r a é p o s s í v e l ter- de Ia France, e m 1 9 1 0 . A partir d e s s e

se u m a j u s t a m e d i d a d a i m p o r t â n c i a e trabalho pioneiro, multiplicaram-se os

da natureza dessa p r o d u ç ã o proibida. O estudos monográficos a fim de

grande trabalho de Robert Darnton, reconstituir as bibliotecas pertencentes

desenvolvido a partir dos arquivos aos diferentes grupos sociais, nos

excepcionais da Sociedade Tipográfica diferentes locais e em diferentes

de Meuchátel, constitui a c o n t r i b u i ç ã o épocas. O ponto fraco dessas mono-

mais fundamental. Mas não devemos g r a f i a s r e s i d i a n o fato d e q u e a s f o n t e s

esquecer outras pesquisas, também por elas utilizadas (inventários notariais

feitas por historiadores americanos, ou catálogos de vendas) s u b e s t i m a v a m ,

c o m o , por exemplo, as de Raymond Birn ou até m e s m o ignoravam, por sua

sobre os arquivos da Sociedade própria natureza, os títulos proibidos,

pag.4. jan/dez 1995


V o

que eram escondidos dos notários ou seria resistir à t e n t a ç ã o , s e m p r e forte,


postos secretamente a venda pelos de c o n s i d e r a r a n o s s a r e l a ç ã o c o m o
livreiros. livro, e de maneira mais geral, c o m o

Daí a i m p o r t â n c i a c a p i t a l d a s p e s q u i s a s texto escrito, c o m o universal e variável.

de Darnton, q u e permitiram ter u m a C o n t r a o q u e J o ã o H a n s e n d e s i g n a (e

n o ç ã o p r e c i s a d a c i r c u l a ç ã o (que n ã o era denuncia) como u m 'etnocentrismo da

pequena) da literatura clandestina. O leitura', é necessário lembrar que a

que agora devemos compreender posse não é o único meio de acesso ao

melhor é a articulação d o s diferentes livro, q u e n e m todo material impresso

mercados do livro (o d a s n o v i d a d e s é c o m p o s t o de livros lidos no e s p a ç o

licitas, d o s 'livros filosóficos', dos privado, que a leitura não é

m a s c a t e s , d o livro d e s e g u n d a m ã o e t c ) , forçosamente solitária e silenciosa, e

das diferentes formas de acesso ao que n ã o é necessário ser alfabetizado

impresso (por c o m p r a , empréstimo, para 'ler', se ' l e r ' significa, c o m o na

assinatura em gabinetes de leitura, C a s t e l a d o S é c u l o d e O u r o , o u v i r ler.

participação e m sociedades de leitura,


não podemos esquecer essas práticas
l o c a ç ã o p o r h o r a o u p o r d i a etc.) e d o s
que, ao contrário da posse, não
d i v e r s o s t i p o s d e l e i t u r a (em f u n ç ã o d o s
deixaram vestígios nos arquivos.
levantamentos d e textos, das razões da
Reconstruí-las supõe a mobilização de
leitura e d a s maneiras de ler).
fontes que, por definição, não são nem

Arquivo Nacional, rio livro L e c t u r e s et exaustivas, nem suscetíveis de um

lecteurs dans la France d'Ancien Regime tratamento serial. Assim, por exemplo,

o senhor diz que o acesso ao livro não para a leitura e m v o z alta, o estudo de

pode ser reduzido somente a posse do s u a s r e p r e s e n t a ç õ e s nas o b r a s l i t e r á r i a s

livro, pois nem sempre o leitor é pictóricas ou iconográficas, a

proprietário do livro que lê. Por outro identificação d o s gêneros e das formas

lado, o senhor chama a atenção para o que visam ou supõem uma determinada

fato de que a escrita está presente leitura, a localização, nos próprios

mesmo na cultura analfabeta, em rituais textos, d o q u e Paul Zumthor qualifica

festivos, nos espaços públicos, nos c o m o 'índices de oralidade' e, para os

locais de trabalho. Partindo dessa etnólogos e sociólogos, a observação

premissa, que conselhos daria àqueles das fórmulas e c o n v e n ç õ e s próprias a

que estão interessados em reconstituir um determinado m o d o de leitura.

as práticas de leitura e as formas de


Arquivo Nacional. A partir de que
apropriação dos textos de uma
momento os historiadores franceses se
determinada sociedade?
voltaram para a história do livro e para

Roger Chartier. O ú n i c o c o n s e l h o útil a sociologia da leitura? Quais foram os

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 3-12. jan/dez 1995 - pag.S


A C E

precursores destes trabalhos? Pesquisas da Biblioteca Pública de


Roger Chartier. O i n t e r e s s e a t u a l p e l a Informação do Centro Qeorges
história das práticas de leitura resulta Pompidou.
claramente, pelo menos na f r a n ç a , d o Mas, para q u e u m a história d a leitura
cruzamento de várias'tradições. A tivesse u m verdadeiro desenvolvimento,
primeira delas é a d a história d o livro foram necessárias outras referências e
em sua acepção clássica. Sua fundação outros fundamentos, que vieram da
como disciplina e campo de pesquisas antropologia das práticas c o m u n s , tal
autônomas foi marcada pela obra c o m o proposto p o r Richard Hoggart e m
L'apparition du livre, publicada por The uses of literacy, e por Michel de
Lucien Febvre e Henri-Jean Martin, e m C e r t e a u e m L'invention du quotidien;
1958. Henri-Jean Martin foi o primeiro das correntes da história literária
historiador francês a ensinar uma sensíveis à pluralidade e à historicidade
disciplina especificamente consagrada da r e c e p ç ã o d a s obras, logo, à diver-
à 'civilização d o livro', na Ecole Pratique sidade de suas leituras; e, finalmente,
de Hautes Etudes. A partir desse livro das disciplinas q u e , ao descrever a
fundador, foram muitos os trabalhos forma dos objetos manuscritos e

consagrados à reconstituiçáo das impressos (codicologie, analytical

conjunturas e m que foram produzidos bibliography), estabelecem as eventuais

os materiais impressos, à sociologia das modalidades de sua apropriação.

pessoas ligadas ao livro' (editores, Apoiando-se sobre essas referências

l i v r e i r o s , e n c a d e r n a d o r e s , a r t e s ã o s etc.) matriciais, a história d a leitura pôde ser

e à importância do acervo das construída e, recentemente, propor seus

bibliotecas particulares. Os quatro primeiros balanços (tlistoires de Ia

volumes da tlistoire de 1'édition lecture) e suas primeiras sínteses (Storia

française ( p u b l i c a d a entre 1 9 8 2 e 1 9 8 6 delia leitura nel mondo occidentale).

e reeditada entre 1 9 8 9 e 1991) f a z e m Arquivo nacional. Para o senhor a

um balanço de todas essas pesquisas. história da leitura se inscreve como um

Uma segunda corrente de estudos, que objeto da história intelectual ou da

floresceu nesses mesmos anos, foi a da história cultural?

sociologia d a leitura, entendida como Roger Chartier. Para m i m , h o j e j á n ã o


avaliação d a s práticas d o livro (compra se p o d e estabelecer uma diferença
em livraria, visita a bibliotecas, volume nítida entre a história intelectual (ou
e circunstâncias das leituras), repartidas literária) e a história c u l t u r a l . Ma
segundo os diferentes meios sociais e verdade, um problema comum
grupos profissionais. O ponto alto apresenta-se aos historiadores dos
desses trabalhos é a série de obras textos, d o livro e d a s práticas culturais,
publicadas pelo S e r v i ç o de Estudos e qual seja, o de reconstruir os usos e as

pag.6. jan dez 1995


K V O

significações atribuídos aos textos por bibliotecas, documentação editorial,


seus diferentes leitores (ouvintes ou correspondência de livreiros e da
espectadores). Responder a essa censura, almanaques como France
pergunta supõe desenvolver várias litteraire entre outras. Quais são as
e s t r a t é g i a s de p e s q u i s a , l i g a d a s u m a s às principais dificuldades metodológicas
outras mas que, tradicionalmente, ao se trabalhar com estas fontes?
pertencem a diferentes disciplinas Roger Chartier. C a d a fonte m e n c i o n a d a
acadêmicas. Devemos agrupar numa apresenta problemas específicos,
m e s m a história o estudo dos textos, quanto a sua representatividade, ou
logo, de seus gêneros, formas, quanto a sua exaustividade. Para a
temáticas, motivos; o estudo dos história da leitura, a dificuldade
suportes e de s u a s m o d a l i d a d e s de f u n d a m e n t a l r e l a c i o n a - s e c o m o fato d e
inscrição, transmissão e conservação; que o historiador pode trabalhar apenas
e n f i m , o e s t u d o de suas apropriações com representações da prática:
por diferentes comunidades, em r e p r e s e n t a ç õ e s n o r m a t i v a s n a s artes d e
diferentes momentos. ler e nas sentenças judiciais;
É p o s s í v e l (e s e m d ú v i d a necessário) representações de uma leitura
a b o r d a r e s s a p r o b l e m á t i c a a partir d e pretendida, desejada, implícita, nos
u m a das q u e s t õ e s : o e s t u d o de uma prefácios, prólogos e palavras ao leitor;
o b r a de u m g ê n e r o i m p r e s s o , o u de u m a r e p r e s e n t a ç õ e s c o d i f i c a d a s s e g u n d o as
prática da escrita. Os trabalhos que c o n v e n ç õ e s e s t é t i c a s c o m as i m a g e n s
p u b l i q u e i s o b r e u m a peça de Molière de leitores e leitoras p r o p o s t a s pela
(nos Annales, em 1994), sobre a pintura ou pela gravura; representações
Bibliothèque bleue, ou sobre a leitura d i r i g i d a s p e l a s t á t i c a s d o self fashioning
em voz alta p o d e m ilustrar cada uma n o s t e s t e m u n h o s de n a t u r e z a autobio-
d e s s a s p e r s p e c t i v a s d e p e s q u i s a . Mas o g r á f i c a (livre de raison, diário, narrativa
importante é que cada uma, qualquer de vida).
que seja seu ponto de partida, articule
Tal c o n s t a t a ç ã o n ã o s i g n i f i c a q u e e s s a s
à análise textual, a descrição
fontes sejam inutilizáveis. Ao contrário.
morfológica e sociológica dos hábitos.
Mas l e v a , c o n t r a q u a l q u e r l e i t u r a d o c u -
É a partir de tal a r t i c u l a ç ã o que se
mentária ingênua e imediata, a compre-
podem definir novas perspectivas de
e n d e r as p r á t i c a s d a r e p r e s e n t a ç ã o (suas
t r a b a l h o q u e d e s e s t r u t u r e m as d i v i s õ e s
razões, gêneros, intenções) para poder
canônicas e coloquem a questão
decifrar corretamente as repre-
fundamental: a da p r o d u ç ã o do sentido.
sentações das práticas. Parece-me que
Arquivo Nacional. Os historiadores da
o m e s m o procedimento é válido para os
leitura têm recorrido à diversas fontes:
documentos aparentemente mais
inventários post-mortem, catálogos de
objetivos (inventários post-mortem.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n 1-2, p. 3-12, jan/dez 1995 - pag.7


e
A C E

registros administrativos, catálogos de Constance'. Era pois normal que ele

bibliotecas e t c ) . Todos supõem esco- adotasse a linha de reflexão dos

lhas e triagens - logo, e x c l u s õ e s . Todos historiadores da leitura.

s à o o r g a n i z a d o s a partir d e c a t e g o r i a s , As d i f e r e n ç a s q u e e s s e s historiadores

classificações e fórmulas que não são podem estabelecer e m relação às

neutras, m a s que submetem à suas abordagens literárias e filosóficas

lógicas as 'realidades' de q u e se apode- prendem-se a dois elementos: o

ram. Tomar consciência dessas conven- p r i m e i r o r e m e t e à materialidade dos

ções, variáveis segundo os documentos, textos. Contra todas as formas de

as é p o c a s e l u g a r e s , é c o n d i ç ã o n e c e s - abstração d o s textos estudados, lidos,

sária para q u e se p o s s a a p r e c i a r as comentados independentemente das

pertinências e o s limites de cada fonte. modalidades de s u a inscrição e de s u a


comunicação, é necessário lembrar,
Arquivo Nacional. De que forma a
parece-me, que a significação das obras
história cultural pode se relacionar com
depende também das formas q u e as
a crítica literária, com a 'estética da re-
transmitem a seus leitores e a seus
cepção ' e com as abordagens filosóficas
ouvintes. A ' m e s m a ' comédia de Molière
como a de Paul Hicoeur cujos estudos
não é a ' m e s m a ' , se assistida quando
partem da própria estrutura narrativa?
de u m a festa na corte o u n o p a l c o d o
Roger Chartier. C r e i o q u e a h i s t ó r i a s ó
teatro d o Palais Royal, o u q u a n d o é
tem valor e interesse se é capaz de
apenas lida. O ' m e s m o ' romance de
estabelecer um diálogo, o u um debate
Balzac não é o 'mesmo', quando é
c o m as o u t r a s d i s c i p l i n a s . N o c a m p o d a
publicado em folhetim, numa edição
história da leitura, o encontro foi
para u m gabinete de leitura, numa
imediato e evidente tanto c o m a crítica
edição para o m e r c a d o d a livraria, o u
l i t e r á r i a (pelo m e n o s a q u e l a q u e e n f o c a
ainda s o b a forma de obras completas.
a recepção das obras) como c o m a
"A forma afeta o sentido", é uma
filosofia (pelo m e n o s aquela q u e se
f ó r m u l a c a r a a D. F. M c K e n z i e . É p o i s
inscreve numa perspectiva fenome-
necessário identificar os efeitos de
nológica e hermenêutica). O grande livro
sentido das diferentes formas (impres-
d e Paul R i c o e u r Temps et récit une as
sas o u m a n u s c r i t a s , escritas o u orais)
duas abordagens, pois a teoria da leitura
que se apoderam de uma ' m e s m a ' obra.
que constrói para compreender o
encontro entre o m u n d o d o texto e o Por o u t r o l a d o , c o n t r a t o d a s a s f o r m a s
mundo do leitor baseia-se na dupla de a b s t r a ç ã o do leitor o u , dizendo
referência à fenomenologia d a leitura, melhor, de 'etnocentrismo' d a leitura,
desenvolvida p o r W o l f g a n g Iser, e n a que supõe comuns a todos os leitores
estética da recepção, elaborada por práticas que são, na verdade,
Hans Robert Jauss e a Ecole de
absolutamente específicas - por exem-

pag.8. jan/dez 1995


pio, aquelas do crítico literário ou do dirigidos a outros leitores, mais

filósofo hermeneuta...-, devemos lem- afortunados e mais letrados.

brar que a leitura tem uma história e


A s s i m , não é possível caracterizar c o m o
uma sociologia. É pois necessário
radicalmente específico o corpus dos
r e c o n s t r u i r as c o m p e t ê n c i a s , a s t é c n i -
textos que constituem o que
c a s , as c o n v e n ç õ e s , os hábitos, as
t r a d i c i o n a l m e n t e se d e s i g n o u c o m o a
práticas próprias a cada c o m u n i d a d e de
'literatura popular ambulante'. O
l e i t o r e s (ou l e i t o r a s ) . Deles depende
essencial consiste, inicialmente, em
também a significação que, em
localizar quais são os textos e os livros
determinado m o m e n t o ou lugar, um
que c i r c u l a m nos m e i o s populares,
' p ú b l i c o ' pode atribuir a um texto.
assim como nos meios letrados
Arquivo Nacional. Exemplos como o do
(pensemos nas romanzas e nos
moleiro Menocchio, analisado por Cario
r o m a n c e s de c a p a e e s p a d a da C a s t e l a
Qinzburg em O q u e i j o e o s v e r m e s , que
do Século de Ouro); em seguida,
teve acesso a livros que não lhe eram
d e v e m o s i d e n t i f i c a r as m a n e i r a s d e ler
destinados, ou da série Bibliothèque
características dos menos privilegiados
B l e u e , de textos clássicos dirigidos edi-
e dos menos cultos dos leitores.
toria/mente a um público menos ins-
truído, configuram uma 'circu/aridade A tarefa não é fácil, está sempre
da cultura' ou apontam para a existência ameaçada pelo risco de reintroduzir um
da dicotomia popular/letrado? Como o sociologismo demasiadamente abrupto,
senhor entende esse tipo de que qualifica c o m o 'populares' práticas
apropriação? que, na verdade, podem ser
encontradas em outros horizontes
Roger Chartier. N a s s o c i e d a d e s do
sociais. Será certo, por e x e m p l o , que a
Antigo Regime, os leitores populares,
m a n e i r a de ler de Menocchio seja
d e v i d o a s u a s c o n d i ç õ e s de v i d a , v ê e m -
representativa de uma leitura
se c o n f r o n t a d o s com textos que não
c a m p e s i n a , a p o i a d a nas t r a d i ç õ e s da
lhes são especificamente destinados.
cultura da oralidade? É necessário ser
Seja porque, como Menocchio, eles
p r u d e n t e na q u a l i f i c a ç ã o d o s d i f e r e n t e s
adquirem ou t o m a m emprestados livros
m o d e l o s de leitura q u e , t a m b é m eles,
q u e s ã o d e s t i n a d o s às e l i t e s s o c i a i s ;
c o m o o corpus dos textos, podem ser
seja porque, como clientes dos
comuns a diferentes meios.
mascates, eles c o m p r a m os impressos
que c o n s t i t u e m o repertório das livrarias Mas é c e r t o q u e é s o m e n t e d e s l o c a n d o -
ambulantes, que editam, para um se s o b r e os usos e práticas, que a
público mais amplo, textos que - história das leituras populares poderá
a n t e r i o r m e n t e , o u n a q u e l e m o m e n t o -, evitar as armadilhas nas quais
são difundidos sob outras formas, freqüentemente caiu ao tratar sem

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 3-12. jan dez 1995 - pag.9


p r e c a u ç ã o a o p o s i ç ã o entre p o p u l a r e E m m e u l i v r o s o b r e as o r i g e n s c u l t u r a i s

letrado aplicada à circulação, supos- da revolução, apresentei alguns

tamente f e c h a d a , d e corpus de textos argumentos que me parecem impedir

c o n s i d e r a d o s c o m o p r ó p r i o s a tal o u tal que se vincule, s e m u m a análise mais

público. São esses problemas que profunda, os leitores às correntes de

procurei e n f o c a r n u m artigo publicado pensamento: por exemplo, a pluralidade

no p r i m e i r o n ú m e r o d a n o v a revista das significações possivelmente

brasileira Mana'. atribuídas a textos c o m vários registros;

Arquivo Nacional. O professor Robert Darnton os limites da área social de circulação

vê a Revolução Francesa também como uma dos libelos e o caráter efêmero de s u a

revolução literária, não apenas através dos atualidade; a possibilidade de o leitor

grandes textos iluministas, mas também pela encontrar um prazer na leitura s e m ,

literatura clandestina. A circulação de livros e a todavia, dar crédito a seus e n u n c i a d o s ,

leitura de obras proibidas modificou as relações ou a necessidade de n ã o considerar o

de poder? A burguesia leu os iluministas? afastamento da monarquia como o


resultado de u m processo linear e
Roger Chartier. O s trabalhos de Robert
c u m u l a t i v o . Daí a h i p ó t e s e s e g u n d o a
Darnton, e particularmente suas últimas
q u a l as n o v a s m a n e i r a s d e l e r s u r g i d a s
obras, mostraram a importância da circulação
no s é c u l o XVIII, d e s e n v o l t a s e c r í t i c a s ,
dos 'livros f i l o s ó f i c o s ' n a s três últimas
talvez tivessem importância igual o u
décadas do Antigo Regime. Também
superior à importância da divulgação e m
enfatizaram a composição bastante confusa
grande escala d o s textos subversivos.
dessa noção, utilizada pelos livreiros, que
compreende as o b r a s dos filósofos, Pareceu-me necessário chamar a

e n c a b e ç a d o s p o r Voltaire, o s l i b e l o s e atenção sobre todos esses pontos, a fim

panfletos políticos e as obras pornográficas, de evitar q u e a t e s e c l á s s i c a d e M o r n e t ,

clássicas ou recentes. que considera a ruptura revolucionária


como sendo conseqüência da divul-
A partir dessas c o n s t a t a ç õ e s , indis-
gação sempre mais ampla do Ilumi-
c u t í v e i s , p o d e - s e abrir u m d e b a t e s o b r e
nismo, não seja simplesmente reprodu-
os l a ç o s e x i s t e n t e s entre a l e i t u r a d e s s e
z i d a e m o u t r o corpus, o d o s 'livros filo-
corpus de textos q u e , s o b diferentes
sóficos', dotado da mesma eficácia sub-
f o r m a s , d e n u n c i a m o u d e s s a c r a l i z a m as
versiva que aquela atribuída, durante
autoridades tradicionais, e a transfor-
muito tempo, aos textos d o s filósofos...
mação das representações coletivas
que, e m 1 7 8 9 , torna admissível e aceita Na e d i ç ã o americana de Edição e
a ruptura r e v o l u c i o n á r i a . sedição, muito mais desenvolvida do

Nota do Editor. O artigo a que se refere o autor intitula-se "Leituras, leitores e 'literaturas populares' na
Soc°r| dl urRJ
a a SCenCa
' ^
6 P a r t C
^ r e V
' S t a Ma
"' a e d U a d a P e
'° °9
F r r a m a d e
Pós-graduaçâo em Antropologia

pag. 10. jan dez 1995


K V O

que o texto original francês, Robert exigências do pudor? Quais são os


Darnton que, diga-se de passagem, é u m dispositivos que traduzem e m termos de
grande amigo - o que dá mais liberdade modelos de conduta os cerceamentos
às p o l ê m i c a s i n t e l e c t u a i s -, responde impostos pelo incremento das
ponto por ponto a esses argumentos. i n t e r d e p e n d ê n c i a s entre o s i n d i v í d u o s ?
C a b e , pois, ao leitor, j u l g a r a força e a O corpus dos tratados de civilidade,
fraqueza da posição de cada u m . ponto de partida d o trabalho de Elias,

Arquivo Nacional, lia esteira do poderia ser retomado de outra maneira:

sociólogo alemão liorbert Elias, o não mais buscando-se neles os

senhor vem estudando as alterações deslocamentos da fronteira entre o licito

ocorridas na noção de moralidade bem e o proibido, mas entendendo sua

como os livros que entre os séculos XVI p l u r a l i d a d e e s e u s u s o s . Daí a ê n f a s e

e XVIII descreviam os códigos e compor- sobre as definições concorrentes -

tamentos tidos como 'civilizados'. Que antropológica, cristã, social,

dificuldades o senhomr encontrou ao r e v o l u c i o n á r i a e t c . - d a c i v i l i d a d e . Daí

trabalhar com esta documentação? t a m b é m a a t e n ç ã o d i r i g i d a às u t i l i z a ç õ e s


pedagógicas dos tratados e à sua
Roger Chartier. C o m o se s a b e , a o b r a
divulgação 'popular' no repertório da
de Morbert Elias c o n s t i t u i , para m i m ,
Bibliothèque bleue.
uma referência teórica maior. Sinto-me
feliz e o r g u l h o s o por ter c o n t r i b u í d o Para m i n h a c o n t r i b u i ç ã o ao quarto
para t o r n á - l a m a i s c o n h e c i d a n a F r a n ç a , v o l u m e d a flistoire de la France, dirigida
ao prefaciar as t r a d u ç õ e s de quatro de por A n d r é Burguière e J a c q u e s Revel,
seus livros (A sociedade de corte, A para Editions d u S e u i l , retomei u m d o s
sociedade dos indivíduos, Engagement et textos, designado por Elias c o m o o
distanciation e Sport et civilization: la primeiro manual da racionalidade da
violence maitrisée - d e Elias e Eric Dunning). corte, ou seja, a tradução francesa,
atribuída a Amelot de la Houssaie, do
M e u i n t e r e s s e p e l o corpus d o s tratados
Oráculo manualy arte de prudência, de
de c i v i l i d a d e , d e E r a s m o às c i v i l i d a d e s
Qracián (1647). Tratava-se, antes de
revolucionárias, nasceu de uma questão
tudo, de c o m p r e e n d e r c o m o a t r a d u ç ã o
central c o l o c a d a pela grande tese de
havia 'curializado' o texto (publicado e m
Elias quanto ao d e s e n v o l v i m e n t o d o s
1 6 8 2 s o b o t í t u l o L'flomme de cour) e
dispositivos de autocontrole dos
c o m o seus preceitos encontravam apoio
indivíduos - que ele chama de 'processo
na teoria cartesiana d a s p a i x õ e s e suas
de c i v i l i z a ç ã o ' . C o m o pôde se dar a
traduções em sentimentos e condutas
incorporação de novas normas do
dos personagens da tragédia clássica.
comportamento, que refreiam a
e x p r e s s ã o d o s afetos e a u m e n t a m as Tradução de I ca Novaes.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. TI 1-2. p. 5-12. jan/dez 1995 - pag, 11


E n t r e v i s t a c o m R o t e r t a r n t o n

O
D a r n t o n , q u e t e m tido
historiador
Roger Chartier como
americano
um de seus interlo-
R o b e r t
cutores mais cons-
Darnton é velho conhe-
tantes, analisa nesta
cido dos brasileiros.
e n t r e v i s t a o fato da
Desde O grande mas-
Revolução Francesa
sacre dos gatos publi-
ser também uma
cado no Brasil em
revolução literária.
1986, seus livros têm sido
referência fundamental para E, c o m b o m - h u m o r , aproveita
aqueles interessados em para b r i n c a r c o m C h a r t i e r q u e ,
e n t e n d e r o p a p e l d a literatura, segundo ele, está sempre
em especial da literatura e s p e r a n d o o r e s u l t a d o de suas
clandestina, no d e s m o r o n a m e n t o pesquisas para q u e s t i o n a r s u a s
do Antigo R e g i m e , na F r a n ç a . suposições e conclusões.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p 13-18, jan/dez I995 pagl3


E

Arquivo Nacional, rio prólogo da arquitetando uma Revolução Industrial.

edição francesa de L'Aventure de Os dados estatísticos acerca dos

l ' E n c y c l o p é d i e , Le Roy Ladurie diz que compradores individuais demonstraram

o sn, Daniel Roche, Qerard Qayot e que o livro atraia especialmente os

François Furet são os quatro mosque- detentores de cargos na administração

teiros do revisionismo prè-revolucio- real, os oficiais do exército, o s nobres

nário. O sr. concorda com este epiteto? em geral e o s profissionais e m particular

Robert Darnton. U m d o s m u i t o s d o n s - porém, não os comerciantes (exceto


de Le R o y L a d u r i e c o m o h i s t o r i a d o r é o uns poucos e m Marseille) e nemos
senso de humor. C h a m a n d o - n o s de o s industriais. O s comentários nas corres-
quatro mosqueteiros d o revisionismo pondências dos livreiros - e havia
ele estava fazendo u m a p i a d a ; p o r é m , 50.000 delas, nos arquivos que estudei
brincando dessa maneira, ele pretendeu - confirmaram esta impressão. A s provas
d i z e r algo d e s é r i o - o u s e j a , q u e , c o m o qualitativas e quantitativas, combi-
historiadores sócio-culturais, nós todos naram-se para proporcionar u m quadro
tínhamos apresentado resultados que vivido de c o m o o Iluminismo penetrou
eram incompatíveis c o m as interpre- no tecido social d o Antigo Regime.
tações marxistas ortodoxas das origens Creio q u e u m a história do livro desta
da Revolução Francesa. No m e u c a s o , espécie - u m a variante m o d e s t a , que
encontrei algumas informações envolveu longas horas de pesquisa e m
extraordinariamente ricas sobre a documentos originais - pode fornecer
produção e a difusão da Encyclopédie informações suficientes para se
de D i d e r o t , a m a i s i m p o r t a n t e o b r a d o construir uma sociologia rudimentar da
Iluminismo. Descobri quantos exem- cultura e questionar pressuposições q u e
plares do livro existiam na Europa antes moldaram a história sócio-cultural.
de 1 7 8 9 , o n d e e r a m v e n d i d o s e q u e m Porém, percebo que isso levanta u m
os comprava. Em decorrência, foi número de questões maior d o que as
possível questionar um tema clássico na que responde. Precisamos saber muito
historiografia marxista: a identificação mais acerca d o m o d o pelo qual o s livros
do Iluminismo com a burguesia eram lidos, de c o m o se formavam as
industrializante. Verifiquei que a atitudes e como a opinião pública
Encyclopédie vendia melhor e m cidades ganhou força na Europa pré-
mais tradicionais, c o m o B e s a n ç o n , onde revolucionária. Não defendo o empiri-
a Igreja e o parlement (Suprema Corte) c i s m o anglo-saxão simplista, n e m nego
davam o t o m e q u e o pior índice de a pertinência de algumas visões
vendas ocorria em centros manufa- marxistas mais sofisticadas da ideo-
tureiros, c o m o Lille, onde o s burgueses logia, notadamente as derivadas de
dominantes estavam supostamente Qramsci ou de Lukacs o u do próprio

pag 14. jau/dez 1995


K V O

Marx. Mão m e p r o p u s a refutar o acordo c o m a fórmula prescrita por


marxismo. A o invés, procurei mapear a R o u s s e a u e m Letter to dAlembert e
d i f u s ã o d o l l u m i n i s m o . Mo e n t a n t o , e u Camille Desmoulins, o incendiário do
não poderia ignorar a visão clássica clube Cordelier, interrompe sua
m a r x i s t a d o t e m a . E, e m b o r a e u m e s m o costumeira arruaça política para
nunca tenha sido marxista, não levantei escrever uma longa resenha d a primeira
objeções ao termo 'revisionista', apresentação da peça. Temos a versão
quando Le Roy o associou a m i m . de D e s m o u l i n s d a v e r s ã o d e F a b r e d a
Quanto a ser u m mosqueteiro, quem versão de Rousseau da versão de
dera que fosse verdade! Infelizmente, Molière d o conflito entre a c o n v e n ç ã o
sou apenas um professor universitário. social e a austeridade m o r a l . Para a
inocente visão americana, o assunto
Arquivo Nacional. O sr. afirma que a
todo parece surpreendentemente
Revolução francesa foi também uma
literário e intensamente francês. O q u e
revolução literária. Qual seria o principal
estava se passando?
componente de ruptura com a produção
A resposta a essa pergunta refere-se ao
literária do Antigo Regime?
caráter da literatura c o m o ingrediente

Robert Darnton. E m p r i m e i r o lugar, no sistema peculiar a o Antigo Regime e

devo explicar que não penso que a ao papel d a literatura na d e s t r u i ç ã o

Revolução Francesa tenha sido 'apenas' desse sistema durante a Revolução -

uma r e v o l u ç ã o literária. Tive a intenção questões que pertencem à antropologia

de tornar a frase p r o v o c a d o r a . Porém, tanto quanto à história o u à história d o s

agora q u e houve tamanho afastamento livros, rigorosamente falando. Espero

da história social e e c o n ô m i c a , eu explorar essas questões mais profun-

ressaltaria aspectos d a Revolução que damente e m uma pesquisa posterior, de

estão atualmente sendo negligenciados: modo que não posso lhe apresentar

a destruição dos liames sociais e u m a resposta rápida a q u i . Devo dizer,

e c o n ô m i c o s q u e m a n t i n h a m a integri- contudo, que a Revolução Francesa

dade do Antigo Regime como ordem proporciona aos historiadores um

social. Dito isso, preciso admitir q u e campo de pesquisas maravilhosamente

fiquei assombrado, quando procurei rico e bem documentado, no qual

encarar a Revolução Francesa de p o d e m e s t u d a r u m p r o b l e m a g e r a l , algo

maneira nova, ao verificar os homens que pode ser descrito c o m o a dimensão

de 1 7 8 9 e 1 7 9 4 t ã o p r e o c u p a d o s c o m social d o significado - isto é, o m o d o

questões que pareciam ser tão literárias. pelo qual as pessoas se a p e r c e b i a m d o

Mo á p i c e d o d e b a t e a c e r c a d a n o v a sentido do mundo, confrontando,

constituição, Fabre DEglantine re- absorvendo e reelaborando os valores

e s c r e v e o Misanthrope de Molière de e as atitudes que haviam herdado de

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n* 1-2, p. 13-18. jan/dez 1995 - pag. 15


A C E

seus pais. No c a s o d o Antigo Regime n a em segundo, uma'revolução cultural'

França, o princípio organizador do no m a i s a m p l o s e n t i d o , o u s e j a , a q u e l a

s i s t e m a c u l t u r a l e r a o privilège ou (como que envolveu a reconstrução social d a

i n d i c a s u a raiz latina) o d i r e i t o privado, realidade o u a dimensão d a significãncia,

um direito particular para fazer algo na m e d i d a e m q u e esta Ficou i n s e r i d a n o

negado a outros, e m contraste c o m o dia-a-dia das pessoas comuns.

direito geral, sistema no qual os direitos


Arquivo Nacional. Em sua introdução a
legais i n c i d e m igualmente sobre todos.
Edição e s e d i ç ã o , o sr. afirma que este livro
Todas as indústrias culturais d a França
pode ser lido como resposta à seguinte
estavam organizadas em torno de
pergunta feita por Daniel Mornet: 'O que
privilégios c o n c e d i d o s pelo rei antes d e
liam os franceses no século dezoito?" Quais
1 7 8 9 . Não s e p o d i a fazer grande carreira
as principais dificuldades encontradas pelo
n a m ú s i c a , n a arte d r a m á t i c a , n a s a r t e s
sr. ao estudar os hábitos de leitura daquele
plásticas o u m e s m o nas ciências e n o
século?
jornalismo sem gozar de alguma parcela
de u m p r i v i l é g i o real. O privilégio Robert Darnton. A c h o que alguns
dominava especialmente a indústria 'quais' relativos a leitura podem ser
editora, u m a vez que os livreiros e respondidos. Do mesmo modo, muitos
impressores tinham que pertencer a dos 'ondes' e 'quandos'. O s 'porquês' e
uma corporação privilegiada, à qual se 'cornos', entretanto, s ã o diferentes. A
concedia um monopólio do comércio de penetração nos processos internos
livros e os próprios livros possuíam pelos quais o s leitores entendiam os
privilégios, uma versão antiga d o sinais tipográficos é u m a tarefa q u e
copyright (direito autoral). A r e v o l u ç ã o parece freqüentemente situar-se fora d o
reescreveu as regras d o j o g o e m todas alcance d a investigação histórica. Não
as indústrias d a c u l t u r a , tornando-as obstante, um grande n ú m e r o de leitores
todas acessíveis à livre disputa do deixou relatos sobre sua e x p e r i ê n c i a no
talento. Ela transformou a vida s é c u l o XVI11: a n o t a ç õ e s n a s m a r g e n s ,
intelectual; e como os intelectuais sublinhados, cartas particulares,
contribuíram consideravelmente para a resenhas públicas e até m e s m o descri-
transformação da política e da ordem ções normativas transmitidas em
social, ela disseminou repercussões ilustrações e na literatura contem-
para os mais remotos setores da porânea sobre a 'arte de ler'.
sociedade. Portanto, eu consideraria Pesquisando-se sistematicamente atra-
dois aspectos d a ruptura produzida pela vés deste material, podem-se formar
Revolução: em primeiro lugar, u m a algumas noções aproximadas de c o m o
revolução dentro da Revolução ou a os leitores efetivamente liam há
transformação d a s indústrias culturais; duzentos ou trezentos anos. Preciso,

pag.16. jan/dez 1995


R V O

todavia, admitir que muitos de nós se conclusões. Então, eu devo colocar


preocuparam c o m este problema ordem em meu argumento, recuando
durante anos, s e m chegar a resultados em alguns lugares, a v a n ç a n d o e m outros
claros, n o livro que acabo de concluir, e planejando u m a nova estratégia para
The forbidden best-sellers of um ataque a novas fontes. Agora
prerevolutionary France, procurei levar atingimos esse estágio no q u e se refere
o problema para além do ponto onde o ao problema d a leitura. Acredito ter
deixei no livro m e n c i o n a d o acima. respondido à maioria das objeções de
Edição e sediçáo, que escrevi há vários Roger e m u m a n o v a s e ç ã o , a parte 111
anos e m francês. Os dois livros são, n a d e The forbidden best-sellers, porém j á
realidade, b e m diferentes, embora os posso prever novas objeções. não
assuntos sejam os mesmos, n o segun- atribuo, certamente, qualquer causali-
do, tentei responder a algumas das dade 'unilinear' à leitura. Ao invés,
objeções levantadas sobre o primeiro, procuro compreender a literatura c o m o
notadamente por Roger Chartier, que parte de um sistema geral de
aceitou minhas descobertas acerca da c o m u n i c a ç ã o , no qual os livros eram
difusão da literatura sediciosa, porém apenas u m dos numerosos m e i o s e as
contestou minha conclusão de que a mensagens transmitidas pelos livros
l i t e r a t u r a f o s s e d e fato s e d i c i o s a . A f i n a l , eram somente u m dos ingredientes na
disse ele, c o m o podemos saber de que mistura de elementos que constituía a
modo eram lidos esses livros? Talvez opinião pública. Certamente, opinião
fossem meramente u m a fonte de pública é, hoje e m d i a , u m conceito
diversão, e talvez as atitudes sediciosas incerto, sendo especialmente difícil de
tivessem outra origem completamente entender c o m o u m a força e m ação há
diferente? duzentos o u trezentos anos atrás, n ã o

Uma vez que Roger está também obstante, penso ser a documentação

participando desta edição de Acervo, suficientemente rica para se identifica-

teremos a oportunidade de ouvir suas rem os veículos e as mensagens que

opiniões e m maior extensão. Ele e eu fluíam através deles na França, na déca-

realizamos u m debate amistoso sobre da de 1780. Deve, portanto, ser possível

estas q u e s t õ e s durante muitos anos e reconstruir a maneira pela qual os

eu espero q u e ele c o n t i n u e , porque tão franceses entendiam os eventos, b e m

logo e u saio d o s arquivos, c o m os olhos c o m o a seqüência dos próprios eventos.

brilhantes e entusiasmado por aquilo Para a s s i m s e proceder, será n e c e s s á r i o

que considero c o m o sendo descobertas integrar a história d a leitura e m u m a his-

importantes, Roger faz perguntas tória mais a m p l a d a c o m u n i c a ç ã o : é esta a

difíceis sobre as s u p o s i ç õ e s ou o principal dificuldade e a principal tarefa que

raciocínio implícitos em minhas me propus para os p r ó x i m o s anos.

Acervo. Rk> de Janeiro, v. 8, n* 1-2. p. 13-18, jan/dez 1995 pai] 17


Arquivo Nacional. 1 literatura retrospecto, a Bastilha s ó detivesse sete

clandestina inclui textos políticos, p r i s i o n e i r o s e m 14 d e j u l h o d e 1 7 8 9 e

panfletos e crônicas indecorosas. O sr. Luís XVI nada mais desejasse d o q u e o

pensa que a circulação destes livros bem-estar de seus súditos. Precisamente

possibilitou a transição da sedição para como os franceses construíram este

a revolução? quadro interpretativo e c o m o o usaram


para entender os eventos e m 1 787-1 7 8 8
Robert Darnton. A r e s p o s t a b r e v e à s u a
é u m a história q u e nunca foi contada.
pergunta seria s i m . U m a resposta mais
Penso que essa história irá fornecer a
longa nos levaria a aprofundar-nos na
explicação básica de como a França
área q u e acabo d e descrever como a
mudou de um estado de sedição
história d a comunicação. Teríamos q u e
incipiente para u m d e r e v o l u ç ã o aberta.
estudar canções, impressos, graffiti,
boatos e todas as espécies de Quer possa ou não impor esse
mensagens difundidas através de todos argumento, espero ter dito o bastante
os tipos de veículos. No final, para demonstrar q u e a história d o livro
poderíamos produzir um gigantesco t e m u m rigor p r ó p r i o , q u e e x i g e t r a b a l h o
quadro de tudo que era lido, dito, árduo sobre questões tratáveis em
cantado e visto acerca d o s assuntos fontes especificas. Contudo, ela
públicos durante o período pré- t a m b é m se abre sobre as q u e s t õ e s mais
revolucionário. Porém, apesar de toda amplas da história e m geral. A o invés
a sua complexidade, acho q u e este de p r o p o r c i o n a r u m canto seguro para
painel ilustraria um único tema: a os especialistas, ela oferece uma
decadência e o despotismo. Os p o s i ç ã o e s t r a t é g i c a a partir d a q u a l p o d e
franceses acreditavam q u e seu estado ser investigada toda a c o m é d i a humana.
estava degenerando em despotismo,
embora, como agora sabemos em Tradução de Mariana Erika tleynemann.

pag.18. jan/dez 1995


Luiz Carlos Villalta
Professor assistente d a Fundação Universidade Federal de Ouro Preto. Doutorando e
Mestre e m Ciências (História Social) pela Universidade de São Paulo.

O s c l é r i g o s e os l i v r o s nas
C l i m a s G e r a i s d a segunda
m e t a d e cio s é c u l o X V I I I

A
'sociologia histórica ? Numa primeira etapa,
das práticas de examinaremos que títulos e
leitura', segundo autores a Igreja católica
Roger Chartier, move-se e m m e i o procurava d i s s e m i n a r entre os
à tensão operatória estabelecid clesiásticos e q u e lugar estes
entre, de u m lado, o poder que o texto ocupavam como proprietários de
p u b l i c a d o (e/ou d a q u e l e s q u e e s t ã o p o r bibliotecas na França, e m Portugal e, e m
trás dele) p r o c u r a e x e r c e r s o b r e o l e i t o r s e g u i d a , n a s G e r a i s d o s é c u l o XVIII.
e, d e o u t r o , a l i b e r d a d e e a inventividade Depois, analisaremos bibliotecas
do leitor na p r o d u ç ã o de sentidos no pertencentes a clérigos mineiros do
contato c o m os textos . 1
Neste artigo período, submetendo os dados
p r o c u r a m o s averiguar c o m o esta t e n s ã o referentes aos livros (nomes dos
se m a n i f e s t o u e m relação a u m grupo e s - autores, títulos, língua e m que foram
p e c i a l d e leitores: o s c l é r i g o s d a s G e r a i s escritas as obras, assuntos e preços) a
do século XV11I, em sua maioria um tratamento quantitativo,
p e r s o n a g e n s n o t á v e i s ; alguns p e l o s car- identificando regularidades entre as
gos que o c u p a r a m , outros por seu diversas livrarias e descobrindo os
envolvimento na C o n j u r a ç ã o Mineira. traços singulares de cada u m a delas.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« l -2, p. 19-52, jan/dez 1995 • pag. 19


A C E

Explicaremos as recorrências e Mas e s t a p o r c e n t a g e m e s t a v a a b a i x o d a

especificidades das bibliotecas apresentada pelos escrivães e

correlacionando-as ao estado sacerdotal bibliotecários (100%) e professores

e, q u a n d o possível, à biografia dos (75%), e se igualava a d o s advogados

clérigos que eram seus proprietários: (também 62%) . 3


Os eclesiásticos

suas idéias, seus comportamentos e portugueses perfaziam 5 4 % dos

seus escritos. C o m isso, verificaremos proprietários privados de bibliotecas

como a composição das livrarias, e m que discriminaram s u a o c u p a ç ã o ao

suas divisões por assunto e e m suas e n c a m i n h a r e m listagens de livros à Real

peculiaridades, associava-se à trajetória Mesa Censória, criada e m 1768. Depois,

pessoal de seus proprietários e ao v i n h a m a q u e l e s q u e se o c u p a v a m c o m

estado clerical. De u m l a d o , relacio- q u e s t õ e s d e direito*.

naremos a prática e o discurso político


Mas c i d a d e s d o O e s t e d a F r a n ç a , a s
dos m i n e i r o s ao u n i v e r s o literário e, de
bibliotecas eclesiásticas, entre o final do
outro, observaremos se os livros
século XVII e os anos de 1 7 8 0 ,
anularam ou reforçaram as normas
p a s s a r a m de e n t r e 2 0 e 5 0 v o l u m e s c a d a
coletivas, sociais (e não legais),
u m a para entre 100 e mais d e 3 0 0 . n a s 5

hegemônicas, de comportamento
listas de livros d o s padres portugueses,
sexual. Desse modo, avaliaremos e m
a divisão entre as línguas, e m ordem
que m e d i d a o s livros influenciaram as
decrescente, era: português, latim e
condutas políticas e sexuais - o u , ao
espanhol, aparecendo mais raramente,
menos, se n ã o o fizeram - e se os
nos casos de obras de literatura, o
clérigos inconfidentes se diferenciavam
francês e o italiano , nas bibliotecas6

dos demais.
clericais da capital francesa, entre 1765
e 1790, houve um recuo do latim, que
Os c l é r i g o s e os livros na França e
passou de 4 7 % para 2 7 % . 7

em Portugal no s é c u l o XVIII

O s c l é r i g o s o c u p a v a m lugar d e d e s t a q u e nas listagens enviadas pelos clérigos

entre os p o s s u i d o r e s de bibliotecas na portugueses à Real Mesa Censória,

F r a n ç a e e m P o r t u g a l d o s é c u l o XV11I. predominavam, em ordem decrescente,

Mas c i d a d e s d o O e s t e f r a n c ê s , n o s é c u l o os seguintes tipos de livros: primeiro,

XVIII, e m 3 3 , 7 % d o s i n v e n t á r i o s havia obras religiosas, místicas e hagiológicas

pelo menos referência a um livro, e sermões; depois, títulos de teologia;

enquanto e m Paris, no d e c ê n i o de 1 7 5 0 , em s e g u i d a , de história; e, p o r f i m , d e

esta cifra baixava para 2 2 , 6 % . 2


ria l i t e r a t u r a , n a Paris d o s é c u l o XVIII, a
8

capital francesa, na segunda metade do história rivalizava c o m a teologia. E

s é c u l o XVIII, 6 2 % d o s i n v e n t á r i o s d e tanto e m Paris c o m o nas p r o v í n c i a s d a

eclesiásticos faziam menção a livros. França, as b i b l i o t e c a s dos padres

pag.20.jan/dez 1995
R v o

possuíam certa homogeneidade, Real Extração: três, de u m total de sete,


resultante da uniformização provocada possuíam livros. Todos os inventariados
pelos regulamentos dos Seminários e que tinham bibliotecas eram brancos e
pelas recomendações das autoridades doze deles, portugueses . Em Mariana, 10

eclesiásticas c o m o objetivo de tornar os índices de posse de livros entre o s


os clérigos mais instruídos e clérigos eram mais baixos que no
disciplinados. A s s i m , a livraria de um Tejuco. Consultamos 128 inventários de
'bom cura' continha a Bíblia; os comen- p a d r e s , d e u m total d e 1 7 4 e x i s t e n t e s
tários das homílias feitos pelos padres, no arquivo da Casa Setecentista de
principalmente são Tomás e sào Mariana, referentes ao p e r í o d o que se
Bernardo; obras de teologia moral; o e s t e n d e d o s é c u l o XVI11 a m e a d o s d o
Catecismo do Concilio de Trento, d e s ã o XIX. D o s 1 2 8 , 4 0 m e n c i o n a m l i v r o s , i s t o
Carlos Borromeu; catecismos franceses é, 3 1 , 2 % dos inventários investigados
e livros de e s p i r i t u a l i d a d e , tais c o m o (ou quase 1/3). R e s t r i n g i n d o - s e o
Imitação de Jesus Cristo, Guia dos peca- universo unicamente aos inventários do
dores, d e L o u i s d e Q r a n a d e e Introdução s é c u l o XVIII c o n s u l t a d o s n o a r q u i v o d a
à vida devota, de Francisco de Sales . 9
Casa Setecentista e também no arquivo
eclesiástico da Arquidiocese de Mariana,
A p o s s e de l i v r o s nas Ninas da
a cifra permanece quase inalterável: de
Colônia: o lugar do clero e a
u m total d e 1 7 , e n c o n t r a m o s b i b l i o t e c a s
ortodoxia
e m s e i s , i s t o é , e m m a i s d e 1/3. N o s

São p o u c o s os dados sobre a situação seqüestros dos bens dos eclesiásticos

dos clérigos de Minas Gerais, face a mineiros que participaram da

outros grupos sociais, quanto à posse Inconfidência, temos uma marca

de livros. Há m a i s i n f o r m a ç õ e s sobre superior, mas eles talvez não sejam

como essa se distribuía dentro do representativos do conjunto dos

próprio corpo eclesiástico. Livros foram eclesiásticos: três, dentre os cinco

a r r o l a d o s e m 14 i n v e n t á r i o s , d e u m total seqüestros, mencionam bibliotecas. Os

de 6 6 , n o distrito d o s D i a m a n t e s , d o índices de posse de livros entre clérigos

f i n a l d o s é c u l o XVIII e i n í c i o d o X I X - o d o T e j u c o e d e M a r i a n a d o s é c u l o XV1U

que corresponde, portanto, a cerca de e i n í c i o d o X I X (1/2 e 1/3), p o r t a n t o ,

1/5 d o s i n v e n t á r i o s . S e i s p a d r e s t i v e r a m colocam os clérigos das Gerais bem

seus bens inventariados e três deles a b a i x o d a s c i f r a s v e r i f i c a d a s entre s e u s

p o s s u í a m b i b l i o t e c a s , d o q u e se c o n c l u i colegas de ofício parisienses (quase 2/3).

que metade deles tinha livrarias e q u e Observamos diferenças, quanto ao

o s m e s m o s s o m a v a m c e r c a d e 1/5 d o s n ú m e r o d e v o l u m e s , entre as b i b l i o t e c a s

proprietários de livros. Rivalizavam c o m de clérigos de Minas Gerais e da França.

os padres os funcionários graduados da As três bibliotecas clericais de

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995 - pag.21


?
A C E

Diamantina compunham-se por 15, 3 5 comentador das escrituras e historiador


e 9 0 v o l u m e s " , n ú m e r o s estes menores d a Igreja; L u c i F e r r a r i s , t e ó l o g o ; C l a u d i
do que o s mais baixos encontrados na F l e u r y , h i s t o r i a d o r d a Igreja, c l á s s i c o n a
França na m e s m a época (100 volumes). segunda metade do século XV111 ;16

Em Mariana, o s c i l a v a - s e entre 42 e A n a c l e t o , d i c i o n a r i s t a e c a n o n i s t a (?);


1.056 volumes - caso extremo d a livraria Giuseppe Agostino Orsy, historiador
do bispo d o m frei Domingos da eclesiástico; são Pedro Crisogno; o
Encarnação Pontevel, muito distinto d o jesuíta Vincent Houdry 1 7
; Honorati
'mais de 3 0 0 ' válido para as cidades d o T o u r n e l y , t e ó l o g o ; Tetri L u d o v i c i D a n i s ,
Oeste francês. J á entre os clérigos teólogo; Jacobi Pignatelli, canonista; e
inconfidentes, a variaçào ia de 105 a autores clássicos c o m o Quintiliano e
6 1 2 v o l u m e s , algo mais p r ó x i m o do Sèneca. Encontramos títulos sem
encontrado na França. m e n ç ã o a s e u s a u t o r e s : Teologia moral
Em Minas Gerais, o acervo da biblioteca e Conferências morais. No caso do
do Seminário de Mariana, fundado por primeiro, s u p o m o s tratar-se de Petrus
d o m frei M a n u e l d a C r u z , p r i m e i r o b i s p o Collet, cujo livro Teologia moral,
diocesano, em 1748, em explícita utilizado c o m o manual nos Seminários,
obediência às determinações antes e depois da Revolução F r a n c e s a , 1 8

tridentinas e c o m o beneplácito régio, era um dos clássicos estudados no


guarda semelhanças c o m os livros bispado de Mariana . Outros 1 9
autores
prescritos pelas autoridades p r o v á v e i s e r a m : o papa Benedito XIV; o
eclesiásticas na França. Indica, teólogo capuchinho Jayme Corella; os
sobretudo, que a ortodoxia católica t e ó l o g o s T h o m a Francisco Rotario, Petro
envolvia 1 2
livros de rituais, breviários, P o l o , P a o l o S i g n e r i , J o s e p h i Ignati C l a u s
s Constituições primeiras do e Josephi Mansi; os comentadores dos
arcebispado da Bahia, de d o m Sebastião evangelhos Francisco de Jesus
Monteiro da Vide e autores c o m o : o Sarmento e Cornélio Corneli; o ilustrado
dicionarista e padre Rafael de Bluteau; Bento J e r ô n i m o Feijó; os dicionaristas
Paul-Gabriel Antoine, escolhido como R. P. R i c h a r d e J o a n n i s P o n t a s ; P y r r c h i
propagandista oficial pelo papa Corradi; os padres Manuel Bernardes e
Benedito XIV 1 3
; Daniello Concina, Manuel Madeira de Sousa. Na biblioteca
teólogo recomendado pelas autoridades do Seminário, a i n d a , se e n c o n t r a v a m o s
eclesiásticas de então 1 4
; Jacobi t í t u l o s Alcobaça ilustrada, de história
Besombes e Laurenti Berti, também e c l e s i á s t i c a ; Introdução ao sacerdócio
teólogos; santo Afonso de Ligório, ou instruções eclesiásticas; e o Cursus
t e ó l o g o d o s é c u l o XVIII, c a r a c t e r i z a d o theologicus et moralis, do Collegy
por s u a b e n e v o l ê n c i a e m relação a o s Salmanticensis (Universidade de
p e n i t e n t e s ; Natalis Alexandre, t e ó l o g o ,
15
Salamanca), de onde o Supremo

pag.22. jan/dez 1995


V o

Tribunal d a Inquisição d o s Reinos de que fossem virgens e pudicas, às quais


E s p a n h a m a n d a r a r i s c a r , n o t o m o V, o acesso seria facultado algumas vezes.
tratado XI, n ú m e r o 1 8 5 , u m a passagem
Livrarias c l e r i c a i s nas Gerais do
nada ortodoxa da qual se poderia
século XVIII: similitudes e
deduzir que deus permitiria as relações
diversidades
sexuais, até m e s m o violentas, c o m as
mulheres, s e m restrição n e m m e s m o às As bibliotecas a serem analisadas

Raynal, GulllaumeThomas F r a n ç o i s . Historie phllosophlque et polltique des etablissemens


et d u commerce des e u r o p é e n s dans les deux Indes. Paris: Amable caster et c i e , Ubraries
É d l t e u r s , 1800. Tomo 10.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n' 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995-pag.23


possuíam tamanho bastante distinto Concilio Tridentino, que podem ser
(tabela I). Do lado dos clérigos tanto as atas do C o n c i l i o de mesmo
inconfidentes, a maior biblioteca era a nome, como livros dos diferentes
do cõnego Luiz Vieira da Silva, a u t o r e s q u e se d e d i c a r a m a o e s t u d o d o
compreendendo 279 títulos e 612 assunto; em quatro delas. Dicionário
volumes. Em s e g u i d a , v i n h a m as do geográfico, provavelmente de autores
padre Manuel Rodrigues da C o s t a , c o m d i s t i n t o s , as Ordenações do Reino de
73 obras e 2 1 2 volumes; e do padre Portugal, Examen ecclesiasticum e as
Carlos C o r r e i a de T o l e d o , c o m 5 8 obras Constituições do arcebispado da Bahia,
e 1 0 5 v o l u m e s . D e n t r e as b i b l i o t e c a s
2 0
de d o m Sebastião Monteiro da Vide; e m
d o s o u t r o s e c l e s i á s t i c o s , a d e d o m frei três livrarias, Brasília pontifícia e
Domingos da E n c a r n a ç ã o Fontevel , 2 1
Caderno de santos novos, além de
bispo de Mariana à época da missais e de livros de c e r i m o n i a i s . Os
Inconfidência, era a maior, autores mais freqüentes, também em
compreendendo 412 títulos e 1.056 ordem decrescente, são: em sete
v o l u m e s , estando bastante à frente da livrarias, Francisco Larraga, c o m seu
livraria do c õ n e g o Vieira da Silva 2 2
. Em Prontuário de teologia moraP ; 0
em cinco
o r d e m d e c r e s c e n t e de n ú m e r o d e o b r a s , delas, o padre Silveira, com seus
v i n h a m as s e g u i n t e s b i b l i o t e c a s : a d o comentários sobre os evangelhos e
cõnego J o ã o Rodrigues Cordeiro, com sermões; em quatro bibliotecas, o padre
67 obras e 76 v o l u m e s ; a do cõnego 2 3
A n t ô n i o V i e i r a , c o m s u a s Cartas, História
J o ã o Botelho Borges, c o m 64 títulos e do futuro e Sermões, Bossuet e os
126 volumes *; a do padre 2
Francisco teólogos Laurenti Berti e Jacob
Alves, com 37 obras e 48 v o l u m e s ; a 2 5
B e s o m b e s ; em três livrarias, são T o m á s
d o b i s p o d o m frei M a n u e l d a C r u z , c o m de A q u i n o , o padre M a n u e l B e r n a r d e s ,
36 títulos e 79 volumes ,- a do 26
padre c o m Piova floresta, o comentador das
J o ã o Ferreira de S o u z a , c o m 27 obras e escrituras e teólogo Francisco de J e s u s
62 v o l u m e s 2 7
e a do padre J o s é Teixeira Sarmento, o canonista Ludovici
de Souza 2 8
, com 24 obras e 42 nogueira, o teólogo e canonista
volumes . 2 9
Bartholomaei Qavant, o poeta italiano
Aurélio Bertola Qiorgi, com suas noites
Alguns títulos repetem-se, c o m maior ou
clementinas (homenagem ao papa
menor intensidade, nessas dez livrarias.
C l e m e n t e XIV, q u e s u p r i m i u a S o c i e d a d e
Os títulos e tipos de livros mais
de J e s u s ) , o t e ó l o g o Danielo C o n c i n a ,
3 1

encontrados, em ordem decrescente,


Carlos Joaquim Colbert, com seu
s ã o : e m s e t e l i v r a r i a s , a Bíblia e sua
Catecismo de fiontpelier, Petrus Collet,
Concordância, em edições e línguas
Cambacere, com seus Sermões, e
d i v e r s a s ; e d i f e r e n t e s breviários; em seis
Francisco J o s é Freire, tratadista poético
bibliotecas, obras denominadas

pag.24. jan/dez 1995


R V O

p o r t u g u ê s . A f r e q ü ê n c i a d e tais t í t u l o s , Vieira da Silva, as ciências sacras


tipos de livros e autores mostra a predominavam sobre as ciências
ressonância d a o r t o d o x i a católica, pois profanas, em diferentes proporções
eles, e m grande parte, c o i n c i d e m c o m ( t a b e l a I e g r á f i c o I): o p a d r e F r a n c i s c o
os r e c o m e n d a d o s pelas autoridades Alves não possuía n e n h u m a obra de
eclesiásticas e c o m aqueles encontrados ciências profanas, tendo-nos sido
na b i b l i o t e c a d o S e m i n á r i o d e M a r i a n a . possível classificar 3 3 d o s 3 7 títulos que
As s i m i l i t u d e s entre as b i b l i o t e c a s lhe p e r t e n c i a m e n t r e a s c i ê n c i a s s a c r a s ,
verificam-se também na distribuição dos que somavam, portanto, 8 9 , 2 % das
livros pelos assuntos e línguas, obras ( n ã o c o n s e g u i m o s classificar as
lnspirando-nos no trabalho de Evelyne quatro restantes). Entre os outros
Picard , classificamos os livros e m dois
3 2
clérigos não-inconfidentes, a
grandes conjuntos: c i ê n c i a s s a c r a s e* participação das ciências sacras oscilava
ciências profanas. O primeiro conjunto entre 8 5 , 2 % (23 obras e 4 9 volumes),
foi s u b d i v i d i d o e m : escritura santa, situação da livraria do padre João
compreendendo a Bíblia e os Ferreira de S o u z a , e 3 2 , 8 % (22 obras e
c o m e n t á r i o s q u e s o b r e e l a se f i z e r a m ; 31 volumes), caso da biblioteca do
p a d r e s d a Igreja, r e f e r e n t e a o s e s c r i t o s cônego Cordeiro - não nos foi possível
dos primeiros padres; teologia, classificar 4 2 livros desta biblioteca, de
i n c l u i n d o aí o s l i v r o s d e t e o l o g i a m o r a l ; u m total d e 6 7 , d e v i d o à a u s ê n c i a d o s
história sagrada; cânones; liturgia, nomes dos seus autores e de seus
subdivisão e m q u e se s o m a m os livros t í t u l o s n o i n v e n t á r i o , fato q u e e x p l i c a a
especificamente litúrgicos, os baixa cifra das ciências sacras. As
catecismos, os textos de oratória sacra, ciências profanas, inversamente, nâo
manuais de confissão, breviários, obras ultrapassavam a marca de 1 9 , 2 % (79
d e v o c i o n a i s e s e r m õ e s ; e, f i n a l m e n t e , obras e 208 volumes) entre tais
dicionários. O grupo das ciências sacerdotes, cifra essa atingida na
profanas foi assim dividido: geografia; biblioteca do bispo Pontevel. O m e s m o
retórica; história; dicionário; literatura não sucedia entre os clérigos
e gramática; filosofia; política; direito; inconfidentes: o c ô n . Vieira da Silva
e ciências físicas e naturais. Algumas tinha mais obras de ciências profanas
obras receberam dupla classificação, que de ciências sacras ( 5 2 , 7 % versus
pois c a b i a m e m mais de u m a seção 3 5 , 5 % o u , em termos absolutos, 147
simultaneamente. Os resultados o b r a s e 3 2 9 v o l u m e s versus 9 9 o b r a s e
e n c o n t r a m - s e r e u n i d o s n a s t a b e l a s 1, II 236 volumes), e os demais, embora
e III, e n o s g r á f i c o s I, II e III. p r i v i l e g i a s s e m as ú l t i m a s , n ã o o f a z i a m
Mas b i b l i o t e c a s c l e r i c a i s , c o m e x c e ç ã o na m e s m a p r o p o r ç ã o q u e o s p a d r e s n ã o -
da pertencente a o c ô n e g o inconfidente inconfidentes: nas bibliotecas dos

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 19-52. Jan/del 1995 pag 25


A C E

padres Carlos Toledo e Manuel Costa, (17 o b r a s e 2 9 v o l u m e s ) . I s s o d e v i a s e r


as ciências profanas atingiam, um reflexo, no caso do bispo Pontevel,
r e s p e c t i v a m e n t e , 2 9 , 3 % (17 o b r a s e 19 de s u a a t u a ç ã o c o m o p r o f e s s o r de
volumes) e 2 7 , 4 % (20 obras e 54 teologia, e m P o r t u g a l , e, no c a s o d o
3 3

volumes) - cifras m a i s ' e l e v a d a s que os cônego, de seu envolvimento em


1 9 , 2 % da biblioteca do bispo Fontevel - a t i v i d a d e s a d m i n i s t r a t i v a s n a Igreja - e l e ,
e as c i ê n c i a s s a c r a s 6 3 , 8 % (37 o b r a s e d e s d e 1 7 7 1 , foi c o m i s s á r i o d a Ordem
81 v o l u m e s ) e 4 1 % (30 obras e 128 T e r c e i r a ' d e S ã o F r a n c i s c o , e, a p a r t i r d e
volumes), respectivamente. nos 1 7 8 3 , n a c o n d i ç ã o d e c ô n e g o d a Sé d e
s e q ü e s t r o s d o s b e n s d o p a d r e C o s t a , 15 Mariana, tornou-se m e m b r o do cabido
livros não tiveram seus títulos e seus d i o c e s a n o . Para a igualdade n u m é r i c a
3 4

autores mencionados. A maior das seções de liturgia e história sagrada,


participação das ciências profanas nas na livraria do b i s p o Manuel da Cruz,
livrarias dos padres inconfidentes é, pesaram dois livros sobre a história da
certamente, indicio da maior amplitude ordem cisterciense, à qual o prelado
alcançada pelos interesses desses estava estreitamente ligado, tendo
clérigos, mais atentos aos problemas chegado à c o n d i ç ã o de mestre dos
profanos. n o v i ç o s no m o s t e i r o de A l c o b a ç a , e m

Mas b i b l i o t e c a s , d e n t r e as ciências Portugal . 33

s a c r a s ( t a b e l a II e g r á f i c o II), o p r i m e i r o Mas d e m a i s b i b l i o t e c a s , a segunda


lugar c a b i a à s e ç ã o d e l i t u r g i a , v a r i a n d o p o s i ç ã o , d e n t r e as c i ê n c i a s s a c r a s , e r a
entre 1 2 , 3 % (9 o b r a s e 2 6 v o l u m e s ) , n a ocupada por diferentes seções. A
livraria do padre Manuel C o s t a , e 6 7 , 6 % teologia encontrava-se em segundo
(25 o b r a s e 3 2 v o l u m e s ) , n a d o p a d r e lugar nas livrarias do padre Manuel
Francisco Alves, composta basicamente Costa (10,9%, 8 obras e 36 volumes),
p o r s e r m õ e s (21 o b r a s ) . A s e x c e ç õ e s do cônego Cordeiro ( 7 , 5 % , 5 obras e 5
eram as livrarias do b i s p o M a n u e l da v o l u m e s ) , d o p a d r e T o l e d o ( 1 7 , 2 % , 10
Cruz, em que a liturgia compartilhava obras e 22 volumes) e do padre Alves
d o p r i m e i r o lugar c o m a h i s t ó r i a s a g r a d a (10,8%, 4 obras e 4 volumes). Mas
( 1 3 , 9 % e 11 o b r a s ) , a d o b i s p o P o n t e v e l , bibliotecas dos padres J o ã o Souza e
em que esta posição era o c u p a d a pela J o s é Souza, teologia e cânones dividiam
t e o l o g i a ( 1 4 % , 5 8 o b r a s e 191 v o l u m e s ) a segunda posição, com,
e a do cônego Vieira da Silva, e m que a respectivamente, 7 , 4 % e 8 , 3 % (duas
primazia pertencia aos cânones (7,9%, o b r a s ) . Mas l i v r a r i a s d o b i s p o M a n u e l d a
2 2 o b r a s e 51 v o l u m e s ) . Mestas d u a s Cruz e do cônego Borges, o segundo
últimas bibliotecas, a liturgia estava em lugar era ocupado pela seção de
s e g u n d o lugar, r e s p e c t i v a m e n t e , com c â n o n e s , r e s p e c t i v a m e n t e c o m 1 1 , 1 % (4
1 1 , 4 % (47 o b r a s e 1 0 7 v o l u m e s ) e 6 , 1 % o b r a s e 4 v o l u m e s ) e 7 , 8 % (5 o b r a s e 6

pag 26. jan/dez 1995


R V O

volumes). O destaque relativo dos Mas c i ê n c i a s profanas (tabela III e


cânones, nessas bibliotecas, g r á f i c o III), a p r i m a z i a e r a c o n c e d i d a à
relacionava-se aos cargos exercidos por literatura, que estava à frente das
seus proprietários: de bispo, por d o m demais seções nas bibliotecas ou
frei M a n u e l , e d e c õ n e g o , p r o v i s o r d o c o m p a r t i l h a n d o o primeiro lugar c o m
bispado e vigário geral da Vara, por algumas delas. O cõnego Borges e o
B o r g e s . Mas l i v r a r i a s d o b i s p o P o n t e v e l
36
padre João Souza eram as únicas
e do cõnego Vieira da Silva, a história e x c e ç õ e s . Entre e s s e s o d e s t a q u e c a b i a ,
sagrada não era de todo esquecida, r e s p e c t i v a m e n t e , às s e ç õ e s d e d i r e i t o ,
constituindo, respectivamente, 3 , 8 % c o m 7 , 8 % (5 o b r a s e 8 v o l u m e s ) , e
(16 o b r a s e 7 3 v o l u m e s ) e 3 , 9 % (11 f i l o s o f i a e h i s t ó r i a , c o m 3 , 7 % ( u m a obra)
obras e 28 volumes) do total dos cada uma - a excepcionalidade da
acervos. situação do direito na biblioteca do

Mas bibliotecas dos clérigos cõnego Borges vinculava-se,

inconfidentes havia u m traço singular: provavelmente, ao exercício de cargos

a s e ç à o d e t e o l o g i a v i n h a l o g o atrás d a judiciais pelo m e s m o . A s s i m , a literatura

de l i t u r g i a , e s t i v e s s e e s t a n a p r i m e i r a o u o s c i l a v a entre 2 , 8 % ( u m a o b r a e d o i s

na s e g u n d a c o l o c a ç ã o ( c a s o d o c õ n e g o volumes), na biblioteca do bispo d o m

Vieira). A diferença, em termos frei M a n u e l - n a q u a l , aliás, d i v i d i a a

p e r c e n t u a i s , n ã o i a a l é m d e 1 , 4 % . Isso posição c o m a história e o direito -, e

não s u c e d i a c o m os clérigos náo- 1 7 , 6 % (49 obras e 91 v o l u m e s ) , n a

inconfidentes, exceto, como já livraria do c õ n e g o Vieira d a Silva, s e n d o ,

dissemos, do bispo e professor de neste último c a s o , a maior s e ç ã o dentre

teologia Pontevel. Entre os não- todas. Os inconfidentes, ademais,

i n c o n f i d e n t e s , a d i f e r e n ç a o s c i l a v a entre demonstravam um maior apreço pela

4 , 6 % , caso do cõnego Borges e 5 6 , 8 % , literatura do q u e os outros clérigos: a

caso do padre Francisco Alves. Essa menor cifra da literatura entre eles,

diferença talvez seja u m a e x p r e s s ã o d o 8 , 2 % (6 o b r a s e 1 1 v o l u m e s ) , n a l i v r a r i a

maior refinamento intelectual dos do padre C o s t a , c o r r e s p o n d e a mais que

clérigos inconfidentes, na medida e m o dobro, e m números relativos, que o

que demonstra u m maior desapego e m maior indice atingido entre os não-

r e l a ç ã o às q u e s t õ e s m a i s i m e d i a t a s d a i n c o n f i d e n t e s , isto é , 4 , 6 % ( 1 9 o b r a s e

vida sacerdotal ou concernentes à 27 volumes), na biblioteca do bispo

administração eclesiástica, respondidas, Pontevel. Seriam esses números mais

respectivamente, pelas obras de liturgia uma indicação de um certo

e cânones, e um interesse por despreendimento em relação às

problemas mais complexos no que a t i v i d a d e s estritamente s a c e r d o t a i s ? Mo

concerne à salvação do rebanho cristão. caso do c ô n . Vieira da Silva, como

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 19-52, jan/dez 1995 - pag.27


A C E

demonstraremos adiante, isso é obras e 8 5 volumes); ao direito, na


inquestionável, parecendo suceder o l i v r a r i a d e P o n t e v e l , c o m 2 , 2 % (9 o b r a s
m e s m o ao padre C o s t a , e 38 volumes); e à filosofia, na
Entre as ciências profanas, a segunda biblioteca do padre Toledo, c o m 3 , 4 %
posição cabia a seções diferentes em (2 o b r a s e 2 v o l u m e s ) . l i a b i b l i o t e c a d e
cada uma das bibliotecas. Mas Pontevel, do terceiro lugar
pertencentes ao bispo Pontevel e ao aproximavam-se a história (1,7%, 7
p a d r e T o l e d o , e s t e lugar p e r t e n c i a a o s obras e 26 volumes), a geografia (1,7%,

dicionários, respectivamente, com 3 , 9 % 7 o b r a s e 18 v o l u m e s ) e as c i ê n c i a s

(1 6 o b r a s e 4 4 v o l u m e s ) e 6 , 9 % (4 o b r a s (1,7%, 7 obras e 7 volumes).

e 4 v o l u m e s ) , ria l i v r a r i a d o c ô n . V i e i r a Comparando-se as b i b l i o t e c a s dos


da Silva, c a b i a à filosofia, c o m 1 1 , 1 % clérigos mineiros entre si, enfim,
(31 o b r a s e 9 2 v o l u m e s ) , r e f l e t i n d o s u a observamos uma nítida divisão
d e d i c a ç ã o ao e n s i n o de f i l o s o f i a , no separando os inconfidentes dos demais.
Seminário de Mariana, atividade em que Os primeiros possuíam interesses que
e s t e v e e n g a j a d o d e 1 7 5 9 até s u a p r i s ã o . ultrapassavam os limites imediatos do
Mas b i b l i o t e c a s d o c ô n e g o B o r g e s e d o trabalho pastoral, voltando-se mais
p a d r e C o s t a , as c i ê n c i a s o c u p a v a m a f o r t e m e n t e p a r a q u e s t õ e s t e o l ó g i c a s e,
segunda posição, respectivamente com até m e s m o , p r o f a n a s . O c ô n . V i e i r a d a
1 , 6 % ( u m a o b r a ) e 6 , 8 % (5 o b r a s e 13 Silva, radical neste aspecto, era o mais
volumes). A p r e s e n ç a das ciências na singular, revelando maior interesse, e m
biblioteca do c ô n e g o Borges, frise-se, é ordem decrescente, pela literatura,
inexpressiva em números absolutos e filosofia e história profana. Os clérigos
relativos, o m e s m o nào ocorrendo c o m não-conjurados, inversamente, à

o padre inconfidente Costa: sua livraria, exceção do bispo Pontevel, eram

embora 5 , 5 vezes menor que a livraria prisioneiros de suas a t r i b u i ç õ e s m a i s

do bispo Pontevel, tinha quase o m e s m o i m e d i a t a s , fosse no t r a b a l h o p a s t o r a l ,

n ú m e r o de obras de ciências, e m termos litúrgico, fosse nas atividades

a b s o l u t o s (5 versus 7), e c o m p a r a v a - s e administrativas, que exigiam

a do c ô n e g o Vieira da Silva, a qual, conhecimentos canônicos-jurídicos.

sendo 3,8 vezes maior, possuía menos Assim, dentre os clérigos não-

que o triplo do n ú m e r o p o s s u í d o pelo i n c o n f i d e n t e s , s o b r e s s a í a a l i t u r g i a e, n o

padre (5 versus 14). A trajetória caso específico dos cônegos e dos

posterior do padre Costa, ademais, b i s p o s , conferia-se um lugar e s p e c i a l

c o m o m o s t r a r e m o s a seguir, e x p l i c a e s t a aos cânones e ao direito. As bibliotecas

preeminência das ciências. do c ô n . Vieira da Silva e do bispo

O t e r c e i r o lugar p e r t e n c i a à h i s t ó r i a n a Pontevel refletiam ainda o exercício de


suas atividades enquanto docentes.
b i b l i o t e c a d o c ô n . V i e i r a , c o m 9 , 3 % (26

pag. 28. Jan/dez 1995


V o

respectivamente, de filosofia, no inexistente nas bibliotecas d o s padres


Seminário de Mariana, e de teologia, e m Alves e J o ã o Souza e do cõnego Borges,
Portugal. A livraria d o bispo Manuel d a e, a i n d a , o d e s t a q u e d a s c i ê n c i a s , na
Cruz, por seu turno, mostrava suas biblioteca do padre Costa.
ligações c o m a o r d e m de são Bernardo As livrarias dos clérigos das Minas
e sua história. Por fim, devemos distanciavam-se e aproximavam-se, em
ressaltar a p r e e m i n ê n c i a da literatura, alguma m e d i d a , de suas congêneres
mais nítida entre os inconfidentes, e européias. Havia, primeiramente, a

H I S T 0 1 R E

f PHILOSOPHÍQUE
* E T P O L I T J Q U E

P S » Í T 4 J L M M H M " ÍW «•* « W * Í * C » M » W » W t a P » <


t i m LI» »»*«,

PAR G. T. RAYNAJL

HOLVit.tR ÉBITIO».,
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r » . PMÜStf»

f T O M l.IXlífl^

i \ PARIÍ
MLABI£ COSTIW-WXÍS LI

ISM.

