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AMILCAR RODRIGUES FONSECA JÚNIOR

LUZIANE DE FÁTIMA KIRCHNER

ORGANIZADORES

COMPORTAMENTO
EM FOCO

Vol. 15

Reflexões teórico-filosóficas, metodológicas


e aplicadas na Análise do Comportamento
O conteúdo dos capítulos publicados é de inteira responsabilidade de
seus autores e de suas autoras, não representando a posição oficial dos
editores, das editoras e do Conselho Editorial da Editora ABPMC.

Catalogação na publicação
Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166

C737

Comportamento em foco: reflexões teórico-filosóficas, metodológicas e aplicadas na


análise do comportamento - Volume 15 / Organizadores Amilcar Rodrigues Fonseca
Júnior, Luziane de Fátima Kirchner. – Curitiba: ABPMC, 2023.

Livro em PDF

ISBN 978-65-87203-07-2

1. Avaliação do comportamento. I. Fonseca Júnior, Amilcar Rodrigues (Organizador).


II. Kirchner, Luziane de Fátima (Organizadora). III. Título.

CDD 158.1

Índice para catálogo sistemático

I. Avaliação do comportamento

II
Organização deste volume
Amilcar Rodrigues Fonseca Júnior (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo)
Luziane de Fátima Kirchner (Universidade Católica Dom Bosco)

Conselho editorial da Editora ABPMC


Bruno Angelo Strapasson (Editor-Chefe)
Amilcar Rodrigues Fonseca Júnior
Daniel Afonso Assaz
Fabiane Ferraz Silveira Fogaça
Luziane de Fátima Kirchner
Maria de Nazaré Pereira da Costa
Anis Settimi de Oliveira (Secretário executivo)

Projeto Gráfico e Editoração


Associação Brasileira de Ciências do Comportamento

Projeto Gráfico Original


Roberto Colombo (Portfólio)

Projeto Gráfico Adaptado e Diagramação


Carlos Rafael Fernandes Picanço (Contato)

Instituição Organizadora
Associação Brasileira de Ciências do Comportamento

Pareceristas
César Antonio Alves da Rocha
Fernando Del Mando Lucchesi
Hernando Borges Neves Filho
Ítalo Siqueira de Castro Teixeira
Jaume Ferran Aran Cebria
Josiane Maria Donadeli
Maria de Nazaré Pereira da Costa
Maria Helena Leite Hunziker
Michelli Carrijo Cameoka
Patrícia Cristina Novaki Aoyama
Ramon Cardinali de Fernandes
Tataína Iara Moreno Pickart

III
Sobre a ABPMC
A Associação Brasileira de Ciências do Comportamento (ABPMC), como foi re-
nomeada a até então Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental,
é uma associação civil sem fins lucrativos, fundada em 1991, e tem por objetivos: (a)
Promover, na sociedade, a Análise do Comportamento como área de conhecimento e
como campo de atuação profissional por meio de sua divulgação e de procedimentos
para o contínuo aperfeiçoamento da área; e (b) Criar condições para o aperfeiçoa-
mento do conhecimento científico relacionado com análise do comportamento, de
seus processos de produção e de uso por parte dos analistas de comportamento no
Brasil, por meio de avaliação e crítica sistemáticas.

A ABPMC é constituída por pesquisadores/as, professores/as, profissionais que


trabalham com Análise do Comportamento em suas diferentes dimensões – pesquisa
básica, aplicada, conceitual e prestação de serviços – além de estudantes de Psicologia,
Medicina Comportamental e de outras disciplinas relacionadas ao comportamento
humano. Atualmente congrega mais de 1.500 sócios/as distribuídos/as pela maioria
dos estados brasileiros. Entre as principais atividades da ABPMC está o Encontro
Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental, realizado anualmente.

É considerado o maior fórum brasileiro de Análise do Comportamento e um


dos maiores do mundo. A ABPMC também mantém uma série de publicações cien-
tíficas: Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC), série
Comportamento em Foco (continuação da série Sobre Comportamento e Cognição),
ambas bem avaliadas pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (Capes), e Boletim Contexto. Todas as publicações estão disponíveis online
gratuitamente. A ABPMC também contribui com outras instituições científicas, como
a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e a Sociedade Brasileira
de Psicologia (SBP).

Outra atividade de grande importância realizada pela ABPMC é o processo


de acreditação de analistas do comportamento no país. Essa ação visa atender uma
demanda da comunidade, que apresentou a necessidade de monitorar a qualidade
da prática do/da analista do comportamento brasileiro/a, favorecendo a escolha,
pela comunidade, de profissionais qualificados/as para o exercício profissional nos
diversos campos de atuação em Análise do Comportamento.

Saiba mais sobre a ABPMC em www.abpmc.org.br

IV
Diretoria Executiva (2023-2024)
Presidente Giovana Veloso Munhoz da Rocha
Vice-Presidente Fernanda Calixto
Primeira Secretária Thiago Vinícius Sávio
Segunda Secretária Tatiany Honório Porto Aoki
Primeira Tesoureira Fernanda Chaves Pacheco Sorgatto Machado
Segunda Tesoureira Victoria Boni Albertazzi

Conselho Consultivo (2023-2024) Ariene Coelho Souza


Liane Dahás
Rodrigo Noia Montalvan
Olavo de Faria Galvão
Sandro Iêgo da Silva Santos
Yara Kuperstein Ingberman

Conselho Fiscal (2023-2024) Rafael Ernesto Arruda Santos


Vera Regina Lignelli Otero

V
Sobre a coleção Comportamento em Foco

Em 1997, a ABPMC iniciou a publicação da série Sobre Comportamento e Cognição,


que teve importante papel na disseminação do conhecimento produzido em Análise do
Comportamento no Brasil. Após 16 anos de publicação da série, a ABPMC mudou seu
formato, de impresso para digital e, em 2012, renomeou a série como Comportamento
em Foco. O objetivo principal da coleção Comportamento em Foco é disseminar o conhe-
cimento produzido pela comunidade de analistas do comportamento no Brasil, por
meio de coletâneas constituídas pelos trabalhos apresentados nos encontros anuais
da ABPMC sob forma de palestras, mesas redondas, simpósios, sessões coordenadas,
minicursos e sessões primeiros passos.

Também é objetivo contribuir na formação científica dos estudantes e profissio-


nais da área, por meio da avaliação das produções escritas dos autores. Cada volume
é constituído por um conjunto de textos que visa ampliar o acesso de diferentes seg-
mentos da sociedade ao conhecimento produzido pelas ciências do comportamento.
Os capítulos que constituem a coleção passaram pela revisão de pareceristas ad-hoc
convidados em processo de duplo-cego.

Os livros digitais de cada volume estão disponibilizados gratuitamente no site da ABPMC:

www.abpmc.org.br

VI
Sobre os autores deste volume

Ana Caroline Marcelo Rodrigues


Nutricionista CRN/1 nº 14892, Mestre em Psicologia em Análise do
Comportamento Alimentar pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás,
Especialista em Nutrição Clínica pela Universidade Federal de Goiás.
Atua como nutricionista em clínica particular. Bolsista Mestrado CAPES.
E-mail: nutri.acmr@gmail.com

Ana Karina C. R. de-Farias


Psicóloga (CP 01/7875), Mestra em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB).
Atualmente, exerce as funções de psicóloga e supervisora clínica no Centro de Atenção
Multiprofissional (Brasília – DF). É coorganizadora/organizadora de sete livros em
Análise do Comportamento, Análise Comportamental Clínica e Psicologia da Saúde.
E-mail: akdefarias@gmail.com

Brunna Lima Moreira


Graduanda em Administração, pela Universidade Estácio de Sá. Auxiliar ad-
ministrativo e de marketing no CaMtos – Centro de Atenção Multiprofissional.
E-mail: brunna.lm@gmail.com

Carlos Eduardo Costa


Doutor(a) em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia
pela Universidade de São Paulo. Atua como professor na Universidade Estadual de
Londrina. Atualmente, desenvolve estudos/atividades sobre: Resistência do com-
portamento à mudança; Efeito da história comportamental sobre o comportamen-
to atual; Comportamento governado por regras (especialmente no que se refere à
sensibilidade do comportamento às contingências de reforço); Desenvolvimento
de instrumentos para pesquisa em Análise Experimental do Comportamento.
E-mail: caecosta@uel.br

VII
Carlos Eduardo Lopes
Graduado em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos, Doutor em
Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Atua como professor no
Departamento de Psicologia da Universidade Estadual de Maringá e como profes-
sor-orientador no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da
Universidade Estadual de Londrina. Atualmente, desenvolve pesquisas em História
e Filosofia da Psicologia, principalmente sobre comportamentalismo radical.
E-mail: celopes@uem.br

Carolina Laurenti
Mestre e Doutora em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos. Atua como profes-
sora adjunta do Departamento de Psicologia na Universidade Estadual de Maringá e está
credenciada no Programa de Pós-Graduação em Análise do Comportamento da Universidade
Estadual de Londrina. Atualmente, desenvolve estudos/atividades sobre epistemologia da
psicologia comportamentalista, interpretação relacional de fenômenos sociais contempo-
râneos, interface entre análise do comportamento e outras ciências, e com o feminismo.
E-mail: claurenti@uem.br

Carolina Roberta Assis


Graduanda em psicologia pelo Centro Universitário Presidente Tancredo de
Almeida Neves. Atua como estagiária do Modelo ExerCiência. Atualmente,
desenvolve estudos sobre Análise do Comportamento Aplicada ao TEA.
E-mail: assiscarola@gmail.com

Ednéia Aparecida Peres Hayashi


Doutora em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2003)
e Mestrado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (2007). Atua como docente Associada no Departamento de Psicologia Geral e Análise
do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina – PR. Atualmente desenvolve
atividades na área de Transtorno de ansiedade social (TAS) e Orientação Profissional.
E-mail: edneiah@uel.br

VIII
Ellen Ferreira de Castro
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás, graduanda em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atua como estagiária de
psicologia no Ministério Público do Estado de Goiás. Atualmente auxilia no desenvol-
vimento de pesquisas sobre o autoestigma relacionado ao peso e sobre as intervenções
em ACT para o autoestigma do peso. Bolsista de Iniciação científica BIC PUC Goiás.
E-mail: castrofellen@gmail.com

Evellyn Silva Barbosa


Graduanda em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Foi bol-
sista de iniciação científica em um projeto que investigou a relação entre o auto-
estigma do peso e a compulsão alimentar e voluntária em um projeto de valida-
ção de uma escala que avalia o autoestigma do peso. É monitora da disciplina
Psicopatologia Geral e estagiária no Centro de Intervenção e Ensino Comportamental,
onde atua como aplicadora ABA. Bolsista de Iniciação científica BIC PUC Goiás.
E-mail: evesbarbosa@hotmail.com

