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PATENTES DE SEMENTES LUÍS GUIMARÃES – 224686

1. Patentes como Bloqueio

Com o desenvolvimento na área da biotecnologia, o sistema de patentes penetrou


no cultivo de plantas. Este sistema radica na cultura de negócio industrial que se opõe à
cultura agrícola dos direitos dos criadores de plantas. Sucintamente, patentes podem ser
outorgadas a processos de reprodução ou cultivo e a produtos subsidiários, aliás, na
maioria dos países, produtos biológicos estão isentos e fora do alcance do regime de
patentes, tendo por base o acordo TRIPS da Organização Mundial do Comércio – 1 de
janeiro de 1995. Adicionalmente, a larga maioria dos países, excepto os Estados Unidos
da América, também excluem variedades de plantas da patenteabilidade. Não obstante,
isto não se aplica, em larga medida, aos traços e características específicas das plantas,
pelo que podem ser alvo de patentes através do critério de serem novidade, uma inovação,
ou importantes no uso industrial. Isto é, o sistema de patentes não isenta a reprodução e
cruzamento no cultivo de plantas. Além disto, os países têm prerrogativas nacionais sobre
recursos genéticos desde 1993 – CBD, Convention on Biological Diversity – incluindo
colheitas e plantações. Neste sentido, os países podem garantir acesso a breeders –
reprodutores – e investigadores sujeitos a um ‘consentimento prévio’ e ‘acordo mútuo’
(Louwaars, 2019, p. 4). Subsequentemente, afirma o autor, a Convenção da Diversidade
Biológica encarregou os países de atribuírem autoridades nacionais responsáveis pela
gestão de tais acessos. O ponto nevrálgico é que os termos destes contratos incidem no
usuário primário, bem como nos recursos genéticos. O Protocolo de Nagoya, sob a CBD,
descreve as obrigações que constam nos referidos contratos e encarrega as autoridades
nacionais de controlarem a adesão aos mesmos. Contudo, aponta Louwaars, o Protocolo
estipula que copiar, reproduzir recursos e materiais genéticos é permitido, porém inovar
com os mesmos não é possível. Portanto, as regras têm vindo a ser mais complexas à
medida que os programas de cruzamento e reprodução usados pelos breeders se encaixam
nestas restrições. Assim sendo, a abertura à inovação é restringida pelas patentes.

2. Agricultores vs. Patentes

Inúmeros agricultores foram responsabilizados ao infringirem patentes, mesmo


que inadvertidamente ou de forma inevitável, pela presença de plantas geneticamente
modificadas patenteadas nas suas colheitas que advêm de outras colheitas contíguas que
contêm modificações. Neste seguimento, tem havido apelos para limitar o escopo e a
força da aplicabilidade das patentes. Contudo, isto limitaria a possibilidade de inovações
serem patenteadas. Seriam reformas especialmente problemáticas para companhias de
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agricultura biotecnológica como a Monsanto. A propósito, atente-se no recente caso no


Supremo Tribunal norte-americano Bowman v. Monsanto Co., no qual o agricultor em
infração e aliados exortou o Tribunal para que a patente não se estendesse à segunda
geração de plantas patenteadas, visto que tal decisão permitiria salvaguardar agricultores
de incorrerem numa violação da patente. No caso Organic Seed Growers & Trade Ass’n
v. Monsanto, diversas organizações de agricultores orgânicos pediram aos tribunais que
declarassem as patentes de Monsanto relacionadas com a modificação genética inválidas,
sob o argumento da utilidade moral, alegando que a violação inadvertida das patentes
causa “injúrias ao bem-estar, à boa política, ou à moral sã da sociedade”. Resultado,
Monsanto venceu ambos os casos (Holman, 2014, p. 165).