Raynal, Guillaume-Thomas F r a n ç o i s . Historie philosophique et politique des ê t a b l i s s e m e n s


et du com mercê des e u r o p é e n s dans les deux Indes. Paris: Amable caster et c i e , U b r a r í e s
É d i t e u r s , 1 800. Tomo 10.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n» 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995 - pag 29


A C E

Portugal sob a alegação de amigo inaciano Qabriel Malagrida... 4 0


E,
licenciosidade: estava contaminado por fim, a vivência cotidiana num
pelas idéias de M o l i n o s , heresiarca para território que sobrepujava, segundo
quem o demônio podia atuar palavras do próprio antístite, "às
violentamente sobre os corpos, levando m a i o r e s c i d a d e s do o r b e na torpeza
almas perfeitas a cometer pecados, diversificada dos vícios", s o m a n d o , à
inclusive carnais, sem que esses ganância do ouro, a ambição, a vaidade,
p u d e s s e m ser c o n s i d e r a d o s c o m o tais, a soberba e os "falazes prazeres
pois seriam contra a vontade das carnais"* . 1
Era dom frei Manuel a
pessoas que os p r a t i c a v a m . 5 8
amargar a nostalgia de u m m u n d o que

Na p o s s e d e s s e s l i v r o s , c o n t u d o , longe n u n c a e x i s t i u ( a f i n a l , as M i n a s n a s c e r a m

de v e r m o s a e r u p ç ã o de u m a s u p o s t a c o m o ouro); a utilizar topos literários

voluptuosidade oculta do prelado, que vinham da Roma da Antigüidade

t e m o s a p e n a s a m a n i f e s t a ç ã o de seu Clássica 4 2
para expressar o que sentia

anacronismo, sendo sua ação pastoral em Mariana, sua Altera Roma; e a

a mais perfeita prova deste denunciar sua mácula e a de sua livraria:

d e s c o m p a s s o c o m o t e m p o e, a i n d a , d e nostalgia, nada além da nostalgia em

sua fidelidade aos ensinamentos da relação a um mundo que nunca existiu;

Igreja. E m s e u g o v e r n o d i o c e s a n o , o n a d a a l é m de r e s q u í c i o s d e u m m u n d o

b i s p o C r u z foi u m i n t r é p i d o tridentino, que ruía, mas que, para o

tomando iniciativas disciplinadoras e R e v e r e n d í s s i m o b i s p o , eram a razão de

aculturadoras: visitas pastorais, sua vida, nada t e n d o de p e r d i ç ã o . Seu

medidas contra as ilicitudes dos mal talvez fosse - c o m o a f i r m a Luiz Mott,

e c l e s i á s t i c o s , h a b i l i t a ç ã o de s a c e r d o t e s ao referir-se ao s u p l í c i o que i m p ô s a

s e g u n d o as n o r m a s de "pureza de n e g r a R o s a E g í p c i a c a - a g i r às v e z e s

c o s t u m e s e de sangue", f u n d a ç ã o do "mais com humor viperino do que

S e m i n á r i o de M a r i a n a , i n s t r u ç ã o dos p o m b a l i n o " . Ele era a p e n a s p r i s i o n e i r o


4 5

fiéis e dos c l é r i g o s , e i n t r o d u ç ã o de do pré-pombalismo!

n o v o s c u l t o s (ao C o r a ç ã o de J e s u s , p o r Dom Pontevel, nomeado bispo de

exemplo) e da o r a ç ã o m e n t a l , n a d a de 5 9
Mariana e m 1 7 7 7 , ao c o n t r á r i o de d o m
4 4

'licencioso' m a c u l o u sua gestão, repleta frei M a n u e l , e r a a t i n g i d o p e l o espírito

de m u i t o s dissabores: conflitos de do século. Em sua biblioteca

jurisdição c o m a justiça laica e c o m o encontravam-se dois autores ilustrados:

b i s p o d o Rio d e J a n e i r o , a t r i t o s c o m o s Qenuensis, iluminista oficial , proibido 4 5

cónegos, verdadeiras pestes que o por R o m a , e Robertson,


4 6
historiador

infernizaram assim como a seus e s c o c ê s q u e d e n u n c i a v a as m a z e l a s d a

sucessores imediatos, a expulsão dos colonização . A composição da seção


4 7

j e s u í t a s p o r d o m J o s é 1, a p u n i ç ã o d o de h i s t ó r i a p a r e c e i n d i c a r q u e o b i s p o

pag.52, jan/dez 1995


R V O

se interessava pelo tema da repressão. Por isso, foi considerado u m

colonização: d o s seus sete livros de "exagerado absolutista" . 5 0

história, três o abordavam de algum Cm s u a b i b l i o t e c a , s o b o i m p é r i o d a

modo. Supomos, todavia, que tais ortodoxia, havia os malvistos

livros, longe de indicar a adesão a a t r i c i o n i s t a s , o Cursus


51
de theologia et

qualquer questionamento da dominação moralis, da Universidade de Salamanca,

colonial, serviram, no m á x i m o , c o m o e Anecdotes, em dois volumes, sem

um instrumento para a c o m p r e e n s ã o referência a autor, possivelmente

dos desvios e das subversões d a norma, Anecdotes sur mme. Ia comtesse Du

exigência do próprio papel de guardião Barry,\\\ro proibido, misto de libelo e

da o r d e m e x e r c i d o pelo bispo . Sua


4 8 crônica escandalosa sobre a amante do

biografia corrobora essa hipótese: o rei L u í s XV, a c o n d e s s a D u B a r r y , q u e

governador da capitania, visconde de e n l a m e a v a o rei e a m o n a r q u i a " .

Barbacena, avisara-o sobre a Conjura, A historiografia ressalta o espírito pio,

antes m e s m o de i n i c i a d a a prisão d o s caridoso e a 'santidade' de Pontevel".

sediciosos , e s u a única palavra sobre


4 9 Suspeitamos, porém, que ele o u um de

o levante foi u m s e r m ã o e m louvor à seus apaniguados desviou-se da moral

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n" I -2. p. 19-52. Jan/dez 1995 • pag 33


A C E

p r e s e n ç a de alguns títulos comuns, bibliotecas, a história não apenas rivali-


c o m o foi a p o n t a d o a n t e r i o r m e n t e . Mo zava c o m a teologia, mas a superava.
r e s t o , as s e m e l h a n ç a s e v i d e n c i a m - s e d e A distribuição dos livros pelas diferentes
modo mais acentuado em relação aos l í n g u a s ( t a b e l a IV) é u m a s p e c t o e m q u e
padres não-inconfidentes. Como os a singularidade dos inconfidentes se
portugueses, os clérigos das Gerais dissipa, tanto diante dos clérigos das
possuíam fundamentalmente obras Gerais c o m o dos p o r t u g u e s e s e, e m
litúrgicas, seguidas, na m a i o r i a dos alguma medida, dos franceses. A
c a s o s , pelas de t e o l o g i a . Excetuavam- exceção é de novo o cônego
se o b i s p o P o n t e v e l , p a r a o q u a l a o r d e m inconfidente Vieira da Silva. Se entre os
era a inversa; o c ô n e g o Vieira da Silva, franceses, os livros escritos e m latim,
para o qual a literatura estava em em 1790, chegavam a 27% das
primeiro lugar, seguida d e p o i s pela bibliotecas, nas Gerais, as livrarias, e m
filosofia e história (que ficaria em sua maioria arroladas p r ó x i m o aos anos
s e g u n d o se j u n t á s s e m o s o s l i v r o s de 1790, a média é de 26,7%. À
h i s t ó r i a p r o f a n a a o s de h i s t ó r i a s a g r a d a ) ; semelhança do ocorrido com os
o b i s p o M a n u e l d a C r u z , q u e se d i v i d i a p o r t u g u e s e s , o q u e se v i a , n a i m e n s a
entre a l i t u r g i a e a h i s t ó r i a s a g r a d a ; e o maioria das bibliotecas, era o português
cônego Borges, para quem a segunda ultrapassar o latim, variando entre
posição era reservada aos cânones. Ao 86,5%, na livraria do padre A l v e s , e
contrário do que sucedia entre os 28,3%, na p e r t e n c e n t e ao cônego
portugueses, entretanto, a literatura, Cordeiro, em cujo inventário omite-se
para a m a i o r i a d o s s a c e r d o t e s , vinha grande parte d o s títulos e d o s autores
antes da história, m e s m o somando-se a dos livros. Todavia, nas bibliotecas do
história sagrada à história profana. As bispo Pontevel e dos cônegos Borges e
exceções, realizando-se essa adição, Vieira da Silva, o latim era o primeiro
além do bispo Manuel da Cruz, eram o c o l o c a d o , indo de 4 6 , 6 % , na livraria do
bispo Pontevel e o padre J o ã o Souza, côn. Vieira da Silva, até 7 3 , 5 % , na
que priorizavam mais a história (o biblioteca do bispo Pontevel. E m duas
último sequer possuía obras de dessas três livrarias o segundo lugar era
literatura), e o c ô n e g o Borges, que se ocupado pelo português, que
voltava, entre as c i ê n c i a s profanas, correspondia a 1 4 % , na biblioteca do
apenas para o direito e, e m m e n o r grau, bispo, e a 3 9 % , na p o s s u í d a pelo c ô n .
p a r a as c i ê n c i a s . O s ú n i c o s s a c e r d o t e s Cordeiro. J á na livraria do c ô n . Vieira
a a p r o x i m a r e m - s e d o s s e u s c o l e g a s de da S i l v a , o f r a n c ê s se e n c o n t r a v a na
o f í c i o p a r i s i e n s e s e r a m o b i s p o d o m frei segunda colocação, com 2 8 , 3 % . nesta
Manuel e o c ô n . Vieira da Silva, os quais mesma biblioteca, o inglês talvez
até iam além daqueles: em suas ameaçasse o p o r t u g u ê s : se o último

pag. 30 jan/dez 1995


R V O

correspondia a 1 1 , 8 % dos títulos, o informações muito limitadas, mais


inglês talvez c o m p r e e n d e s s e 8 , 6 % (a ainda em relação aos clérigos não-
incerteza deve-se a o fato d o s livros inconfidentes, salvo para os bispos
ingleses não terem seus títulos ou Manuel da Cruz e Pontevel, e o cõnego
autores arrolados n o s s e q ü e s t r o s , não Borges. Desse modo, primeiro
nos sendo possível afirmar que focalizaremos tais clérigos e, d e p o i s , o s
constituíam obras distintas). Portanto, conjurados mineiros.
se as b i b l i o t e c a s e c l e s i á s t i c a s d a s M i n a s A b i b l i o t e c a d o b i s p o d o m frei M a n u e l
possuem algumas diferenças e m relação da Cruz era o retrato de u m m u n d o que
às suas similares portuguesas e se e n c o n t r a v a e m s e u s e s t e r t o r e s . S e ,
francesas, quanto à sua c o m p o s i ç ã o por por um lado, estava afinada c o m a
a s s u n t o , o m e s m o n ã o se n o t a , d e m o d o ortodoxia católica, por outro, parecia
g e r a l , c o m r e l a ç ã o às l í n g u a s , e m q u e um tanto a n a c r ô n i c a . N ã o havia nela o
as i d e n t i d a d e s , p r i n c i p a l m e n t e c o m a s menor vestígio da Ilustração, muito pelo
livrarias portuguesas, são maiores. A c o n t r á r i o , as o b r a s d e c a r á t e r d e v o c i o n a l
livraria do c õ n . Vieira da Silva, no e de cunho jesuítico, então em baixa
entanto, é a nota mais destoante, sob o reformismo de Pombal e de dona
seguida, neste aspecto, pelas M a r i a I, p u l u l a v a m : l á e s t a v a m , p o r
bibliotecas do bispo Pontevel e do exemplo, santa Tereza e o padre
cõnego Borges. Antônio Vieira, de q u e m o bispo, além

Bibliotecas clericais nas Minas do dos Sermões e d a s Cartas, possuía a

século XVIII, heterodoxias e s e b a s t i a n i s t a história do Futuro.

'inventividade' A censura portuguesa na segunda


Malgrado as regularidades observadas m e t a d e d o s é c u l o XVIII, c o m e f e i t o , s e
nas b i b l i o t e c a s c l e r i c a i s e a o r t o d o x i a voltava suas baterias contra os
de g r a n d e parte dos seus títulos e "pervertidos filósofos", era implacável
autores, e n c o n t r a m o s singularidades, com os jesuítas, responsabilizando-os
em e s p e c i a l e n t r e o s i n c o n f i d e n t e s , q u e pelo " f a n a t i s m o " , a " i g n o r â n c i a " e,
revelam um despreendimento em ainda, a " l i c e n c i o s i d a d e " que se viam
relação às p r e o c u p a ç õ e s m a i s i m e d i a t a s grassar e m Portugal . O bispo possuía
37

da v i d a s a c e r d o t a l . E m a l g u n s casos, o j á m e n c i o n a d o Cursus theologicus et


elas r e m e t e m a h e t e r o d o x i a s , q u e se moralis, d a Universidade de S a l a m a n c a
evidenciam quando confrontamos a - de onde a Inquisição de Espanha
coloração política e moral de alguns riscou o trecho que permitiria tomar
títulos e a u t o r e s de c a d a livraria a o s como lícitas, aos olhos de deus, as
comportamentos morais ou políticos relações sexuais c o m mulheres, até
dos c l é r i g o s l e i t o r e s . Q u a n t o a e s s e s m e s m o as v i o l e n t a s - e , a i n d a , o l i v r o
aspectos, frise-se, dispomos de Máximas espirituais, censurado em

Acervo. Rio de Janeiro, v 8, n' 1-2. p 19-52, jan/dez 1995 - pag 31


A C E

0
o r t o d o x a , s e n d o pai d e u m d e n t r e d o i s Esse silêncio não teria sido uma
bebês que foram expostos - isto é, imposição da necessidade de preservar
enjeitados - à porta de seu p a l á c i o , e m o p r e s b í t e r o q u e e r a s e u g e n i t o r ? Mão
abril de 1 7 8 0 , u m ano após sua sagração seria este clérigo importante demais
em L i s b o a . Tal h i p ó t e s e funda-se nos para que sua c o n d i ç ã o de pai fosse
cuidados que o enjeitado mereceu do e x p l i c i t a d a ? Isso t u d o , e n f i m , faz-nos
bispo e e m alguns silêncios e regalias aventar a h i p ó t e s e de que o pai de
de que o m e s m o foi o b j e t o : primeiro, Domingos seria o bispo h o m ô n i m o , ou
teve c o m o padrinhos o b i s p o e Mossa então, algum apaniguado seu, e,
Senhora do Rosário, recebendo nome a d e m a i s , de que tal p a t e r n i d a d e não
similar ao do antistite. Domingos J o s é p o d e r i a s e r r e v e l a d a p a r a p r e s e r v a r as
da E n c a r n a ç à o Pontevel; e m segundo a p a r ê n c i a s d o p r e l a d o ! S e tal h i p ó t e s e
lugar, f o i , " a m a n d o d o dito senhor" for v e r d a d e i r a , d e s t a q u e - s e , o b i s p o e
b i s p o , " c r i a d o e m c a s a de J o ã o José os que o protegeram estavam
Correia" ; terceiro, seu ingresso e sua
54
a c o b e r t a d o s p e l a s regras d a c i v i l i d a d e
ascensão no s a c e r d ó c i o , anos mais b a r r o c a , c o m u m às d e m a i s s o c i e d a d e s
tarde, foram marcados por silêncios. do Antigo Regime, que nào se
C o m o exposto. Domingos era, aos olhos i m p o r t a v a m se o p a r e c e r e o ser se
da l e i , ilegítimo; todavia, saiu-lhe a distanciavam, fazendo da civilidade
acusação de 'ilegitimidade de falsa a p a r ê n c i a .5 6

nascimento', e m função da qual teve


O bispo Pontevel ajudou a dissimular
que obter dispensa do Múncio
um arranjo que visava resguardar as
Apostólico em Lisboa. Minguém em seu
aparências da mais alta autoridade da
processo de habilitação m e n c i o n o u o
capitania: segundo Tomás Antônio
n o m e de s e u ' i l e g í t i m o ' p a i , mas no
Gonzaga, o governador Luís da C u n h a
breve de dispensa consta que Domingos
Menezes solicitou e conseguiu que o
tinha o "defeito" de ser "oriundo de
bispo dispensasse sua amásia, Maria
presbítero". Domingos, porém, quis
J o a q u i n a , e J e r ó n i m o Xavier de S o u z a ,
mais do que ordenar-se: pediu, depois,
dos banhos (proclamas) necessários
dispensa para ser promovido às
para a realização do c a s a m e n t o de
dignidades e altos postos da hierarquia
ambos . 5 7
Pontevel, a s s i m , se por um
e c l e s i á s t i c a , n o q u e foi a t e n d i d o pelo
lado, talvez usasse da posse e do
provisor do bispado, que o dispensou
c o n h e c i m e n t o de obras politicamente
na "irregularidade de defeito do
heterodoxas para melhor guardar a
nascimento proveniente de coito
ordem, por outro, talvez fizesse do
s a c r í l e g o " . O r a , p o r q u e se
5 5
denunciou
recurso à dissimulação das ilicitudes
a ilegitimidade de Domingos sem que
sexuais um m o d o de t a m b é m p r e s e r v á -
fosse identificado o n o m e de seu pai?
la. A benignidade das autoridades c o m

pag. 54. jan/dez 1995


R V O

Pontevel 'filho' e o s silêncios sobre a b i s p o p o d e ter e x t r a í d o a i d é i a d e q u e


identidade de seu p a i , ademais, são o era admissível relacionar-se, até m e s m o
mais perfeito retrato de c o m o esta de forma violenta, com mulheres
tradição vicejava na ordem d o Antigo solteiras e, a l g u m a s v e z e s , c o m as
Regime. mulheres puras e santas; das Anecdotes

O bispo, a d e m a i s , neste aspecto, além • hipótese pouco segura - o bispo talvez

de s e g u i r u m a t r a d i ç ã o d e e x e r c í c i o d e tenha estabelecido uma identidade

poder, n ã o s e r i a s e n ã o u m h o m e m d e entre s u a e x p e r i ê n c i a e as peripécias d a

seu t e m p o , um 'homem do mundo', c o n d e s s a D u Barry. A f i n a l , s e e l e p o d e

obedecendo à moral coletiva imperante ter s i d o p a i , Barry era filha de um

nas G e r a i s . S e p a r a n d o o p a r e c e r d o s e r , m o n g e , se Luís XV casava s u a amâsia

como nas demais sociedades do Antigo c o m o c o n d e D u Barry, e l e f o i c ú m p l i c e

Regime, esta moralidade, urdida no de uma artimanha semelhante,

interior de u m a s o c i e d a d e c o l o n i a l e patrocinada por Luís d a C u n h a Menezes.

escravocrata, era patriarcal, racista, P o n t e v e l , e m s u m a , p o d e ter s i d o , p o r

m i s ó g i n a e c e n t r a v a - s e n o princípio de um lado, prisioneiro e protagonista de

igualdade, isto é, na defesa do estratégias de um poder cuja

casamento entre iguais na cor, no status preservação exigia o c o n h e c i m e n t o das

s o c i a l , n a s i t u a ç ã o física e m o r a l . M a s , subversões e a cisão do parecer e do

diante d a s d i f i c u l d a d e s p a r a se a c h a r e m ser, e, p o r outro, e x p r e s s ã o de u m a

iguais para o m a t r i m ô n i o , dos seus m o r a l h e t e r o d o x a (em r e l a ç ã o às l e i s ) ,

custos e de s u a b u r o c r a c i a , acabava por que juntava o cotidiano a alguns livros

admitir algumas ilicitudes (como o e separava - t a m b é m - o parecer e o ser,

concubinato, o adultério e a conjugando a defesa do casamento

prostituição), e s p e c i a l m e n t e entre os entre iguais à realidade d a s ilicitudes

desiguais (os h o m e n s brancos e/ou que vicejavam sob o celibato. Tais

senhores, livres ou forros, c o m as considerações, porém, são meras

mulheres havidas como mulheres hipóteses.

solteiras', isto é, n ã o - v i r g e n s , negras, lia livraria d o c ô n e g o Borges, território


índias, mulatas; forras e escravas), em que campeavam obras de cânones
desde que se preservassem as e direito, não vemos nada que pudesse
aparências . 5 8
lia conduta sexual de ser considerado heterodoxo, o mesmo
Pontevel, a s s i m , às v o z e s d a moral sucedendo em relação à sua postura
coletiva vigente nas Gerais talvez se política. Todavia, no uso que fazia
somassem os murmúrios heterodoxos daquelas obras, percebe-se que nem
engolfados e m meio à ortodoxia católica tudo estava e m c o n f o r m i d a d e c o m as
de s u a l i v r a r i a : d a m o r a l i d a d e c o l e t i v a regras j u r í d i c a s e , a l é m d i s s o , q u e e s s a s
e d o Curso theologicus et moralis, o serviam para acobertar ilicitudes morais.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n» 1 -2. p I9-52. jan/dez 1995 - pag 35


n ã o d e l e , m a s d e o u t r e m . A p e s a r d e ter de Deus, em sujeição e exemplar
uma passagem pelo ilícito- foi recolhimento" , todos eles, no caso dos
6 1

contemplado duas vezes c o m 'carta de homens, ocupando cargos importantes.


seguro negativa ', e s p é c i e de habeas Se n e m os c o m p o r t a m e n t o s n e m as
corpus, passada pelo J u í z o Eclesiástico aparências do habilitando prestavam
do bispado d e M a r i a n a -, d e v i d o às para dar-lhe o passaporte para o
omissões da d o c u m e n t a ç ã o , não nos foi s a c e r d ó c i o , o provisor a p e l o u para as
possível saber qual era o delito de que filigranas da lei e usou as aparências da
era a c u s a d o . C o m o p r o v i s o r e v i g á r i o
5 9
família para habilitá-lo - e, c o m isso,
geral d o b i s p a d o , anos d e p o i s , Borges também preservou-as. Borges, tão
endossou a habilitação ao sacerdócio, aferrado ao direito e aos cânones,
recusada pelo bispo Pontevel, de J o s é mostrou-se assim enredado no ideal de
de S o u z a Barradas, apesar d o c a n d i d a t o civilidade que grassava nas sociedades
encontrar-se impedido para tanto, por do Antigo Regime: u m a civilidade das
viver publicamente c o n c u b i n a t o c o m aparências.
u m a parda c h a m a d a E s c o l á s t i c a e ter Os inconfidentes, ao contrário dos
uma filha. Embora Borges tenha outros clérigos - o que é ó b v i o - revelam-
reconhecido a existência "da culpa", se heterodoxos do ponto de vista
julgou que a m e s m a não estava provada p o l í t i c o . Ma b i b l i o t e c a d o p a d r e Carlos
conforme d e t e r m i n a v a m as Ordenações,
Correia de Toledo, h o m e m muito r i c o , 6 2

s e g u n d o as q u a i s s e d e v e r i a p r o v a r " q u e
vigário na vila de São J o s é d ' E l Rei
no e s p a ç o de seis m e s e s entrara u m
d e s d e 1 7 7 7 , v e m o s a Lógica,
6 5
de Luis
(concubino) na c a s a d o outro, sete o u
Antônio Verney, iluminista português
oito vezes, circunstância que não
adversário dos jesuítas, pensador oficial
descobrira nos autos" . Ao que parece,
6 0

da época p o m b a l i n a , certamente um
6 4

p o r é m , a legislação fora p i n ç a d a para


'libertino' aos olhos das autoridades
favorecer um rebento de u m a família
eclesiásticas mais conservadoras. Havia
ilustre, constituída, no entender de
também duas obras de O v í d i o , autor
Borges, por "bons pais tanto e m honra
proibido pela censura portuguesa:
como em cristandade", os quais
Compêndio de metamorfose e Triste
"sempre criaram seus filhos c o m temor
velho. Tais títulos não representavam

pag.56. jan/dez 1995


grande a f r o n t a à o r d e m e s t a b e l e c i d a e , como virtude pública, indicam certa
no m a i s , p r e v a l e c i a o ' b o m c u r a ' n a heterodoxia: espelham u m a opção de
biblioteca do padre Toledo. Mesmo vida futura e u m a d e t e r m i n a d a maneira
assim, ele a t e n d e u à c o n v o c a ç ã o feita de olhar o mundo, na qual este é
aos s a c e r d o t e s d a A m é r i c a p o r s e u compreendido mais à luz da razão e da
colega de ofício, o abade Raynal: o b s e r v a ç ã o do que da revelação. Duas
entronizou a pátria em seu altar , 6 5
das suas obras de ciências versavam
engajando-se na Inconfidência. sobre medicina. As outras eram:
Considerava Raynal, por sinal, um Aritmética, d e M a i a ; Biologia, de Berti;
"escritor de grandes vistas", por ter e Instruções para a cultura das
previsto a s e d i ç ã o d o s c o l o n o s ingleses, amoreiras. O padre Manuel preocupava-
concluindo, de seu relato sobre a se possivelmente com aspectos
experiência dos colonos ingleses, que, relativos à saúde, mas sobretudo
se n a A m é r i c a d o n o r t e o s i m p o s t o s interessava-se pelo mundo da natureza,
levaram à rebelião, aqui, a derrama prestigiando a botânica, tal como era
poderia produzir os m e s m o s efeitos . 6 6
característico dos libertinos do século
Portanto, a p r i m a z i a n u m é r i c a de livros XVIII 6 8
, concedendo uma atenção
ortodoxos de sua biblioteca e a especial à razão e aos objetos das
irrelevância quantitativa da história não ciências naturais e, de resto, a elas
contiveram as repercussões do livrinho mesmas. Tanto assim q u e , anos mais
de R a y n a l , o b r a q u e s e q u e r possuía, tarde, e m 1 8 0 1 , e m Lisboa, traduziu e
mas q u e l e u o u , a o m e n o s , e s c u t o u e p u b l i c o u u m Tratado da cultura dos
discutiu, c o m o s outros c o n j u r a d o s . Do pessegueiros , 69
e, ao regressar de
ponto de vista moral, porém, a P o r t u g a l , livre d o c á r c e r e , t o r n o u - s e u m
ortodoxia triunfou. notável e inovador fazendeiro. Passou
a cultivar o linho e m sua fazenda,
na livraria d o padre C o s t a , sacerdote
obtendo sempre bons resultados, tendo
desde o final d a d é c a d a de 1 7 7 0 , a 6 7

trazido máquinas d o Reino para tecê-lo,


quase igualdade n u m é r i c a entre as
assim c o m o a outros tecidos. Chegou
obras de ciências e literatura e a
mesmo a apresentar ao governo um
presença de u m livro de Pope, poeta
projeto para desenvolver a t e c e l a g e m 7 0

satírico inglês q u e c o m p r e n d i a a razão

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995 - pag 37


Mas a a u d á c i a d e C o s t a , é b o m l e m b r a r , Anacreonte, Voltaire, Mably, Diderot,
o fez e n t e n d e r q u e " e s t a A m é r i c a e s t a v a Condilac, Robertson e Montesquieu 7 5
.
nos t e r m o s de ficar u m a Europa* , 7 1
Mela h a v i a lugar, a i n d a , p a r a l i v r o s d e
levando-o a envolver-se na C o n s p i r a ç ã o ilustrados moderados, c o m o Genuensis,
M i n e i r a . Ele d r i b l o u , a s s i m , a o r t o d o x i a Verney e Bento Feijó. O olhar do c ô n e g o
dominante em sua biblioteca e deixou- reservava espaço t a m b é m para autores
se c o n d u z i r p e l a r a z ã o e p e l o e s p í r i t o de ciências, alguns i m p o r t a n t e s para a
de o b s e r v a ç ã o q u e e m a n a v a m d e a l g u n s ciência m o d e r n a : Descartes, Pinei (cuja
de seus títulos. A t e n d e u , portanto, ao obra era proibida), Fabri, Gravesande,
abade Raynal, c o l o c a n d o a pátria e m seu Winslow, Tissot e M u s s c h e m b r o e c k . A
altar - e n e m a p r i s ã o l o g r o u c o n t è - l o , seção de história privilegiava os países
pois, depois, veio a engajar-se no europeus, sobre os quais havia seis
p r o c e s s o de e m a n c i p a ç ã o do país: o obras, seguidos depois por Portugal,
padre, elegeu-se deputado na c o m cinco obras, e a A m é r i c a , c o m três.
Constituinte de 1 8 2 3 , reelegeu-se para A Europa, todavia, era contemplada
a legislatura seguinte e meteu-se na também c o m os títulos de história
revolta liberal de 1 8 4 2 . C o n t u d o , este
7 2
u n i v e r s a l (três o b r a s ) e h i s t ó r i a m o d e r n a
engajamento em questões profanas e (duas obras), além da história antiga
políticas, n ã o a b a l o u s u a fé ou os (duas obras). Mão havia livros
preceitos morais desta, pois, na e s p e c í f i c o s s o b r e o B r a s i l . O c ô n e g o se
Assembléia Constituinte, votou contra interessava pelas particularidades das
a liberdade r e l i g i o s a e, no campo gentes de s u a ' p á t r i a ' e, ao mesmo
s e x u a l , foi fiel à o r t o d o x i a c a t ó l i c a . tempo, pelos mais distintos povos, sem
O cônego Luís Vieira da Silva 7 3
possuía que houvesse qualquer contradição
uma livraria, segundo Carlos Guilherme entre eles. Desta generalidade de povos
Mota, "recheada c o m a literatura mais particulares, ademais, destacava a
crítica do ocidente" 7 4
, com muitos A m é r i c a do Norte, m o t i v o de estudo e
autores iluministas. Dos autores discussão, e na qual o c ô n e g o enxergava
encontrados, destacam-se alguns identidades com sua capitania. A
clássicos e ilustrados proibidos pela A m é r i c a era motivo de e m p r é s t i m o de
censura: Ovídio, Marmontel, Catulo, l i v r o s : o c ô n e g o n ã o se c o n t e n t a v a c o m

pag 38. Jan/dez 1995


a obra de Robertson, que possuía, tendo formulando princípios ou leis 7 7
. O
emprestado de alguém, c o m certeza, o pensamento ilustrado, portanto,
livrinho do abade Raynal e do combinava os métodos resolutivo e
intendente B a n d e i r a , as Observations compositivo; nele, a funçào mais
sur le gouvernement de les Etats Unis. importante da razão consistia, pois, e m

O p e n s a m e n t o d o c ô n e g o V i e i r a , d e fato, separar e j u n t a r . 7 8

encontrava-se marcado pela presença de O caráter ilustrado do pensamento do


Raynal e, de resto, pela Ilustração. côn. Vieira explicita-se nas suas
Segundo Ernst Cassirer, o pensamento respostas ao interrogatório da Devassa
ilustrado caracterizava-se pela renúncia da Inconfidência. Interrogado sobre s u a
à d e d u ç ã o sistemática, isto é, àquela posição favorável à revolta d o s norte-
que, partindo de u m ser s u p r e m o o u de americanos, depois de algumas
uma certeza fundamental, máxima, tergiversações, afirmou que a rebelião
expandia a luz desta a todos os seres e tinha u m a causa, a opressão e que -
saberes derivados através d o m é t o d o da procurando enganar os inquiridores - ela
demonstração e da conseqüência inexistia nas Gerais. Questionado sobre
rigorosa, e n l a ç a n d o os últimos à certeza a ausência de diferenças entre o s povos
primordial de m o d o imediato . O ponto 7 6
r e b e l a d o s d o norte e o s m i n e i r o s , d i s s e
de p a r t i d a , n o p e n s a m e n t o ilustrado, que os povos podiam rebelar-se por
deslocou-se da certeza fundamental diferentes causas e que, e m Minas
para a e x p e r i ê n c i a e a o b s e r v a ç ã o , Gerais, não havia o problema dos
invertendo-se, pois, a hierarquia i m p o s t o s , motivo da sediçáo d o s norte-
metodológica. Procurava descobrir a americanos, pois o visconde de
lógica dos fatos, através da qual, Barbacena noticiara que só faria a
primeiro, apreendia os fenômenos; derrama depois de ouvir Sua Majestade.
depois, buscava cada uma das E o cônego, nào acreditando no
condições que os originaram, revelando "maravilhoso" - guiando-se pela razào,
a dependência que os ligava; e, poderíamos dizer - sabia que para os
finalmente, com base nestas povos rebelarem-se eram necessários
d e s c o b e r t a s , c h e g a v a às r e g u l a r i d a d e s "fatos de presente"; vê-se, nas
comuns a cada tipo de fenômenos, entrelinhas, a importância estratégica da

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n« 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995 - pag.39


A C E

derrama para os conspiradores 7 9


. se este é o b e d e c e r aos s u p e r i o r e s , e

Contraditado nas suas respostas pelo evitar tributos . 8 0

inquiridor, o c õ n e g o , então, e x p ô s uma


Do e x e m p l o c o n c r e t o da Restauração
teoria geral sobre as c o n d i ç õ e s que
Portuguesa, protagonizada por dom
tornam exeqüível uma rebelião, chegan-
J o ã o IV, o c õ n e g o e x t r a i u a c o n c l u s ã o
do até ela a partir de um exemplo
de que só era possível pensar em
concreto. C o m isso, pretendia mostrar -
r e b e l a r - s e se h o u v e s s e c o n d i ç õ e s p a r a
enganando o inquiridor - que em Minas
t a n t o - i s t o é, g e n e r a i s , a r m a s , a l i a n ç a s ,
G e r a i s era i m p o s s í v e l p e n s a r e m s e d i ç ã o
s o l d a d o s - ou se fosse mais perigoso
e que ele não poderia cogitar e m realizá-la:
m a n t e r - s e na s u j e i ç ã o . E e m M i n a s , t u d o

as r e s p o s t a s dele respondente só isso faltava, além do que, obedecer aos

t e n d e m a mostrar os f u n d a m e n t o s , por superiores e pagar tributos não

que não seguiria semelhante partido, p o d e r i a m ser m o t i v o s de u m a r e b e l i ã o

quando fosse para isso convocado, - d e n o v o , v ê - s e o lugar e s t r a t é g i c o d o s

prescindindo inteiramente de que i m p o s t o s . Mesta p a s s a g e m , a d e m a i s ,

houvesse, ou nào, quem tivesse estabelece-se uma analogia entre a

s e m e l h a n t e s idéias: sabe que na feliz Inconfidência e a Restauração, "causa

a c l a m a ç ã o d e F.l-Rei D. J o ã o o q u a r t o , tão j u s t a , e tanto da vontade dos

s e n d o u m a c a u s a tão j u s t a , e tanto da povos". Um indício seguro de q u e , para

vontade dos povos, perguntou, ele, era legítimo um povo rebelar-se

segundo s u a l e m b r a n ç a , D. J o ã o da contra a tirania; u m a analogia que, por

Costa, quais eram os generais, as si s ó , i n d i c a que a I n c o n f i d ê n c i a , no

a r m a s , as a l i a n ç a s , o s s o l d a d o s , que pensamento do c õ n e g o , era tão legitima

tinham prontos para se levantarem quanto a Restauração.

c o n t r a as a r m a s d e C a s t e l a , e q u e i s t o Mo p e n s a m e n t o do cõnego, assim,
f o i b a s t a n t e p a r a se s u s p e n d e r a a ç ã o encontramos a afirmação da razão, a
por oito dias, e talvez se não negação do maravilhoso, das certezas
e x e c u t a s s e , se n i s s o não estivesse o absolutas, e uma análise do real que,
maior perigo; e como poderia pensar
tendo como referência a própria
que tivesse efeito a sublevação de
e x p e r i ê n c i a (o q u e h a b i l i d o s a m e n t e se
Minas falta de tudo o n e c e s s á r i o , e
procura negar), c o m p a r a três situações
cercada de outras capitanias: em
d i s t i n t a s (a C o n j u r a ç ã o d a s G e r a i s , a
s e g u n d o lugar, e l e r e s p o n d e n t e n à o v ê
Independência das Treze Colônias
interesse nenhum próprio na
Inglesas e a Restauração Portuguesa),
s u b l e v a ç ã o ; p o r q u e não foi para isso
decompondo-as; depois, chegando-se a
convidado, nem aceitaria o partido,
u m a c o n c l u s ã o geral sobre a o c o r r ê n c i a
q u a n d o o fosse, e m e n o s evitar o dano
das r e b e l i õ e s ; e, por f i m , a t i n g i n d o a

pag.40. jan/dez 1995


V o

conclusão de que seria impensável uma conjugado ao ideal de civilidade de

r e b e l i ã o e m M i n a s . Mo s u b - t e x t o , a i n d a , Corneile, autor presente em sua

temos a consagração do principio biblioteca, levando o cônego a

ilustrado do direito à rebelião e a desobedecer as regras j u r í d i c a s e a

e x p r e s s ã o d o lugar estratégico o c u p a d o sujeitar-se às n o r m a s sociais que

pela derrama na C o n j u r a ç ã o . O c ô n e g o admitiam algumas ilicitudes sexuais,

Vieira d a Silva, e m s u m a , por u m lado, desde que não prejudicassem as

combinava os métodos resolutivo e aparências: o cônego, enfim, convivia

c o m p o s i t i v o , p r o c u r a n d o e s t a b e l e c e r as c o m a c i s ã o entre o s e r e o p a r e c e r .

condições que provocam os fenômenos Examinando a apropriação d o s livros

e, d e p o i s , d e s c o b r i n d o a s r e g u l a r i d a d e s pelos clérigos mineiros das Qerais do

que se fazem presentes e m fenômenos s é c u l o XVI11, d e n t r o d o s e s t r e i t o s l i m i t e s

similares, formulando leis. Por outro, que a documentação nos impõe,

baseava-se n u m princípio caro aos constatamos o fosso que separava os

ilustrados: aquele segundo o qual era inconfidentes dos demais, no que se

legítimo rebelar-se contra um poder refere às i d é i a s e a o s c o m p o r t a m e n t o s

despótico, presente e m Rousseau , e 8 1 políticos. Ao mesmo tempo,

também e m Raynal (que estendia a percebemos que as diferenças se

legitimidade àqueles que não viviam s o b embaralham, quando o foco desloca-se

o despotismo) . 8 2 p a r a as q u e s t õ e s m o r a i s . D o p o n t o d e
vista político, assim, v e m o s q u e , entre
Autêntico ilustrado, por seus princípios
o s i n c o n f i d e n t e s , o s l i v r o s i l u s t r a d o s e/
e pela maneira de estruturar o seu
ou que focalizavam aspectos relativos
pensamento, o cônego Vieira
ao m u n d o natural - i n s i g n i f i c a n t e s n a
influenciou-se, portanto, pelos autores
biblioteca do padre Toledo,
ilustrados que se encontravam e m sua
consideráveis na livraria d o padre Costa,
biblioteca e atendeu ao abade Raynal,
e razoavelmente numerosos na
a quem tanto apreciava, entronizando a
biblioteca do cônego Vieira da Silva -
pátria e m s e u altar! S u a ' l i b e r t i n a g e m ' ,
exerceram grande influência sobre tais
por f i m , n à o se limitou à Inconfidência:
leitores. As possibilidades de leitura dos
e m b o r a c ô n e g o , professor de teologia
inconfidentes, no entanto, não se
e comissário da Ordem Terceira da
limitaram aos livros que possuíam n e m
Penitência, Vieira da Silva era um
àquilo que os mesmos diziam: a
' h o m e m d o m u n d o ' , tendo legado u m a
inventividade, de alguma forma, valeu.
filha, Joaquina Angélica da Silva, à
O livrinho do abade Raynal, não
posteridade, nascida e m 1765, quando
possuído por nenhum deles, tornou-se
Vieira j á havia recebido as ordens
centro da atenção e, e m s u a leitura, as
sacras 8 3
. A moralidade coletiva
idéias foram apropriadas de tal sorte a
imperante nas Qerais deve ter-se

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n» 1 -2. p. 19-52. jan/dez 1995 - pag AI


A C E

iluminar a própria experiência dos autoridades e os livros procuravam


leitores, norteando sua ação política. A i m p o r e a inventividade de alguns d o s
inventividade dos leitores-inconfidentes leitores, seja no sentido de privilegiar
teve no c õ n e g o Vieira d a Silva o s e u determinadas obras, seja no sentido de
maior expoente, de tal sorte que a lê-las segundo uma ótica particular.
própria estruturação de seu pensamento Alguns títulos repetiam-se de u m a
seguia parâmetros ilustrados e b i b l i o t e c a para o u t r a ; entre as livrarias
a s s o c i a v a as e x p e r i ê n c i a s a l h e i a s à d e das Gerais e suas c o n g ê n e r e s francesas
sua pátria. Os clérigos que não se e portuguesas, havia similitudes no q u e
meteram na C o n j u r a ç ã o , sobre os quais toca aos títulos e à distribuição d o s
conseguimos obter informações mais l i v r o s p e l o s a s s u n t o s e, e m a l g u m g r a u ,
substanciais, ao contrário, mostram-se pelas línguas - m a s e m meio a estas
ou presos a u m a o r d e m politica-cultural uniformidades, os inconfidentes
que ruía, caso d o bispo Manuel d a Cruz, destacaram-se por destoarem, e m maior
ou possivelmente usando de livros ou menor grau. O cõnego Vieira da Silva,
heterodoxos para melhor preservar a dentre eles, foi o que mais se mostrou
ordem, caso do bispo Pontevel. singular.

A moralidade coletiva, que consagrava Os eclesiásticos inconfidentes possuíam

a c i s ã o entre o s e r e o p a r e c e r , f o i m a i s bibliotecas que expressavam interesses

forte q u e a o r t o d o x i a , j u s t a m e n t e entre que iam além d o s limites imediatos de

os p r o p r i e t á r i o s d a s b i b l i o t e c a s m a i s seu trabalho pastoral, voltando-se mais

exuberantes: o cõnego Vieira da Silva fortemente que as d o s demais clérigos

e, q u e m s a b e , o b i s p o P o n t e v e l . E s t a para questões teológicas e profanas. O

moralidade, ademais, triunfou no inverso se dava entre os clérigos n ã o -

comportamento do cõnego Borges conjurados. À maior profanidade, os

enquanto j u i z . Venceu entre eles u m a inconfidentes aliaram u m a inventividade

moralidade q u e aceitava as relações bastante aguda e m relação aos livros,

sexuais ilícitas desde que se apropriando-se das idéias apresentadas

m a n t i v e s s e m as a p a r ê n c i a s , i n c l u s i v e a nos m e s m o s t e n d o e m vista s u a p r ó p r i a

de respeito às n o r m a s j u r í d i c a s . Entre e x p e r i ê n c i a n a s G e r a i s . S u a inventividade

a maioria dos clérigos proprietários de c h e g o u ao limite de levá-los a o r g a n i z a r e m

l i v r o s , c o n t u d o , a o r t o d o x i a p a r e c e ter uma sedição fundada numa estratégia

saído vitoriosa. baseada no conhecimento livresco da


experiência das Treze Colônias da
Conclusão América inglesa. Assim, mais do que a

Nas bibliotecas dos eclesiásticos pátria, os inconfidentes parecem ter

m i n e i r o s d o s é c u l o XVIII, v i s u a l i z a m - s e entronizado o s livros - ao m e n o s alguns

as tensões entre aquilo que as d e l e s - e m s e u altar.

pag. 42, jan/dez 1995


V o

Tabelas e Gráficos

Fontes: Arquivo d a C a s a Setecentista de Mariana (AEAM), Arquivo Episcopal da


A r q u i d i o c e s e d e M a r i a n a (ACSM) e A u t o s d e D e v a s s a d a I n c o n f i d ê n c i a M i n e i r a (ADIM).

* nas tabelas, os números absolutos referem-se a obras e volumes, estando registrados


na o r d e m : obras/volumes.

Tabela 1 - V dc Obras e Volumes das Bibliotecas Eclesiásticas por Área

Totais Ciências Sacras Ciências Profanas

Nomes Obras Volumes Obras Volumes


Obra VoL
ABS % ABS % ABS % ABS %

B. Pontevel 412 1056 263 63,8 703 66,6 79 \9.2 208 19.7

C6n. V. Silva 279 612 99 35,5 236 38,6 147 52,7 329 53,7

Pe. M. Costa 73 212 30 41 128 60,4 20 27,4 54 25.5

Côn. Cordeiro 67 76 22 32,2 31 40,8 1 1.5 1 1,3

Côn. Borges 64 126 32 50 77 61,1 9 14 12 9,5

Pe. C Toledo 58 105 37 63,8 81 77,1 17 293 19 18

Pe. F. Alves 37 48 33 89,2 42 87,5 0 0 0 0

B M. da Cruz 36 79 29 80,5 67 84,8 3 8.3 6 7,6

Pe. J. F. Souza 27 62 23 85,2 49 79 2 7,4 6 9,7

Pe. J. T. Souza 24 42 16 66,7 33 78,5 2 8,3 2 4,8

Tabela II - Números Absolutos e Relativos de Obras e Absolutos de Volumes* de Ciências Sacras nas Bibliotecas Eclesiásticas

Padres da
Ljcritura Santa Teoloeia História Sagrada Canônej Liturgia Dicioairioa
Igreja
Nomes
ABS ABS ABS ABS ABS ABS ABS
% % % % % %
o/v o/v o/v o/v O/V O/V o/v
B. Pontevel 7/32 1.7 2/15 0.5 58191 14 16/73 3.1 36/15 1.7 47/107 11,4 9/21 12

Con V. Sirva S/19 1.» 2/14 0,7 13/27 4.7 11/21 3.9 22/51 7.9 17/2» 6,1 2/7 0,7

Pe M Costa 3/33 4,1 0 0 t/36 10.9 2/16 2,7 1/1 1,4 9/26 12J VII 4,1

Côn Cordeiro 0 0 0 0 5/5 7,5 1/2 1.5 1/2 1.5 12/13 17.9 0 0

C6n. Borges 0 0 0 0 4/10 6.3 0 0 5/6 7,1 7/27 10,9 0 0

Pe. C. Toledo 2/4 3.4 0 0 10/22 172 2/4 3,4 3/5 5.2 11/31 19 1/4 1,7

Pe R Ah/es 1/3 2,7 0 • 4/4 10,1 l/l 2.7 0 0 25/32 67,6 0 0

B. M da Cruz 0 0 0 • 1/4 2.1 5/7 13.9 4/4 11,1 5714 13.1 0 0

Pe. J. F. Souza 3/4 U.l 0 0 2/2 7.4 0 0 2/2 7.4 U/31 40,7 0 0

Pe. J. T. Souza 0 0 0 0 2/6 1.3 l/l 4.2 2/2 •.3 4/1 16,7 0 0

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n« 1-2, p. 19-52. jan/dez 1995 - pag.45


A C E

Vol• d* SM»! Prof.na. iu Bibliotecas Ecl-siaiticai


Tabela [II • Nesearos Abseluto. e Murro* de Obrai < Absolutos da ases'
rnerana Ritònc» llmon. DiòMárfe Lite raro rs FUesafia Direito Otárias
Naseea ABS
%
ABS ABS %
ABS ABS ABS %
ABS %
ABS %
% % %
O/V O/V O/V O/V O/V o/v O/V O/V
B PooKvel 7/11 1.7 2/2 0.5 7/26 1.7 16744 3,9 19/27 1/40 13 «3! 23 7/7 1,7
V Sitva 2/6 17 5.7 u 26/15 93 13/27 4.7 49/91 3IV92 111
, 10/11 13 143
-3 s
Pe M Cofta 2/3 2.7 0 0 1/2 u 3/10 4.1 •711 •3 2/13 V 0 0 5/13 6.1
C6o Cordcuo 0 0 0 0 0 0 0 0 l/l u 0 0 0 0 0 0
Cõo. Borg.es 0 0 0 0 0 0 0 0 0 • 0 0 5/1 7.« l/l 1.6
Pt. C. Toledo • • l/l 1.7 0 0 4M M 1/1 133 2/2 3.4 0 0 0 0
Pe. F. Abres • • 0 0 • • • • 0 0 0 • 0 • 0 0
B. M. deCraa 0 • t » l/l 23 • 0 1/2 23 0 t 1/3 W 0 0
Pe J. F. Sovoa 0 0 0 • 1/2 3,7 0 0 • 0 1/4 3.7 0 t 0 0
Pe J. T. Som 0 0 0 0 0 0 0 0 1/1 43 0 0 0 0 0 0

Tabela IV - Número! Absolutos e Relativos de Obras e Absolutos de Volumes* por Línguas e Valor daa Bibliotecas Eclesiásticas

laVjsBM

Nossas •arara Port.tsès tr.eeès Espanhol lorlés Italiano Valor era


Mil-reis
O/V % O/V % O/V % O/V % O/V % o/v %

303-764 73.5 58,137 14 31/100 73 3/21 0.7 0 9/13 23 96ISSS0


Còn V Sirva 1307212 46,6 33/63 11.« 79/72 213 3/6 1 24/24 «6 0 6615130
Fe. M. Costa 9.40 123 36/121 49.3 1/1 13 0 2/11 2.7 0 -

Con. Cordeiro 2/3 3 19/27 213 0 - 0 - 0 - 0 - 2755700


Cón Rorges 30/59 46.9 25/57 39 0 - 0 0 • 0 - 4IS250
Pe.C. Toledo 12/24 20.7 42/77 72,4 0 0 • - 0 - 1011350
Pe-F Alves 1/3 2.J 32/36 *J 0 2/2 M 0 0 27J295
B M. da Cruz 1GV20 273 24/57 66.7 0 l/l 2Jt 1/4 23 0 -

Pe. J. F. Souza 7/1 25.9 11/49 66.7 0 0 0 - 0 - 66S070


Pe. J. T. Souza M U 7JV37 •33 0 0 0 • 0 301055

.. \ \ 1 I I - N * d t ( > l . r » U-m-i i

B Pont» Ct*\ V. tia Fdj.HR. Cie j C4n_ dl Pt. C Talo P » F. Mvm • M d. P» j t p» j T


**J M.» Co-rta CoroUxrr. Bo'tj*n> rio Oui liai Soai»

pag. 44, jan/dez 1995


R V O

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Í.7 4J

M O T A S
1. C H A R T I E R , Roger. A história cultural:entre p r á t i c a s e i n t e r p r e t a ç õ e s . L i s b o a : DifeI;
Rio d e J a n e i r o : B e r t r a n d B r a s i l , 1 9 9 0 , p. 1 2 1 . C o l o c a ç õ e s m u i t o s i m i l a r e s t a m b é m
s ã o f e i t a s p o r D A R N T O N , R o b e r t . Boêmia literária e revolução: o submundo das
l e t r a s n o A n t i g o R e g i m e . S ã o P a u l o : C i a . d a s L e t r a s , 1 9 8 9 , p. 1 2 8 ; e DAV1S,
Natalie Z e m o n . "O povo e a palavra impressa". In: Culturas do Povo. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1 9 9 0 , pp. 1 5 9 , 176 e 184-185.

2. C H A R T I E R , Roger. Lectures et lecteurs dans Ia France D'Ancien Regime. Paris :


É d i t i o n s d u S e u i l , 1 9 8 7 , p. 1 6 7 .

3. I d e m , i b i d e m , p. 1 6 8 .

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995 pag 45


A C E

4. M A R Q U E S , M a r i a A d e l a i d e S a l v a d o r . A Real Mesa Censória e a cultura nacional.


C o i m b r a : E d i t o r a d a U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a , s / d , p. 8 5 .

5. C H A R T I E R , Roger. Lectures et lecteurs dans Ia France D'Ancien Regime, op. cit.,


p. 1 7 1 .

6. M A R Q U E S , M a r i a A d e l a i d e S a l v a d o r , o p . c i t . , p. 8 9 .

7. C H A R T I E R , Roger. Lectures et lecteurs dans la France D'Ancien Regime, op. cit.,


p. 1 7 3 .

8. M A R Q U E S , M a r i a A d e l a i d e S a l v a d o r , o p . c i t . , p. 8 9 .

9. C H A R T I E R , Roger. Lectures et lecteurs dans la France D'Ancien Regime, op. cit.,


p. 1 7 2 .

10. F U R T A D O , J ú n i a F e r r e i r a . O livro da capa verde; a v i d a n o d i s t r i t o d i a m a n t i n o n o


p e r í o d o da Real E x t r a ç ã o . São Paulo : 1 9 9 1 , pp. 24 e 3 3 - 3 4 . Dissertação de
mestrado.

1 1. F U R T A D O , J ú n i a F e r r e i r a , o p . c i t . , p. 3 3 - 3 4 .

1 2 . A r e l a ç ã o d e l i v r o s foi e x t r a í d a d o " I n v e n t á r i o d o s b e n s d o S e m i n á r i o d e M a r i a n a " ,


feito e m 1831 e t r a n s c r i t o p e l a Revista do Arquivo Fúblico Mineiro sob o título:
"O S e m i n á r i o d e M a r i a n a e m 1 8 3 1 " . In: Revista do Arquivo Fúblico Mineiro. Belo
Horizonte: (1/2) : 3 6 7 - 3 7 7 , j a n . / j u l . de 1 9 0 4 . E s s e s l i v r o s f o r a m inventariados
apenas e m 1 8 3 1 , portanto, j á no século XIX, mais adiante do período c o m o
qual estamos trabalhando. Todavia, c o m o este intervalo t e m p o r a l coincidiu
p a r c i a l m e n t e c o m a c r i s e d o S e m i n á r i o (de 1 7 9 3 a 1 8 2 0 ) , fechado por vários
a n o s , p o d e m o s s u p o r que i n e x i s t i r a m s e n s í v e i s m u d a n ç a s no a c e r v o de s u a
biblioteca, à e x c e ç ã o da deterioração dos livros provocada pelo a b a n d o n o e pela
ação do t e m p o . Há pequenas diferenças entre a transcrição que aparece na revista
e a c ó p i a m a n u s c r i t a do d o c u m e n t o que c o n s u l t a m o s na B i b l i o t e c a N a c i o n a l .
Dos 5 6 6 v o l u m e s da biblioteca do Seminário, 2 3 0 não tiveram seus títulos e
autores mencionados. Sobre a crise do Seminário de Mariana, veja: TRINDADE,
cônego Raimundo. Breve noticia dos Seminários de Mariana. Mariana :
A r q u i d i o c e s e de Mariana, 1 9 5 1 , pp. 2 8 - 4 0 .

1 3 . D E L U M E A U , J e a n . A confissão e o perdão. São Paulo : C i a . das Letras, 1 9 9 1 , pp.


1 14-1 1 5 .

14. I d e m , i b i d e m , p. 1 1 4 .

15. I d e m , i b i d e m , p. 6 6 .

16. FRIEIRO, E d u a r d o . O diabo na livraria do cônego. 2* e d . rev. e a u m . S ã o P a u l o :


E D U S P ; B e l o H o r i z o n t e : I t a t i a i a , 1 9 8 1 , p. 4 5 .

/ \
pag. 46. jan/dez 1995
K V O

17. Mo i n v e n t á r i o d o s b e n s d o S e m i n á r i o c o n s t a "Hondres", porém julgamos que


h o u v e e r r o d o e s c r i v ã o na g r a f i a d o n o m e , q u e n a r e a l i d a d e d e v i a s e r V i n c e n t
H o u d r y . C o r r o b o r a e s t a h i p ó t e s e o fato d e h a v e r t o m o s d e u m e x e m p l a r d a o b r a
Biblioteca concionatoria, d o c i t a d o autor, e m e d i ç ã o d e 1 7 6 4 , n a b i b l i o t e c a d o
palácio dos bispos de Mariana, neles estando anotado: "Pertence ao Seminário"
e "Seminário de Mariana".

18. D E L U M E A U , J e a n , o p . c i t . , p. 1 1 5 .

19. TRIMDADE, c ô n e g o Raimundo. Breve notícia dos Seminários de Mariana, o p . cit., p. 3 4 .

2 0 . A U T O S d e D e v a s s a d a I n c o n f i d ê n c i a M i n e i r a ( d o r a v a n t e , ADIM). Brasília : Câmara


dos D e p u t a d o s ; B e l o Horizonte: Imprensa Oficial de Minas Qerais, 1 9 8 0 , vol. 6,
pp.85-92, 307-322, 347-350 e 438-440.

21. ARQUIVO EPISCOPAL DA A R Q U I D I O C E S E DE M A R I A N A (doravante, AEAM).


Inventário de dom frei Domingos da Encarnaçáo Pontevel - 1793 ( d o r a v a n t e , IDEP).
A r m á r i o 1, 4 S
gaveta, livro.

22. Os autores que se voltaram para o estudo das b i b l i o t e c a s dos Inconfidentes


empregaram critérios distintos na contagem dos livros e e s c o l h e r a m u m o u outro
s e g m e n t o d o s Autos de Devassa da Inconfidência - o s a u t o s d o s e q ü e s t r o o u as
avaliações dos bens - para a coleta dos dados, o que os levou a chegarem a
d i f e r e n t e s r e s u l t a d o s . V e j a : FRIE1RO, E d u a r d o , o p . c i t . , p. 2 4 ; A R A Ú J O , E m a n u e l .
O teatro dos vícios: transgressão e transigência na s o c i e d a d e urbana c o l o n i a l .
R i o d e J a n e i r o : J o s é O l y m p i o , 1 9 9 3 , p. 3 2 7 ; RICARDINI, B e a t r i z . " I n v e n t á r i o s e
s e q ü e s t r o s : f o n t e s p a r a a h i s t ó r i a s o c i a l " . In: Revista do Departamento de História.
B e l o H o r i z o n t e : (9) : 3 1 - 4 5 , 1 9 8 9 ; e V I L L A L T A , L u i z C a r l o s . A 'torpeza diversificada
dos vícios': c e l i b a t o , c o n c u b i n a t o e c a s a m e n t o no m u n d o d o s l e t r a d o s d e M i n a s
Qerais (1748-1801). São Paulo : FFLCH-USP, 1 9 9 3 , p. 147. Dissertação de
mestrado.

2 3 . A R Q U I V O DA C A S A S E T E C E N T I S T A DE M A R I A N A ( d o r a v a n t e , A C S M ) . Inventário do
padre João Rodrigues Cordeiro, 1792. \- o f i c i o , c ó d i c e 8 2 , a u t o 1.756.

2 4 . A C S M . Inventário do cônego Chantre José Botelho Borges, 1795. \ - ofício, códice


14, auto 4 5 3 .

2 5 . A C S M . Inventário do padre Francisco Vieira Alves, 1781. 1 ofício, c ó d i c e 7 5 , auto 1.587.


9

2 6 . A E A M . Testamento e inventário do bispo dom frei Manuel da Cruz, 1763-1764.


A r q u i v o 1, p r a t e l e i r a 1 3 , g a v e t a 1.

2 7 . ACSM. Inventário do padre João Ferreira de Souza, 1777. 2- ofício, c ó d i c e 4 6 , auto

1.045.

28. A C S M . Inventário do padre José Teixeira de Souza, 1768. 1 oficio, códice 149, auto 3 . 1 3 4 .
9

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n 1-2, p. 19-52, jan/dez 1995 - pag.47


9
A C E

2 9 . C o n t a m o s c o m o l i v r o s d i s t i n t o s até m e s m o v o l u m e s p a r a os q u a i s o s i n v e n t á r i o s
não m e n c i o n a m nem títulos nem autores, ou ainda, para os quais a s e m e l h a n ç a
de t í t u l o s n ã o i m p l i c a n e c e s s a r i a m e n t e i g u a l d a d e d e autor. E m n o s s a d i s s e r t a ç ã o
d e m e s t r a d o (op. c i t j e e m o u t r o a r t i g o ( V I L L A L T A , L u i z C a r l o s . "O d i a b o n a
l i v r a r i a d o s i n c o n f i d e n t e s " . In: N O V A E S , A d a u t o (org.). Tempo e história. São
Paulo : C o m p a n h i a das Letras ; Secretaria M u n i c i p a l de C u l t u r a , 1 9 9 2 , p p . 3 6 7 -
395) não u s a m o s este critério, h a v e n d o , por i s s o , d i f e r e n ç a s entre as cifras
apontadas nesses trabalhos e no presente artigo.

3 0 . A o q u e t u d o i n d i c a , e s s a o b r a c i r c u l o u m u i t o nas M i n a s d o s é c u l o XVIII. Era d a s


mais solicitadas aos fornecedores pelo livreiro e capitão Manuel Ribeiro, caixa e
a d m i n i s t r a d o r d o s c o n t r a t o s d o s d í z i m o s , n a s Q e r a i s d e m e a d o s d o s é c u l o XVIII
- a p u d DIN1Z, S í l v i o G a b r i e l . " U m l i v r e i r o e m V i l a R i c a n o m e a d o d o s é c u l o XVIII".
In: fíriterion. Belo Horizonte: (47/48): 1 8 0 - 1 9 8 , j a n . / j u n . de 1 9 5 9 . Lucas da C o s t a
Pereira, cirurgião residente em Paracatu, preso e m 1747 pelo crime de s o d o m i a ,
tinha entre s e u s bens s e q ü e s t r a d o s três livros, dentre eles, a o b r a de Larraga
(Arquivo N a c i o n a l da Torre do T o m b o - I n q u i s i ç ã o de L i s b o a - Processo n e
205).
E s s a i n f o r m a ç ã o f o i - n o s g e n t i l m e n t e p a s s a d a p o r L u í s R o b e r t o d e B a r r o s Mott.

3 1 . FRIEIRO, E d u a r d o , o p . c i t . , p. 3 2 .

3 2 . P I C A R D , E v e l y n e . " U n e b i b l i o t h è q u e c o n v e n t u e l l e a u x XV1II-- s i è c l e : les t h é a t i n s


de S a i n t e - A n n e - L a - R o y a l e " . In: Revue dflistoire Moderne et Contemporaine. Paris:
(27) : 2 3 5 - 2 5 5 , a b r . / j u n . 1 9 7 9 .

3 3 . T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o . Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua


história. 2 a
ed. Belo Horizonte : Imprensa Oficial, 1 9 5 3 , vol. 1, p p . 1 5 3 - 1 5 4 e
R O D R I G U E S , J o s é C a r l o s . Idéias filosóficas e políticas em Minas Gerais na primeira
metade do século XIX. B e l o H o r i z o n t e : I t a t i a i a ; S ã o P a u l o : E D U S P , 1 9 8 6 , p. 3 1 .

3 4 . A E A M . Processo de habilitação para ordens de Luiz Vieira. Encadernado, armário


1, 3* p r a t e l e i r a ; e T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o . São Francisco de Assis de Ouro
Preto. Rio de J a n e i r o : Ministério da E d u c a ç ã o , 1 9 5 1 , pp. 1 9 6 - 2 3 1 .

3 5 . T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o . Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua


história, op. cit., p p . 7 6 - 8 1 .

3 6 . V I L L A L T A , L u i z C a r l o s . A 'torpeza diversificada dos vícios', op. cit., pp. 9 6 - 1 0 0 .

3 7 . Idem, i b i d e m , pp. 133-134 e 1 3 7 - 1 3 9 .

3 8 . EDITAL d a R e a l M e s a C e n s ó r i a d e 0 6 d e a b r i l d e 1 7 6 9 . In: Coleção das leis e


alvarás que compreende o Feliz Reinado D'EI Rey Fidelíssimo D. José I, s/ref, p p .
2 3 6 - 2 3 7 . S o b r e o m o l i n i s m o , v e j a : VAINFAS, R o n a l d o . Trópico dos pecados. Rio
de Janeiro : Campus, 1 9 8 9 , p. 2 0 2 e M O R A , A d e l i n a S a r r i ó n . Sexualidad y

pag 48. jan/dez 1995


R V O

confesión:la s o l i c i t a c i ó n a n t e el T r i b u n a l d e i S a n t o O f i c i o (sigios XV1-X1X). M a d r i d :


Alianza Editorial, 1 9 9 4 , pp. 2 0 6 - 2 0 9 .

3 9 . T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o . Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua

história, op.cit., pp. 7 6 - 8 1 .

4 0 . I d e m , i b i d e m , p p . 7 6 - 8 1 e C A R R A T O , J o s é F e r r e i r a . Igreja, Iluminismo e escolas

mineiras coloniais. S ã o P a u l o : C i a . E d i t o r a N a c i o n a l / E D U S P , 1 9 6 8 , p. 5 8 .

4 1 . A E A M . Relatório do episcopado de Mariana para a Sagrada Congregação do Concilio


de Trento. T r a d u ç ã o do m o n s e n h o r Flávio Carneiro Rodrigues.

42. HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capítulos de literatura colonial. São Paulo:

Brasiliense, 1 9 9 1 , pp. 2 7 2 - 2 7 3 .

4 3 . MOTT, L u i z . R o s a Egipcíaca: u m a santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand

B r a s i l , 1 9 9 3 , p. 1 1 7 .

44. RODRIGUES, J o s é C a r l o s , o p . c i t . , p. 3 1 e T R I N D A D E , c ô n e g o Raimundo.

Arquidiocese de Mariana: subsídios para a sua história, op.cit., pp. 1 5 3 - 1 5 4 .

4 5 . R O D R I G U E S , J o s é C a r l o s , o p . c i t . , p p . 5 1 - 5 5 e WERNET, A u g u s t i n . A Igreja paulista


no século XIX: a r e f o r m a d e d. A n t ô n i o J o a q u i m d e M e l o ( 1 8 5 1 - 1 8 6 1). S ã o P a u l o :
Ed. Ática, 1 9 7 8 , pp. 2 9 - 3 0 .

4 6 . F R I E I R O , E d u a r d o , o p . c i t . , p. 2 6 .

47. Idem, ibidem, pp. 44-45.

4 8 . H i p ó t e s e s i m i l a r é d e f e n d i d a e m r e l a ç ã o a o c o n d e de A s s u m a r e m : S O U Z A , L a u r a
d e M e l l o e. " E s t u d o c r í t i c o " . In: Discurso histórico e político sobre a sublevação
que nas Minas houve no ano de 1720. Belo Horizonte : Fundação J o ã o Pinheiro,
C e n t r o d e E s t u d o s H i s t ó r i c o s e C u l t u r a i s , 1 9 9 4 , p p . 1 3 - 5 6 . Veja t a m b é m : B E R G E R ,
Q. " L i t t e r a t u r e et l e c t e u r s a G r e n o b l e a u x XVIIe s i è c l e : le p u b l i c l i t t e r a i r e d a n s
u n e c a p i t a l e p r o v i n c i a l e " . In: Revue d'Mistorie Moderne et Contemporaine. Paris:
(33): 1 3 2 , j a n . / m a r . 1 9 8 6 .

4 9 . M A X W E L L , K e n n e t h . A devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil -


P o r t u g a l , 1 7 5 0 - 1 8 0 8 . 3 a . e d . Rio d e J a n e i r o : Paz e T e r r a , 1 9 8 5 , p. 1 7 4 .

5 0 . T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o . Arquidiocese de Mariana: s u b s í d i o s para a sua

h i s t ó r i a , o p . c i t . , p. 1 5 4 .

5 1 . Os atricionistas e n t e n d i a m que os penitentes p o d e r i a m ser a b s o l v i d o s pelo padre


m e s m o que se m o s t r a s s e m a r r e p e n d i d o s u n i c a m e n t e por temor do inferno
(DELUMEAU, J e a n , op. cit., pp. 4 5 - 5 7 ) .

5 2 . D A R N T O N , R o b e r t . Boêmia literária e revolução, op. cit., pp. 143-148 e 160-167,

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n 1-2. p. 19-52. jan/dez 1995-pag49


!
A C E

e Edição e sedição: o u n i v e r s o d a l i t e r a t u r a c l a n d e s t i n a n o s é c u l o XVIII. S ã o


Paulo: C o m p a n h i a d a s Letras, 1 9 9 2 , pp. 1 7 9 - 1 9 3 .

5 3 . A f i d e l i d a d e d e P o n t e v e l a o s e n s i n a m e n t o s d a Igreja é a p o n t a d a e m B O S C H I ,
C a i o C é s a r . ' A s v i s i t a s d i o c e s a n a s e a i n q u i s i ç ã o n a C o l ô n i a " . In: Revista Brasileira
de História. S ã o P a u l o : 7(1 4): 161, m a r . / a g o . 1 9 8 7 ; T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o .
Arquidiocese de Mariana, op.cit., v o l . l , pp. 140-158 e CARRATO, J o s é Ferreira,
op.cit., p.64.

5 4 . A E A M . Processo de habilitação de genere, vitae et moribus, n- 3 4 5 .

55. Ibidem. Um 'defeito de c o s t u m e ' de D o m i n g o s sequer foi tangenciado nas


investigações: e m s e u testamento, ele r e c o n h e c e u ser pai de Libánia Rosa d a s
Virgens, n a s c i d a antes q u e e l e se tornasse presbítero (ACMS. Inventário e
testamento de Domingos da Encarnação Pontevel, 1827-1829. 1. o f í c i o , c ó d i c e
5 0 , auto 1.139).

5 6 . Sobre a t e n s ã o entre o parecer e o ser no ideal de civilidade no Antigo Regime,


v e j a : C H A R T I E R , Roger. Lectures et lecteurs dans la Erance D'Ancien Regime, op.
c i t . , p. 6 0 , e R E V E L , J a c q u e s . " O s u s o s d a c i v i l i d a d e " . In: A R I E S , P h i l i p p e &
C H A R T I E R , R o g e r (org.). História da vida cotidiana. São Paulo: Companhia das
Letras, 1 9 9 1 , p p . 187-194.

57. GONZAGA, T o m á s A n t ô n i o . " C a r t a s c h i l e n a s " . In: Obras Completas I - poesias/


cartas c h i l e n a s . Rio de J a n e i r o : Ministério da Educação/ Instituto Nacional d o
Livro, 1 9 5 7 , pp. 2 9 9 - 3 0 0 .

5 8 . V I L L A L T A , L u i z C a r l o s . A 'torpeza diversificada dos vícios', op. cit.

5 9 . PIRES, M a r i a d o C a r m o . " D e j u i z a i n f r a t o r : o d i l e m a d o s a c e r d ó c i o m i n e i r o n o
s é c u l o XVIII". C o m u n i c a ç ã o a p r e s e n t a d a n a XII Encontro Regional de História da
AríPUH - SãoPaulo, r e a l i z a d o e m C a m p i n a s , e m 1 9 9 4 , p. 7 .

6 0 . V I L L A L T A , L u i z C a r l o s . A torpeza diversificada dos vícios', op. cit., pp. 96-97.

6 1 . A E A M . Processo de habilitação de genere, vitae et moribus, n- 1.318/08.

62. MAXWELL, Kenneth. A devassa da Devassa: a Inconfidência Mineira, Brasil -


P o r t u g a l , 1 7 5 0 - 1 8 0 8 , o p . c i t . , p. 1 1 8 .

6 3 . A E A M . Processo de colação do reverendo Carlos Correia de Toledo Melo como


vigário da freguesia de Santo Antônio da vila de São José. Encadernado, armário
1, 3 " p r a t e l e i r a .

6 4 . R O D R I G U E S , J o s é C a r l o s , o p . c i t . , p p . 4 7 - 4 8 e WERNET, A u g u s t i n . A igreja paulista


no século XIX: a r e f o r m a d e d . A n t ô n i o J o a q u i m d e M e l o (1 8 5 1 - 1 8 6 1). S ã o P a u l o :
Ed. Ática, 1978, pp. 29-30.

pag.SO. jan/dez 1995


R V O

65. QUILLAUME, T h o m a s F r a n ç o i s R a y n a l . A revolução da América. Rio de Janeiro:


A r q u i v o N a c i o n a l , 1 9 9 3 , p. 8 4 .

6 6 . A D I M , v o l . 1, p. 1 5 8 e v o l . 2 , p. 2 4 6 .