Felipe Boldo Martins


Psicólogo (CRP 08/28151), Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade
Estadual de Londrina (UEL) e Doutorando em Análise do Comportamento pela
Universidade Estadual de Londrina (UEL). Atua como psicólogo clínico na clínica
Contexto Psicologia. Estuda sobre criatividade e Análise do Comportamento, além de
dedicar-se ao estudo das filosofias que embasam as psicoterapias comportamentais.
E-mail: boldomartins17@gmail.com

Felipe Magalhães Lemos


Psicólogo, CRP: 126161/06, é doutorando no Programa de Psicologia da UFSCar re-
alizando estágio de doutorado sanduíche na Queens College CUNY. Atualmente
é docente da pós-graduação em intervenção ABA – Celso Lisboa e super-
visor em aba - Luna ABA. Realiza pesquisas em Análise Funcional e IISCA.
E-mail: felipe@lunaead.com.br

IX
Gabriela Ribeiro Leão
Graduada em licenciatura em História, Pós-graduada em Análise do comportamento
aplicada para pessoas com TEA e transtornos do desenvolvimento, e pós graduanda em
Psicopedagogia com ênfase em ABA. Coordenadora e professora da Pós-graduação em
Aplicador ABA e AT pelo Grupo CEFAPP. Atua principalmente com avaliação comportamen-
tal, inclusão escolar e desenvolvimento de habilidades e treinamento de equipe de aplica-
dores ABA e terapeutas multidisciplinares como assistente de supervisão na clínica CEFAPP.
E-mail: gabrielaribleao@gmail.com

Giulia Cândido Bruno


Psicóloga (CRP 06/168050), Mestra em Psicologia Experimental: Análise do
Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, graduação em
Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Cursando Doutorado
em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento na Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Atua como psicóloga clínica em consultório particular.
E-mail: giuliacandidobruno@gmail.com

Helen Carolina Ferreira Pereira


Graduada em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília. Fundadora
e Gestora da Inove Saúde, Bem-estar e Qualificação Profissional.
E-mail: helencarolf@yahoo.com.br

Henrique Costa Val


Psicólogo, BCBA (Board Certified Behavior Analyst), Mestre em Psicologia
Experimental: análise do comportamento pela PUC-SP (2013). Tem experiên-
cia em Análise do Comportamento Aplicada, com foco em intervenção com-
portamental com crianças e adolescentes com autismo. Diretor do programa
de intervenção comportamental para adolescentes e adultos do Grupo Método.
Doutorando em Psicologia Experimental: análise do comportamento na PUC-SP.
E-mail: costaval.henrique@gmail.com

X
Herilckmans Belnis T. M. Isidro
Psicóloga (CRP 01/7270), Mestre em Psicologia pela Universidade de Brasília (UnB),
Especialista em Neuropsicologia Neuropsicóloga pelo CFP. Atualmente, exerce a função
de psicóloga hospitalar e neuropsicóloga na Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação
nos Programas de Reabilitação Pós-COVID e Neurorreabilitação em Lesão Medular.
E-mail: herilckmans@gmail.com, hbtmi.psico@gmail.com

Jéssica Pereira Muniz Ohara


Graduanda em psicologia pela Faculdades Metropolitanas Unidas - FMU.
Atua como estagiária do Modelo ExerCiência. Atualmente, desenvolve es-
tudos sobre Análise do Comportamento Aplicada ao TEA e pessoas com
atraso no desenvolvimento, Comunicação Parental e Psicologia do Esporte.
E-mail: jessica.muniz.modexc@gmail.com

José Ferreira Silva


Graduando em Enfermagem, pela Universidade do Distrito Federal (UDF).
E-mail: ferreirasilvajose@gmail.com

Joshua Jessel
Board Certified Behavior Analyst – Doctoral Level (BCBA-D). New York State
Licensed Behavior Analyst. Ph.D. from Western New England University.
MA from University of Maryland, Baltimore County. Currently, assis-
tant professor at Queens College and directs a university-based outpa-
tient for children diagnosed with autism who exhibit problem behavior.
E-mail: joshua.jessel@qc.cuny.edu

Karla Gabrielly Amaral de Siqueira


Graduanda em Serviço social, pela Universidade Federal de Uberlândia, Campus
Pontal, Ituiutaba-MG.
E-mail: gabriellyamaralsiqueira@hotmail.com

XI
Laura Carvalho Ribeiro
Graduanda em Psicologia pela Universidade Federal do Vale do São Francisco.
Atua como estagiária do Modelo ExerCiência. Atualmente, desenvolve estudos/
atividades sobre Psicologia do Esporte e do Exercício, Análise do Comportamento
Aplicada ao Transtorno do Espectro Autista (TEA) e à Educação Física Especial.
E-mail: lauracarvalhor@gmail.com

Lígia Campos Müller


Estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Cursa
Qualificação Avançada em Análise do Comportamento Aplicada à Infância, Adolescência
e Parentalidade pelo Paradigma – Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento.
E-mail: ligiac.muller@gmail.com

Lucas Akira Nakahara Guimarães


Psicólogo (CRP 06/168704) formado pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Cursa Qualificação Avançada em Clínica Analítico Comportamental pelo
Paradigma - Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento, professor con-
vidado do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Ciências Médicas da
Santa Casa de São Paulo e atua como psicólogo clínico em consultório particu-
lar. Atualmente desenvolve estudos sobre supervisão e competências clínicas.
E-mail: akiraguimaraes@gmail.com

Lucas Dias de Souza


GraduandoemComunicaçãoSocial-PublicidadeePropaganda,pelaUnicBeiraRio,Cuiabá-MT.
E-mail: diiasdelucas@gmail.com

Luciana Pacheco Miranda Rochael


Bacharel em Odontologia pela Universidade Evangélica de Anápolis (1998),
graduada em psicologia pela PUC-GO (2021), pós-graduação em Terapia de
Aceitação e Compromisso pelo CECONTE (2022) e mestranda do Programa de
Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da PUC-GO. Atualmente desenvolve
pesquisa com foco no autoestigma do peso e nos efeitos da Terapia de Aceitação
e Compromisso (ACT) em mulheres acima do peso. Bolsista Mestrado CAPES.
E-mail: lucianapachecomr@gmail.com

XII
Luciana Parisi Martins Yamaura
Psicóloga (CRP 06/136066). Doutoranda em Análise do Comportamento pela
Universidade Estadual de Londrina. Mestrado em Análise do Comportamento
pela Universidade Estadual de Londrina (2019). Especialista em Análise do
Comportamento Aplicada pelo Instituto de Educação e Análise do Comportamento
(2020). Especializada em Neuropsicologia pelo Instituto de Psicologia, Educação,
Comportamento e Saúde. Atua como docente do curso de Psicologia do Centro
Universitário de Adamantina, psicóloga clínica e supervisora de intervenções em
ABA. Atualmente desenvolve atividades na área do Transtorno do Espectro Autista.
E-mail: luciana.parisi@uel.br

Luisa Gonçalves Pires


Psicóloga (CRP 02/22157), Graduada em Psicologia pela UFSJ, Mestre em Psicologia
com ênfase em processos socioeducativos pela UFJF. Analista do comportamento
Sócio Pleno da ACBr. Coordenadora e professora da Pós-graduação em Análise do
Comportamento Aplicada ao TEA (Grupo CEFAPP), professora da Especialização
em Análise do Comportamento Aplicada ao TEA (Centro Paradigma Ciências do
Comportamento), professora da Pós Graduação em Análise do Comportamento
Aplicada a Transtornos do Espectro Autista (Evolucio, Instituto Agir e Pensar e
Instituto Continuum). Atua como supervisora na clínica CEFAPP, clínica Desenvolvendo
Passo a Passo e na Mylena Lima Consultoria e Tecnologia Comportamental.
E-mail: piresluisag@gmail.com

Luiz Henrique Monteiro Galvão


Profissional de Educação Física (CREF:095268-G) pela Escola Superior de Cruzeiro.
Atua como co-supervisor do Modelo ExerCiência e atua como profissional de
Educação Física no atendimento de pessoas com atraso no desenvolvimento.
E-mail: luiz.modexc@gmail.com

Marcos Muryan Nobuhara


Graduado em Psicologia pela Universidade Estadual de Maringá.
A t u a c o m o m e s t ra n d o n a U n i v e r s i d a d e E s t a d u a l d e L o n d r i n a .
Atualmente, desenvolve estudos/atividades sobre Behaviorismo Radical.
E-mail: marcos.nobuhara@gmail.com

XIII
Monalisa Dutra Matias de Oliveira
Psicóloga (CRP 06/167983), possui Qualificação Avançada em Clínica Analítico
Comportamental pelo Paradigma – Centro de Ciências e Tecnologia do Comportamento
e graduação em Psicologia e Administração, ambas pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Atua como psicóloga clínica em consultório particular.
Atualmente, desenvolve estudos e oficinas sobre competências e habilidades clínicas.
E-mail: monalisa-o@hotmail.com

Nerjana Milena Miotto Zorzetti


Licenciada em filosofia pela PUC-GO em 2008, hoje é graduanda em psicolo-
gia pela PUC-GO e mestranda do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu
em Psicologia da PUC-GO. Atualmente desenvolve pesquisa com foco na
análise do self e nos efeitos da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT)
nos relatos do self em mulheres acima do peso. Bolsista Mestrado CAPES.
E-mail: nerjaluna@hotmail.com

Paola Esposito de Moraes Almeida


Psicóloga (CRP 47459-6), Doutora em Psicologia Experimental pela
Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia Experimental: Análise do
Comportamento pela PUC-SP. Atua como professora na PUC-SP e psicólo-
ga clínica em consultório particular. Atende e supervisiona alunos no am-
bulatório de atendimento e pesquisa ao Transtorno Obsessivo-Compulsivo.
E-mail: pealmeida@pucsp.br

Paulo Augusto Costa Chereguini


Profissional de Educação Física (CREF: 011865-G/CE), Doutorado e Mestrado em
Educação Especial pela UFSCar-SP, Especialista em Análise do Comportamento
Aplicada ao Autismo pela UFSCar-SP e em Ciência do exercício físico na promoção
da saúde. Analista do comportamento acreditado pela ABPMC e Sócio pleno ACBr.
Atualmente coordena a comissão de acreditação da ABPMC. Fundador do Modelo
ExerCiência: formação, supervisão e pesquisa em terapia inter e transdisciplinar
ABA na Educação Física às pessoas com TEA e outros atrasos no desenvolvimento.
E-mail: modeloexerciencia@gmail.com

XIV
Rachel Metras
Board Certified Behavior Analyst - Doctoral Level (BCBA-D). Commonwealth
of Virginia Licensed Behavior Analyst. Ph.D. from Western New England
University, Springfield, MA. MS from the University of North Texas, Denton,
TX. Current employment: Assistant Director of Clinical Services at the
Virginia Institute of Autism; Adjunct Professor at the University of Virginia.
E-mail: rmetras@viacenters.org