Sem sementes não há agricultura. Desde o início da mesma há mais de dez mil
anos, os agricultores têm selecionado as melhores sementes para plantar no ano seguinte,
seja para trocar, seja para vender. O acesso às sementes e a capacidade de não somente
escolhê-las, mas também de produzir, armazenar, usar, trocar ou comercializar, são
cabalmente fundamentais para os pequenos agricultores. Contudo, há cada vez mais
agricultores a ficarem sem estes direitos, enquanto poderosas multinacionais recolhem
benefícios da corrente situação. Neste sentido, pequenos agricultores e outras
organizações da sociedade civil têm lutado, de forma que o direito às sementes seja
consagrado em lei como um direito dos agricultores e, mormente, como um direito
humano. Um direito que subleva os direitos à propriedade intelectual ou aos acordos de
livre-comércio, que vão de encontro aos pequenos agricultores e a favor das grandes
empresas. Um direito que deveria ser consagrado como direito humano no âmbito das
Nações Unidas (Coordination SUD, 2017, p. 4). Aliás, quando Olivier De Schuter era o
relator do direito à comida nas Nações Unidas, afirmou que “direitos de propriedade
intelectual tinham sido reforçados consideravelmente nos últimos anos por todo o mundo,
a pedido dos países desenvolvidos e para benefício das companhias industriais”
(Coordination SUD, 2017, p. 6).

2.1 Direitos de Propriedade Intelectual

Esta tendência para robustecer os direitos de propriedade intelectual surgiram, em


primeira instância, nos países mais afluentes e, de seguida, alastraram-se para todo o
globo. Desde 1994, a Organização Mundial do Comércio, no que concerne os aspectos
relacionados ao comércio de propriedade intelectual – TRIPS –, exige aos Estados-
membros a implementação de regimes de propriedade intelectual para plantas sob o risco
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de serem sancionados. Sem prejuízo de o acordo conceder, em tese, alguma liberdade


para os Estados atuarem no que diz respeito aos mecanismos a adotar no âmbito da
propriedade intelectual, existem organizações da sociedade civil como a GRAIN que
denunciam que o acordo TRIPS foi concebido para servir os interesses das empresas de
sementes. Além disso, durante anos, técnicas inovadoras de manipulação genética e
modificação das plantas têm ampliado o escopo dos direitos de propriedade intelectual
das plantas. Nesta esteira, é possível as empresas sequenciarem o genoma das plantas,
pelo que são capazes de identificar precocemente a origem de características relevantes,
como a resistência à seca, resistência a determinados insetos, entre outras mais.
Consequentemente, estes genes podem ser transpostos para outras plantas, modificando-
as, dando origem às GMO – genetically modified organism. Podem, inclusive, manipular
o próprio genoma sem ser necessário inserir genes externos, resultando nas plantas
denominadas ‘novas GMOs’. O essencial a reter é que estas características podem ser
patenteadas pelas multinacionais, tendo apenas patentes nos traços originais das plantas.
Assim que uma dada multinacional tem uma patente sobre tais características, estão aptas
a cobrar licenças de uso para todas as plantas que apresentam as características
patenteadas, mesmo nas plantas cultivadas organicamente. A título de exemplo, o EPO –
European Patent Office – emitiu uma patente à Syngenta, em maio de 2013, granjeando
a empresa suíça direitos exclusivos em inúmeros países europeus sobre todos os pimentos
que apresentassem resistência à mosca branca. Todavia, a resistência não foi obra da
Syngenta, já era uma realidade na wild pepper jamaicana, pelo que trinta e quatro
organizações de agricultores e ONGs de vinte sete países afirmaram que não se tratava
duma inovação, quando muito duma descoberta (Coordination SUD, 2017, p. 7).

Diversos países do Sul são igualmente afetados pela implementação de regras


estritas no que diz respeito à forma que as sementes podem ser colocadas no mercado,
vendidas ou até dadas. Estas regras excluem as sementes dos camponeses e colocam em
causa o acesso às sementes por parte duma maioria de agricultores em África, Ásia e
América Latina que não têm recursos financeiros para adquirir sementes certificadas e
protegidas, bem como os químicos que exigem que sejam utilizados (Coordination SUD,
2017, p. 8). Neste sentido, as novas leis das sementes são altamente favoráveis as
empresas de sementes, sobretudo as que vendem GMOs. De salientar, desde meados da
primeira década do século XXI, as empresas têm estado empenhadas numa ofensiva a
‘todo o vapor’ para impor sementes geneticamente modificadas em muitos países em