6 7 . A E A M . Processo de habilitação de genere, vitae et moribus. Encadernado, armário


1, 3* g a v e t a .

68. CÂNDIDO, Antônio. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos. 6 !

ed. Belo Horizonte: Itatiaia, 1 9 8 1 , pp. 5 8 - 5 9 .

6 9 . A D I M . o p . c i t . . v o l . 2 , p. 4 3 2 .

7 0 . SA1NT-HILAIRE, A u g u s t e d e . Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas


Qerais. Belo Horizonte: E d . Itatiaia; São Paulo: EDUSP, 1975, pp. 60-61; e
C A R R A T O , J o s é F e r r e i r a , o p . c i t . , p. 6 7 .

7 1 . a p u d C A R V A L H O , c ô n . J o s é G e r a l d o V i d i g a l . Ideologia e raízes sociais do clero


da Conjuração - século XVIII, Minas Qerais. Viçosa: Imprensa Universitária da
UFV, 1 9 7 8 , p . 3 3 .

72. CARVALHO, c ô n . J o s é Geraldo Vidigal d e , o p . cit., pp. 3 3 - 3 4 .

7 3 . A E A M . Processo de habilitação para ordens de Luís Vieira. Encadernado, armário


1, 3 8
p r a t e l e i r a e T R I N D A D E , c ô n e g o R a i m u n d o . São Francisco de Assis de Ouro
Preto, op. cit., pp. 196-231.

7 4 . MOTA, C a r l o s G u i l h e r m e . Idéias de revolução no Brasil (1789-1801): estudo das


f o r m a s d e p e n s a m e n t o . P e t r ó p o l i s : V o z e s , 1 9 7 9 , p. 8 0 .

7 5 . CHARTIER, Roger. Lectures et lecteurs dans la France D'Ancien Regime, o p . cit., p. 5 9 .

76. CASSIRER, Ernst. Filosofia de la llustración. 2» e d . M a d r i d : F o n d o d e C u l t u r a


E c o n ô m i c a , 1 9 9 3 , p. 2 1 .

77. Idem, ibidem, pp. 22-26.

7 8 . I d e m , i b i d e m , p. 3 7 .

79. A associação, pelos inconfidentes, do problema tributário à sublevação da América


inglesa, e, daí, à o r g a n i z a ç ã o d a s e d i ç á o m i n e i r a , foi s u b l i n h a d a e m : C A R V A L H O ,
c ô n . J o s é G e r a l d o V i d i g a l d e , o p . c i t . , p. 15 e F I G U E I R E D O , L u c i a n o R a p o s o d e
A l m e i d a & M U N T E A L F I L H O , O s w a l d o . " P r e f á c i o " . In: G U I L L A U M E , T h o m a s F r a n ç o i s
R a y n a l , o p . c i t . , p. 3 1 .

8 0 . ADIM, v o l . 5 , pp. 2 4 6 - 2 4 8 .

8 1 . "A rebelião q u e finalmente degola o u destrona u m sultão é u m ato tão j u r í d i c o


quanto aqueles pelos quais ele, na véspera, dispunha das vidas e dos bens dos
seus s ú d i t o s . Só a força o m a n t i n h a , s ó a força o derruba". R o u s s e a u , a p u d LEITE,
P a u l o G o m e s . " A M a ç o n a r i a , o I l u m i n i s m o e a I n c o n f i d ê n c i a M i n e i r a " . In: Revista

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n- 1-2, p. 19-52, jan/dez 1995 - pag 51


Minas Gerais. B e l o H o r i z o n t e : (33): 2 0 , j a n . 1 9 9 1 .

8 2 . G U I L L A U M E , T h o m a s F r a n ç o i s R a y n a l , o p . c i t . , p. 7 5 .

8 3 . A D I M , o p . c i t . , v o l . 3 , p. 3 4 8 .

0-

A B S T R A C T
T h i s a r t i c l e f o c u s e s a t t e n t i o n o n the c l e r i c a l l i b r a r i e s in M i n a s Q e r a i s in t h e s e c o n d
half of the e i g h t e e n t h c e n t u r y , a n a l y z i n g t h e i r c o m p o s i t i o n a n d the p r o b a b l y i n f l u e n c e s
that they h a d u p o n t h e i r o w n e r s . F i r s t l y , it i d e n t i f i e s t h e h e a d l i n e s a n d a u t h o r s that
the C a t o l i c C h u r c h u s e d to d i f u s e a m o n g the c l e r i c m e n a n d the p o s i t i o n they o c c u p i e d
a s o w n e r s o f t h e b o o k s . A f t e r t h a t , it p r e s e n t s a q u a n t i t a t i v e a n a l y z i s o f s o m e
i n f o r m a t i o n f r o m t h e b o o k s ( a u t h o r s ' n a m e s , t i t l e s , l a n g u a g e s in w h i c h the books
were w r i t t e n , m a t t e r s a n d p r i c e s ) , i d e n t i f y i n g r e g u l a r i t i e s a n d s i n g u l a r i t i e s a n d r e l a t i n g
t h e m to the p e r s o n a l b i o g r a p h y of t h e i r o w n e r s a n d to t h e c l e r i c a l s t a t e . F i n a l l y , it is
shown how these libraries unfluenced their owner's sexual and political behaviors.

R É S U M É
C e t a r t i c l e traite d e s b i b l i o t h è q u e s c l é r i c a l e s d u M i n a s Q e r a i s à la s e c o n d e m o i t i é d u
XVlIIe s i è c l e . 11 a n a l y s e la c o m p o s i t i o n d e c e s b i b l i o t h è q u e s et e x p l i q u e l e s i n f l u e n c e s
p o s s i b l e s q u ' e l l e s o n t e x e r c e s u r l e u r s p r o p r i é t a i r e s . 11 d é c r i t , d ' a b o r d , les t i t r e s et
les a u t e u r s q u e l ' E g l i s e C a t h o l i q u e e s s a y a i t d e r é p a n d r e e n t r e les c l e r c s et q u e l l e s
é t a i e n t les p o s i t i o n s q u e c e u x - l à o c c u p a i e n t tant q u e p r o p r i é t a i r e s d e l i v r e s . E n s u i t e ,
il fait une a n a l y s e q u a n t i t a t i v e d e s q u e l q u e s d o n n é e s c o n c e r n a n t l e s l i v r e s t r o u v é s
d a n s le b i b l i o t h è q u e s (norns d ' a u t e u r s , t í t r e s , l a n g u e d a n s l a q u e l l e les l i v r e s o n t é t é
é c r i t s , s u j e t s , et p r i x ) , t o u t e n i d e n t i f i a n t d e s r é g u l a r i t é s et d e s s i n g u l a r i t é s , e n
é t a b l i s s a n t l e s r a p p o r t s e n t r e e l l e s et l ' h i s t o i r e p e r s o n e l l e d e l e u r s p r o p r i é t a i r e s et
1'état c l e r i c a l . F i n a l e m e n t , il e x a m i n e d a n s q u e l l e m e s u r e les l i v r e s ont i n f l u e n c é le
c o m p o r t e m e n t s e x u e l et p o l i t i q u e d e l e u r s p r o p r i é t a i r e s .

pag 52. jan/dez 1995


Berenice Cavalcante
Professora associada do Departamento de História da PUC-RJ. Coordenadora do
Programa de Pós-graduação e m História Social da Cultura da PUC-RJ.

4
O s letrados'
los A
(tua sociedade
c o l o n i a l s as a c a d e m i a s e a
c u l t u r a do I l u m i n i s m o no f i n a l
do s é c u l o X V T I I

"Concórdia, união e v o l v i m e n t o de u m pensamento


constância, amados lustrado entre os 'letrados' da
companheiros, para que sociedade colonial, é igual-
desprezando as batalhas da mente inegável o reconhe-
ignorância e da inveja, vos cimento das diferenças e
coroeis triunfantes na honra singularidades que caracterizam este
dos templos da fama e da p e n s a m e n t o tal c o m o se a p r e s e n t a na
sabedoria". p r o d u ç ã o o r i g i n a d a nas a c a d e m i a s q u e

Academia dos Renascidos - p o r a q u i se f o r m a r a m . Acrescente-se

sermão do acadêmico José q u e , face às d i f e r e n ç a s e n t r e as i d é i a s

Antônio Sarre dos filósofos do século XVIII, para


alguns autores seria improcedente se
y ' ^ fato c o n s a g r a d o na literatura falar e m I l u m i n i s m o . C o n t u d o , e m m e i o
sobre o tema, o reconhe-
a esta diversidade e pluralidade de
mento da 'influência' dos
p o n t o s de v i s t a , é p o s s í v e l reconhecer
filósofos iluministas franceses sobre a as q u e s t õ e s c o m u n s , a preocupação
e l i t e i n t e l e c t u a l d a C o l ô n i a no final d o c o m u m m e s m o c o n j u n t o de p r o b l e m a s ,
século XVIII. as m e s m a s i n q u i e t a ç õ e s e a a d o ç ã o d a s

Se, por um lado, é inegável o d e s e n - mesmas práticas. 1


É esta generalização

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n° 1-2, p. 53-66. jan/dez 1995 - pag.53


A C E

de a t i t u d e s p r e s e n t e s t a n t o n o s s a l õ e s liberdade de c o n s c i ê n c i a , a l i m e n t a a
3

franceses, como nas universidades vida nos salões, academias científicas,

alemãs e e s c o c e s a s , e nas s o c i e d a d e s s o c i e d a d e s literárias e c l u b e s , a n i m a d o s

literárias e a c a d e m i a s coloniais, por pela arte da conversação, pela

exemplo, que tornam mais apropriado curiosidade científica e apreciação

para o tratamento destas questões, o estética, posto que o gosto i a , pouco a

r e c u r s o à n o ç ã o d e clima de opinião ,2 pouco, se i m p o n d o c o m o critério de

que designaria u m a f o r m a peculiar de discernimento.*

se usar a i n t e l i g ê n c i a , e m o u t r o s t e r m o s ,
De f o r m a a b r e v i a d a , i m p o r t a sublinhar
um tipo especial de lógica. É s o b este
que nestas instâncias privadas os
prisma que a aludida 'influência' será
súditos vivenciavam a experiência da
(re)reexaminada.
liberdade da opinião e de igualdade no

De f o r m a r e s u m i d a o q u e d e f i n i r i a o plano das idéias, bases sobre as quais

clima de opinião n o s é c u l o XVIII, e a se erigiria a utopia de u m a nova

sua identificação como século das sociedade que reinstaurasse a harmonia

Luzes, seria o privilégio concedido à


filosofia como porta de entrada ao
mundo do conhecimento; a utilização ) U B U OS
de u m v o c a b u l á r i o c u j a s p a l a v r a s - c h a v e s
seriam natureza, lei natural, razão, AMERICA,
sentimento, humanidade e per- NA GLORIOSA O ALT AÇAU.E PROMOÇÃO

fectibilidade, e uma peculiar relação


GOMES FRElREl
entre fé e r a z ã o na recusa a todo DE A N D R A D A ,
conhecimento revelado. fct»»i m »» mm *, • . f* in»i>»<M»»'Wri <-o
~»r *J*~~#j-v****»to •
Ao lado destas referências básicas para
COLLECÇA0
o tratamento de q u e s t õ e s relacionadas líéjtjtnt4» *• ÊÍrmã *Mttltau. ( v a O U itít,
*t Jjvwt f* n í * » i na «tyrfè, • i, Í , ,
tjtttSktmtifnm líntt.
U

ao problema d o conhecimento tal c o m o


•tsiciUA.t o r r t » i c i 0 i i » H « a s n
f o r m u l a d o n o s é c u l o XVIII, é a i n d a d e OZRj A N T Ô N I O FJR.EIRE
D»* A K D H A D A , 4

se n o t a r o p r e d o m í n i o de u m certo n t i m ^ i W T o t a O r d M Ò e t t í i l t e . T f l m * Grani
oaGiMtluLi , c Gj»«r<uJi: d a I1»MI Çmm.
estilo, particularmente no que d i z n t oosrrm
L TAVARES D £ SEQUEIRA E 8A-,
r e s p e i t o às f o r m a s d e s o c i a b i l i d a d e . A
constituição das monarquias abso- L I S B O A :
K. Oficia. doCf • MANOEL At.VAK.Kl SOU.AMO.
lutistas nos séculos XVI e XVII, Au* * ÜPCCU».
redefinindo as n o ç õ e s de esfera p ú b l i c a
e privada, respectivamente, como
espaço de exercício do poder - atributo J ú b i l o s da A m é r i c a . Lisboa: na oficina do

exclusivo do monarca - e espaço da doutor Manuel Alvares Solano.l 754.

pag 54, jan/dez 1995


V o

entre os cidadãos. Se a política academias do final do século XVIII,


constituía-se e m atributo exclusivo ao partilhavam estes ideais e compor-
monarca, e os assuntos religiosos e m tavam-se segundo estes parâmetros de
fonte de s e d i ç ã o e conflito entre os civilidade? Em que medida nestas
súditos, a restauração da paz e instâncias desenvolve-se também o
harmonia no meio social adviria dos estilo que caracterizava as novas formas
progressos conquistados no plano da de s o c i a b i l i d a d e ? 7

moral, c o n c e b i d a então c o m o a grande


Uma rápida consideração a respeito do
f o r ç a r e f o r m a d o r a d a h u m a n i d a d e . Vale
elenco de questões que atraía o
lembrar ser a reforma moral a forma
interesse d a elite intelectual reunida
indireta de se fazer política ou de se
nestas academias - os 'letrados' da
proceder à crítica ao estado absolutista. 5

sociedade colonial - pode indicar


Combinam-se desta maneira os
algumas pistas interessantes para o
pressupostos da nova sociedade tal
desnudamento destas indagações.
como concebida pelos filósofos, aos
ideais de civilidade cultivado nos Para os m e m b r o s da Academia dos

salões. Tal c o m o praticada nos salões, Esquecidos, seus propósitos voltavam-

esta n o ç ã o d e c i v i l i d a d e , cultivando a se para a i m p l a n t a ç ã o dos estudos

polidez c o m o forma de sociabilidade, históricos, divididos e m quatro partes:

pretendia a criação de um espaço natural, militar, eclesiástica e política,

protegido onde a violência fosse recontados através de 'máximas', e a

i n t e r d i t a d a n o t r a t o c o t i d i a n o . Este s e r i a produção de biografias - chamadas à

t a m b é m u m e s p a ç o d e prazer, de j o g o , é p o c a de 'retratos' - entre os quais o s

que estimulasse a vida d o espírito, o n d e de A n d r é Vidal de Negreiros, G a s p a r de

fossem igualmente interditados o Ataíde e Francisco de Morais. 8


Para o s

aborrecimento e o tédio. 6 sócios da Academia dos Seletos, seus


trabalhos resumiam-se a celebrar G o m e s
O cultivo da vida do espírito abriu
Freire de Andrade, quando de s u a
caminho p a r a q u e a s belles lettres
n o m e a ç ã o c o m o c o m i s s á r i o real para a
adquirissem nova dignidade em
resolução das questões de fronteira na
substituição à destreza nas armas c o m o
região S u l . Este m a t e r i a l f o i r e u n i d o
critério para o reconhecimento de
num volume intitulado Júbilos da
mérito e distinção social. Virtude e
América publicado em 1754. 9
Escrever
politesse, razão e perfectibilidade
u m a história e m h o m e n a g e m ao rei d.
constituem-se como os novos dogmas
J o s é animava as reuniões da A c a d e m i a
pregados pelo credo das Luzes.
dos Renascidos' 0
e o interesse e m

Em q u e m e d i d a a elite intelectual d a estudos de química e agronomia a


Academia Científica do Rio de Janeiro.
Colônia, os letrados reunidos nas

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n" 1-2. p. 53-66. jan/dez 1995 - pag 55


A C E

Além da definição destes objetivos e m da qual havia sido encarregado o


torno d o s quais se c o n g r e g a v a m , o s t e r c e i r o c e n s o r J o s é Pires d e C a r v a l h o
acadêmicos organizavam um e Albuquerque: O grande afeto Del Rei
planejamento das sessões e .um n o s s o S e n h o r às c i ê n c i a s e às a r t e s . E m
programa de atividades em que « e razão da quantidade de peças literárias
elencavam os temas, os assuntos e os lidas neste encontro inaugural, a sessão
'problemas' a serem tratados nas iniciou-se às três horas da tarde e
reuniões ordinárias. A transcrição de e n c e r r o u - s e às q u a t r o d a m a d r u g a d a . "
partes d e s t a d o c u m e n t a ç ã o t o r n a r á m a i s
Outro exemplo expressivo do interesse
c l a r o o p o n t o d e s e n v o l v i d o n e s t e artigo.
despertado pelas atividades do ' m u n d o
Tomando-se como exemplo a Academia d o e s p í r i t o ' , c o m o n o s é c u l o XV11I s e
dos Renascidos, em sua primeira designavam as atividades relacionadas
reunião foram apresentados os temas às b e l a s l e t r a s e às artes e m g e r a l , p o d e
para o assunto lírico - O m ú t u o afeto do também ser avaliado pelo conjunto de
n o s s o A u g u s t i s s i m o M o n a r c a -, e para contribuições reunidas pelo doutor
os versos h e r ó i c o s - Qual é de maior M a n u e l T a v a r e s d e S i q u e i r a e Sá p a r a a
glória ao nosso Augusto Monarca, contar p u b l i c a ç ã o d e Júbilos da América: cento
os seus felicíssimos anos depois do
terremoto e geral perigo de 1 de
novembro de 1 7 5 5 , o u contá-los depois
d o . s u c e s s o de 3 de setembro do ano
passado? Em qual destes horrorosos
a c o n t e c i m e n t o s se m o s t r a a p r o v i d ê n c i a
divina mais empenhada em conservar-
nos a p r e c i o s a v i d a de n o s s o F i d e l í s s i m o
R e i e P a i d a Pátria?

Ainda nesta primeira sessão, o


secretário da academia Antônio Ferrão
Castelo Branco discursou sobre o
assunto que lhe fora atribuído, a saber:
P a r a l e l o e n t r e S . M. F i d e l í s s i m a e o Pai
C r i s t i a n í s s i m o L u i z XIV, examinando
qual destes m o n a r c a s fez mais b e m
c o m u m às m a n u f a t u r a s e a o c o m é r c i o
e qual deles escolheu melhores meios
para fazer felizes o s seus vassalos?
J ú b i l o s da A m é r i c a . Lisboa: na oficina do
E, f i n a l m e n t e , a l e i t u r a d a d i s s e r t a ç ã o , doutor Manuel Alvares Solano, 17S4.

pag 56. jan/dez 1995


K V O

e vinte e oito sonetos, dezesseis Academia Brasílica dos Esquecidos


r o m a n c e s , d o i s e l o g i o s (um e m l a t i m ) , reforça estas interpretações acerca das
duas elegias (uma em latim), quinze relações entre o a p r e ç o da imaginação,
epigramas em latim, cinco décimas, a busca do prazer e das situações
c i n c o m á x i m a s cristãs (uma em latim), lúdicas: Um delfim salvando um
oito m á x i m a s políticas (uma em latim), naufrágio; Menino gentil que colhendo
seis máximas militares, sendo t a m b é m f l o r e s p i s o u um' á s p i d e e A d a m a q u e
uma em latim. r e v o l v e n d o na b o c a p é r o l a s , quebrou
um d e n t e . 1 3
Mo e n t a n t o , o b s e r v a - s e q u e
A u t i l i z a ç ã o d o l a t i m era r e c o m e n d a d a
não eram apenas os assuntos líricos e
a o s a c a d ê m i c o s p o r q u e e s t e i d i o m a era
ditos jocosos que estimulavam a
o primeiro da lista das "cinco línguas
imaginação destes acadêmicos. Em
mais polidas da Europa", segundo a
outras o c a s i õ e s , os t e m a s escolhidos
r e c o m e n d a ç ã o feita pelo secretário da
revelaram inclinações eruditas, com
A c a d e m i a dos Renascidos aos sócios,
particular predileção pela antigüidade
p a r a e l a b o r a ç ã o de s u a s o b r a s . ' 2

clássica, como por exemplo: Uma


Tendo e m vista este e l e n c o de temas estátua de A p o i o ferida e d e s f e i t a por
com os quais se ocupavam os um raio; Diana assistindo o nascimento
acadêmicos - história, 'retratos', versos de A l e x a n d r e M a g n o na m e s m a n o i t e e m
heróicos e assuntos líricos, comparação que Herostráto lhe estava queimando
d o m o n a r c a p o r t u g u ê s a o rei francês em seu templo ou Q u e m mostrou amar
pela via da p r o m o ç ã o das manufaturas, mais fielmente Clície ao Sol ou
ciência e artes, e a forma c o m o seriam Endimião à Lua. Tais práticas sugerem
tratados a leitura e o debate nas que, nesta margem do Atlântico, criara-
reuniões 'ordinárias' - mesmo que, se uma ambiéncia que, em certos
provisoriamente, não se c o n s i d e r e o a s p e c t o s , e m m u i t o se assemelhava
c o n t e ú d o e a qualidade literária das àquela experimentada em sociedades
respostas apresentadas, é possível e u r o p é i a s no m e s m o p e r í o d o , quando
r e c o n h e c e r o q u e a c i m a foi i d e n t i f i c a d o se e n s i n a v a q u e : " L ' á m e a s e s b e s o i n s
c o m o o estilo da cultura do Iluminismo. c o m m e les c o r p s ; et l'un d e s p l u s g r a n d s
São r e f e r ê n c i a s p r o c e d e n t e s p a r a q u e se b e s o i n s de 1'homme est c e l u i d'avoir
p e r c e b a a p r e s e n ç a de valores da vida 1'esprit o c c u p é . L ' e n n u i q u i s u i t b i e n t ô t
civilizada e p o l i d a dos salões, entre os 1'inaction de l'àme est um mal si
q u a i s o a p r e ç o à arte d a conversação doulourex..." 1 4

e r u d i t a , d o e s t í m u l o às belles lettres e
Em outro plano, a explícita comparação
à imaginação.
d e d . J o s é c o m o r e i - s o l é s u g e s t i v a . Vale

Uma breve m e n ç ã o a alguns exemplos l e m b r a r q u e Voltaire e s c r e v e u o Século

de t e m a s t r a t a d o s nas c o n f e r ê n c i a s d a de Luiz XIV p a r a r e v e l a r s e u s p o n t o s d e

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n- 1-2, p. 53-66, jan/dez 1995 - pag.57


E

vista acerca da história como estilo, numa certa m e d i d a de u m m e s m o


inseparável das Luzes, isto é, d a clima de opinião, pelo partilhar de
p r o m o ç ã o das artes, ciências e belas preocupações comuns que conviviam
letras. Dito d e outra f o r m a , o filósofo c o m interpretações e posturas vindas da
francês desvenda a racionalidade q u e , tradição.
em sua perspectiva, atribuiria um Contudo, ainda que se mantivesse a
sentido ao que ele m e s m o inicialmente crença na intervenção da providência
considerava u m confuso amontoado de divina nos acontecimentos históricos,
f a t o s . A i d e n t i f i c a ç ã o d o s é c u l o XVII a o ela não foi de porte a impedir que estes
soberano destaca o papel que caberia estudos históricos realizados por alguns
ao monarca esclarecido na p r o m o ç ã o d o destes acadêmicos se voltassem para
progresso e felicidade de seus súditos. novos objetos e novos campos do saber

A proposição apresentada aos membros típicos do século XV1I1, como por

da A c a d e m i a d o s Renascidos transcrita exemplo, a 'história natural'.

acima sugere a presença de u m a postura Consoante os princípios do Iluminismo,

semelhante entre os 'letrados' da tratava-se de c o n h e c e r a natureza e a

Colônia. Contudo, há algumas história c o m o formas de conquista e de

singularidades que devem ser apropriação do mundo, sendo esta a

destacadas. Se, por um lado, pode-se face utilitária e pragmática c o m q u e se

especular acerca de u m a hipotética passou a conceber a razão e o sentido

leitura' de Voltaire no q u e tange a do c o n h e c i m e n t o , diferenciando-se

adesão à concepção acerca do papel do assim da noção tradicional da

príncipe iluminado e de sua intervenção contemplação de verdades eternas, no

no processo h i s t ó r i c o , deve-se ressaltar, caso do conhecimento histórico,

no entanto, q u e entre os letrados d a buscava-se o estabelecimento da

sociedade colonial a compreensão da verdade e m relação a fatos sobre os

história não conquistara ainda quais pairavam dúvidas, suspeitas de

independência e m relação à crença da falsidade ou que se constituíssem e m

interferência d a providência divina nos fonte de e q u í v o c o s o u l e n d a s . 1 5


Com os

assuntos humanos, c o m o se depreende estudos biográficos entremeados c o m

do tema proposto para os versos citações de 'máximas', buscava-se a

heróicos, neste caso é possível 'agudeza sentenciosa' com que

identificar os traços de um m e s m o deveriam ser construídos os textos

pag. 58. jan/dez 1995


R V O

históricos. Os estudos de história apre- feitos dignos de louvor. É texto


sentavam-se então c o m o c a m p o privile- exemplar também para q u e se observe
giado para a valorização de comporta- a aludida convivência das virtudes
mentos e virtudes morais, pois nas cristãs c o m as políticas militares, para
palavras de u m destes acadêmicos era que se conferisse mérito a um
"vulgar ignorância querer ajustar u m personagem. 1 8

historiador à seca narração dos Conforme os versos dos acadêmicos.


sucessos, sem que comente, pondere G o m e s Freire de Andrade "sobre os
nem censure". 1 6
fundamentos d a religião faz subir u m
O tema da moral é u m a das claves e m edifício de virtudes civis e militares",
que a m e n c i o n a d a obra da A c a d e m i a "temperando a doçura com a
d o s S e l e t o s Júbilos da América pode ser bondade, a severidade c o m a alegria, a
lida. J á foi dito a c i m a que esta obra era gravidade c o m a humanidade, a justiça
voltada para a "gloriosa exaltação e com a benevolência, o respeito c o m o
promoção do Ilustríssimo e Excelen- amor" alcançando assim a "concórdia
tíssimo Senhor Gomes Freire de das virtudes".
Andrade",..."para exprimir (suas) T e n d o e m vista q u e este artigo pretende
agigantadas e superiores prendas" e, discutir questões relativas aos 'letrados'
para destacar que "a todos (vários da sociedade colonial, é procedente
personagens de 'fama célebre') vence na indagar-se sobre o sentido q u e se pode
erudição, nervosidade e elegância". 1 7

atribuir a u m texto desta natureza. Nota-


A carta-circular aos acadêmicos apelava se q u e o i n t e r e s s e n ã o e r a a p e n a s o d e
ao s e u " a p o l í n e o e n g e n h o " para u m a destacar qualidades morais mas, sobre-
"pública demonstração do quanto vivem tudo, proceder ao elogio de quem as
completamente satisfeitos c o m o feliz personificava. Como obra de u m a das

governo do Ilustríssimo...*. academias fundadas no século XVIII,

Os acadêmicos dedicaram-se a tarefa de ilustra valores, atitudes e a prática

produzir uma obra voltada para a destes 'letrados', permitindo q u e se

'pública d e m o n s t r a ç ã o ' , dando asas à conheça o estilo que se pretendia

imaginação para que os versos, cultivar.

romances e sonetos destacassem, A 'concórdia das virtudes' enaltecidas


invariavelmente, as suas virtudes, e para e m Q o m e s Freire de A n d r a d e permite
que suas ações se constituíssem e m desvendar, em níveis distintos, a

Acervo. Rk> de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p 53-66. Jan/dez 1995 - pag 59


A C E

v a l o r i z a ç ã o de u m a n o ç ã o d e c i v i l i d a d e feliz e mais h a r m o n i o s a , e m f u n ç ã o da
como amabilidade, como polidez e associação que estabelecem entre
a f a b i l i d a d e n o trato c o t i d i a n o 19
, e a bus- poder e saber.
ca da perfectibilidade h u m a n a e xia
Todavia, em Júbilo da América as
harmonia nas relações sociais, num
virtudes de G o m e s Freire de Andrade
sentido bem próximo daquele defen-
'são trazidas a público' em tom
dido pelo m e m b r o da A c a d e m i a dos
laudatório, em que o elogio avizinha-se
Renascidos citado na epígrafe deste texto.
da fronteira da bajulação. Além disso,
A valorização da 'concórdia, união e os elogios não se restringem ao
c o n s t â n c i a ' e n t r e o s m e m b r o s de u m a governador e capitão geral das
sociedade apresenta-se c o m o condição c a p i t a n i a s do Rio de J a n e i r o , Minas
para um 'coroamento', como pré- Gerais e São Paulo.
requisito para a conquista da 'fama e
S i q u e i r a de Sá, no Prólogo ao leitor,
d a s a b e d o r i a ' na m e d i d a e m q u e f o s s e m
justifica a aceitação do "honroso cargo"
eliminadas a ignorância e a inveja.
de s e c r e t á r i o e m r a z ã o d a p e r s u a s ã o d o
Portanto, neste discurso em que se
presidente da A c a d e m i a , padre mestre
p r o m o v e m as ' v i r t u d e s ' e m d e t r i m e n t o
Francisco de Faria, da C o m p a n h i a de
d o s ' v í c i o s ' há u m p r o p ó s i t o r e f o r m a d o r
J e s u s . D i s c o r r e n d o s o b r e as c o n d i ç õ e s
de natureza moral, do qual é
de sua i n d i c a ç ã o e o " i n e s p e r a d o " da
indissociável a perspectiva de um tempo
situação, o secretário busca justificar a
futuro c o n s t r u í d o s o b r e as b a s e s da
aceitação descrevendo o padre como
h a r m o n i a e do congraçamento dos
alguém cujo "magistério temem os
homens. 2 0

Platões, os Aristóteles, os Descartes e


Esta é uma das faces com que se todos os demais corifeus das escolas e
a p r e s e n t a a n o ç ã o de p r o g r e s s o q u e o s
sistemas antigos e modernos". Se o
f i l ó s o f o s d o s é c u l o XV111 f o r j a r a m ao
elogio da filosofia é i n q u e s t i o n á v e l , não
difundir a crença no papel das Luzes e
deixa de c h a m a r atenção o exagero e m
do 'esclarecimento' e sua conseqüente
que as qualidades do jesuíta são
vitória sobre as Trevas. Vale registrar
r e s s a l t a d a s . Este p o n t o s e r á retomado
que, para K o s e l l e c k , é esta c r e n ç a e m
2 1

e m parte s u b s e q u e n t e d e s t e t e x t o .
uma sociedade originada da reforma
U m p o u c o m a i s a d i a n t e e n a l t e c e a figura
m o r a l d e s e u s m e m b r o s q u e se consti-
de o u t r o a c a d ê m i c o , M a t e u s Saraiva,
tuiria na grande utopia do s é c u l o XVUI.
"por sua vasta e r u d i ç ã o " , reconhecida
Ou seja, nossos acadêmicos não até m e s m o " n o s r e i n o s e s t r a n h o s , o n d e
e s t a r i a m m u i t o d i s t a n t e s de u m clima melhor se c o n h e c e m , a m a m , e s t i m a m
de opinião que alimentaria a crença e premeiam os amantes e professores
numa sociedade mais próspera, mais das belas letras e por isso nelas

pag 60. jan/dez 1995


V o

f l o r e s c e m " . R e f e r i n d o - s e às s u a s o b r a s próprios as virtudes que idealizavam


sobre medicina, destaca suas para o h o m e m esclarecido.
"descobertas adquiridas a força da
n u m a outra perspectiva d e análise, tais
experiência e observação judiciosa e de
práticas promoviam formas de
particular estudo e reflexão" (grifos
sociabilidade que alimentavam o
nossos). Nestas passagens procede a
componente narcisico dos indivíduos e
uma dupla valorização: das atividades
do grupo a q u e p e r t e n c i a m , e m primeiro
do m u n d o d o espírito e d o m é t o d o de
lugar por diferenciá-los e distingui-los
conhecimento preconizado pelos
daqueles que nào participavam das
enciclopedistas. 2 2
S ã o pontos de vista
academias; em segundo lugar porque
que não deixam dúvidas quanto as
reforçava a expectativa de serem
possibilidades em se reconhecer a
julgados favoravelmente pelo grupo que
aurora de u m movimento ilustrado na
integravam e, f i n a l m e n t e , porque,
Colônia. Contudo, esta interpretação
reciprocamente, se autorizavam o poder
não contempla a questão dos elogios.
de julgar as virtudes e de atribuir o
Mais do q u e isto, o q u e c h a m a atenção
mérito. Desta forma, compreende-se
é o elogio d e s m e s u r a d o - tanto no caso
melhor duas referências anteriores: a
de Q o m e s Freire, quanto do padre
importância adquirida na época pelos
mestre e de Mateus Saraiva,
retratos e a expectativa d e " c o r o a m e n t o
neste proceder observa-se um duplo
nos templos d a fama e d a s a b e d o r i a " ,
movimento: aquele através do qual são em tempo futuro. 2 3

valorizados a dedicação ao
conhecimento e o cultivo da 'vida do Esta é a dimensão e m que a e x p e r i ê n c i a

espírito', e aquele e m que se afirmava da igualdade pode ser vivenciada, pois

a capacidade que os acadêmicos se o q u e tais práticas v i a b i l i z a v a m e r a a

viam portadores de julgarem e de confirmação da imagem que faziam de

atribuírem mérito. Esta é u m a das si mesmos. A almejada harmonia

formas c o m que se buscou estabelecer apresentava-se c o m o cumplicidade pois

a m e n c i o n a d a relação entre saber e a bajulação promovia u m tipo especial

p o d e r . Este d e v e r i a s e r e x e r c i d o pelos de troca no c o n v í v i o social em que

homens esclarecidos, por aqueles que palavras elogiosas eram trocadas por
favores, razão pela qual os príncipes
cultivaram as virtudes úteis, para
eram os alvos preferidos deste tipo de
promover a felicidade, a harmonia e a
procedimento, n o caso e m tela, pode-
c o n c ó r d i a , na v e r d a d e , procede-se ao
se b e m substituir a relação príncipe/
auto-elogio, ou ao auto-reconhecimento,
súdito pela do colonizador/colono. Se,
através d a identificação e enumeração
por um lado, o elogio exacerbado
d a s q u a l i d a d e s d o s p a r e s . Este tipo de
alimentava o prazer no nível da imagem
discurso propunha-se a i d e n t i f i c a r n e l e s

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2, p. 55-66. jan/dez 1995 - pag.61


não impedia, no entanto, que a será útil c o n s e r v a r e r e n o v a r a s i d é i a s
violência expulsa do convívio social, e m adquiridas e comunicá-las aos que
nome do estabelecimento de relações t i v e r e m f a l t a d o s e u c o n h e c i m e n t o ; V.
civilizadas, retornasse s o b a máscara da Aquele que escrever alguma memória e
palavra polida e promovesse a quebra apresentá-la à sociedade, s e m que antes
da h a r m o n i a , p o r q u e mascarava, na nem depois comunique a pessoa
figura d o bajulador, a humilhação e alguma, exceto quando a mesma
alimentava, no polo oposto, o desejo de sociedade julgue que se deve por em
vingança , * 2
prática, por utilidade pública; VI. P a r a

Para n ã o i n c o r r e r nos riscos de uma ser admitido qualquer novo s ó c i o deve

explicação extremamente simplificada receber boa informação de sua

dos conflitos latentes na sociedade p r o b i d a d e , s e g r e d o e a p l i c a ç ã o , d e sorte

c o l o n i a l , n o s limites deste artigo pode- q u e se p o s s a e s p e r a r utilidade de s u a

se a p e n a s sugerir, c o m o h i p ó t e s e , s e r e m companhia; será recebido por

as c o n d u t a s 'veladas' sua forma de pluralidade d e votos; V i l . Deve haver u m

manifestação. De resto, o 'masca- s e c r e t á r i o a n u a l . Este g u a r d a r á a c h a v e

r a m e n t o ' , o recurso a o ' e n c o b e r t o ' e ao do cofre, onde ficarão as memórias e

'segredo' foram marcas d a cultura iluminista tudo o mais que pertencer à sociedade,

no século XVIII, c o m o se pode confirmar, (grifos n o s s o s ) .

tomando-se c o m o e x e m p l o os estatutos da
A referência explícita ao segredo, mais
Sociedade Literária, redigidos por Silva
do que confirmar algumas das
Alvarenga e m 1 7 9 4 : 2 5

afirmações acima abre novas trilhas à


1. A b o a fé e o segredo de m o d o a que investigação. O partilhar um segredo
ninguém saiba do q u e se tratou na identifica os membros de uma
s o c i e d a d e ; II. N ã o d e v e h a v e r superio- d e t e r m i n a d a s o c i e d a d e e , ipso facto,
ridade alguma nesta sociedade q u e será aqueles que dela estavam excluídos.
dirigida igualmente por modo Estabelecem-se assim as fronteiras entre
d e m o c r á t i c o ; 111. O o b j e t o p r i n c i p a l s e r á 'dois mundos' imaginários, cuja
a filosofia em toda a sua extensão, no existência era fundamental para a
q u e c o m p r e e n d e tudo q u a n t o p o s s a s e r compreensão da dualidade Luzes/
interessante; IV. M ã o s e t r a b a l h a r á T r e v a s , S a b e r / l g n o r ã n c i a . Mão s e p o d e
somente sobre matérias novas, mas deixar de fazer u m a m e n ç ã o , a i n d a q u e
também sobre as mais sabidas, porque breve, a este paradoxo d o p e n s a m e n t o

pag 62. jan/dez 1995


iluminista que náo deixa de reconhecer pautavam-se por concepções típicas da
uma positividade no ' m a l ' , isto é, n a identificação do par conhecimento/
existência de um mundo a ser poder, n á o se diferenciando muito d a s
e s c l a r e c i d o e/ou c i v i l i z a d o , legitimidor s o c i e d a d e s eruditas e a c a d e m i a s reais
do papel d o s filósofos iluministas na fundadas nas sociedades européias " e m
promoção do progresso moral da busca de meios que lhes permitissem
humanidade . 2 6
capturar a natureza e forçá-la a revelar

O primeiro destes mundos, o das seus segredos". 2 8


Seja c o m o elemento

sociedades secretas, vale dizer, das de ' p r o t e ç ã o ' e m relação ao m u n d o

academias, das sociedades literárias, o u exterior 2 9


, seja como razão impul-

das lojas m a ç ô n i c a s , identifica-se ao


2 7 sionadora do conhecimento do mundo

mundo 'solar', ao mundo do conheci- natural, a noção de secreto parece cons-

mento, que 'compreende tudo', tituir-se e m cerne destes movimentos.

representando a 'filosofia e m toda sua Foi esta i r m a n d a d e criada e m torno d o


e x t e n s ã o ' . Este é o m u n d o q u e r e ú n e secreto que, ao lado da liberdade de
aqueles q u e postulam u m a outra atitude pensar vivenciada nestas agremiações,
diante do c o n h e c i m e n t o . O d o c u m e n t o propiciou uma nova experiência para os
é explícito na consideração do conheci- membros destas "sociedades 'de
mento como 'útil' e de 'utilidade idéias". 3 0
A denominação deriva da
p ú b l i c a ' e, neste ponto e m particular, ê n f a s e a o l i v r e p e n s a r , a o l i v r e c u r s o às
deixando transparecer, c o m clareza, s u a especulações que, acreditava-se,
c o n c e p ç ã o pragmática, traço caracterís- s a t i s f a z i a m às n e c e s s i d a d e s d o e s p í r i t o
t i c o d o clima de opinião do Iluminismo. e promoveriam o 'coroamento triunfante
nos templos da fama e da sabedoria'.
Postular que a verdade e o m u n d o n á o
são dados e s i m 'adquiridos' e que o Esta nova s o c i a b i l i d a d e , vivenciada nas
c o n h e c i m e n t o deveria ter u m a aplicação sessões e encontros dos acadêmicos -
prática indicam u m afastamento do que colocavam lado a lado, o " b e m
pensamento oriundo da tradição nascido Qarçáo, o modesto Diniz e o
escolástica e, por extensão, a cabelereiro Quita" 3 1
- propiciaram
valorização do ideais enciclopedistas. formas típicas da experiência de
Tendo-se como referência os propósitos igualdade na sociedade colonial, e m
especificados por Silva Alvarenga, os que pouco importavam as diferen-
'letrados' da sociedade colonial ciações oriundas de riqueza ou dos

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n 1-2. p. 53-66. jan/dez 1995 - pag 63


!
A C E

'cabedais'. Os m e m b r o s de uma acade- v a l o r i z a d o r d a s belles lettres. Se alcan-


mia igualavam-se pela identidade de çaram os templos da glória, ou se
propósitos e na c o n d i ç ã o de livres promoveram a harmonia e felicidade é
0 outra história, m a s que (re)criaram a
pensadores.
noção de prestígio, parece
Esta teria sido a a m b i ê n c i a e m que os
inquestionável.
'letrados' d a sociedade colonial acalen-
taram os sonhos de ' c o n c ó r d i a , uniáo e
constância', e e m que se expandiu um Pesquisa desenvolvida com apoio do

estilo tipicamente civilizado, polido e CNPq.

O T A S
1. RE1LL, Peter H a n n s . The german enlightenment and the rise of historicism. Berkeley
University of C a l i f ó r n i a Press, 1 9 7 5 .

2. B E C K E R , C a r l . The heavenly city of the eighteenth century philosophers. New Maven


ôt L o n d o n : Yale U n i v e r s i t y P r e s s , 1 9 3 2 .

3. K O S E L L E C K , R e i n h a r t . Le règne de la critique. Paris: Les Éditions de Minuit, 1 9 7 9 .

4. L I C H T E N S T E I N , J a c q u e l i n e . A cor eloqüente. São Paulo: Siciliano, 1 9 9 4 .

5. K O S E L L E C K , R e i n h a r t , o p . c i t . e D A R N T O N , R o b e r t . Boêmia literária e revolução.


São Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 1987.

6. S T A R O B I N S K Y , J e a n . L'invention de la liberte. Q e n è v e : Albert Skira, 1987.

7. P r i n c i p a i s a c a d e m i a s f u n d a d a s n o s é c u l o XVIII: A c a d e m i a B r a s í l i c a d o s E s q u e c i d o s
(Bahia), A c a d e m i a d o s F e l i z e s (Rio d e J a n e i r o , 1 7 3 6 ) , A c a d e m i a d o s S e l e t o s (Rio
de J a n e i r o , 1752), A c a d e m i a d o s R e n a s c i d o s (Bahia, 1758), A c a d e m i a Científica
d o R i o d e J a n e i r o ( 1 8 8 1 ) e S o c i e d a d e L i t e r á r i a (Rio d e J a n e i r o , 1794).

8. P I N H E I R O , c õ n e g o J . C . F e r n a n d e s . "A A c a d e m i a B r a s í l i c a d o s E s q u e c i d o s . Estudo
h i s t ó r i c o e l i t e r á r i o " . In: Revista do IfíQB, 1868, vol. XXXI, pp.5-29.

9. L E O P O L D O , visconde S . 'Programa histórico . In: Revista -


do IfIQB. T I , 1 8 3 9 , p p . 6 1 - 6 3 .

10. L A M E O O , A l b e r t o . A Academia Brasílica dos Renascidos. Sua fundação e trabalhos


inéditos. Paris: L'Editions d'Art, 1 9 2 3 .

1 1. L A M E G O , A l b e r t o , o p . c i t . , p p . 2 4 e 2 5 .

12. Idem, i b i d e m , p . 2 6 .

13. C A S T E L O , José Aderaldo. O movimento academicista no Brasil. São Paulo:


C o n s e l h o E s t a d u a l d e C u l t u r a , 1 9 6 9 , p. 1 3 0 , p a s s i m .

14. D U BOS, Abbé. Refletions critiques sur la poésie et la peinture, 1718, a p u d


S T A R O B I N S K Y , J e a n , o p . c i t . , p. 1 0 .

pag 64. jan/dez 1995


R " V O

15. V e j a - s e c o m o e x e m p l o a p o l ê m i c a t r a v a d a n a A c a d e m i a d o s R e n a s c i d o s e m t o r n o
da dissertação do acadêmico J o s é de Oliveira Bessa, intitulada 'Dos primeiros
descobridores e povoadores da cidade da Bahia', que foi impugnada por outra,
intitulada 'Apologia C r o n o l ó g i c a e m que se declara qual foi o primeiro capitão
português q u e entrou pela barra da Bahia e qual foi o primeiro povoador que nela
assentou c a s a e exerceu algum d o m í n i o ' , e q u e , segundo s e u autor, teria gerado
" u m a c o n t r o v é r s i a assás d e b a t i d a " , o q u e o levou a rever as a f i r m a ç õ e s de m e i a
dúzia de crônicas sobre o assunto. LAMEGO, Alberto, op. cit., pp. 68-73.

16. C A V A L C A M T E , B e r e n i c e . "A i l u s t r a ç ã o b r a s i l e i r a : a l e i t u r a colonial' dos filósofos


i l u m i n i s t a s " . In: Letterature D'America. Revista trimestrale. R o m a : Bulzoni Editore.
A n n o XIII, n s
5 1 , 1 9 9 3 , pp. 53-71.

17. J Ú B I L O S D A A M É R I C A . C o l e ç ã o d a s o b r a s d a A c a d e m i a d o s S e l e t o s . L i s b o a : o f i c i n a
d o dr. M a n u e l A l v a r e s S o l a n o , 1 7 5 4 .

18. A t i t u l o d e e x e m p l o p o d e s e r c i t a d o o s o n e t o : " Q u e i m p o r t a , i l u s t r e F r e i r e , q u e
brioso/ Reluzes, que teu nome esclarecido/ A força do buril seja esculpido/ No
t e m p o , que edificas suntuoso! / Q u e importa, que pretendas cuidadoso/ Evitar o
l o u v o r , q u e te h á d e v i d o , / P o r q u e r e r q u e s ó D e u s s e j a a p l a u d i d o / E s s e o b s é q u i o .
Senhor, essa piedade/ C o m que negas ao n o m e tanta glória,/ A s raias te elevou
d a e t e r n i d a d e / P o i s a ç ã o t ã o i l u s t r e e m e r i t ó r i a / Fará q u e e m t o d a a i d a d e / T e
eternizes nos bronzes da memória".

19. S T A R O B I N S K l , J e a n . "Le m o t c i v i l i z a t i o n " . In: Le remède dans le mal. Critique et


légitimation d e 1'artiflce à l á g e d e s Lumières. Paris: G a l l i m a r d , 1 9 8 9 .

2 0 . S T A R O B I N S K Y , J e a n . " L u z e s e p o d e r e m A flauta mágica". In: 1789. Os emblemas


da razão. S ã o Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 1 9 8 8 , pp. 1 3 2 - 1 5 3 . Neste capitulo, o
autor a n a l i s a a ó p e r a d e Mozart focalizando o e m b a t e entre Luzes e Trevas c o m o
a disputa pelo poder, encerrada, c o m o se sabe, pela vitória do par Pamino/Tamina,
q u e d e p o i s d e v e n c e r e m t o d a s a s p r o v a s a q u e s ã o s u b m e t i d o s , são r e c e b i d o s n o
T e m p l o d o S o l , significando a conquista simultânea d a felicidade e d o saber. A ó p e r a
' l i d a ' c o m o m a ç ô n i c a , ainda sugere outra interpretação possível para as a c a d e m i a s , c o m o
se v e r á e m parte subsequente deste texto.

2 1 . K O S E L L E C K , R e i n h a r t , o p . c i t . , p. 1 4 7 .

2 2 . DIDEROT e D A L E M B E R T . Enciclopédia ou dicionário racionado das ciências, das artes e


dos ofícios, por uma sociedade de letrados. São Paulo: Editora UNESP, 1 9 8 9 .

2 3 . Ver n o t a 1 9 .

2 4 . Esta hipótese t o m a e m p r e s t a d a a interpretação d a fábula de L a Fontaine, "A raposa


e a s u v a s " , f e i t a p o r J e a n S t a r o b i n s k y n o c a p í t u l o " S u r l a f l a t t e r i a " , n o l i v r o Le

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 53-66. jan/dez 1993 • pag.65


remède dans le mal, pp. 6 1 - 9 1 .

2 5 . A Z E V E D O , M a n u e l D u a r t e P e r e i r a . " S o c i e d a d e s f u n d a d a s n o B r a s i l " . In: Revista do


IHGB. T o m o XLV11I, p. 2 6 8 . *

2 6 . M A N U E L , E. F r a n k & M A N U E L , P. Eritzie. Utopian thought in the western world.


C a m b r i d g e : B e l k n a p P r e s s of H a r v a r d U n i v e r s i t y , 1 9 7 9 .

2 7 . Ver n o t a 19.

2 8 . ARENDT, l i a n n a h . A condição humana. Rio d e J a n e i r o : f o r e n s e U n i v e r s i t á r i a , 1 9 8 1 ,


p. 2 9 1 .

29. COCH1N, Augustin. Sociétés et Démocratie. Paris: Librairie Plon, s/d.

30. Idem, ibidem.

3 1 . C Â N D I D O , A n t ô n i o . Formação da literatura brasileira. Momentos decisivos. Belo


Horizonte: Itatiaia, 1 9 8 1 .

A B S T R A C T
The a r t i c l e d i s c u s s e s in what m e a s u r e the ' l i t e r a t i ' of c o l o n i a l s o c i e t y i n t h e a c a d e m i e s
which were f o u n d e d during 18th century s h a r e d the climate of opinion which
c h a r a c t e r i z e d the e u r o p e a n i n t e l l e c t u a l m o v e m e n t of the p e r i o d a n d d e v e l o p e d the
s a m e style. that i s , s p e c i f i c f o r m s of s o c i a b i l i t y w h i c h s o u g h t c i v i l i t y a n d p o l i t e n e s s .
In the s e a r c h f o r a h a p p i e r a n d m o r e h a r m o n i o u s s o c i e t y , t h e p r i n c i p i e s w i t h w h i c h
t h e s e men of letters i n t e n d e d to p r o m o t e the p r o g r e s s o f the E n l i g h t e n m e n t w i l l b e
a n a l y z e d t h r o u g h part of t h e d o c u m e n t a t i o n they p r o d u c e d .

R É S U M É
V article discute dans q u e l l e mesure 'les lettrés' de la société c o l o n i a l e , reunis dans
les a c a d e m i e s f o n d é e s a u X V l l I è s i è c l e , p a r t a g e a i e n t la mêmepensée qui caractérisait
le m o u v e m e n t i n t e l l e c t u e l e u r o p é e n d e c e t t e p é r i o d e et o n t d é v e l o p p é le m é m e style,
c ' e s t - à - d i r e , d e s f o r m e s s p é c i f i q u e s d e s o c i a b i l i t é q u i c h e r c h a i e n t la c i v i l i t é et la
p o l i t e s s e . A v e c u n e partie d e la d o c u m e n t a t i o n p r o d u i t e par c e s hommes de lettres,
s o n t a n a l i s e s l e s p r í n c i p e s a v e c l e s q u e l s ils ont p r e t e n d u p r o m o u v o i r le p r o g r è s d e s
L u m i è r e s , à l a r e c h e r c h e d u n e s o c i é t é p l u s h e u r e u s e et p l u s h a r m o n i o u s e .

pag.66. jan/dez 1995


Marcus Alexandre Moita
Professor d a UERJ. Chefe d a Divisão de Pesquisa d o Arquivo d a
Cidade d o Rio de Janeiro. Doutorando e m História - UFRJ.

Servidão e dúvidas
o l e i t o r d a História, do Futuro
de A n t ô n i o V i e i r a

Que historiador h á o u p o d e haver, por Objeção, mostra-se que o melhor


mais diligente investigador que seja comentador das profecias é o
dos sucessos presentes ou passados, tempo', n o início do texto, havia
que não e s c r e v a p o r i n f o r m a ç õ e s ? E se d e p a r a d o c o m a g r a v i d a d e d a
que i n f o r m a ç õ e s há de haver que n ã o leitura de A n t ô n i o Vieira sobre a
vão envoltas e m muitos erros, o u d a alma humana, 'quão própria é da
ignorância, o u d a malícia? Q u e historiador curiosidade humana sua matéria'. 2
E
houve de tão limpo coração e tão inteiro diante do julgamento mordaz d o jesufta,
amador da verdade, que náo inclinasse o e de seu corolário inevitável - a remissão
respeito, a lisonja, a vingança, o ódio, o aos n e o - a r c a i s m o s d e n o s s a é p o c a -, n ã o
amor, o u d a s u a , o u d o s e u estranho fora capaz de resistir ao e s b o ç o de u m
p r í n c i p e ? T o d a s as p e n a s n a s c e r a m e m sorriso:
carne e sangue, e todos na tinta d e escrever
... n ã o havia c o i s a tão baixa e tão
misturam as cores do seu afeto.'
miúda por onde os homens não

^ V a r a chegar a esta p\a s s a g e m , o imaginassem que podiam alcançar

• — ^ l e i t o r havia pperco
ercorrido quase aquele segredo que Deus não quis que

-ü. c e n t o e c i ní qquueenntt a páginas. eles s o u b e s s e m : o ranger da porta, o

Estava agora entre dois títulos: 'Verdade estalar d o vidro, o cintilar da candeia,

desta História' e 'Resposta a uma o topar do pé, o sacudir d o s sapatos.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n" 1-2. p. 67*2. jan/dez 1995 - pag 67


A C E

tudo notavam como avisos da casos o paradigma é ainda a certeza


providência e temiam como presságios positiva de que a linguagem está pari
do futuro. Talo da c e g u e i r a e d e s a t i n o passu c o m o real.
dos tempos passados, por não
Descobrir e encobrir, estes são os
e n v e r g o n h a r a n o b r e z a d a n o s s a fé
verbos da graça em Antônio Vieira. Sob
com a supertiçào dos presentes. 3

o d o m í n i o d e s t e s , as l i n h a s escritas
0 a n a c r o n i s m o de que p o d e r í a m o s ser passam à vista do leitor, a n s i o s o e m
acusados é p e r d o á v e l , u m a vez que se i n t e r p r e t a r , e m d i z e r o q u e o e s c r i t o é.
relaciona com a própria substância A interpretação fundada no 'é',
textual. O tempo é como o mundo, entretanto, avaliza a resposta antes que
dividido em dois hemisférios, um e l a c o m p a r e ç a , p e r m i t i n d o a q u e m lê
visível-superior, o passado, e um um domínio empírico sobre o texto.
invisível-inferior, o futuro. Vive-se indo, Poderíamos arriscar um paralelo
onde o pretérito termina e o porvir se estranho e atual: esse ' é ' , essa terceira
inicia. O que resta são os horizontes do pessoa do presente do indicativo,
tempo, instantes presentes como nos assemelha-se à terceirização da
diz Vieira. 4
É esta sensação espacial do a d m i n i s t r a ç ã o m o d e r n a . Dê a o u t r o s
tempo c o m o 'superfície temporal' que uma parte da sua responsabilidade
s u b o r d i n a o leitor. Mais servo do que pretérita. Se isso é elogiável no plano
nunca dos malabarismos literários do da gerência, não parece ser o c a s o no
jesuíta. Ma â n s i a de ver o tempo que se refere à leitura. A
realizado como matéria, afastando responsabilidade do leitor não se
assim a angústia m o d e r n a , o leitor não e n c o n t r a na filiação t e ó r i c a . C a b e à
duvida, e toma a ilusão por realidade. atividade da leitura impor a necessidade
E o p r ó p r i o V i e i r a é q u e m se e n c a r r e g a de se q u e r e r algo d i f e r e n t e , q u e n ã o se
de impedir o leitor de d e s c o b r i r e m suas encontra naquilo que j á se sabia,
l i n h a s a l g o p a r a a l é m d o q u e foi d i t o . mudando os propósitos e a vida
anteriormente aceitos. Fora d e s s a tarefa
P a r e c e n ã o h a v e r e s c o l h a : se a d ú v i d a
o 'é' revela-se c o m o privatização da
persiste e m d e m a s i a , cabe qualificar o
existência, e o outro, o texto, só serve
autor como paranóico, ou outros
p a r a a l i m e n t a r e s s e p r o j e t o . O l e i t o r se
equivalentes psicanalíticos; no caso de
transforma em j u i z a proferir sentenças,
se m a n t e r e x c l u s i v a m e n t e s e r v i l , a c a b a
a perder de vista a i m a g e m do s á b i o e m
por endossar a sua caracterização
permanente d ú v i d a sobre o seu saber.
enquanto místico. Os mais refinados,
d o t a d o s de u m t a n t o m a i s d e s u t i l e z a , É certo que em toda interpretação
preferem a f i r m a r q u e a História do sobrevive uma certa defesa psíquica.
Futuro é uma utopia. Em qualquer dos Embora também nos pareça quase ó b v i o

pag 68. jan/dez 1995


V o

o fato d e e s t a r m o s t a n t o m a i s p r e s e n t e s se processar através d o v e r b o ser, agora


na leitura q u a n t o m a i s n o s p e r d e m o s tomado no pretérito imperfeito d o subjuntivo:
em analogias e anacronismos. Manter- 'fosse' forma idêntica ao m e s m o tempo
se n e s s e c o n f o r t á v e l p e r d e r - s e , p o r é m , verbal d o verbo ir. D e s s a i m p r e s s i o n a n t e
em nada acrescenta à obra lida. Se o ' é ' vinculação entre a existência e o
pode identificar-se c o m u m a leitura movimento neste tempo q u i m é r i c o e
medíocre e passiva, a s u a ruptura deve c o n d i c i o n a l , surge a p o s i ç ã o d e s i m u l t a -

H I S T O R i Â
D O

FUTURO. L I V R O

ANTEPRIMEYRO
P R O L O G O M E N O A T O D A A HISTO-
ria do Faturo, cm que fe declara ofim,& fc
provaó os fundamentos delia.

Matéria, Verdade, & Utilidades da Hifioria


dê Faturo.
ESCRITO PELO PADRE

A N T Ô N I O VIEYR
da Companhia dc JESUS, Prega-
dor dc S. Magcftadc.

LISBOA OCCIDENTAL»
MtOficina<te A N T O N I O P E P R O Z O GALUAM.
mtíttf* turfuru*. Aarw áe 1718;.

Vieira, A n t ô n i o (Padre). H i s t ó r i a do Futuro, livro ante-primeiro.

Lisboa: na Oficina de A n t ô n i o Pedrozo Galram, 1718.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 67-82. Jan/dez 1995 - pag. 69


A C E

neidade de s u b o r d i n a ç ã o e d ú v i d a . imperadores, heróis míticos ou reais,


Diante do ' é ' o texto não consegue teólogos e historiadores antigos e
oferecer resistência, apaga-se. A modernos, povos, nações, estados,
interpretação subjuntiva, por mais c i d a d e s e m a r e s - faz c o m q u e o e n r e d o
paradoxal que pareça, alcança um grau n ã o se r e a l i z e p o r f a l t a d e u m p a l c o t ã o
mais elevado de r e a l i d a d e , no instante a m p l o . M e s m o s a b e n d o que este é 'o
em que admite no texto um forte teatro do m u n d o ' , tal c o m o o define
componente de r e s i s t ê n c i a , a vontade Vieira, o ú n i c o p a l c o capaz de abrigar
de não se comunicar. Ao tentar tantas histórias, t e m p o s e m u n d o s seria
c o m p r e e n d ê - l o , o l e i t o r vai d e s c o b r i n d o a eternidade. Disso resulta que apenas
o texto e encobrindo o ser que um adjetivo serve tanto para o m u n d o ,
gostaríamos que ele fosse. A leitura, c o m o para o h o m e m , para a profecia,
a g o r a , se e n c a r r e g a de d e s c o b r i r o para a História, para o t e m p o , para o
encoberto, que ao ser descoberto 'destino': incompleto. Como então
n e c e s s i t a n o v a m e n t e se e n c o b r i r p a r a e x i g i r d e V i e i r a u m f i m , se é a l g o q u e só
garantir o seu segredo: a p o s s i b i l i d a d e existirá no dia do j u í z o e, então, j á não será
ou impossibilidade da leitura, que são, mais término e sim julgamento pretérito.
enfim, a mesma coisa. U m s e r e ir Alguns leitores poderão afirmar que
i n f i n d á v e l , q u e o b t é m f i m n a medida e m esse escrito se m a n t e v e incompleto,
que imaginamos o 'fosse' do futuro. porque Vieira fora derrotado em seu
Os escritos de Vieira, ceifados por u m a desejo de Quinto Império pela
notável preocupação estética, fogem da I n q u i s i ç ã o . E a i n d a d i r i a m q u e , a p ó s tal
interpretação, essa marca da moder- f a t o , o d e l í r i o , s i n ô n i m o d a d e r r o t a , se
nidade. A n s e i a m por um leitor ideal, a p o d e r o u c a d a vez m a i s d e s u a a l m a ,
que j a m a i s existirá por c o m p l e t o , pois, i m p e d i n d o - o de dar c a b o de s u a história
tal q u a l o ' d e s t i n o ' , n u n c a se c o n c l u i r á . do Futuro. São explicações possíveis,
Essa incompletude humana, que num mas incapazes de dar c o n t a dessa
plano mais imediato poderíamos angustiante incompletude substantiva
relacionar c o m o próprio pensamento de s u a p o é t i c a . Há e m V i e i r a , e m a i s
religioso do p e c a d o , manifesta-se c o m o particularmente nesta obra analisada,
essência de toda ação mundana. uma certa retração, que aproxima e
I n c l u i n d o aí a c r i a ç ã o l i t e r á r i a . T a l v e z a afasta o leitor, que o t o r n a í n t i m o e
história do Futuro seja a sua obra mais estranho, resistindo à tentação do
decididamente incompleta, sensação diálogo mudo. Só pode existir diálogo
que o leitor tem apenas ao folhear esta c o m resistência, c o m a c o n f i s s ã o de sua
p e ç a de u m q u a s e - t e a t r o . O e x c e s s o d e impossibilidade. O tom confessional
personagens - profetas bíblicos e dos escritos de Vieira dispensa a
mundanos, filósofos, santos, reis. posição intimista que caracteriza as

pag. 70. jan/dez 1995


R V O

confissões modernas. A o contrário, nos no c o m p a s s o o n d e a d o de ' s e m / n e m ' , na


fala d o e s c r ú p u l o d o e r r o d e q u e s a b e r e s s o n â n c i a d e raiz ' e x e m p l a r / e x e m p l o ' ,
ter c o m e t i d o , p o i s a d m i t e o i n c o n f e s s o . na s o n o r i d a d e recorrente de 'imenso',
O autor v e m nos apresentar aquilo que 'ondas confusas', 'nuvens', 'noite', no
ele s a b e e x i s t i r t ã o s o m e n t e p o r d i r e i t o , uso de p r e p o s i ç õ e s e artigos idênticos
e não de fato, o destino: 'esta nova e como e m 'a cuja a glória' o u ' a salva-
nunca ouvida História'. m e n t o a frágil b a r q u i n h a ' , o u a i n d a n a
repetição maior/maior', da última sentença.
Seria esta mais u m a das belas ironias
de A n t ô n i o V i e i r a ? T a l v e z pudéssemos Após esses recursos literários, a
enxergar nesta 'nova e nunca ouvida sensação predominante é a do
História' uma exaltação alegórica da movimento do mar. Sensação
vida, o que eqüivale à sua mortificaçáo: preposicional, pois manifesta-se por

S ó s e s o l i t a r i a m e n t e e n t r a m o s n e l a (na relação, estabelecendo proximidade

Profecia) (mais ainda que N o é no m e i o entre os m o v i m e n t o s d o mar, d a vida e

do dilúvio), s e m companheiro, s e m da profecia. Curiosa e significa-

guia. s e m estrela nem farol, sem tivamente, essa sensação de movimento

exemplar nem exemplo.O mar é não foi estabelecida a partir d o s verbos.

i m e n s o , as o n d a s c o n f u s a s , as n u v e n s Ao contrário, nesta passagem os verbos

espessas, a noite escuríssima; são frágeis: 'entramos', 'esperamos',

e s p e r a m o s n o P a i d o s L u m e s (a c u j a a 'servimos', ecos graves do ritmo

glória e de s e u filho servimos), tirará a ondulante, apenas cortado pela certeza

s a l v a m e n t o a frágil b a r q u i n h a : e l a c o m aguda d o 'mar é' e a força futura da ação

maior ventura que Argos, e nós c o m divina, tirará'. O sentido do texto é

maior que Tífis. 5 maior do que os verbos podem


comportar. Só podemos alcançá-lo por
A citação da mitologia exerce uma
aproximação, nos relacionando c o m os
atração quase irresistível. Q u e m não
seus derivativos. O m o v i m e n t o aí é a
gostaria de correr ao Dicionário
própria criação da vida, cuja
mitológico greco-romano e m busca de
pressuposiçào é a fluidez e mobilidade
alusões simbólicas? O texto, porém,
d o m a r : "e o E s p í r i t o d e D e u s m o v i a - s e
impõe u m a tarefa u m p o u c o mais árdua,
s o b r e as á g u a s " ( G ê n e s i s , 1-2).
e certamente mais lenta: a fruição das
frases. A metáfora náutica da citação Em cada frase, "(mais ainda que N o é no

mitológica deixa de ser apenas uma m e i o d o d i l ú v i o ) " e "(a c u j a g l ó r i a e d e

referência para ganhar o estatuto de seu Filho servimos)", os parênteses

cerne da construção textual. O ritmo a s s u m e m o papel de e s p e l h o s c ô n c a v o s

sequenciado é u m a tônica: na insistente da memória histórica da cristandade.

imagem 'sós e solitariamente' do início. Somos nós leitores que nos vemos

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n- 1-2. p. 67-82. jan/dez I995 pag.71


A C E

refletidos nesses parênteses. Somos da exata necessidade de História.


n ó s q u e a p a r e c e m o s c o m p a r a d o s a Moé Conflito que é corporificado pela
ou servindo a Cristo. Mas a nossa convivência do ' d o m ' e do 'roubo' em
imagem é deformada pelos movimentos sua escrita. Como cristão precisa
de aproximação e afastamento usurpar da eternidade a p e r m a n ê n c i a ,
p r o d u z i d o s p e l o r e c u r s o às e x p r e s s õ e s dando ao tempo o c o m p l e m e n t o do qual
'mais ainda que' e 'a glória de'. A carece: parar. Mas Vieira duvida
p r i m e i r a d á a o t e x t o o t o m de s o l i d ã o s u f i c i e n t e m e n t e d o m u n d o e, portanto,
profética, aproximando-nos do espelho precisa roubar da verdade aceita aquilo
e nos suprindo da necessária arrogância que ela e s c o n d e . E diante da fácil rotina
da ação cristã. A s e g u n d a afasta-nos de e m se dizer c r i s t à o , faz-se mundano.
nossa própria imagem e nos submete à Porém, aquilo que descobre é o que nào
s e r v i d ã o d i v i n a . T u d o f u n c i o n a c o m o se esperava e para compreendê-lo, deve
Vieira, por meio deste artifício, fosse reconhecer-se e n q u a n t o detentor de u m
c a p a z de o f e r e c e r a o l e i t o r u m a t e x t u r a dom, ao q u a l serve. Desta forma,
vitrea sobre a qual interagem a e n c o b r e o furto à v e r d a d e : a fé q u e o
profundidade mnemônica da história guia no mundo é insustentável no
cristã e a superfície da atualidade. próprio mundo.
As f r a s e s de A n t ô n i o Vieira sempre Antônio Vieira sempre aguardou da
lembram ao leitor outras frases leitura de seus textos, que os homens
anteriormente lidas; qualquer de suas se c o l o c a s s e m e m ' v e n t u r a ' e ' o u s a d i a ' ,
i m a g e n s p o s s u i algo de f a m i l i a r c o m forma de e x p e c t a ç ã o da alma que
célebres passagens bíblicas e com antecipa o futuro para tê-lo face a face.
máximas mundanas. Nesse estranho Seu sentido de profecia eqüivale à
contágio. Vieira c o m u n i c a à atualidade imanència da p r o v i d ê n c i a , m a n e i r a c o m
do leitor problemas insolúveis da a qual a vontade p o d e c o n t a r p a r a "ir
própria existência. Os especialistas por diante". 6
Seguir impedindo a
a d m i t e m que s e u s recursos a d v é m de facilidade dos símbolos das histórias,
um patrimônio c o m u m a outros autores necessitando mortificá-los, para colocar
de época. Apenas náo sublinham uma pedra a mais nos muros protetores
suficientemente a grande singularidade da antecámera da metafísica. Lugar de
da o b r a de V i e r a , c u j a p e r c e p ç ã o o onde os h o m e n s p o d e m refletir sobre a
próprio jesuíta manifesta através do evidência: solitariamente, sós, a
título e s c o l h i d o , c a p a z de p r o v o c a r u m caminharem sobre um chão fluido, a
sentido inesperado na História: perdurar no acreditarem num lume que o m u n d o dá
tempo é náo pertencer ao p r ó p r i o tempo. i n s u f i c i e n t e prova de existir, m a s que
Do d i á l o g o d a e t e r n i d a d e c o m o t e m p o s e m ele nào há verdadeiramente m u n d o .
provém a sustentação da cristandade e A leitura da História do Futuro

pag 72. jan/dez 1995


V o

manifesta-se como esperança, de aquilo que nos diz de tão p r ó x i m o , e d e

Portugal, da Colônia, ou mesmo de tão inacessível. A c o n c e s s ã o ao futuro

qualquer h o m e m que habita os mundos surge de maneira e m o c i o n a l no v e r b o

periféricos: "ainda que seja muito ser n o presente d o s u b j u n t i v o ('seja').

segura, muito firme e muito fundada a Sensação que se estende pela repetição

esperança, é um tormento desesperado do advérbio 'muito'. Os adjetivos

o esperar". 7 'segura', 'firme' e 'fundada', parecem

O leitor demora-se nessa frase. Por tudo q u e r e r fugir d o s u b s t a n t i v o 'esperança'

Vieira, A n t ô n i o (padre). Cartas seletas do padre A n t ô n i o Vieira. Paris: em casa de V a . J.P.