Radharani Rodrigues Soares


Psicóloga (CRP 06/167994), graduada pela Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo, possui Aprimoramento em Clínica Analítico Comportamental
Aplicada à Infância, Adolescência e Parentalidade pelo Paradigma – Centro de
Ciências e Tecnologia do Comportamento. Atua como orientadora educacio-
nal no Colégio Humboldt e como psicóloga clínica em consultório particular.
E-mail: radha.soares@gmail.com

Renan Cassiano Mesquita


Graduado em Educação Física, pela Universidade Católica de Brasília. Personal trainer.
E-mail: renan_kassiano@hotmail.com

Roberta Carolina Rangel de Oliveira


Graduada e doutora pelo Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento e Inovação
de Tecnológica de Medicamentos, realizado pela Universidade Federal do Ceará, em
associação com Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Universidade Federal da
Paraíba e Universidade Rural de Pernambuco. Trabalhou de 2007 a 2016 no laboratório
de Análises Clínicas do Hospital da Base Aérea de Fortaleza, onde teve a oportunidade
de exercer também atividades administrativas, como compras, controle de estoque e
licitações. Nesta experiência como militar, desenvolveu o potencial de gestora de equi-
pes e trabalhou também ensinando e orientando estagiários de nível técnico e nível
superior. Atualmente professora do Centro Universitário Pitágoras (antiga FATECI).
E-mail: robcarolina@hotmail.com

XV
Sônia Maria Mello Neves
Graduação em Psicologia pelo Centro Universitário de Brasília (1983), mestra-
do em Psicologia Experimental pela Universidade de Brasília (1989), doutorado
em Psicologia Experimental pela University College of North Wales, Bangor, UK
(1994) e pós-doutorado na Universidade de Brasilia (2015-2017). Atualmente é
professora titular da Pontifícia Universidade Católica de Goiás atuando na gra-
duação e na pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia. Tem experiência em pes-
quisa básica e aplicada, principalmente na análise do comportamento alimentar.
E-mail: soniamelloneves@gmail.com

Táhcita Medrado Mizael


Psicóloga (CRP 06/161558), doutora e mestra em psicologia pela Universidade Federal
de São Carlos (UFSCar). Especialista em gênero e sexualidade pela Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Atua como pesquisadora de pós-doutorado na
Universidade de São Paulo (USP) e também como psicóloga e supervisora clínica.
Atualmente, desenvolve estudos sobre relações étnico-raciais, gênero e sexualida-
de, autismo, equivalência de estímulos e Teoria das Molduras Relacionais (RFT).
E-mail: tahcitammizael@gmail.com

Taís Luciana Lacerda


Fisioterapeuta concursada na Secretaria de Estado de Saúde do Distrito
Federal. Mestranda em Ciências da Saúde, na Universidade de Brasília.
E-mail: taisllacerda@gmail.com

Verônica Bender Haydu


Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo, Mestre em Psicologia
pela Universidade de São Paulo. Atua como professora na Universidade Estadual
de Londrina. Atualmente, desenvolve estudos/atividades sobre: Análise do
Comportamento: metodologias e tecnologias de intervenção; Realidade e ambientes
virtuais: aplicações clínicas e educacionais; Análise experimental do comportamento
e psicobiologia: modelos experimentais e fundamentações empíricas da investiga-
ção do comportamento; Análise do comportamento aplicada à educação ambiental.
E-mail: haydu@uel.br

XVI
Apresentação
Entre os dias 7 e 10 de setembro de 2022, aconteceu o XXXI Encontro da Associação
Brasileira de Ciências do Comportamento (ABPMC), em formato online. Nessa edição
do evento, as modalidades de apresentação foram reformuladas, levando a uma atu-
alização no escopo de trabalhos passíveis de publicação na coleção Comportamento
em Foco. Com o intuito de abarcar a variedade de formatos disponíveis, foram avalia-
dos manuscritos derivados de cursos, minicursos, palestras, conferências, primeiros
passos, “comecei e agora?” e simpósios. Como efeito, foram recebidas 12 propostas,
das quais 10 integram o presente volume, 15º exemplar da coleção.

É digno de menção que, pela primeira vez, recebemos e publicamos um texto


com linguagem neutra e inclusiva, assumindo compromisso com práticas que respei-
tam a diversidade de identidades de gênero. Devido ao ineditismo do fato, foi criado
um Grupo de Trabalho que deverá discutir, junto de representantes de diferentes
grupos minoritários, ações para balizar a escrita de quem, em tempo futuro, desejar
fazer uso dessa linguagem em trabalhos submetidos à coleção.

Em referência aos capítulos que integram este volume, o trabalho inaugural,


de autoria de Verônica B. Haydu e Carlos Eduardo Costa, oferece uma caracterização
dos campos de atuação em Psicologia e, também, do método experimental. Em se-
guida, são apresentadas duas linhas de pesquisa do Programa de Pós-Graduação em
Análise do Comportamento da Universidade Estadual de Londrina, que elucidam a
atuação de profissionais vinculados à Análise Experimental do Comportamento. A
primeira delas focaliza um modelo experimental destinado ao estudo da resistência
do comportamento à mudança, baseado na Teoria do Momentum Comportamental.
A segunda, denominada Conflicting Relations Paradigm, se detém aos efeitos da história
dos participantes de pesquisa na formação de classes de estímulos equivalentes.

O segundo capítulo, de Marcos M. Nobuhara e Carlos Eduardo Lopes, apresenta


uma reflexão teórico-filosófica que parte do seguinte questionamento: Walden Two
é behaviorista radical? Inicialmente, é sugerida uma aproximação entre a filosofia
política skinneriana, elucidada em sua afamada utopia, e a forma de governo aristo-
crática apresentada na República, de Platão. Em um segundo momento, são discutidas
aproximações entre o pensamento político dos autores e incoerências filosóficas na
proposta skinneriana no que tange à adoção de um governo aristocrático em Walden
Two. Por último, são apontados perigos relacionados ao endossamento das teses beha-
vioristas radicais sem prudente cautela.

Felipe Boldo Martins e Carolina Laurenti assinam o terceiro capítulo. Nele, o


selecionismo é apresentado enquanto princípio epistemológico fundamental do beha-
viorismo radical. A criatividade, por sua vez, é apresentada como um conceito que,
definido por B. F. Skinner a partir de uma perspectiva selecionista, afasta o pensa-
mento do autor de teses mecanicistas. Considerando isso, são apresentados resultados
de uma revisão bibliográfica que teve como objetivo de examinar o uso de citações
sobre selecionismo, derivadas de excertos presentes na obra skinneriana, em estudos
analítico-comportamentais sobre criatividade. O estudo apresenta uma sistematização

XVII
das citações a B. F. Skinner, bem como uma síntese interpretativa dos achados.

O quarto capítulo do volume é de autoria de Ana Karina C. R. de-Farias,


Herilckmans Belnis T. M. Isidro, Helen Carolina F. Pereira, Roberta Carolina R. de
Oliveira, Taís Luciana Lacerda, Renan Cassiano Mesquita, José F. Silva, Karla Gabrielly
A. de Siqueira, Lucas D. de Souza e Brunna L. Moreira. Compreendendo que a pan-
demia de COVID-19 deixou marcas psicossociais relevantes, discute-se a importância
do trabalho multiprofissional e transdisciplinar. São apresentadas possibilidades de
atuação psicológica que auxiliem pacientes, familiares e profissionais da saúde na
prevenção e tratamento de eventuais danos físicos, psicológicos e sociais decorrentes
da pandemia.

O quinto capítulo, de autoria de Paola E. M. Almeida, Lígia C. Müller, Giulia C.


Bruno, Lucas Akira N. Guimarães, Monalisa D. M. de Oliveira e Radharani R. Soares,
apresenta a avaliação funcional indireta de obsessões, compulsões e escoriações de
duas adolescentes indicadas pela equipe de psiquiatras de um ambulatório público de
atendimento ao TOC do Estado de São Paulo. O monitoramento familiar e o Questions
About Behavioral Function (QABF) foram utilizados para a avaliação funcional dos com-
portamentos das adolescentes, e como base para o levantamento de hipóteses e orien-
tações quanto ao manejo de contingências pelos familiares. Apesar dos instrumentos
serem amplamente utilizados, no presente estudo as autoras e o autor mencionam
que as hipóteses funcionais sugeridas carecem de validação empírica, e destacam a
importância da combinação de estratégias descritivas e indiretas nas avaliações.

No sexto capítulo, as autoras Sônia Maria M. Neves, Nerjana M. M. Zorzetti,


Luciana P. M. Rochael, Ana Caroline M. Rodrigues, Ellen F. de Castro e Evellyn S.
Barbosa apresentam uma interpretação analítico-comportamental do autoestigma re-
lacionado ao peso, pautada na Teoria das Molduras Relacionais (RFT). Para isso, foram
analisados os relatos indicativos de autoestigma e história de vida de duas mulheres
com Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 25. As participantes preencheram um Diário
Alimentar por seis semanas, cujas respostas foram categorizadas por três avaliadoras
de modo independente. Os resultados indicaram que as respostas predominantes das
participantes estavam relacionadas ao autoestigma e a um padrão de vergonha e medo
dos olhares e julgamentos de outras pessoas. As autoras destacam o caráter inovador
deste estudo e incentivam o desenvolvimento de novos estudos sobre o tema, com a
intenção subsidiar análises clínicas e a criação de novos instrumentos e tecnologias
para as intervenções.

A análise funcional de microagressões raciais é temática do sétimo capítulo, de


autoria de Táhcita M. Mizael e Ana Karina C. R. de-Farias. As autoras inicialmente con-
ceituam microagressões raciais e apresentam 16 categorias para essas microagressões,
baseadas na taxonomia proposta por Williams et al. (2021), com descrições e exem-
plos direcionados à população negra. São apresentadas possíveis análises funcionais
molares e moleculares de interações entre pessoas brancas e não-brancas, levando-se
em consideração as categorias das microagressões. As autoras ainda destacam que
embora existam outros estudos que descreveram análises funcionais de comporta-
mentos considerados racistas, o presente estudo parece ser o primeiro a realizar uma
tentativa de análise funcional de microagressões raciais.

XVIII
O oitavo capítulo é de autoria de Ednéia Aparecida P. Hayashi, Luciana P. M.
Yamaura e Verônica B. Haydu, e descreve os resultados da aplicação de um proce-
dimento de matching to sample (MTS), combinado ao arranjo de contingências, para
promover a aprendizagem de palavras com encontros consonantais para um ado-
lescente (12 anos) com dificuldades na leitura de palavras com sílabas complexas e
déficits de interação social. Além da aprendizagem, também foi verificado se houve
alteração no padrão de comportamentos de interação social ao final do procedimen-
to. As autoras citam a aplicação de 18 sessões de ensino de leitura e escrita e testes
das relações emergentes, e resultados que indicam que o procedimento foi eficaz
para promover aprendizagem da leitura, assim como para aumentar a frequência de
comportamentos de interação social. As autoras sugerem o desenvolvimento de novos
estudos, com ampliação da amostra, inclusão de avaliações da escrita e o ensino da
leitura de sentenças.