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desenvolvimento. Não obstante, tem existido resistência por parte de organizações da


sociedade civil que alertam para as implicações na saúde, no ambiente e na esfera social,
que advêm da autorização deste tipo de sementes. Para além disso, é pertinente ressaltar
a ofensiva da Monsanto no Paraguai, numa tentativa de impor as GMOs. As organizações
da sociedade civil acusam a Monsanto de terem tacita e dissimuladamente introduzido as
GMOs a partir da Argentina e Brasil. Esta estratégia fora utilizada previamente no Brasil,
o que permitiu que a Monsanto fizesse lobby intensamente, de modo a alterar o
enquadramento legal, conduzindo à legalização da primeira GMO – soja, em 2004.
Subsequentemente, anos depois, sucedeu semelhante resultado com o algodão e o milho.
Entretanto, dezanove GMOs foram autorizados para cultivo no Paraguai que se tornou o
terceiro maior produtor de GMOs na América Latina (Coordination SUD, 2017, p. 10).
Nesta esteira, a Coordination SUD aponta que as ‘novas GMOs’ devem ser observadas
atentamente, aliás, a indústria das sementes está a fazer lobby em países vários do Norte,
incluindo a União Europeia, de forma a assegurar que esta estirpe de GMOs não sejam
considerados como tal e evadam as regulamentações. Caso este lobby surta efeito, as
empresas multinacionais irão de imediato encetar a produção e a comercialização das
mesmas, não somente no Norte, mas inclusive nos países em desenvolvimento. Segundo
a Coordination SUD, os acordos de livre-comércio e iniciativas de promoção de
investimentos privados na agricultura são fontes primárias de pressão usadas pelo países
endinheirados para obter alterações e emendas nas leis das sementes de países em
desenvolvimento. No âmbito teórico dos grupos de pressão, pode afirmar-se, sob uma
abordagem marxista e classificação sectorial, que se trata duma globalização
neocolonialista e neoliberal perpetrada pelo business lobby, buscando influenciar o
exercício do poder político (Watts, 2007, pp. 20, 29).

Oficialmente, o aumento sucessivo de investimentos privados na agricultura tem


como meta o combate à pobreza nos países em desenvolvimento. No entanto, trata-se
dum “cavalo de Troia da indústria das sementes”. Nomeadamente, ações direcionadas
para a África subsaariana, como a NAFSN – New Alliance for Food Security and
Nutrition –, avançada em 2012, por países dos G8 e a Grow Africa. Mais concretamente,
investimentos em projetos de multinacionais, entre as quais, a Monsanto, DuPont,
Syngenta e Limagrain, que são prevalentes na indústria das sementes (Coordination SUD,
2017, p. 11). Adicionalmente, a Coordination SUD aponta que a NAFSN, em tese, busca
a segurança alimentar e nutrição em dez países africanos e que os países do G8 e empresas

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várias prometeram cerca de nove mil milhões de dólares. O cerne da questão é que os
estados africanos, em contrapartida, tiveram de efetuar emendas legais, mormente, em
três áreas nevrálgicas, como os impostos, direitos da terra e sementes. Acrescenta, aliás,
que foi solicitado a Moçambique que “sistematicamente parasse a distribuição de
sementes grátis e não melhoradas”, bem como aprovasse uma lei no sentido de proteger
a variedade de plantas que se consubstanciava no apoio ao investimento privado na
produção de sementes.

3. Lobby na UE e EUA – Estratégias

A tensão dialética existente entre direitos de propriedade intelectual e o direito às


sementes por parte de pequenos agricultores, está presente nas discussões no âmbito da
Declaração de Direitos dos camponeses e trabalhadores rurais. É possível presumir-se,
então, que em 2012, os EUA e a União Europeia votaram contra esta mesma Declaração,
pois comprometia, em parte, os direitos à propriedade intelectual de grandes
multinacionais da indústria das sementes (Coordination SUD, 2017, p. 16). Centrando-se
agora na dimensão do lobby, é factual que corporações como a Monsanto dispõe de
recursos infindáveis para capturar poder político. Não somente estão representados em
inúmeras associações de lobbying em todas as esferas multinível – do local ao global –,
como têm mercenários lobistas, cientistas financiados para agirem como seus porta-vozes
e fazedores de opinião, bem como participações em projetos de greenwashing. Não é
despiciendo mencionar que instituições europeias e o governo norte-americano têm
ativamente requisitado que corporações lhes façam lobby, outorgando, assim, acesso
privilegiado às tomadas de decisão. Tal simbiose perniciosa permite a captura da tomada
de decisão pelas corporações multinacionais, resultando numa democracia oca, desastre
ambiental e severa injustiça social. No âmbito da indústria lobista, existem três
dimensões, a saber: (a) alvejar diretamente os decisores; (b) relações-públicas e
propaganda; (c) subverter/comprometer a ciência (Holland & Sourice, 2016, p. 2).