Aillaud, Monlon e Ca., 1856.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2, p. 67-82. jan/dez 1995 • pag 73


A C E

e são amarrados por meio deste tradição velho-testamentária, o sentido


a d v é r b i o . A p r i m e i r a frase aguarda o relaciona certeza e incerteza. A
retorno da oração seguinte sobre si. As segurança do esperar independe de
experiências atormentam, m e s m o que qualquer força humana. A esperança é
esteja escrito o que vai acontecer. a b u s c a d e r e f ú g i o , d e u m lugar p a r a s e
Desesperados os homens aceitam por a salvo dos h o m e n s e do próprio
apenas dois c a m i n h o s : ou descrêem da mundo. Dessa forma, a coragem é o seu
salvação e o mundo é a pura expressão contraponto, que do refúgio lança-se ao
trágica, ou e s p e r a m o d e s e n l a c e da m u n d o para aguardar o m o m e n t o de
' c o m é d i a ' . Ma s e g u n d a o r a ç ã o i n v e r t i d a , agir. A a t i t u d e j u s t a , na m e d i d a da
"é u m t o r m e n t o d e s e s p e r a d o o e s p e r a r " , c o r a g e m , b u s c a atingir o estado supra-
os t e r m o s se a r r u i n a m mutuamente, humano do permanecer. Mas o que
criando um v í n c u l o estreito entre a permanece não é uma causa, mas o
destruição e a geração. Onde o todo da efeito invisível dessa fortaleza da
frase t e r m i n a é ali que existe início. espera, cujos pilares são a confiança e
Q u e r e r e s s e a c o n t e c i m e n t o é se f a z e r a f i d e l i d a d e e m crer. E s s e s suportes,
digno daquilo que a c o n t e c e , ser filho do entretanto, estão apoiados em um
a c o n t e c i d o , e p o r aí r e n a s c e r . terreno essencialmente débil, pois
Essa e x p e r i ê n c i a , contudo, não basta formado pela incerteza.
para Vieira. E q u i l i b r a n d o o participio V i e i r a , se p o d e a c e i t a r e s s a a s s o c i a ç ã o
verbal e o adjetivo 'desesperado', de e s p e r a n ç a e c o r a g e m , não pode
i m p u l s i o n a o a f e t o e o faz d e t e r - s e n a admitir a existência desta incerteza.
s u b s t â n c i a v e r b a l d o ' e s p e r a r ' . Esta a ç ã o Pois, se assim o fizesse, estaria
apresenta-se c o m o limite do tormento confessando que aquilo que o sustenta,
e do desespero na m e d i d a e m que lhes a fé, é insustentável no m u n d o . Daí
concede novo sentido: a coragem de buscar o sentido do Novo Testamento.
experimentar a tormenta da fé. Neste a e s p e r a n ç a articula-se, num
Enquanto a esperança ainda pode ser primeiro m o m e n t o , c o m prever, temer
vivenciada c o m o algo razoavelmente e presumir. Assume máxima
sólido, embora um tanto fugidio, o significãncia em São Paulo, a partir da
esperar é uma ação aterradoramente expressão "fé, esperança e amor"
abstrata. Sem referências passadas ou (Coríntios 1 3 , 13). Na r e a l i d a d e , a
futuras, esperamos. Simplesmente. E e s p e r a n ç a , c o l o c a d a e n t r e a fé e o a m o r ,
para tal p r e c i s a m o s d e s e n v o l v e r uma apresenta-se c o m o passagem entre céu
dupla qualidade: a paciência corajosa. e terra. Diante do p e c a d o , essência
Essa matriz é talhada por Vieira usando h u m a n a , a fé a b s o l u t a c e d e l u g a r a s e u
os sentidos da esperança provenientes correlato mundano: a esperança.
do Velho e do n o v o T e s t a m e n t o . Ma A n t í d o t o à v e r g o n h a q u e se s e n t e a p ó s

pag. 74, jan/dez 1995


V o

pecar, a e s p e r a n ç a r e c o l o c a o h o m e m cristã de estar no m u n d o . Paciência e


na d i r e ç ã o d a f é , a l é m d e c a p a c i t á - l o à coragem servem para limitar a
ação no m u n d o : o amor. esperança, para dar-lhe uma forma
Vieira não assiste àquelas definições simultaneamente divina e m u n d a n a . No
passivamente. Amor, temor, glorifi- entanto, esse mundanismo precisa
cação, como atitudes da alma cristã, reconhecer a superioridade do domínio

tradicionalmente aparecem relacio- transcendental, o que impõe aos

n a d o s à e s c a t o l o g i a . O s é c u l o XVII n ã o cristãos uma vivência periférica do

pode mais alimentar o gosto esca- próprio mundo. O amor ao mundo só

tológico. Seu simbolismo passeia como pode parcialmente se confessar.

forma-limite do trágico nesse período


Assim sendo, urge aos mundos
histórico. A questão da vida não se
periféricos e laterais d a esperança u m a
apoia mais no transitório contraposto ao paciência futura para ler todas as
eterno, pois a transitoriedade é o assim Histórias e a coragem ancorada no
deve ser. S e m escatologia, resta ao passado para escrever a 'nova e nunca
h o m e m a naturalidade histórica, esse o u v i d a História'. Q u e n ã o pode se nutrir
trágico que recita s u a face o c u l t a , a servilmente da dúvida como Descartes,
comédia. Nos instantes mais trágicos da e nem manter a ingênua posição de
vida, é possível adivinhar um sorriso excluí-la ao servir à fé. Dar conta dessa
mórbido. Esse sorriso é motivado, e m tarefa de H é r c u l e s o u Davi é o s e u
última análise, pela certeza d o sorriso projeto, necessitando, para isso,
final d a morte. No barroco, a alegoria desafiar o que se sabe, arremessando
concede cidadania à comédia, pela um saber do que ainda náo se conhece.
mortificação aproxima tragédia e
E, v e r d a d e i r a m e n t e , q u e s e o s b e n s d a
comédia, lágrimas e risos.
ciência se colhem e c o n h e c e m melhor
A paciência corajosa faz fronteira, de u m
pelos males da ignorância, achará
lado, c o m a morte sorridente e, de
facilmente que discorrer pelos
outro, c o m a vida e m lágrimas. Para
sucessos do mundo, desde seu
Vieira a esperança não podia ser mais
princípio até hoje, q u e foram muito
uma confiança transcendental, pois o
menos os danos e m que caíram os
acesso ao c é u está interrompido pela
h o m e n s por lhes faltar a noticia do
culpa histórica dos homens. Também
passado, que aqueles que cegamente se
inadmissível é a passividade no esperar,
precipitam pela ignorância d o futuro.*
em função do tormento que lhe
encobre, e que era fundamentalmente Segundo a ordem do tempo dessa

o erro q u e Vieira acusava nos j u d e u s . p a s s a g e m , há u m a c o m b i n a ç ã o e n t r e o

Então, a matriz expressa o paroxismo eterno e o agora. O acontecimento da

da esperança, o u seja, a única forma ignorância valora, por medidas distintas.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n* 1-2, p. 67-82, Jan/dez 1995-pag.75


o p a s s a d o e o f u t u r o . P o d e - s e até ignorar ria frase s e g u i n t e , a p r i m e i r a i n v e n ç ã o
algo d e s s e ' v i s i v e l - s u p e r i o r ' , o p a s s a d o , de c i r c u n s t â n c i a é construída pela
mas improvável fica o m u n d o sem valor articulação do 'que' e 'em q u e ' c o m os
de futuro, esse ' i n v i s í v e l - i n f e r i o r ' . Ma verbos no pretérito perfeito, ' f o r a m ' e
l e i t u r a de V i e i r a n o s s o s o l h o s f i x a m - s e 'caíram', materializados no infinitivo
no h o r i z o n t e , p o i s aí s e encontram 'faltar'. A última frase, p o r é m , perde o
aquilo que ainda não existe e o que j á caráter de c i r c u n s t â n c i a para tornar-se
deixou de ser. Morte e nascimento causai. Sua forma reforça a
conjugam-se nessa f o r m a de olhar, circunstância do 'que' por u m a causa
p a s s a n d o a ser de difícil d i s t i n ç ã o . O 'que' adverbialmente se p r e c i p i t a no
efeito causai torna-se i n e x o r á v e l ; se fundo escuro da ignorância do futuro.
houver desvio do horizonte, ocorre a O p a s s a d o é u m ' q u e ' o u algo ' e m q u e '
c e g u e i r a e a b r e - s e o a b i s m o d o porvir. se a c r e d i t a , p o r é m , o p o r v i r é a q u e l e
Vieira propõe-se a espiar a morte de que não permite o 'se' no acreditar.
frente, c o m o o h o m e m renascentista,
Tomemos agora a p a s s a g e m no seu
alicerçando-a, contudo, na ponte
conjunto, destacando sobretudo a
nascida da c u l p a necessária de matriz
importância dada por Vieira aos
barroca, a História.
a d v é r b i o s de m o d o - ' v e r d a d e i r a m e n t e ' ,
O leitor, a o t e r m i n a r a q u e l a p a s s a g e m , 'facilmente' e 'cegamente'. A insistência
fica enebriado pela ressonância das na terminação ' m e n t e ' , ressaltada pela
t e r m i n a ç õ e s dos a d v é r b i o s de modo, constante remissão à sonoridade ' e m ' ,
'verdadeiramente', 'facilmente', 'cega- parece restaurar o sentido i n c o n f e s s o da
mente'. C o m este artifício Vieira libera idéia cristã do p e c a d o c o m o m a r c a do
os v e r b o s da f u n ç ã o sintática de arcar comportamento humano. Prevalece a
com a ação. Os primeiros verbos, c o n s i d e r a ç ã o de eterna atualidade sobre
'colhem' e 'conhecem', compassam a o modo dos homens. O que foi escrito
rima no seu limite. A estridente n o s s e r v e tão b e m q u e n á o t í n h a m o s a
mensagem do futuro do presente p o s s i b i l i d a d e de d u v i d a r do assunto
achará' é rebaixada através do advérbio tratado. A única coisa d i s p o n í v e l para
'facilmente', apresentando um agora os h o m e n s não manterem o passado
permanente no m u n d o , "discorrer pelos sobre si, nos ensina Vieira, é o ideal
sucessos do mundo, desde seu onírico de projetar a crença, pois sendo
p r i n c í p i o até h o j e " . de matriz fantástica a s s e m e l h a - s e ao

pag. 76, jan/dez 1995


mentir, mas s e m e s s a fantasia de futuro assim nos diz Vieira, d e f i n e m - s e como
não há r e a l m e n t e crer. As histórias, i m p e d i m e n t o das causas históricas: a
m e s m o q u a n d o " e m grande parte foram arte p o é t i c a s e r v e p a r a c o l o r i r o que
tiradas da fonte d a m e n t i r a . . . " , têm uma
9
'havia de ser' e afirmar ' c o m o era b e m
substância de idealidade que lhes que f o s s e m ' , e nào para pintar o que
permite deixar de ser pretérito para ser o u c o m o h a v i a s i d o . L o g o , a História do

a n t e c i p a ç ã o de futuro. Futuro absorve o estilo poético. Para

A ignorância é indeterminável, pois a reverter os q u a d r o s desfavoráveis e

sua manifestação só pode ser notada f a z e r v a l e r o i d e a l n ã o há a r m a m a i s

quando acontece. Vieira precisa admitir poderosa do que o arranjo artesanal

que o estar na História exige dos feito d e arte e s a b e r d i v i n o . 1 0


O leitor j á

homens uma certa dose de ignorância havia percebido que, nesse livro

m e n t i r o s a . Para d a r às h i s t ó r i a s c o l h i d a s anteprimeiro, poderia usar como

e c o n h e c i d a s o b e m que a ciência faz, referência o dizer de Aristóteles sobre

basta medir o grau do desconhe- as o b r a s d e H e r ó d o t o : " p o i s q u e bem

c i m e n t o . Mas o s ' s u c e s s o s d o mundo' p o d e r i a m s e r p o s t o s e m v e r s o ... , e n e m

precisam superar esse b e m , tornando- por isso deixariam de ser história, se fossem

o natural ao próprio t e m p o , cujo fim é e m verso o que eram e m p r o s a " . "

e m si o s e u i n í c i o , a m o r t e de q u a l q u e r Vieira escolhe, p o r é m , Virgílio.


b e m adquirido. Valendo-se das palavras
Dobrado de sete lâminas d i z e m que era
'colhem e conhecem', inscreve o
a q u e l e e s c u d o (o e s c u d o d e E n é i a s d e
sentido da e s c o l h a . C o m o se dissesse
Virgílio); e também o da nossa História,
que o porvir é u m a e s c o l h a responsável
para que em tudo lhe seja s e m e l h a n t e ,
por manter o sonhar, i m p e d i n d o o peso
é p u b l i c a d o e m s e t e l i v r o s . Mele v e r ã o
d o p a s s a d o , q u e faz d o p r e s e n t e algo
os capitães de Portugal s e m c o n s e l h o ,
m u i t o f r á g i l . N á o há f u t u r o s e m p r o j e ç ã o
o que h ã o de resolver; s e m b a t a l h a , o
da enteléquia pretérita, cujo correlato
que h ã o de v e n c e r e s e m r e s i s t ê n c i a ,
individual é c o l o c a r t e m p o entre a vida
o q u e h ã o de c o n q u i s t a r . S o b r e t u d o se
e a morte. Tempo diferente daquela
verão nele a sl mesmos e suas
temporalidade que vai d a q u i l o que
valorosas ações, como em espelho,
ainda não existe para aquilo que j á não
para q u e , c o m estas c ó p i a s de morte-
mais existe, que deseja a diferença da
cor diante dos olhos, retratem por elas
morte antes de morrer, matéria do qual
vivamente os originais, antevendo o
é feito qualquer sonho em todos os
q u e h â o de o b r a r , p a r a q u e o o b r e m , e
sonos. Pois é do fantástico dos sonhos
o que hão de ser, p a r a que o s e j a m . 1 2

q u e se c o l h e m as f u t u r a s v e r d a d e s e q u e
d e i x a m de ser verdades q u a n d o p a s s a m . A Eneida corre da verdade ao sentido,
O ' o f í c i o ' e a ' o b r i g a ç ã o ' da p o e s i a . nào havendo c o m o se deter e m n e n h u m

Acervo, Rio de Janeiro, v 8, n' 1-2. p. 67*2,jan/dez 1995-pag.77


destes pólos. A crença desaparece no e assim se mantinha n o s é c u l o d e Viera,
imediato de sua manifestação, em função da c o m o u m a o b s e s s ã o d e vigília na fronteira
repressão ao fantasma que habita nas páginas do temor de s u a ruína.
que escreve, a llíada de Homero. Contudo, o
A máxima de Dante, "não mais a m i n h a v o z
Virgílio escolhido por Vieira, e m detrimento
irás ouvir: dispõe d e livre e íntegra vontade,
de Heródoto c o m o m o d e l o de História, é
e s ó c o m ela deves prosseguir. Imponho-te
aquele relido por Dante. Esse guia privilegiado
o laurel d a liberdade!", repercute como
do patrimônio c o m u m europeu, que desce e
sentido anterior à promessa d e Vieira 'aos
passeia n o inferno, que passa mais rápido
capitães portugueses', pois nunca a ruína d a
no purgatório e se detém nas margens do
Igreja esteve tão presente, chegando a nós
paraíso terreal, dizendo: "não mais a minha
c o m o m a n e i r a c o m u m e m s e referir a o
voz irás ouvir: d i s p õ e d e livre e íntegra
mundo. Eles e o leitor terão d e se resolver
vontade, e s ó c o m e l a deves prosseguir,
sem conselhos porque no livro não há voz.
lmponho-te o laurel d a liberdade!" 15

Reina o silêncio, onde qualquer s o m expressa


O leitor se pergunta haver algum lastro de a gagueira da compreensão. Não há batalhas.
certeza para a presença de Dante Alighierie Na leitura se vence o livro quando a ele não
como uma das leituras de Vieira, pois este se se resiste. Esse acontecimento é um combate
refere a Virgílio e n ã o àquele. Tornar conquistador dos sentidos textuais no
pertinente um contato que não houve de fato mundo, que reavivam o q u e antes não se
é uma das tarefas impostas pela leitura, que sabia querer. Onde a motivação se faz de
num sentido que beira o esotérico, admite a integras vontades, despossuindo-se d o que
auto-interferència dos textos, independente antes se amava, para desejar, livremente,
dos sujeitos que escrevem. Caso isso não seja descobrir o quanto de dúvidas existia naquilo
admitido, a configuração de u m patrimônio que se dizia conhecer. Encobrindo a vergonha
c o m u m seria totalmente dispensável. de por tanto t e m p o servir à q u i l o q u e
realmente não acreditava.
Após o Virgílio de Dante, toda a leitura de
Eneida tornou-se u m a forma poética de O leitor ideal de Vieira, de ontem e de
sentido teológico. Dante havia inaugurado hoje, se depara c o m a qualidade trágico-
a ficção c o m o m o m e n t o c r i t i c o , o n d e o cômica da leitura. No livro se v é .
perigo reina s o b r e o ideal d e I m p é r i o e Uudindo-se c o m as valorosas ações de
r e s t a u r a ç ã o d a Igreja,' q u e é a p r ó p r i a s u a l e i t u r a . N a frente d o l i v r o , t o m a a s
expressão contrária à época em que a qualidades por inversão. Começa a
Esposa de Cristo se fez triunfante. Isso havia leitura duvidando do tema, e no seu
acontecido no século gótico por excelência, desenrolar se apresenta cada vez mais
o XIII, para n à o m a i s sair d a s vistas d a servil a e l a , e qualquer outro, sentido
religiosidade européia. O triunfo da que pudesse haver j á n ã o importa. Opta
universalidade da Igreja tinha sido pensado. em servir ao texto, e c o m os deveres de

pag. 78. jan/dez 1995


servo. Insustentável sempre, torna
visível a superfície vítrea da dúvida, e o
texto, agora, importa em demasia,
admirando a ridícula dúvida criada.

Nesse j o g o de inversões imagéticas, as


c ó p i a s d a c o m p r e e n s ã o se a n u l a m p o r
um colorido s e m cor, a morte-cor. Cabe
entào perguntar: qual é o grau de
i n d e p e n d ê n c i a q u a n d o se lê, j á que o
livro exige d o leitor a s e r v i d ã o e a leitura
deseja duvidar? Se o livro é a forma
tradicionalmente humana de p ô r o
passado na frente d o s o l h o s , tornando
Vieira, A n t ô n i o . H i s t ó r i a d o Futuro. Livro
a l e i t u r a u m f u t u r o d o p r e t é r i t o , se d o
anteprimeiro. Lisboa: 1755.
lado d o leitor todo o olhar sobre as linhas
são a m a n e i r a e t i m o l ó g i c a d o futuro d o sobressalto? Depende da vastidão de
presente, compreender significa ter sua inteligência, que aqui não é
presente o incompreensível c o m o i d e a l . sinônimo de informações exatas e
Sentimento estranho tanto ao leitor tangíveis, e da amplitude de sua
quanto à idéia de u m a leitura metódica. generosidade. Vieira pede um leitor
O leitor vive, assim espera a generoso. Nesse tipo de homem
honestidade, a intimidade de seu residem as preocupações e
arbítrio e a autonomia de suas responsabilidades mundanas, ou seja,
necessidades. Demandando as mais fazer permanecer todas as obras
improváveis e insignificantes humanas e gratuitamente pensar c o m o
circunstâncias, onde nenhuma fazê-las acontecer fora de s e u t e m p o e
uniformidade de relação entre a de s u a é p o c a . Dar a tudo o q u e é b e l o ,
grandeza do efeito da leitura e a a beleza do que ainda não aconteceu e
i m p o r t â n c i a d a c a u s a p o r q u e se lê s e s a b e r q u e a q u i l o q u e a fez e x i s t i r n à o
declaram em absoluto. O dado mais acontece, a História do Futuro.
imcompreensível da compreensão é a Para tal projeto n e c e s s i t a - s e de u m a
questão do essencialmente incompleto espacialidade elástica, que pela atenção

e essa incompletude d a leitura torna-se de a l m a , preocupa-se c o m o correr d o

o laurel da liberdade ao impedir a tempo e por isso dá respostas, sejam

manifestação fácil d o s d e t e r m i n i s m o s elas antigas ou m o d e r n a s , pois o m u n d o

de diferentes matizes. nào permanece sendo uma eterna

Isso levaria o leitor a se p ô r de problematizaçào.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 67*2. Jan/dez 1995 - pag.79


Vieira solicita aos h o m e n s viverem os acontece por resfriamento, a luz que o
originais, 'antevendo o que hão de fazia ver, alimentada através da
obrar'. Talvez seja este o motivo que o c o n j u g a ç ã o de arte p o é t i c a e saber
i m p e d e de t e r m i n a r o que pretendeu b í b l i c o , torna-se a i l u m i n a ç ã o fria do
escrever em sete capítulos c o m o as a m a n h e c e r q u a n d o o s o l a i n d a n à o se
s e t e s l â m i n a s d o e s c u d o de E n é i a s . A o p ó s d e p é . Mas o s o l t e i m a e m n ã o f a z e r
terminar a leitura do Livro anteprimeiro, o seu c o s t u m e i r o c a m i n h o e dos sete
prolegõmeno a toda a História do livros que projetava apenas resultaram
Futuro, ' e m q u e se d e c l a r a o f i m e s e sete capítulos i n c o m p l e t o s . Quando
p r o v a m os f u n d a m e n t o s d e l a ' , o l e i t o r voltar a escrever s o b r e o fato p r o f é t i c o ,
admite a clara existência de um a Clavis Frophetarum, V i e i r a se r e t i r a r á
d e s c o m p a s s o , j á q u e se e n c o n t r a s o b r e para o segredo do latim, descobrindo
as l i n h a s da História do Futuro. A aquilo que entardece, a língua sacra,
l i b e r d a d e e s t i l í s t i c a q u e até o m o m e n t o cujo sentido universalista j á não mais
se manifestava, onde numerosas t e m s e n t i d o e novamente a incompletude
m á x i m a s de V i e i r a c r i a v a m u m a r e l a ç ã o se faz sua parceira.
de i n t i m i d a d e e de a f a s t a m e n t o por Enquanto esteve d e c l a r a n d o os fins que
perplexidade pelo que diziam imaginava para a sua obra e provava os
a n a c r o n i c a m e n t e de tão p r ó x i m o , c e d e fundamentos dessa empresa, cuidando
a uma escrita menos poética. Vieira de perto da e s s ê n c i a da natureza
passa a escrever de m a n e i r a muito h u m a n a - a c u r i o s i d a d e -, V i e i r a t i n h a o
agarrada aos argumentos que escolhe domínio sobre o leitor e a leitura vinha
para fazer valer o seu projeto, c o m o se a c o m p a n h a d a do a c i r r a m e n t o de tudo
se d e f e n d e s s e d e a l g o . A q u a n t i d a d e d e ver e s a b e r . M a s e l e a c a b a s e n d o s e r v o
personagens é t a n t a q u e as páginas de seu projeto, pois e n q u a n t o antevia,
assumem aspecto deformado. Aparenta- tudo aparentava um desenlace primo-
se a u m d e s a f i o , c u j a t e m á t i c a é: c o m o roso. Chegando a m b o s ao momento
podes ser cristão e não acreditar na p r ó p r i o daquilo que antes fora preparado,
p r o v i d ê n c i a divina? Mas para que isso o leitor frustra-se e Vieira se a c a n h a .
a c o n t e ç a , ou deixe de acontecer, basta As fronteiras da e s p e r a n ç a no m u n d o ,
apenas a própria providência. m e s m o forjadas na paciência c o r a j o s a ,

V i e i r a vai p e r d e n d o f ô l e g o , r e s p i r a e m e s t ã o r o m p i d a s . O m u n d o se a c e l e r o u

demasia seus argumentos históricos e em demasia, não há t e m p o para o

o futuro, que por direito pertence a desenlace. Resta agora apenas antever

Deus, sopra a m e a ç a n d o apagar a c h a m a e r e z a r p a r a q u e a q u i l o q u e foi s o n h a d o

p r o f é t i c a . De s e r v i l a o p r o j e t o p a s s a a obtenha tempo. E sem desejar, Vieira

duvidar timidamente, por excesso de nos deixa uma única lição: enquanto o

histórias, da ação profética. Tudo homem projeta, antevendo o que

pag 80, jan/dez 1995


acontecerá, adquire a força de dar início ação e a duração ao m e s m o tempo,
ao t e m p o - c r i a r ; p o r é m , q u a n d o quer transforma o tempo n u m m o d o de ser,
consubstanciar o seu projeto, acontece o que d o a ao futuro u m a vida e u m a
a fatalidade - a inexistência de suficiente vontade secreta.

temporalidade.
Aqui termina também o que poderíamos
C o m o c o m p r e e n d e r algo é tê-lo e m s u a c o m e n t a r s o b r e a História do Futuro do
i n c o m p l e t u d e e i n c o m p r e e n s ã o , se é d o padre Antônio Vieira, d a C o m p a n h i a de
homem a trágica propriedade histórica Jesus. E se há algum relevo nessa
do pecado, sendo o complemento antevisão da obra de Vieira é fazer
intimo de seu estar no m u n d o , Vieira ressoar, no m o m e n t o desse ensaio, o
acaba d e i x a n d o c o m o rastro o m o d e l o que fora anteriormente s e n t e n c i a d o por
impossível e possível da leitura, que são Raymond Cantei, e m 1959:
a mesma coisa: antever. O ante,
... a a u s ê n c i a de u m a e d i ç ã o critica
enquanto prefixo, significa antes ou
m o d e r n a s e f a z sentir. N e n h u m s e r m ã o
diante. C o m o sufixo, é formador da
foi p u b l i c a d o a t é a q u i n u m a e d i ç ã o q u e
terminação do particípio presente dos
merecesse verdadeiramente esse
verbos latinos. Vieira, exímio
nome. Ora, é a totalidade dos discursos
conhecedor do latim, sabe que o
de Vieira q u e deve s e r a s s i m e d i t a d a .
particípio presente nào tem qualquer
valor preciso de tempo, e, dessa A t a r e f a s e r á l o n g a e d i f i c i l , m a s essa

maneira, figura o t e m p o p o r aquilo que edição é o m o n u m e n t o q u e Portugal e

lhe v ê a n t e s . A ú n i c a potencialidade o Brasil devem à glória daquele que foi

humana é o g e r ú n d i o , que tratando a o maior de seus p r e d i c a d o r e s . 1 4

M O T A S
1. V I E I R A , A n t ô n i o . História do Futuro. (Introdução, atualização e notas por Maria
L e o n o r C a r v a l h à o B u e s c o ) . L i s b o a : I m p r e n s a M a c i o n a l - C a s a d a M o e d a , 1 9 8 2 , p.
1 4 6 . A História do Futuro do padre Antônio Vieira t e m c o m o p e r í o d o p r o v á v e l de
s u a c o m p o s i ç ã o o s a n o s c o m p r e e n d i d o s entre 1 6 4 9 - 1 6 6 1 . A d m i t e - s e este c o n t o r n o
temporal c o m reservas. O professor A d m a Eadul Muhana n a organização e fixação
do texto "Apologia d a s coisas profetizadas" (Lisboa: C o t o v i a , 1994) d e m o n s t r a a
c o n t i n u i d a d e d a s p r e o c u p a ç õ e s de Vieira c o m esta obra no p e r í o d o de s e u
p r o c e s s o i n q u i s i t o r i a l ; a l g u m a s p a r t e s d o t e x t o p o r e l e o r g a n i z a d o se a d e q u a m
a o p r o j e t o d a História do Futuro do jesuíta. Embora a incompletude da obra seja
concreta, a investigação de Muhana acrescenta outras partes àquelas j á
consagradas, cujas edições anteriores estiveram s o b o controle de J o ã o Lúcio de
A z e v e d o ( C o i m b r a : I m p r e n s a d a U n i v e r s i d a d e , 1 9 1 8 ) e A n t ô n i o S é r g i o &í H e r n a n i

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2, p. 67-82, jan/dez 1995 - pag 81


C i d a d e ( L i s b o a : S á d a C o s t a , 1 9 5 3 , v o l . V1I1-IX). n o A r q u i v o n a c i o n a l s e e n c o n t r a m
o referido a J . L d e Azevedo, o Livro anteprimeiro, p r o l e g ô m e n o a toda História
do Futuro (nas e d i ç õ e s L i s b o a : E d i t o r e s J . M. C S e a b r a Sc F. Q . A n t u n e s , 1 8 5 5 e
o f i c i n a d e A n t ô n i o P e d r o z o G a h a n , 1 7 1 8 ) e a História do Futuro publicada em
1755 pela Oficina de Domingos Rodrigues.
2. VIEIRA, A n t ô n i o , o p . c i t . , 1 9 8 2 , p. 4 1 .
3. I d e m , i b i d e m , p. 4 4 .
4. I d e m , i b i d e m , p. 4 5 .
5. I d e m , i b i d e m , p. 4 7 .
6. Essa expressão encontra- se no "Sermão da Sexagésima", pregado por Vieira na capela Real,
em 1655.
7. VIEIRA, A n t ô n i o , o p . c i t . , 1 9 8 2 , p. 5 1 .
8. I d e m , i b i d e m , p. 6 4 .
9. I d e m , i b i d e m , p. 1 4 7 .
10. I d e m , i b i d e m , p. 9 5 .
1 1 . A R I S T Ó T E L E S . " P o é t i c a " . In: Tópicos; Dos argumentos sofísticos; Metafísica; Ética
a liicômaco; Poética. S ã o P a u l o : A b r i l C u l t u r a l , 1 9 7 3 . (Os P e n s a d o r e s IV) p. 4 5 1 .
1 2 . VIEIRA, A n t ô n i o , o p . c i t . , p. 9 5 .

13. A L E Q H I E R I , D a n t e . A divina comédia. Belo Horizonte-Brasília: Editora Itatiaia/


F u n d a ç ã o P r ó - M e m ó r i a , 1 9 8 4 , p. 2 4 5 .
14. CANTEL, Ravmond. Les sermons de Vieira - étude d u style. Paris: Ediciones tlispano-Americanas,
1959, p. 36.

A B S T R A C T
The paper is about father A n t ô n i o Vieira's prophetic History of the Future, written between
1 6 4 0 - 1 6 6 0 a n d with several editions since the 18th Century. The J e s u i t s prophesying allow
us to think about the question of reading, as well as to discuss the r e a d e r s standpoint
starting from the leveis of s u b m i s s i o n to the text and of doubt in the act of reading.

R É S U M É
C e s t u n a r t i c l e s u r VHistória do Futuro ( H i s t o i r e d e 1'Avenir), o u v r a g e p r o p h é t i q u e d u
Père A n t ô n i o V i e i r a , é c r i t e n 1 6 4 0 - 1 6 6 0 , q u i a m e r l t é p l u s i e u r s p u b l i c a t i o n s a p r è s le
X V l l l è s i è c l e . Le p r o p h é t i s m e d u J é s u i t e n o u s p e r m e t d e r é f l é c h i r s u r le p r o b l è m e d e
la l e c t u r e , d e d i s c u t e r l a p o s i t i o n d u l e c t e u r à p a r t i r d e s n i v e a u x d e s o u m i s s i o n a u
texte et d u d o u t e d a n s 1'acte d e l e c t u r e .

paB.82.jan/oez 1995
3
Prof . Tânia Maria Tavares Bessone da Cruz Ferreira
Professora de História Medieval da UERJ. Doutora e m História Social pela USP.

L e i t o r e s do R i © de J a n e i r o s
bibliotecas como jardins
das d e l í c i a s

"Viva. assim c o m o animais literárias, sobretudo em


d o m é s t i c o s dos quais se inventários. Médicos e advogados,
precisa cuidar, a biblioteca ciosos das e s c o l h a s feitas em vida,
particular exige que se cuidaram para que seus acervos
esteja atento a ela. Da ficassem preservados em família ou
m e s m a f o r m a que se m u d a entre amigos.
uma planta de vaso, pode

se m o d i f i c a r o c o n t e ú d o d e
Uma das maiores dificuldades que se

suas pratileiras."
apresentam para o aprofundamento do
estudo das bibliotecas examinadas é a

O
Alain Nadaud
compreensão do diálogo entre a

s l e: i tt oo r e s cariocas mais novidade e a herança que envolve cada

p r e o c uifp a d o s c o m o cultivo u m d o s m o d e l o s d e c o l e ç ã o . Para D a n i e l

de u« m a e s p é c i e d e j a r d i m R o c h e falar d a s b i b l i o t e c a s é s o b r e t u d o

das d e l í c i a s , à m a n e i r a d e Montaigne, "tentar d e s c r e v e r a h i s t ó r i a d a f a c i l i d a d e

grande apreciador de livros e de a c e s s o a o s i m p r e s s o s e m a n u s c r i t o s

freqüentemente ocupado com a nos quais intervém s i m u l t a n e a m e n t e a

sobrevivência de sua biblioteca, extensão, quantificável, dos meios e das

deixaram vestígios das suas preferências práticas, e a mudança, qualificável, da

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p 83-104. jan/dez 1995 pag83


A C E

c u l t u r a de u m t e m p o e m c o m p a r a ç ã o às segundo as práticas e m voga na é p o c a . As


suas práticas". 1
Esta conduta permitiria funções da utilização dos livros nos espaços
uma melhor troca de conhecimentos em privados e n v o l v i a m leituras e m voz alta,
v i r t u d e d e s t a p l u r a l i d a d e de s i t u a ç õ e s livre e fácil acesso aos livros para leituras,
q u e se a p r e s e n t a p a r a o estudioso. aqui e a l i , s e m c o m p r o m i s s o s rígidos c o m
Perceber as mudanças e as a continuidade, o tempo aberto para
permanências através das presença dos amigos e leitores eventuais,
transformações do acervo das interessados no cultivo das sociabilidades
b i b l i o t e c a s p r e s s u p õ e u m d i á l o g o entre culturais, n o m o m e n t o d o registro cartorial
o h i s t o r i a d o r e as f o n t e s . durante o processo dos inventários estas
g i j, r h . M ' J J V 1 Í 0 ' J f j £ £ É j } ' ' X g/R,' diferenças também mantinham-se nítidas.
A estas possibilidades acrescentam-se
d i f i c u l d a d e s , na m e d i d a que o livro Cada um deles pensou em uma
guardado no espaço privado contrapõe- o r g a n i z a ç ã o e s p e c i a l para as b i b l i o t e c a s ,
se, em situação, ao livro instalado para de m o d o q u e t o d a s s e f o r m a r a m c o m
uso no e s p a ç o p ú b l i c o . O primeiro pode características b e m próprias, tendo, no
ser instalado na desordem, como entanto, alguma organicidade comum,
podemos perceber estudando os que era o p r i v i l é g i o para o b r a s de c u n h o
i n v e n t á r i o s , e o s o u t r o s se i n s t a l a v a m profissional. Como registrou Alain
na o r d e m e na c l a s s i f i c a ç ã o que se Madaud\ os cuidados c o m a disposição
buscava aperfeiçoar, como tivemos uma que os d o n o s d e r a m a s u a s b i b l i o t e c a s
a m o s t r a no c a s o das b i b l i o t e c a s para a j u d a m a organizar e c o m p r e e n d e r m e l h o r
uso p ú b l i c o . o c o n t e ú d o de s u a s p r a t e l e i r a s e s u a s

O gabinete ideal d o c o l é g i o j e s u í t a que


e s c o l h a s b i b l i o g r á f i c a s ao longo da v i d a .

testemunha, por exemplo, a obra


Repetindo as a n t i g a s i n d a g a ç õ e s de
Vocationes Autumnalis, a b i b l i o t e c a de
Mornet: que livros possuíam estas
Voltaire em Ferney, a biblioteca de
pessoas? Ou, ainda, perguntando de
Montaigne c o m o a d e Diderot e x p õ e m
forma mais ambiciosa, o que liam estes
algumas maneiras d e criar u m e s p a ç o que
homens? Teremos boas respostas
organize a vontade de proteger, d e exibir,
a t r a v é s d o s i n v e n t á r i o s . De u m t o t a l de
d e criar u m lugar adaptado ao trabalho d o
97 advogados e 192 m é d i c o s com
intelectual c o m o a s o c i a b i l i d a d e . 2

documentação específica no Arquivo


Mas t o m a r esta a p a r e n t e d e s o r d e m das Nacional , foram localizados inventários
4

bibliotecas particulares c o m o falta de que pertenciam a familiares próximos e


organização é projetar nossas ansiedades antepassados. As datas definidas nos

c o n t e m p o r â n e a s nas formas das diversas documentos abarcavam da segunda

práticas de ter, utilizar e exibir livros nos m e t a d e do s é c u l o XIX até a s e g u n d a

Finais do século XIX e início do século XX, década do século XX.

pag 84 jan/dez 1995


V o

O estudo de b i b l i o t e c a s , p r i n c i p a l m e n t e doações não especificados, que

das remanescentes de inventários, mascaram o perfil do conjunto, no

apresenta certas armadilhas para o tocante às bibliotecas examinadas,

pesquisador, c o m o o e x p u r g o de parte procurei, na medida do possível,

do acervo por controle da família, ou diversificar as f o n t e s de informações

simplesmente por empréstimos ou sobre o conjunto de livros que as

Ari. 686
Livraria».
A . J . Castilho d C., r. S José, 107.
Adolpho de Castro Silva & C . , r. Rosário, 8 1 , Telfph. Íi02 ; sócios :
'Adolpho de Castro e Silva, r. Rosário, SI e r. Barão de Mesquita, 1 } .
* Albino José de Castro e Silva; 2, r Rosário, 81 e r. liarão de Mes-
quita, 12, Teleph. 5031.
Alexandre Ribeiro « t C , r. Quitanda, 79 B e Rosário, 64 e depósitos r. Qui-
tanda. 58 e r. S . lose. íi8 ; sócio* :
* Alexandre Augusto Ribeiro, r. Quitanda, 79 B.
'Augusto Gonçalves Moreira, r. Quitanda, 79 R.
Alves & C , especialidades : Urros eoilegiaea e acadêmicos, r. Gonçalves
Dia*, 66 e 68, C. do Correio B. (Vide Álmanak das Províncias,
pag. 10!i5 : sócios :
"Francisco Alves de Oliveira, r. Gonçalves Dias, 46 e 48.
* Nicolau Antônio Alves, r. Gonçalves Dias, 46 e 48, e ladeira do Senado,
25 A , coiiimanditario.
'Manoel Maria dos Santos, r. Gonçalves Dias, 46 e 48, interessado.
I Antônio Augusto da Silva Lobo, r. Sete de Setembro, 8 1 .
Antônio Roberto Costa, r. S . José, 118.
Antônio Teixeira de Castro Dias, r. Andradas, 2 8 .
Augusto Fancho, r. S. José, 9 4 .
Augusto Richanl, r. Bern. de Yasccncellot, 101.
B. L. Garnier, a} 6 ; •}> 3 de P., r. Ouvidor, 71.
-Brandão & Moreira Maximino. r. João Alfredo, 90, antiga da Quitanda,
(Vide Notab. pag. 1918). sócio :
' A n t ô n i o José Gomes Brandão, 4 • 5
' • »3
Quitanda, 90, e r.
Santa Amaro, 35.
aVitish * P. Hblie Society, r. 7 de Setembro, 71. (Vide Notab. pag. 198»),
agente:
' J o i o M . C. ilos Santos, r. 7 de Setembro, 71 e r. S . Joaquim, 175.
Carlos Gaspar da Silva, r. Quitanda, 111 e 113, Teleph. 30
Carvalhaes A C , r. Ourivrs, 5 5 ; sócios:
'Carlos de Carvalhaes Pinheiro, r. Ourives, 55.
'Leandro B. Pereira, r. Ourivea, 53.
Crus Coutinho, r. S. J jsé 76 ; dono :
* Francisco Rodrigues ds Crus Coutinho Carvalho, r. S. José, 76.
Fernandes, Ribeiro & C , r. Quitanda, 71, e r. Rosário, 47 ; sócios:
•Joaé Fernandes Couto, r. Quitanda, 7 2 .
'Maximiano Xavier Vas Osório, r. Quitanda, 72.
' H e i t o r Ribeiro da Cunha, r. Quitanda, 7 2 .
t i . de Araújo A C . , r. Gen. Câmara, 9 ; sócio :
'Gabriel Pinto de Araújo, r G e n . Câmara, 9.
ves Mendes A C , r. Ouvidor, 25 B e 38 ; sócios :
' J ú l i o Gonçalves Mendes, r. Ouvidor, 25 B e 38, e r . Bispo, 36 C
* Antônio Manoel Fernandes da Silva, r. Ouvidor, 25 B e 38, c o m o .

h * Antônio Plácido Marques, r. Ouvidor, 25 B e 8 8 , inter.


'Joaquim Cardoso Pereira, r. Ouvidor, 25 B e 38, inter.

Almamaque administrativo, mercantil e industrial da Corte e da p r o v í n c i a d o Rio de Janeiro. Rio

de Janeiro: Livraria Universal de E. & H. Laemmert, 1876.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n 1-2, p. 83-104, jan/dez 1995 - pag 85


s
A C E

compunham. Apesar da maioria náo padronização nào ocorreu. Às vezes, o


estar c a t a l o g a d a c o m rigor, foi sobre escrivão generalizava suas declarações
esses registros que elaborei estas s o b r e o s b e n s m ó v e i s , até p e l a a u s ê n c i a
reflexões. de um critério padronizado para a
descrição de alguns bens, como
Status, e d u c a ç ã o , riqueza e influência
gabinetes e b i b l i o t e c a s , por parte dos
política enfeixavam-se e m poucas mãos,
f u n c i o n á r i o s encarregados desse tipo de
n u m a c i d a d e c o m o o R i o d e J a n e i r o na
tarefa. Com isso, prejudicava-se a
virada do s é c u l o . Os inventários, verbas
5

caracterização dos objetos que se


testamentárias, escrituras e outros
deseja estudar. Ao contrário, alguns
documentos de c u n h o particular são
eram bastante minuciosos e faziam
ótimos indicadores desta relação.
anotações precisas. Uns ficaram
Ma s u a f o r m a b á s i c a , u m i n v e n t á r i o p o s t -
i n c o n c l u s o s ; outros, por p r o b l e m a s de
mortem apresentava-se dividido em três
má conservação, tornaram-se
partes: a primeira, o n d e o inventariante
inacessíveis.
- que podia ser m e m b r o da família,
amigo ou um representante legal Advogados e médicos eram categorias

n o m e a d o - identificava a si e ao morto, sócio-profissionais com grande

indicando deste a profissão, o endereço participação no conjunto das atividades

residencial, os possíveis herdeiros e a político-administrativas brasileiras. A

causa da morte, e fazendo m e n ç ã o , de produção historiográfica j á tratou dessa

forma resumida, aos bens pessoais do relaçào em diversos estudos

falecido. Nessa fase poderiam ser importantes. Roderick Jean Barman e

incluídos, se e x i s t i s s e m , o testamento José Murilo de Carvalho realizaram

e a escritura a n t e n u p c i a l ; a segunda, na acuradas análises sobre a atuação dos

q u a l se a p r e s e n t a v a a r e l a ç à o c o m p l e t a advogados na vida política do Império

dos bens, c o m a respectiva avaliação, e os desdobramentos do bacharelismo

elaborada por profissional na vida pública brasileira, através de

especialmente n o m e a d o para esse f i m , a n á l i s e s p r o s o p o g r á f i c a s . Na s ó l i d a o b r a

que visitava os locais onde se de Licurgo Santos f i l h o , o tratamento

encontravam os pertences e relatava por dado ao papel dos m é d i c o s criou u m a

escrito todos os seus passos neste e s p é c i e de biografia c o l e t i v a a l e n t a d a ,

processo; e a terceira, que concentrava representando uma abordagem única

petições e quaisquer outros pedidos sobre a evolução dos conhecimentos

formais dos interessados na herança e m é d i c o s no B r a s i l . 7

a conclusão sobre a partilha e/ou


Médicos e a d v o g a d o s f a z i a m parte d o s
meaçào, quando cabíveis. 6

1 7 % d a p o p u l a ç ã o l i v r e q u e p o d i a m ler
Em diversos casos, no entanto, essa e escrever. Estavam entre os eleitores.

pag.86, jan/dez 1995


R V O

que por volta de 1889 não quase exclusivismo de alguns autores,


ultrapassavam o total de 125.000 como Bentham, por e x e m p l o . "
pessoas. E m meados do século XIX, os
8

Frente às novas necessidades d a clientela,


currículos adotados por escolas do Rio
as o b r a s c o n s u m i d a s p e l o s profissionais
j á e v i d e n c i a v a m u m a forte i n f l u ê n c i a d e
mudaram gradativamente de perfil,
autores clássicos o u franceses, o u ainda
obrigando a u m a m o d i f i c a ç ã o d o tipo de
clássicos comentados por estudiosos
oferta que se fazia n a propaganda das
franceses, tendência que era reforçada
livrarias e a n ú n c i o s especiais sobre livros.
nos cursos u n i v e r s i t á r i o s . 9
Ma p a s s a g e m
Estas m u d a n ç a s t a m b é m podem ser
do s é c u l o , e s t a i n f l u ê n c i a s e a t e n u o u ,
observadas nas obras localizadas nas
acrescentando-se às humanidades e à
bibliotecas d o s profissionais e m atividade,
gramática cursos de ciências naturais,
nas duas primeiras d é c a d a s d e n o s s o
geografia, matemática e história, que
s é c u l o , e m relação aos p e r í o d o s anteriores.
enriqueciam e ampliavam a formação. 1 0

As novas perspectivas nacionais e


A verdadeira ruptura e m direção a novas
internacionais exigiam u m a r e f o r m u l a ç ã o
leituras e novas práticas ocorreu
dos critérios d e formação e atualização de
sobretudo no início do século XX, a
juristas e advogados, que foram
partir d o s c u r s o s d e M e d i c i n a q u e , d e s t a
substituindo pouco a pouco obras de
forma, lutavam pela sua modernização.
Benthan por outras d e Spencer e, e m alguns
Sobretudo a partir de 1 9 0 0 , c o m a
casos, Proudhon, Tucker, C a r l y l e . 12

introdução de métodos científicos e


experimentais, o anacronismo Estas obras ficavam, muitas vezes,

intelectual em vigor foi-se incorporadas ao acervo de livros de

transformando. novas técnicas diversos médicos e advogados, algumas

cirúrgicas, a criação de assistência delas em razão de referências explícitas,

sistemática aos alienados, a fundação q u e as t o r n a v a m d e u s o o b r i g a t ó r i o e m

do I n s t i t u t o O s w a l d o C r u z , q u e p e r m i t i u face de e x i g ê n c i a d o s c u r r í c u l o s de

avanços nos estudos de medicina colégios e outros cursos preparatórios,

tropical, tudo isso colaborou na criação como Racine, Chateaubriand, Sainte-

de u m a n o v a t e n d ê n c i a d a s p e s q u i s a s Beuve, Corneille e Molière, que podiam

científicas, que se soltaram de suas ser encontradas e m muitas bibliotecas

amarras acadêmicas e oratórias para particulares. Outras eram adquiridas por

inaugurar u m a nova proposta, que i n t e r e s s e s p e s s o a i s d o leitor. M a s q u a l

alcançou, inclusive, grande respeito seria o tipo de livro que realmente

internacional. Quanto aos advogados e ocupava os espaços das prateleiras de

juristas, as mudanças tornaram-se advogados e médicos e como as

possíveis a partir de novas leituras de escolhas foram-se m o d i f i c a n d o ? 1 3

obras que lentamente se libertavam d o


Em bibliotecas j á c o m p u l s a d a s por

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n 1-2, p. 83-104, jan/dez 1995 - pag.87


s
A C E

vários estudos que trataram do tema, na mais modernas ou mais inseridas nas

t r a n s i ç ã o d o s é c u l o XVIII p a r a o X I X , o problemáticas do seu tempo. As

'livro s e d i c i o s o ' o u a 'perigosa literatura transformações políticas, sociais e

francesa' 1 4
guardava um lugar ideológicas permitiram que estas obras

especialíssimo. De u m a f o r m a o u de deixassem o terreno do proibido e

outra, pareciam marco de bibliotecas fossem assimiladas pelo público que

I.lvrarlüH (w«.«W)

Guimarães A Fenlinando, r. O u f i d r , S 5 ; sócios:


•Joaquim ria Coda Leite Guimarães, r. Ouvidor, 35.
'Alberto Feroioando Cogorno de Oliveira, r. Ouvidor, S5.
H . Lonibaert» & C , r. Ourives, l.Teleph. 20íi.e r. A»»emblc i, 7 6 .
H e n r j Berger, r. Brolitlo. 26 P*. i " . Milão. (Vide Notab., da Itália).
J . G. de Azevedo, r. Iruguayana, 33.
J . Guimarães St C . , r . Gen. (amara, 22.
loão M . G d o i Santos, agencia da» Kscriptura* Sagradas em diversa* línguas,
r. Sete de Selem ro, 71, •• r. S . Joaquim, 173 (Vide Solai,,
pag. 1989).
José Aniiin o Pe rira de Araújo, r. Gonçalves Dias, 64.
José Gomrs de Asevedo, r. Uruguayaoa, 33.
José Joaquim de Sousa Peixoto, r. S . José, 93
José de M e l l o : + :! :e P . , r. Quitanda, 38, C. do Correio 571
Filial da antiga casa editora D.i vid C n r a i t i , de Lisboa. Recebe asaignaturaa
para toda* a* publicações da mesma casa. Jornves de moda* para
homens e senhora*, peiiodicos illustrados, romances r m fasciculo»,
obras de instrucção e recreio, e t c Remessa gratuita <!• catalogo* e pro-
speclos.
L. Vigué, r. S . Francisco de Assis, 8 .
L a o i n i i i e r l *%. editores do presente Àlmanak r. Ouvidor, 6 6 ,
Teltph. 379. Livraria Urhtrul, estabelecida em 1828; sócios:
*Egnn Widmaun Laemmrrt, r. Ouvidor, 66, Teteph. 379, e r. Jardim
Botânico, 2 .
* A n h n r Sauer, r. Inválidos, 7 1 , e r. Jardim Botânico, 2.
'Gustavo Massow, r. Ouvidor, 66, Teleplt. 379.
Além das suas afamada*Folhinha* (publicadas desde 1839) edição 110 000
exemplares e de mais de 500 obras já editadas por sua casa, a maior parle
sobre assumptos scientiBco* e sérios, têm o mais completo s>.riimcnlo de
livro* daa língua* culta* eurnpéa*. j rnaes franceses, allemãe* e i n -
glese*. Catálogos mensaes, sobre Iodos os ramos de conhecimento* h u -
manos, grátis sobre pedido. Expedição para todo» os Estados da
Republica. Asiignatura* de Jornaes.
Livraria do Ceniro Bibliographico, r. Gonçalves Dias, A l .
Livraria Evangélica. — Deposito de Bíblias e tratados religioso», livro* para
a inlancia, e t c , r. Club-Gyinnaslko, 15
Livraria Universal, r. Ouvidor, 6 6 . Teleph. 379. Veja neste artigov

Laemmert & C ) .
Livraria do P o v o . Casa de A portas, r. S . Jo*c, 65 e 67.
Lopes do Cnulo 4 C , r. João Alfredo. 24. sócios:
•José Alexandre Lopes do Couto, tf> 3 , r. João Alfred", 24, e pr. de B o -
tafogo, 10'i
' J o a q u i m Teixeira Pinm dc Mesquita, r. J ão Alfredo, 21.
' J o i o Lopes da Cunha, r. João Alfiedo, 1U, interessado.
Lopes da Silva Lima 4 Amaral, Livraria dos Dou* Mundos, r. S . Salvador,
(Vide arl. 716 e Notab. pag. 1893).
L o i i Macedo & J ú l i o , r. João Alfredo, 61.
Halbeus, Costa * C , r. Quitanda, 120.

Almamaque administrativo, mercantil e Industrial da Corte e da p r o v í n c i a d o Rio de Janeiro. Rio

de Janeiro: Livraria Universal de E. & H. Laemmert, 1876.

pag, 88. jan/dez 1995


V o

tinha acesso aos livros de maneira obra que lhe havia sido destinada. As
q u o t i d i a n a . A leitura, p o r parte d o s verbas testamentárias eram, por s u a
grupos escolarizados, tornou-se mais natureza, sintéticas, e nelas não se
freqüente; sua presença e m bibliotecas especificavam os volumes doados. Esse
públicas ou particulares, u m a rotina. 1 5 fato d e i x a d ú v i d a s sobre u m a outra
questão, que muitas vezes não ficou
Os i n v e n t á r i o s , v e r b a s testamentárias,
explicitada: quais as obras que
testamentos e alguns acervos particulares
despertavam maior interesse nesses
p o d e m dar algumas respostas sobre o gosto
espaços íntimos, ou ainda, as mais
pelos livros entre m é d i c o s e a d v o g a d o s .
valiosas dentre as e x i s t e n t e s nas
Muitos dos documentos do acervo
bibliotecas? n a m e d i d a d o p o s s í v e l , isto
vinculado ao poder j u d i c i á r i o , n o Arquivo
é, d e n t r o do que o diálogo com a
n a c i o n a l , s ã o fontes d e raro valor, m a s não
documentação permitiu, procurei
p o s s u e m características t ã o h o m o g ê n e a s
analisar o perfil destes acervos
entre s i , nas referências a livros.
particulares e as relações de interesse

Para q u e f o s s e p o s s í v e l q u a n t i f i c á - l a s e e gosto específico que uniam os

analisar seu c o n t e ú d o , cada caso foi integrantes de u m círculo privilegiado

objeto de estudo isolado quando havia de leitores.

vinculação c o m livros, bibliotecas ou


Estudos anteriores e a movimentação do
quaisquer indícios que registrassem a
comércio livreiro, no p e r í o d o , levam a
sua existência. Havia escrivãos
respostas específicas quanto ao
diligentes, que registraram cada u m d o s
aparecimento habitual de determinadas
volumes encontrados; outros, menos
obras nos acervos particulares: obras
a t e n c i o s o s , a o p e r c e b e r e m q u e as o b r a s
em francês, tanto clássicas quanto de
não tinham valor significativo em
literatura leve, do tipo folhetim,
relação ao monte d o s bens, registraram-
narrativas de viagens, poesias,
nas g e n e r i c a m e n t e . Houve, ainda,
romances, textos de teatro e leituras
famílias q u e n ã o tiveram o c u i d a d o d e
técnicas ou específicas de cada ramo
incluir os volumes existentes nas casas
profissional. A censura formal, nesse
o u n o s e s c r i t ó r i o s c o m o parte i n t e g r a n t e
período, nào pesava tanto sobre a
do q u e deveria ser avaliado.
seleção de textos quanto, por e x e m p l o ,

Alguns testamentos, verbas no c o m e ç o d o s é c u l o XIX. P o r é m , as

testamentárias o u inventários registram tradições morais e culturais e r a m fatores

casos esporádicos de livros deixados preponderantes na escolha dos livros a

como herança, onde se declarava o serem introduzidos no espaço


doméstico. A transição do século,
conhecimento que o doador tinha do
contudo, foi marcada por novas
apreço manifestado pelo herdeiro e pela

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 83-104. jan/dez 1995 - pag 89


A C B

tendências e influências: textos em q u a n d o do f a l e c i m e n t o de s u a mulher.


alemão e inglês se t o r n a r a m mais Os títulos arrolados a p o n t a v a m para
habituais, além da p r o d u ç ã o de livros obras de interesse profissional do
baratos e c o m textos referentes a temas meeiro. Em móveis de escritório a
de fácil v u l g a r i z a ç ã o . avaliação foi de Rs. 6 1 3 $ 0 0 0 e em
livros, u m a ' e n o r m e q u a n t i d a d e ' , de Rs.
Qilberto freire tratou por muitas vezes
2 : 7 5 7 $ 5 0 0 , valor importante em um
da questão das preferências por
m o n t e l i q u i d o d e R s . 5 4 : 9 7 1 $ 4 4 6 . O dr.
determinadas leituras. Examinou
Rebouças era advogado aprovado pelo
questionários que enviou a pessoas
governo brasileiro perante a C o m i s s ã o
conhecidas, nos quais indagava sobre
mista entre Brasil e Inglaterra. 1 7

as o p ç õ e s d e l e i t u r a a o l o n g o d e s u a s
Primeiramente registrou-se de forma
vidas. Com outras abordagens,
genérica algumas obras:
Lawrence Mallewell, Brito Broca e
Antônio C â n d i d o trataram do t e m a , mas (...) C o l e ç õ e s de O r d e n a ç õ e s e seus

a especificidade das fontes exigirá repertórios, um deles de grande

outros tipos de a b o r d a g e m , a d a p t a d a s formato. Sistemas de Regimentos,

às n o s s a s condições, a partir dos C o l e ç õ e s de leis de e d i ç ã o portuguesa

estudos de Roger Chartier, Henry J e a n e das do Brasil, obras j u r í d i c a s em

Martin, Parent-Landeur, Michel Marion e língua portuguesa, latina e francesa,

Robert Darnton. 1 8 d i c i o n á r i o s de t o d a s as línguas cultas,

obras de p o l i t i c a , de c i ê n c i a s e de
Produzidos dentro de suas próprias
literatura e m g e r a l . "
casas e c o m o registro de seus bens
O r e g i s t r o foi u m d o s m a i s m i n u c i o s o s ,
mais pessoais, os documentos relativos
à vida e à morte desses homens nos definindo-se inclusive os locais das

deixaram importantes informações, estantes onde se encontravam os livros:

m e s m o que truncadas, de suas relações (...) 2 ' e s t a n t e a d i r e i t a


com o objeto livro. Muitas vezes os 134 - R e p e r t ó r i o g e r a l d a s l e i s
documentos localizados não dizem extravagantes - 2 vols. Rs.8$000
respeito diretamente ao profissional 135 - R e p e r t ó r i o g e r a l - 3 v o l s . Rs.9*000
n o m e a d o nas listagens do A l m a n a q u e 136 - L e g i s l a ç ã o b r a s i l e i r a - 4 v o l s .
Laemmert, mas a pessoas da família. Rs.4$000 » l

São inventários de e s p o s a s , filhos,


C o m rica e sólida mostra de exemplares
irmãos, cunhados que expõem com
vinculados a questões de
bastante detalhes a vida privada de
jurisprudência, a biblioteca tinha
todos os envolvidos.
numerosos livros de h i s t ó r i a , obras
O conselheiro Antônio Pereira Rebouças c o m p l e t a s de autores franceses, como
teve u m a d e s c r i ç ã o de s u a b i b l i o t e c a Molière, Corneille, Pascal,

pag.90. jan/dez 1995


R V O

Chateaubriand, Montesquieu, Mirabeau. dos Santos, responsável pelos cinco


Até o n ú m e r o 4 0 5 d a relação as obras herdeiros deste m é d i c o q u e tivera u m a
eram todas encadernadas, sendo o prática intensa durante o e x e r c í c i o d a
restante brochuras. Pelo perfil j u r í d i c o profissão. Ha avaliação de s e u s bens foi
apresentado e pelo conjunto d o s livros preponderante a presença de seus
pode-se avaliar que a biblioteca instrumentos de trabalho: esqueleto
pertencia a o c o n s e l h e i r o . Apesar de ter desarticulado, peças anatômicas,
deixado testamento e definido vários microscópio, fórceps, sanguessugas. 2 0

pequenos quinhões suplementares a Uma maciça quantidade de livros de


cada um de seus oito herdeiros, medicina, desde dicionários até tratados
inclusive a liberdade de u m a escrava, muito específicos, e dez volumes
d. Carolina n ã o se p r e o c u p o u em daquilo que o escrivão chamou
destinar a biblioteca, possivelmente por genericamente de 'biblioteca de
considerá-la c o m o b e m de seu esposo. algibeira'. Os livros estavam assim
distribuídos:
Acervo da biblioteca da família R e b o u ç a s
Acervo da biblioteca de Luiz
Teologia 10 l o t e s
Pientzenauer
Jurisprudência 2 2 3 lotes
Teologia 1 lote
Ciências e Artes 26 lotes
Jurisprudência
Belas letras 8 9 lotes
Ciências e Artes 2 2 2 lotes
História 8 2 lotes
Belas letras 3 6 lotes
Fonte: I n v e n t á r i o de Carolina Pinto R e b o u ç a s - A n
História 25 lotes
O doutor Luiz Pientzenauer formou-se
Fonte: I n v e n t á r i o de Luiz Pientzenauer - AM
pela Faculdade de Medicina d o Rio de
Janeiro, em 1 8 4 5 . Era membro da O dr. P i e n t z e n a u e r morreu deixando
Academia Imperial de Medicina, sendo seus filhos e m má situação financeira.
citado e m elogio biográfico proferido A penúria em que ficaram seus
p e l o dr. E d u a r d o Augusto Pereira de herdeiros apareceu ao longo do
Abreu, e m 3 0 de j u n h o de 1 8 8 0 , na inventário: estudaram pouquíssimo e
sessão de aniversário da Academia, não o seguiram nos estudos de
falecido nesse m e s m o ano, e m 2 3 de m e d i c i n a . Arthur, o filho mais v e l h o , foi
setembro, a o s 5 0 a n o s de idade, teve o tutor do irmão Oscar, a partir do
inventário aberto pela sua mãe, dona m o m e n t o e m q u e o último fez 15 anos.
Emilia Carolina Viana Pientzenauer, na Hão houve registro de suas atividades e
ausência de s u a mulher, n o entanto, o sobre Arthur mencionou-se ter
i n v e n t a r i a n t e f o i o dr. M a n u e l d e A r a ú j o trabalhado c o m o desenhista na Estrada

Acervo, Rk> de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 85-104, jan/dez 1995-pag 91


A C E

d e F e r r o P e d r o II. J ú l i a , a m a i s n o v a , a o olhos, obstetrícia, dissecação, higiene


fazer s e u p e d i d o d e e m a n c i p a ç ã o , p a r a nas m u l h e r e s nervosas, sífilis, cólera
ter o d i r e i t o d e r e c e b e r a d o a ç ã o d e morbo. Mas gostava de literatura,
apólice d a dívida pública, obtida por história e filosofia, pois entre o s livros
u m a s u b v e n ç ã o levantada entre alguns havia romances de J ú l i o Verne e Victor
comerciantes da Corte, dirigiu u m a Hugo, Alexandre Herculano, Ponson de
petição muito enfática ao Juizo dos Terrail (24 volumes do Rocambole), e
Órfãos: "É a suplicante pobre e sendo obras de Cantu e Pascal, além de atlas,
de pública notoriedade a sua dicionários, teses e jornais.
capacidade, pede dispensa de prová-la
A biblioteca foi leiloada, junto c o m
por t e s t e m u n h a s , o que acarretaria
objetos da casa, pelo leiloeiro João
despesas, incompatíveis com o seu
Bancalari, que apurou a importância
estado atual de fortuna". 21

l í q u i d a d e Rs. 2 : 2 7 5 $ 6 4 0 , r e c o l h i d a a o
O a c e r v o d o dr. P i e n t z e n a u e r confirma cofre d o s órfãos juntamente c o m Rs.
a hipótese de que a formação do médico 6 3 $ 5 8 , comissão do leiloeiro, que abriu
na época era abrangente. As obras mão e m favor d o s m e n o r e s . 2 2
O monte
arroladas passavam pelos mais declarado pelos avaliadores foi de Rs.
diversificados temas de medicina: um 10:347$235, do qual deduziram-se
g u i a de m e m ó r i a , m a n u a l d e f a r m á c i a , algumas despesas, restando Rs.
biologia, anatomia, cirurgia, doenças de 9:020$065. A administração deste

Biblioteca Nacional.

pag. 92, jan/dez 1995


V o

quinhão n á o foi suficiente para dar aos 196$000. Os temas das obras estavam
herdeiros conforto e recursos assim organizados:
suficientes no seu processo de
Acervo da biblioteca de
e d u c a ç ã o , n e m para manter entre eles
A n t ô n i o Correia de Souza C o s t a
uma biblioteca muito diversificada e rica
para o s p a d r õ e s e s t u d a d o s . Teologia

O c o n s e l h e i r o dr. A n t ô n i o C o r r e i a d e Jurisprudência
Souza C o s t a resolveu fazer testamento
Ciências e Artes 123 lotes
quando se d e u conta de 'quão precária
é a vida'. Era lente da Faculdade de Belas letras 6 lotes

Medicina da Corte. 2 4
Devido ao seu
História 4 lotes
cuidado teve t e m p o para definir tudo
não especificados 2 lotes
que julgou importante: instituiu sua
mulher, d o n a C a m i l a Barreto de Souza fonte: Inventário de Antônio Correia de Souza Costa - ATI

Costa, sua primeira testamenteira, e seu


A avaliação dos bens atingiu Rs.
cunhado o segundo, nomeou tutores
9 4 : 5 0 3 $ 4 0 5 . Na s u a c a s a , u m s o b r a d o
para o s s e t e f i l h o s , o q u e f o i p o s i t i v o ,
na rua das Marrecas n. 17, estava
pois acabou morrendo em 16 de
instalado s e u gabinete, onde os livros
fevereiro de 1884, deixando-os todos
eram guardados em estantes de
menores. T i n h a u m lastro c o n s i d e r á v e l vinhático. Todos os itens estavam
em bens: a p ó l i c e s e a ç õ e s , dinheiro e m cuidadosamente registrados no
conta-corrente no Banco Rural inventário. A biblioteca guardava
Hipotecário, imóveis, j ó i a s , ouro, prata, semelhanças c o m um espaço reservado
objetos preciosos como tinteiros e mais ao seu saber médico do que a u m
escrivaninhas de prata, móveis, livros local de lazer através d a leitura. Os
avulsos e u m a livraria contendo obras jardins das delícias, nestes casos
de m e d i c i n a e o u t r o s assuntos. 2 5
estudados, parecem se associar mais ao

Excetuando alguns dicionários - dois conhecimento científico do que a


leituras diletantes.
volumes do Moraes, dois de um
dicionário de português-francês, outro Apesar das dívidas, o inventário de
de p o r t u g u ê s - f r a n c ê s - l a t i m e u m lote d e Cândido Mendes de A l m e i d a deixa
diversas brochuras sem maiores entrever u m a fortuna considerável,
informações sobre títulos o u autores - talvez desperdiçada por maus negócios.
os d e m a i s l i v r o s e r a m s o b r e m e d i c i n a , Sua biblioteca não foi descrita quanto
inclusive história d a medicina, filosofia aos livros de outros autores, m a s c o m
da m e d i c i n a e d i c i o n á r i o s s o b r e h i g i e n e , as o b r a s d e a u t o r i a d o p r o p r i e t á r i o , e
e m u m t o t a l d e v o l u m e s a v a l i a d o e m Rs. parecia concentrar eventuais 'encalhes'

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n 1-2. p. 83-104. jan/dez 1995 - pag.93


!
A C E

de e d i ç õ e s d e s e u s l i v r o s . O n ú m e r o d e exceção dosjuros. Estas dificuldades


volumes indicados era de cinco mil refletiram-se na família, inclusive na
exemplares de obras diversas, avaliadas e d u c a ç ã o d o s herdeiros, q u e p a s s a r a m a
em dezessete contos de réis, sobretudo ter p r o b l e m a s f i n a n c e i r o s , r e c o r r e n d o a
de e x e m p l a r e s extras d e tiragens d e negócios c o m antigas o u novas e d i ç õ e s dos
t e x t o s , c o m o o d o Atlas do Império do livros d o p a i c o m a f i n a l i d a d e d e o b t e r
Brasil, d e Lições de um pai a um filho, recursos suficientes para suas despesas. E m
Direito mercantil e de Memórias do 1885, por exemplo, s e u filho C â n d i d o ,
Maranhão. O direito de contrato c o m m e n o r e p ú b e r e , a c a d ê m i c o d o quinto a n o
B.L. Q a r n i e r p a r a p u b l i c a ç ã o d e t o d o s d a Faculdade de Direito de Recife, solicitou
os Arestos d o S u p r e m o Tribunal foi autorização ao j u i z para vender a o livreiro
avaliado e m quatrocentos mil réis. 2 6
editor B. L. Qarnier "a c o m p r a d a 2 a . e d i ç ã o
Cândido Mendes de Almeida nasceu e m do Código Filipino e auxiliar jurídico,
v i l a d o B r e j o , n o M a r a n h ã o , n o d i a 16 anotado por aquele Finado pela quantia de
de o u t u b r o d e 1 8 1 8 , filho d o c a p i t ã o dois contos d e réis (Rs. 2 : 0 0 0 $ 0 0 0 ) paga
Fernando Mendes de Almeida e dona logo que for publicar a obra e i n c u m b i n d o -
Esmeria Alves de Almeida. Tornou-se se o m e s m o livreiro editor d e pagar a
bacharel e m direito pela Faculdade de i m p r e s s ã o d o papel e a e n c a d e r n a ç ã o e
Olinda e m 1 8 3 9 . Entre 1841 e 1842 foi brochura a s u a custa". O j u i z a u t o r i z o u . 20

promotor p ú b l i c o e m São Luís e obteve,


Seus credores tornaram-se presentes no
por concurso, a n o m e a ç ã o para o cargo
inventário. Cândido Qil Castelo, por
de professor de geografia e história n o
exemplo, pretendia receber
Liceu São Luís. Posteriormente,
determinada quantia emprestada ao
estabeleceu-se na Corte, onde exerceu
senador. Para tanto a p r e s e n t o u u m a
numerosos cargos, chegando a senador
'escritura de dívida e penhor', cuja
no a n o de 1 8 7 1. Jurisconsulto,
quarta cláusula dizia:
historiador, sócio d o IHQB, oficial d a
Ordem da Rosa, produziu numerosas que o outorgante para garantia desta
obras durante sua vida, algumas j á divida (doze contos de réis originais, à
citadas e m s e u i n v e n t á r i o . 2 7
é p o c a do p r o c e s s o nove c o n t o s e
Por ocasião de s u a morte, e m 1 8 8 1 , parecia cinqüenta e sete mil réis) dà em penhor
estar significativamente endividado, (...), a biblioteca tanto jurídica como
existindo no processo de inventário literária excedente os mil volumes e
numerosas cobranças à viúva e uma apólice de seguro de sua vida (...)
inventariante, sobretudo de livreiros e no valor de m i l e quinhentas libras
editores. A l g u n s c á l c u l o s registrados n o esterlinas da companhia inglesa The
inventário chegaram a u m total de Rs. Royal Insurance Company (...)."
5 7 : 0 0 0 $ 0 0 0 de dívidas d o casal, c o m
Portanto sua biblioteca pessoal j á estava

pag. 94, jan/dez 1995


V o

empenhada em vida. As dívidas Memórias do Maranhão e Direito civil


acumulavam-se e compromissos como eclesiástico brasileiro, além de
este e x p u s e r a m a integridade de s u a numerosos opúsculos que publicou em
biblioteca. s e u n o m e . D e v i a a H. L a e m m e r t , p o r
outras compras ali relacionadas, u m
Ma ocasião d a avaliação d o s bens. e m 3 d e
total de 1 7 4 $ 0 0 0 réis. 31

junho de 1 8 8 1 . os funcionários
encarregados d o s registros dirigiram-se à A correspondência de C â n d i d o Mendes
rua d o Catete para descrever seus bens n o caracterizou-se pela grande ênfase dada
domicílio e d e p o i s deslocaram-se para a rua por ele a questões relacionadas c o m a
Sete d e S e t e m b r o n. 6 2 para anotar o s bens doação de suas obras, consultas sobre
existentes n o escritório, náo sendo precisos catálogos das mais diversas instituições
quanto à especificação d o s livros que n ã o e s o b r e o fato d e t e r p r e d i l e ç ã o e s p e c i a l
fossem o s d e s u a autoria. por determinadas leituras. Sua
biblioteca, considerando-se a ênfase
E m 18 d e a g o s t o a L i v r a r i a L a e m m e r t
dada e m toda s u a vida aos livros, devia
a p r e s e n t o u a o j u i z d o s Ó r f ã o s d a 2 Vara
a

ser de uma riqueza significativa.


uma fatura, devida por Cândido Mendes
Mantinha correspondência c o m José
de A l m e i d a , o n d e s e i n c l u í a m d e s p e s a s
Carlos Rodrigues q u a n d o este morava
realizadas desde 14 d e s e t e m b r o d e
nos Estados Unidos da América:
1880 até j a n e i r o de 1881 c o m c r o m o s ,
discutiam custos de publicações de
livros d e h i s t ó r i a , p o e s i a s , folhinhas,
l i v r o s , c o m e n t a v a m a r t i g o s d o Jornal do
revistas, livros didáticos, textos diversos
Commercio e comparavam os
sobre legislação, que somou Rs.
problemas da escravidão no Brasil e na
186S000. 3 0

América. E m u m a carta ao visconde de


Os n e g ó c i o s c o m l i v r o s e r a m b a s t a n t e
O u r e m s o b r e a v e n d a g e m d o Atlas do
comuns e o inventário estava juncado
Brasil e publicações da Sociedade
de q u e s t õ e s q u e e n v o l v i a m e s t e t i p o d e
Geográfica de Londres, confessou-se
situação. Os direitos de publicação do maníaco por geografia. 3 2
Esta c o n d i ç ã o
inventariado c o m a livraria Qarnier, seus parecia ser comum a diversas
direitos autorais e cerca de m i l obras p e r s o n a l i d a d e s d a é p o c a e as v e n d a s d e
diversas que se encontravam l i v r o s d e v i a g e m c o m o o s Baedeker e
espalhadas, segundo o próprio original, os Quide Joanne atestavam um alto
nas b i b l i o t e c a s n a c i o n a l e F l u m i n e n s e . nível de interesse.
Preservavam direitos de propriedade das
s e g u i n t e s p u b l i c a ç õ e s : Atlas do Império Consultava seus amigos em viagens ao

do Brasil ( o r i g i n a l ) . Código Filipino (com exterior para obter indicações de livros

comentários pessoais e aumentado), e publicações, como parecia ser um

Direito mercantil e leis da marinha. hábito freqüente no grupo. Alguns se

Acervo. Rk> de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 83-104. jan/dez 1995 - pag 95


A C E

Foi extremamente m i n u c i o s o quanto à


distribuição de seus bens e m dinheiro,
jóias, mitra, peitoral, distintivos
p o n t i f i c a d o s , o cálice de seu uso e u m
grande missal. Seus sapatos, roupa
branca, crucifixo de marfim e
paramentos receberam destinaçáo
precisa, definindo uma série de
situações que parecia não querer deixar
pendentes, inclusive a forma de
sustento de u m a 'velhinha', sua tia, que
morava em Pernambuco.
E c o m o não p o d e r i a listar todas as s u a s
justificavam na correspondência obras no e s p a ç o do livro da verba
alegando que eram m a l servidos pelos testamentária, deixou-os repartidos por
livreiros locais. Foi u m a personalidade temática para c a d a u m q u e j u l g a v a m a i s
de convívio muito freqüente com c o m p a t í v e l c o m s u a utilização: "... o s livros
políticos, editores, juristas, destacando- de assentamentos militares para o tenente
se nos m e i o s p o l í t i c o - c u l t u r a i s que Jorge Gustavo T i n o c o da S i l v a ; os de
c o m p u n h a m o c í r c u l o de l e i t o r e s . " matérias eclesiásticas para o padre J o ã o

Manuel da Costa Honorato, cuidadoso c o m Martins Alves de Loreto; a C o l e ç ã o da

o destino d e s e u s livros, n ã o aguardou a O r d e m d o Dia d o E x é r c i t o para o c o r o n e l

d e c i s ã o d a posteridade para definir s e u s J o a q u i m Fernandes de Andrade e S i l v a ; os

caminhos. Preparou u m a verba testamentária de matéria de direito para o i r m ã o J o ã o . . . " ;

onde deixou clara a destinaçáo de todos os os d e literatura e ' o u t r o s ' d e v e r i a m s e r

seus bens. Era bacharel e m ciências jurídicas distribuídos entre o m e s m o i r m ã o J o ã o , o

formado por Recife, sacerdote e vigário da dr. Pilar T i n o c o e o i r m ã o J o s é . ria avaliação

igreja da Glória. Durante sua vida trabalhou os livros chegaram a Rs. 9 0 $ 0 0 0 , e n q u a n t o

c o m o professor, tornou-se sócio do Instituto que as outras heranças líquidas chegaram

Histórico e Geográfico Brasileiro, foi muito a Rs. 2 : 5 0 0 $ 0 0 0 , Rs. 1 0 : 0 0 0 $ 0 0 0 e Rs.

importante para o c o n f o r t o de feridos e 5 : 9 0 2 $ 7 3 3 c o m d i s t r i b u i ç õ e s específicas

desvalidos da Guerra do Paraguai, prestando e m i m p o r t â n c i a s que variavam de Rs.

serviços através de hospital que criou no 5 $ 0 0 0 a Rs. 5 0 0 $ 0 0 0 , salvo as heranças