O capítulo nono, escrito por Felipe M. Lemos, Rachel Metras, Henrique C. Val e
Joshua Jessel, apresenta uma revisão de literatura sobre Interview-Informed Synthesized
Contingency Analysis (IISCA), um modelo de análise funcional de rápida aplicação,
caracterizado por duas condições (controle e teste). Tendo em vista que o modelo foi
adaptado para atender contextos clínicos diversos ao longo dos anos, o trabalho teve
como objetivo identificar e discutir modificações procedimentais em sua aplicação.

Por fim, a prescrição de exercício físico na terapia analítico-comportamental do


autismo por meio do VB-MAPP (Verbal Behavior Milestones and Placement Program) foi
temática apresentada no décimo capítulo, de autoria de Paulo Augusto Chereguini,
Luisa G. Pires, Gabriela R. Leão, Laura C. Ribeiro, Luiz Henrique M. Galvão, Carolina
Roberta Assis e Jéssica P. M. Ohara. Os autores e as autoras apresentam um modelo
de atendimento terapêutico analítico-comportamental em Educação Física, pautado
nos objetivos levantados a partir da avaliação comportamental de desenvolvimento
VB-MAPP. O modelo se configura a partir de uma estrutura transdisciplinar, visando
beneficiar não somente os profissionais de Educação Física, como também os profis-
sionais da Psicologia, Fonoaudiologia, Terapia Ocupacional, Fisioterapia, Pedagogia,
Nutrição e afins, que atuam no atendimento às pessoas com desenvolvimento atípico.

A introdução aos trabalhos que compõem o presente volume reflete caracterís-


ticas marcantes da Análise do Comportamento no Brasil: pluralidade temática, rigor
metodológico e conceitual, profundidade filosófica, validade social e responsabilidade
ético-política. Esperamos que as leitoras e os leitores se beneficiem da leitura deste
livro e apreendam as múltiplas esferas de atuação da/do analista do comportamento!

O organizador e a organizadora

Amilcar Rodrigues Fonseca Júnior


Luziane de Fátima Kirchner

XIX
Sumário

O método experimental no âmbito da


Capítulo 1 Psicologia e da Análise do Comportamento 23
Verônica Bender Haydu
Carlos Eduardo Costa

Walden Two é comportamentalista radical?


Identificando incoerências filosóficas na
Capítulo 2 utopia skinneriana 38
Marcos Muryan Nobuhara
Carlos Eduardo Lopes

O selecionismo skinneriano nos estudos de


criatividade em Análise do Comportamento
Capítulo 3 51
Felipe Boldo Martins
Carolina Laurenti

Saúde Mental no mundo pós-pandemia:


breves comentários
analítico-comportamentais e considerações
Capítulo 4 para uma intervenção multiprofissional 68
Ana Karina C. R. de-Farias
Herilckmans Belnis T. M. Isidro
Helen Carolina Ferreira Pereira
Roberta Carolina Rangel de Oliveira
Taís Luciana Lacerda
Renan Cassiano Mesquita
José Ferreira Silva
Karla Gabrielly Amaral de Siqueira
Lucas Dias de Souza
Brunna Lima Moreira

XX
Avaliação indireta do Transtorno Obsessivo-
Compulsivo em contexto clínico
Paola Esposito de Moraes Almeida
Capítulo 5 Lígia Campos Müller 84
Giulia Cândido Bruno
Lucas Akira Nakahara Guimarães
Monalisa Dutra Matias de Oliveira
Radharani Rodrigues Soares

Uma proposta de interpretação


analítico-comportamental do autoestigma
relacionado ao peso
Capítulo 6 Sônia Maria Mello Neves 99
Nerjana Milena Miotto Zorzetti
Luciana Pacheco Miranda Rochael
Ana Caroline Marcelo Rodrigues
Ellen Ferreira de Castro
Evellyn Silva Barbosa

Análise funcional de microagressões raciais


Capítulo 7 Táhcita Medrado Mizael 113
Ana Karina C. R. de-Farias

Efeitos da aprendizagem da leitura e escrita


sobre comportamentos de interação social
Capítulo 8 Ednéia Aparecida Peres Hayashi 129
Luciana Parisi Martins Yamaura
Verônica Bender Haydu

XXI
Diferentes modificações da IISCA
Felipe Magalhães Lemos
Capítulo 9 Rachel Metras 145
Henrique Costa Val
Joshua Jessel

Prescrição de exercício físico na


terapia analítico-comportamental
Capítulo 10 do autismo por meio do VB-MAPP 159
Paulo Augusto Chereguini
Luisa Gonçalves Pires
Gabriela Leão
Laura Carvalho Ribeiro
Luiz Henrique Monteiro Galvão
Carolina Roberta Assis
Jéssica Pereira Muniz Ohara

XXII
COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 23—37

O método experimental
no âmbito da Psicologia
Verônica Bender Haydu (1)
haydu@uel.br
e da Análise do Comportamento1 Carlos Eduardo Costa (1)
The experimental method in the context of psychology caecosta@uel.br
and behavior analysis (1)
Universidade Estadual de Londrina

Resumo Abstract
Para situar a Análise Experimental do To place Experimental Behavior Analysis within
Comportamento no âmbito da Psicologia the scope of Psychology and Behavior Analysis,
e da Análise do Comportamento descreve- we describe the defining aspects of this discipli-
mos os aspectos definidores dessa disciplina. ne. We characterize the area of Psychology and
Caracterizamos a área da Psicologia e apre- present a flowchart of the relationships between
sentamos um fluxograma das relações entre its subareas. Furthermore, we raised research
suas subáreas. Além disso, levantamos temas topics related to the basic principles of Behavior
de pesquisa relacionados aos princípios bási- Analysis. Three studies were described, linked to
cos da Análise do Comportamento. Três estu- the research line “Experimental analysis of beha-
dos foram descritos, os quais estão vinculados vior and psychobiology”. The selected themes
à linha de pesquisa “Análise experimental do are examples that can give the reader an idea
comportamento e psicobiologia”. Os temas sele- of how the Experimental Analysis of Behavior
cionados são exemplos que podem dar ao leitor explores themes with different complexities,
uma noção de como a Análise Experimental do models/paradigms, and theories. The first study
Comportamento explora temáticas com dife- is about “behavioral history”, the second is about
rentes complexidades, modelos/paradigmas e “behavioral resistance to change” based on the
teorias. O primeiro estudo é sobre “história com- Theory of Behavioral Momentum, and the third
portamental”, o segundo sobre “resistência do is about the effect of pre-experimental history on
comportamento à mudança” baseado na Teoria the formation of equivalence classes (Conflicting
do Momentum Comportamental e o terceiro sobre Relations Paradigm). In conclusion, we highlight
efeito de história pré-experimental na formação that the relevance of an experiment is related to
de classes de equivalência (Conflicting Relations its internal and external validity.
Paradigm). Em conclusão, destacamos que a re-
levância de um experimento está relacionada
com sua validade interna e externa.

Palavras-chave Keywords

Psicologia; Psicologia Experimental; Análise Psychology; Experimental Psychology;


do Comportamento; Análise Experimental do Behavior Analysis; Experimental Analysis of
Comportamento. Behavior.

1 O presente capítulo é derivado de uma conferência apresentada no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o
título: O método experimental no âmbito da Psicologia e da Análise do Comportamento. O presente trabalho foi realizado com o apoio da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001. Carlos Eduardo Costa é
bolsista Produtividade em Pesquisa CNPq (PQ2, Processo: 306055/2022-8)

23
Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

A Psicologia, a que vamos nos referir subáreas, abarcam conforme as denomina-


no presente trabalho, é definida como sendo ções que recebem questões de saúde, sociais,
a Ciência do Comportamento – uma ciência educacionais, institucionais e do esporte, res-
que estuda a interação dos organismos vivos, pectivamente (ver Figura 1). Todas as questões
humanos e não humanos, com seu meio am- formuladas por essas diferentes subáreas da
biente. Uma vez que o objeto de estudo é o Psicologia têm relação com o comportamento
comportamento, essa ciência trata dos fenôme- do ser humano e todas podem ser estudadas
nos comportamentais onde quer que ocorram. por meio do método experimental, a Psicologia
Podemos analisar e estudar comportamentos Experimental.
do ser humano desde o seu nascimento até o
seu leito de morte. Além disso, a Ciência do
Comportamento estuda o comportamento das
demais espécies animais, inclusive animais
unicelulares, cujos processos comportamentais
podem ser de interesse em si mesmos ou para
estudos do que é parte da chamada Psicologia Figura 1. Questões relativas às subáreas da
Comparada. Psicologia que caracterizam a Ciência do
O presente trabalho tem por objetivo situar Comportamento.
a Análise Experimental do Comportamento
(AEC) no âmbito da Psicologia e da Análise do
Comportamento, especialmente para discentes Psicologia Experimental e
de cursos de graduação em Psicologia. Algumas Análise Experimental do Comportamento
perguntas que pretendemos que sejam respon-
didas são: O que é a Análise Experimental do A Psicologia Experimental é uma subárea
Comportamento? Qual a sua relação (e diferen- da Psicologia que não está restrita a campos de
ças) com a Psicologia Experimental como um atuação específicos, conforme especificado ante-
todo? Onde ela se situa dentro das diferentes riormente. Essa subárea é caracterizada por sua
subáreas que caracterizam a Psicologia? Que metodologia, o método experimental. Qualquer
temas de pesquisa em AEC têm sido produzidos, outra subárea ou abordagem da Psicologia que
mais especificamente, dentro do Programa de empregue o método experimental pode ser in-
Pós-Graduação em Análise do Comportamento serida no âmbito da Psicologia Experimental,
da Universidade Estadual de Londrina? independentemente do campo ao qual está
vinculada. No presente capítulo vamos focar
Psicologia e subáreas voltadas para a Análise Experimental do Comportamento,
os seres humanos que faz parte da matriz conceitual Análise do
Comportamento muito bem caracterizada por
Para dar uma noção da abrangência dos Starling (2006) como envolvendo os seguin-
estudos científicos do comportamento de seres tes componentes: (a) o Behaviorismo Radical,
humanos, apresentamos um organograma das que é uma filosofia da ciência, (b) a Análise
subáreas da Psicologia, incluindo a da Saúde, Experimental do Comportamento, que consiste
a Social, a Educacional, a Organizacional e do em uma estratégia de investigação, (c) a Análise
Trabalho, a do Trânsito e a do Esporte. Essas do Comportamento Aplicada, que consiste em