O lobbying de Monsanto efetua-se via associações de lobby que se estendem ao


nível global, regional e nacional. Nesse processo, corporações do mesmo setor unem
esforços e coordenam-se no contexto do lobby, visto apresentarem interesses comuns. No
que concerne a Monsanto, tal coordenação ocorre em grupos ao nível dos químicos e
pesticidas, biotecnologia e sementes que são responsáveis pelas atividades diretas de
lobby e mensagens. A associação de lobby Croplife Internacional congrega os setores dos
pesticidas e biotecnologia – na prática, são as mesmas empresas. A sua lista de membros
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inclui as maiores corporações do agro-negócio, designadamente, a Monsanto, a Bayer, a


BASF, a DuPont, a Syngenta e associações regionais de biotecnologia e pesticidadas,
como a BIO – Biotechnology Innovation Organization, EuropaBio, AfricaBio, a ECPA –
European Crop Protection Association, a CropLife America, a CropLife Africa, a
CropLife Middle East e a CropLife Asia (Holland & Sourice, 2016, p. 3). Holland e
Sourice acrescentam que no seio da União Europeia, as associações de lobby da Monsanto
incluem a ESA – European Seed Association, a ECPA no contexto dos pesticidas e a
EuropaBio na área da biotecnologia. Neste sentido, enquanto membros dos grupos de
lobby constam empresas e associações a nível nacional, dotando, a Monsanto e outras, de
maior capacidade de exercer pressão, quer no escopo da União Europeia, quer nas esferas
nacionais. Os autores mencionam, ainda, as homólogas norte-americanas, como a ASTA
– American Seed Trade Association –, a CropLife America e a BIO.

Falemos de números. No contexto norte-americano, a Monsanto gastou em lobby


as seguintes quantias: 528.000 dólares para a CropLife Internacional; 500.000 dólares
para a ILSI – International Life Science Institute; 350.483 dólares para a CropLife
America e subsidiárias, 861.323 dólares para a BIO. No total, 4.300.000 dólares a nível
nacional. Este montante não inclui 662.000 dólares para campanhas, maioritariamente,
de candidatos Republicanos de estados com plantação de milho e soja nem os 8.100.000
dólares na Califórnia para impedir a rotulagem de GM nos produtos (Holland & Sourice,
2016, pp. 4-5). Estes valores não incluem estudos à medida de comissões ‘científicas
independentes’, nem das campanhas propagandísticas, nem dos advogados contratados
para defender os seus interesses. Bruxelas é a segunda maior capital mundial do lobby,
ficando logo atrás de Washington, aliás, a União Europeia não exige transparência para
os lobistas que se estimam ser entre vinte mil e trinta mil. O registo de transparência da
UE é voluntário, está repleto de desinformação e imprecisão. Atente-se que muitos nem
se registam como é o caso da ILSI, da qual a Monsanto faz parte, nem a GTF – Gliphostate
Task Force – que é dirigida pela Monsanto, nem a Genius que gere o sítio online da GTF.
Segundo informação da própria Monsanto, estima que despendeu cerca de 400.000 euros
em lobby em Bruxelas, de meados de 2014 a meados de 2015, mas os números reais são
substancialmente superiores. Nos EUA, as empresas são obrigadas a registar quem faz
lobby por eles – o setor e o orçamento. Tendo por base os dados do website Opensecrets,
a Monsanto e a Bayer gastaram conjuntamente 120 milhões de dólares em Washington
na última década (Holland & Sourice, 2016, p. 5).