Convento de Santo Antônio. Morreu e m 1891 mais significativas restritas aos i r m ã o s . 39

e s e u i r m ã o dr. J o ã o B a t i s t a d a C o s t a
O borráo do inventário e da partilha do
H o n o r a t o foi s e u t e s t a m e n t e i r o . Deixou
advogado dr. Luiz J o s é d e Carvalho Melo
n o m e a d o s 17 h e r d e i r o s e n t r e irmãos,
Matos, a m b o s de 1882, foram muito
sobrinhos, amigos e afilhados de batismo. 34

importantes para detalhar u m a b i b l i o t e c a

pag 96, jan/dez 1995


R V O

particular dos fins d o s é c u l o XIX. A v i ú v a e títulos e m português, 187 e m francês, 4 3


inventariante d. Mariana de Melo Souza e m inglês, 19 e m italiano, d o i s e m a l e m ã o ,
Menezes Matos foi a declarante d o s bens c i n c o e m e s p a n h o l , u m e m grego e sete
do c a s a l . O s i m ó v e i s , u m t e r r e n o e u m e m latim. Ho final da listagem os avaliadores
p r é d i o , e s t a v a m l o c a l i z a d o s na praia de registraram que o valor correspondente aos
Botafogo n. 156 e eram foreiros d o marquês livros era de Rs. 2 : 4 7 5 $ 2 0 0 , aí i n c l u í d o o
de O l i n d a a q u e m o s proprietários pagavam preço de u m cofre.
foro d e três m i l réis, p o r c a d a b r a ç a d e
Outro jurista c o m livros registrados e m
frente sobre a praia. Era u m prédio de ótima
inventário foi Carlos Frederico Taylor. 38

qualidade, c o m quatro salas, três alcovas,


Falecido em j u l h o de 1890 e tendo por
três quartos, c o m a parte superior e m telha
i n v e n t a r i a n t e o c o n s e l h e i r o dr. Eduardo
vã, mas precisando de alguns reparos,
de A n d r a d e Pinto, deixou testamento
sendo por isto avaliado em Rs.
legando sua fortuna para numerosos
40:000$000. 3 6

parentes e amigos, além de ex-escravos


O casal p o s s u í a t a m b é m sete escravos, e dependentes. Seu herdeiro universal
móveis e demais alfaias que era o filho ú n i c o , Carlos Taylor. Seus
compunham o conjunto de bens. bens estavam concentrados sobretudo
Específicos das instalações do gabinete em propriedades urbanas, algumas
eram: u m a s e c r e t á r i a de j a c a r a n d á , fazendas, carros (uma Victoria, um
outra de mogno, uma estante de pinho Phieton e um Tilbury), m ó v e i s , pratas,
e o c o n j u n t o de livros listados pelos j ó i a s e livros, esses últimos orçados no
avaliadores. O total era de 431 obras, inventário em Rs. 246$700. O
c o m l o t e s o r g a n i z a d o s p o r t e m a s , e às p a t r i m ô n i o inventariado c h e g o u a ser
vezes autores: a v a l i a d o e m Rs. 1 . 4 5 6 : 5 0 6 $ 5 0 0 . 3 9

Acervo da biblioteca de Foram listados no inventário quarenta itens

Luiz J o s é de Carvalho Melo Natos em livros, sendo mencionadas em


conjunto, s e m maiores referências, obras
Teologia 9 lotes
e m brochura localizadas e m c a s a situada
Jurisprudência 2 2 3 lotes na rua São J o s é n. 5 . P o r é m , a c a s a o n d e

Ciências e Artes foram localizados os livros n á o era utilizada


26 lotes
para moradia, pois a indicação de
Belas letras 96 lotes
residência era na rua Marquês de São
História 77 lotes Vicente n. 2 0 , e m u m a chácara que ficou
entre os legados d a v i ú v a .
Fonte: Inventário de L J. de Carvalho Melo Matos - Ali

A maioria das obras c o m p u n h a - s e d e títulos Ha d e s c r i ç ã o d a s o b r a s registravam-se

relativos a direito e j u r i s p r u d ê n c i a ( 5 1 , 7 % s o b r e t u d o livros pertinentes ao e x e r c í c i o

do total). 37
Q u a n t o aos i d i o m a s , havia 146 p r o f i s s i o n a l : 3 2 lotes d e o b r a s d e direito

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n* 1-2. p. 85-104, jan/dez 1995-pag97


A C E

c o m e r c i a l , civil e c ó d i g o s c r i m i n a i s ; d o i s Sacramento Blake um grande talento,


de revistas j u d i c i á r i a s ; c i n c o de o b r a s d e dedicou-se também à literatura. 4 1
Seu
literatura e história e, n o s itens 3 8 e 3 9 , i n v e n t á r i o f o i a b e r t o p e l o g e n r o e m 11
a informação 'oitenta e dois volumes de março de 1 8 9 2 . Na o c a s i ã o s e u s dois
diversos", a v a l i a d o s e m o i t e n t a e d o i s m i l filhos e herdeiros - Heloise Nabuco
réis, e 'cinqüenta e duas brochuras Leonardos e José Tomaz Nabuco de
diversas" e m q u i n h e n t o s réis c a d a u m a , Araújo - tinham respectivamente 25 e
totalizando vinte m i l réis. Esta n ã o d e v i a 26 anos e passaram a tarefa de
ser a b i b l i o t e c a particular c o m p l e t a d o dr. inventariante para Othon Leonardos
Taylor. T e n h o c o m o p r o v á v e l q u e f o s s e Júnior, marido de H e l o i s e . 4 2

um acervo utilizado para consultas


O dr. Sizenando faleceu s e m testamento e
profissionais, pela sua pequena dimensão
residia à é p o c a e m u m quarto na ladeira da
e por n ã o estar l o c a l i z a d a e m s e u i m ó v e l
Glória n. 2 6 . A relação d o s m ó v e i s , livros e
residencial. No entanto, este pequeno
o u t r o s o b j e t o s neste e n d e r e ç o e no s e u
a c e r v o foi d e s t i n a d o à v i ú v a , c o n f o r m e
escritório na rua Sete de Setembro
ficou caracterizado na partilha.
caracterizou b e m as d i f e r e n ç a s que

(...) O inventariante, devidamente c o m e ç a v a m a definir-se no final d o s é c u l o ,

autorizado pagou a d. Paulina Luiza e m relação aos p a d r õ e s de v i d a urbanos

Croix Taylor, viúva do inventariado, o no Rio d e Janeiro.

seu dote na importância de Rs. No quarto da ladeira da G l ó r i a os objetos e


5 0 : 0 0 0 $ 0 0 0 , fazendo-se pagamento móveis n ã o diferiam d o s de seus colegas
pela m a n e i r a seguinte: Rs. 6 : 3 1 7 $ 7 0 0 de profissão: u m armário para livros, u m
e m bens a saber, carros na rua Marquês outro c o m gavetas para papéis, uma
d e S . V i c e n t e n. 2 0 , a n i m a i s e a r r e i o s escrivaninha, u m lote de folhetos diversos
na m e s m a rua e n ú m e r o , m ó v e i s e e 3 7 volumes de obras não discriminadas.
l i v r o s (grifo m e u ) n a r u a S. J o s é n. 5 , Na r e l a ç ã o d o s m ó v e i s , l i v r o s e o u t r o s
móveis, animais, liteira... 4 0
objetos que existiam e m s e u escritório na
rua Sete de Setembro n. 8 3 o ambiente era
S i z e n a n d o Barreto N a b u c o de A r a ú j o era
mais requintado e m o d e r n o , além de
filho do conselheiro J o s é Tomaz Nabuco
abrigar a m a i o r parte d e s u a b i b l i o t e c a
de A r a ú j o . N a s c e u e m Pernambuco,
c o m p o s t a de 4 5 1 v o l u m e s de obras
graduou-se e m direito por São Paulo,
diversas, c o m m a p a s , folhetos, litografias,
vindo depois para o Rio de J a n e i r o o n d e
gravura, a l é m d o m o b i l i á r i o , q u e i n c l u í a
exerceu suas tarefas profissionais c o m o
b i o m b o , armários para a guarda de livros,
advogado e promotor público. Poi
geladeira, m e s a de escritório, cadeiras,
deputado à Assembléia da província do
relógio de p a r e d e . 43

Rio e à Assembléia Qeral por


Pernambuco. Considerado por Os bens descritos foram levados a

pag 98. Jan/dez 1995


R V O

leilão, pois os credores deveriam ser t e n d ê n c i a . Desde a criação d a E s c o l a de


ressarcidos e para tal os herdeiros Medicina d o Rio d e J a n e i r o , e m 1 8 0 8 , q u e
abriram mão da herança. O leiloeiro se c h a m o u inicialmente Escola A n a t ô m i c a ,
Afonso A. Munes arrecadou o produto Cirúrgica e Médica do Rio de Janeiro,
líquido de Rs. 2 : 6 1 0 $ 0 5 0 , de onde denominando-se d e p o i s , e m 1 d e abril d e
s

foram deduzidas as despesas do 1 8 1 3 , A c a d e m i a Médico-Cirúrgica d o Rio d e


inventariante, ficando u m saldo de Rs. Janeiro, a presença de estudantes e
702$610 à disposição dos credores. 4 4
m é d i c o s fez c r e s c e r a n e c e s s i d a d e d e
Somente nos itens que foram vendidos publicações pertinentes n a cidade, n o s e u
em leilão e registrados no inventário, estudo da medicina brasileira, Licurgo
pudemos obter uma indicação mais S a n t o s Filho e n f a t i z o u a i m p o r t â n c i a d a
precisa dos livros que possuía, tais e s c o l a francesa n a formação d o s m é d i c o s ,
c o m o mapas da província de São Paulo, seja por estudos n a França, pelo c o n s u m o
do Brasil, c i n c o lotes de folhetos, sete de material m é d i c o c o m e s s a o r i g e m o u
volumes de códigos criminais italianos, pela tendência predominante d a língua
n o v e v o l u m e s d e d i r e i t o c r i m i n a l , 14 francesa n a bibliografia utilizada, tanto n a
volumes do Código Felício dos Santos, biblioteca d o s cursos d e m e d i c i n a quanto
dez volumes de Ação Pública e Servil, na incidência d e ofertas d e p u b l i c a ç õ e s .
108 v o l u m e s de l e g i s l a ç ã o b r a s i l e i r a ,
A enumeração ora feita dos
entre outros.
pesquisadores médicos franceses, b e m

O dr. S i z e n a n d o era s ó c i o d o dr. C â n d i d o mais numerosos d o que o s ingleses e

Mendes de Almeida e m u m negócio de alemães, patenteia o nível cultural

abastecimento d e carnes verdes q u e havia atingido pela França no século XIX.

falido. Pelo p r o c e s s o d e i n v e n t á r i o ficou Paris e r a e n t ã o a c a p i t a l m u n d i a l d a

clara a urgência na arrecadação para cultura. Pois lá se f o r m a r a m o u se

ressarcir o s credores. A quantia arrecadada aperfeiçoaram muitos médicos

no leilão ficava muito a q u é m d a s dívidas brasileiros. E foi decisiva a influência

d o inventariado (Rs. 3 : 4 1 0 $ 162), m e s m o gaulesa no ensino médico-cirúrgico. no

tendo seus herdeiros aberto mào da Brasil, que se exerceu através do

herança. Seus bens, reunidos c o m os material escolar, dos livros, dos

recursos obtidos na venda de sua métodos, dos regulamentos, dos

biblioteca, não foram suficientes para cobrir programas, das leituras. 4 5

as dívidas q u e tinha feito durante a vida.


Em 1884, Carlos Antônio de Paula
Alguns profissionais passaram eles m e s m o s Costa, bibliotecário da Faculdade de
a organizar f o r m a s d e facilitar a divulgação Medicina do Rio de Janeiro, preparou a
de o b r a s entre s e u s c o n f r a d e s . Entre o s Exposição Médica Brasileira e organizou
m é d i c o s era c a d a vez mais acentuada esta seu catálogo, onde descriminou 8.079

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 83-104. jan/dez 1995 - pag,99


A C E

títulos nacionais e estrangeiros, os acervos de m é d i c o s e a d v o g a d o s n ã o


lançando em seguida uma nova são muito numerosos, fias unidos a
publicação. Movimento científico outras fontes, dentro do universo
médico brasileiro: anuário médico pesquisado, é provável que esta
brasileiro, q u e foi d i v u l g a d a d e 1 8 8 6 até tendência representasse uma corrente
1892. As indicações bibliográficas predominante, ou pelo menos fosse
chegaram a atingir nove m i l títulos, representativa das transformações que
sendo a maioria das referências o c o r r e r a m nas relações entre h o m e n s e
extraídas de o b r a s f r a n c e s a s . 4 6
livros na passagem do s é c u l o . Os livros
O mais destacado exemplo de uma que se perpetuaram através dos
biblioteca médica é a de Luís registros dos inventários privilegiavam
Pientzenauer. Esta hipótese foi a necessidade de ampliação dos
reforçada consultando a obra de Qiffoni. c o n h e c i m e n t o s profissionais, tanto no
Mo a r r o l a m e n t o que fez sobre os caso dos advogados, que tinham
m é d i c o s e a p r o d u ç ã o de teses e outros preferencialmente livros de direito,
textos, percebe-se o interesse entre os quanto no dos médicos, que ostentavam
estudiosos de m e d i c i n a por obras de obras quase que exclusivamente
cunho literário ou histórico. A p a r e c e m pertencentes ao c a m p o da m e d i c i n a ,
muito mais epígrafes inspiradas em completadas por literatura.
poemas e romances do que outra
Advogados e médicos tornaram-se, cada
citação cientifica da área. Gilberto
vez mais, clientes potenciais para
F r e i r e , e m s u a o b r a Ordem e progresso,
livreiros e bibliófilos, tendência
enfatiza a formação humanista desses
compulsada em catálogos e anúncios
indivíduos, que usavam pseudônimos
q u e p r i v i l e g i a v a m os t e m a s d e i n t e r e s s e
de f r a n c e s e s o u i n g l e s e s i l u s t r e s à g u i s a
profissional. A história do livro, das
de h o m e n a g e n s o u por r e c o n h e c e r neles
bibliotecas e das relações culturais no
"perfeita e idêntica c o m u n h ã o c o m as
Brasil, na transição d o s é c u l o XIX para
n o s s a s o p i n i õ e s , c a s a d o s c o m as n o s s a s
o XX, ainda necessita de estudos que
idéias". 4 7
T a m b é m na o b r a de Licurgo
aprofundem melhor o conhecimento
Santos está enfatizada essa tendência,
s o b r e os l e i t o r e s e s u a s l e i t u r a s , p o r q u e
que abrange "letras poéticas,
as bibliotecas particulares p r e c i s a m d a
romanescas e históricas". 4 8

diligência dos historiadores, que


Os inventários que registraram a deveriam cuidar delas c o m o verdadeiros
existência destes livros e revistas dentre jardins das delícias.

pag, 100, Jan/dez 1995


R V O

N O T A S
1. R O C H E , D a n i e l . " L u m i è r e s " . In: FIQU1ER, R i c h a r d (dir.). La Bibliothèque. Paris:
Autrement, (1992) pp. 9 2 - 9 4 .

2. I d e m , i b i d e m , p. 9 4 .

3. Ver N A D A U D , A l a i n . " L e J a r d i n P r i v e " . In: FIGUIER, R i c h a r d , o p . c i t . , p p . 2 0 7 - 2 1 2 .

4. A R Q U I V O NACIONAL. Rio de J a n e i r o . Seção de D o c u m e n t o s Privados e I n v e n t á r i o s ,


Testamentos, Verbas Testamentárias.

5. B A R M A N , R o d e r i c k J e a n . "A f o r m a ç ã o d o s g r u p o s d i r i g e n t e s p o l í t i c o s d o S e g u n d o
Reinado: a aplicação da prosopografia e dos m é t o d o s quantitativos à história do
B r a s i l I m p e r i a l * . In: RltlQB. Anais do Congresso do Segundo Reinado. Rio de
Janeiro, 2:61-86,1984.

6. Ver, p o r e x e m p l o , o s s e g u i n t e s i n v e n t á r i o s n o A r q u i v o Macional: José Tomás


N a b u c o de A r a ú j o , cx. 4 . 1 7 4 , n s
2 . 1 0 8 , 1 8 5 0 ; Carlos Ferreira França, cx. 106, n 9

8 4 5 , 1 8 6 8 e F r a n c i s c o de Carvalho Figueira de Melo, cx. 7 . 0 5 7 , m a ç o 3 7 3 , n fi

3.364, 1875.

7. S A N T O S F I L H O , L i c u r g o d e C a s t r o . História geral da medicina brasileira. São Paulo:


Hucitec/Ed. d a Universidade de Sào Paulo, 1 9 9 1 , 2 v o l s . ; B A R M A N , R o d e r i c k J e a n .
"The r o l e o f t h e law g r a d u a t e in t h e p o l i t i c a l e l i t e o f I m p e r i a l B r a z i l " . In: Journal
of interamerican studies and world affairs. 1 8 ( 4 ) : 4 2 3 - 4 5 0 , nov. 1 9 7 6 ; C A R V A L H O ,
J o s é Murilo de. A construção da ordem: a elite política i m p e r i a l . Brasília: Ed
Universidade de Brasília, 1 9 8 1 .

8. INSTITUTO BRASILEIRO DE G E O G R A F I A E E S T A T Í S T I C A . Séries estatísticas


retrospectivas. S e p a r a t a d o A n u á r i o e s t a t í s t i c o d o B r a s i l , a n o V, 1 9 3 9 / 4 0 . E d . fac-
similar, 1 9 4 1 . Rio de J a n e i r o : IBGE, 1986 (Repertório estatístico do Brasil. Q u a d r o s
retrospectivos, 1).

9. Cf. N E E D E L L , J e f f r e y D. Belle époque tropical: s o c i e d a d e e cultura de elite no


Rio de J a n e i r o da virada do s é c u l o . São Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 1 9 9 3 .

10. F R E I R E , G i l b e r t o . Ordem e progresso. Rio de Janeiro/Brasília: J . Olímpio/INL. 1 9 7 4 ,


2 v o l s . D o m e s m o a u t o r , ver Um engenheiro francês no Brasil. Rio de J a n e i r o : J .
Olímpio, 1960, 2vols.

11. Idem, i b i d e m .

12. A R Q U I V O N A C I O N A L . I n v e n t á r i o s d e L u i z P i e n t z e n a u e r , c x . 4 . 2 8 6 , n s
5 5 1 , 1880.
Luiz J o s é de Carvalho Melo Matos, maço 4 9 0 , n 9 . 5 5 0 , 1882 e também do m e s m o
8

b o r r ã o de partilha, m a ç o 1 9 7 , cx. 6 . 8 8 0 , n 9
3 . 8 6 0 , 1 8 8 5 . S e ç ã o de D o c u m e n t o s

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* l -2. p. 85-104. jan/dei 1995 - pag 101


A C E

Privados. A n t ô n i o Ferreira Viana, c ó d . 0 2 , cx. 1 5 , C P 10, does. 0 7 e 0 8 , 1 8 9 1 .

13. N E E D E L L , J e f f r e y D, o p . c i t . , p p . 1 2 7 - 1 4 2 ; B E L L O , J o s é M a r i a . Memórias. Rio de


Janeiro: J . Olímpio, 1958, pp. 35-39.

14. Ver N E V E S , L ú c i a M a r i a B a s t o s P e r e i r a d a s e FERREIRA, T â n i a M a r i a T a v a r e s B e s s o n e


da Cruz. 'O m e d o dos ' a b o m i n á v e i s princípios franceses': a censura d o s livros no
i n í c i o d o s é c u l o X I X n o B r a s i l " . In: Acervo. Revista do Arquivo Nacional. Rio de
J a n e i r o : v . 4 , n. 1, j a n . / j u n . 1 9 8 9 , pp. 1 1 3 - 1 2 0 . Das m e s m a s autoras, "Livreiros
f r a n c e s e s n o R i o d e J a n e i r o : 1 8 0 8 - 1 8 2 3 " . In: História hoje: balanço e perspectivas.
IV E n c o n t r o R e g i o n a l d a A N P U I i - R J , 1 6 / 1 9 o u t . 1 9 9 0 . R i o d e J a n e i r o : T a u r u s T i m b r e ,
pp. 190-202.

1 5 . C H A R T I E R , R o g e r e R O C H E , D a n i e l . "Le l i v r e : u n c h a n g e m e n t d e p e r s p e c t i v e " . In:


L E Q O F F , J a c q u e s e N O R A , P i e r r e (dir.). Faire de 1'histoire: nouveaux objects.
Paris: Q a l l i m a r d , 1 9 7 4 , p p . 1 1 5 - 1 3 6 .

16. C H A R T I E R , R o g e r (dir.). Pratique de la lecture. Paris: Rivages, 1 9 8 5 ; R O C H E , D a n i e l .


Le peuple de Paris. E s s a i s u r l a c u l t u r e p o p u l a i r e a u XVIIIe s i è c l e . P a r i s : A u b i n
Montaigne, 1 9 8 1 ; DARNTON, Robert. O lado oculto da Revolução. Mesmer e o
final do Iluminismo na França. S ã o Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 1 9 8 6 ; MARION,
M i c h e l . Recherches sur les bibliothèques privées à Paris au millieu du XVIIIe siècle
(1750-1759). Paris: B i b l i o t h è q u e Nationale, 1 9 7 8 ; PARENT-LANDEUR, Françoise.
Les cabinets de lecture: l a l e c t u r e p u b l i q u e à Paris s o u s l a R e s t a u r a t i o n . P a r i s :
Pillot, 1 9 8 2 .

17. A R Q U I V O N A C I O N A L . Inventário. D. C a r o l i n a P i n t o R e b o u ç a s , e s p o s a d o
c o n s e l h e i r o A n d r é P e r e i r a R e b o u ç a s . C a i x a 4 . 0 2 9 , n. 6 9 3 , 1 8 6 5 .

18. I d e m , i b i d e m , f l . 14.

19. Idem, i b i d e m , fls. 14-15.

2 0 . A R Q U I V O N A C I O N A L . I n v e n t á r i o . L u i z P i e n t z e n a u e r . C a i x a 4 . 2 8 6 , n. 5 5 1 , 1 8 8 0 ,
ns. 24-29.

2 1 . A R Q U I V O N A C I O N A L . I n v e n t á r i o . L u i z P i e n t z e n a u e r . C a i x a 4 . 2 8 6 , n. 5 5 1 , 1 8 8 0 ,
anexo fl. 2.

2 2 . 0 l i v r o d e P o n s o n d e T e r r a i l , O Rocambole, aparecia c o m freqüência nos anúncios


do Jornal do Commercio e parece ter sido muito a p r e c i a d o . O c o n j u n t o de
aventuras chegou a formar vários volumes, alguns deles incluídos na biblioteca
d o dr. L u i z P i e n t z e n a u e r . A r q u i v o N a c i o n a l . I n v e n t á r i o . L u i z P i e n t z e n a u e r . C a i x a
4 . 2 8 6 , n. 5 5 1 , 1 8 8 0 , a n e x o f l . 2 .

pag. 102. jan/dez 1995


R V O

2 3 . A R Q U I V O N A C I O N A L . I n v e n t á r i o . L u i z P i e n t z e n a u e r . C a i x a 4 . 2 8 6 , n. 5 5 1 , 1 8 8 0 ,
fls. 5 5 - 5 7 .

24. ARQUIVO NACIONAL. Inventário/Testamento. Antônio Correia de Souza Costa.


C a i x a 4 . 0 0 7 , n. 2 9 4 , 1 8 9 7 , f l . 3 .

25. Idem, i b i d e m , fls. 3 7 - 4 4 .

26. ARQUIVO NACIONAL. Inventário. C â n d i d o Mendes de A l m e i d a . Caixa 2 1 9 , 1 8 8 1 .

27. ARQUIVO NACIONAL. Inventário. C â n d i d o Mendes de A l m e i d a . Caixa 2 1 9 , 1 8 8 1 ,

fls. 125-129.

28. Idem, ibidem.

29. ARQUIVO NACIONAL. Inventário. C â n d i d o Mendes de A l m e i d a . Caixa 2 1 9 , 1 8 8 1 ,


anexo 2.

30. Idem, ibidem.

31. Idem, ibidem.

3 2 . INSTITUTO H I S T Ó R I C O E G E O G R Á F I C O B R A S I L E I R O . C o l . O u r e m . L. 1 4 7 , d o e . 1 7 .
C o l . A . H. L e a l . L. 4 6 6 , f. 4 8 ; B N - S M s s I - 3 , 1 , 8 ; I - 3 , 1 , 9 ; I - 3 , 1 , 1 0 ; I - 3 , 1 , 1 1; I -
3,1,12.

33. BN-SMss 1 - 3 , 1 , 1 3 , 1 - 3 , 1 , 1 4 .

3 4 . ARQUIVO NACIONAL. Verba testamentária. Manuel d a Costa Honorato. Livro 5 8 ,


n 8
1 2 9 , g a l e r i a B, 1 8 9 1 , n. 3 8 . D i v i s ã o d o s b e n s .

35. Idem, ibidem.

36. ARQUIVO NACIONAL. Inventário. Luiz J o s é de Carvalho Melo Matos. Maço 4 9 0 , n 9

9 . 5 5 0 , 1 8 8 2 , tts. 1 - 3 ; B o r r à o d e P a r t i l h a . M a ç o 1 9 7 , c a i x a 6 . 8 8 0 , n. 3 . 8 6 0 , 1 8 8 5 ;
B o r r à o d e P a r t i l h a . L u i z J o s é d e C a r v a l h o M e l o M a t o s . M a ç o 1 9 7 , c a i x a 6 . 8 8 0 , n.
3.860, 1885.

37. ARQUIVO NACIONAL. Borrào de Partilha. Luiz J o s é de Carvalho Melo Matos. Maço
1 9 7 , c a i x a 6 . 8 8 0 , n. 3 . 8 6 0 , 1 8 8 5 , f l s . 1 5 - 1 6 . A r q u i v o N a c i o n a l .

3 8 . A R Q U I V O N A C I O N A L . I n v e n t á r i o . C a r l o s F r e d e r i c o Taylor. C a i x a 1 0 5 , n. 8 4 0 , g a l e r i a

A , 1 8 9 0 , 2 v.

39. Idem, ibidem.

4 0 . I d e m , i b i d e m , ns. 3 6 7 e 3 6 8 .

41.ARQUIVO NACIONAL. Inventário. Sizenando Barreto Nabuco de Araújo. Caixa

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n« I -2, p. 83-104, jan/dez 1995 - pag. 105


4 . 1 1 9 , n. 1 . 0 5 1 , g a l e r i a A , 1 8 9 2 .

4 2 . I d e m , i b i d e m , f l s . 10 e 1 1 .

4 3 . Idem, ibidem.

44. Idem, ibidem.

4 5 . S A N T O S F I L H O , L i c u r g o d e C a s t r o , o p . c i t . , v . 2 , p. 1 2 .

4 6 . F R E I R E , G i l b e r t o , o p . c i t . , v. 1, p. LXIV.

47. Idem, ibidem.

4 8 . S A N T O S F I L H O , L i c u r g o d e C a s t r o , o p . c i t . , v. 2 , p. 1 2 .

A B S T R A C T
A s e l s e w h e r e , i n v e n t o r i e s are a n i m p o r t a n t s o u r c e for the s t u d y o f p r i v a t e l i b r a r i e s of
p h y s i c i a n s a n d l a w y e r s f r o m R i o d e J a n e i r o , at t h e t u r n o f t h e 1 9 t o t h e 2 0
t h t h
Century.
T h e i r w i d e - r a n g i n g c o n t e n t s w i t n e s s t h e i r i m p o r t a n c e for t h e city c u l t u r a l l i f e . O n t h e
o t h e r h a n d , t h e c a r e t h e i r o w n e r s b e s t o w e d t h e m s h o w s that t h i s l i b r a r i e s h a d b e e n
c o n v e r t e d for t h e m i n t o a k i n d of Garden of Eden.

R É S U M É
A Rio de J a n e i r o , c o m m e d'ailleurs, les inventaires constituent une d e plus importantes
sources pour 1'étude des bibliotèques privées de quelques catégories socio-professionnelles,
c o m m e les médicins et les avocats, au tournant de X X e
siècle. Q u e l q u e s - u n e s étaient três
riches et diversifiées, ce q u é t a l a i t leur importance pour leurs propriétaires et pour Ia vie
culturelle de 1'époque. Le traitement soigné et sophistiqué dont elles étaient 1'objet e n
faisait de quelque sorte des Jardins des Délices.

pag. 104. jan/dez 1995


Lorelai Brilhante Kury
Doutora e m História pela Ecole des Hautes Etudes
en Sciences Sociales (Paris).
Oswaldo Munteal Filho
Historiador do Setor de Pesquisa do Arquivo Nacional. Doutorando e m
História Social - IFCS/UERJ.

Cultura científica e
sociaLilidade
i n t e l e c t u a l no B r a s i l
setecentistao
u m es
o acerca cia oociecLacLe
Literária
«do R i o (fie Janeiro
CLAVRA:
POEMAS ERÓTICOS.
V e m , ó rlinfa, ao Cajueiro. dependência econômica e
Que no oiteiro d e s p r e z a m o s ; intelectual com relação a
Que e m seus ramos tortuosos potências internacionais.
axcnrao uiMiiifo
A m o r o s o s frutos d á .
v Nossa proposta é desenvolver
(O cajueiro do amor. d e t l l l Q A
alguns temas que poderão ser
Manuel Inácio da Silva
úteis para a c o m p r e e n s ã o do
Alvarenga)
lugar ocupado pela ciência na cultura

O'
s estudos que têm por objeto letrada brasileira no final do século
a cultura científica, os XVIII. Parte d a h i s t o r i o g r a f i a referente a
espaços de sociabilidade esse tema tende a acentuar a
intelectual no Brasil e a recepção de 'defasagem' existente entre os projetos
leituras de caráter especulativo ainda idealizados pelos reformistas ilustrados
são relativamente escassos. Em geral, l u s o - b r a s i l e i r o s e a efetiva c o n c r e t i z a ç ã o
se dá ênfase ao 'atraso' do destes projetos. Este hipotético
desenvolvimento científico e da cultura d e s c o m p a s s o entre p e n s a m e n t o e a ç ã o
letrada brasileira, buscando-se suas explicaria, de certo m o d o , o atraso' do
c a u s a s n a a t u a ç ã o ' r e t r ó g r a d a ' d a Igreja Brasil e de Portugal relativamente à
- dos jesuítas e m particular -, ou na Europa e à América do Norte.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n° 1-2, p. 103-122. jan/dez 199S - pag. 105


A C E

c o n s i d e r a r e n t r e t a n t o q u e as d i s c u s s õ e s marcarão fortemente o conjunto da


e as idéias científicas não são apenas cultura brasileira desde esta época e
um campo de preparação d a aplicação durante todo o século XIX. A
prática de teorias. O s espaços de socia- historiadora da Ilustração brasileira
bilidade intelectual, constituídos pelas Maria Odila Leite d a Silva Dias c o n s i d e r a
academias, museus de história natural, que o estudo deste movimento
sociedades científicas e literárias e as intelectual e prático de c o n h e c i m e n t o
demais agremiações congêneres, da natureza brasileira "oferece um
formam por si mesmos u m campo de interesse mais específico para o estudo
dinamismo e transformação científica e das origens de u m a cultura brasileira,
cultural, independentemente da eficácia do que a análise das primeiras
técnica proporcionada pela utilização d a manifestações revolucionárias e
ciência. republicanas da Colônia..." 1

Mo B r a s i l , p o d e - s e r e g i s t r a r a p r e s e n ç a
A partir deste tipo de c o n s i d e r a ç ã o ,
destes pólos de atração e difusão
importa-nos aqui fazer n ã o u m estudo
cultural desde os anos vinte d o século
d e ' h i s t ó r i a d a c i ê n c i a ' strícto sensu,
XVIII. A S o c i e d a d e L i t e r á r i a d o R i o d e
mas investigar a cultura luso-brasileira,
Janeiro constitui um exemplo de
entendendo que a concepção de ciência
instituição letrada particularmente
veiculada pela Sociedade Literária do
significativo por causa da maneira pela
Rio de J a n e i r o faz parte d a política
qual seus membros concebem a
pombalina de reformas efetivadas a
natureza brasileira. A Sociedade
partir d a d é c a d a de 1 7 5 0 e d e f e n d i d a s
Literária é uma das primeiras
por um determinado grupo de
instituições d a C o l ô n i a q u e integra e m
intelectuais 'ilustrados'. 2

seu programa a necessidade de


descrever os produtos naturais O Absolutismo Ilustrado 3
vai tentar o
brasileiros c o m base nos métodos difícil equilíbrio entre u m a monarquia
f o r n e c i d o s p e l a h i s t ó r i a n a t u r a l e a partir que sustentava setores improdutivos,
de objetivos p r a g m á t i c o s q u e v i s a v a m ligados à antiga estrutura agrária e de
a utilização imediata destes produtos. Corte, e o pensamento iluminista de 4

D e s d e o f i n a l d o s é c u l o XVIII e s t e t i p o base anticlerical e potencialmente


de a p r e e n s ã o científica do mundo c r i t i c o c o m r e l a ç ã o às e s t r u t u r a s d e
natural começa a fazer parte das poder do Antigo Regime. A
atividades desenvolvidas normalmente especificidade da Ilustração portuguesa
pela administração do Estado
reside, entre outros fatores, n a a d o ç ã o
português. A pesquisa e a exploração
de uma concepção pragmática de
das riquezas naturais brasileiras s o b
utilização das 'artes', aliada a um
este novo m o d e l o de c o n h e c i m e n t o
sentimento de decadência do Reino. A 5

pag. 106. jan/dez 1995


V o

' d e c a d ê n c i a ' p o r t u g u e s a j á s e f a z i a notar quase divina, produtora de valores,


na E u r o p a , e m e s m o m u i t o s ' f i l ó s o f o s ' onde cabia ao h o m e m tirar proveito
reconheciam a total d e p e n d ê n c i a de dela, por meio da agricultura e c o m o
Portugal c o m relação à Inglaterra. A auxilio da história natural. Um dos
pequenez do território português e d a principais representantes deste tipo de
sua p o p u l a ç ã o pareciam incapacitar o concepção foi Domenico Vandelli, que
Reino para o b o m aproveitamento das adota o "ecletismo reformista" 7
pelo
riquezas de suas conquistas. O abade qual se posiciona e m favor de algumas
Raynal, por e x e m p l o , e m s u a famosa idéias antimercantilistas, adotando
obra História filosófica e política dos tanto o s princípios fisiocráticos italianos
estabelecimentos e do comércio dos e franceses quanto algumas noções de
europeus nas duas índias, escreve que Adam Smith. Somente a agricultura
"desde que a Grã-Bretanha o condenou apresentaria caráter produtivo e,
(a P o r t u g a l ) à inação, tombou numa segundo os fisiocratas lusos, era
barbárie quase inacreditável..."* fundamental a p r o t e ç ã o às atividades
econômicas. E m primeiro lugar devia-se
Os p r ó p r i o s i l u s t r a d o s l u s o s s e n t i a m a
proteger a atividade agrícola, em
necessidade de transformações
segundo a comercial, e em último a
imediatas da economia, vendo no
industrial. Nas palavras de Vandelli:
desenvolvimento da 'indústria'
"Mão s e d a n d o p r e f e r ê n c i a à a g r i c u l t u r a
(compreendida como atividade
sobre as fábricas, terminarão por se
empreendedora e m geral, e nào no
arruinar a m b a s as a t i v i d a d e s " . 8
Meste
sentido atual d a palavra) a tábua de
sentido, a ilustração portuguesa vai
s a l v a ç ã o d o R e i n o . Daí a i m p o r t â n c i a
incorporar diversos aspectos da
dada à agricultura. Era fundamental a
fisiocracia, na busca de u m governo
pesquisa de novas técnicas para
regulado pelas leis d a natureza.
promover u m a maior produtividade das
culturas, b e m c o m o todo u m trabalho As concepções de riqueza e natureza
de a c l i m a t a ç ã o d e n o v a s p l a n t a s q u e dos 'ilustrados' luso-brasileiros
tivessem alguma utilidade 'para o contribuem para a valorização da
comércio e para as artes', c o m o se dizia história natural, ciência q u e permitiria
na é p o c a . É n e c e s s á r i o frisar a q u i a descrever as " p r o d u ç õ e s " dos "três
importância que v ã o assumir as ciências reinos da natureza", nomeá-las e, mais
da n a t u r e z a como possibilitadoras ainda, conhecer seus usos e
destes 'progressos'. propriedades, assim como saber
extingui-las o u multiplicá-las. 9

A concepção de 'riqueza' para os


ilustrados portugueses vai se basear na A p r o d u ç ã o i n t e l e c t u a l d o s é c u l o XVIII
noção da natureza encarada de forma em Portugal é rica em autores q u e

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n'-' 1-2. p. 105-122. jan/dez 1995 - pag 107
A C E

defendem u m a vertente pragmática d o felicidade h u m a n a . 14

Iluminismo. 1 0
Escolhemos aqui as Assim é possível afirmar que o
afirmações de D o m e n i c o Vandelli" movimento ilustrado português se
como exemplares para a compreensão caracterizou pelo uso pragmático das
das relações que estes ilustrados ciências. Este uso representou um
estabeleciam entre o progresso do Reino esforço decisivo das autoridades e dos
e o desenvolvimento da história natural. grupos ilustrados luso-brasileiros no
Este n a t u r a l i s t a i t a l i a n o , D o m e n i c o p o r sentido da adequação do conhecimento
nascimento, fora convidado por a c u m u l a d o às n e c e s s i d a d e s de uma
Pombal 1 2
para lecionar inicialmente no retomada da exploração colonial, de
Colégio Real dos nobres de Lisboa e uma redefinição, podemos dizer, do
depois na Universidade de C o i m b r a , 'exclusivo' metropolitano. Importava
onde foi lente de química e história agora, investir num outro ramo que
natural. Vandelli era ainda diretor do redundasse na acumulação das
Real J a r d i m B o t â n i c o , o n d e realizava riquezas, fundamentalmente a
numerosas tentativas de aclimatação de agricultura.
plantas 'úteis'.

Em uma memória econômica da


A c a d e m i a Real das Ciências de L i s b o a ,
Vandelli escreve:
G L A V R A :
não sendo outra coisa as manufaturas,
ou fábricas, que um preparo,
POEMAS ERÓTICOS
p u r i f i c a ç ã o , ou modificação das
DE HUM AMERICANO.
produções naturais para algum uso,
assim os primeiros conhecimentos, que
devemos ter são das mesmas
Carmmibus quíra mijerarmm oB.
produções da natureza, como base, ou
üvia rerum :
primeiras materiais... 13
Prtmia fi Jludio confequar ifta
Ou ainda, numa obra de história natural: fst eft.
Ovid.
O homem só com a força da sua
imaginação não p o d i a comer, nem
vestir-se, nem executar os seus
desejos; enfim nada podia fazer sem o
auxilio das produções naturais, que são
a base de t o d a s as a r t e s , de q u e
Alvarenga, Manuel I n á c i o da Silva. Glaura,
dependem, principalmente os cômodos
poemas e r ó t i c o s . Rio de Janeiro: Imprensa
e prazeres da v i d a . P o i s , q u e o
Nacional, 1943.
conhecimento delas contribui à

pag. 108. Jan/dez 1995


R V O

C o m a criação d a A c a d e m i a Real das natureza tropical u m a fonte de riqueza


Ciências de Lisboa, e m 31 de dezembro que deveria ser cientificamente
de 1 7 7 9 , o s quadros intelectuais das conhecida e explorada.
mais variadas vertentes ilustradas
Estas duas frentes que destacamos,
passaram a integrá-la. Esta instituição
assinalavam a preocupação de u m a
contava c o m o apoio e beneplácito da
fração do grupo reformista ilustrado da
r a i n h a d . M a r i a 1, q u e m a n t e v e muitos
Academia, que aqui denominaremos de
dos ministros d a época pombalina na
iiustrados-naturalistas ou naturalistas
sua própria administração e à frente d o s
utilitários. Era u m a espécie de sub-
planos e projetos da Academia. C o m o
grupo, dentro da Academia, que
j á frisamos aqui, muitos ilustrados que
continha membros egressos da época
participaram da 'governação' pombalina
pombalina e outros q u e , formados no
se u n i r a m e m t o r n o d a f o r m a ç ã o d e u m a
espírito da Universidade de C o i m b r a
academia que fosse capaz de elaborar
reformada, tiveram u m a aproximação
projetos e redimensionar o papel das
mais íntima c o m os temas d a Ilustração,
colônias. Essas duas funções tinham um
no plano estritamente pragmático, as
objetivo essencialmente prático:
Luzes e m Portugal tinham assumido,
recuperar a e c o n o m i a d o Reino, agora
após a 'Viradeira', um contorno
funcionalizada e m torno da exploração
francamente aberto às e s p e c u l a ç õ e s
metódica das riquezas produzidas pela
c i e n t í f i c a s . O i d e á r i o d a A c a d e m i a Real
natureza.
das Ciências de Lisboa e a base das
A p r o d u ç ã o ilustrada de base naturalista propostas reformistas partiam de u m a
- que acabou por congregar nos espaços maior abertura do grupo dirigente
de sociabilidade intelectual luso- português e de seus quadros
brasileiros u m núcleo de pragmáticos e intelectuais aos esquemas mentais
homens de Estado - propôs alternativas ilustrados. Relativamente ao período
para a s u p e r a ç ã o d a crise e c o n ô m i c a d o que vai do fim da época pombalina aos
Império ultramarino, as quais passavam primeiros anos d o reinado de d. Maria
prioritariamente por um melhor I, F e r n a n d o A . Movais n o s o f e r e c e u m a
aproveitamento das 'produções contribuição decisiva:
naturais' das colônias. Estas propostas
v i s a v a m f l a n q u e a r as fragilidades d o ...o período q u e se segue ao 'consulado

Império e m duas frentes: a política pombalino' aparece-nos muito mais

fomentista, que desde a administração como seu desdobramento que sua

pombalina era implementada, deveria negação. Da fase autoritária de criação

ser i n t e n s i f i c a d a ; a v a l o r i z a ç ã o d a dos pré-requisitos ou melhor das


agricultura, fundamentada pelas condições das reformas, passa-se, a
práticas discursivas que viam na partir de 1 7 7 7 , para u m a etapa de

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 105-122. jan/dez !995-pag.l09


A C

maiores aberturas para o pensamento Se em Portugal nào fossem tão


ilustrado. mas isso era um dificultosos, e quase insuperáveis, os
desdobramento do processo de obstáculos que impedem o aumento da
reformas.!...) Neste sentido, a chamada agricultura, e se a indústria tivesse
' v i r a d e i r a ' tem muito reduzida sua c h e g a d o ao e s t a d o de se a p r o v e i t a r e m
importância efetiva; houve sim uma todas as úteis p r o d u ç õ e s da n a t u r e z a ;
viragem significativa, mas no sentido infelizes seriam os estrangeiros, que
de uma maior integração nas linhas do nào possuem conquistas, c o m o em
reformismo ilustrado.' 5
uma carta e x c l a m a o célebre Lineu:
Ainda sobre o espirito da 'Viradeira', Bone Deusl Si Lusitani n o s c e n t sua
Francisco Falcon observa que este bona naturae, quam infelices essent
m o v i m e n t o estava distante de sinalizar plerique alii, qui non possident terras
para uma ruptura decisiva c o m o ideário e x ó t i c a s ! (sic) "
e c o m o c o n j u n t o de p r á t i c a s de c u n h o
Das 'terras exóticas' portuguesas,
ilustrado em curso desde a época
certamente a mais v a l o r i z a d a de todas
pombalina. Ao contrário, o período
era o Brasil, c o n h e c i d o desde o s é c u l o
m a r i a n o se c a r a c t e r i z a pelo fortale-
XVI como particularmente belo e
cimento da corrente cientificista e
f a v o r e c i d o p e l a n a t u r e z a . No s é c u l o d a s
pragmática do Iluminismo, centralizada
Luzes, a própria Encyclopédie de
em grande parte, pela A c a d e m i a Real
Diderot e D'Alembert veicula, no
das C i ê n c i a s . E n f i m ,
verbete Brésil, uma imagem positiva das
suas principais linhas de pensamento
produções naturais da colônia
e de ação configuram uma política
portuguesa. Se o c l i m a e a natureza da
c o l o n i a l q u e , e m b o r a fosse a i n d a
América eram considerados especial-
mercantilista, assimilava os elementos
mente perversos por alguns 'filósofos-
n o v o s do p e n s a m e n t o da é p o c a ,
n a t u r a l i s t a s ' c o m o B u f f o n e C o r n e i l l e De
sobretudo o incentivo à p r o d u ç ã o ,
Pauw , é certo que a valorização
1 8
da
inclusive na Colônia, sem abrir mão
natureza brasileira aparece claramente
evidentemente do patrimônio e do
nas c o n c e p ç õ e s dos i l u s t r a d o s luso-
'exclusivo'." brasileiros. Citando novamente
E s t a a b o r d a g e m p o d e s e r v e r i f i c a d a na V a n d e l l i , desta vez q u a n d o dissertava
atuação do naturalista Domenico s o b r e as p o s s i b i l i d a d e s a g r í c o l a s das
Vandelli, que demonstra a importância terras d a q u i :
que a revitalização da exploração
colonial estava assumindo. Numa Posto que seja c o n h e c i d o o mesmo

memória onde descreve as causas pais do Brasil, quase d e s p o v o a d o e

físicas e morais da decadência da inculto..., nào deixarei de indicar

agricultura no Reino, ele afirma: brevemente o estado da agricultura nos

pag. 110, jan/dez 1995


V o

arredores das poucas povoações tação de plantas, promovendo


européias. É escusado indicar a expedições de naturalistas portugueses
bondade do clima, a fertilidade d o s e brasileiros 20
c o m o intuito de conhecer
terrenos; porque tudo isto é b e m melhor os 'três reinos da natureza'
conhecido." (vegetal, a n i m a l e m i n e r a l ) - s e g u n d o a

Visando aproveitar lucrativamente as expressão lineana utilizada na época -

riquezas de suas colônias, a política e favorecendo a criação de sociedades

metropolitana adotada c o m relação ao 'letradas', que tivessem por objetivo o

Brasil vai ser, p o r u m lado, de inserção desenvolvimento 'das artes, do

da C o l ô n i a n a a t m o s f e r a d a i l u s t r a ç ã o , comércio e da agricultura'; por outro

fortalecendo pesquisas para aclima- lado este m e s m o m o v i m e n t o visava

Diderot, Denis et alil. Encyclopédie. Dictlonnalre r a l s o n n é des sciences, des arts et des m é t l e r s .

Parts: Briasson, 1751 - 1780, 35 vols.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 105-122, jan/dez 1995 - pag. 111
A C E

exatamente um acirramento da da Fonseca, futuro marquês de M a r i c á . 2 5

exploração colonial. 2 1
Eles são interrogados e ficam presos por
É no interior desta política que três anos, após o que são soltos graças
f l o r e s c e r á a S o c i e d a d e L i t e r á r i a d o Rio à i n t e r v e n ç ã o d a p r ó p r i a d . M a r i a I, p o r
de J a n e i r o . Em 1771 foi fundada intermédio do ministro d. Rodrigo de
inicialmente uma 'Academia Científica', Sousa Coutinho, ilustrado que compar-
composta principalmente por m é d i c o s 2 2
tilhava da política de v a l o r i z a ç ã o das
e incentivada pelo próprio vice-rei, o ciências. 2 6
A amizade de Silva Alvarenga
marquês d o Lavradio. C o m a morte de c o m Basílio da G a m a (que transitava
alguns fomentadores do espírito pelos círculos intelectuais metropo-
especulativo e o fim da administração litanos), sua estada em Portugal na
de Lavradio, a A c a d e m i a não prossegue é p o c a da reforma da Universidade de
seus trabalhos, extinguindo-se em 1 7 7 9 . Coimbra (1772), a correspondência
Em 1 7 8 6 , j á sob a proteção do novo mantida c o m outros ilustres do Reino,
v i c e - r e i d . L u í s de V a s c o n c e l o s e S o u s a , inclusive a troca de cartas entre Mariano
renasce com o nome de Sociedade da Fonseca e Domenico Vandelli,
L i t e r á r i a d o Rio de J a n e i r o , l i d e r a d a p e l o permite-nos avaliar que os m e m b r o s da
poeta Manoel Inácio da Silva Alvarenga. S o c i e d a d e Literária d o Rio de J a n e i r o
Ela prossegue até 1790, quando faziam parte p e s s o a l m e n t e do grupo
esmorece devido à chegada de um novo ilustrado ao qual p e r t e n c i a m Sousa
vice-rei, o c o n d e de R e s e n d e , pouco Coutinho, Vandelli, e tantos outros que
simpático às elocubrações ilumi- compartilhavam dos ideais de
nistas." Somente em 1794 é que a desenvolvimento 'do comércio, das
S o c i e d a d e Literária do Rio de J a n e i r o artes e d a a g r i c u l t u r a no R e i n o e e m s u a s
retomará por quatro meses suas conquistas'.
atividades, quando é proibida pelo
Consta nos autos da devassa, relativa-
c o n d e de Resende. A p ó s esta p r o i b i ç ã o ,
mente à defesa de Mariano, o seguinte:
Silva Alvarenga e alguns outros
m e m b r o s são objeto de d e n ú n c i a s , que
...argumentou que se ele respondente
os a c u s a m de p r o f e s s a r e m contra a
tivesse idéias contrárias ao governo
religião, a m o n a r q u i a , e a favor da
m o n á r q u i c o isto havia de constar da
República francesa. Ao que tudo indica,
sua c o r r e s p o n d ê n c i a c o m as p e s s o a s
estas acusações ocorreram por motivos
do seu conhecimento, assistentes em
p e s s o a i s , d e v i d o à g a n â n c i a de um
Lisboa como eram o desembargador
rábula l o c a l . 2 4

Francisco Franco Pereira, o dr.

Os acusados principais eram Silva Domingos Vandelli, e o negociante J o s é

Alvarenga, o médico Jacinto José da Ramos da F o n s e c a . . . não havia de

Silva, e o bacharel Mariano J o s é Pereira constar coisa, porque pudesse ser

pag 112. jan/dez 1995


R V O

argüido de serem seus sentimentos membros, verificamos u m a adequação


menos fiéis. 2 7
aos ideais utilitários da Ilustração
portuguesa.
Certamente os inquisidores poderiam
encontrar trechos de correspondências Os m e m b r o s d a Sociedade Literária d o
mais suspeitos, c o m o é o caso d a carta Rio de Janeiro frisavam para s u a defesa
recebida pelo médico Jacinto, de um durante os inquéritos promovidos pelo
outro m é d i c o de L i s b o a , onde consta o conde de Resende, o caráter utilitário
seguinte: dos seus trabalhos, e se vinculavam à
Academia Científica. Em um dos
...há de ser naqueles tempos, e m que
depoimentos do médico Jacinto José da
todo o novo hemisfério se há de dividir
Silva, ele traça u m pequeno histórico
todo, em duas repúblicas, uma
das atividades científicas destas
c o m p r e e n d e r á todo o norte, outra todo
agremiações que tinham sido bem
o m e i o - d i a ; q u e i r a D e u s q u e isto s u c e d a

s e m efusão de sangue; eu então j á

d o r m i r e i n o Senhor. . . . e n q u a n t o o s reis

não forem filósofos e os filósofos não

forem reis n à o há de haver j u s t i ç a . 2 8

Mas, apesar destas demonstrações


claras de idéias renovadoras, é muito
improvável que houvesse qualquer
plano de sedição 2 9
p o r parte destes
sinceros 'filósofos', cuja sorte foi
determinada e m grande parte pelos
germens contidos na própria Ilustração
vinda do Reino, e nas idéias aprendidas
nos cursos feitos e m C o i m b r a , e vez 3 0

por outra n a F r a n ç a . A o p o s i ç ã o q u e
havia entre o s m e m b r o s d a S o c i e d a d e
Literária d o Rio de Janeiro e o conde
de Resende, por exemplo, existia
também no interior da própria
Metrópole, o q u e fica patente quando
da morte de d. J o s é I e d o exílio d o
marquês de Pombal.

Diderot, Denis et alii. Encyclopédie. Dictlonnalre


Analisando os documentos da
r a l s o n n é des sclences, des arts et des m é t i e r s .
Sociedade Literária do Rio de Janeiro e
Paris: Briasson, 1751 - 1780, 35 vols.
os particulares deixados por seus

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n* I -2. p. 105-122, jan/dez 1995 - pag. 113


A C E

sucedidas: marcados pelos estudos pragmáticos

. . . t i v e r a o s e u n a s c i m e n t o no t e m p o e m das ciências, que se unem à

que fora vice-rei deste Estado o regulamentação democrática e

m a r q u ê s de Lavradio e que então se i g u a l i t á r i a e s t a b e l e c i d a p a r a as r e l a ç õ e s

deveria à m e s m a a cultura do anil, e entre seus filiados, e à n e c e s s i d a d e de

se introduzira e propagara a da difusão das L u z e s . 5 5


O artigo 2 5 ilustra

cochoniiha. e que, esmorecendo a b e m estas características:

mesma sociedade pela ausência do


Ma p r o p o s t a , q u e se f i z e r à a s s e m b l é i a ,
referido vice-rei. se tornara a renovar,
das matérias; será a escolhida destas
e florescer no t e m p o d o seu s u c e s s o r
dividida sempre pela sua maior
Luís de Vasconcelos e S o u s a , e que
utilidade: pelo mais próximo proveito,
então se descobrira pelos trabalhos da
que pode resultar: pela menos
m e s m a sociedade o álcali tirado dos
complicação c o m obstáculos, que na
engastes das bananas, a extração da
infância da Sociedade destituída
aguardente da raiz do s a p é . o álcali do
atualmente de m e i o s , só poderiam
Mangue e outros descobrimentos úteis
servir de abater os â n i m o s e fazer
à s o c i e d a d e e ao c o m é r c i o . . . 5 1

desvanecer as esperanças, que


Alguns anos depois de extinta a c o n c e b e para o f u t u r o . 5 4

Sociedade Literária, o mesmo dr.


O sentimento da necessidade de
Jacinto comenta, relembrando o
ilustrar-se j á se fazia presente nas
passado:
p r o p o s t a s de S i l v a A l v a r e n g a p a r a os
...Ali náo só se tratava de filosofia,
e s t a t u t o s : " S e r á útil c o n s e r v a r , e r e n o v a r
matemática, astronomia, modos de
as i d é i a s a d q u i r i d a s , e c o m u n i c á - l a s a o s
facilitar os trabalhos do agricultor,
que tiverem falta desses
fazendo-lhe conhecer a qualidade do
conhecimentos". 5 5

terreno para não ser infrutuosa a sua

lavoura, c o m o se tratava da saúde Quanto ao espírito ' d e m o c r á t i c o ' que os


pública entre os m é d i c o s e cirurgiões orientou, baseado nos exemplos
peritos e dignos de serem membros legados pela Antigüidade Clássica e na
daquela sociedade; respondendo a organização de sociedades de letrados
c o n s u l t a s , d e c i d i a m q u e s t õ e s s o b r e as européias, lembramos outra passagem
moléstias que grassavam, analisando do punho de Alvarenga: "Não deve haver
águas e mais substâncias necessárias superioridade alguma nesta sociedade,
à vida do h o m e m . . . 5 2
e será dirigida igualmente por modo
democrático". 5 6

Os próprios Estatutos da Sociedade


L i t e r á r i a d o R i o d e J a n e i r o se n o r t e i a m No e n t a n t o , n o s a r t i g o s 3 0 e 3 1 , s ã o
por alguns princípios fundamentais formulados nitidamente princípios de

pag. 114. jan/dez 1995


K V O

obediência à religião cristã e de Já fugiram os dias horrorosos/De

f i d e l i d a d e às p o l í t i c a s g o v e r n a m e n t a i s . 3 7
escuros nevoeiros, dias tristes,/Em que

A confiança na possibilidade de u m a as artes g e m e r a m desprezadas/Da

monarquia esclarecida adquire u m tom nobre Lísia no fecundo seio/Hoje

bastante sincero quando se vê a c o m e - cheias de glória ressuscitam/Até nestes

moração dos aniversários de d. J o s é I e c o n f i n s d o Movo M u n d o / G r a ç a s à m à o

de d o n a M a r i a 1, a l é m d a s p r o d u ç õ e s e m a u g u s t a q u e a s a n i m a l (...) E t u , q u e m

louvor destes c o m o a seguinte pas- é s , o h n i n f a . tu q u e a j u n t a s , / I n d a g a s e

sagem de u m p o e m a de Silva Alvarenga, descobres os tesouros/Que fecunda

dedicado a Basílio da G a m a : "Consulta, produz a natureza? Recebe as tuas leis

a m i g o , o g ê n i o , q u e m a i s e m ti d o m i n e / todo o vivente,/0 nobre racional, o vil

Tu podes s e r M o l i è r e , tu p o d e s s e r inseto,/O mudo peixe, as aves

Racine/Marqueses tem Lisboa, se emplumadas,/as indômitas feras e

cardeais Paris/José pode fazer mais d o escamosas/mortiferas serpentes, e os

que fez L u í s " . 3 8


anfibios/que respiram diversos

elementos./Dos vegetais na imensa


Foi p o r o c a s i ã o d o a n i v e r s á r i o d e d o n a
variedade/Tu conheces os sexos, e
Maria 1 q u e o professor de retórica
distingues/Quais servem ao comércio,
Manuel Inácio da Silva Alvarenga recitou
e quais restauram/A perdida s a ú d e ; tu
o didático poema As Artes, onde
nos mostras/A prata, o ouro, as pedras
desfilam alegoricamente as musas das
preciosas/Com que a opulenta e ínclita
diversas 'artes', a saber, a matemática,
Lisboa/Vaidosa sobre o Tejo se
a física, as ciências naturais, a química,
levanta. 3 9

a medicina, a geografia, a história e, por


fim, a poesia: A especificidade deste grupo de letrados

Diderot, Denls et alil. Encyclopedie. Dictlonnaire r a l s o n n é des sclences, des arts et des métiers.

Paris: Briasson, 1751 - 1780, 35 vols.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 105-122. jan/dez 1995 - pag 1 15


A C E

coloniais 4 0
se d á na m e d i d a e m que mangueiras. 4 4

i m b u í d o s da n o ç ã o de valorização da
Provavelmente Silva Alvarenga morreu
natureza c o m o produtora de riquezas e
sem realizar completamente o seu
como 'mestra' da própria vida, 4 1

s o n h o de h o m e m ' r ú s t i c o ' inspirado de


começam a valorizar também sua
uma leitura pastoril da Antigüidade
posição de maior proximidade para c o m
Clássica. Consta numa passagem dos
e l a , j á q u e as p r o d u ç õ e s n a t u r a i s e r a m
autos da devassa, quando discutem dois
particularmente pródigas nestes
dos e n v o l v i d o s no p r o c e s s o :
'confins do Movo Mundo'. Silva
Alvarenga foi a a l m a da Sociedade Silva Alvarenga, J o ã o Marques, Mariano

L i t e r á r i a d o R i o d e J a n e i r o , a l é m d e ter e Jacinto queriam fazer u m a r e p ú b l i c a

sido mestre de muitos de seus de a n i m a i s nas c a b e c e i r a s o u sertão

membros. Formado em direito pela d o rio d e T a g e a h i , d i z e n d o o d i t o S i l v a

Universidade de C o i m b r a , ensinava Alvarenga que havia de levar os quatro

r e t ó r i c a e l a t i m , r e c e b e n d o a l u n o s até evangelistas, quais eram Horácio,

de outras cidades da C o l ô n i a . Sua Homero, Virgílio e mais outro, e que

atuação c o m o professor e c o m o poeta se haviam de queimar todos os mais

influenciou u m a g e r a ç ã o de intelectuais livros que houvesse, e daqui

que mais tarde promoveria a d i s p u t a v a m sobre se devia fazer-se

e m a n c i p a ç ã o política destas terras. guerra aos m e s m o s animais, ou deixá-

l o s c o m e r t o d o o g ê n e r o de p l a n t a s q u e
Embora Manuel Inácio da Silva
eles q u i s e s s e m , o que tudo vinha em
Alvarenga não tivesse planos de
conseqüência dos louvores que davam
independência, forneceria elementos
as m e s m a s r e p ú b l i c a s e f e l i c i d a d e que
intelectuais que embasariam a
nelas gozavam os p o v o s . 4 5

construção da idéia de u m a 'nação


brasileira', algumas décadas mais A s s i m , os t e m a s d e s e n v o l v i d o s pelos

tarde. 4 2
O poeta na sua obra demonstra m e m b r o s da S o c i e d a d e Literária do Rio

que seu caráter 'brasileiro', ou antes de J a n e i r o i n c l u e m - n o s no universo

'americano', estava mais presente em intelectual mais amplo dos ilustrados

s u a p r ó p r i a a t i v i d a d e artística d o q u e e m luso-brasileiros. Suas preocupações

qualquer plano nativista de sediçáo. utilitárias fazem parte do m o v i m e n t o de

Portador de u m a c o n c e p ç ã o i d e a l i z a d a acirramento da política colonial

da natureza, que exaltava sua portuguesa, b a s e a d a na exploração

amenidade, utilidade e beleza, 4 3


ele metódica da natureza, da brasileira em

chega, em vários momentos de sua particular. A eficácia das atividades

o b r a , entre um pastor grego e outro, a cientificas empreendidas pela

d e s c r e v e r as s i n g u l a r i d a d e s d e s u a terra Sociedade Literária não foram

natal, como beija-flores, cajueiros e relevantes no âmbito estrito do

pag. 116, jan/dez 1995


desenvolvimento e c o n ô m i c o do Reino Alvarenga e os demais m e m b r o s da
e de seus domínios ultramarinos. Sociedade Literária lançam mão do
Entretanto, o e s p a ç o de debate e de arsenal intelectual oriundo das Luzes
reflexão criado por esta instituição européias para refletirem sobre a
ultrapassa o pragmatismo desejado condição do homem que vive em
pelas autoridades portuguesas, no contato quase direto c o m a natureza.
esforço que fizeram para a recuperação
A e s p e c i f i c i d a d e das L u z e s no Rio de
material do Estado. Meste sentido,
J a n e i r o poderia, então, ser caracterizada
consideramos fundamental sublinhar
pelo fato que estes 'ilustrados'
dois aspectos da vida desta Sociedade.
p e r c e b e r a m o lugar central da natureza
E m p r i m e i r o lugar, a S o c i e d a d e Literária
brasileira no pensamento ilustrado
constitui um e s p a ç o privilegiado para a
p o r t u g u ê s . Meste s e n t i d o , a S o c i e d a d e
constituição de u m a cultura científica ao
Literária é uma das primeiras
mesmo tempo local e cosmopolita, que
associações de letrados que inclui a
traz c o n s i g o e l e m e n t o s potencialmente
história natural c o m o um dos funda-
críticos da ordem política da época. Em
mentos de suas atividades. A
segundo lugar, as atividades da
valorizaçào dos produtos naturais
S o c i e d a d e a n u n c i a m a a d o ç ã o de u m a
brasileiros promovida pelos ilustrados
maneira singular de c o n c e b e r a natureza
luso-brasileiros permite aos intelectuais
tropical, a partir de m é t o d o s próprios
n a s c i d o s na C o l ô n i a v i s l u m b r a r e m os
às c i ê n c i a s n a t u r a i s e d e u m s e n t i m e n t o
contornos de uma identidade
que valoriza a especificidade da
'americana' e 'tropical'.
natureza brasileira. O poeta Silva

M O T A S
1. D I A S , M a r i a O d i l a L e i t e d a S i l v a . " A s p e c t o s d a I l u s t r a ç ã o n o B r a s i l " . In: Revista
do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio d e J a n e i r o : j a n . / m a r . 1 9 6 8 , p.
105.

2. D I A S , M. O. L. d a S . , o p . c i t . e F A L C O M , F r a n c i s c o J o s é C a l a z a n s . A época
pombalina - política e c o n ô m i c a e monarquia ilustrada. São Paulo: Ática, 1982.

3. C o n f e r i r F A L C O M , F. J . C. Despotismo esclarecido. São Paulo: Ática, 1988.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n« 1 -2. p. 105-122, jan/dez 1995 - pag. 117


A C E

4. A e s s e r e s p e i t o c o n f e r i r H A Z A R D , P a u l . O pensamento europeu no século XVIII.


L i s b o a : P r e s e n ç a , 1 9 8 0 e F A L C O N , F. J . C . Iluminismo. São Paulo: Ática, 1 9 8 8 .

5. S o b r e a e s p e c i f i c i d a d e d a I l u s t r a ç ã o p o r t u g u e s a , cf. M U N T E A L F I L H O , O s w a l d o .
Domenico Vandelli no anfiteatro da natureza - a cultura científica d o reformismo
ilustrado português na crise do Antigo Sistema Colonial. Rio de Janeiro:
dissertação de mestrado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
- m i m e o , c a p í t u l o 1, 1 9 9 3 .

6. Apud QONNARD, R e n é . " L ' e p o p é e p o r t u g a i s e et 1' a b b é R a y n a l " . I n : Revue


dtlistoire Économique et Sociale. P a r i s : X X V I I (1), 1 9 4 8 , p. 2 4 .

7. Cf. F A L C O N , F J . O , o p . c i t . e N O V A I S , F e r n a n d o A. Portugal e Brasil na crise do


Antigo Sistema Colonial (1777-1808). São Paulo: HUCITEC, 1 9 8 3 .

8. V A N D E L L I , D. " M e m ó r i a s o b r e a p r e f e r ê n c i a q u e e m P o r t u g a l s e d á a a g r i c u l t u r a
s o b r e as f á b r i c a s " , a p u d S E R R À O , J o e l . Dicionário da história de Portugal. Porto:
Figueirinhas, s . d . , pp. 4 2 - 4 4 .

9. V A N D E L L I , D. Dicionário de história natural. Lisboa: Tipografia da A c a d e m i a Real


d a s C i ê n c i a s d e L i s b o a , 1 7 8 6 , p. 1.

10. C o n f e r i r a e s s e r e s p e i t o Q O D I N H O , V i t o r i n o d e M a g a l h ã e s . A estrutura da antiga


sociedade portuguesa. Lisboa: Arcádia, 1968.

1 1 . Para m a i o r e s d e t a l h e s a c e r c a d a v i d a e d a o b r a d o n a t u r a l i s t a l u s o - i t a l i a n o , c o n f e r i r
MUNTEAL FILHO, Oswaldo, op.cit.

12. C o n f e r i r a e s s e r e s p e i t o as c o r r e s p o n d ê n c i a s e n t r e o m a r q u ê s d e P o m b a l e o
naturalista italiano contidas na Coleçáo Negócios de Portugal, s o b a guarda do
Arquivo Nacional.

1 3 . V A N D E L L I , D. ' S o b r e a l g u m a s p r o d u ç õ e s n a t u r a i s d e s t e R e i n o , d a s q u a i s s e p o d e r i a
tirar u t i l i d a d e " . In: Memórias econômicas da Academia Real das Ciências de Lisboa.
L i s b o a : F u n d a ç ã o C a l o u s t e Q u l b e n k i a n - B a n c o d e P o r t u g a l , 1 9 9 1 , p. 1 7 6 .

14. V A N D E L L I , D. Dicionário de história natural, o p . c i t . , p. 5 .

15. N O V A I S , F e r n a n d o A . , o p . c i t . , p. 2 2 4 .

16. F A L C O N , F r a n c i s c o J . C. Da Ilustração à revolução- percursos ao longo do espaço-


tempo setecentista. In: Revista Acervo. Rio de Janeiro: v.4, n . l , jan./jun. 1989, p. 8 0 .

17. V A N D E L L I , D. "Sobre a l g u m a s p r o d u ç õ e s n a t u r a i s d e s t e R e i n o , d a s q u a i s s e p o d e r i a
tirar u t i l i d a d e " , o p . c i t . , p. 1 7 7 .

1 8 . Cf. Q E R B I , A n t o n e l l o . La disputa dei Píuevo Mundo - historia de una polêmica


(1750-1900). México: Fondo de Cultura Econômica, 1 9 6 0 .

19. VANDELLI, D. "Sobre a a g r i c u l t u r a d e s t e R e i n o , e d a s s u a s c o n q u i s t a s " . In: Memórias

pag. II8, jan/dez 1995


R V O

econômicas . . . . p. 1 7 0 .

20. Apesar de favorecer e x p e d i ç õ e s científicas no território brasileiro, a administração


m e t r o p o l i t a n a s e p r e o c u p a v a e x t r e m a m e n t e c o m a d e f e s a d e s e u s d o m í n i o s . Daí
a má acolhida a expedições estrangeiras, c o m o as de Bougainville e Humboldt.
C o n s u l t a r : T A I L L E M I T E , É t i e n n e . Bougainville et ses compagnons autour du monde
(1766-1769) • j o u r n a u x d e n a v i g a t i o n . P a r i s : I m p r i m e r i e M a t i o n a l e , 1 9 7 7 ; e PIMTO,
O l i v é r i o M . O . " V i a j a n t e s e n a t u r a l i s t a s " . In: História geral da civilização brasileira.
S â o P a u l o : D1FEL, 1 9 8 3 , t.III, v . 3 .

2 1 . C f . D I A S , M . O . L. d a S . , o p . c i t .

2 2 . S o b r e a a t i v i d a d e d o s m é d i c o s n a S o c i e d a d e L i t e r á r i a d o R i o d e J a n e i r o , cf.
FOHSECA, M a r i a R a c h e l F r ó e s d a . Ciência e identidade nacional no Brasil no
início do século XIX. C o m u n i c a ç ã o a p r e s e n t a d a n o IV C o n g r e s s o L a t i n o a m e r i c a n o
d e H i s t o r i a d e l a C i ê n c i a y d e Ia T e c n o l o g i a . C a l i : j a n e i r o d e 1 9 9 5 .

23. Sobre a administração do conde de Resende consultar: SAMTOS, Afonso Carlos


M a r q u e s d o s . Ho rascunho da fiação: Inconfidência no Rio de Janeiro. Rio de
Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Turismo e Esportes/Departamento Qeral
de D o c u m e n t a ç ã o e I n f o r m a ç ã o C u l t u r a l , 1 9 9 2 .

24. Cf.QARCIA, Rodolfo. "Introdução aos autos da devassa ordenada pelo vice-rei
c o n d e d e R e s e n d e " . In: Anais da Biblioteca fiacional. Rio de Janeiro: 1 9 3 9 , v.
L X 1 , p. 2 4 1 .

25. Cf. e s p e c i a l m e n t e sobre esse p e r s o n a g e m d a s o c i e d a d e letrada, seus papéis


particulares, c o r r e s p o n d ê n c i a s c o m m e m b r o s da A c a d e m i a Real d a s Ciências de
L i s b o a , livros seqüestrados e outros registros, o códice 7 4 9 - marquês de Maricá,
sob a guarda do Arquivo nacional.

2 6 . S o b r e d . R o d r i g o d e S o u s a C o u t i n h o c o n s u l t a r : DIAS, M. O . L. d a S . , o p . c i t . e

nOVAIS, F. A . , o p . c i t .

2 7 . AHA1S d a B i b l i o t e c a n a c i o n a l . Autos da devassa ordenada pelo vice-rei conde de

Resende. 1 9 3 9 , LX1, p. 4 3 9 .

28. Idem, i b i d e m , pp. 3 6 8 e 3 7 0 .

2 9 . C f . a e s s e r e s p e i t o D A R n T O n , R o b e r t . Edição e sedição - o universo d a literatura


clandestina no século XVIII. Sào Paulo: Companhia das Letras, 1 9 9 2 .
E s p e c i a l m e n t e q u a n d o R. D a r n t o n c h a m a a a t e n ç ã o p a r a o fato d e q u e " D e v e - s e
entender sedição nào c o m o u m a tomada de armas n e m como u m a violência
esporádica contra as autoridades, e s i m c o m o u m desvio q u e , mediante o texto
e n o t e x t o , s e i n s t a u r a c o m r e l a ç ã o às o r t o d o x i a s d o Ancien Regime - isto é, c o m
relação ao conjunto das crenças aceitas, das razões c o m u n s , dos discursos de

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1 -2, p. 105-122. jan/dez 1995 - pag. 119


A C E

legitimação q u e , no correr dos s é c u l o s , haviam sido c o n s i d e r a d o s os f u n d a m e n t o s


da o r d e m m o n á r q u i c a . Essa distinção que opero no sentido do t e r m o s e d i ç ã o é
i m p o r t a n t e . Na v e r d a d e , n á o p r e t e n d o a f i r m a r q u e a s i m p l e s l e i t u r a - i n d i v i d u a l
o u c o l e t i v a - d e u m a o b r a ilegal d e s e m b o c a r i a n u m a t o m a d a d e c o n s c i ê n c i a , n a
c r i s t a l i z a ç ã o d e u m a o p i n i ã o e, e n f i m , n u m l e v a n t e . E m c o n t r a p a r t i d a , sustento
que o livro ilegal - tratado de f i l o s o f i a , libelo político e c r ô n i c a e s c a n d a l o s a -
c o r r ó i a i d e o l o g i a m o n á r q u i c a e s e u s p i l a r e s - o r e i , a Igreja e o s b o n s c o s t u m e s
- pelo uso sistemático, desenfreado e desmesurado das seguintes armas:
zombaria, escárnio, razão crítica e histórica, pornografia, irreligiáo e materialismo
h e d o n i s t a . " p. 1 1 . Cf. a i n d a p a r a m a i o r e s d e t a l h e s a c e r c a d a e s t r u t u r a e c o n t e ú d o
d a s b i b l i o t e c a s : C H A R T I E R , R o g e r . A ordem dos livros - leitores, autores e
b i b l i o t e c a s n a E u r o p a e n t r e o s s é c u l o s XIV e XV111. B r a s í l i a : E d i t o r a U n B , 1 9 9 4 .