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 24


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

um conjunto tecnológico voltado para a inter- As variáveis de um experimento não se


venção e (c) a Análise do Comportamento pro- resumem apenas ao que é observado e regis-
priamente dita, que é o corpo de conhecimentos trado (o comportamento), mas incluem aqueles
conceituais indutivos. A Análise Experimental aspectos do ambiente que serão manipulados
do Comportamento (AEC) emprega o método pelo experimentador. Uma vez que podem
experimental que consiste em manipular deter- assumir diferentes valores, também são deno-
minado aspecto do ambiente e verificar o efeito minados variáveis. Assim, em um experimento
disso sobre o comportamento do organismo têm-se as variáveis que o experimentador ob-
estudado, estabelecendo a relação funcional serva e registra (variáveis dependentes, VD) e
entre esses eventos. as variáveis que o experimentador manipula
Um aspecto importante a ser destacado (variáveis independentes, VI). Esses termos, de
na caracterização do que vem a ser AEC é que forma geral, são confundidos pelos estudantes
questões pertinentes a diversas subáreas da de Psicologia, mas fica mais fácil fazer a distin-
Psicologia do comportamento humano indivi- ção se o comportamento é considerado como
dual e em grupo, assim como o comportamento sendo dependente das (afetado pelas) variáveis
das outras espécies de animais não humanos manipuladas pelo experimentador2.
são tratadas por essa subárea (ver Figura 2).
No entanto, não é a partir do tipo de sujeito
ou participante das pesquisas, como ratos ou
estudantes, ou a partir do local em que as pes-
quisas são realizadas, como os laboratórios,
que se define o fazer da AEC. O que define a
AEC é o estudo do comportamento por meio do
método experimental. Como em qualquer outro
ramo das ciências, é difícil observar todo seu
objeto de estudo de uma só vez. Não se conse-
gue observar todo o comportamento que um
organismo apresenta em um dado momento, Figura 2. Organograma da subárea Psicologia
muito menos em um período prolongado. Por Experimental – Análise Experimental do
isso, ao se estudar um comportamento, toma-se Comportamento.
segmentos desse fenômeno como unidades de
análise, denominadas variáveis comportamen- Para deixar ainda mais clara essa distin-
tais. O termo “variáveis” refere-se ao fato de os ção e exemplificar uma pesquisa experimental,
fenômenos estudados apresentarem diferentes exemplos simples e resumidos são apresenta-
valores em diferentes momentos. dos a seguir. Ademais, são apresentadas figuras
(gráficos) que geralmente são elaborados ao se

2 Os termos “variável dependente” e “variável independente” são termos comuns ao método experimental das ciências naturais, como,
por exemplo, a Física. Matos (1990) chamou a atenção para o fato de que tais termos sugerem relações causais entre os eventos nos
moldes das relações de causa-efeito, próprio de uma visão mecanicista. A autora sugere a substituição desses termos por outros, tais como,
“variável sob observação”, em vez de variável dependente e “variáveis manipuladas”, em vez de variável independente. O que se busca na
Psicologia Experimental é conhecer como dois conjuntos de variáveis se relacionam uma com a outra e estas “relações” podem ser dar de
várias maneiras e não apenas como uma relação mecânica de causa-efeito (ou input-output ou ainda estímulo-resposta). Os autores deste
artigo concordam com a nomenclatura sugerida por Matos (1990), mas como a maioria dos livros didáticos e dos artigos científicos usam
as expressões “variável dependente” e “variável independente”, mantiveram essas designações no presente texto.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 25


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

fazer análise experimental do comportamento A relação entre a VD e a VI apresentada


para representar os dados de pesquisas. Em na Figura 3 mostra que há uma relação regu-
um estudo de AEC, um pesquisador poderá, lar entre as duas variáveis: à medida que uma
por exemplo, estar interessado em investigar aumenta a outra também aumenta. No entan-
o efeito da magnitude do reforço (variável in- to, poderia ser o oposto: à medida que uma
dependente) no comportamento de estudantes aumenta a outra diminui. Pode-se observar
solucionarem problemas aritméticos (variável também relações em que o desempenho não
dependente). O experimentador poderia, por é alterado, podendo-se concluir de forma sim-
exemplo, submeter um grupo de alunos de um plista que essas duas variáveis não estão rela-
mesmo nível escolar a exercícios de resolução cionadas. Estamos afirmando que isso pode ser
de problemas, liberando consequências com simplista, pois quando um determinado evento
magnitudes diferentes (por exemplo, 1, 2, 3 ou 4 apresentado com consequência de um compor-
pontos para o exercício resolvido de forma cor- tamento não afeta a respostas emitidas, não se
reta) para os diferentes grupos de estudantes. considera esse evento como sendo um reforço
O pesquisador mensura a relação entre essas (cf. Catania, 1998). Análises complementares
variáveis. deverão ser feitas para que se possa apresentar
A Figura 3 é uma representação em forma conclusões. Assim, apesar de se especificar de
de gráfico de linha da relação descrita no pa- forma simplista as variáveis que estão sendo
rágrafo anterior, na qual são apresentados investigadas em um experimento ao descrevê-
dados hipotéticos do desempenho na resolu- -lo, muitos detalhes devem ser considerados e
ção de problemas de estudantes na presença de controlados para que o experimento seja viável
quatro graus de magnitude da consequência. e válido.
O desempenho (VD) é especificado na ordena- Outro aspecto importante a ser destaca-
da (linha vertical do gráfico) e a magnitude da do é que a variável independente pode ser o
consequência (VI) na abcissa (linha horizontal comportamento de outro indivíduo. Por exem-
do gráfico). Verifica-se nessa figura que o de- plo, considere que o experimentador esteja
sempenho dos participantes aumenta à medida interessado em investigar o efeito da duração
que a magnitude da consequência aumenta. do período que as mães de crianças enfermas
permanecem ao lado de seus filhos, durante
100
um tratamento de saúde da criança. Nesse
Desempenho na resoluução de problemas

90
80
70
exemplo, a variável independente é o tempo
60 de permanência das mães ao lado de seus filhos
50
40 enfermos, ou seja, o comportamento das mães.
30
Assim, para conduzir um experimento desse
20
10 tipo, o experimentador expõe diferentes grupos
de crianças enfermas a diferentes períodos de
0
1 2 3 4
Magnitude da consequência
permanência das suas mães junto a eles. O
Figura 3. Relação entre a magnitude da con- tempo de permanência das mães com os filhos
sequência e o desempenho de estudantes na é a variável independente e o grau de recupe-
resolução de problemas (dados hipotéticos). ração das crianças é a variável dependente. Na
medida em que os dados demonstrarem que
os grupos de crianças que ficaram mais tempo

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 26


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

com suas mães se recuperaram mais depressa pesquisa, em delineamentos pré-experimentais,


ou menos depressa, pode-se concluir que há delineamentos experimentais, entre outros.
uma relação regular entre essas variáveis. Se a Dentre os delineamentos pré-experimen-
recuperação dos diferentes grupos de crianças tais estão os estudos que envolvem apenas um
não variar em função do tempo de permanência grupo com pré-teste e pós-teste. Dentre os dife-
das mães, pode-se concluir que não há relações rentes tipos de delineamentos experimentais,
de dependência entre essas duas variáveis. propriamente ditos, estão: (a) aqueles em que
Em pesquisas experimentais, com fre- um pré-teste e um pós-teste são aplicados ao
quência, são estabelecidas condições de controle grupo experimental e ao grupo controle e esses
que podem ampliar a segurança do experimen- grupos são estabelecidos de forma aleatória;
tador em suas conclusões. Por exemplo, no caso (b) o delineamento que tem um grupo contro-
do experimento com as crianças enfermas, o le e somente um pós-teste; (c) o delineamento
pesquisador poderia incluir um grupo que não em que quatro grupos são selecionados alea-
teriam contato com as mães, para verificar se toriamente e o primeiro grupo é testado antes
de fato a permanência delas tem algum efeito. e depois do tratamento, o segundo grupo não
Esse grupo adicional é denominado grupo recebe tratamento (grupo de controle), mas é
controle e a inclusão dele aumentaria o grau testado antes e depois do período experimen-
de validade do experimento. Outra forma de tal, o terceiro grupo recebe tratamento, mas
controle é submeter os mesmos participantes só é testado ao final do período experimental
a diferentes medidas da variável independen- e o quarto grupo somente é testado ao final
te. Nesse caso, o delineamento é denominado do período experimental sem ser submetido à
intragrupo, sendo os próprios participantes variável independente.
aqueles que fornecerão os dados de compa- De acordo com Hilgard e Atkinson (1979),
ração para as diferentes medidas da variável nos laboratórios de Psicologia Experimental,
independente. Ainda, na Análise Experimental assim como em outros laboratórios de pesqui-
do Comportamento são frequentes os estudos sa científicas, são encontrados equipamentos
em que um grupo ou até um único indivíduo é especiais como instrumentos de precisão para
submetido a uma condição na qual uma deter- a manipulação das variáveis independentes e
minada variável independente está presente e para a obtenção de dados exatos, que são as
a outra condição na qual essa variável não está variáveis dependentes. Esses instrumentos
presente, a condição controle. podem ser aparelhos que permitem apresen-
De forma resumida, o método experimen- tar e manipular variáveis, como luzes com
tal distingue-se de outras formas investigações, comprimentos de onda conhecidos para que
como a descrição e a observação sistemáticas, se possa investigar como os indivíduos veem
porque quando se conduz uma pesquisa expe- as cores em estudos de visão, ou sons de fre-
rimental são feitas manipulações da variável quência conhecida, para estudos de audição.
independente. Há, no entanto, um número Para medir como os participantes da pesqui-
bastante grande de variações desse método. sa reagem diante das variáveis apresentadas
Campbell e Stanley (1963) classificaram os di- são frequentemente necessários instrumentos
ferentes tipos de arranjos experimentais, o que como aqueles que permitem obter, por exem-
é tecnicamente designado de delineamento de plo, medidas exatas de tempo, em milésimos de
segundo ou aqueles que permitem mensurar

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 27


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

correntes elétricas de músculos ou do cérebro. regularidades, têm-se condições para o estudo