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Surge, então, a tradicional estratégia da porta giratória. De acordo com o Centre


for Responsive Politics, mais de metade dos lobistas da CropLife America exerceram
cargos públicos entre 2013 e 2014. Nos EUA, trinta e sete dos quarenta e oito lobistas da
Monsanto registados em 2015 e 2016, tinham exercido previamente cargos públicos. O
caso mais notável é o de Michael Taylor que passou por portas giratórias quatro vezes
durante a sua carreira. Taylor ingressou na FDA – Food and Drug Administration – antes
de se tornar advogado da Monsanto. Mais tarde, regressou à FDA em 1991, tendo passado
para o USDA – US Department of Agriculture. Quer num cargo, quer noutro, entrou em
contacto com políticas norte-americanas de como [não] regulamentar as GMO. Voltou,
inclusive, para a Monsanto enquanto vice-presidente das políticas públicas até 2000. Em
2010, foi nomeado senior adviser da FDA, aquando da Administração Obama (Holland
& Sourice, 2016, p. 8). Quando não é possível alcançar os objetivos, apresenta-se uma
versão alternativa mais apelativa e aparentemente amigável. Em 2007, Obama prometeu
aos norte-americanos que a rotulagem dos GMO era um direito a saber o que estava a
comprar. Sucederam inúmeras campanhas para remover os rótulos em diversos estados.
A Monsanto e o grupo de lobby da indústria alimentar GMA – Grocery Manufactures
Association – pressionaram a nível federal para redigir uma lei artificial no que diz
respeito à rotulagem dos produtos. Consistia em colocar a informação dos GMO no
produto, mas em forma de código de barras e em proibir a rotulagem GMO no dito
produto. Por isso, foi denominada de lei DARK – Denying Americans the Right to Know
– tendo sido promulgada por Obama em 2016. De salientar que o lobby da indústria
alimentar europeu é o FoodDrinkEurope cuja diretora é Mella Frewen que veio da
Monsanto (Holland & Sourice, 2016, p. 9).

No contexto da União Europeia, a Monsanto tem tentado ser discreta, tendo se


escondido atrás de associações de lobby ou associações com designações mais
desconhecidas como a ILSI. A EFSA é um player chave na autorização de imensos
produtos na cadeia de produção alimentar, ou seja, GMOs, pesticidas, aditivos,
biotecnologia alimentar. Contudo, o problema é que quase 60% dos experts da EFSA já
tiveram ligações com empresas da área da biotecnologia alimentar ou da área dos
pesticidas. No passado, diversos administradores e experts da EFSA tinham proximidade
com a ILSI, algo que não é mais permitido. ILSI que é financiada pelos seus membros,
nomeadamente, a Monsanto, a Coca-Cola e o McDonald’s. Igualmente alarmante, é o
caso de os estudos sobre os pesticidas terem os detalhes em sigilo sob o pretexto de

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‘confidência de negócio’ (Holland & Sourice, 2016, p. 10). No âmbito do greenwashing,


em 2005, a WWF juntou-se à Monsanto, Syngenta, Cargill, Unilever, Rabobank e grandes
produtores de soja no Brasil e Argentina para montarem um esquema de certificação
voluntária com o propósito, oficialmente, de impedir a desflorestação cometida pela
produção de soja. Falhou, naturalmente. Aliás, o governo holandês investiu milhões de
euros para impulsionar este esquema, chegando a admitir que não havia qualquer sinal de
tentativa de impedir a desflorestação e que os não havia qualquer evidência de benefícios
ou ajudas para os pequenos agricultores. É, portanto, o cenário idílico para a Monsanto.
Participa num esquema que parece bem, benéfico, mas que não prejudica de qualquer
forma os seus lucros (Holland & Sourice, 2016, p. 13). Desde o tabaco nos anos 50 até às
alterações climáticas, há uma longa história de tentativas de a indústria fabricar dúvidas
sobre a veracidade da ciência no que concerne os efeitos nefastos dos seus produtos. Os
estudos pagos pela indústria são ciência, os estudos inconvenientes são ciência ‘lixo’. A
Monsanto envolveu-se no passado com a ECETOC – European Centre for Ecotoxicology
and Toxicology of Chemicals –, um think-tank ‘científico’ e financiado pela indústria cujo
propósito era de enviesar os estudos a favor dos interesses da indústria. Em 2012, a
ECETOC contratou a empresa Exponent para contrapor um relatório científico que
denunciava químicos endócrinos disruptivos e que serviria de base para a regulamentação
da União Europeia. A Monsanto contratou a Exponent para contrapor e contestar as
dúvidas científicas em torno da segurança do glifosato (Holland & Sourice, 2016, p. 14).