3 0 . Cf. a e s s e r e s p e i t o , o b j e t i v a n d o e s t u d o s m a i s a p r o f u n d a d o s a c e r c a d a e s t r u t u r a
dos cursos e dos diplomas obtidos pelos letrados luso-brasileiros: ARQUIVO
N A C I O N A L . C o l e ç ã o N e g ó c i o s de P o r t u g a l , c a i x a 6 5 2 , U n i v e r s i d a d e d e C o i m b r a -
1790-1820.

3 1 . A N A I S d a B i b l i o t e c a N a c i o n a l , o p . c i t . , p. 4 4 9 .

3 2 . O Patriota, Rio de Janeiro, out. 1813, n.4, apud DIAS, M. O. L. da S., op. cit., p. 115.

3 3 . S o b r e o f u n c i o n a m e n t o d a s s o c i e d a d e s ' s a v a n t e s ' f r a n c e s a s cf. R O C H E , Daniel.


Les républicains des lettres. Paris: F a y a r d , 1 9 8 8 e Le siècle des Lumiêres en
province: a c a d é m i e s et a c a d é m i c i e n s p r o v i n c i a u x , 1 6 8 0 - 1 7 8 9 . Paris: Mouton,
1978, 2 vol.

3 4 . A N A I S d a B i b l i o t e c a N a c i o n a l , o p . c i t . , p. 5 2 0 .

3 5 . I d e m , i b i d e m , p. 3 9 5 .

3 6 . I d e m , i b i d e m , p. 3 9 5 .

3 7 . No q u e se refere a o i n t e r e s s e d a s a u t o r i d a d e s m e t r o p o l i t a n a s p e l a u t i l i d a d e d o s
d o m í n i o s u l t r a m a r i n o s , p a r t i c u l a r m e n t e de m e m b r o s d o s u b g r u p o naturalista-
ilustrado d a A c a d e m i a Real das C i ê n c i a s de L i s b o a , d e v e m o s nos reportar às
n a r r a t i v a s t e s t e m u n h a i s c o n t i d a s nas m e m ó r i a s e c o n ô m i c a s d a A c a d e m i a o u e m
registros d o c u m e n t a i s c o m o n u m a c o r r e s p o n d ê n c i a de d. Rodrigo de Souza
C o u t i n h o ao entào vice-rei c o n d e de R e s e n d e , a c e r c a de um antigo m e m b r o d a
S o c i e d a d e Literária do Rio de Janeiro e das atividades especulativas e m geral:
"Desejando Sua Majestade aumentar os c o n h e c i m e n t o s sobre as riquezas, que
encerram algumas das suas capitanias do Brasil, pela imediata utilidade, que
deles deve necessariamente resultar para a Sua Real C o r o a , e para os Seus
vassalos em geral: Tem determinado, que J o ã o Manso Pereira passe a visitar a
c a p i t a n i a d e S ã o P a u l o , e d e p o i s a d e M i n a s Q e r a i s , e q u e V. E x a , a l é m dos

pag. 120. jan/dez 1995


R V O

q u a t r o c e n t o s m i l r é i s d e p e n s ã o o r d e n a d o s p e l o a v i s o d e 1 1 d e s t e m ê s , e q u e V.
Exa. lhe fará pagar pelo s u b s í d i o literário d e s s a c a p i t a n i a , lhe dê a l g u m a ajuda
d e c u s t o p r o p o r c i o n a d a às d e s p e s a s q u e e x i g i r a v i a g e m , q u e p o r o r d e m d a m e s m a
p e n h o r a vai e m p r e e n d e r o r e f e r i d o J o ã o M a n s o P e r e i r a , a q u e m V. E x a . p e r m i t i r á
t a m b é m , q u e tire d a s f u n d i ç õ e s q u a i s q u e r o b j e t o s , d e q u e e l e p o s s a carecer
p a r a o s s e u s e x a m e s m i n e r a l ó g i c o s , e p a r a e m t u d o V. E x a . l h e f a c i l i t a r o s m e i o s
d e fazer a s u a v i a g e m . P a l á c i o d e Q u e l u z - 18 d e m a r ç o de 1 7 9 7 " . A r q u i v o n a c i o n a l ,
códice 6 7 , volume 2 2 , fl. 68.

38. EPÍSTOLA a J o s é B a s í l i o d a G a m a . In: S A L L E S , Fritz T e i x e i r a . Silva Alvarenga •


antologia e crítica. Brasília: Ed. de Brasília, 1973.

3 9 . A S A R T E S . In: S A L L E S , Pritz T e i x e i r a , o p . c i t .

4 0 . S o b r e e s t e a s p e c t o c o n s u l t a r : F A L C O n , F r a n c i s c o J . C. "As r e f o r m a s p o m b a l i n a s
e a c u l t u r a c o l o n i a l * . In: A M É R I C A 9 2 . R i o d e J a n e i r o : 1 9 9 2 , m i m e o ; J O B 1 M ,
L e o p o l d o J . C. O reformismo pombalino e a continuidade mariana no Brasil:
Luís dos Santos Vilhena, m a r c o do pensamento político brasileiro. L i s b o a : Editorial
E s t a m p a , 1 9 8 4 ; M A X W E L L , K e n n e t h . "The g e n e r a t i o n of t h e 1 7 9 0 ' s a n d t h e i d e a
o f l u s o - b r a z i l i a n e m p i r e " . In: A L D E n , D. (org). Colonial roots of modem Brazil.
L o n d o n : U n i v e r s i t y P r e s s , 1 9 7 3 ; n o V A I S , F e r n a n d o A. "O r e f o r m i s m o ilustrado
l u s o - b r a s i l e i r o : a l g u n s a s p e c t o s " . In: Revista Brasileira de História. S ã o P a u l o : v.
2 , n. 7 , p p . 1 0 5 - 1 1 8 , mar. 1 9 8 4 ; S A n T O S , A f o n s o C a r l o s M a r q u e s d o s , o p . c i t . e
W E H L i n G , A r n o . "O f o m e n t i s m o p o r t u g u ê s n o f i n a l d o s é c u l o XV1I1: doutrinas,
m e c a n i s m o s , e x e m p l i f i c a ç õ e s " . In: R.I.H.G.B., v. 3 1 6 , 1 9 7 8 , p p . 170-278.

4 1 . Cf. a e s s e r e s p e i t o : E H R A R D , J e a n . L' idée de nature en France a I' aube des


lumières. Paris: F l a m m a r i o n , 1970 e L E n O B L E , Robert. História da idéia de
natureza. Lisboa: Edições 70, 1990.

42. Sobre a valorização da natureza e a formação do sentimento de nacionalidade


b r a s i l e i r a n a p r i m e i r a m e t a d e d o s é c u l o X I X , cf. KURY, L o r e l a i . " E n t r e n a t u r e et
c i v i l i s a t i o n : l e s m é d e c i n s b r é s i l i e n s et 1'identité n a t i o n a l e ( 1 8 3 0 - 1 8 5 0 ) " . In:
Cahiers du Centre de Recherches Historiques. n. 1 2 , a v r i l 1 9 9 4 , p p . 159-172.

4 3 . S o b r e as c o n c e p ç õ e s e s t é t i c a s d e S i l v a A l v a r e n g a c o n s u l t a r : C Â n D I D O , A n t ô n i o .
Formação da literatura brasileira - momentos decisivos. São Paulo: Martins, 2
vols., 1959.

4 4 . C f . , p o r e x e m p l o , ALVAREnGA, M a n u e l I n á c i o d a S i l v a . Glaura. Poemas eróticos.


Lisboa: Oficina Munesiana, 1 7 9 9 . n a página que segue a folha de rosto desta
e d i ç ã o . S i l v a A l v a r e n g a p r e c i s a o t í t u l o d e s u a o b r a : Glaura: poemas eróticos de
um americano.

4 5 . A n A I S d a B i b l i o t e c a n a c i o n a l , o p . c i t . , p. 4 4 0 .

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 105-122, Jan/dez 1995 - pag. 121


A B S T R A C T
T h i s a r t i c l e s t u d i e s t h e i n s e r t i o n of the L i t e r a r y S o c i e t y o f R i o d e J a n e i r o ' s a c t i v i t i e s
in the u n i v e r s e of L u s o - B r a z i l i a n e d u c a t i o n . It h i g h l i g h t s the r o l e p l a y e d by the s c i e n c e s
of n at u re i n d e v e l o p i n g a f e e l i n g of B r a z i l i a n s p e c i f i c i t y , w h i c h w i l l b e o n e of t h e
e l e m e n t s o f t h e n a t i o n a l i d e n t i t y f a s h i o n e d by t h e f u t u r e g e n e r a t i o n .

R É S U M É
L a r t i c l e a n a l y s e les a c t i v i t é s d e la S o c i e d a d e L i t e r á r i a d o R i o d e J a n e i r o et l e s i n t e g r e
dans l'ensemble des Lumières luso-brésiliennes. On a mis en é v i d e n c e le role j o u é
par l e s s c i e n c e s d e l a n a t u r e d a n s la c o n s t r u c t i o n d u s e n t i m e n t d ' u n e s p é c i f i c i t é
b r é s i l i e n n e , é l é m e n t q u i f e r a p a r t i e d e 1'idée d ' i d e n t i t é n a t i o n a l e , t e l l e q u ' e l l e a é t é
mise en place par les g é n é r a t i o n s ultérieures.

pag 122. jan/dez 1995


Lúcia Maria Bastos P. Neves
Professora de História Moderna e C o n t e m p o r â n e a da UERJ. Doutora e m História pela USP.

L e i é u r a e lei£(
l e i t o r e s no .ioras'^
Brasil,

o e s t o c o f r a s t r a í l o (de u m a
esfera p ú M i c a cie p o d e r

N
a visão do s é c u l o que, paulatinamente, se tornava
XVIII, os escritos uma opinião pública, cuja
o r n a m e n t a ivv a m a objetividade provinha da razão
verdade, pois "os bons livros" j â e cuja força resultava do

norteavam a Europa, esclare- progresso das Luzes. 1

c e n d o "o g o v e r n o s o b r e o s s e u s Mo B r a s i l , foi a o l o n g o d o s a n o s

deveres, sobre sua falta, sobre o seu de 1 8 2 1 - 1 8 2 2 que a idéia de opinião

verdadeiro interesse, sobre a opinião pública iniciou seu balbuciar, cabendo

pública que devem escutar e seguir". aos homens de letras o papel de

Instrumentos de transmissão de produzi-la. O clima de intensa efer-

c o n h e c i m e n t o s e de e x p e r i ê n c i a s para vescência política, nesta época,

círculos restritos, os textos, no final do propiciou o surgimento de j o r n a i s e

Antigo Regime, transformavam-se em folhetos, que possibilitaram uma tênue

meios de mobilização, capazes de a m p l i a ç ã o da esfera de p o d e r para além

atingir u m p ú b l i c o m a i s a m p l o . A f i n a l , dos círculos restritos da Corte. Esse

os ' m e i o s d e c o m u n i c a ç ã o universal', novo momento, em que a política

s o b r e t u d o o s j o r n a i s e as f o l h a s a v u l s a s , tornava-se p ú b l i c a , foi d e t o n a d o pelo


movimento constitucional, iniciado em
segundo Keith Baker, foram os
Portugal e m 1 8 2 0 , e que repercutiu no
r e s p o n s á v e i s p e l o e s b o ç o d a voz geral.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n« 1-2. p. 123-138. Jan/dez 1995 pagl23


A C E

Brasil no a n o seguinte. A Regeneração produção é o levantamento das


propunha p ô r fim ao Antigo Regime, ao publicações na Tipografia nacional, no
convocar, à revelia d o soberano. Cortes Rio d e Janeiro, ao longo d o s anos d e
Extraordinárias para elaborarem u m a 1821 e 1822. E n c o n t r a r a m - s e , para o
constituição, no espírito de um p e r í o d o , 516 t í t u l o s , n à o l e v a n d o e m
liberalismo mitigado, resultado das consideração as leis, cartas e alvarás,
p r á t i c a s c u l t u r a i s i l u s t r a d a s . Ma r e a l i - n ú m e r o bastante expressivo, u m a vez
d a d e , o p r o j e t o revolucionário, ao invés que entre 1808, a n o d a c r i a ç ã o d a
de hostilizar a religião, apoiava-se na Imprensa Regia, e 1820, a Tipografia
Igreja c a t ó l i c a , a fim d e garantir o c a r á t e r nacional publicou apenas 569
moderado que o movimento pretendia, trabalhos. Devem acrescentar-se ainda
evitando-se "os perigosos tumultos, 115 t í t u l o s , , p u b l i c a d o s p o r t i p o g r a f i a s
filhos da anarquia", típicos de u m a particulares, também no Rio de Janeiro,
revolução, como convinha a uma con- a p a r t i r d e 1821, t o t a l i z a n d o 651 o b r a s .
juntura dominada pela ação restaura- A classificação do conjunto desses
dora e conservadora d a Santa Aliança. 2
trabalhos, c o m base no critério adotado
T r a ç a n d o u m c a m i n h o entre a história pelo catálogo da biblioteca do conde d a
e a política, as publicações, vindas de Barca (1818), apresenta o seguinte
Lisboa o u impressas no Rio de Janeiro resultado:
e Salvador, permitiram a circulação de
Obru Impressas D O n o de Janeiro. 1821 1822
idéias e i n f o r m a ç õ e s e m quase todos os
I Catajorta. 9uantid.de. Percntagem
setores sociais. Os acontecimentos Jurisprudência 8 1.37
15 2.37
diários transferiram-se do domínio Ciências e Artes
Belas Letras 195 30.9
privado ao p ú b l i c o e adquiriram o status História 161 25.51
6 0.95
d e novidades. O s artigos d o s p e r i ó d i c o s Teologia
Periódicos 36 5.8
passavam a ser discutidos na esfera Documentos Oficiais 210 33.29
Total j «si] -
" "lOOJ
pública d o s cafés, das academias e das
livrarias, no sentido que se depreende
F o n t e : A . d o Vale C a b r a l . Anais da Imprensa
dó trabalho de J. tlabermas. 3

Nacional do Rio de Janeiro de 1808 a 1822. R i o


Ingressavam nesses espaços de socia-
de Janeiro: Tip N a c i o n a l , 1 8 8 1 ; A . do Vale C a b r a l .
bilidade e criavam as condições para
Suplemento aos Anais d a Imprensa Nacional:
que neles se manifestassem as
1 8 0 8 - 1 8 2 3 . Anais da Biblioteca Nacional. R i o de
principais posturas da época compro-
Janeiro, 73:109-115, 1954; Biblioteca Nacional-
metidas c o m o ideário liberal.
Divisão de Obras R a r a s . C a t á l o g o das tipografias
Quais eram, contudo, as obras publi-
nacionais; A n a Maria de A. Camargo & Rubens
cadas nessa época que despertavam o
B o r b a de Morais. Bibliografia da Impressão Regia
debate político e ideológico? U m a das
do Rio de Janeiro. S ã o P a u l o : E D U S P / K o s m o s ,
vias p o s s í v e i s para a análise dessa
1993.

pag, 124, jan/dez 1995


V o

À primeira vista, o pequeno número de a forma de d e s p o t i s m o , responsável


obras de cunho religioso pode pela situação de c o l ô n i a a q u e Portugal
surpreender, m a s essa fragilidade pode se vira reduzido após 1808. Em
ser e x p l i c a d a porque a parenética contrapartida, buscava no liberalismo
incluía-se na categoria de Belas Letras. incipiente os argumentos e as
Além disso, esse número exíguo era instituições capazes de assegurar u m a
compensado por u m a boa quantidade maior participação nos negócios
de l i v r o s d e r e l i g i ã o v i n d o s d e P o r t u g a l , públicos, embora s e m abalar a ordem.
por m e i o d e l i v r e i r o s , q u e d e s d e 1 7 9 9 Dai, regeneração, a o invés de revolução.
pediam licença à Mesa Censória para Tanto pelas publicações, quanto pelos
expedirem-nos para o Brasil. 4
Se os anúncios em jornais, observa-se que
títulos p u b l i c a d o s forem considerados eram pouquíssimas as menções às
cronologicamente, no entanto, verifica- obras de cunho teórico, que fizeram a
se que mais da metade do total fama da ilustração francesa. Seria
(52.58%) saiu à luz no biênio 1821- possível concluir daí que a elite
1822. Dentre esses, a categoria História intelectual do Brasil não lia esses
perfaz 25.5%, e m função do grande autores famosos, há muito proibidos e m
número de folhetos políticos que Portugal e seus d o m í n i o s ? Certamente
surgiram no período. Da m e s m a forma, que n ã o , pois o rigor d a c e n s u r a n à o
o crescente número de periódicos indica impediu, e m a m b a s as margens do
que hábitos de leitura de j o r n a l estavam A t l â n t i c o , o a c e s s o sous le manteau. 5

sendo adquiridos.
Mo B r a s i l , são bem conhecidos os
Foram, portanto, os folhetos, panfletos estudos que indicam a presença de
e p e r i ó d i c o s , p u b l i c a d o s entre 1821 e algumas dessas obras nas bibliotecas
1823, que, sem dúvida, mais mineiras, baianas e cariocas d o final do
c o n t r i b u í r a m p a r a as l e i t u r a s d a e l i t e , s é c u l o XVIII. T a m b é m , u m f o l h e t o d e
mais intelectual do que social, que 1822 afirmava que "os escritos
participou do movimento da filosóficos dos Mablys, dos Rainaes, dos
Independência. Por outro lado, a Rousseaus, dos Voltaires, d o s De
característica fundamental dessa Pradts", introduzidos "pelas brechas
literatura era a homogeneidade dos feitas nas barreiras coloniais",
princípios e dos mecanismos mentais circulavam pelas mãos d o s brasileiros. 6

que a informavam, pois, em sua Muitas vezes, a simples interdição pela


essência, difundiam uma mesma cultura censura despertava a curiosidade do
política, plasmada na tradição de u m a público leitor, que as obtinha por
ilustração mitigada portuguesa. Cultura intermédio de c o n h e c i d o s vindos do

política que identificava o Antigo exterior ou através d o contrabando. Era

Regime à esfera privada d o poder, s o b a i n d a c o m u m o p e d i d o , p o r parte d o s

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 123-138. jan/dez 1995-pag. 125


A C E

l i v r e i r o s f r a n c e s e s n o Rio d e J a n e i r o , d e
l i c e n ç a ao D e s e m b a r g o d o P a ç o , d e s d e
1808, para importar obras de
Montesquieu, Rousseau, Beauchamps e
outros, embora sempre negada pelos
censores régios, c o m o J o s é da Silva
Lisboa e Mariano José Pereira da
Ponseca, que mostravam, por sua vez,
em seus pareceres, estarem
p e r f e i t a m e n t e a par d o c o n t e ú d o d e t a i s
trabalhos. 7

Após a proclamação da liberdade de


i m p r e n s a (28 de agosto de 1821), a
referência aos autores da ilustração
européia tornou-se uma constante nos
p e r i ó d i c o s . De u m l a d o , n o s escritos
c o m e ç a v a a conviver e m seu cotidiano c o m
redigidos por indivíduos mais
novos valores políticos, relacionados à
moderados, citavam-se aqueles cujas
c o n s t r u ç ã o de um Estado l i b e r a l . 9

idéias haviam iluminado o mundo


Em geral, a característica básica dos
civilizado, como Edmund Burke,
folhetos políticos era o caráter p o l ê m i c o
Montesquieu, Jeremias Bentham e
e d i d á t i c o , sob a f o r m a de c o m e n t á r i o s
Benjamim Constant. 8
De o u t r o , nas
f o l h a s m a i s r a d i c a i s , c u j o s r e d a t o r e s se de fatos recentes ou de discussões

deixavam levar por seu imaginário s o b r e as g r a n d e s q u e s t õ e s d a é p o c a .

revolucionário, assimilavam-se Muitas vezes, e n c a d e a v a m - s e uns aos

sobretudo as i d é i a s d o s philosophes outros, ou a algum outro tipo de

franceses, como Voltaire, Rousseau, publicação, c o m o os jornais, consti-

Mably, Condorcet, R a y n a l e De P r a d t . tuindo uma verdadeira 'rede de

Neste último grupo, pelo menos um polêmicas'. 1 0


Em sua maioria, apresen-

periódico trazia uma epígrafe de t a v a m as i d é i a s de f o r m a bastante

Rousseau; e outro defendia uma postura organizada, explicando o autor seu

democrática, baseada principalmente na posicionamento sobre o assunto e

idéia da s o b e r a n i a popular. Se esses procurando fornecer opiniões e

nomes proibidos circularam ensinamentos que p u d e s s e m influenciar

anteriormente entre os segmentos da o p ú b l i c o leitor.

elite intelectual, a grande n o v i d a d e , a J á que, em 1 8 2 1 , a censura ainda estava


partir d e s s e m o m e n t o , era levar esse atuante, as obras apareciam
ideário a um público mais amplo, que i n i c i a l m e n t e a n ô n i m a s . S o m e n t e a partir

pag 126. jan/dez 1995


R V O

de 1 8 2 2 , muitos desses folhetos apresentar ao Congresso nacional,

começaram a ser identificados pelas recitando e m voz alta e clara várias

iniciais de seus autores, o q u e se pode orações, como o Padre nosso


atribuir à lei que proibia a publicação Constitucional:
de obras anônimas pela imprensa
Constituição portuguesa, q u e estás e m
o f i c i a l . De i g u a l m o d o , n e s s a m e s m a
nossos corações, santificado seja o teu
época, aumentou consideravelmente o
nome, venha a n ó s o teu regime
n ú m e r o de folhetos p u b l i c a d o s pelas
constitucional, seja feita sempre a tua
tipografias particulares."
vontade, um melhoramento de

Instrumentos fundamentais da agricultura, navegação e comércio nos

divulgação da cultura política, essas dá h o j e e c a d a dia,- p e r d o a - n o s os

publicações assumiram várias formas. defeitos e crimes passados, assim

Algumas procuravam explicar certos como nós perdoamos aos nossos

pontos do vocabulário político, sendo d e v e d o r e s , q u e n à o n o s p o d e m pagar,

então chamados de folhetos nào nos deixes cair e m tentação d o s

constitucionais. Era o caso da velhos abusos, mas livra-nos destes

Constituição explicada e do Catecismo males, assim como do despotismo

político constitucional. Outras ministerial, ou anarquia popular.

assumiam a forma de diálogos, como o Amém. 1 3

Diálogo entre o corcunda abatido e o


Cronologicamente, enquanto canal para
constitucional exaltado ou o Alfaiate
a divulgação das idéias políticas do
constitucional, conversa entre um
liberalismo, o biênio 1 8 2 1 - 1 8 2 2 foi a
alfaiate e seus fregueses, seguindo o
época áurea do periodismo, podendo
modelo clássico do Spectator, de
avaliar-se e m cerca de trinta e seis o
Addison e Steele. 1 2

número de jornais que saíram então à

Freqüentes foram as cartas escritas aos luz. Embora houvesse alguns c o m

amigos e compadres, ao lado de função meramente informativa, como o


Diário do Rio de Janeiro e o Volantim,
algumas farsas e m verso. A p r e o c u p a ç ã o
muitos transcreviam artigos de j o r n a i s
de levar os ensinamentos sobre a
publicados em outras regiões,
C o n s t i t u i ç ã o e as c r í t i c a s a o d e s p o t i s m o
adquirindo, assim, um certo caráter
a um público mais amplo também
político. C o m e ç a n d o c o m o semanários,
conduziu ao antigo costume de se
mas transformando-se algumas vezes
parodiar f o r m a s religiosas, rio folheto
em diários, visavam a u m a informação
A regeneração constitucional ou guerra
de a ç ã o m a i s d i r e t a s o b r e o s a c o n t e -
e disputa entre os corcundas e
cimentos e refletiam u m discurso muito
constitucionais, os corcundas (os
mais ideológico e político do que
absolutistas) arrependidos deviam se

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n" 1 -2. p. 123-138. jan/dez 1995 - pag 127
A C E

ücí' o£às ^t^dtt s^L+t.

Arquivo Nacional, c ó d i c e 327, f.90, 20 out. 1820.

cultural, como por exemplo, O Correio real. C o m propostas de u m periodismo


do Rio de Janeiro, t certo que muitos de cunho mais político, O Espelho,
deles tiveram duração efêmera, como O p u b l i c a d o a partir d e 1 " d e o u t u b r o d e
Be/n c/a Ordem, O Amigo da fiação e do 1 8 2 1, t i n h a c o m o o b j e t i v o fornecer
Rei e o Despertador Brasiliense. minuciosas informações a respeito das
Constituindo u m a espécie de jornal sessões das Cortes e relatar notícias das
o f i c i a l , h a v i a , n a t u r a l m e n t e , a Qazeta do gazetas portuguesas e baianas. Em
Rio de Janeiro, o primeiro periódico verdade, dava a versão oficial dos acon-
e s t a m p a d o n o B r a s i l , a partir d e 1 8 0 8 . tecimentos, sem emitir j u í z o próprio.
Limitava-se a repetir atos oficiais, a Ainda na linha política, destacaram-se
copiar trechos das folhas européias o Revérbero Constitucional Fluminense,
quando fosse conveniente ao governo A Malagueta e o Correio do Rio de
e a fazer i n u m e r á v e i s e l o g i o s à f a m í l i a Janeiro. O primeiro, de grande

pag 128. jan/dez 1995


V o

repercussão na Corte, era escrito pelos conheceram algumas folhas de cunho


brasileiros Joaquim Gonçalves Ledo e informativo e político. * 1

Januário da Cunha Barbosa e, n o Esses periódicos, por sua vez, não


interior d o liberalismo, apresentava u m a deixaram de constituir o reflexo de u m a
t e n d ê n c i a m a i s r a d i c a l , l i g a d a às l o j a s inédita preocupação coletiva e m relação
maçônicas. O segundo, de autoria do ao p o l í t i c o , c o m s e u s artigos sendo
português Luís Augusto May, era discutidos, como indicam as
composto por um único artigo do inumeráveis cartas de particulares que
redator, u m liberal m o d e r a d o e u m d o s os redatores divulgavam s e m a n a l m e n t e ,
grandes polemistas d a Independência. na esfera p ú b l i c a d o s cafés, livrarias e
O terceiro era redigido pelo português sociedades secretas, c o m o a Maçonaria.
João Soares Lisboa, que adotara Curiosamente, porém, n e m u m a dessas
posturas mais radicais e democráticas. publicações defendia o absolutismo.
F i e l às p r e o c u p a ç õ e s p o l í t i c a s , e m b o r a Todas moviam-se no interior de u m
com inovações nos temas, como o seu m e s m o sistema de referências, que era
próprio título indicava, surgiu, em o do liberalismo mitigado.
inícios de 1822, O Compilador Se o s folhetos, panfletos e p e r i ó d i c o s
Constitucional, Político e Literário publicados entre 1821 e 1822
Brasiliense. Outros jornais ainda revelavam u m ideário político traduzido
poderiam ser citados, como O Regulador de algumas idéias ilustradas d o século
Brasílico-Luso, que defendeu a união XVIII, toda e s s a p r o d u ç ã o cultural,
com Portugal, sendo considerado a elaborada pela elite intelectual luso-
primeira folha oficiosa, no sentido de brasileira, não podia deixar de destinar-
servir ao governo às custas d o s cofres se a u m p ú b l i c o leitor q u e d e v i a s e r
p ú b l i c o s . De m e n o r d u r a ç ã o , embora capaz não só de ler essas publicações,
c o m grande interesse pelas questões mas também de extrair delas um
políticas, foram os periódicos O significado. Como argumenta R.
Papagaio, portador de u m liberalismo Darnton, "a leitura não é simplesmente
m o d e r a d o , a l é m d o Constitucional, do uma habilidade, e s i m u m a maneira de
Brasil e d o Macaco Brasileiro. fazer sentido q u e deve variar d e cultura
para c u l t u r a " . 1 5
Quem eram, então,
Além do Rio de Janeiro, o periodismo
esses leitores?
também era relevante nas outras
províncias. Os jornais de maior peso E m p r i m e i r o lugar, o p o t e n c i a l d e l e i t u r a
foram os d a Bahia q u e , e m s u a maioria, está, evidentemente, relacionado ao
defenderam a união c o m as Cortes de número de habitantes. Apesar da
Lisboa, mas adotando sempre uma precariedade dos dados, pode-se, no
postura constitucionalista. T a m b é m o entanto, avaliar a p o p u l a ç ã o livre d o
Maranhão, o Pará e Pernambuco Brasil, e m 1 8 2 3 , e m torno de 2 milhões

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n" 1 -2. p. 123-138, jan/dez 1995 - pag. 129
A C E

e 8 1 0 m i l homens livres, d o s quais, e m de alfabetização da população


1821, cerca de 4 3 m i l residiam na masculina adulta e livre do Rio de

cidade do Rio de Janeiro. 1 6 Janeiro. Partindo de u m total de 4 3 . 1 3 9


habitantes livres, ele deduziu u m pouco
A simples dimensão demográfica,
mais de u m terço referente aos menores
p o r é m , não é suficiente para avaliar o
de idade e, e m s e g u i d a , dividiu o
público c o m que as discussões de 1 8 2 1 -
resultado pela metade, a fim de
1823 contaram. É necessário verificar
distinguir os sexos. Chegou, assim, a
também o grau de alfabetização da
14.380 homens adultos e livres, e m
população e a distribuição social desta
relação aos quais os oito m i l assinantes
aptidão, u m a vez que a leitura de u m a
do Manifesto constituem quase 5 6 % .
obra exige s u a disponibilidade física,
Esta taxa de alfabetização, apesar d a s
por c o m p r a o u e m p r é s t i m o , e i m p l i c a a
deficiências notórias do método de
decifraçáo de signos, que só o convívio
contagem de assinaturas, eqüivale à
com os conceitos de u m a tradição
verificada em cidades francesas do
cultural possibilita.
s é c u l o XVIII, c o m o Aix-en-Provence,
Mo B r a s i l , e m p r i n c í p i o d o s o i t o c e n t o s , Lyon e Caen, onde variou entre 4 6 e
a educação estava longe de 86%. 1 7
Evidentemente, a situação não
desempenhar o papel que iria adquirir era a m e s m a no restante d o território,
mais tarde, ao menos na Europa, c o m o nem mesmo nas demais cidades, c o m
um elemento de controle social e m a possível exceção de Salvador e, talvez,
r e l a ç ã o à s c a m a d a s m a i s b a i x a s . Ma do Recife e de São Luís.
r e a l i d a d e , s e r v i a d e a t r i b u t o às e l i t e s , Por o u t r o l a d o , n ã o s e p o d e a f a s t a r a
c o m o u m o r n a m e n t o precioso que as hipótese de que a c o m u n i c a ç ã o oral
distinguia da massa, enquanto os substituísse a leitura propriamente dita.
mecanismos tradicionais de controle, U m Rapport sur la situation de 1'opinion
como demonstra a própria escravidão, publique ao intendente-geral de Polícia
mostravam-se suficientes para conservar da Corte, elaborado pelo emigrado
o status quo. francês Cailhé de Qeine, em 1820,
alertava para a gravidade d a situação,
Para o início d o s é c u l o XIX, n ã o há
uma vez que muitas obras eram lidas
dados oficiais sobre o número de
"diante de um auditório j á predisposto"
pessoas alfabetizadas no Brasil.
a "passagens mais infestadas do espírito
Entretanto, por meios indiretos, alguns
revolucionário das obras francesas mais
resultados podem ser alcançados.
perniciosas", traduzidas "para o
R o d e r i c k J . B a r m a n s a l i e n t o u q u e as
português, para a edificação dos
oito m i l assinaturas q u e s u b s c r e v e r a m
ignorantes". Esta propaganda n ã o se
o Manifesto do Fico. e m fins de 1 8 2 1 ,
limitava a "reuniões secretas", m a s se
revelam u m percentual bastante elevado

pag. 130. jan/dez 1995


R V O

negociantes, v e n d i a m , entre artigos


variados, as p u b l i c a ç õ e s d o d i a . Para
fins de c o m p a r a ç ã o , d e a c o r d o c o m o s
dados de Laurence flallewell, e m 1 8 2 6
existiam e m Buenos Aires apenas cinco
livrarias. 19
Para o p ú b l i c o , e l a s t a m b é m
funcionavam como um novo espaço da
esfera pública, servindo c o m o ponto de
encontro e de conversas da elite
intelectual. Segundo visão de época, e m
fins de 1 8 2 2 , a livraria de Manuel
J o a q u i m d a Silva Porto e r a "o ponto de
união dos mais exaltados demagogos",
pois ali ajustavam e combinavam o que
iam escrever, discutindo seus planos,
a "sós ou c o m a maior publicidade",
manifestava "no salão d o u r a d o , n a humilde tramando-se os golpes a favor da
loja e m e s m o na praça pública." nesse caso, república e contra o futuro d o Império
o público real atingido por essas idéias seria brasileiro. 2 0

b e m mais a m p l o d o q u e se poderia supor Sob o ângulo da disponibilidade, esses


à primeira v i s t a . 18
escritos de circunstância n ã o eram, de

Outro meio indireto bastante sugestivo certo, inacessíveis, quanto ao preço, a

para t e n t a r c a p t a r e s s e p ú b l i c o l e i t o r é um público mais vasto. Os periódicos

o de proceder a uma avaliação das custavam, por n ú m e r o , e m 1 8 2 1 , entre

atividades relacionadas ao comércio de 80 e 120 réis. Os folhetos, segundo os

livros, sobre o qual as i n f o r m a ç õ e s s ã o catálogos do livreiro Paulo Martim,

menos escassas. Um exame acurado da vendiam-se por u m valor entre 8 0 e 3 2 0

documentação revela q u e , no Rio de réis. Chegava-se a afirmar q u e o povo,

Janeiro, e m especial após a instalação p o r n à o ter c o n d i ç ã o p a r a ir a o t e a t r o ,

da Corte na c i d a d e , esse c o m é r c i o e r a d i v e r t i a - s e c o m o s " b u f õ e s (os p e r i o d i -

bem mais intenso do q u e se c o s t u m a queiros) por p o u c o d i n h e i r o " . 21


na mesma

i m a g i n a r . Para o s a n o s d e 1 8 2 1 - 1 8 2 2 , época, u m a empada de recheio de ave

a t r a v é s d o s a n ú n c i o s n a Gazeta e no custava 100 réis; u m arrátel d e lingüiça,

Diário do Rio de Janeiro, foi possível 2 8 0 ; a aguardente de cana, 8 0 réis a garrafa;

identificar nove livreiros especializados, u m sabão inglês, 120 réis a l i b r a . 22

além d e o u t r a s três lojas ligadas às A preocupação de informar as c a m a d a s

tipografias. Mais onze nomes devem ser mais baixas d a p o p u l a ç ã o ficava restrita

igualmente acrescentados, pois, como pela própria organização social do

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 12. p. 123-138. jan/dez 1995 - pag, 131


A C E

Brasil-Reino, e m que c e r c a de u m terço a "opinião pública encontrava os seus


da população era constituída de verdadeiros intérpretes", formulando-se
escravos, rio e n t a n t o , as primeiras questões por "vozes estrondosas", que
eleições para as Cortes de Lisboa retumbavam "nas vidraças da l o j a " . 2 3
Ao
(1821), embora utilizassem um método lado desses i n d i v í d u o s na fronteira da
indireto, não tinham estabelecido censo desclassificação social, os militares
algum, podendo ser votante todo mais graduados, os pequenos
c i d a d ã o c o m m a i s de 2 5 a n o s . Talvez comerciantes e os funcionários públicos
por i s s o , u m a parte nada desprezível faziam o papel de um público ideal. * 1

dessa literatura de circunstância tenha fio e n t a n t o , n à o p o d e h a v e r d ú v i d a d e


a s s u m i d o a f o r m a de c a r t i l h a s e de que, para os autores dos folhetos, era
catecismos sobre os princípios constitu- o letrado,. sábio e prudente, que
cionais, visando de c e r t a f o r m a às conhecia a 'verdadeira política'. Os
camadas mais baixas, em especial aos demais nào passavam de
soldados, c o m o intuito de didatica- 'melquetrefes', que se metiam a
mente transformá-los e m cidadãos. "discorrer em política", dizendo
Os indivíduos pertencentes a essas "despropósitos e tolices, como os
c a m a d a s , que se situavam nas fímbrias curandeiros e barbeiros da roça em
da elite, constituíam um p ú b l i c o virtual. medicina", ou demonstrando conhecer
u m a vez q u e , n u m a s o c i e d a d e ainda tanto dessa arte quanto o vigário
regida pela oralidade, tomavam c o n h e c i a de t e o l o g i a . 2 5
Se, algumas
conhecimento das novidades ouvindo vezes, havia a p r e o c u p a ç ã o em t a m b é m
as l e i t u r a s e p a r t i c i p a n d o d a s c o n v e r s a s escrever "para aquela classe de
e discussões sobre os acontecimentos cidadãos que não freqüentaram
políticos que ocorriam nos lugares estudos", c o m o afirmava o redator do
p ú b l i c o s . Era a agitação, o falar 'de Bem da Ordem, era necessário, no
boca' do cotidiano, um certo imaginário entanto, pedir desculpas 'aos literatos'
que se fazia circular, traduzindo a por utilizar exemplos simples e
a p r e e n s ã o de idéias e de c o n c e p ç õ e s de vulgares, mas que, para o povo, eram
mundo n o v a s e n t r e o povo, pois as fundamentais, pois "um exemplo bem
m e n s a g e n s j á não se restringiam ao a p l i c a d o , vale m a i s q u e o d i s c u r s o m a i s
círculo estreito da obra escrita. Segundo concludente e enérgico". 2 6
Ma
o 'Mestre Periodiqueiro', personagem de realidade, para a visão de época,
um folheto, o botequim era lugar de somente a elite reunia condições
grande 'falácia', e m que se discutiam i n t e l e c t u a i s p a r a ter a c e s s o a o s f o l h e t o s
autores como Locke, Qrotius, e, por c o n s e g u i n t e , à cultura p o l í t i c a ,
Montesquieu e outros, mas também convertendo-se ela própria no principal
"casa de reuniões patrióticas", em que p ú b l i c o d e si m e s m a .

pag, 132. Jan/dez 1995


R V O

Essa identificação do p ú b l i c o c o m a interesses d o Brasil e de toda a família


elite p o d e s e r v e r i f i c a d a p o r u m m e i o portuguesa". Enfim, e m quase todos os
indireto, a análise das listas de periódicos pode ser encontrada a
subscrições. Como exemplo de preocupação de dirigir ou de ser um
subscrição, isto é, o pagamento de u m a porta-voz da opinião p ú b l i c a . 2 7

quantia inicial para garantir ao Sem dúvida, seria um anacronismo


assinante a aquisição da obra, que atribuir, nesse m o m e n t o histórico, à
assim se autofinanciava, pode-se citar i d é i a d e opinião pública a c o n c e p ç ã o de
a obra editada por Paulo Marfim, notícia uma "pluralidade de i n d i v í d u o s q u e se
histórica da vida e das obras de José exprimem e m termos de aprovação ou
tlaydn. Foram 4 4 subscritores, d o s quais sustentação a u m a ação, servindo de
28 p o d e m ser identificados: cinco referencial a um projeto político
professores de música; quatro clefinido", c o m o poder de alterar os
desembargadores; quatro proprietários;
rumos dos acontecimentos. Apesar
quatro funcionários públicos; três
disso, em 1821-1822, ela não era
sacerdotes; três militares; três c ô n s u l e s ;
ignorada. C o m o informava o redator de
um m é d i c o e u m negociante. Um deles
O Macaco Brasileiro, o príncipe d. Pedro
estudara na Universidade Imperial d a
conhecia e buscava 'este termômetro'-,
França e quatro, e m C o i m b r a . A única
percebendo que o idolatravam pelo calor e
subscritora era proprietária de um
energia c o m q u e s o u b e m e r e c e r o título de
terreno n o lugar d e n o m i n a d o Caminho
Perpétuo Defensor d o B r a s i l . 28

Movo. F i c a p a t e n t e a p r e d o m i n â n c i a d e
Sobretudo, conceder a essa
membros da elite.
p r e o c u p a ç ã o de formar u m a opinião
Entretanto, p e r m e a n d o toda a discussão pública um papel de destaque seria
sobre o novo ideário político, não se ignorar a persistência de p r o c e d i m e n t o s
deixava de encontrar a preocupação de tradicionais para conter as idéias q u e
f o r m a r u m a opinião pública. Assim poderiam revolucionar a população. Em
acreditavam muitos dos autores de 1 8 2 0 , u m registro d a p o l í c i a c o m p r o v a
folhetos e jornais, um dos quais que soldados espanhóis tinham sido
afirmava "ser u m dever do cidadão, que presos porque, n u m domingo, depois
(escrevia), dirigir a o p i n i ã o p ú b l i c a , e das três horas d a tarde, p a s s a v a m pelas
levá-la, c o m o pela m ã o , ao verdadeiro ruas d o R i o d e J a n e i r o " c a n t a n d o c o i s a
fim d a f e l i c i d a d e s o c i a l " . O jornal O que parecia ser o seu hino
Papagaio suspendeu seus trabalhos constitucional". 2 9
De m o d o s e m e l h a n t e ,
porque julgava que os objetivos o redator do Conciliador do Reino
propostos tinham sido alcançados, u m a Unido, o censor régio José da Silva
vez q u e se achava "consolidada a L i s b o a , julgava s e u "dever dirigir b e m a
opinião pública sobre os verdadeiros opinião pública, a f i m de atalhar os

Acervo, Rio de Janeiro, v a, n 12. p, 123-138, jan/dez 1995 - pag. 133


desacertos populares, e as eferves- a dissolução do Império luso-brasileiro.
cências frenéticas", pois "os periódicos rio p r o c e s s o , t r a n s f o r m a r a m s e u s e s c r i -
e papéis avulsos" eram também "lidos tos, principais veículos da cultura
sôfrega e inconsideradamente pelas política da é p o c a da I n d e p e n d ê n c i a , e m
classes ínfimas". Em novembro de instrumentos educacionais da própria elite
1822, o imperador d. Pedro autorizou a e asseguraram para si u m lugar na estrutura
abertura de uma devassa sobre as de poder d o futuro I m p é r i o Brasil.

pessoas que conspiravam contra o De o u t r o l a d o , p o r é m , c o n t i d o talvez


governo e inflamavam a opinião pública. pela estrutura social escravista, o poder
Por c o n s e g u i n t e , l o n g e d e v i a b i l i z a r os oficial não quis, ou não pôde,
escritos c o m o m e i o s de i n f l u ê n c i a para vislumbrar a mesma possibilidade de
dirigir a opinião p ú b l i c a , pela predicação também transformar a palavra escrita
de s e u s p r ó p r i o s v a l o r e s , a p r i n c i p a l e m a r m a de c o m b a t e , c a p a z de f o r m a r
preocupação do governo continuava sendo u m a o p i n i ã o p ú b l i c a a seu favor. O
a de cercear as idéias que circulavam e que Estado em elaboração relegou, assim,
podiam ser perigosas aos planos o processo de subordinação das
arquitetados por seus agentes. 30
camadas menos favorecidas (e, em
Desta f o r m a , de u m l a d o , os autores c a s o s l i m i t e s , até m e s m o d o s setores
dessa literatura de c i r c u n s t â n c i a - m a i s r a d i c a i s d a elite) à s persistentes
fossem folhetos, fossem jornais - práticas repressivas características de
enquanto m e m b r o s da elite intelectual uma esfera privada de poder. Ao fazê-
e política, náo deixaram de ver na lo, limitou a ação daquela cultura
palavra e s c r i t a u m a fonte de poder, política da Independência, ainda que de

capaz de produzir reformas, sem um l i b e r a l i s m o m i t i g a d o , às elites;

transtornos para a ordem social. Ao condenou os i n t e l e c t u a i s à função

revelarem e divulgarem o ideário do decorativa que a tradição bacharelística

l i b e r a l i s m o , por m e i o de u m a pedagogia s o u b e d e s e n v o l v e r ; e, p o r ú l t i m o , m a s

do constitucionalismo, criaram as nem por isso menos importante,

bases, após 1 8 2 2 , para o separatismo e inviabilizou a construção da nação.

pag. 134. jan/dez 1995


i V o

n O T A s
1. Para a primeira citação, v e r M E R C I E R , L o u i s S e b a s t i e n . Hotions claires sur les
gouvernements. A m s t e r d a n , 1 7 8 7 , p. VII. A p u d H A B E R M A S , J . Mudança estrutural
da esfera pública. R i o d e J a n e i r o : T e m p o B r a s i l e i r o , 1 9 8 4 , p. 1 1 8 . C f . B A K E R ,
K e i t h M . " P o l i t i q u e et o p i n i o n p u b l i q u e s o u s 1'Ancien Regime". In: Annales.
Êconomies. Sociétés. Civilisations. P a r i s , 4 2 (1): 4 1 - 7 1, j a n . / f é v . 1 9 8 7 .

2. O Pregoeiro Lusitano: h i s t ó r i a c i r c u n s t a n c i a d a d a R e g e n e r a ç ã o P o r t u g u e s a , (v.


1). L i s b o a : T i p . J o ã o B a p t i s t a M o r a n d o , 1 8 2 0 , p. 3 5 3 .

3. P a r a o c o n c e i t o d e e s f e r a p ú b l i c a d e p o d e r , v e r H A B E R M A S , J . , o p . c i t . , p. 4 2 .

4. A R Q U I V O M A C I O N A L DA T O R R E D O T O M B O . R e a l M e s a C e n s ó r i a . E x a m e d o s l i v r o s
para saírem d o Reino para o Rio de J a n e i r o , 1 7 9 9 - 1 8 0 8 . Caixas 153-154.

5. A e x p r e s s ã o é d e R O C H E , D a n i e l . Les républicains des Lettres: g e n s d e c u l t u r e et


L u m i è r e s a u X V I I I ' s i è c l e . P a r i s : F a y a r d , 1 9 8 8 , p. 2 8 .

6 . B U R M S , B r a d f o r d . "The E n l i g h t m e n t i n t w o c o l o n i a l b r a z i l i a n l i b r a r i e s " . In: Journal


of the History of Ideas. New York, 2 4 : 4 3 0 - 3 8 , 1 9 6 4 ; FRIEIRO, Eduardo. O diabo
na livraria do cõnego. B e l o H o r i z o n t e : Itatiaia, 1 9 5 7 ; M A T T O S O , R a t i a d e Q u e i r ó s . .
Presença francesa no movimento democrático de 1798. B a h i a : l t a p u ã , 1 9 6 9 ;
C A M P E L L O , I g n á c i o M. P i n t o . " R e l a ç ã o d o s l i v r o s a p r e e n d i d o s a o b a c h a r e l M a r i a n o
J o s é P e r e i r a d a F o n s e c a - s e q ü e s t r o f e i t o e m 1 7 9 4 " . In: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro. Rio de J a n e i r o . 6 3 : 1 5 - 1 8 , 1 9 0 1 . Para o folheto,
ver O Brasil indignado contra o projeto anticonstitucional sobre a privação das
suas atribuições por um filopatrico. Rio de Janeiro: Tipografia nacional, 1 8 2 2 ,
p. 5 .

7. P a r a a d i v u l g a ç ã o d e o b r a s e s t r a n g e i r a s n o B r a s i l , v e r n E V E S , L ú c i a M . B a s t o s P.
& F E R R E I R A , T â n i a M a r i a T. B e s s o n e d a C. "O m e d o d o s abomináveis princípios
franceses: a c e n s u r a d o s l i v r o s n o s i n í c i o s d o s é c u l o X I X n o B r a s i l " . In: Acervo.
Rio de Janeiro, 4: 1 1 3 - 1 9 , jan./jun. 1 9 8 9 e H E V E S , L ú c i a M . B a s t o s P. " C o m é r c i o
d e l i v r o s e c e n s u r a d e i d é i a s n o B r a s i l ( 1 7 9 5 - 1 8 2 2 ) " . In: Ler História. Lisboa, 2 3 :
61-78, 1992.

8. n e s s e g r u p o d e s t a c a m - s e , e n t r e o u t r o s j o r n a i s , O Conciliador do Reino Unido, O


Bem da Ordem e o Espelho.

9. Os jornais eram A Malagueta e o Correio do Rio de Janeiro.

10. J O U H A U D , C h r i s t i a n . " P r o p a g a n d e et a c t i o n a u t e m p s d e l a F r o n d e " . In: V I Q U E U R ,


J e a n C l a u d e M . 6c PIETRI, C h a r l e s (org.). In: Culture et idéologie dans la genèse
de 1'État Moderne. Roma: É c o l e F r a n ç a i s e d e R o m e , 1 9 8 5 , p. 3 5 2 .

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n I -2. p. 123-138, Jan/dez 1995 - pag. 135


1
A C E

1 1 . B R A S I L . P o r t a r i a d e 19 d e j a n e i r o d e 1 8 2 2 . Rio d e J a n e i r o : T i p . n a c i o n a l , 1 8 2 2 .

1 2 . QAY, Peter. The Enlightement: the s c i e n c e of f r e e d o m . n e w York: n o r t o n , 1 9 7 7 ,


pp. 5 3 - 5 5 .

1 3 . A REQEnERAÇÀO c o n s t i t u c i o n a l o u a g u e r r a e d i s p u t a e n t r e o s c o r c u n d a s e o s
c o n s t i t u c i o n a i s . Rio d e J a n e i r o : I m p r e n s a R e g i a , 1 8 2 1 , p. 2 0 . Para as p a r ó d i a s
d a s f o r m a s r e l i g i o s a s c o m o u m d o s g ê n e r o s de c u l t u r a p o p u l a r , v e r BURKE, Peter.
Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: C o m p a n h i a das Letras, 1 9 8 9 , pp.
146-147.

14. Para o e s t u d o d o p e r i o d i s m o , ver RIZZini, C. O livro, o jornal e a tipografia no


Brasil: 1 5 0 0 - 1 8 2 2 . R i o d e J a n e i r o : K o s m o s , 1 9 4 5 . Cf. a i n d a nEVES, L ú c i a M.
B a s t o s P. " P e r i ó d i c o s . In:
-
SILVA, M a r i a B e a t r i z n i z z a d a . Dicionário da história da
colonização portuguesa no Brasil. Lisboa: Verbo, 1 9 9 4 , pp. 6 2 4 - 6 2 8 .

15. DARnTOn, R o b e r t . O beijo de Lamourette: mídia, cultura e revolução. São Paulo:


C o m p a n h i a d a s L e t r a s , 1 9 9 0 , p. 1 5 0 .

16. M E M Ó R I A e s t a t í s t i c a d o I m p é r i o d o B r a s i l . In: Revista do Instituto histórico e


Geográfico Brasileiro. Rio d e J a n e i r o , 91 (58): 9 1 - 9 9 , 1 8 9 5 ; M a p a d a p o p u l a ç ã o
d a C o r t e e p r o v í n c i a d o Rio d e J a n e i r o e m 1 8 2 1 . In: Revista do Instituto Histórico
e Geográfico Brasileiro. R i o de J a n e i r o , 4 0 3 3 1 3 5 - 4 2 , 1 8 7 0 .

17. BARMAn, Roderick J. Brazil: the forging of a nation ( 1 7 9 8 - 1 8 2 2 ) . S t a n f o r d :


U n i v e r s i t y P r e s s , 1 9 8 8 , p. 2 6 8 . P a r a o s d a d o s d a F r a n ç a , v e r C H A R T I E R , R.,
C O M P È R E , H. M. & J U L I A , D. féducation en France du XVF au XVllF siècle. Paris:
S E D E S , 1 9 7 6 , p. 9 3 .

18. R A P P O R T s u r la s i t u a t i o n d e l o p i n i o n p u b l i q u e . In: P E R E I R A , Â n g e l o . D. João VI,


príncipe e rei. (v.3). L i s b o a : E m p r e s a n a c i o n a l d e P u b l i c i d a d e , 1 9 5 6 , p. 3 0 6 .

19. H A L L E W E L L , L a u r e n c e . O livro no Brasil: s u a h i s t ó r i a . S ã o P a u l o : T. A. Queiroz/


EDUSP, 1 9 8 5 , p. 4 7 .

2 0 . Cf. P R O C E S S O d o s c i d a d ã o s D o m i n g o s A l v e s , J o ã o d a R o c h a P i n t o , L u í s A l v e s d e
A z e v e d o , ... p r o n u n c i a d o s n a d e v a s s a q u e m a n d o u p r o c e d e r J o s é B o n i f á c i o d e
Andrada e Silva para justificar os acontecimentos do famoso dia 3 0 de outubro
de 1 8 2 2 . R i o d e J a n e i r o : T i p . d e S i l v a P o r t o , 1 8 2 3 , p. 2 1 .

2 1 . J Á f u i c a r c u n d a , o u a z a n g a d o s p e r i o d i q u e i r o s . L i s b o a : of. d a v i ú v a d e L i n o d a
Silva Q o d i n h o , 1 8 2 1 , p. 4 .

22. Para o p r e ç o dos f o l h e t o s , ver Catálogo de algumas obras modernas e

pag. 136. Jan/dez 1995


R V O

constitucionais chegadas modernamente à loja de Paulo Martim. Rio de Janeiro:


I m p . n a c i o n a l , ( 1 8 2 1 ) , 2 f l . ; Catálogo de algumas obras que se vendem na loja
de Paulo Martim, rua da Quitanda n° 33. R i o d e J a n e i r o : I m p . n a c i o n a l , ( 1 8 2 2 ) , 1
f l . Para o p r e ç o d o s p r o d u t o s d e é p o c a , cf. SILVA, M . B e a t r i z Mizza d a . "Livro e
s o c i e d a d e no Rio de J a n e i r o : 1 8 0 8 - 1 8 2 1 " . In: Revista de História. São Paulo, 9 4 :
4 5 1 , 1 9 7 3 ; Diário do Rio de Janeiro, out. 1822 e j a n . 1 8 2 3 .

23. A FORJA dos periódicos ou o exame do aprendiz periodiqueiro. Lisboa: nova


T i p . d a v i ú v a n e v e s & F i l h o s , 1 8 2 1 , p. 8 .

2 4 . Para a n o ç ã o d e p ú b l i c o i d e a l , v e r ESCARP1T, R. Sociologie de la littérature. 7 1

e d . . P a r i s : P.U.F., 1 9 8 6 , p p . 9 7 - 1 0 7 .

2 5 . D I Á L O G O político e instrutivo, entre dois h o m e n s d a r o ç a , A n d r é R a p o z o e s e u


compadre Bolonio Simplício, acerca da Bernarda do Rio de Janeiro e novidades
d a m e s m a . R i o d e J a n e i r o : I m p r e n s a R e g i a , 1 8 2 1 , p. 1 6 .

2 6 . O Bem da Ordem, n° 3 , 1 8 2 1 . R i o d e J a n e i r o .

2 7 . A s c i t a ç õ e s f o r a m r e t i r a d a s , r e s p e c t i v a m e n t e , d e : Conciliador nacional, n° 1,
P e r n a m b u c o , t r a n s c r i t o d e O Volantim, n° 1 3 , 16 s e t . 1 8 2 2 , R i o d e J a n e i r o ; O
Papagaio. n° 1 2 , 8 a g o . 1 8 2 2 , R i o d e J a n e i r o .

2 8 . O Z O U F , M o n a . " L ' o p i n i o n p u b l i q u e " . In: B A K E R , K. (ed.). The French Revolution


and the creation of modern political culture. (v. 1). O x f o r d : P e r g a m o n P r e s s , 1 9 8 7 ,
p . 4 2 7 ; O Macaco Brasileiro. n° 5 , ( 1 8 2 2 ) . R i o d e J a n e i r o .

29. ARQUIVO nACIOnAL. C ó d i c e 3 2 7 . R e g i s t r o d e o f í c i o s d a P o l í c i a (v. 1), f. 9 0 , 2 0


out. 1 8 2 0 .

3 0 . Ver, r e s p e c t i v a m e n t e , O Conciliador do Reino Unido, n° 4 , 3 1 m a r . 1 8 2 1 e n° 6 ,


14 abr. 1 8 2 1 , Rio d e J a n e i r o ; Gazeta do Rio de Janeiro, n° 134, 7 nov. 1 8 2 2 , Rio d e
Janeiro.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2, p. 125-138. jan/dei 1995 - pag, 137


A B S T R A C T
l n the L u z o - B r a z i l i a n w o r l d , t h e C o n s t i t u t i o n a l m o v e m e n t of 1 8 2 1 u n l e a s h e d an
i n t e n s e d e b a t e u p o n t h e i d e a s p r o p o s e d by l i b e r a l i s m . P r i n t i n g - o f p o l i t i c a l t r a c t s
a n d p a p e r s - h e l d a f u n d a m e n t a l r o l e in t his s l i g h t w i d e n i n g of the s p h e r e of p o w e r
b e y o n d t h e n a r r o w c i r c l e s of t h e C o u r t . G o v e r n m e n t , h o w e v e r , r e m a i n e d a d d i c t e d to
the p r a c t i c e s i n h e r i t e d f r o m the Ancien Regime. In fact, it w a s u n a b l e to t r a n s f o r m
the p r i n t e d w o r d i n t o a t o o l , w i t h w h i c h to d r a w p u b l i c o p i n i o n o n its s i d e .

R É S U M É
D a n s le m o n d e l u s o - b r é s i l i e n , un vif d é b a t s u r l e s i d é e s d u l i b e r a l i s m e fut d e c l e n c h é
par le m o u v e m e n t c o n s t i t u t i o n n e l d e 1 8 2 1 . L e s p u b l i c a t i o n s - d e s p a m p h l e t s et d e s
journaux - t i n r e n t un r o l e d é c i s i f d a n s c e t t e t i m i d e a m p l i f i c a t i o n d e l a s p h è r e d e
p o u v o i r , a u - d e l à d e s c e r c l e s l i m i t e s d e l a C o u r . C e p e n d a n t , 1'État, ne s u t r e n o n c e r à
s o n p e n c h a n t p o u r l e s p r a t i q u e s d e 1'Ancien R e g i m e et ne fut c a p a b l e d e r e n d r e le
m o t é c r i t e n i n s t r u m e n t p o u r f o r m e r 1'opinion p u b l i q u e e n s a f a v e u r .

pag. 138. jan/dez 1995


Maria do Carmo Teixeira Rainho
Chefe d a Divisão de Pesquisa e Promoções Culturais do Arquivo Nacional. Mestre e m
História Social d a Cultura - PUC/RJ.

A d i s t i n ç ã o e suias normass
l e i t u r a s e l e i t o r e s dos m a n u a i s
de e i i q u i e t a e c i v i l i d a d e *=* R i o
de J a n e i r o , s é c u l o X I X

A
s alterações na dos escravos". 1
Para tal, era
paisagem urbana, a necessário náo apenas buscar
europeização da o refinamento das maneiras e
vida s o c i a l a partir da vinda da a sofisticação do gosto mas,
Corte em 1808, uma sócia sobretudo, abandonar os rústicos
bilidade marcada por festas c o s t u m e s q u e a c a r a c t e r i z a v a m até o
particulares e pelos salões imperiais momento da chegada da Corte.
c o n s t i t u e m o p a n o de f u n d o para as
Neste processo de 'civilização dos
transformações nos modos e nos
modos' 2
os cuidados c o m a higiene, a
comportamentos da 'boa sociedade' do
c o r r e ç ã o d o s m o d o s , as b o a s m a n e i r a s
Rio d e J a n e i r o a o l o n g o d o s é c u l o X I X .
à mesa e a adequação e a distinção no
vestir passam a contar quase tanto
Para a ' b o a s o c i e d a d e ' e r a imperativo
quanto o dinheiro e os títulos de
a r i s t o c r a t i z a r - s e , isto é , a d o t a r c o s t u m e s
nobreza. É neste contexto que proli-
e valores que a possibilitassem ao
feram na cidade do Rio de J a n e i r o as
m e s m o t e m p o nivelar-se (pelo m e n o s na
edições da chamada literatura de
aparência) aos seus pares europeus e
civilidade.
distinguir-se do resto da p o p u l a ç ã o , ou
seja, "do povo mais ou menos miúdo e Tratados de c o r t e s i a , m a n u a i s de savoir-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n» 1-2. p. 139-152. jan/dez 1995 - pag, 139


A C E

vivre, regras d e e t i q u e t a , e l e m e n t o s d e circunscrito, pois esta está presa n u m


moral, guias do b o m - t o m , tudo isso campo semântico móvel e variável. Uma
compõe a chamada literatura de segunda dificuldade se refere às
civilidade. condições da determinação do sentido.
P o r n e c e s s i d a d e , o corpus de textos
Q r o s s o m o d o , e s t e corpus é constituído
sobre os quais é possível trabalhar
pelos livros voltados para o ensino das
privilegia os enunciados normativos q u e
maneiras tidas c o m o corretas. Estas
dizem o que é ou o que deve ser
o b r a s q u e c i r c u l a r a m n a E u r o p a a partir
civilizado, uns visando o emprego da
do século XVI e n s i n a v a m entre outras,
palavra, outros enumerando as práticas
as m a n e i r a s d e c o m e r e o s h á b i t o s à
q u e o s d e i x a m ver. C a d a e m p r e g o d a
m e s a , a h i g i e n e c o r p o r a l ( i n c l u i n d o aí
palavra, cada definição da n o ç ã o reflete
os modos de assoar o nariz, cuspir e t c ) ,
uma estratégia enunciativa que é
os c o m p o r t a m e n t o s e m casa, na igreja,
também representação das relações
na r u a e o s c u i d a d o s c o m a v e s t i m e n t a .
sociais. A dificuldade é de poder, a cada
Para Roger Chartier , 3
tentar caso, reconstruir a relação entre aquele
c o m p r e e n d e r o q u e o s h o m e n s entre o s que escreve, os leitores q u e ele supõe
s é c u l o s XVI e XVIII e n t e n d i a m p o r e para q u e m ele fala e a q u e l e s que,no
civilidade é entrar no cerne de u m a ato d a leitura, p r o d u z e m u m s i g n i f i c a d o
sociedade antiga, que muitas vezes nos do texto. U m a última dificuldade reside
é opaca, onde as formas sociais sáo na caracterização da noção de
geralmente representações codificadas
de níveis e onde numerosos
N O V O ,MANUAU
comportamentos durante muito tempo
considerados lícitos passam a ser
proibidos, mesmo no domínio do BOM TOM
rWTOtt»
privado. H au ii MM imutm * É*
*•*>*• <>i • m \-Àm m mmmmmim 4» **% wàii mima *
« —. -i*ltn *•><* i*f*i MMMMM • ******** **»
M»JM» pM ****** m m*»H
Mas, segundo o autor, a p e s q u i s a sobre TfltckfiteO aa FwiMiQtc
M
a noção de civilidade e sobre os livros
Uuiz Vwardi
que a contém não se dá sem
UM AMIGO D* HOCIOADC
dificuldade. A primeira delas refere-se
à i m p o s s i b i l i d a d e de se delimitar o n e m £i*,<AOL iwLjfcikAiM t ümatawtA
c a m p o de estudo. M e s m o privilegiando-
se o s t e x t o s q u e a p r e s e n t a m o s u s o s
mais comuns (dicionários, jornais,
memórias, manuais, tratados e t c ) , o
corpus constituído pelos usos da noção
de civilidade jamais poderá ser

pag 140, jan/dez 1995


R V O

civilidade, u m a vez que ela designa um efetivas da ' b o a s o c i e d a d e ' .


conjunto de regras que não têm a
N e s t e s e n t i d o , e a partir d a s s u g e s t õ e s
realidade dos gestos que as efetuam.
de Chartier e Revel, deve-se fazer u m a
Sempre enunciada c o m o modo de dever
leitura destes tratados e manuais que
ser, a c i v i l i d a d e visa transformar e m
permita, de maneira geral, enfocar os
esquemas incorporados, reguladores,
modelos de civilidade impostos por
automáticos e n ã o ditos de condutas,
estas obras, seus destinatários e a f o r m a
as d i s c i p l i n a s e censuras que ela
como reforçavam distâncias sociais,
enumera e unifica numa mesma
pela instrução dos c o m p o r t a m e n t o s
categoria.
ditos civilizados.
Jacques Revel em sua análise da
No B r a s i l , a o l o n g o do século XIX,
literatura de civilidade, que considera
inúmeros tratados e manuais de
u m "corpusevidente e ambíguo", afirma
etiqueta e civilidade foram editados e
q u e às v e z e s é p o s s í v e l c o n f r o n t a r c o m
r e e d i t a d o s . U m e x e m p l o d i s s o é O novo
os modelos prescritos nestes tratados,
manual do bom-tom que e m 1 9 0 0 chega
práticas efetivas de u m a determinada
a sexta edição.
sociedade. Além disso, para ele "a
Um fato q u e a p o n t a para a d i f u s ã o
representação social da norma náo é
destas obras no decorrer do século
menos 'real' que a conservada pelos
passado, e que elas eram facilmente
comportamentos observáveis".*
encontradas nas ruas da Corte, é o
Para o h i s t o r i a d o r f r a n c ê s , o t r a b a l h o relato de Thomas Ewbank a propósito
c o m esta d o c u m e n t a ç ã o é factível se dos pregões dos ambulantes da cidade.
"identificarmos nas entrelinhas de cada E m A vida no Brasil, o autor cita o
um destes textos seus destinatários e Manual de polidezpara os rústicos como
sobretudo um uso particular da exemplo de u m a das milhares de obras
civilidade". 5
vendidas nas ruas d a capital b r a s i l e i r a . 7

Portanto é necessário encarar a Anúncios nos jornais também sugerem


literatura de civilidade não como que a leitura destes livros era
espelho dos modos da 'boa sociedade' indispensável para aqueles que
do Rio de Janeiro, o u "reflexo realista desejavam ser bem sucedidos na
de u m a realidade h i s t ó r i c a " , mas c o m o
6
s o c i e d a d e . O Correio das Damas, jornal
u m corpus q u e reflete a representação português que circulou no Rio de
dos modelos de civilidade e os Janeiro entre 1836 e 1 8 5 0 , era u m d o s
comportamentos esperados daqueles que estampava alguns anúncios do
que compunham este grupo e que Manual de etiqueta e civilidade, "para
prescreve e regulamenta condutas que aqueles pouco familiarizados c o m a vida
não s ã o n e c e s s a r i a m e n t e condutas na C o r t e " . 8

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 139-152. jan/del 1995 pag 141


A C E

Outra referência à circulação dos exceções - adultos e crianças. Em


manuais encontra-se no p r ó l o g o do s e g u n d o lugar, d i r i g e - s e d e f o r m a g e r a l
primeiro tratado de civilidade brasileiro à t o d a s as c r i a n ç a s , diferenciando-se
d e d i c a d o às c r i a n ç a s . Ma a p r e s e n t a ç ã o dos antigos livros de c o r t e s i a que
à obra Entretenimentos sobre os d e s t i n a v a m - s e e x c l u s i v a m e n t e às j o v e n s
deveres da civilidade, José Manuel e l i t e s . Por f i m , é p r e c i s o r e c o n h e c e r n a
Garcia enumera o que considera alguns obra de E r a s m o um desejo de ensinar
dos mais importantes tratados em língua um c ó d i g o v á l i d o para todos, j á que o
portuguesa: " a Escola de política, o autor pretendia "fundamentar numa
Manual de civilidade e etiqueta, o aprendizagem gestual comum uma
Código do bom-tom, o Manual de t r a n s p a r ê n c i a s o c i a l (...), p r é - c o n d i ç ã o
civilidade brasileira, o novo código do necessária à concretização de uma
bom-tom, o s Elementos de civilidade"'.9 sociabilidade generalizada". 1 2

É importante ressaltar que os manuais A partir d a o b r a d e E r a s m o e até o f i n a l

d e c i v i l i d a d e q u e c i r c u l a v a m n a c o r t e no do s é c u l o XIX, inúmeras edições e

século XIX chegaram aqui num r e e d i ç õ e s d o s m a n u a i s d e c i v i l i d a d e se

momento e m que estas obras estavam sucederam.

amplamente difundidas na Europa, Morbert E l i a s m o s t r a c o m o a o l o n g o d e


o n d e e r a m e d i t a d a s d e s d e o s é c u l o XVI quatro séculos elas foram fundamentais ao
s o b a f o r m a de tratados de c o r t e s i a , ' p r o c e s s o c i v i l i z a d o r ' e c o m o os antigos
regras de m o r a l e n a s " a r t e s d e a g r a d a r costumes 'bárbaros' vão sendo
ou artes de a m a r " . 1 0
Da c o d i f i c a ç ã o e a b a n d o n a d o s e m n o m e d o s preceitos d a
simplificação dessas obras é que c i v i l i d a d e . G r o s s o m o d o , p a r a E l i a s , as
surgem os m a n u a i s de c i v i l i d a d e , dos s e n s i b i l i d a d e s e os c o m p o r t a m e n t o s são
quais o primeiro, Civi/itate morum nesse p e r í o d o profundamente m o d i f i c a d o s
pueriiium, de E r a s m o , data de 1 5 3 0 . por dois fatos fundamentais: o m o n o p ó l i o
da força, originado c o m a instauração das
Dedicado à e d u c a ç ã o das crianças, esta
monarquias absolutistas e o estreitamento
obra tratava das posturas, dos
das r e l a ç õ e s p e s s o a i s , o q u e i m p l i c a v a
c o m p o r t a m e n t o s s o c i á v e i s (na e s c o l a ,
forçosamente n u m controle mais rígido das
à m e s a , nas b r i n c a d e i r a s ) e p o r f i m d o
e m o ç õ e s e afetos.
deitar-se. E m b o r a considerado uma obra
menor, o manual escrito por Erasmo Através da leitura dos manuais é
inova e m três pontos essenciais, c o m o possível perceber como são 'civilizadas'
demonstra Jacques Revel." Em as maneiras de comer, todas as
primeiro lugar, o livro dirige-se às maneiras relacionadas às funções
crianças, enquanto os textos anteriores corporais (assoar o nariz, escarrar,
tratavam indiferentemente - c o m poucas cuspir), os comportamentos no quarto,

pag. 142. jan/dez 1995


R V O

r x oi. t , s é c u l o XVI. C h a m a d o s de manuais de


savoir-vivre, eram comuns em
"sociedades nas quais as hierarquias se
recompõem". 1 5
Empenhadas em
M
respeitar os status sociais e as
M distâncias que os s e p a r a v a m , estas
obras enfatizavam o reconhecimento
das diferenças sociais e dos gestos que
D. .St.iri tf % fir«|o(.l t » D*rtg * . « i' Ira
deviam expressá-los.
>--» M0*gmMUi ii11IKÊÊM » i

A culminância deste modelo de


civilidade, baseado na hierarquia e na
regulamentação da sociabilidade, está
presente na ' s o c i e d a d e de c o r t e ' , em
e s p e c i a l n a c o r t e d e L u í s XIV. Nela, a

Ml', 'i.' J I M " J S Cj<IPÍS|i|l, civilidade significava para a nobreza,

1543. s u b m i s s ã o irrestrita ao rei, rigorosa


hierarquia e u m a total valorização da
aparência. A civilidade é portanto
c o m a s u a p r i v a t i z a ç ã o e a a d o ç ã o de distintiva e tem como objetivo
roupas apropriadas para dormir e a disciplinar o indivíduo para que ele
m u d a n ç a d e a t i t u d e nas r e l a ç õ e s e n t r e manifeste nos gestos, nas posturas e
os sexos, com um sentimento de nas atitudes, o p r i m a d o a b s o l u t o das
vergonha c e r c a n d o estas relações. formas da vida social.