Esses autores destacaram que, apesar de haver científico de seu objeto e, portanto, possibilida-
possibilidade e necessidade de instrumentos de de de controle e de predição.
precisão para algumas pesquisas experimentais
em Psicologia, o valor de um experimento não é Pesquisas em AEC do Programa de Pós-Graduação
determinado pela quantidade de instrumentos em Análise do Comportamento
usados. Em alguns casos bastam, simplesmente,
folhas de papel e lápis. O Programa de Pós-Graduação em Análise
O que determina o valor de um expe- do Comportamento da Universidade Estadual
rimento está relacionado com dois aspectos, de Londrina é vinculado ao Departamento de
que são a validade interna e a validade externa Psicologia Geral e Análise do Comportamento, dos
(Branch & Pannypacker, 2013; Kazdin, 1982; quais participam docentes desse departamento e
Sampaio et al., 2008). A validade interna refe- do Departamento de Psicologia da Universidade
re-se ao grau de controle das variáveis experi- Estadual de Maringá (https://www.uel.br/pos/pgac/).
mentais, ou seja, a segurança/insegurança que Uma das linhas de pesquisa desse programa é in-
o experimentador pode ter em relação ao efeito titulada “Análise experimental do comportamen-
da variável independente. Isso é, o quanto se to e psicobiologia”. Os estudos descritos a seguir
pode afirmar que as mudanças observadas na estão vinculados a essa linha de pesquisa. Foram
variável dependente são decorrentes das ma- selecionados como exemplos três temas de pes-
nipulações feitas na variável independente. A quisa que darão ao leitor uma noção de como a
validade externa é relativa às possibilidades de Análise Experimental do Comportamento explora
se generalizar as conclusões obtidas no estudo temáticas com diferentes complexidades, modelos/
para outras situações, populações e até para paradigmas e teorias.
outras espécies.
O grau de controle possível no laboratório História comportamental
faz com que o experimento de laboratório seja Frequentemente ouvimos afirmações do
o método científico preferido, desde que possa tipo: “Somos produtos da nossa história” ou “o
ser usado de forma adequada. No entanto, para que somos é função da nossa história”. Todavia,
que a Psicologia se desenvolva como ciência, não qual evidência empírica temos de que o com-
é essencial que todos os seus problemas sejam portamento atual de um organismo é afetado
estudados por meio de pesquisas experimen- por sua história? Primeiramente vamos buscar
tais. Métodos como a observação naturalista em uma definição do que podemos chamar de
situações de campo ou em instituições, o estudo "história comportamental". História compor-
de casos, as entrevistas, e outros métodos não tamental será aqui definida como a “exposi-
experimentais são comumente empregados por ção a contingências respondentes e operantes
psicólogos, tendo contribuído de forma signifi- cuidadosamente controladas em laboratório,
cativa para o desenvolvimento da Psicologia. O antes da fase de ‘teste’ desejada” (Wanchisen,
que é fundamental conforme Skinner (1953) é 1990, p. 32).
que, partindo do pressuposto de que o psicólogo Um experimento focando essa temática
estuda eventos comportamentais que se carac- foi desenvolvido por Soares et al. (2013), cujo
terizam com sendo relações entre o organismo objetivo foi observar o efeito de uma exposi-
e o ambiente, e que essas relações apresentam ção a um programa de reforço múltiplo razão

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 28


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

variável (FR) reforço-diferencial-de-baixas-ta- múltiplo FI FI). Os resultados desse estudo suge-


xas (DRL) sobre o comportamento subsequente rem que os efeitos da história podem ficar sob
em um múltiplo intervalo fixo (FI) FI, quando os o controle de estímulos e que o comportamento
mesmos controles de estímulo foram mantidos. tende a ficar sob o controle da nova contingên-
Participaram quatro universitários que foram cia de reforço com a exposição continuada à
expostos a um programa múltiplo FR DRL até contingência. Quando a resistência à mudança
que fosse obtida estabilidade na taxa de respos- pareceu maior, a substituição dos estímulos –
tas em ambos os componentes. A cor do botão cuja função havia sido selecionada durante a
de resposta era diferente para cada compo- fase de construção da história – foi suficiente
nente do programa múltiplo (verde para FR e para produzir uma mudança comportamental
vermelha para DRL). Em uma fase seguinte, os e produzir um padrão que parecia sob o con-
participantes foram expostos a um programa trole da contingência presente.
múltiplo FI FI. Os valores dos programas de Este estudo levanta questões interessantes
FR, DRL e FI em cada fase foram calculados sobre o comportamento: (a) Diferentes histórias
para cada participante, com objetivo de manter de reforço podem afetar o modo como uma
constante a taxa de reforços em cada programa. pessoa responde à contingência presente; (b)
Cada componente do múltiplo FI FI era corre- um indivíduo pode se comportar de maneira
lacionado a uma das cores do botão de respos- diferente nas mesmas situações (sob as mesmas
ta apresentadas anteriormente. Os resultados contingências de reforço, o múltiplo FI FI, no
indicaram que três dos quatro participantes experimento descrito), não por causa de sua
apresentaram efeitos da história de exposição personalidade instável, mas em função de di-
ao múltiplo FR DRL por algumas sessões (i.e., ferentes histórias de reforço.
taxa de respostas relativamente altas quando a
cor do botão de respostas era verde e taxas de Resistência do comportamento à mudança (Teoria
respostas relativamente mais baixas quando a do Momentum Comportamental, TMC)
cor do botão de respostas era vermelha). Com A TMC busca sistematizar os resultados de
a exposição continuada ao múltiplo FI FI, o pesquisas sobre resistência do comportamento
comportamento desses participantes tendeu a à mudança, definindo-a como a tendência de um
ficar sob controle da contingência presente (i.e., comportamento continuar ocorrendo quando
taxas de respostas relativamente iguais entre se altera o ambiente no qual ele está sendo
os componentes). O comportamento de um dos mantido (Aló & Costa, 2019, Luiz et al., 2019).
participantes apresentou efeitos da história de Nevin propôs o seguinte modelo experimental
exposição ao múltiplo FR DRL durante toda a para o estudo da resistência do comportamen-
fase de teste (múltiplo FI FI). Esse participante to à mudança (e.g., Nevin, 1974, 1979; 2015):
foi exposto, então, a mais 10 sessões de um múl- para duas classes de respostas (sob o controle
tiplo FI FI, mas as cores do botão de respostas de duas contingências de reforço) ocorrendo de
foram trocadas para preto (no Componente 1) maneira relativamente simultânea deve ser im-
e branco (no Componente 2). Baixas taxas de posta uma “força” (um evento perturbador ou
respostas passaram a ser observadas em ambos disrupting operation, DO, em inglês) que possa
os componentes do múltiplo FI FI (resultado afetar todos os comportamentos em ambas as
semelhante ao desempenho final dos outros classes de respostas da mesma forma e inten-
três participantes quando foram expostos ao sidade, de maneira relativamente simultânea.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 29


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

Estas condições podem ser atingidas com o exibe a tela de computador rodando o software
emprego de um programa de reforço múltiplo ProgRef. Durante as sessões experimentais, o
intervalo variável (VI) VI. fundo da tela do computador, que possui uma
Em um programa de reforço múltiplo, dois cor (e.g., cinza), contém um retângulo no centro
ou mais programas de reforço se alternam com inferior (botão de respostas) que pode ter cores
um estímulo diferente correlacionado com cada diferentes, conforme o programa de reforço em
programa de reforço (chamados de "componen- vigor. Um quadrado no centro superior exibe a
tes"). Os componentes do programa múltiplo quantidade de pontos obtidos na sessão (conta-
podem se alternar de forma simples ou randô- dor de pontos); no canto superior direito há um
mica (Catania, 1998; Ferster & Skinner, 1957; retângulo (botão de resposta de consumação) e,
Lattal, 1991). Por exemplo, em um programa quando os critérios de um dado programa de
múltiplo de reforço VI 60 s VI 180 s, na presença reforço são cumpridos, uma figura comumente
de um estímulo (S1) um programa de reforço denominada smile aparece abaixo do botão de
em VI 60 s estaria em vigor (Componente 1 do resposta de consumação. Ao clicar no botão de
programa múltiplo) e durante outro estímulo resposta de consumação o smile desaparece e
(S2) o programa de reforço em VI 180 s estaria pontos são creditados no contador. Quando um
em vigor (Componente 2 do programa múltiplo). programa de reforço múltiplo é programado
O programa de reforço em VI permite con- cada componente tem, necessariamente, uma
trolar a taxa de reforços em cada componente e cor de botão de respostas diferente.
mantém a taxa de reforços razoavelmente cons-
tante apesar das variações na taxa de respostas.
Além disso, o mesmo evento perturbador pode
ser aplicado a várias situações de estímulos na
mesma sessão, permitindo um controle experi-
mental intra sessão e intra sujeito (Craig, Nevin
& Odum, 2014). Além disso, Nevin (1974, 1979,
2015) propôs que a medida da resistência do
comportamento à mudança deveria ser relativa
e não absoluta. A essa medida relativa deu-se o Figura 4. Layout da tela de computador ro-
nome de proporção de mudança, que é calcu- dando o software ProgRef durante uma sessão
lada dividindo-se a taxa de respostas em cada experimental.
sessão de teste (nas quais o evento perturbador
está presente) pela média da taxa de respostas Diversas pesquisas foram realizadas em
na linha de base (i.e., nas sessões que antece- nosso laboratório estudando a resistência do
dem a introdução do evento perturbador – para comportamento à mudança com humanos
mais detalhes do procedimento e da medida de utilizando o ProgRef. Até o momento reali-
proporção de mudança, ver Aló & Costa, 2019 zamos e publicamos alguns estudos sobre a
e Luiz et al., 2019). resistência do comportamento à mudança
No Laboratório de Análise Experimental (e.g., Lacerda et al., 2017; Luiz et al., 2022;
do Comportamento Humano (LAECH) temos Luiz et al., 2020, ver também Lacerda et al., 2022
realizado pesquisa com participantes humanos sobre o aparato que utilizamos para alterar a
utilizando o software ProgRef v4. A Figura 4 exigência da força para emissão da resposta).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 30