4. A Ameaça do Grande Capital

Centre-se, então, para a perda de biodiversidade que tem marchado a um ritmo


galopante. Neste sentido, Pat Mooney publicou um estudo sobre a tendência de perda de
biodiversidade, concluindo que 93% da variedade das sementes vendidas nos EUA em
1903, estavam extintas em 1983. Alterações socioeconómicas e políticas conduziram a
um padrão de convergência no que diz respeito à posse, direitos e acesso, reduzindo os
caminhos para a adaptação das sementes. Operações e jurisdições levadas a cabo por
certas empresas alastraram-se para a cadeia de produção alimentar mundial. A
monopolização de poder outorga empresas a influenciar decisões políticas, dinâmicas de
fornecimento globais, o panorama ecológico, bem como a estabilidade futura da
humanidade (Filatova, 2021, pp. 6-7). A privatização das sementes pelos direitos de
propriedade intelectual fomenta as capacidades de as empresas lucrarem da evolução das
sementes ao inserir uma barreira no ciclo de crescimento, algo que antes os agricultores

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faziam independentemente. Os direitos de propriedade intelectual causam uma disrupção


legal que impossibilita a soberania no âmbito das sementes. Deste modo, o
enquadramento legal da privatização dos recursos genéticos permitiu às empresas
alcançar e colonizar novos territórios como nunca. Simplesmente, “para existir
propriedade privada é necessário um enquadramento para possuir e controlar o tipo de
propriedade em questão” (Filatova, 2021, pp. 8-9).

Neste sentido, os processos de expropriação de terra e sementes, bem como a


pressão internacional de políticas de privatização de sementes, abriram caminho para uma
redistribuição de poder na indústria. Verifica-se a concentração que continua a moldar a
indústria, tornando-se cada vez mais um monopólio (Filatova, 2021, p. 13). Aliás, a
concentração de mercado na indústria das sementes converteu-se num oligopólio, no qual
cinco empresas controlavam 84% da indústria em 2016. Estas empresas são corporações
transnacionais agroquímicas que partilhavam a indústria da seguinte forma: 32% DuPont,
30% Monsanto, 10% Syngenta, 6% Bayer, 6% Vilmorin. De ressaltar que entre 2016 e
2019, houve fusões reduzindo as empresas liderantes para apenas quatro em 2020. As
fusões foram: (1) a Dow e DuPont; (2) Syngenta e ChemChina; (3) Bayer e Monsanto
(Filatova, 2021, p. 14). Assim que o breeder de sementes ou empresa desenvolve uma
nova variedade, buscam proteger a semente com uma patente que os outorga direitos
monopolísticos sobre a sua invenção. Estudos indicam que, quando se combina direitos
de propriedade intelectual com forte concentração de propriedade, assiste-se a menor
invenção do que é propalado por diversos economistas mainstream (Filatova, 2021, p.
23). A privatização de sementes através de patentes excludentes granjeia o inventor com
o direito de cobrar acima do custo marginal quem deseja “colher os benefícios” do uso da
invenção ou até mesmo excluir do direito de usar a semente patenteada e o gene
sequenciado (Filatova, 2021, p. 24).

A biotecnologia permite às empresas modificarem o conteúdo genético das


plantas, repercutindo em todo o ecossistema em volta. Quando um genótipo dum
ecossistema é alterado, o restante do ecossistema tem de se adaptar. No entanto, quem
vende sementes geneticamente alteradas, não é responsabilizado por moderar as
implicações que acarretam tais mudanças nem por restaurar o ecossistema.
Adicionalmente, sementes produzidas por engenharia genética precisam de fertilizantes
e pesticidas. Ambos nefastos para a vida selvagem, sobretudo para os polinizadores, dos
quais depende a flora. Contudo, as consequências transcendem a componente ambiental

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e penetram na esfera socioeconómica, nomeadamente, na existência de fome, não


obstante da sobreprodução, riscos para a saúde pública, a destruição da agricultura
campestre. É o culminar das dinâmicas de globalização e liberalização das políticas
comerciais que tornaram um terço dos países mundiais vulneráveis e expostos à
insegurança alimentar, à dívida, à dependência e à degradação dos processos ecológicos
mais locais (Filatova, 2021, p. 27). Sinteticamente, os direitos de propriedade intelectual
constituem um perigo, enquanto privilegiam empresas do grande capital (Filatova, 2021,
p. 28).

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Bibliografia

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