C o n t u d o , o fato destes m a n u a i s terem Dentro desta idéia de civilidade


se d i s s e m i n a d o ao longo de quatro d i s t i n t i v a , c o m u m às c o r t e s européias
séculos e de terem atingido diversas a partir do século XVI, emerge o
camadas da sociedade, - através das c o n c e i t o de ' c i v i l i z a d o ' , no s e n t i d o de
escolas (onde eram utilizadas no e n s i n o cultivado, polido ou contido e que
da e s c r i t a ) e d o b a r a t e a m e n t o d e s u a s segundo Elias era
edições, graças por exemplo, a
c o m o os m e m b r o s da corte gostavam
Bibliothèque b/eue 13
- não deve nos
de designar, em sentido amplo ou
enganar quanto à uma outra vertente
restrito, a q u a l i d a d e e s p e c í f i c a de s e u
dos manuais de civilidade: aquela
próprio comportamento, e com os
direcionada aos cortesãos.
quais comparavam o refinamento de

O p o s t o s aos m o d e l o s de civilidade de suas maneiras sociais, seu 'padrão',

Erasmo 1 4
, e s t e s m a n u a i s se d i f u n d i r a m c o m as m a n e i r a s d e i n d i v í d u o s mais

simples e socialmente inferiores. 1 6

primeiramente na Itália em fins do

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n 1-2. p. 139-152, jan/dez 1995 - pag 145


-
No f i n a l d o s é c u l o X V I , a c i v i l i d a d e se civilidade vão ser abalados.
i m p õ e na F r a n ç a a u m p ú b l i c o mais
Segundo Jacques Revel, essa passagem
a m p l o e m a i s d i v e r s i f i c a d o . A partir daí,
do culto da civilidade a uma civiiidaae
e x i s t e u m a c i v i l i d a d e " p a r a as p e q u e n a s
depreciada ocorre pouco a pouco,
escolas e para os colégios burgueses,
quando ela oscilava entre duas
para a corte e para a c i d a d e , para a alta
definições: um m o d e l o válido para
aristocracia, a pequena nobreza da
todos e um " s i s t e m a de c o n i v ê n c i a s que
província e os 'burgueses gentis-
distingue o pequeno número". 1 8

homens". 1 7

Quando os códigos se revelavam


no decorrer do século XV111 e na
demasiado acessíveis e difundidos por
primeira metade do XIX, a civilidade
toda a parte, a civilidade c o m e ç a v a a
obtém a sua mais ampla divulgação
apagar os privilégios das elites. Face ao
social. É grandemente difundida,
perigo que representava um eventual
inclusive nos meios rurais, pelas
nivelamento das condutas, a civilidade
edições de grande circulação dos
é depreciada e torna-se um mero
m a n u a i s q u e c h e g a m até l á . C o n t u d o , e
s i n ô n i m o de polidez.
graças ao seu próprio s u c e s s o , é nesse
período que os fundamentos da Mo m o m e n t o e m q u e s e d i f u n d e por
t o d a a p a r t e , e l a j á n ã o p a s s a de, u m
vestígio. Enrijecido, empobrecido,
\ SOENCIA desacreditado, desgastado por suas
próprias contradições, o projeto de um
DA CIVILISAÇÀO
s i s t e m a de r e c o n h e c i m e n t o que deveria
permitir a construção de uma
JBJSJOAÇAO 8 Ü P K R Í 0 R REJCJICSA sociabilidade regulamentada já não
evoca senão normas autoritárias e uma
i «ii ua tosu tom 11 comédia das aparências à qual as
pessoas humildes ainda têm a fraqueza
de c o n c e d e r a l g u m c r é d i t o . Antes que
novos códigos de comportamentos
c o l e t i v o s se i m p o n h a m , a c i v i l i d a d e faz
um triste papel face ao triunfo
provisório do indivíduo e de sua
irredutível espontaneidade. A bem dizer
da verdade, reduzida a pura
exterioridade, ela provoca risos. 1 9

Norbert Elias, que estudou a e v o l u ç ã o


da palavra civilidade, afirma que j á e m

pag 144. jan/dez 1995


R V O

m e a d o s d o s é c u l o XVIII, o c o n t e ú d o e X I X . Ma v e r d a d e , e s t e m a t e r i a l f o r n e c e
desta palavra e de termos correlatos foi a reprodução de modelos de
"absorvido e ampliado em um novo comportamentos consolidados, já
conceito, na expressão de u m a nova aceitos e absorvidos e m outras nações,
forma de autoconsciência, o conceito de especialmente a França - nosso modelo
civilisation. Cortesia, civilidade e d e c i v i l i z a ç ã o -, c o m p o r t a m e n t o s q u e
civilização a s s i n a l a m três estágios de eram difundidos na prática, na chamada
desenvolvimento social, indicam qual 'europeização' dos costumes.
sociedade fala e é interpelada". 2 0
Os manuais de civilidade que c i r c u l a v a m
Segundo o autor, a expansão de na c o r t e no s é c u l o XIX podem ser
modelos de comportamentos chamados divididos, grosso modo, em duas
c i v i l i z a d o s o c o r r e u n a fase i n t e r m e d i á r i a categorias: pedagógicos e cortesãos.
desse processo, sendo que o conceito Embora, de maneira geral, toda
de c i v i l i z a ç ã o i n d i c a r i a e m s e u u s o no literatura de civilidade tenha u m c u n h o
século XIX, que o "processo de pedagógico, estamos considerando
civilização - ou, em termos mais c o m o tal as obras d e d i c a d a s à e d u c a ç ã o
rigorosos, u m a fase desse processo - dos jovens, enquanto os tratados
fora c o m p l e t a d o e e s q u e c i d o " . 2 1
Ainda cortesãos seriam aqueles direcionados
segundo o filósofo, a partir daí, "as p a r a a " p r á t i c a d o m u n d o " , para a v i d a
2 3

pessoas querem apenas que esse na corte o u nos salões.


processo se realize e m outras nações, Os tratados pedagógicos possuíam u m
e também, durante u m período, nas duplo objetivo: reforçar as práticas de
classes mais baixas de s u a própria leitura e, ao m e s m o t e m p o , e n s i n a r as
sociedade*. 2 2
regras de civilidade. A metodologia
empregada neste ensino é q u e variava:
As regras de civilidade contidas nos
alguns, como A escola de política,
tratados que chegaram ao Rio de
apelavam para um misto de perguntas
Janeiro, no século passado,
e respostas quanto à civilidade e m geral
expressavam o momento e m que estava
e textos separados para assuntos
consolidado o 'processo civilizador' e m
específicos como era o caso do
nações c o m o a França e quando a leitura
vestuário. Outros tratados, como os
dos manuais de c i v i l i d a d e - já em
Entretenimentos sobre os deveres da
declínio - era feita apenas pela
civilidade, da professora primária
burguesia em ascensão. Por
Quilhermina de Azambuja neves,
c o n s e g u i n t e , o corpus ao qual estamos
buscavam nos "exemplos tirados das
nos referindo náo apresenta as
cenas da vida de família no Brasil", a
variações nos m o d o s e princípios de
"instrução moral" dos jovens, incutindo
civilidade que são encontradas nos
neles "lições e a d v e r t ê n c i a s " . 2 4

t r a t a d o s e u r o p e u s e n t r e o s s é c u l o s XVI

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 139-152. Jan/dez 1995 - pag. 145


A C E

esta se d e f i n i r i a c o m o "o m o d o de
qualquer pessoa se comportar na
sociedade para c o m os d e m a i s , segundo
os princípios da moral e da religião, que
são a base da e d u c a ç ã o do h o m e m " . 5 0

J á o novo manual do bom-tom utiliza


conceitos de Voltaire, Duelos e
Labruyère para definir a civilidade.
Enuncia também o seguinte conceito: "a
A importância da difusão da civilidade c i v i l i d a d e , a n o s s o ver, c o m p r e e n d e : a
através dos manuais pedagógicos era moral, a decência, a honestidade, a
enfatizada por seus autores que davam c o r t e s i a , e e m u m a palavra, todas as
c o m o e x e m p l o as " n a ç õ e s civilizadas, agradáveis virtudes que formam os laços
que não confiaram somente aos pais e mais fortes da s o c i e d a d e c i v i l i z a d a , isto
mestres esta instrução, mas lha tem é, f a l a n d o c o m p r o p r i e d a d e , a m o r a l e m
dado em admiráveis tratados". 25
ação". 5 1

Já os tratados cortesãos, embora


Mão é a p e n a s o c o n c e i t o d e c i v i l i d a d e
t a m b é m se v o l t a s s e m p a r a a d i f u s ã o d a
que conhece poucas variações entre os
civilidade, ressaltavam o papel da
manuais do s é c u l o XIX. O c o n t e ú d o das
etiqueta, que consistia jus t a m e n t e na
regras t a m b é m variava p o u c o , assim
" o b s e r v â n c i a r e s t r i t a d e t o d a s as r e g r a s
c o m o as s i t u a ç õ e s e l o c a i s q u e , s e g u n d o
da civilidade, do decoro e do bom-
eles, exigiam a prática da civilidade. A
tom". 2 8
Ainda segundo estes manuais,
não ser pela linguagem utilizada, mais
haveriam duas q u a l i d a d e s de etiqueta:
a p r o p r i a d a às c r i a n ç a s no c a s o dos
"a da corte e a da s o c i e d a d e ou dos
manuais pedagógicos, têm-se de forma
salões", sendo a da corte "indispensável
geral u m a c o n v e r g ê n c i a nas regras de
para manter as hierarquias s o c i a i s " . 2 7

civilidade propostas por estas obras.


Embora estes tratados fossem Segundo os Elementos de civilidade
destinados a públicos diferentes, os aquelas deveriam ser observadas "na
pedagógicos "para meninos e meninas i g r e j a , nas c o m p a n h i a s , n a c o n v e r s a ç ã o ,
que freqüentam nossas escolas públicas nos encontros e passeios, no andar, na
primárias" 2 8
e os cortesãos voltados postura do corpo, no v e s t i d o e no
para a e l a b o r a ç ã o de "preceitos que a s s e i o , na m e s a , c o m os superiores,
mais convém a adultos do mundo c o m os inferiores, c o m os iguais, no
elegante" , não há divergências entre
2 9
deitar e levantar d a c a m a , nas cartas e
os c o n c e i t o s d e c i v i l i d a d e d e s t a s o b r a s . no luto". 5 2

Segundo os Elementos de civilidade, O exemplo acima, que aponta locais e

pag 146. jan/dez 1995


R V O

situações aonde se exigia a educacional vigente no Rio de Janeiro,


m a n i f e s t a ç ã o d a s regras d e c i v i l i d a d e , no s é c u l o XIX.
m o s t r a c o m o e s t a s regras s e r v i a m p a r a
Tratando da instrução pública no Rio de
reproduzir as diferenças e hierarquias
Janeiro, durante o governo Saquarema,
da s o c i e d a d e , ao definir o tratamento a
limar Rohloff de Mattos mostra c o m o na
ser dado ' a o s superiores, a o s iguais e
visão destes dirigentes
aos inferiores'.
a instrução cumpria - ou deveria
Os tratados pedagógicos, e dentre eles,
cumprir - u m papel fundamental, que
os voltados para a instrução pública,
permitia - ou deveria permitir - que o
também insistiam na manutenção das
Império se colocasse ao lado das
distâncias sociais. O autor dos
'nações civilizadas'. Instruir todas as
Elementos de civilidade, por exemplo,
classes era pois, o ato de difusão das
afirma que "a civilidade nos ordena que
Luzes que permitiam romper as trevas
sejamos modestos conosco mesmos;
que caracterizavam o passado
humildes c o m os nossos superiores;
colonial.... 3 5

afáveis c o m os nossos iguais; humanos


com os nossos inferiores". 3 3 Mas, segundo ele, instruir todas as
classes ou elevar o povo a u m estado
O novo manual do bom-tom por sua vez,
de c i v i l i z a ç ã o , significava na prática
enuncia "que é preciso que cada um
possibilitar à 'boa sociedade' "não só
c o n h e ç a b e m o s e u lugar, a s s i m c o m o
conservar o lugar que ocupava na
o das outras pessoas, segundo a sua
sociedade, mas também reconhecer e
hierarquia" e ensina que "nunca se deve
reproduzir as diferenças - e
passar para diante do superior, e
hierarquizações no s e u p r ó p r i o interior".
havendo-se entrado na sala, fica-se de
Ma proposta educacional dos
pé a t é s e r m a n d a d o a s s e n t a r " . 3 4

Saquaremas
O papel d o s manuais de etiqueta, que a
primordialmente buscava-se
princípio pode parecer o simples ensino
possibilitar a inclusão na sociedade
das boas maneiras o u a inculcação das
daqueles que eram apresentados como
regras de etiqueta, ia além destes
futuros cidadãos d o Império. Por m e i o
propósitos, ao buscar preparar os seus
jovens leitores para a vida em
sociedade.

Ao analisar as n o r m a s prescritas pela


literatura de civilidade e levando-se e m
consideração que muitas destas obras
eram d e s t i n a d a s às e s c o l a s , torna-se
importante associá-las à política

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1 -2. p. 139-152, Jan/dez 1995 - pag. 147
A C E

pares europeus.

W a n d e r l e y P i n h o a o falar d o m o v i m e n t o
da rua do Ouvidor, afirma que, a
despeito de um aparente nivelamento
entre os diversos estratos sociais que
visitavam ou passeavam simplesmente
pela rua, ficava sempre clara a
da difusão de uma civilidade,
e x i s t ê n c i a de s í m b o l o s exteriores e
procurava-se a uniformização mínima
marcas que distinguiam a 'boa
entre os e l e m e n t o s constitutivos de
sociedade'.
u m a s o c i e d a d e civil.... (grifo meu).
3 6

A s e l e ç ã o se fazia ali n u m a singular


O conhecimento da civilidade como
concorrência da aristocracia com a
insígnia de c l a s s e t a m b é m aparecia nos
plebe, que tinha a ilusão salutar da
conteúdos dos manuais dedicados aos
igualdade. Ombreando c o m a nobreza,
adultos. A f i n a l , d o m i n a r as regras da
o p o v o n à o se dava c o n t a do trabalho
civilidade representava de alguma
sutil que operavam vestuários e
maneira uma superioridade em relação
maneiras, gostos, relações e
aos outros estratos da sociedade.
hierarquias. 3 6

Segundo Gilberto Freire desde cedo


muitos rapazes e moças eram levados Para finalizar, pode-se dizer que a

p e l o s p a i s a ler as o b r a s d e d i c a d a s às c i v i l i d a d e mostrava-se c o m o u m m e i o d e

regras d e e t i q u e t a e b o m - t o m . clivagem social, cujos instrumentos eram


a m a n e i r a d e falar, d e c o m e r , de andar,
'A sociedade tem também sua
entre outras. Era ela que c o n f e r i a aos
gramática', escreveu em 1845 o autor
gestos, a o d i s c u r s o , a o s c o m p o r t a m e n t o s
de certo Código de bom-tom que
em geral, uma propriedade distintiva,
alcançou grande voga entre os barões
transformando-se em insígnia da 'boa
e viscondes do Império, os quais, para
s o c i e d a d e ' no s é c u l o XIX. C l a r o está q u e
t o m a r e m ar d e e u r o p e u s , (adotaram)
numa sociedade escravista e
regras d e b o m - t o m f r a n c e s a s e i n g l e s a s
hierarquizada como a brasileira, a
nas criações dos f i l h o s . 3 7

distinção j á estava inscrita na própria

Apreender todo esse conhecimento, estrutura s o c i a l . P o d e m o s a f i r m a r a partir

sem exagerar na exibição das boas da o b r a de Pierre B o u r d i e u 3 9


que a

maneiras, fazer c o m que a civilidade d i s t i n ç ã o se m a n i f e s t a v a c o m o uma

aparecesse c o m o algo natural, quase diferença reconhecida, legitimada e

inato, era o que daria a 'boa sociedade' aprovada c o m o tal.

a possibilidade de se distinguir do resto Entretanto, e m e s m o para aqueles que


da p o p u l a ç ã o , igualando-se aos seus apareciam no e s p a ç o s o c i a l de forma

pag. 148. Jan/dez 1995


K V O

naturalmente distinta, o conhecimento outras palavras, fazia c o m q u e a ' b o a


da civilidade era fundamental, pois sociedade' exteriorizasse o lugar q u e
viabilizava o reconhecimento e a ocupava na sociedade.
classificação dos indivíduos o u , em

N O
1. Cf. R E Z E N D E , F r a n c i s c o d e P a u l a F e r r e i r a d e . Minhas recordações. São Paulo:
I t a t i a i a , 1 9 8 8 , p. 1 7 1 . P a r a o autor, b a c h a r e l m i n e i r o d o i n í c i o d o s é c u l o X I X , a
sociedade aparece dividida nas seguintes classes: "a d o s brancos e sobretudo
daqueles que por sua posição constituíam o que se costuma chamar a boa
sociedade; a do povo mais ou menos miúdo; e finalmente a dos escravos".

2. E x p r e s s ã o c u n h a d a p o r N o r b e r t E l i a s . Cf. d o a u t o r O processo civilizador. Rio de


J a n e i r o : Zahar, 1 9 9 0 .

Acervo. Rio de Janeiro, i 8 ir 12. p 139-152, jan/dez 1995 - pag. 149


A C E

3. C H A R T I E R , Roger. " D i s t i n c t i o n et d i v u l g a t i o n : l a c i v i l i t é et s e s l i v r e s . " In: Lectures


et lecteurs dans la France dAncien Regime. Paris: Éditions du S e u i l , 1 9 8 7 , pp.
45-48.

4. R E V E L , J a c q u e s . " O s u s o s d a c i v i l i d a d e . " In: História da vida privada. São Paulo:


C i a . d a s L e t r a s , 1 9 9 1 , v o l . 3 , p. 1 7 0 .

5. I d e m , i b i d e m , p. 1 7 1 .

6. S o b r e a u t i l i z a ç ã o de t e x t o s l i t e r á r i o s p e l o h i s t o r i a d o r , a f i r m a R o g e r C h a r t i e r q u e ,
a " r e l a ç ã o d o h i s t o r i a d o r c o m o r e a l (...) c o n s t r ó i - s e s e g u n d o m o d e l o s d i s c u r s i v o s
e d e l i m i t a ç õ e s intelectuais p r ó p r i o s de c a d a situação de e s c r i t a . O que l e v a ,
a n t e s d e m a i s n a d a , a n ã o tratar as f i c ç õ e s c o m o s i m p l e s d o c u m e n t o s , r e f l e x o s
realistas de u m a realidade histórica, mas a atender a sua e s p e c i f i c i d a d e e n q u a n t o
t e x t o s i t u a d o r e l a t i v a m e n t e a o u t r o s t e x t o s (...)". Cf. C H A R T I E R , Roger. " H i s t ó r i a
i n t e l e c t u a l e h i s t ó r i a d a s m e n t a l i d a d e s : u m a d u p l a r e a v a l i a ç ã o . " In: História
cultural: e n t r e p r á t i c a s e r e p r e s e n t a ç õ e s . L i s b o a : D i f e l , 1 9 9 0 , p. 6 3 .

7. E W B A N K , T h o m a s . A vida no Brasil ou diário de uma visita ao país do cacau e das


palmeiras. S ã o P a u l o : Itatiaia, 1 9 7 6 , p. 7 9 .

8. O Correio das Damas. Lisboa, 1850.

9. Cf. N E V E S , Q u i l h e r m i n a d e A z a m b u j a . Entretenimentos sobre os deveres da


civilidade colecionados para uso da puerícia brasileira de ambos os sexos. Rio
d e J a n e i r o : T i p . C i n c o de M a r ç o , l a . e d . , 1 8 7 5 .

10. Para as o r i g e n s d o s m a n u a i s d e e t i q u e t a e c i v i l i d a d e , cf. A R I E S , P h i l i p p e . História


social da criança e da família. Rio de J a n e i r o : Q u a n a b a r a , 1 9 8 6 , p. 6 8 .

1 1. R E V E L , J a c q u e s , o p . c i t . , p. 172-73.

12. I d e m , i b i d e m , p. 1 7 4 .

13. F ó r m u l a d e e d i ç ã o s u r g i d a na F r a n ç a no s é c u l o XVIII q u e p e r m i t i a a c i r c u l a ç ã o
de l i v r o s d e b a i x o p r e ç o , i m p r e s s o s e m g r a n d e n ú m e r o e d i v u l g a d o s a t r a v é s d a
v e n d a a m b u l a n t e . Cf. C H A R T I E R , Roger. " T e x t o s e e d i ç õ e s : a l i t e r a t u r a d e c o r d e l . "
In: A história cultural: entre p r á t i c a s e r e p r e s e n t a ç õ e s . L i s b o a : D i f e l , 1 9 9 0 , p p .
165-187.

14. S e g u n d o J a c q u e s R e v e l , " a s c i v i l i d a d e s q u e se i n s c r e v e m n a t r a d i ç ã o e r a s m i a n a
repousam, pelo menos implicitamente, num duplo postulado: os bons
c o m p o r t a m e n t o s p o d e m ser ensinados e a p r e n d i d o s de m a n e i r a útil e s ã o o s
m e s m o s p a r a t o d o s " . Cf. R E V E L , J a c q u e s , o p . c i t . , p. 1 9 2 .

pag. 150. jan/dez 1995


V o

15. L o c . c i t .

16. E L I A S , N o r b e r t , o p . c i t . , p. 5 4 .

17. R E V E L , J a c q u e s , o p . c i t . , p. 2 0 3 .

18. L o c . c i t .

19. I d e m , i b i d e m , p. 2 0 6 .

2 0 . E L I A S , M o r b e r t , o p . c i t . , p p . 1 12-1 1 3 .

2 1 . I d e m , i b i d e m , p. 1 1 3 .

22. Loc. cit.

2 3 . Cf. VERARDI, Luís. Novo manual do bom-tom. Rio de Janeiro: Laemmert, 6 a . e d . , 1 9 0 0 .

2 4 . M E V E S , Q u i l h e r m i n a d e A z a m b u j a , o p . c i t . , p. 9 .

2 5 . S I Q U E I R A , d . J o ã o d e n o s s a S e n h o r a d a P o r t a . Escola de política ou tratado prático


da civilidade portuguesa. Pernambuco: Tip. de Santos e C i a . , 2 a . e d . , 1 8 4 5 .

2 6 . V E R A R D I , L u í s , o p . c i t . , p. 7 4 .

27. Loc. cit.

28. nEVES, Q u i l h e r m i n a d e A z a m b u j a , o p . c i t . , p. 5 .

29. Loc. cit.

3 0 . Cf. Elementos de civilidade, s . d . , p. 1.

3 1 . VERARDI, Luís, o p . cit.

3 2 . Cf. Elementos de civilidade, op. cit.

33. Idem, ibidem.

34. VERARDI, Luís, o p . cit.

35. MATTOS, l i m a r R o h l o f f d e . O tempo Saquarema. S ã o P a u l o : H u c i t e c , 1 9 8 7 , p. 2 5 9 .

36. Idem, ibidem, pp. 259-260.

3 7 . C f . P R E I R E , Q i l b e r t o . Casa grande e senzala. Rio de Janeiro: J o s é Olímpio, 2 5 a .


e d . , 1 9 8 7 , p. 4 2 0 .

38. P i n H O , Wanderley. Salões e damas no Segundo Reinado. São Paulo: Martins


P o n t e s , 1 9 7 0 , p. 2 8 4 .

3 9 . Cf. d o a u t o r Coisas ditas. S ã o P a u l o : B r a s i l i e n s e , 1 9 9 0 e La distinction - critique


s o c i a l e d u j u g e m e n t . P a r i s : E d i t i o n d u M i n u i t , 1979."

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n* I -2. p. 139-152. jan/dez 1995 pag. 151


A B S T R A C T
T h i s a r t i c l e s p o t l i g h t s the c i r c u l a t i o n a n d r e a d i n g of m a n u a i s o n e t i q u e t t e a n d c i v i l i t y
in Rio d e J a n e i r o d u r i n g the 19th c e n t u r y . It a l s o l o o k s i n t o h o w t h e " g o o d s o c i e t y "
endeavored to d i s t i n g u i s h i t s e l f by a s s i m i l a t i n g t h e behavior and decorum
r e c o m m e n d e d by t h e s e b o o k s .

R É S U M É
C e t a r t i c l e p a r l e s u r l a c i r c u l a t i o n et la l e c t u r e d e s m a n u e l s d ' é t i q u e t t e et d e c i v i l i t é
à R i o d e J a n e i r o p e n d a n t le X I X è s i è c l e . O n y t r o u v e u n e a n a l y s e d e c o m m e n t l e s
"gens b i e n " essaient d i n c o r p o r e r l e s m a n i è r e s et c o m p o r t e m e n t s d é c r i t s d a n s l e s
livres c o m m e les plus distingues.

pag. 152. jan/dez 1995


Paulo Gomes Leite
Professor de História. Membro d o Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.

R e v o l u ç ã o e lieresia na
L i U i o t e c a cie mm a<tlvogaclo cie
IVIanana

"TNk ~ ^ o s Autos
r
de ^0ÊSSÜs, as leis dos norte-
Devassa da americanos. Domingos
A ^ Inconfidência Mineira, há V i d a l c o n f i r m o u o fato e a c r e s c e n t o u
referência a livros perigosos que que viu o livro de Raynal q u a n d o veio
circulavam entre os inconfidentes, de L i s b o a para o Brasil e m c o m p a n h i a
excitando-lhes o ardor revolucionário. d o dr. J o s é P. R i b e i r o . 2

No s e g u n d o interrogatório a que foi


O padre T o l e d o disse q u e :
submetido, em 2 I d e julho de 1789, o
cel. Francisco Antônio de Oliveira Lopes ouviu dizer a Francisco Antônio de

disse que um primo s e u , o também Oliveira Lopes que havia u m livro de

inconfidente Domingos Vidal de Barbosa um autor francês, que estava na m ã o

Laje, "lhe contou muitas coisas de que de u m doutor na cidade de Mariana, o

tratava u m livro d o abade Raynal, tanto qual no fim trazia o modo de se

assim que sabia de cor algumas fazerem os levantes, que era cortando

passagens do mesmo livro". 1


numa a cabeça ao governador e fazendo u m a

acareação com seu primo. Oliveira fala ao p o v o e repetida por u m sujeito

L o p e s a f i r m o u q u e o dr. J o s é Pereira erudito, e q u e este livro tinha sido

Ribeiro, de Mariana, tinha a História mandado queimar por Sua

filosófica e política, do abade Raynal, e Majestade... 5

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« I -2. p. 153-166. jan/ôel 1995 - pag. 153


A C E

Contou o tenente-coronel Francisco de é o p r ó p r i o e m o i t a v o , c o m c a p a de


Paula Freire de A n d r a d a n u m dos seus papel pintado, apenso desta Devassa. 6

depoimentos que, em sua casa,


rio t e r m o d e e n t r e g a d a s d u a s d e v a s s a s
Tiradentes, Alvarenga Peixoto, o padre
ao desembargador conselheiro
Toledo e o padre Rolim comentaram que
Sebastião Xavier de Vasconcelos

o abade Raynal tinha sido u m escritor C o u t i n h o , de 2 6 de j a n e i r o de 1 7 9 1 , há

de g r a n d e s v i s t a s , p o r q u e p r o g n o s t i c o u uma citação do apenso 26 da Devassa

o levantamento da América de Minas, "que é um livro e m f r a n c ê s

s e t e n t r i o n a l , e q u e a c a p i t a n i a de M i n a s das leis constitutivas dos Estados

Qerais. c o m o lançamento do tributo Unidos da América Inglesa, e tem

da d e r r a m a , estaria agora nas m e s m a s trezentas e setenta páginas". 7


Trata-se

circunstâncias. 4 do Recueil des loix constitutives des


colonies angloises, confédérées sous la
Era g r a n d e o i n t e r e s s e d o s i n c o n f i d e n t e s
dénomination d'Etats Unis de
pelos livros que tratavam da
L'Amérique Septentrionale. editado na
independência dos Estados Unidos.
Suíça e m 1 7 7 8 , traduzido d o inglês por
Segundo o padre J o s é Lopes de Oliveira,
C l a u d e A m b r o s e R é g n i e r . O v o l u m e foi
Tiradentes andava procurando nas
destacado dos autos pelo historiador
bibliotecas obras relativas ao levante
Melo Morais," em 1 8 6 0 , e oferecido à
dos norte-americanos. 5

B i b l i o t e c a P ú b l i c a de Florianópolis,
tendo sido, posteriormente, transferido
Mos Autos de Devassa, há várias
para o Museu da I n c o n f i d ê n c i a , de Ouro
referências a essa intensa atividade
Preto, o n d e atualmente se e n c o n t r a .
livresca do Alferes, que pediu a
Francisco Xavier Machado, porta- J o a q u i m J o s é da Silva Xavier procurou
estandarte do Regimento de Cavalaria t a m b é m S i m ã o Pires S a r d i n h a , " l e v a n d o -
Regular, p a r a l h e t r a d u z i r u m c a p í t u l o Ihe u n s l i v r o s i n g l e s e s p a r a l h e t r a d u z i r
da Coleção das leis constitutivas dos certos lugares que também diziam
Estados Unidos da América respeito a coisas da América" » ainda 8

segundo o d e p o i m e n t o de Francisco
e o capítulo que apontava vinha a ser
Xavier Machado.
a seção oitava, sobre a forma da

eleição do c o n s e l h o privado, por cujo J o s é Álvares Maciel também trouxe da


c o n t e ú d o ser invulgar ao dito Alferes, Europa um exemplar da coleção das leis
ele, testemunha (F.X. M a c h a d o ) , dos Estados Unidos, conforme
traduziu; o qual (Tiradentes), depois , d e p o i m e n t o de Francisco A n t ô n i o de
folheou m u i t o o m e s m o livro e c o m o Oliveira Lopes. 9
Há i n d i c a ç ã o docu-
quem queria achar outro lugar, mental da entrada na c a p i t a n i a de Minas
deixando-lhe ficar o m e s m o livro, que Q e r a i s de apenas dois e x e m p l a r e s das

pag, 154. Jan/dez 1995


K V O

mencionadas leis: o de Álvares Maciel e que viveu, objeto de freqüentes


o d o dr. J o s é P e r e i r a R i b e i r o , a d v o g a d o referências e citações, sempre
em Mariana. impressionou os estudiosos, q u e não se
c a n s a m de louvar o valor cultural e
Embora nunca tivesse saído do Brasil,
histórico das obras que a compõem.
o c õ n e g o Luís Vieira d a Silva conseguiu
C o m o só acontecia e m tais casos, a
adquirir obras proibidas e incendiadas,
a d m i r a ç ã o , aliás j u s t a , a c a b o u por fazer
c o m o as de Bielfeld, Voltaire, Robertson,
acréscimos ao admirável acervo,
Mably, Qiannone, e fEsprit de
alterando a realidade d o s fatos e
/'Encyc/opédie, uma seleção dos
levando a falsas implicações históricas.
p r i n c i p a i s a r t i g o s d a Enciclopédia, de
Apesar da relevância dos filósofos
Diderot e d'Alembert. Estava, pois, a par
iluministas ali presentes, a biblioteca
da revolução que se processava no
deve ser reduzida às suas devidas
mundo das idéias.
p r o p o r ç õ e s , e para isso c u m p r e atentar
C o n h e c i a as leis d o s Estados Unidos,
nos dois seguintes fatos:
como ele próprio confessou, e devia
1) R e s s a l t e - s e , e m p r i m e i r o lugar, q u e a
conhecê-las muito b e m para ser aceito
imaginação de alguns historiadores se
como um dos redatores das leis da
encarregou de colocar nas estantes do
projetada República do Brasil, ao lado
cõnego livros que ali nunca estiveram,
de C l á u d i o e Qonzaga. Para i s s o , e r a
como a tiistoire philosophique et
fundamental que tivesse e m mãos o
politique des etablissemens et du
Recueil des loix constitutives...Assim
commerce des européens dans les deux
como pediu emprestado u m livro de
Indes, do abade Raynal , e obras de1 0

Mably ao intendente Bandeira, é


Rousseau. Embora conste dos Autos de
possível que também tivesse pedido
Devassa que a obra de Raynal era
emprestado a o d r . J o s é P. R i b e i r o o
sobejamente conhecida dos incon-
e x e m p l a r d o Recueil que ele trouxe da
fidentes, n ã o há n e n h u m a evidência
Europa para Mariana. O u t r o s s i m , parece-
concreta, nos Autos ou e m qualquer
nos lícito supor que Domingos Vidal
outro d o c u m e n t o , de q u e e l a figurasse
tenha se servido d o exemplar da obra
na biblioteca d e Luís Vieira, apesar d a
de R a y n a l , q u e o dr. J o s é Ribeiro
sua avidez de informações e
igualmente trouxe. Recorde-se que Vidal
conhecimentos e da afinidade de
foi s e u c o m p a n h e i r o de viagem de
princípios entre o ativo revolucionário
Lisboa ao Rio de Janeiro e que sabia
mineiro e o incendiário autor francês. É
trechos de cor do revolucionário
até p r o v á v e l q u e o c õ n e g o a t i v e s s e l i d o ,
iluminista.
mas uma coisa é formular uma hipótese,
e outra é materializar uma probabilidade
A biblioteca do c õ n e g o Luís Vieira d a
e pô-la numa prateleira.
Silva, notável para a época e o meio e m

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n 1-2. p. 153-166, jan/dez 1995-pag,155


A C E

2) A o c o n t r á r i o d o q u e g e r a l m e n t e se a r r o l a d o s no i n v e n t á r i o d a q u e l e s ã o o s

pensa, a biblioteca do cônego nào é a do c ô n e g o . Trata-se de duas b i b l i o t e c a s

única grande b i b l i o t e c a na capitania de c o m p l e t a m e n t e diferentes, e m b o r a haja -

M i n a s no s é c u l o XV1I1. FÍào é, n e m é claro - coincidência de algumas obras.

mesmo a mais relevante no que


O dr. J o s é P e r e i r a R i b e i r o n a s c e u e m
concerne à bibliografia iluminista e
Congonhas do C a m p o , c o m a r c a de Vila
revolucionária. Sob esse aspecto, a mais
Rica, em 1764, e morreu em Mariana,
importante, embora menor quanto à
e m 2 8 de fevereiro de 1 7 9 8 , c o m 3 4
q u a n t i d a d e d e l i v r o s , é a d o dr. José
anos. Bacharelou-se em Leis pela
Pereira Ribeiro, advogado e m Mariana,
Universidade de C o i m b r a e m 1 7 8 7 e no
f o r m a d o pela U n i v e r s i d a d e de C o i m b r a .
ano seguinte veio para o Brasil, em

O inventário dos seus bens encontra-se companhia de Domingos Vidal de

no A r q u i v o da C a s a Setecentista de Barbosa Laje, trazendo a incendiaria

M a r i a n a . " Data d e 1 7 9 8 e traz a r e l a ç ã o o b r a d e R a y n a l e as l e i s d o s Estados

dos livros da sua biblioteca. São 201 U n i d o s . E r a tio ( p o r é m m a i s m o ç o ) do

obras em 4 8 6 volumes. O cônego Luís dr. Diogo Pereira Ribeiro de

Vieira da Silva tinha 2 7 6 obras e m 5 6 3 Vasconcelos, que foi p r e s o e depois

volumes. Sabe-se, pelos Autos de Devassa solto. D e p ô s duas vezes na Devassa,

d a Inconfidência Mineira, que o dr. Ribeiro m a s n a d a r e v e l o u e n ã o foi m o l e s t a d o .

tinha a Mstoire philosophique et Advogou em Mariana e foi também

po/itique...e as leis dos norte-americanos, p o e t a , c o m o a f i r m a s e u s o b r i n h o , o dr.

c o m o atrás j á ficou dito. D i o g o : "De u m a s u a v i d a d e i n i m i t á v e l e m


suas composições poéticas, que todos
É importante notar que nào constam do
a d m i r a m , até m e r e c e ser c h a m a d o o
i n v e n t á r i o a o b r a d e R a y n a l e as l e i s d o s
Anacreonte de M i n a s " . 1 2

Estados Unidos. A primeira obra teria


sido emprestada a Domingos Vidal, e a Era c a s a d o c o m Rita C a e t a n a Maria de

s e g u n d a a o c ô n e g o . De q u a l q u e r m o d o , Sào J o s é , c o m q u e m teve c i n c o filhos e

é significativa a ausência delas no náo u m , c o m o j á se escreveu. O quinto

arrolamento dos livros, pois eram obras nasceu depois de s u a m o r t e . Esses

altamente comprometedoras. Se não dados constam do inventário.

foram emprestadas, p o d e m ter sido As obras iluministas (muitas delas


q u e i m a d a s logo que se c o m e ç a r a m a proibidas), revolucionárias e heréticas,
f a z e r as p r i s õ e s d o s c o n j u r a d o s , para a b u n d a m e m s u a b i b l i o t e c a . Aí estão
evitar suspeitas ou represálias. D'Alembert, Robertson, Qenuense,
Mably, Febrônio, Voltaire, Bielfeld,
Pelo fato d e o dr. J o s é P. R i b e i r o ter s i d o
V a t t e l , M o n t e s q u i e u , C o n d i l l a c e Wolff.
depositário dos livros do cônego Luís
Vieira, não se pense que os volumes n e n h u m a referência à o b r a de Raynal.

pag. 156. jan/dez 1995


V o

Ela s ó vai aparecer nas páginas d o s Autos 1) D o m i n g o s V i d a l a f i r m a q u e v i u o l i v r o


de Devassa, e é importante notar que todas d e R a y n a l c o m o dr. J o s é P e r e i r a R i b e i r o
às vezes e m q u e ela é citada está associada durante a viagem de regresso ao Brasil.
ao e x e m p l a r d o dr. J o s é Pereira Ribeiro. 2) D o m i n g o s V i d a l s a b i a d e c o r a l g u m a s
Pode-se até m e s m o o b s e r v a r a seguinte passagens d a o b r a e fala sobre e l a c o m
s e q ü ê n c i a n o s Autos: o seu primo, o também inconfidente

RAYNAL, Guilhaume Thomaz. Histoire philosophique et politique des é t a b l i s s e m e n t s et du

commerce des e u r o p é e n s dans les deux Indes. Paris: Anable, Cost.es et Cie, 1820.

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n* 1-2. p. 153-166, jan/dez 1995-pag. 157


A C E

c o r o n e l F r a n c i s c o A n t ô n i o de Oliveira mineiros e excitar-lhes o ânimo


Lopes. revolucionário.

3) O l i v e i r a L o p e s f a l a d o l i v r o a o p a d r e Muitos são os livros de J u r i s p r u d ê n c i a

T o l e d o e diz q u e e l e " e s t a v a n a m ã o d e q u e a l i se e n c o n t r a m , h a v e n d o t a m b é m

um d o u t o r n a c i d a d e de M a r i a n a " . Dá as o b r a s - p r i m a s d a l i t e r a t u r a u n i v e r s a l ,

pormenores da obra. gramáticas, dicionários, livros de


história, geografia, teologia,
4) O t e n e n t e - c o r o n e l F r a n c i s c o d e P a u l a
matemática, medicina, química, história
Freire de A n d r a d a revela q u e , e m s u a
natural, filosofia e t c , formando um
casa, Tiradentes, Alvarenga Peixoto, o
acervo diversificado, que evidencia
padre Toledo e o padre Rolim
amplo interesse cultural.
comentaram a obra. Enfim, a obra é
E n t r e as o b r a s l i t e r á r i a s , d e s t a c a m - s e as
m i n u c i o s a m e n t e d e b a t i d a a partir do
de Anacreonte, Safo, Horácio, Virgílio,
e x e m p l a r d o dr. R i b e i r o , o ú n i c o c i t a d o
T e r ê n c i o , C í c e r o , Milton, Le Sage (Qil
n o s A u t o s e s ó lá c i t a d o . Mão há n o t í c i a ,
Blas de Santillane, uma das novelas
documentalmente comprovada, de
m a i s lidas no s é c u l o XVIII), Oesner,
nenhum outro exemplar em Minas
C o r r e i a Q a r ç á o , frei J o s é d e S a n t a R i t a
n a q u e l a é p o c a (até 1 7 8 9 ) .
Durão (Caramuru).
C o m o se v ê , u m i n c o n f i d e n t e passava
Também merecem destaque Fernáo
para outro os dados essenciais da obra
M e n d e s P i n t o , frei L u í s d e S o u s a (Vida
de Raynal, de m o d o que os que não
de dom frei Bartolomeu dos Mártires),
tiveram a o p o r t u n i d a d e de m a n u s e a r o
M a t i a s A i r e s (Reflexões sobre a vaidade
livro assimilaram auditivamente sua
dos homens), S e b a s t i ã o d a R o c h a Pitta
m e n s a g e m r e v o l u c i o n á r i a . Ma c a s a d e
(História da América Portuguesa), Tissot
Andrada, ela se transmitiu através de
(em dois vols.), Lineu (Filosofia
uma 'leitura' coletiva, j á que a obra foi
botânica). P u f e n d o r f (Direito natural),
comentada. Tal leitura', embora
Platão (Diálogo moral).
s u p e r f i c i a l , tinha a vantagem de ser
Mencionamos a seguir obras de
e s c l a r e c e d o r a , por se p r o c e s s a r por
escritores iluministas (muitas delas
m e i o de d e b a t e s e troca de idéias.
proibidas) e obras que, ou por serem
Assim, os inconfidentes menos cultos
consideradas heréticas, ou por motivos
tiveram a oportunidade de alcançar um
r a z o á v e l grau de c o n s c i e n t i z a ç ã o . m o r a i s , f o r a m c o n d e n a d a s p e l a Igreja:

1) D ' A l e m b e r t : Mélanges de littérature,


A n o t á v e l b i b l i o t e c a i l u m i n i s t a d o dr.
d'histoire et de philosophie. 5 vols.
José Pereira Ribeiro foi o mais
importante suporte ideológico da D'Alembert foi, juntamente c o m Diderot,
Inconfidência Mineira, tendo um dos organizadores da famosa
contribuído para conscientizar os Enciclopédia, obra condenada nào só

pag. 158. Jan/dez 1995


V o

pelo poder espiritual, como também 6) O b r a s d e M a b l y . 11 v o l s . M a i s a d i a n t e ,


pelo temporal. o e s c r i v ã o m e n c i o n a o Droit public de
1'Europe, de Mably, em três vols., livro
E m Mélanges..., D'Alembert diz que os
proibido na T r a n ç a por suas idéias
filósofos e cientistas foram
audazes em matéria de política e
injustamente perseguidos por causa das
economia social. O autor ataca a
suas idéias e das suas descobertas,
Inquisição, dizendo que ela é contrária
responsabilizando a Inquisição pelo
a o s p r i n c í p i o s d o C r i s t i a n i s m o e às l u z e s
a t r a s o c u l t u r a l e m q u e a l g u n s p a í s e s se
da razão , bem como um possante
encontravam. 1 3

o b s t á c u l o às r e v o l u ç õ e s domésticas,
2) M i l l o t : Histoire générale. 9 vols.
pois a c o s t u m a os espíritos a pensar
Com o intuito de combater a
sempre do m e s m o m o d o . 1 5

superstição, o abade Millot dirige


7) J u s t i n o F e b r ô n i o . 2 v o l s .
sarcasmos contra os padres e os papas.
É autor de De Statu Ecclesiae, obra
3) Robertson: Histoire de 1'Amérique. 4 vols.
p r o i b i d a p e l a Igreja por d e f e n d e r os
Robertson, um dos luminares do
p r i n c í p i o s do g a l i c a n i s m o , isto é, a
Iluminismo escocês, afirma que o
autonomia dos bispos franceses diante
Tribunal da Inquisição, em todos os
da autoridade do Papa.
lugares onde era e s t a b e l e c i d o , tolhia o
8) V ol ta i r e : Siècle de Louis XIV, Carlos
espírito de pesquisa e o progresso das
XII. Henriade.
Letras. * 1

O Siècle de Louis XIV publicou-se em


4) Q e n u e n s e : Lógica e Metafísica. 2 vols.
Berlim, em 1 7 5 1 , e foi proibido'na
O padre Antônio Qenuense,
F r a n ç a . Mo f i m d o l i v r o , V o l t a i r e d i z q u e
representante do Iluminismo italiano, é
esse século teria sido, em todos os
considerado um autor perigoso. Seus
aspectos, notável, se não tivesse dado
Elementos de teologia, publicados em
lugar à s u p e r s t i ç ã o , e q u e L u í s XIV t e r i a
1751, foram condenados pelo arcebispo
s i d o o rei i d e a l , se n ã o t i v e s s e t i d o u m
de Mápoles, Spinelli, e Qenuense foi
jesuíta por confessor.
afastado da cátedra de Teologia, que
ocupava desde 1741. 9) S a m u e l R i c h a r d s o n : Pamela. 4 vols.
Editado em 1 7 4 0 , o romance do escritor
5) Histoire du Parlement. O escrivão não
inglês foi i n c l u í d o no Index Librorum
c i t a o a u t o r . P o d e s e r a Histoire du
Prohibitorum e m 17 4 4 . 1 6

Parlement d'Angleterre, de Raynal , ou


Histoire du Parlement de Paris, de 10) O b r a s d e L i n g u e t . 5 v o l s .

Voltaire. Mesta s e g u n d a o b r a , Voltaire Linguet, um dos que mais c o m b a t e r a m

critica o Parlamento, apresentando-o o despotismo monárquico, escreveu

como um órgão composto por inúmeros livros , sobre os mais variados

jansenistas reacionários. assuntos. Seus escritos mordazes e sua

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 155-166. Jan/dez 1995-pag.l59


extrema audácia levaram-no ao exílio e do Iluminismo francês. Segundo o
à prisão, tendo sido condenado à morte a b a d e R a y n a l , O espírito das leis virou
e m 1 7 9 4 , s o b o r e g i m e d o terror. E s t e v e a c a b e ç a de todo o p o v o d a França.
encarcerado na Bastilha durante dois
15) Obra elementar de Condillac,
anos, de onde saiu e m m a i o de 1 7 8 2 . iluminista francês.
Mo a n o s e g u i n t e , f o r a m p u b l i c a d a s e m
16) Wolff: Princípios de direito natural.
L o n d r e s s u a s Memórias da Bastilha, obra
3 vols.
que alcançou grande repercussão e foi
uma das mais vendidas na França no Wolff foi u m d o s grandes nomes do

século XVIII. 17 Iluminismo alemão.

Sua História imparcial dos jesuítas, A análise de bibliotecas esbarra e m

editada em 1768, foi queimada por várias dificuldades. Uma delas, de difícil

decreto d o Parlamento de Paris, ao pé solução, diz respeito a u m livro da

da escadaria do palácio, apesar do biblioteca do cônego, objeto de dúvidas

'imparcial' do titulo. e especulações e matéria controversa


entre os historiadores. Trata-se de
11) História da América Inglesa, sem
Elementos da arte militar. Uma obra de
i n d i c a ç ã o d o autor.
estratégia militar na estante de um
As obras que abordavam a
sacerdote revolucionário suscita
independência dos Estados Unidos
indagações , suspeitas e interpretações
despertavam grande interesse nos
polêmicas. O livro estaria ali servindo o
intelectuais brasileiros da época.
padre-filósofo ou o padre-conspirador?
12) B i e l f e l d : Institutions politiques.
Sua função era formar o intelecto o u
Esta o b r a , d e u m d o s m a i o r e s e x p o e n t e s dilacerar a carne?
do Iluminismo alemão, c o n t é m o mais
Eduardo Frieiro n á o vê mais do que
violento ataque que j á se fez à
febre de i n s t r u ç ã o . 1 9

I n q u i s i ç ã o . Diz o a u t o r q u e e r a p r e c i s o ,
secretamente, p ô r fogo no palácio e nas Márcio Jardim discorda d o ponto de

prisões da Inquisição, que ele chama de vista de Frieiro, alegando que no acervo
do cônego n ã o se nota nenhuma
'horrível Tribunal' e de 'monstro
inutilidade, "nada estava ali por acaso
hediondo'. Tacha Portugal de nação
numa simples composição de
'carola e supersticiosa'. 1 8

estante". 2 0

13) Vattel: Direito das gentes. 3 vols.


Frieiro cita o d e p o i m e n t o de D o m i n g o s
Obra proibida e queimada pela
Vidal na Devassa de Minas, m a s náo o
Inquisição espanhola e m 1779.
considera suficiente para provar que o
14) O b r a s d e M o n t e s q u i e u . 6 v o l s . cônego tenha desempenhado o papel de
Montesquieu foi u m importante marco estrategista militar, n ã o cita, contudo,

pag. 160, jan/dez 1995


R V O
%

o depoimento de Vidal na Devassa do quimera ideada e m tertúlias literárias


Rio. Cotejando-se o s dois d e p o i m e n t o s , nem um simples devaneio romântico em
pode-se verificar que o da Devassa do amenos entretenimentos pós-prandiais.
Rio acrescenta u m dado importante, Ela teve u m a f u n d a m e n t a ç ã o ideológica
através de u m a única palavra. Senão, e estratégica, e o plano militar
vejamos: realmente c o u b e ao c õ n e g o Luís Vieira
da Silva.
"...tinha feito u m plano..."(Devassa de
Vê-se que a participação do cõnego no
Minas). 2 1

movimento foi intensa e da maior


"...tinha feito u m papel..."(Devassa d o
relevância. Graças à sua erudição e aos
Rio). 2 2

livros que conseguiu, foi um dos


Pela Devassa do R i o , sabe-se que o redatores das leis s e m ser advogado e
plano do cõnego era por escrito, no o responsável pela estratégia militar
papel, possivelmente c o m u m gráfico, s e m ser militar. Do m e s m o m o d o q u e
e não, um simples plano verbal, u m não leu as leis d o s norte-americanos por

palpite que entra por u m ouvido e sai 'febre de instrução', parece que não leu

pelo outro. A C o n j u r a ç ã o não foi u m a t a m b é m o s Elementos da arte militar

A r e v o l u c i o n á r i a obra do abade Raynal, tachada pela Sorbonne de " d e l í r i o de uma alma í m p i a e

queimada por ordem do Parlamento f r a n c ê s . Exemplar da Biblioteca Municipal de S ã o J o ã o dei Rei.

Acervo. Rk> de Janeiro, v. 8. n' 1-2. p. 155-166. jan/dei 1995-pag.l6l


A C E

p e l o m e s m o m o t i v o . O fato d e ter e s s e Unidos. Havia pressão psicológica dos


livro e m sua biblioteca náo prova que o o u t r o s países s o b r e o s b r a s i l e i r o s p a r a
tenha lido, mas é provável que s i m . fazerem também a sua independência.
Mais c e d o o u m a i s tarde e l a se d a r i a , c o m
A b i b l i o t e c a d o dr. J o s é P e r e i r a R i b e i r o
luta, n a t u r a l m e n t e , e para e l a s e r i a m d e
ajuda a esclarecer a questão, pois ele
utilidade os Elementos da arte militar.
tinha também os Elementos da arte
militare. igualmente náo era militar, mas A biblioteca do cônego tinha a m e s m a

é provável que tenha dado apoio característica, c o m a d i f e r e n ç a de que

i n t e l e c t u a l a o m o v i m e n t o . Por q u e u m e m vez de obras j u r í d i c a s havia o b r a s

advogado e p o e t a se interessaria por tal filosóficas e teológicas. Mas o interesse

a s s u n t o ? n ã o se fale o u t r a v e z e m ' f e b r e por obras iluministas e relativas aos

d e i n s t r u ç ã o ' . Isso n ã o e x p l i c a t u d o . Mão Estados Unidos é o mesmo. Os

se s a b e d e n e n h u m a o u t r a p e s s o a e m Elementos da arte militar nào se

Minas, naquela época, que tivesse o encontravam aleatoriamente nas duas

livro. P r o c u r a m o s nos arquivos de O u r o b i b l i o t e c a s , mas e s t a v a m dentro de u m

Preto e M a r i a n a o s i n v e n t á r i o s d e t o d o s mesmo contexto bibliográfico, corres-

os oficiais do Regimento de Cavalaria pondendo aos m e s m o s interesses e

Regular de Minas Qerais. Encontramos expectativas e não a uma epidemia de

alguns, não conseguimos localizar f e b r e c u l t u r a l . Meias h a v i a o e x e m p l o a

outros. Em nenhum dos inventários ser seguido e a teoria e prática

consultados figura a obra. revolucionárias. As duas bibliotecas


formavam um arsenal ideológico de
Para c o m p r e e n d e r a sua presença na
p r i m e i r a o r d e m , p r i n c i p a l m e n t e a d o dr.
b i b l i o t e c a d o dr. R i b e i r o , t e m o s que
J o s é P e r e i r a R i b e i r o , q u e p a r e c e ter s i d o
examiná-la no contexto bibliográfico e m
o grande suporte ideológico da
que ela está inserida. C o m p õ e m o
Inconfidência Mineira. Só alguns oficiais
acervo obras jurídicas, científicas,
tinham livros, porém poucos e sem nada
literárias, e nota-se um conjunto de
de e x t r a o r d i n á r i o a notar quanto à
obras i l u m i n i s t a s e de obras que d i z e m
revolução das idéias ou à estratégia
respeito aos Estados Unidos. Destacam-
militar, c o m e x c e ç ã o do tenente A n t ô n i o
s e , s o b r e t u d o , a o b r a d e R a y n a l , as l e i s
da Silva Brandão, em cuja pequena
d o s n o r t e - a m e r i c a n o s e u m a História da
biblioteca havia uma obra da maior
América Inglesa. O dr. R i b e i r o e s t a v a n a
importância.
Europa', vivendo em meio à
efervescência intelectual da é p o c a , era Um irmão desse oficial, capitão Manuel

jovem e deve ter participado da da Silva Brandão, esteve implicado na

expectativa da separação do Brasil, Inconfidência."

seguindo o exemplo dos Estados O inventário dos bens do tenente

pag. 162. Jan/dez 1995


V o

A n t ô n i o d a Silva B r a n d ã o (que m o r r e u juntamente com uma relação dos


no posto d e sargento-mor) foi feito e m oficiais do Regimento de Cavalaria
Mariana e m 1 8 2 7 . Mele, s ã o arrolados Regular, e m cujas m a r g e n s fez o b s e r -
19 l i v r o s , e m s u a m a i o r i a d e a s s u n t o vações acerca de alguns oficiais. A o lado
militar. C i t a m o s apenas os seguintes: do nome do capitão Manuel d a Silva
Tratado das evoluções militares; Brandão escreveu: " C o m seu efetivo,
Instrução do Regimento de Cavalaria muito suspeito". E sobre o tenente
Miliciana; Máximas da guerra; Antônio da Silva Brandão anotou:
Instruções militares de...(ilegível); "Irmão do capitão Brandão; é h á b i l . 2 5

Instruções secretas de Frederico


Seria interessante saber também o que
Segundo; Das instruções para a
liam os alunos de Mariana e c o m o os
infantaria.
livros chegavam até eles. Encontramos
O manuscrito é de leitura difícil, porque numa das prateleiras do Arquivo do
em muitos pontos está c o m a tinta Museu d a Inconfidência, de Ouro Preto,
bastante apagada. Encontra-se no numa pilha de fragmentos de
Arquivo da Casa Setecentista de inventários, um traslado do seqüestro
Mariana. 2 4
dos bens do inconfidente Vicente Vieira
da Mota, guarda-livros do contratador
As Instruções secretas são instruções
João Rodrigues de Macedo. O
m i l i t a r e s d e F r e d e r i c o II, r e i d a P r ú s s i a ,
documento estava erroneamente
um d o s maiores estrategistas do século
classificado como inventário de 1721,
XVIII, a m i g o e p r o t e t o r d o s f i l ó s o f o s
apesar do zelo c o m que o material é ali
i l u m i n i s t a s , e n t r e o s q u a i s V o l t a i r e . Mão
guardado. Esse e q u í v o c o repete outro,
se s a b e q u a n d o e s s e p r e c i o s o l i v r o f o i
cometido no Fórum de Ouro Preto, de
a d q u i r i d o , s e n o f i m d o s é c u l o XVIII o u
onde procede o manuscrito: escreveram
no início do século XIX, j á que o
na f o l h a i n i c i a l , aliás parcialmente
inventário é de 1827. O mais provável
dilacerada e de difícil leitura, '1721
é que esse e alguns outros volumes de
lnventr". C o m o d i s s e m o s , trata-se de
estratégia militar tenham penetrado e m
um traslado. O documento original
Minas Gerais na segunda metade do
encontra-se no Instituto Histórico e
século XVIII, pois o visconde de
Qeográfico Brasileiro, no Rio de Janeiro.
Barbacena considerava o tenente
Antônio da Silva Brandão 'hábil', e essa Um trecho do manuscrito nos informa
habilidade naturalmente decorria da que o tenente Antônio Gonçalves da
l e i t u r a e e s t u d o d e t a i s l i v r o s . E m 11 d e Mota, testamenteiro d o padre Francisco
fevereiro de 1 7 9 0 , o visconde enviou de Paula Meireles, professor régio de
um ofício a Martinho de Melo e Castro, Filosofia e m Mariana, comunicou que o
secretário da Marinha e Ultramar, referido padre pedira em seu

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n* 1-2. p. 133-166. Jan/dez 1995 - pag. 163


A C E

testamento 2 6
que fossem entregues ao heresia caía e m outra.
Juizo do Fisco vários livros pertencentes
Aí e s t á u m a p e q u e n a a m o s t r a d o que
ao c o n f i s c a d o Vicente Vieira da Mota,
padres e alunos liam em Mariana. O
que os tinha e n c o m e n d a d o de Portugal
c õ n e g o Luís V i e i r a d a S i l v a t a m b é m t e r i a
para s e r e m v e n d i d o s aos seus alunos
a d q u i r i d o livros por m e i o de Vicente
(não indicamos o número da folha
Vieira da Mota? Este é que
porque elas não estão numeradas).
h a b i t u a l m e n t e m a n d a v a vir l i v r o s de
Os livros que o padre Meireles ia vender Portugal para os letrados de Mariana e
aos seus alunos são, entre outros,, os Vila Rica? Eis um indício que merece
seguintes: 11 v o l s . d a Lógica e 10 d a reflexão e pesquisa. O capitão Vicente
Metafísica, de Q e n u e n s e . V. d a M o t a e r a g u a r d a - l i v r o s do rico
É curioso notar que os alunos contratador J o ã o Rodrigues de Macedo,
e s t u d a v a m nas o b r a s d o p a d r e A n t ô n i o c u j a c a s a foi u m d o s l o c a i s d e e n c o n t r o
Qenuense ou Qenovesi, nome dos inconfidentes . A f i r m o u a Basílio de
representativo do Iluminismo italiano, Brito que era amigo do c õ n e g o , c o m o
sacerdote tido como avançado e revela Basílio e m sua c a r t a - d e n ú n c i a . 2 7

perigoso. Apesar disso, suas obras Mo t r a s l a d o d o a u t o d e s e q ü e s t r o d o s


estavam em muitas bibliotecas de bens de Mota, Luís Vieira figura c o m o
padres e leigos da c a p i t a n i a de Minas um dos seus devedores. A amizade

Qerais. liada podia deter o fluxo das e n t r e o s d o i s e as r e l a ç õ e s d e c o m p r a e

i n o v a ç õ e s . Era d i f í c i l m a n t e r a o r t o d o x i a venda ou de e m p r é s t i m o levam-nos a

num mundo marcado pela inquietação considerar a possibilidade da

mental e pelo alvoroço das novas i n t e r m e d i a ç ã o de Mota na a q u i s i ç ã o de

aspirações. Quem escapava de uma livros do c õ n e g o .

pag 164. Jan/dez 1995


R V O

H O T A S
1. AUTOS d a D e v a s s a d a I n c o n f i d ê n c i a M i n e i r a ( A . D . I . M . ) . E d i ç ã o d a C â m a r a d o s
D e p u t a d o s e d o G o v e r n o d o E s t a d o d e M i n a s G e r a i s , 1 9 7 6 , vol.11, p . 6 7 .
4

2. I d e m , i b i d e m , II, p p . 1 0 0 - 1 0 1 .

3. I d e m , i b i d e m , V, p p . 1 4 9 - 1 5 0 .

4. I d e m , i b i d e m , V, p . 1 7 3 .

5. I d e m , i b i d e m , I, p. 2 0 6 .

6. I d e m , i b i d e m , I, p p . 1 8 9 - 1 9 0 .

7. I d e m , i b i d e m , VII, p. 1 2 5 .

8. I d e m , i b i d e m , I, p. 1 9 0 .
9. I d e m , i b i d e m , II, p. 4 6 .

10. R e c e n t e m e n t e , f o i t r a d u z i d a p a r a o p o r t u g u ê s a Révolution de /'Amérique, do


abade Raynal. Esse trabalho pioneiro se deve a Regina Clara Simões Lopes, e m
e d i ç ã o d o A r q u i v o n a c i o n a l . R i o , 1 9 9 3 . Para m a i o r e s i n f o r m a ç õ e s a c e r c a d a o b r a
do grande iluminista francês, veja-se o substancioso estudo introdutório dos
professores Luciano Raposo de A l m e i d a Figueiredo e Oswaldo Munteal Filho.

1 1 . 2 ° Ofício, códice 5 1 , auto 1.162.

1 2 . REVISTA D O A R Q U I V O P Ú B L I C O M1MEIRO, a n o I, f a s c í c u l o 3 , 1 8 9 6 , p p . 4 4 7 - 4 4 8 .
o

13. C f . a e d i ç ã o d o s i r m ã o s M u r r a y , L e i d e n , 1 7 8 3 , 4 v o l . , p. 3 2 1 .
o

14. Cf. a e d i ç ã o d e P i s s o t , P a r i s , 1 7 8 0 , I o
v o l . , pp. 3 5 0 - 3 5 1 .

1 5 . Cf. a e d i ç ã o d e B a i l l y , G e n e b r a , 1 7 7 6 , 2 v o l . , p p . 4 1 8 - 4 1 9 .
o

16. C f . Index Librorum Frohibitorum, SS.MI D . M . PP. X l l iussu editus anno MCMXLV1II.
Typis Polyglottis Vaticanis, pp. 3 5 4 e 4 0 7 .

1 7 . Ver DARTOri, R o b e r t . Boêmia literária e Revolução. São Paulo: Companhia das


Letras, 1 9 8 7 , pp. 144-145.

18. Cf. a e d i ç ã o d e S a m u e l e J e a n L u c h t m a n s , L e i d e n , 1 7 7 2 , v o l . 3 . , p p . 1 5 e 2 2 .
o

19. Cf. O diabo na livraria do cõnego. Itatiaia e USP, 2 e d i ç ã o , 1 9 8 1 , p. 3 7 .


a

2 0 . Cf. A Inconfidência Mineira - u m a síntese factual. Rio de Janeiro: Biblioteca do


Exército, 1989, pp. 2 8 2 e 3 5 5 .

2 1 . A . D . I . M . , I, p. 2 1 4 .

2 2 . A . D . I . M . , IV, p. 1 4 6 .

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. %* 1-2, p. 153-166, jan/dez 1995 - pag 165


23. J o s é Cruz Rodrigues Vieira considera-o "um sério simpatizante do movimento".
Cf. Tiradentes : a Inconfidência diante da história. Belo Horizonte: 1 9 9 3 , 2 o
vol.,
2° t o m o , p . 7 0 3 . O í l i a m J o s é c o n s i d e r a q u e h o u v e u m a " p r o t e ç ã o e s t r a n h a , e m
meio a tanto e x c e s s o de poder", aos capitães M a x i m i a n o de Oliveira Leite e Manuel
da Silva Brandão, e x c l u í d o s da devassa, " e m b o r a sabidamente c o m p r o m e t i d o s
p e l o m e n o s p o r o m i s s ã o " . Cf. Tiradentes. Belo Horizonte: Imprensa Oficial, 1974,
p. 2 3 5 .

24. I o
Ofício, códice 1 0 1 , auto 2 . 0 9 6 .

2 5 . A . D . I . M . , VIII, p p . 255-257.

2 6 . O t e s t a m e n t o , d e 2 9 / 3 / 1 7 9 3 (o ó b i t o d e u - s e e m 1 7 9 4 ) , e n c o n t r a - s e n o A r q u i v o
d a C a s a S e t e c e n t i s t a d e M a r i a n a ( L i v r o d e R e g i s t r o d e T e s t a m e n t o s n° 4 2 , I o

Ofício).

2 7 . A . D . I . M . , I, p. 1 0 0 .

A B S T R A C T
Dr. J o s é P e r e i r a R i b e i r o , a t t o r n e y in M a r i a n a , a U n i v e r s i t y of C o i m b r a g r a d u a t e , o w n e d
t h e m o s t i m p o r t a n t i l l u m i n i s t l i b r a r y of M i n a s Q e r a i s i n t h e 18th century, more
n o t e w o r t h y in thi s r e g a r d ( a l t h o u g h a bit s m a l l e r ) t h a n t h e f a m o u s l i b r a r y belonging
to c a n o n L u í s V i e i r a d a S i l v a . Dr. R i b e i r o ' s i n v e n t o r y c o m p r i s e s n u m e r o u s books
r e g a r d e d as s u b v e r s i v e a n d p e r n i c i o u s , m a n y of t h e m b a n n e d by p u b l i c a u t h o r i t i e s
a n d the C h u r c h .

R É S U M É
Me. P e r e i r a R i b e i r o J o s é , a v o c a t à M a r i a n a , a fait s e s é t u d e s à T U n i v e r s i t é d e C o i m b r e ;
il p o s s é d a i t la p l u s i m p o r t a n t e b i b l i o t h è q u e d e 1'état d e s M i n a s Q e r a i s s u r le S i è c l e
d e s L u m i è r e s . De c e p o i n t d e vue, quoique m o i n s vaste, elle était plus remarquable
q u e la f a m e u s e b i b l i o t h è q u e d u C h a n o i n e L u í s V i e i r a d a S i l v a . D a n s 1'inventaire d e
Me. Vieira figure une grande q u a n t i t é de livres c o n s i d e r e s c o m m e s u b v e r s i f s et
p e r n i c i e u x , p l u s i e u r s i n t e r d i t s par le p o u v o i r c i v i l et par 1'Eglise.

pag. 166, jan/dez 1995


Cláudia Heynemann
Mestre e m História Social d a Cultura - PUC/RJ.
Chefe d o Setor de Pesquisa d o Arquivo Nacional.