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

Com o objetivo de avaliar se diferentes físico; ver também Soares et al., 2017 sobre a
distribuições dos intervalos entre reforços (in- definição e revisão de pesquisas sobre o tema
tervalos sobrepostos vs. não sobrepostos) e a “custo da resposta”).
diferença proporcional da taxa de reforços entre Qual a importância de se avaliar a dife-
os componentes em um programa múltiplo VI VI rença proporcional da taxa de reforços entre
(5:1 vs. 10:1) afetariam resistência do compor- componentes e as diferentes distribuições dos
tamento à mudança, Lacerda et al. (2017) dis- intervalos do VI sobre a resistência à mudança
tribuíram 20 universitários em quatro grupos. com humanos? Fundamentalmente, esse é um
A tarefa era pressionar o botão do mouse com o exemplo de pesquisa básica (cf. Baer et al., 1968).
cursor sobre um botão de respostas na tela de Seu interesse não está diretamente ligado com a
um computador e acumular pontos, que depois aplicação. Antes, o experimento busca avaliar a
eram trocados por dinheiro. Durante a linha de generalidade entre espécies (i.e., organismos não
base (LB), os participantes de Grupo 1 (G1) e humanos vs. humanos) acerca do efeito da taxa
G3 foram expostos a um múltiplo VI 10 s VI 50 de reforço sobre a resistência à mudança, além
s (proporção de reforço de 5:1) e os do G2 e G4 de verificar se aspectos particulares do proce-
foram expostos a um múltiplo VI 10 s VI 100 s dimento experimental (i.e., a diferença propor-
(proporção de reforço de 10:1). Para os partici- cional da taxa de reforço entre os componentes
pantes do G1 e do G2 os intervalos dos compo- e a forma de se programar os intervalos do VI)
nentes do VI se sobrepunham e para os do G3 e poderiam estar envolvidos em possíveis diferen-
do G4 os intervalos do VI não se sobrepunham ças nos resultados entre pesquisas. Pesquisas
(i.e., o maior intervalo do VI 10 s era menor que como a descrita anteriormente, servem de base
o menor intervalo do VI 50 ou 100 s). Na fase para decisões acerca da programação experi-
de teste, todos os participantes foram expostos mental (i.e., decisões metodológicas) de futuras
a cinco sessões em um múltiplo Extinção (EXT) pesquisas, sejam elas básicas ou aplicadas.
EXT na presença dos estímulos previamente cor- Outras pesquisas em nosso laboratório têm
relacionados ao múltiplo VI VI. Os resultados avaliado o papel do esforço físico na resistência
sugeriram que, nem a diferença proporcional à mudança, pois esta é uma questão controversa
na taxa de reforço, nem a distribuição dos in- na bibliografia. Enquanto alguns estudos (e.g.,
tervalos no múltiplo VI VI, contribuíram para Luiz et al., 2020, 2022) apontam que o esfor-
(1) a diferenciação nas taxas de respostas entre ço físico afeta a resistência à mudança, outros
componentes do programa de reforço múltiplo não relataram esse efeito (e.g., Pinkston & Foss,
VI VI e (2) para a maior resistência à extinção. No 2018). Luiz et al. (2020) avaliaram os efeitos de
artigo, os autores discutiram o uso da Extinção diferentes requisitos exigência para a força da
como evento perturbador e sugeriam a investi- resposta na resistência do comportamento à mu-
gação do papel do custo da resposta na diferen- dança. Na LB, pressionar um botão foi mantido
ciação das taxas de respostas e na resistência do em um programa de reforço múltiplo VI 45 s
comportamento à mudança. Costa e colaborado- VI 45 s com dois requisitos de força: 10 N no
res, recentemente, submeteram um artigo sobre componente de baixa força e 50 N no compo-
a resistência do comportamento à mudança, em nente de alta força para emissão da resposta.
universitários, em função de diferentes taxas No teste, sete participantes foram submetidos
de reforços utilizando custo da resposta como a um programa de reforço múltiplo EXT EXT.
DO (i.e., perda de pontos e aumento do esforço Para cinco dos sete participantes havia também

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 31


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

a exigência de resolução de anagramas como Note que ainda há poucas pesquisas experi-
uma tarefa simultânea. As condições de linha mentais sobre o tema e, portanto, é necessária
de base e de teste foram replicadas em um de- cautela para afirmações contundentes. Vista
lineamento ABAB. A resistência à mudança foi de forma rápida a questão subjacente poderia
maior na presença de estímulos discriminativos parecer facilmente respondida com intuição. A
associados ao componente que exigia 10 N de pergunta seria: é mais provável que alguém per-
força para seis participantes no primeiro teste e sista mais em um comportamento com menor
para quatro participantes no segundo teste. Os “custo” ou que continue a persistir em um com-
resultados sugeriram que diferenças na força portamento com maior “custo”? Intuitivamente,
física para emissão das respostas podem contri- poderíamos responder que as pessoas aban-
buir para diferenças na resistência à mudança. donarão mais facilmente a situação em que
Os efeitos de diferentes requisitos de força a emissão do comportamento é mais custosa.
física na resistência à extinção foram examina- Pode ser! Todavia, poderia ser o oposto! Estudos
dos por Luiz et al. (2022) em uma replicação sis- em Economia Comportamental apontam para
temática do experimento citado anteriormente. o efeito sunk-cost: em linhas gerais trata-se da
Cinco estudantes de graduação pressionaram tendência de um organismo persistir em um
dois botões de mola em um esquema múltiplo curso de ação devido a investimentos prévios de
VI VI durante a BL. Cada resposta que cumpriu esforço, dinheiro ou tempo, quando tais custos
a contingência VI e a exigência de esforço físico não são “recuperáveis”. De modo mais simples,
(50 ou 10 N) rendeu 100 pontos. Os participan- é a tendência de continuar se comportamento
tes trocaram o total de pontos ganhos por di- em uma situação depois de ter investido muito
nheiro ao final de cada sessão experimental. esforço (dinheiro ou tempo) em uma linha de
Durante o Teste, os participantes responderam ação, apesar dessa persistência não recuperar os
em um programa de reforço múltiplo EXT EXT. custos investidos (e.g., Devoto & DeFulio, 2022;
Diferentemente do estudo anterior, o delinea- Magalhães & White, 2016). Ou seja, tanto o orga-
mento experimental foi um AB. Os resultados nismo poderia persistir mais no comportamento
apontaram para uma maior resistência à extin- menos custoso, porque ele é menos custoso; ou
ção no componente com menor exigência de poderia persistir mais no mais custoso, porque
força física (ou seja, 10 N) durante a maioria investiu mais (esforço) nessa condição. A res-
das sessões de teste para três participantes. Em posta a essa questão é empírica e, portanto, de-
geral, estes resultados replicaram o do estudo vemos nos debruçar mais sobre o tema e tentar
anterior. Para um dos outros dois participantes, compreendê-lo o máximo possível.
a resistência à extinção foi semelhante entre os
componentes e para o outro participante a taxa Conflicting Relations Paradigm
de respostas aumentou durante todas as sessões Essa expressão, Conflicting Relations
de extinção. O artigo discute diferenças indivi- Paradigm, foi proposta por Mizael et al. (2016)
duais em termos de extinção como processo e para designar os resultados de estudos sobre
como procedimento. formação de classes de estímulos equivalentes
A questão do papel do esforço físico na re- em que a maioria dos participantes falhou em
sistência do comportamento à mudança ainda responder de acordo com as classes estabeleci-
requer mais pesquisas para que a questão possa das pelos experimentadores. Isso foi observado
ser respondida com algum grau de segurança. em procedimentos nos quais as relações a serem

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 32


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Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

estabelecidas “contradizem a história pré-ex- ao terrorismo de cidadãos estadunidenses;


perimental dos participantes” (p. 2). Ou seja, as Leslie et al. (1993) avaliaram o efeito de pala-
relações condicionais entre estímulos a serem vras ameaçadoras em participantes ansiosos
formadas empregaram estímulos socialmente e não ansiosos; Moxon et al. (1993), compara-
relevantes ou estímulos que carregam uma forte ram o estereotipo de papeis de gênero em estu-
história pré-experimental para os participan- dantes do sexo feminino e do sexo masculino;
tes dos estudos. Segundo Mizael et al., o estudo Munnelly et al., 2014, analisaram a transferência
de Watt et al. (1991), do qual participaram ca- da exclusão social em estudantes universitários;
tólicos e protestantes da Irlanda do Norte e da Strand e Arntzen (2020) fizeram uma replicação
Inglaterra, foi o primeiro a usar esse paradigma. sistemática do estudo de Whatt et al. com parti-
O procedimento consistiu em estabelecer rela- cipantes que tinham pouco ou muito interesse
ções condicionais de linha de base entre nomes por futebol e avaliaram a formação de classes
de católicos (A) e sílabas sem sentido (B), e entre de equivalência envolvendo estímulos figuras e
sílabas sem sentido (B) e símbolos protestantes palavras relativas a times de futebol.
(C). A partir do ensino dessas relações condi- Em nosso laboratório (LAECH), o
cionais, esperava-se, de acordo com o modelo Conflicting Relations Paradigm foi aplicado, por
da equivalência de estímulos, a emergência das Haydu et al. (2015a) e, avaliamos se relações
relações AC e CA. Ou seja, deveriam emergir condicionais pré-experimentais que potencial-
relações entre nomes de católicos e símbolos mente poderiam eliciar respostas emocionais,
protestantes. Devido ao conflito religioso entre como ciúme, afetariam a formação de classes de
fiéis dessas duas religiões, especialmente os da equivalência compostas por quatro estímulos e
Irlanda do Norte, pode-se considerar que as se haveria diferenças entre homens e mulheres.
relações emergentes contradizem as relações Os estímulos apresentados para as participantes
pré-experimentais. Os resultados do estudo de- do sexo feminino foram: o nome do namorado
monstraram que os participantes protestantes, (A1), nome de homem desconhecido (A2), nomes
com exceção de um deles, não responderam de de mulheres desconhecidas (A3 e A4), oito figu-
acordo com as relações estabelecidas pelos ex- ras não familiares (B1, B2, B3, B4, C1, C2, C3, C4),
perimentadores e que cinco dos 12 participan- e nomes de mulheres desconhecidas (D1, D2),
tes católicos formaram as classes de estímulos e nomes de homens desconhecidos (D3 e D4).
equivalentes. Esse resultado levou Watt et al. a No caso de participantes do sexo masculino os
concluírem que houve interferência substancial nomes eram invertidos quanto ao sexo. Os par-
da história pré-experimentais na formação das ticipantes foram expostos a treinos de linha de
classes de equivalência. base (AB, BC e CD) e a testes de relações emergen-
Uma série de estudos foram conduzidas tes de simetria (BA, CB, DC), transitividade (AC,
após o de Whatt et al. (1991) em que foram BD, AD) e transitividade simétrica (CA, DB, DA)
demonstrados efeitos de interferência de uma das classes 1, 2, 3 e 4. As relações de teste A1D1
variedade de relações pré-experimentais. Por e D1A1 foram alvo de análises detalhadas, pois
exemplo, Carvalho e de Rose (2014) investiga- nessas tentativas o nome do namorado/namora-
ram atitudes de preconceito racial diante de da deveria ser relacionado ao nome de homem
faces de pessoas afrodescendentes em crianças; desconhecido e o nome do namorado ao nome
Dixon et al. (2011) exploraram o desenvolvimen- de mulher desconhecida. A Escala de Ciúme
to de relações envolvendo atitudes relativas Romântico validada por Ramos et al. (1994) foi