E d i ç õ e s perigosas?
a Encyclopédie para Rofeeré
Darnton

A
o escolher o philosophes.
tema da Certamente que a
Encyclopédie discussão sobre o
para abordar a obra de caráter das Luzes,
Robert Darnton, nossa ultrapassa e m muito os
intenção é a de ter a limites deste artigo e
oportunidade de articular este *"»•""*" sabemos ser inesgotável o tema'
objeto a outros temas relacionados c o m do Iluminismo e da Ilustração, bem
a história da leitura presentes no como a sua própria conceituaçào e
c o n j u n t o de s u a p r o d u ç ã o . A s s i m , falar delimitação espaço-temporal. Ainda
de um livro como a Encyclopédie, a s s i m , a Encyclopédie, marcada pelo
certamente sugere pensarmos no seu conteúdo filosófico e pela sua
universo de livros clandestinos, nos proposta de sistematização do
panfletos, na pornografia e e m toda u m a conhecimento e mesmo pela plasti-
literatura que será consumida no cidade de suas imagens, pelos autores
período pré-revolucionário. Significa com que contou e pelo processo de
também e sobretudo, refletir sobre as edição e comercializaçáo, é s e m dúvida
origens ideológicas da Revolução e nenhuma o centro irradiador para u m a
sobre o surgimento dos intelectuais. reflexão que é também sobre a natureza

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n« 1-2. p. 167-182. Jan/dez 1995-pag, 167


A C E

de u m a h i s t ó r i a d a l e i t u r a e d a q u i l o q u e das Luzes c o m o assinala Darnton, cabe


ela pode comunicar como história discutir o que é uma história da obra, o
cultural. Às infinitas imagens que se pode contar sobre ela quando
espelhadas pelo 'livro sobre um livro', tantos estudos foram realizados,
acrescentamos então um comentário verbetes publicados, e mesmo seus
centrado em faventure de autores e colaboradores bastante

l'Encyclopédie. analisados. A s s i m , porque partir do que


é paradigmático? Para D a r n t o n , esta
E d i ç õ e s perigosas: a Encyclopédie
especificidade é exatamente um dos
para Robert Darnton
principais atrativos da p e s q u i s a , seguir
U m best seller na época das Luzes, é o t o d a s as e t a p a s d e s u a c o n f e c ç ã o , o q u e
sub-titulo que Robert Darnton dá ao seu não foi possível em outros casos,
L'aventure de /'Encyclopédie , 1
e esta dissipando assim certos pontos
s e r á a h i s t ó r i a a s e r c o n t a d a a partir d e obscuros em relação a história da
1 7 7 2 , quando Diderot está concluindo leitura. Trata-se de uma proposta
o último volume do dictionaire metodológica, que quer aliar os
raisonné, tal c o m o a o b r a se p r o p õ e a aspectos mais materiais da literatura do
ser. Uma obra perigosa, esta é a Antigo Regime à perspectiva empírica
cpnclusão das autoridades francesas, b r i t â n i c a e às t e n d ê n c i a s s o c i o l ó g i c a s e
diante destes volumes que não se estatísticas francesas.
limitam a atingir todos os c a m p o s do
conhecimento, mas que promovem uma E, é n a F r a n ç a que a h i s t ó r i a d a l e i t u r a

transformação radical, destronando o encontra seu solo mais fértil, lançando

antigo reino das ciências, rearranjando amplas questões sobre a história

o universo cognitivo: a razão é moderna. Uma história da leitura no

soberana, a árvore do conhecimento setecentos aponta para reflexões em

tem c o m o tronco a filosofia, de onde torno do caráter pré-revolucionário do

saem os ramos da ciência, deslocada a século, para os conteúdos destas

t e o l o g i a p a r a u m lugar d i s t a n t e , p r ó x i m a leituras, e o c o n j u n t o da o b r a de Robert

da magia negra. Apesar dos subterfúgios Darnton se torna tanto mais

utilizados nos verbetes, das estratégias interessante, quando pensamos que à

das entrelinhas, não p o d e m esconder o a v e n t u r a d a Encyclopédie, soma-se a

fundamento epistemológico que atinge análise que fará das obras

a antiga c o s m o l o g i a . 2 pornográficas, do s u b m u n d o literário,


do c o n j u n t o de livros c l a n d e s t i n o s que
Se é c l a r o p a r a t o d o s n ó s a i m p o r t â n c i a
classificados como 'filosóficos' incluem
que terá a Encyclopédie c o m o síntese
H o l b a c h e as c r ô n i c a s e s c a n d a l o s a s .
do pensamento iluminista, do
racionalismo cientificista, obra suprema Para c o m p r e e n d e r m o s e s t e u n i v e r s o , é

pag 168, jan/dM 1995


Robert Darnton

U aventure
de F Encyclopédie
1775-1800

Préface d'Ernmanuel Le Roy Ladurie

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2. p. 167-182. jan/dez 1995-pagl69


A C E

fundamental analisar todos os aspectos paixão investida nos objetos familiares

que e n v o l v e m a p r o d u ç ã o do livro no que nós admiramos sobre a prateleira

século XV11I, tendo em mente as de nossas bibliotecas e temos dia após

diversas perguntas que Darnton formula d i a e m n o s s a s m ã o s . Por t r á s d a s o b r a s

e que podem se multiplicar do Antigo Regime se d i s s i m u l a uma

infinitamente. Algumas delas têm um vasta comédia h u m a n a . 4

lugar c e n t r a l p a r a o s p r e s s u p o s t o s d e s t e
A c o n v i v ê n c i a e n t r e as o b r a s d a ' m a i s
artigo: c o m o os grandes movimentos
adiantada filosofia' c o m a mais 'reles
intelectuais, como o das Luzes,
pornografia', c o m o a t e s t a m as fontes
repercutem na s o c i e d a d e ? Até o n d e são
por ele utilizadas, se dá no a m b i e n t e da
e n t e n d i d o s ? Q u a l a m e d i d a de suas
sedição, na v a l o r i z a ç ã o das obras
influências? De que forma o
proibidas que c i r c u l a m na T r a n ç a neste
p e n s a m e n t o dos f i l ó s o f o s se revestiu
período, trazendo ainda o surgimento
q u a n d o se m a t e r i a l i z o u s o b r e o p a p e l ?
de u m novo p e r s o n a g e m : o i n t e l e c t u a l ,
O que revela essa empresa sobre a
esse n o v o tipo s o c i a l , h o m e m de l e t r a s 3

transmissão das idéias? Como


deste país tão peculiar que é a Prança
funcionava o mercado literário e que
literária, u m a República das Letras. Esse
papel tiveram os editores, livreiros e
n o v o t i p o e s c a p a às c a t e g o r i a s c l á s s i c a s
outros intermediários da comunicação
do Antigo Regime: "pode estar na
cultural? 3

academia francesa, mas dorme também

Todas estas q u e s t õ e s c o n v e r g e m para a sob os forros, vive nos cafés e se nutre,

o p ç ã o do autor de tratar a literatura como indica Voltaire, de 'rimas e

c o m o u m s i s t e m a de comunicação, esperanças". 6

concentrando-se em seus principais


P r o c u r a r p e r c e b e r as regras d o j o g o d o
protagonistas: autores, editores,
mundo literário, uma sociologia da
livreiros e leitores, descortinando assim
literatura c o m o e s p a ç o de poder, com
uma história dos livros que se
seus campos opostos, alinhamentos e
desenrola no contexto h u m a n o , rica e m doutrinas, certamente é uma o p ç ã o que
personagens pitorescos; os homens e negligencia a análise do texto literário
mulheres que fabricaram e venderam e dos indivíduos, em favor da
os livros são criaturas de c a r n e e c o m p r e e n s ã o de u m s i s t e m a , de u m a
sangue. Eles c o m e r c i a r a m , blefaram, cultura literária na qual os intelectuais
espionaram, mentiram. Eles se representam uma força social. Busca
arruinaram e fizeram fortuna dando assim, prioritariamente, assinalar o
livre c u r s o a toda g a m a de e m o ç õ e s lugar desta R e p ú b l i c a das Letras na
humanas. Procurando-os conhecer, sociedade do Antigo Regime, e m uma
pode-se apreciar a intensidade da leitura que, por um lado, recusa a

pag, 170. Jan/dez 1995


R V O

relação imediata entre as obras e a conteúdo das idéias iluministas, dos


Revolução, mas que se reporta leitores destas obras e do sentido das
incessantemente ao período pré- reformas empreendidas e propostas
revolucionário, no sentido de reafirmar naquele m o m e n t o . S e é certo q u e para
o caráter literário da Revolução, a responder a pergunta inicial, 'o que liam
"revolução no interior d a r e v o l u ç ã o " . 7
o s f r a n c e s e s n o s é c u l o XVIII', é p r e c i s o
u m a acurada crítica de fontes c o m o os
A intelligentsia, essa categoria que se
inventários das bibliotecas, nas quais
apresenta ao público através de seus
não figura a bíblia d a R e v o l u ç ã o , O
escritos sediciosos, merece de Darnton
contrato social, e de onde uma série de
uma demografia e uma sociologia
inferências serão realizadas, não é
histórica, ainda que não se proponha a
menos correto dizer que efetivamente
biografar os 'gênios' individuais. É
o Contrato estava pouco divulgado na
preciso estabelecer q u e m é escritor na
França pré-revolucionária. O que nào
França pré-revolucionária, e para tal ele
exclui o espirito crítico das Luzes,
esclarece u m pouco sobre suas fontes
presente na visão de m u n d o da qual a
c o m o o a l m a n a q u e La France littéraire,
Encyclopédie será o signo.
cujo aparecimento e m 1752 j á indica
mudanças na República das Letras do A Revolução não era de modo algum
Antigo Regime, onde os compiladores pensada pelos homens das Luzes, ainda
cada vez mais incluem nomes, c o m o o que esta se aproximasse, o que não
faz o i n c a n s á v e l L a P o r t e , v e r d a d e i r o e c o elimina o caráter eminentemente
dos enciclopedistas, um de seus político dos textos sediciosos, estes
redatores, descrito pela polícia francesa críticos e virulentos papéis que circulam
c o m o " u m h o m e m de más companhias. às v é s p e r a s d e 1 7 8 9 :
Foi j e s u í t a por oito anos e é u m grande
a sedição se prepara, instila-se nos
amigo do abade Raynal". 8

espíritos, não podemos medir

claramente seus efeitos na ação n e m


Uma intelligentsia que j á se f o r m a e m
recuperar a arriscada alquimia que
torno de Voltaire, Diderot e outros
transmuta a sedição em revolução,
filósofos, mas ainda carente de u m a
mas podemos seguir seus traços e
identidade social e de u m a base
sabemos c o m certeza que ela se
econômica definida, fundando-se na
comunica por u m instrumento temível:
boêmia, no elemento marginal desta
o livro.'
república letrada. Sobretudo a questão
da origem destes intelectuais e de s e u Entre estes livros temíveis, está,
p ú b l i c o receptor, é fundamental para a s a b e m o s , a Encyclopédie de Diderot e
discussão e o debate revisionista sobre d'Alembert. Temível pelos seus próprios
o processo revolucionário, partindo do pressupostos, como anunciamos no

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n 1 -2. p. 167-182. jan/dez 1995 - pag. 171


!
A C E

i n í c i o d e s t e a r t i g o , a Encyclopédie não e como manifesto filosófico 1 0


,

faz u m a p e i o à r e v o l u ç ã o , e sequer identificando assim, o conhecimento

preconiza um capitalismo avançado. com a filosofia, um conhecimento que

Trata-se de u m a o b r a de m e a d o s do só é válido porque derivado das

século em que não se discute faculdades do espírito. Os verbetes do

abertamente as q u e s t õ e s s o c i a i s . Sua dictionnaire, ao contrário do Discurso

heresia está e m afirmar o primado da preliminar, não são tão claros, é preciso

razão, e da razão apenas, redesenhando ler nas entrelinhas., r e c u r s o lubridiador

o mapa do conhecimento humano, o da censura.

que está explicito no Discours Apesar da estratégia, os contem-


préliminaire que, e m uma breve história porâneos não têm dificuldades em
da filosofia, estabelece a genealogia p e r c e b e r o o b j e t i v o d a o b r a . De 1 7 5 1 " ,
intelectual dos filósofos, desfere golpes data em que aparece o primeiro tomo,
contra o tomismo ortodoxo e o até a grande crise de 1759, a
cartesianismo, apresentando sua obra Encyclopédie é denunciada por um sem
c o m o u m a compilação de informações n ú m e r o de instâncias que d e f e n d e m , é

pag. 172. Jan/dez 1995


V o

c l a r o , as v e l h a s o r t o d o x i a s e o A n t i g o de que a R e v o l u ç ã o e n g l o b a muito mais


Regime, n o entanto, o alto investimento do que a literatura, tende a criar um
dos editores garantem sua novo m o d o de v i d a , e é por sua p r ó p r i a
s o b r e v i v ê n c i a , através das influências n a t u r e z a o p o s t a ao s i s t e m a c u l t u r a l d o
políticas empregadas. A polêmica sobre Antigo Regime. Ao transformar a cultura
a obra p e r m a n e c e no entanto, enquanto francesa, revoluciona-se a literatura, náo
a p a r e c e m o s v o l u m e s 3 a 7. Do l a d o d o s apenas o texto, mas a sua própria noção
enciclopedistas, Voltaire empresta seu e, devemos sublinhar, esta é a
prestígio a causa, enquanto Diderot e perspectiva fundamental de Darnton: a
d'Alembert encontram como transformação da literatura como
colaboradores, escritores ilustres, sistema social. Os atos revolucionários
alguns j á c o n h e c i d o s c o m o filósofos: interferem d e c i s i v a m e n t e na liberdade
Duelos, Toussaint, Rousseau, Turgot, de imprensa, na liquidação das
dllolbach, Quesnay e outros. Como c o r p o r a ç õ e s de l i v r e i r o s , na a b o l i ç ã o
assinala Darnton, nada poderia ser d o s m o n o p ó l i o s d a Comédie Française
melhor para as vendas do que a e da Opera, na destruição das
incessante controvérsia que a obra a c a d e m i a s , no f e c h a m e n t o dos salões
d e s p e r t a : a Encyclopédie é um sucesso e por fim no a n i q u i l a m e n t o do sistema
e d i t o r i a l , m u l t i p l i c a n d o as s u b s c r i ç õ e s de p r o t e ç ã o da c o r t e . 1 2

a n o a a n o , e n q u a n t o se d e s e n r o l a m as Ao apresentar sua análise da


crises e m t o r n o de s u a p u b l i c a ç ã o . Encyclopédie, Darnton afirma que um
livro sobre um livro, é um jogo de
Em Laventure de 1'Encyclopédie
espelhos, m u l t i p l i c a n d o as imagens
Darnton procura assim cumprir a
infinitamente. Podemos pensar que
p r o p o s t a de s i m u l t a n e a m e n t e traçar a
assim funciona seu p r ó p r i o m é t o d o para
sua história editorial, a empresa de sua
n ó s , s e u s l e i t o r e s . Ele se p e r g u n t a r á e m
c o n f e c ç ã o e, p o r o u t r o l a d o , i n t e r p r e t a r
um certo m o m e n t o , porque a literatura
o sentido que ela terá na França pré-
foi tão i m p o r t a n t e para os f r a n c e s e s ,
revolucionária, sua relação com as
como encontraram tempo para o
idéias de c a p i t a l i s m o e de E s t a d o , as
Philinte de Molière, e n q u a n t o nas ruas
implicações e n f i m que ela terá do ponto
há u m a l u t a d e s e s p e r a d a e m t o r n o d o
de v i s t a d a r e v o l u ç ã o l i t e r á r i a q u e o p e r a
que será o novo regime. A sua resposta
no i n t e r i o r d a R e v o l u ç ã o .
é o caráter literário da Revolução. Mas,
poderíamos perguntar: porque a
E m o u t r a de s u a s o b r a s , Qens de lettres,
literatura é tão importante para Robert
gens de livre, ele levará adiante este
D a r n t o n ? De q u e p o n t o d e o b s e r v a ç ã o
tema, certamente u m a tese central, da
e l e se s i t u a ?
afirmação do caráter literário da
Revolução. Nela está implícita a crença Por u m l a d o , a o d e m a r c a r a h i s t ó r i a d a

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n 1-2, p. 167-182. jan/dez !995-pag.l73


f
A C E

leitura c o m o um c a m p o específico de r e c o n s t r u ç ã o , é na verdade a tese de


conhecimento, ele anuncia que é Darnton. Ele dirá, então, que enquanto
c h e g a d o o m o m e n t o de aliar a teoria produtos do sistema literário particular
literária à história dos livros: ao Antigo Regime, os escritores da
Revolução revolucionam a literatura:
A teoria pode revelar a variedade nas
"eles começam a partir de 1789
reações potenciais a um texto, ou seja,
capturando o centro sagrado do antigo
aos constrangimentos retóricos que
sistema literário - o espaço modelado
dirigem a leitura sem determiná-la. A
por Molière - e terminam em 1794
história pode mostrar que as leituras
i n t r o d u z i n d o - o no c o r a ç á o d e u m a n o v a
realmente ocorrem, ou seja, dentro dos
cultura política". 1 4

limites de um corpo imperfeito de


Caberia aos intelectuais encontrar uma
evidência (...). Por isso eu
ordem nesse novo regime. Suprimidas
argumentaria em prol de uma
as i n s t i t u i ç õ e s literárias do Antigo
estratégia d u p l a , que c o m b i n a r i a a
R e g i m e , as n o v a s f o r m a s literárias
análise textual com a pesquisa
figuram agora c o m o e l e m e n t o s de u m a
empírica. 15

cultura revolucionária e o fazem


A s s i m , a despeito de anunciar a o p ç ã o
retornando à experiência anterior. Mo
por uma análise do sistema de
entanto, Darnton assinala que a
c o m u n i c a ç ã o , p r o p õ e a incorporação da
Revolução teve uma amplitude que
teoria literária c o m o instrumento para
ultrapassou a compreensão daqueles
uma história da leitura. É ainda, a nosso
que foram seus artistas. Diferenciando-
ver, u m a l e i t u r a e x t e r n a a o t e x t o , no
se de um revisionismo mais
s e n t i d o d e u m a c r í t i c a q u e n à o parte d o
disseminado, corrente, ele define que
próprio objeto, da obra de arte, das
" a m e u ver, é u m a r e v o l u ç ã o t o t a l e m
condições internas à escrita, mas que é
seu programa, e segue na s u a prática
em parte alcançada em momentos
u m a r e v o l u ç ã o no t e m p o , no e s p a ç o e
p r i v i l e g i a d o s de s e u t e x t o , c o m o q u a n d o
nas r e l a ç õ e s p e s s o a i s c o m o n a p o l í t i c a
analisa o Philinte de Molière, com
e na sociedade" 1 5
, estando além,
personagens que se movem sem
portanto, de u m f e n ô m e n o político
qualquer alusão ao que neste m o m e n t o
derivado do d i s c u r s o de t e ó r i c o s c o m o
a c o n t e c e nas r u a s .
Rousseau e Sieyès.

P e r c e b e r que a r e c o n s t r u ç ã o s o c i a l d a Ma o b r a de D a r n t o n p e r s i s t e a q u e s t ã o
realidade passa pela volta aos temas básica da repercussão dos grandes
herdados do Antigo Regime, movimentos intelectuais como o das
enquadrando suas observações nos L u z e s , na s o c i e d a d e . M a i s d o q u e u m a
gêneros familiares, assinalando a questão, ela é em si u m a p r e m i s s a , e é
impossibilidade da tarefa de através dela que se opera a sua análise.

pag. 174. jan/dez 1995


V o

R e t o m a n d o a s s i m , a o p o s i ç ã o Voltaire/ na R e p ú b l i c a das Letras do Antigo


Rousseau, ele conclui que Robespierre Regime e seu papel no processo
baniu o riso da República da virtude. revolucionário está no centro da

Eles sabiam muito bem o que faziam. discussão sobre o revisionismo. A

Esta era u m a e m p r e s a i m p o r t a n t e , ' r e v i s ã o ' o p e r a d a p o r D a r n t o n , se d á e m

nada menos do que a reconstrução uma perspectiva bastante específica, e

social da realidade. Também talvez seja um excesso de Le Roy

começaram uma tarefa que Rousseau Ladurie incluir o autor c o m o um dos

lhes deixou. Uma tarefa tão "quatro mosqueteiros do revisionismo

extravagante que ultrapassa o nosso pré-revolucionário", no prefácio à

entendimento - a correção de Molière. 16 faventure de /'Encyclopédie, ao lado de

O lugar q u e estes intelectuais o c u p a m Furet, Daniel Roche e Qayot.

Diderot, Denls et alll. Encyclopédie. Dictlonnalre r a l s o n n é des sciences, des arts et des m é t i e r s .

Paris: Briasson, 1751 - 1780, 35 vols.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2, p. 167-182, jan/dez 1995-pag.l75


c E

Renovar a c o m p r e e n s ã o das origens Para L a d u r i e , a s L u z e s e s t ã o l o n g e d e


intelectuais e culturais da França, serem especificamente burguesas, a
significa de q u a l q u e r f o r m a , repensar fortiorí capitalistas, aprofundando o
q u e m são estes intelectuais e qual o caráter perfil de u m a Ilustração vinculada à
das Luzes. É D a r n t o n q u e m se interroga nobreza, extremamente poderosa nas
sobre o conceito de ' r e v o l u ç ã o burguesa'. cidades setecentistas francesas,
Cia resultará burguesa talvez, pelos seus reavaliando "o monstro feudal", o
objetivos finais, m a s intelectualmente as E s t a d o , " c o m o se m u i t a á g u a n ã o t i v e s s e
L uzes , d a s quais s ã o i n q u e s t i o n á v e i s o s corrido s o b as pontes d o S e n a desde
prolongamentos revolucionários, estão flugues Capet". 1 7
Ladurie parte das
ligadas a u m p ú b l i c o receptor apenas e m estatísticas dos compradores da
parte ligado às f o r m a s vanguardistas d o Encyclopédie, cuja c o n c e n t r a ç ã o se d á
capitalismo b u r g u ê s . em cidades dominadas pela nobreza,

Diderot, Denis et alii. Encyclopédie. Dlctionnalre r a i s o n n é des sclences, des arts et des m é t l e r s .

Paris: Briasson, 1751 - 1780, 35 vols.

pag. 176, jan/dez 1995


R V O

muito mais do que em cidades Neste ponto, o prefácio torna-se


caracteristicamente comerciais. Os bastante interessante por efetuar u m a
compradores/leitores urbanos da obra genealogia das academias e sociedades
concentram-se no clero, na fraçáo científicas, e os pontos de clivagem
esclarecida da nobreza e e m u m a certa entre os aristocratas e o Terceiro Estado,
porção da burguesia que compõe-se de o processo constitutivo das academias,
notáveis que vivem de renda fundiária, das sociabilidades científicas, sua
arrendatários que têm ganhos derivados composição e a passagem de u m a
do Estado, funcionários públicos, cultura típica do cristianismo clássico
militares, médicos, advogados e t c . Mo para a cultura de origem antiga e
coração dessa clientela enciclopedista, renascentista, cartesiana e voltairiana
há o E s t a d o , a q u i c l a s s i f i c a d o c o m o u m que distinguem as a c a d e m i a s . Um
Estado citadino, matriz da nossa progressivo movimento que torna os
modernidade, a despeito de uma membros das academias, "igualitários
aparência indiscutivelmente tradicional, no interior de si m e s m o s , culturalmente
da p e s s o a d o rei e d o s ritos de etiqueta enciclopedistas" 1 9
, típicos de uma
da corte. O que ele enuncia neste sociedade de corporações. As
prefácio, é que os m e m b r o s o u satélites sociedades científicas serão o palco de
deste Estado, justamente por estarem uma diferenciação entre aristocracia e
em seu interior, estão atentos às Terceiro Estado. A Encyclopédie se
transformações sócio-políticas das integra à desestabilização de um
estruturas burocráticas e gover- conjunto de sócio-culturas do Antigo
namentais, preparando uma revolução, Regime, como avalia Ladurie. Em
à s u a maneira, que irá muito adiante conjunto c o m toda u m a crise financeira,
deles. 1 8
política e de subsistência, entre os anos
de 1787 e 1 7 8 9 , vai abaixo o "edifício
Não d e v e m o s exagerar, adverte Ladurie.
que uma geração de cupins intelectuais
Não os façamos responsáveis pelas
haviam previamente roído até as
Luzes n e m pela Revolução, que eles
vigas". 2 0

involuntariamente a j u d a r a m a preparar.
Afinal, por volta de 1 7 8 0 , os De q u e f o r m a a Encyclopédie se integra
comerciantes das pequenas cidades não a este p r o c e s s o ? A p r o d u ç ã o e difusão
se i n t e r e s s a v a m nem pela aquisição, da o b r a , s u a singularidade, um dos
n e m p e l a l e i t u r a d a Encyclopédie. Eles atrativos que ela oferece c o m o objeto
estavam muito ocupados e m comprar para u m a história d a leitura no Antigo
tapeçarias para decorar suas casas. Não R e g i m e , n o s traz n o v a m e n t e a m e t á f o r a
interpretavam nem transformaram o do j o g o de e s p e l h o s , pois do seu
mundo. Idéias, política e reformas conteúdo filosófico à sua materialidade,
estavam na cabeça de intelectuais. há u m d e s d o b r a m e n t o incessante de

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2, p. 167-182. jan/dez 1995-pagl77


A C

questões que apontam de certa forma grupo, Darnton identifica u m a tendência


para u m a q u e s t ã o f u n d a d o r a : o q u e l i a m d o s Annales que aplica um princípio de
o s f r a n c e s e s n o s é c u l o XV11I? A i n d a q u e Lucien Febvre, que atravessa toda a
um único livro n ã o possa responder esta história literária, segundo o qual o livro
pergunta, a história das suas edições gera um 'atraso'. A inércia sufocaria o
contém o debate sobre as origens espírito de inovação no quadro da
intelectuais da Revolução, sobre o cultura literária do Antigo Regime e
Antigo Regime, sobre o campo quanto maior o número de livros, mais
específico de c o n h e c i m e n t o que pode a inércia se instalaria, entravando o
ser a história d a leitura e n ã o m e n o s progresso. Assim, a despeito do
importante, senão u m a exegese, u m a crescente interesse pelas publicações
análise bastante aprofundada do que científicas, os franceses e m sua maioria
séria a síntese do pensamento continuaram a ler o s livros clássicos e
iluminista e do enciclopedismo, uma religiosos que liam seus pais. A
herança que ultrapassa e m muito seu c o n s e q ü ê n c i a de todo este raciocínio é
espaço-tempo. que as Luzes não penetraram nas
correntes mais profundas da cultura
Porque, seja ou nào, o maior
tradicional, constituindo um fenômeno
empreendimento da história do livro,
superficial s e m efeito sobre a maioria
como proclamaram seus editores, a
dos indivíduos. 2 2

Encyclopédie foi certamente o


O estudo de uma única obra não
acontecimento mais extraordinário do
permite avaliar a influência exercida
s é c u l o XVIII. E s t a a f i r m a ç ã o d e D a r n t o n ,
pelo livro e m geral, adverte Darnton,
ancorada no m e r c a d o editorial do
tarefa q u e ele d e s d o b r a r á n o c o n j u n t o
período, tornando mensurável esta
de s u a o b r a , p e s q u i s a n d o o universo da
" c o n c r e t i z a ç ã o d a s L u z e s " , traz e m s i
2 1

literatura clandestina através dos


alguns debates historiográficos, dos
diversos gêneros que a compõe.
mais relevantes, sobre o alcance da
Conforme ele elabora no capítulo "Os
o b r a . De u m l a d o , a v i s ã o d e q u e a s
leitores respondem a Rousseau: a
Luzes são u m vasto movimento que
fabricação da sensibilidade
modifica a opinião pública, de outro, os
romântica" : 2 3

que a c o n s i d e r a m c o m o u m m o v i m e n t o
s u p e r f i c i a l restrito a u m c í r c u l o p e q u e n o " q u a n d o o s philosophes empreenderam
de intelectuais. a conquista do mundo, com o seu

mapeamento, sabiam que o sucesso


A primeira tese está representada por
dependeria de s u a habilidade e m
historiadores como Tocqueville, Paul
imprimir sua visão de mundo nas
tiazard, Gustave Lanson e e m certa
mentes de seus leitores. Mas c o m o
medida, Daniel Mornet. Mo s e g u n d o

pag. 178, jan/dez 1995


V o

ocorreria esta operação? O q u e , de participam de u m vasto processo pelo


fato, era a leitura na França do s é c u l o qual as idéias repercutem através das
XVIII?'. artérias comerciais e se infiltram e m
todos os recantos do continente. Sabem
Responder a esta questão, compreender
que são os agentes das Luzes, porque
esta e x p e r i ê n c i a q u e n o s é tão familiar
vêem na difusão destas idéias, u m a
e no entanto tão distante
"mina de ouro" 2 5
a ser explorada. Ao
historicamente, eqüivale a "penetrar e m
trabalhar com o mercado da
um mistério mais profundo - saber c o m o
comercialização do livro, Darnton
as p e s s o a s s e o r i e n t a m n o m u n d o d e
realiza aquela que é u m a de suas
símbolos tecido e m torno delas por sua
propostas metodológicas, a de um
cultura". 2 4

sistema de comunicação onde figuram


Um d o s v e í c u l o s para este m u n d o s ã o diversos personagens como artesãos,
as f o n t e s u t i l i z a d a s p o r D a r n t o n e m s u a s operários, livreiros, editores, todos eles
pesquisas, destacando-se os arquivos da participantes da C o m é d i a humana. É na
Société Typographique de Meuchãtel, comercialização da obra, na relaçào
u m a casa editora suiça. Mais d o q u e as entre oferta e d e m a n d a q u e cerca a
fontes impressas o u q u e os d o c u m e n t o s publicação e circulação da Encyclopédie
oficiais de Estado, os arquivos das casas em suas diversas edições, da primeira
editoras permitem um contato c o m o a t é a Encyclopédie méthodique de
mundo d o s livros tal c o m o ele era no Panckoucke, que ele localiza uma
século XVIII. Ainda que estes p r i m e i r a r e l a ç ã o entre o l i v r o e o e s p í r i t o
documentos n ã o permitam u m a idéia capitalista, e é na 'ferocidade' dos
exata d a história do livro propriamente, editores que se c o n f i r m a m os dados
desde j á p o d e m o s saber q u e Voltaire e estatísticos: há u m a avidez pelo
Rousseau são e n d e r e ç a d o s a u m vasto enciclopedismo. 2 6

público e que o sucesso da


No entanto, é também na própria
Encyclopédie t e s t e m u n h a o atrativo q u e
afirmação d o grande alcance das Luzes,
as L u z e s r e p r e s e n t a m p a r a a s c l a s s e s
que o autor inicia u m a espécie de
superiores e m é d i a s , s e n ã o para as
caminho de volta, náo no sentido de sua
massas que fazem a Revolução.
relativização, mas do rompimento de
Nào é u m f e n ô m e n o restrito a França, u m a r e l a ç ã o d i r e t a e a u t o m á t i c a entre a
mas m e s m o q u e os estudos estatísticos Encyclopédie e a Revolução Francesa.
náo possam ser efetuados para outros Ou seja, que ela não nos responde sobre
países (refere-se aos lugares mais as o r i g e n s i n t e l e c t u a i s e i d e o l ó g i c a s d o
'distantes' c o m o Ásia e América), pode- processo desencadeado em 1789. A
se p e r c e b e r a r e a l i d a d e d o m e r c a d o d e obra é muito vasta e n à o p o d e m o s saber
livros. Os livreiros sabem que que tipo de influência terá tido sobre

Acervo. Rio dc Janeiro, v 8. n* 1-2, p. 167-182. jan/dez 1995 pagl79


A C E

seus leitores e muito m e n o s afirmar q u e continuidades, linhas que podem ser


a leitura de suas milhares de páginas os traçadas entre a e d i ç ã o de Diderot e a
impregnou de j a c o b i n i s m o . Contudo, de P a n c k o u c k e , d a s a c a d e m i a s r e a i s a o
seu sucesso editorial nos permite Instituto nacional ou ainda do
perceber que enciclopedismo ao j a c o b i n i s m o , como
assinala Darnton e m s u a conclusão de
p a r a o p ú b l i c o d o s é c u l o XVIII a o b r a
faventure de /'Encyclopédie. no
representa u m m o d e l o de coerência.
entanto, ele apostará no caráter
Ela mostra que o c o n h e c i m e n t o é
igualmente significativo das rupturas.
ordenado e não caótico, que o principio

d i r e t o r é a r a z ã o (...) enfim que os Seu sentido está no d e s l o c a m e n t o de


critérios racionais aplicados às um sistema cultural:
instituições contemporâneas
A Revolução aboliu o privilégio, principio
contribuem para desmascarar a
fundamental d o Antigo Regime, depois
insensatez e a iniqüidade. 2 7

ela reconstruiu u m a nova ordem em

Mais d o q u e u m p r o d u t o d e i n t e l e c t u a i s torno dos princípios da liberdade e

' c o r a j o s o s ' , as L u z e s f i l o s ó f i c a s - f o s s e m igualdade. Essas abstrações podem

ou não um produto do refinamento parecer vazias hoje e m d i a , m a s elas

burguês o u , por outro lado, empresa da tiveram um sentido crucial para a

nobreza e da burguesia de Estado ou geração revolucionária da França. A

ainda um produto que circula em história d a Encyclopédie mostra como

grandes proporções como mostra a elas se expressaram no papel,

h i s t ó r i a d a Encyclopédie - compõem um disseminadas na ordem social,

mundo que se desintegrou ainda e n c a r n a d a s nas i n s t i t u i ç õ e s e integradas

naquele século, e do qual retém a u m a nova visào de mundo. * 2

pag. 180. jan/dez 1995


V o

M O T A S
1. DARNTON, Robert. L aventure de 1'Encyclopédie, 1775-1800: un best seller au
siècle des Lumières. Paris: Librairie A c a d é m i q u e Perrin, 1 9 8 2 .

2. I d e m , i b i d e m , p. 3 0 .

3. I d e m , i b i d e m , p. 2 4 .

4. DARNTON, R. Oens de lettres, gens de livre. Paris: Éditions Odile J a c o b , 1 9 9 2 , p. 10.

5. O b s e r v a m o s q u e a Encyclopédie é r e a l i z a d a p o r Gens de lettres.

6. D A R N T O N , R . G e n s de lettres, gens de livre, o p . c i t . , p. 121.

7. I d e m , i b i d e m , p. 8 .

8. I d e m , i b i d e m , p. 1 2 5 .

9. D A R N T O N , R. Edição e sedição; o universo d a literatura c l a n d e s t i n a no s é c u l o


XVIII. S ã o P a u l o : C o m p a n h i a d a s L e t r a s , 1 9 9 2 , p. 1 6 1 .

10. D A R N T O N , R. faventure de /'Encyclopédie, o p . c i t . , p. 3 0 .

1 1 . O A r q u i v o N a c i o n a l p o s s u i a e d i ç ã o c o m p l e t a d a Encyclopédie, 1751-1780.

12. D A R N T O N , R. Gens de lettres, gens de livre, o p . c i t . , p. 1 6 0 .

1 3 . D A R N T O N , R. " H i s t ó r i a d a l e i t u r a " . In: B U R K E , Peter (org). A escrita-da história.


S ã o P a u l o : U n e s p , 1 9 9 2 , p. 2 2 9 . Este t e x t o e n c o n t r a - s e t a m b é m n o l i v r o O beijo
de Lamourette, d e R. D a r n t o n . S ã o P a u l o : C o m p a n h i a d a s L e t r a s , 1 9 9 0 .

14. D A R N T O N , R. Gens de lettres, gens de livres, o p . c i t . , p. 1 6 3 .

15. I d e m , i b i d e m , p p . 1 6 0 - 1 6 1 .

16. I d e m , i b i d e m , p. 1 6 4 .

17. LADURIE, E. L e R o y . " P r é f a c e " . In: D A R N T O N , R. Laventure de l'Encyclopédie,


o p . c i t . , p. 1 2 .

18. I d e m , i b i d e m , p. 1 2 .

19. I d e m , i b i d e m , p. 1 6 .

2 0 . I d e m , i b i d e m , p. 1 9 .

2 1 . D A R N T O N , R. faventure de 1'Encyclopédie, o p . c i t . , p. 5 5 9 .

2 2 . I d e m , i b i d e m , p. 5 6 7 .

2 3 . D A R N T O N , R. " O s l e i t o r e s r e s p o n d e m a R o u s s e a u : a f a b r i c a ç ã o d a s e n s i b i l i d a d e
r o m â n t i c a " . In: O grande massacre dos gatos. Rio de Janeiro: Qraal, 1 9 8 6 .

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n« 1-2, p. 167-182, jan/dez 1995 - pag. 181


2 4 . I d e m , i b i d e m , p. 2 2 7 .

2 5 . D A R N T O N , R. L'aventure de 1'Encyclopédie, o p . c i t . , p. 5 7 0 .

2 6 . I d e m , i b i d e m , p. 5 7 1 .

2 7 . I d e m , i b i d e m , p. 5 8 0 .

2 8 . I d e m , i b i d e m , p. 5 8 7 .

A B S T R A C T
T h i s a r t i c l e p r o p o s e s to a d d r e s s R o b e r t D a r n t o n s w o r k a n d h i s d i s c u s s i o n a b o u t the
h i s t o r y of r e a d i n g , b a s e d o n t h e a n a l y s i s c o n d u c t e d by t h i s a u t h o r , of t h e p u b l i s h i n g
of D i d e r o t s a n d D ' A l e m b e r t ' s Encyclopédie a n d its s u b s e q u e n t r e p r i n t s , i n t h e
f r a m e w o r k of the Ancien Regime a n d the F r e n c h R e v o l u t i o n , h a v i n g t h e i n t e l l e c t u a l
o r d e r s of t h e r e v o l u t i o n as its f o c a i p o i n t .

R É S U M É
C e t a r t i c l e p r é t e n d d i s c u t e r 1'oeuvre d e R o b e r t D a r n t o n et s e s c o n s i d é r a t i o n s s u r
l h i s t o i r e d e l a l e c t u r e , à p a r t i r de l a n a l y s e faite par 1'auter d e la p u b l i c a t i o n d e
l ' E n c y c l o p é d i e , d e D i d e r o t et D ' A l e m b e r t , d e s e s é d i t i o n s p o s t é r i e u r e s , d a n s le c a d r e
de 1'Ancien R e g i m e et d e l a R e v o l u t i o n F r a n ç a i s e et a c o m m e p o i n t c e n t r a l l e s o r d r e s
i n t e l l e c t u e l s d e Ia R e v o l u t i o n .

pag. 182, Jan/diz 1995


Nireu Oliveira Cavalcanti
Arquiteto e professor d a UFF e USU. Doutorando e m História no IFCS-UTRJ.

A l i v r a r i a do T e i x e i r a e a
c i r c u l a ç ã o de l i v r o s n a c i d a d e
do Rio de J a n e i r O o em 1794

N
o Relatório d os que organizaram o Relatório,
governo do vice-r« por uma visão inclusiva -
Luís de Vasconcel englobando comerciantes de
consta que na cidade do Rio de livros, b e m c o m o restauradores e
Janeiro, entre 1779 e 1789, encadernadores - enquanto aqueles que
funcionavam quatro oficinas de elaboraram os Almanaques consideraram
livreiros. 1
J á os Almanaques de 1792 e apenas os que efetivamente
de 1 7 9 4 registram apenas u m a loja comercializavam o s livros? Haveria por
enquanto o de 1 7 9 9 registra d u a s . 2
Ho acaso essa especialização, diferenciando
entanto, nesses documentos não são o livreiro que comercializa, daquele
discriminados q u e m eram os livreiros considerado artífice? E m b u s c a de
proprietários dessas lojas o u oficinas. e s c l a r e c i m e n t o recorri às o b r a s d e Rubens
De i m e d i a t o s u r g e a i n d a g a ç ã o : P o r q u e B o r b a d e M o r a i s , W i l s o n Martins e J o s é
essa diminuição no n ú m e r o de lojas T e i x e i r a d e O l i v e i r a q u e f o r a m m u i t o úteis
entre 1 7 7 9 e 1 7 9 9 se nesse p e r í o d o a q u a n t o à a b o r d a g e m d a q u e s t ã o geral d a
população crescera e a cidade se cultura d o m i n a n t e d a c i d a d e n o p e r í o d o
expandira ? Teria havido critérios setecentista, m a s pouco esclarecedoras
diferenciados de parte de quem n o tocante a o s livreiros d o R i o d e J a n e i r o
cadastrou essas lojas? Teriam optado, nesse período. 3
Através da obra de

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2, p. 183-194. jan/dez 1993 - pag 183
A C E

Morais t o m e i c o n h e c i m e n t o d a a t i v i d a d e população consumidora de livros. Era a


de u m livreiro d e V i l a R i c a , chamado cidade do Rio, nesse período, a segunda
Manuel Ribeiro dos Santos, que atuava mais importante do Brasil e por onde
e m m e a d o s d o s é c u l o XVIII. Segundo passava todo o comércio mineiro c o m
esse autor o negociante era u m misto o Reino. Possuía um excelente mercado
de l i v r e i r o e d e d o n o d e e m p ó r i o : consumidor formado de funcionários
dos diversos órgãos d o poder p ú b l i c o , de
Ma l o j a d e R i b e i r o S a n t o s v e n d i a m - s e
magistrados, militares graduados,
os produtos da terra e artigos
botânicos, m ú s i c o s e cirurgiões, boticários,
i m p o r t a d o s tais c o m o t e c i d o s ( baetas,
físicos, de artistas c o m o o s m ú s i c o s e o s
bretanhas),chapéus, botas, cobertores,
atores. T a m b é m de professores e seus
c e r a , v e l a s e t c . Ma m e s m a c a r t a e m
a l u n o s , artífices, negociantes e, p o r q u e
que encomendava livros ao seu
não, dos leitores que c o m p r a v a m livros pelo
correspondente e m Lisboa pedia outras
prazer d a leitura.
mercadorias como um
É evidente que se não houvesse um
relógio de parede de autor (fabricante,
dinâmico ambiente cultural no Rio de
d i r í a m o s hoje) ... Ribeiro d o s Santos,
Janeiro organizações como as
pelo q u e se d e p r e e n d e de suas cartas,
Academias n ã o se v i a b i l i z a r i a m . A
tinha biblioteca particular,
primeira delas foi criada e m 6 de maio
principalmente de livros de direito. As
de 1 9 3 6 , c o m o título de A c a d e m i a d o s
cartas revelam conhecimento
Felizes. Era c o m p o s t a de 3 0 m e m b r o s
bibliográfico e certo gosto pelos
sob a presidência do cirurgião-mor
e x e m p l a r e s b e m e n c a d e r n a d o s ... h ã o
Mateus Saraiva. Funcionou por quatro
de s e r d a s i m p r e n s a s ( e d i ç à o , d i z e m o s
anos protegida pelo conde de Bobadela.
hoje) a s m a i s m o d e r n a s e ú l t i m a s e q u e
Após o encerramento dessa entidade só
n e n h u m seja impresso senão de 1720
se tem notícia de uma outra
em diante, c o m títulos dourados nas
funcionando, no a n o de 1 7 7 2 . Messe
costas. Os mais dourados e melhores;
ano, a 18 d e f e v e r e i r o , houve a
todos novos e nenhum usado e pelo
inauguração da Academia Fluviense
estado de terra se costumam
Médica, Cirúrgica, Botânica,
geralmente vender, e estando alguns
Farmacêutica ou Sociedade de História
mais caros por falta das imprensas
natural do Rio de Janeiro (resumindo
(esgotados) n ã o venhal 4

Academia Científica do Rio de Janeiro).


O r a , se e s s e l i v r e i r o d e V i l a R i c a e r a t ã o Funcionou por um tempo maior do que
sofisticado e exigente, assim como a anterior vindo a ser extinta e m 1779.
deviam ser os consumidores, no É importante ressaltar que essa
mínimo teriam o mesmo nível os Academia Científica é anterior à da
livreiros do Rio de Janeiro e a sua Corte, q u e teve o s e u estatuto aprovado

pag. 184. jan/dez 1995


V o

pelo Aviso Régio de 2 4 de d e z e m b r o de f u n d a d a n o g o v e r n o d o v i c e - r e i L u í s de


1779 c o m o título de A c a d e m i a das Vasconcelos. A sessão inaugural ocorreu
C i ê n c i a s de L i s b o a . e m 6 d e j u n h o d e 1 7 8 6 . Para p r e s i d i - l a
foi e l e i t o o c i r u r g i ã o I l d e f o n s o J o s é d a
A presidência da Academia fluminense
Costa Abreu. Essa Sociedade funcionou
c o u b e a o físico J o s é H e n r i q u e Ferreira,
na residência do professor-régio e poeta
autor de v á r i o s t r a b a l h o s c i e n t í f i c o s . 5
O
Manuel Inácio da Silva Alvarenga situada
protetor dessa entidade foi o marquês de
na rua do Cano (atual Sete de
Lavradio, governante ilustrado que muito
Setembro). C o m o término do governo
incentivou o desenvolvimento científico e
de Luís de V a s c o n c e l o s também se
tecnológico na capitania do Rio de J a n e i r o ,
extingue a Sociedade Literária. Anos
c o m o se depreende de s e u Relatório. Esse 6

depois o novo vice-rei, o conde de


vice-rei foi q u e m c r i o u o p r i m e i r o horto
Rezende, incentivou a reabertura da
botânico na c a p i t a n i a , n o m e a n d o para
S o c i e d a d e o que veio a ocorrer no ano
dirigi-lo o acadêmico Joaquim José
de 1 7 9 4 s o b a p r e s i d ê n c i a de Silva
Henrique de Paiva.
Alvarenga. C o u b e ao p r ó p r i o c o n d e de
A terceira e última A c a d e m i a do Rio Rezende, no m e s m o ano, extingui-la e m
c o l o n i a l de que se t e m registro foi d e c o r r ê n c i a de d e n ú n c i a s do rábula
José Bernardo da Silva Frade e do
carpinteiro Manuel Pereira Landim.
Segundo estes delatores, nas reuniões
IMITAÇÃO
da Sociedade eram discutidas idéias
francesas. Entre os presos da Devassa
DE CHRÍSTO.
de 1794 estavam o presidente Silva
Alvarenga e o j o v e m bacharel Mariano
L I V R O I.
J o s é Pereira da F o n s e c a , futuro m a r q u ê s
A T O » a t a aovmà.wnm 1 i p » , ç u »
de M a r i c á . 7

Infelizmente essa d o c u m e n t a ç à o sobre


CAPITULO L as Academias não traz qualquer
Da imitação d* Càriito pelo d**- referência quanto aos livreiros da cidade
preto dê iodas a* v atilada s do
do Rio de J a n e i r o , nesse período. A
» escassez d o c u m e n t a l sobre eles talvez
'% Qrgkf me ttgtte não anda em
explique o porquê de os trabalhos
trevo*. Slo palarra* com duo
ÍMU ÇÊristo nos txhorta k imi- sobre o assunto livreiros só lhes dar
tação d* «dl Viil* e dos «cai
ênfase após o período da chegada da
C o r t e n o Rio d e J a n e i r o , e m 1 8 0 8 .
I m i t a ç ã o de C r i s t o , de T h o m a s A . K e m p i s .
Ao pesquisar no A r q u i v o Nacional o

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8. n» 1 -2, p. 183-194. jan/dez 1995 - pag. 185


C E

fichário de inventários post-mortem e m


busca de dados sobre um proprietário
de c h á c a r a e m L a r a n j e i r a s , encontrei
entre os diversos documentos a ele
referentes u m a parte q u e t r a t a v a d o s
bens de seu sogro J o s é de Sousa
Teixeira. 8
Para m i n h a s u r p r e s a e e m o ç ã o
o referido Teixeira era proprietário de
uma loja onde se vendiam livros,
estando os mesmos ali relacionados!
O 'acaso' tinha posto e m minhas mãos
u m a das trilhas para o d e s v e n d a m e n t o
da grande incógnita de c o m o se dava o
comércio livreiro e quem era o
proprietário da loja citada no
Almanaque de 1794.
Os avaliadores dividiram o estoque da
I m i t a ç ã o de Cristo, de Thomas A . Kempls.
loja e m blocos: u m classificou como
'livros' de cuja listagem ainda
um negócio de pouca monta.
constavam mapas, estampas, óperas e
óculos; o outro foi listado como A diversificação das mercadorias à
'fazenda' contendo a relação dos venda na loja do Teixeira é bem
diversos t e c i d o s , de b o t õ e s , de fios para a s s e m e l h a d a à do livreiro de Vila Rica,
sapateiro, de lenços, meias, bocetas Manuel Ribeiro dos Santos, mostrando
(pequena caixa de papelão ou madeira) que tanto na d a cidade d o Rio de J a n e i r o
e machetes (sabre, faca de mato usada quanto na de Minas Gerais não ocorria
na África o u i n s t r u m e n t o m u s i c a l tipo a especialização que hoje estamos
cavaquinho como também uma acostumados a ver. Essa
pequena viola). O estoque foi avaliado heterogeneidade de atividades
em 2 . 5 3 4 $ 5 6 0 réis, cabendo aos 'livros' comerciais empreendidas por um
a importância de 1.389$480 réis. mesmo 'homem de negócios' é muito
Comparando o valor do estoque da loja freqüente durante o período colonial na
do Teixeira c o m o d a loja de tecidos cidade do Rio de Janeiro. Para esses
(fazenda seca) d e Manuel Rodrigues d o s negociantes a percepção de que
Santos, falecido e m 1794, que alcança determinada transação comercial
o montante de 13.442$576 réis, poderia gerar lucros atraentes levava-os
podemos supor que essa livraria a participarem daquele negócio. Até
deveria, nesse período, ser considerada mesmo pessoas que dispunham de

pag. 186, Jan/dez 199S


V o

recursos mas que nào tinham casa Rio de J a n e i r o , como fez o jovem
comercial estabelecida poderiam se médico Cláudio Grugel do Amaral que
transformar e m negociantes. É o caso, escreveu, e m 1 6 7 9 , d o Rio para um
por e x e m p l o , d o padre J o s é d a Silva amigo em Lisboa solicitando-lhe que
Brandão que e m 1805 arrematou, por c o m p r a s s e até 7 0 $ 0 0 0 réis e m livros
1 . 0 9 7 $ 0 4 6 , u m lote de t e c i d o s de s e d a , segundo a lista que enviara, ou o nosso
em leilão no Real A r m a z é m d a Fazenda, cientista e professor-régio J o ã o Manso
do conjunto de mercadorias apreen- P e r e i r a q u e s o l i c i t o u l i v r o s a o frei J o s é
didas aos contrabandistas. 9
Mariano da C o n c e i ç ã o Veloso que se
encontrava e m L i s b o a . "
Segundo Francisco da Gama Caieiro o
Outra via muito usada era a encomenda
m e r c a d o livreiro na d é c a d a d e noventa d o
direta a livreiros estabelecidos no Reino.
s é c u l o XVIII "continuava v o l u m o s o e firme,
Na documentação da Real Mesa
tanto e m Portugual c o m o no Brasil". O autor
Censória existente no Arquivo Nacional
cita o caso d o negociante de 'grosso trato'
da Torre do T o m b o encontram-se listas
da praça d o Rio de Janeiro de n o m e A n t ô n i o
de livros e n v i a d o s para o Rio d e J a n e i r o
Luís Fernandes q u e escreveu para s e u
pelos mais importantes livreiros de
correspondente e m Lisboa sugerindo: " S e
Lisboa c o m o Leandro d o s Reis Carril,
V.Mercê quizer m a n d a r - m e por s u a conta
J o ã o B a t i s t a R e y c e n d e , v i ú v a M a l l e n 8r
um sortimento d e livros ... n ã o deixará d e
Cia, Diogo Bomgeoris, Paulo Martim,
fazer-lhe b o a c o n t a , e se o fizer cuido q u e
B o r e l St B o r e l , v i ú v a B e r t r a n d e f i l h o ,
não se a r r e p e n d e r á " (...). 10
T a m b é m anotei
Francisco R o l l a n d , Pedro J o s é Reis, Luís
outros c o m e r c i a n t e s e x p o r t a d o r e s como
Cipriano Rebello, os padres oratorianos
Manuel Pinheiro G u i m a r ã e s q u e s o l i c i t o u
e outros. Não se deve desprezar a
licença a Real Mesa C e n s ó r i a para importar
contribuição dos fornecedores não
alguns livros listados. C o m o o m e s m o nào
oficiais e não legalizados que faziam
a f i r m a tratar-se de livros para s e u u s o é
parte d a t r i p u l a ç ã o o u e r a m p a s s a g e i r o s
possível que os tenha comprado para
de algum navio q u e atracara no porto
r e v e n d ê - l o s o u para atender pedido de
do Rio de J a n e i r o , c o m o foi o caso d o
amigo o u familiar.
cirurgião do navio Ulisses, que trouxe
O mercado livreiro no Rio de Janeiro era consigo sete obras de m e d i c i n a para

tão promissor que comportava a vendê-las. O professor-régio e poeta

convivência da loja do Teixeira c o m Manuel Inácio da Silva Alvarenga e m seu

outras fontes de a b a s t e c i m e n t o de depoimento quando preso na Devassa

livros. A maneira mais tradicional de de 1794 declarara que adquirira de u m

uma pessoa adquiri-los era recorrendo marujo o livro proibido Direitos do

a um amigo ou familiar que morasse no cidadão, d o abade Mably, e de u m inglês

R e i n o o u q u e daí s e d e s l o c a s s e p a r a o que passara pelo Rio, vindo d a Bahia, o

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n« 1 -2. p. 183-194. jan/dez 1995 - pag. 187


A C E

exemplar do jornal Mercúrio. Por f i m , Manuel da Rocha Pereira e Manuel


para cá vieram os filhos de Paulo Thiatonio Rodrigues Carvalho. Com a
Martim, o primeiro e m 1 7 9 9 de nome morte de ambos passou a ser
Paulo Agostinho Martim e e m 1806 o comissário o cirurgião Luis Borges
jovem Inácio Augusto Martim. S a l g a d o (antigo m e m b r o d a S o c i e d a d e
Acompanhando Paulo Martim, veio Científica do Rio de Janeiro). Este
Francisco Rolland. 1 2
Esses jovens que falecera em 1789 e no seu lugar
para cá vieram p e r t e n c i a m a famílias assumiu Antônio Jacinto Machado, um
francesas que se estabeleceram como atacadista com loja na rua dos
livreiros e m L i s b o a , a partir de 1 7 2 7 . 1 3
Pescadores (atual Visconde de
Inhaúma).
A Congregação dos padres oratorianos
que editava várias obras didáticas de A correspondência mantida entre os
a u t o r i a de s e u s r e l i g i o s o s e as f a m o s a s oratorianos e A n t ô n i o J . M . nos traz
'Folhinhas' mantinha também intenso e informações preciosas sobre o comércio
rendoso comércio desses seus produtos realizado. Em uma delas esse
c o m o Brasil. No caso do Rio de Janeiro, negociante descreve a dificuldade que
o s s e u s c o m i s s á r i o s - i s t o é, q u e m t i n h a está t e n d o p a r a r e c e b e r o r e s t o d e d í v i d a
o privilégio da representação aqui - eram que os falecidos e anteriores

Biblioteca l u s i t a n a , d e D i o g o B a r b o s a M a c h a d o .

pag 188. jan/dez 1995


R V O

comissários tinham c o m a Congregação ano correspondente, para que o m e s m o


dos Oratorianos. E m outra traz duas possa enviá-las às regiões mais
importantes informações, a primeira distantes, a t e m p o de evitar que elas
sobre a existência de livreiros na cidade encalhem porque "depois que passa o
do Rio de Janeiro e d a dificuldade para primeiro e segundo m ê s d o a n o " os
a venda de a l g u m a s obras. Ele diz n u m c o m p r a d o r e s j á não as q u e r e m . 1 4

trecho da carta:
Os 'livros' de e n t ã o
Mo que respeita os novos métodos, que V.P.
Os 'livros' da livraria do Teixeira
m e diz aqui, há bastante pelos livreiros, e
correspondem a 3 8 3 títulos de obras
julgo que p o u c a saída poderào ter, s ó sendo
diferentes. R e s u m i n d o todos os itens
c o m alguma diminuição no preço que os
desse estoque, montei o seguinte
ditos os v e n d e m , para assim agradarem os
quadro:
compradores. Das folhinhas que recebi d a

viúva, por serem fora d o tempo, s ó tenho a - obras diversas (383 títulos) - 6 . 9 7 5
v e n d i d o 7 $ 6 0 0 réis, q u e p o r s e r u m a unidades

bagatela não faço dela promessa que será


b- cartilhas - 198 unidades
j u n t a c o m as d o a n o que v e m (...)
c - taboadas - 4 'mãos'
A segunda i n f o r m a ç ã o d i s c r i m i n a a área
de atuação d e s s e vendedor: d - atos de várias c o m é d i a s e ó p e r a s
453 unidades
...e de novo m e o f e r e ç o a dizer-lhe q u e

conferindo as f o l h i n h a s d o a n o de e - mapas : coleções de 5 unidades -


1791 a c h o q u e vieram certas, e tendo 16 c o l e ç õ e s
as r e m e t i d o para G o i á s , S à o Paulo, Vila
jogos avulsos - 8 unidades
R i c a , Mariana e as m a i s partes onde
m a p a de b a n d e i r a s - 1 u n i d a d e
se coStuma venderem-se na capitania
f - estampas e santos - 4 0 6 unidades
das Gerais,- só não tem havido

c o n d u t o r e s para as l e v a r e m à de Mato g- livros velhos - 37 unidades


G r o s s o , p o i s c o m o é a parte m a i s l o n g e
h- papel mata-borrão - 4 5 'mãos'
deste estado, são dificultosos, e os que

este a n o v i e r a m a e s t a c i d a d e j á t i n h a m i - óculos - 1 caixa

voltado quando chegaram as O conjunto desses 383 títulos


mencionadas Folhinhas; motivo este apresenta-se num rico leque de
p o r q u e n ã o f o r a m (...) c o n t e ú d o s variados, o que garante à loja

O referido Antônio J . M . alertou aos do Teixeira atender aos interesses e

oratorianos para que e n v i a s s e m as gostos diferenciados do público

'Folhinhas' em tempo hábil, de no adquirente. Os que irão iniciar a

mínimo dois m e s e s , antes de iniciar o alfabetização poderão adquirir a

Acervo, Rio de Janeiro. V. B, n* 1-2. p. 183-194. jan/dez 199S-pag.l89


A C E

BIBLIOTHECA
L U S I T A N A ,
Hiftorica , Critica , e Chronologica,
NA Q U A L SE C O M P R E H E N D E A N O T I C I A
lios Authorcs Portuguezes, e du Obrai, que compozcraõ
ü e í J c o tempo da promulgação da Lcy da Graça até
o tempo preicote |
y POR
DIOGO BARBOSA
M A C H A D O »
Vhffiponenfe, Abbade Refervatario da Paroquial
^ ígreja de Santo Adriaò de Sever, e Acadêmico
do Numero da Academia Reai.
T O M O IV.
Q_CE C O N S T A D E M U I T O S A U T H O R . E S K O Y A M E K T E
vaüosado. tu IbUtethco, c it outro» iÍluftn<U>j, e eme n i i i » , u n f t t i o »
BOI cm Tomoi preiitikouí.

L I S B O A ,
Ka Oncina Patriarcal <U F R A N C I S C O L U I Z A M E N O .

M DOC LUE.
Cem «J í*í-r« K&sJ&tét.

'cartilha' e a 'taboada'. Os religiosos best-seller d a é p o c a a Imitaçáo de


dispõem de uma gama diversificada de Cristo, de Thomas A. K e m p i s , a Bíblia
obras q u e vai desde o s catecismos às latina etc. O s arquitetos e projetistas
normas d o exercício sacerdotal como o d i s p u n h a m da clássica o b r a de G i a c o m o
Pároco perfeito, de Antônio Moreira B a r r o z z i o V i g n o l a - As cinco ordens de
C a m e l l o , o Concilio de Trento, a História arquitetura. Para os engenheiros e
sagrada do Velho e r/ovo Testamento, o construtores, e m geral, há a oferta d o

pag 190. jan/dez 1995


R V O

Engenheiro português, de Manuel de têm mais de u m autor. Há outras


Azevedo fortes. Há obras militares c o m o situações de d ú v i d a s e m q u e se faz
Arquitetura militar, de Antonhinho, a necessário a consulta a especialista da
Arte militar, e Instrução de cavalaria, de área de q u e trata a obra. Por essas
Antônio Pereira Rego. Há livros de razões a identificaçào do material ainda
medicina, botânica, livros didáticos não foi concluída.
c o m o a Gramática de Vernei, d i c i o n á r i o s
Sem dúvida esse documento, que
de f r a n c ê s e l a t i m c o m o o d e A n t ô n i o
revelou a e x i s t ê n c i a d a livraria de J o s é
de Morais e Silva. A história está
de S o u s a Teixeira, funcionando na
representada pelas obras de Bossuet,
cidade do Rio de Janeiro, em 1794,
Jacques Benigne , Millot e Plavius
a j u d a r á e m m u i t o a e s c l a r e c e r c o m o se
J o s e p h u s c o m s u a História dos judeus.
processava o c o m é r c i o livreiro na cidade
Q u a n t o às obras biográficas há a de
e, m a i s a i n d a , c o m o e r a o s e u a m b i e n t e
Alexandre Magno, de d o m Joào de
cultural. Podemos supor que o rol
Castro, do infante d o m Henrique e de
desses títulos poderia ser b e m maior e
vários santos. A literatura está muito
mais variado considerando-se que o
b e m c o n t e m p l a d a c o m as poesias de
livreiro Teixeira, quando se deu esse
C a m õ e s , as de f rancisco de Pina e Melo,
processo, estava doente e c o m mais de
de Luiz Rafael Soyé, Domingos
70 anos, segundo o seu genro. A essas
nascimento Torres, Vasco Mousinho de
condições adversas e desincentivadoras
Quevedo Castelo Branco, com seu
para a prática de u m c o m é r c i o d i n â m i c o ,
poema heróico Afonso africano e a
devemos acrescentar o efeito negativo
monumental obra de Diogo Barbosa
sobre a cidade e a população
Machado, a Biblioteca lusitana.
c o n s u m i d o r a de livros da Devassa de
Obviamente não poderiam faltar os
Minas e d a de 1 7 9 4 , e m q u e f o r a m presos
livros de f i l o s o f i a , m o r a l , aconse-
vários intelectuais do Rio de Janeiro, e m
lhamento aos jovens, boas maneiras,
alguns c a s o s s i m p l e s m e n t e p o r p o s s u í r e m
p r o v é r b i o s e adágios, e até o censurado
u m livro c e n s u r a d o p e l a M e t r ó p o l e .
p e l a Igreja Lunário perpétuo, contendo
informações astrológicas.
Meu interesse na q u e s t ã o do comércio
A análise do c o n t e ú d o e d a importância e c i r c u l a ç ã o de livros e sobre as
cultural do conjunto dessas obras só bibliotecas, na cidade do Rio de Janeiro,
poderá ser realizada após a no período setecentista. se deu de forma
identificação de cada u m a delas. É um tangencial ao trabalho de pesquisa que
trabalho que demandará muito tempo estou desenvolvendo para elaboração
e p e s q u i s a , a t é p o r q u e há c a s o s e m q u e de tese de doutoramento em História
a escrita está i n c o m p r e e n s í v e l e outros Urbana referente a esta cidade, no
cujo título sumário tipo Seleta latina período de 1750 a 1810.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n 1 -2, p. 183-194, jan/dez 1995 - pag. 191


a
N O

1. M E M Ó R I A S p ú b l i c a s e e c o n ô m i c a s d a c i d a d e d e S à o S e b a s t i ã o d o Rio d e J a n e i r o
para o uso do vice-rei Luís de V a s c o n c e l o s , por o b s e r v a ç ã o c u r i o s a dos anos de
1 7 7 9 até o d e 1 7 8 9 . In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
T o m o XLVI1, R i o d e J a n e i r o , 1 8 8 4 .

2. A L M A N A Q U E S d a c i d a d e d o R i o ' d e J a n e i r o p a r a os a n o s d e 1 7 9 2 e 1 7 9 4 . In:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, vol. 2 6 6 ; ALMANAQUE
h i s t ó r i c o d a c i d a d e d e S ã o S e b a s t i ã o d o Rio d e J a n e i r o , 1 7 9 9 . In: Revista do
Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v o l . 2 1.

3. M O R A I S , R u b e n s B o r b a . Livros e bibliotecas no Brasil colonial. Rio d e J a n e i r o :


Livros T é c n i c o s e C i e n t í f i c o s ; São Paulo: S.C.C.T. do Estado de São P a u l o , 1 9 7 9 ;
MART1MS, W i l s o n . História da inteligência brasileira. Vol. I ( 1 5 5 0 - 1 7 9 4 ) . São Paulo:
Cultrix, Ed. da Universidade de São Paulo, 1 9 7 7 - 7 8 ; OLIVEIRA, J o s é Teixeira de.
A fascinante história do livro. Rio d e J a n e i r o : L i v r a r i a K o s m o s E d i t o r a L t d a . , 1 9 8 4 -
8 9 , v o l . IV.

4. M O R A I S , R u b e n s B o r b a , o p . c i t , p. 4 0 .

5. José Henrique F e r r e i r a , natural de C a s t e l o B r a n c o , P o r t u g u a l , f o r m o u - s e em


filosofia e m e d i c i n a na U n i v e r s i d a d e de Coimbra, em 1 7 6 2 . Foi sócio
c o r r e s p o n d e n t e d a s S o c i e d a d e s d e M e d i c i n a de M a d r i e de E s t o c o l m o a s s i m c o m o
d a A c a d e m i a d a s C i ê n c i a s d e L i s b o a . Entre o u t r a s o b r a s p u b l i c o u Memória sobre
a Guaxima-, discurso crítico, e m que se mostra o dano que têm feito aos doentes
os r e m é d i o s de s e g r e d o e c o m p o s i ç õ e s o c u l t a s e t c .

6. R E L A T Ó R I O d o m a r q u ê s d o L a v r a d i o . In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico


Brasileiro, vol. 4 e 7 6 , 1842 e 1884.

7. S o b r e as A c a d e m i a s , a l é m d a s o b r a s c i t a d a s d e R u b e n s B o r b a M o r a i s , W i l s o n
Martins e J o s é Teixeira de Oliveira, consultar: C A R V A L H O , Augusto d a Silva. "As
a c a d e m i a s c i e n t í f i c a s d o B r a s i l n o s é c u l o X V I H " . In: Memórias da Academia das
Ciências de Lisboa. L i s b o a , 1 9 3 9 ; DIAS, Maria Odila da Silva. " A s p e c t o s da
I l u s t r a ç ã o no B r a s i l " . In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro,
v o l . 2 7 3 . S o b r e a D e v a s s a d e 1 7 9 4 c o n s u l t a r : AMAIS d a B i b l i o t e c a M a c i o n a l . V o l .
LX1, 1 9 3 9 , p p . 2 4 7 a 5 2 3 ; A U T O S d a D e v a s s a : p r i s ã o d o s l e t r a d o s d o Rio d e J a n e i r o ,
1 7 9 4 . R i o de J a n e i r o : A r q u i v o P ú b l i c o d o E s t a d o d o Rio d e J a n e i r o , 1 9 9 4 ; S A M T O S ,

pag .192, jan/dez 1995


K V O

A f o n s o C a r l o s M a r q u e s d o s . íio rascunho da Nação: Inconfidência no Rio de


Janeiro. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura/Departamento Qeral de
D o c u m e n t a ç ã o e I n f o r m a ç ã o Cultural, 1 9 9 2 , Biblioteca C a r i o c a , v o l . 2 2 ; LYRA,
Maria de Lourdes Viana. A utopia do poderoso império; Portugual e Brasil:
bastidores da política, 1 7 9 8 - 1 8 2 2 . Rio de J a n e i r o : Livraria Sette Letras L t d a . , 1 9 9 4 .

8. ARQUIVO n a c i o n a l . Inventário post-mortem. Maria J o a q u i n a de Oliveira. Caixa


1 . 8 2 7 , n. 9 . 2 6 3 .

9. A R Q U I V O n a c i o n a l . J u n t a d o C o m é r c i o , c ó d i c e 1 4 2 , v o l . 1.

1 0 . CAIE1RO, F r a n c i s c o d a G a m a . " L i v r o s e l i v r e i r o s f r a n c e s e s e m L i s b o a , n o s f i n s d e
s e t e c e n t o s e n o p r i m e i r o q u a r t e l d o s é c u l o X I X " . In: Boi. Bibl. Universidade de
Coimbra, 3 5 , 1 9 8 0 , pp. 139 a 1 6 8 .

1 1 . A R Q U I V O n a c i o n a l d a T o r r e d o T o m b o . M S S - 2 4 5 - n. 141 (a c a r t a d e C l á u d i o
Grugel d o Amaral) e MSS, cx. 153 (os livros que foram adquiridos por J o ã o Manso Pereira):

a - Annales de chymic - e u m a coleção e m brochura de várias memórias


químicas de diferentes autores - 8 a

b - Chymic - par Foureroy

c - Recherches sur les vegetaux - par Parmentier - 1 v o l . 8 g

d - Analyse du fer- p a r B e r g m a m - 1 v o l . 8°

e - Affinites chymiques - p a r B e r g m a m - 1 v o l . 8°

f - Recreations physiques, economique e chymiques d e M. M o d e l ,

traduit de A l l e m a n d - 2 vol. 8 9

g - Institutions chemic - F r a n c i s c i d e W a s e r g e r g - 2 v o l . 8°

h - Demonstração das grandes utilidades e das fracas, e tecelagem de algodão


em Portugual - brochura - 1 vol. 4 9

i - Dicionário da Língua do Brasil - brochura - 2 5 vols. 4 9

12. nEVES, Lúcia Maria Bastos das. " C o m é r c i o d e livros e censura de idéias: a atividade d o s
livreiros franceses no Brasil e a vigilância da Mesa d o Desembargo d o Paço ( 1 7 9 5 - 1 8 2 2 ) " .
In: Ler História, 2 3 , 1 9 9 2 , pp. 61 a 7 8 .

13. D O M i n G O S , Manuela D. "Colporteurs ou livreiros? Acerca d o c o m é r c i o livreiro e m Lisboa".


In: Revista da Biblioteca nacional. L i s b o a : S. 2 , 6 (1) 1 9 9 1 , pp. 109 a 1 4 2 .

14. A R Q U I V O n a c i o n a l d a T o r r e d o T o m b o . M S S , c x . 9 .

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8. n' 1-2, p 183-194, jan/dez 1995-pag,193


A B S T R A C T
The a r t i c l e r e v i e w s the t r a d e , c i r c u l a t i o n a n d f o r m s of p u r c h a s e of b o o k s a n d , as a
c o n s e q u e n c e , w h a t was r e a d in Rio de J a n e i r o d u r i n g the last d e c a d e of t h e 18th
century.

T h i s s t u d y is b a s e d i n u n p u b l i s h e d d o c u m e n t s of t h e N a t i o n a l A r c h i v e s containing
the i n v e n t o r y of J o s é d e S o u s a T e i x e i r a ' s s h o p , w h e r e b o o k s were s o l d .

R É S U M É
L ' a r t i c l e fait u n e a n a l y s e d u c o m m e r c e , d e l a c i r c u l a t i o n et d e s d i v e r s e s formes
d ' a c q u i s i t i o n de l i v r e s , b r e f , d e c e q u e l'on l i s a i t à la v i l l e de R i o d e J a n e i r o p e n d a n t
la d e r n i è r e d é c e n n i e d u X V I I I è s i è c l e .

C e t t e a n a l y s e est b a s é e s u r u n e d o c u m e n t a t i o n i n é d i t e a p p a r t e n a n t a u p a t r i m o i n e
d e s A r c h i v e s N a t i o n a l e s , d a n s l a q u e l l e figure 1'inventaire de 1 ' é t a b l i s s e m e n t d e J o s é
de S o u s a T e i x e i r a , o ú l ' o n v e n d a i t d e s l i v r e s .

pag 194. Jan/dez 1995


P E R F I L I N S T I T U C I O N A L

. R e a l G&fcineée
P o© rF ét n i g u i e s i e Leií e i c n i r a

Antônio Gomes da Costa


Presidente

O:
Real Qabinete Português a ser construído o majestoso
de Leitura foi criado e m edifício m a n u e l i n o d a rua Luiz de
14 d e m a i o d e 1 8 3 7 - 15 Camões, n 9
30 - antiga rua da
anos depois da Independência do Lampadosa - onde, em 1887, com
Brasil - por um grupo de a presença d a princesa Isabel e d o
portugueses que se propunha não conde d ' E u , foi inaugurada a sua
só a promover o enriquecimento s e d e a t u a l . Mo a n o s e g u i n t e , procedeu-
intelectual dos associados, mas se à ' i n s t a l a ç ã o s o l e n e d a b i b l i o t e c a ' e
também, c o m o escreveu Carlos Malheiro é nessa altura que J o a q u i m rfabuco,
Dias, "concorrer para restaurar a glória saudando o imperador d.Pedro I e
literária de s u a Pátria". Poi s e u primeiro realçando o significado da Obra, o
presidente o dr. J o s é Marcelino da patriotismo dos que a fizeram e a beleza

Rocha Cabral, advogado e jornalista, do traço arquitetônico, pronunciou u m a

q u e s e e x i l a r a p o r c a u s a d a g u e r r a entre frase i n e s q u e c í v e l : "As pedras deste

liberais e miguelistas e m Portugal. edifício parecem estrofes d'Os

A instituição funcionou e m vários locais Lusíadas'. O autor do projeto foi o

do centro do Rio de Janeiro: rua São arquiteto português Raphael da Silva e

Pedro, rua da Quitanda, rua dos Castro e os recursos para a construção

Beneditinos - até q u e e m 1880 c o m e ç o u foram conseguidos através de donativos

Acervo, Rio de Janeiro, v. 8, n« 1-2. p. 195-198, Jan/dez 1995 -pag 195


pag. 196. jan/dez 1995
K V O

e contribuições d o s portugueses do Rio de S à o J o ã o d a M a d e i r a , c o n d e d e


de J a n e i r o . Avelar, e tantos outros, todos eles
'varões prestantes' que se entregaram
Durante a c a m p a n h a para a o b t e n ç ã o
por inteiro ao s e r v i ç o e e n r i q u e c i m e n t o
desses recursos, o visconde de São
da instituição. A A c a d e m i a Brasileira de
Cristóvão exortava os seus
Letras, s o b a presidência de Machado
compatriotas: "O Gabinete Português de
de A s s i s , r e a l i z o u e m sua sede as
Leitura carece tanto de um edifício
primeiras sessões; Ramiz Galváo
próprio, como as sociedades de
procedeu ao trabalho de catalogaçào da
Beneficiência Portuguesa e a Caixa de
b i b l i o t e c a ; o rei d. Carlos c o n c e d e u - l h e
S o c o r r o s D. P e d r o V c a r e c e m d e r e n d a
o título de 'Real' e a diretoria, e m 1 9 0 0 ,
para a s u a m a n u t e n ç ã o , a primeira; e a
a b r i u as p o r t a s d a b i b l i o t e c a a t o d o s o s
segunda de u m asilo que seja grande
que a desejassem freqüentar.
c o m o grande é a sua missão caritativa".
E em correspondência ao conselheiro Dos anos de 1 9 2 0 a 1 9 5 0 , o Real
do Reino de Portugal, J o s é d a Silva Gabinete atravessou um período
Mendes Leal, e m 2 6 de maio de 1872, m a r c a d o pela a d m i n i s t r a ç ã o de A l b i n o
Reinaldo Carlos Montoro mobilizava a Sousa Cruz que, tendo a seu lado o
'colônia': " É chegada a hora de realizar c o n h e c i d o escritor Carlos Malheiro Dias,
um grande adiantamento entre os realizou um trabalho notável, que se
portugueses do Brasil...Os terrenos c o m distinguiu, sobretudo, pelo projeto de
a vastidão e proporções requeridas j á e d i ç ã o d a história da colonização
foram adquiridos e em breve pode portuguesa no Brasil, na qual
erguer-se no bairro das artes e d o s c o l a b o r a r a m figuras p r o e m i n e n t e s da
estudos mais este templo de c i ê n c i a . " h i s t ó r i a , d a c i ê n c i a e d a a r te .

A beleza do edifício e o valioso acervo Graças a u m decreto de Oliveira Salazar.


bibliográfico, que atingia milhares de o Real Gabinete é considerado
obras, muitas delas raras e de 'depósito legal' desde 1936, o que lhe
inestimável valor, desde u m exemplar enseja receber um e x e m p l a r d o s livros
d a e d i ç ã o prínceps de Os Lusíadas às editados em Portugal. Graças a esse
Ordenações de D. Manuel, editadas e m privilégio, a sua biblioteca é anualmente
1521, de autoria de J a c o b Cromberger, ampliada com milhares de obras,
passaram a dar ao Gabinete Português mantendo-se atualizada c o m o que se
de L e i t u r a u m a n o v a d i m e n s ã o , q u e e m p u b l i c a naquele país. A atual diretoria
grande parte também advinha do procedeu à informatização do acervo,
prestígio e da influência de u m a pléiade c o m cerca de 3 5 0 . 0 0 0 v o l u m e s , e hoje
de p o r t u g u e s e s , c o m o E d u a r d o L e m o s , o l e i t o r faz s u a s c o n s u l t a s e t e m a c e s s o
J o s é Duarte R a m a l h o O r t i g á o , v i s c o n d e a o b a n c o d e d a d o s a t r a v é s d a rede e d o s

Acervo. Rio de Janeiro, v. 8, n' 1 -2. p. 195-198. jan/dez 1995 - pag 197
terminais instalados na biblioteca.

O Real G a b i n e t e edita s e m e s t r a l m e n t e a
revista Convergência Lusíada, distribuída por
universidades e outras associações culturais
e científicas, e que tem a colaboração exímia
e valiosa de mestres e especialistas do Brasil
e de Portugal nas áreas d a literatura, d a
história, do p e n s a m e n t o , da língua e da
0
antropologia.

Neste momento, está em curso a


instalação de um e s p a ç o de multimídia
com produtos culturais luso-brasileiros.
Interior d a biblioteca.
No Real Gabinete funciona ainda o Centro
d e E s t u d o s , o n d e se r e a l i z a m c u r s o s e
Gabinete e entre os seus direitos estão o de
palestras, além de concertos e exibição de
utilizar os serviços da biblioteca, participar
filmes e v í d e o s , s e n d o q u e t o d a s e s s a s
dos cursos e atividades do Centro de Estudos
atividades são voltadas especialmente para
e do Centro Cultural, receber a revista
estudantes universitários.
Convergência Lusíada e ter acesso às mais
A esta altura, qualquer cidadão dos importantes bibliotecas de Portugal c o m o
p a í s e s l u s ó f o n o s p o d e s e r s ó c i o d o Real VIP-Real Gabinete'.

A B S T R A C T
This article d e p i c t s the history of the Real G a b i n e t e Português de L e i t u r a , an institution
l o c a t e d in Rio de J a n e i r o a n d c o n s i d e r e d as "official depository", w h i c h grants it the
privilege of receiving a copy of ali the b o o k s p u b l i s h e d in Portugal, lts library h o l d s currently
a valuable inventory of a b o u t 3 5 0 . 0 0 0 v o l u m e s and is fully c o m p u t e r i z e d .

R É S U M É
Cet a r t i c l e n o u s d o n n e u n e v i s i o n h i s t o r i q u e d u Real Gabinete Português de Leitura
( C a b i n e t R o y a l P o r t u g a i s d e L e c t u r e ) , i n s t i t u t i o n s i t u é e à R i o d e J a n e i r o et c o n s i d é r é e
c o m m e "dépôt legal", c e q u i l u i p e r m e t t a i t de r e c e v o i r un e x e m p l a i / e d e t o u s l e s
livres édités au Portugal. Actuellement sa b i b l i o t h è q u e , e n t i è r e m e n t i n f o r m a t i s é e , a
un p a t r i m o i n e d e g r a n d e v a i e u r , a v e c à p e u p r è s 3 5 0 . 0 0 0 v o l u m e s .

pag 198. jan/dez 1995


B I B L I O G R A F I A

B U R K E , Peter. A arte da conversação. Trad. Á l v a r o L u i z Hattnher. S á o Paulo: U n e s p ,


1995.

. Cultura popular na Idade Moderna. S ã o P a u l o : C o m p a n h i a das L e t r a s , 1 9 8 9 .

. (org). A escrita da história: novas p e r s p e c t i v a s . T r a d . M a g d a L o p e s . S ã o P a u l o :


Unesp, 1992.

B U R M S , E. B r a n d f o r d . "O I l u m i n i s m o e m d u a s b i b l i o t e c a s d o B r a s i l c o l ô n i a . " In:


U n i v e r s i t a s , n. 8/9, 1 9 7 1 .

C A I E I R O , F r a n c i s c o d a Q a m a . " L i v r o s e l i v r e i r o s f r a n c e s e s e m L i s b o a , n o s f i n s de
s e t e c e n t o s e no p r i m e i r o q u a r t e l d o s é c u l o XIX." In: B o i . Bib. Univ. Coimbra, 35,
1980, pp. 1 3 9 - 1 6 8 .

C H A R T I E R , A n n e - M a r i e e H É B R A I i D , J e a n . Discurso sobre a leitura - 1880-1890. Ed.


Ática, 1995.

C H A R T I E R , Roger. Lectures et lecteurs dans la France dAncien Regime. Paris: S e u i l ,


1982.

. Libros, lecturas y lectores en la edad moderna. Trad. M a u r o A r m i f i o . M a d r i d : A l i a n z a ,


1993.

. A ordem dos livros: l e i t o r e s , a u t o r e s e b i b l i o t e c a s na E u r o p a entre os s é c u l o s XIV e

XVIII. Trad. Mary dei P r i o r e . B r a s í l i a : E d i t o r a d a U n i v e r s i d a d e de B r a s í l i a , 1 9 9 4 .

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Bibliografia organizada pela Divisão de Pesquisa e P r o m o ç õ e s Culturais do Arquivo


Nacional.

pag.202. jan/dez 1995


Neste n ú m e r o
A n t ô n i o G o m e s da Costa
Berenice Cavalcante
Cláudia Heynemann
Lorelai Brilhante Kury e Oswaldo Munteal Filho
L ú c i a Maria Bastos P. Neves
Luiz Carlos Villalta *
Marcos Alexandre Motta
Maria do C a r m o Teixeira Rainho
Nireu Oliveira Cavalcanti
Paulo G o m e s Leite
Roger Chartier
Robert Darnton
T â n i a Maria Tavares B e s s o n e da Cruz Ferreira

700-X ARQUIVO NACIONAL

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