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Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

aplicada após o procedimento de formação das romântico, os conflitos relativos ao preconceito


classes de equivalência. Verificou-se que os par- e estereótipos, e outros que podem ser observa-
ticipantes classificados com maior grau de ciúme dos em situações de competição. Procedimentos
por meio das respostas apresentadas na escala de intervenção para a modificação ou quebra
não formaram as classes de equivalência, inde- das relações entre estímulos que carregam uma
pendentemente de serem homens ou mulheres, forte história pré-experimental ainda requerem
demonstrando que as relações pré-experimen- ser desenvolvidos.
tais interferiram com as relações estabelecidas
pelos experimentadores. Considerações Finais
Em um estudo subsequente, foi realizada a
análise da interferência do responder relacional Esperamos que o presente trabalho possa
pré-experimental de torcidas organizadas de fute- contribuir, especialmente para alunos de gradu-
bol de três times brasileiros (Haydu et al., 2015b). ação em Psicologia, para entender onde a AEC
Os estímulos foram: emblemas dos clubes de fu- se situa no âmbito da Psicologia e da Análise
tebol (A), fotografias de obras de arte abstratas do Comportamento. Esperamos que possa ter
(B) e as palavras “Bom”, “Ruim” e “Regular” (C). ficado claro que a Psicologia Experimental é uma
As relações condicionais entre AB e BC foram subárea mais ampla do que a AEC por se con-
treinadas e em seguida foram aplicados os testes centrar no método experimental para o estudo
de simetria (BA e CB) e equivalência (AC e CA). de diversos temas na Psicologia. A AEC, por sua
Nos testes de equivalência, as palavras “Bom”, vez, se concentra no método experimental, mas
“Ruim” ou “Regular” foram apresentadas de com um viés teórico-conceitual da Análise do
tal forma que o emblema do time rival fosse Comportamento. Esperamos ainda que a apre-
relacionado com “Bom” e o de seu clube com sentação de três exemplos de temas de pesqui-
“Ruim”. Os participantes formaram as relações sa conduzidos por nós dentro do Programa de
de linha de base e as de simetria, mas a maio- Pós-Graduação em Análise do Comportamento
ria não apresentou as relações de equivalência da Universidade Estadual de Londrina, tenha
(transitividade e transitividade simétrica). Eles dado suporte para o entendimento do que faz
relacionaram com maior frequência a palavra – e como faz – um psicólogo pesquisador que
“Bom” na presença do escudo do clube para o trabalha com a AEC.
qual torciam e com maior frequência a pala- Por fim, terminamos com uma citação de
vra “Ruim” na presença do escudo do principal Galvão e Barros (2001) que resume o trabalho
clube rival. de todo pesquisador em AEC:
Conforme exposto anteriormente, os es-
Analisar o comportamento é, portan-
tudos sobre o Conflicting Relations Paradigm
to, selecionar um desempenho de um
utilizam estímulos socialmente relevantes ou es-
organismo em particular e procurar suas
tímulos que carregam uma forte história pré-ex-
relações com o ambiente imediato (físico
perimental para o estabelecimento de relações
e social), levando em consideração variá-
condicionais. A opção dessa variável permitiu
veis históricas, como a ‘experiência’ que
demonstrar a utilidade do paradigma para ana-
o organismo já teve com aquele tipo de
lisar e propor procedimentos de intervenção em
situação em particular e com situações
contextos educacionais e clínicos. Por exemplo,
similares (p. 2).
foram abordadas questões relativas ao ciúme

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 34


Psicologia e Análise do Comportamento
Verônica Bender Haydu & Carlos Eduardo Costa

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 1 | 37


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 38—50

Walden two é Comportamentalista


Radical? Incoerências filosóficas do
Marcos Muryan Nobuhara (1)
marcos.nobuhara@gmail.com
platonismo político de Skinner Carlos Eduardo Lopes (2)
Is Walden Two Radical Behaviorist? Philosophical celopes@uem.br
Inconsistencies in Skinner’s Political Platonism (1)
Universidade Estadual de Londrina
(2)
Universidade Estadual de Maringá

Resumo Abstract
Ainda que Skinner não tenha reconhecido isso, Even if Skinner did not recognize this, Walden
Walden two pode ser considerado um texto po- Two can be considered a political text, insofar
lítico, na medida em que discute soluções para as it discusses solutions to society’s problems. In
os problemas da sociedade. Nessas discussões, these discussions, Skinner approaches the aris-
Skinner aproxima-se da forma de governo aris- tocratic form of government, defended by Plato
tocrática, defendida por Platão na República. in The Republic. At other moments, however,
Em outros momentos, no entanto, Skinner tece Skinner makes harsh towards the Platonic philo-
duras críticas à filosofia platônica. Considerando sophy. Considering these points, the objective of
esses pontos, o objetivo deste capítulo é discutir this chapter is to discuss some philosophical in-
algumas incoerências filosóficas que parecem consistencies that seem to result from Skinner’s
decorrer da aproximação de Skinner à forma approximation of the Platonic form of govern-
de governo platônica em Walden two. Na defesa ment in Walden Two. In defense of aristocracy,
de sua aristocracia, Skinner parece lançar mão Skinner seems to use mentalistic explanations
de explicações mentalistas para justificar o de- to justify the population’s political disinterest
sinteresse político da população, e promete que and promises that Walden Two will turn into a
Walden two se transformará em uma sociedade democratic society, even without presenting any
democrática, sem apresentar qualquer plane- planning. Finally, the dangers to which behavior
jamento para que isso aconteça. Por fim, são analysts may be subject are discussed if they
discutidos os perigos a que analistas do com- do not observe radical behaviorist theses with
portamento podem estar sujeitos, caso não ob- caution.
servem as teses comportamentalistas radicais
com cautela.

Palavras-chave Keywords

Walden two; República; Incoerência filosófica; Walden two; Republic; Philosophical incon-
Política; Aristocracia. sistency; Politics; Aristocracy.

1 O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Inconsistências filosóficas no Comportamentalismo Radical e na Análise do Comportamento.

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Walden two é Comportamentalista Radical?
Marcos Muryan Nobuhara & Carlos Eduardo Lopes

A palavra ‘utopia’ foi utilizada no campo para criticar algumas práticas culturais atuais
literário pela primeira vez em 1516 por Thomas e enaltecer outras (Frye, 1965).
More como título de seu livro. A obra conta a Se utopias podem ser entendidas como
história de uma comunidade fictícia, descrita propostas de um mundo melhor, radicalmen-
como “a melhor forma com que se constitui te diferente do mundo real, e que, como tal,
uma república” (More, 1516/2017, p. 27). A resolveria todos os problemas da sociedade
etimologia da palavra ‘utopia’ — sintetizada da época, é possível concluir que a literatura
pelo próprio More — vem dos termos gregos utópica se inicia bem antes do uso da palavra
“ou” que significa não e “topos” que significa proposta por More. No ocidente, Platão parece
lugar (Gouvêa, 2017). Portanto, utopia signifi- ter sido o precursor do gênero utópico, com
caria, literalmente, um não lugar, algo que não sua República.
existe no mundo real. Essa definição de utopia À semelhança de outras utopias, a pro-
é também apresentada por Bobbio (1976/2017): posta de Platão está contextualizada em um
período político bastante conturbado. Depois
a construção da ótima república pode ser
de adotar um sistema democrático até o ano
confiada à pura construção intelectual,
404 A.E.C., Atenas foi derrotada por Esparta,
completamente abstraída da realidade
que instaurou um governo oligárquico conhe-
histórica, ou diretamente à imaginação,
cido como Tirania dos Trinta. Esses trinta go-
à visão poética, que se compraz em deli-
vernantes foram considerados por Platão maus
near estados ideais que jamais existiram
administradores, na medida em que adotaram
e jamais existirão. Trata-se do pensamen-
práticas violentas contra a população. Quando
to utópico, que teve em todos os tempos,
o governo oligárquico começou a entrar em
mas especialmente em tempos de grande
falência e a democracia foi restaurada, Platão
crise social, seus apaixonados e inspira-
sentiu-se aliviado. Esse episódio mostrou a ele
dos criadores. (p. 15)
que o poder político pode corromper os indi-
Além de reiterar o caráter “idealista” das víduos, e que talvez seria melhor confiar em
utopias, Bobbio (1976/2017) indica uma ca- instituições governamentais sólidas (Annas,
racterística comum dos contextos em que elas 1981). As decepções políticas de Platão viriam
são propostas: são momentos de crises sociais, a aumentar quando “em 399 a.C. Sócrates foi
nos quais os autores julgam necessário uma julgado e condenado a morte, ostensivamente
mudança radical na sociedade em que vivem. por corromper os jovens com seus ensinamen-
Esse é o caso da própria Utopia de More: “antes tos, mas realmente por ter sido associado com
de iniciar a descrição da maravilhosa ilha de alguns dos mais notórios inimigos da democra-
Utopia, Thomas traça um quadro sombrio da cia” (Annas, 1981, p. 6). A morte de seu mentor
situação econômica e social da Inglaterra, des- marcou Platão profundamente, levando-o a
gastada pelos impostos, pela miséria e pelos concluir que, não só os indivíduos, mas ins-
ladrões” (Petitfils, 1977, p. 17). Desse modo, a tituições também podem ser corruptas. Com
literatura utópica pode ser caracterizada como isso, Platão concluiu que a democracia usava
uma forma de imaginar um mundo melhor do métodos para fazer cúmplices e os que não se
que o mundo real, fantasiando sobre possíveis aliavam a ela acabavam sofrendo o mesmo des-
organizações sociais, mesmo que inexequíveis, tino de Sócrates: “a recusa da cumplicidade tem
um preço muito alto a pagar: foi precisamente

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 2 | 39


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o que aconteceu a Sócrates e muitos que tal desolador, com o mundo saindo da Segunda
como ele, não aceitaram obedecer ao que ele Guerra Mundial, com resultados que supera-
chama e caracteriza de ignóbil jogo político” vam as previsões mais pessimistas. Skinner
(Valentim, 2012, p. 61). (1976/2005b) também não tinha boas pers-
Considerando esse contexto, é possível pectivas diante das alternativas colocadas pelo
compreender as mudanças de opinião de pós-guerra, sobretudo, aquelas da sociedade
Platão no que diz respeito à política. Quando estadunidense da época. Comentando a moti-
mais jovem, ele tinha interesse em participar vação para escrever Walden two, Skinner lem-
ativamente da vida política, porém, após viven- brou, em sua autobiografia, de uma conversa
ciar tantas conturbações políticas, concluiu que com uma amiga, na qual discutiam o destino
seria muito difícil para ele exercer uma boa dos jovens que estavam voltando da Segunda
política: Guerra:

Ao observar estas coisas e ao ver os Mas que pena, que eles [jovens soldados]
homens que conduziam a política, assim deverão abandonar seus espíritos de
como as leis e os costumes, quanto mais campanha e voltar apenas para cair na
atentamente estudava a política e quanto velha vida americana — conseguir um
mais avançada se fazia a minha idade, emprego, casar, alugar um apartamento,
tanto mais difícil me parecia administrar fazer um pagamento de um carro, e ter
bem os assuntos públicos. (Platão, ca. 360 um filho ou dois. (Skinner, 1979, p. 292)
A.E.C/2013, p. 51)
Como contraponto a essa “vida ameri-
Por volta de 380 A.E.C., Platão escreveu cana”, respondendo à sugestão de sua amiga
a República, onde descreveu o que lhe pare- de que ele deveria mostrar uma alternativa,
cia ser a organização política mais adequada Skinner começou a pensar em uma comuni-
para uma cidade (Annas, 1981). Depois disso, dade que “tivesse resolvido os problemas de
realizou duas viagens — 367 e 362 A.E.C. — suas vidas diárias com a ajuda da engenharia
para tentar colocar em prática o projeto de uma comportamental” (Skinner, 1976/2005b, p. vi),
cidade ideal que tinha sido descrita em seu e que, indiretamente, seria uma solução para
livro. Platão acreditava que, na administração problemas que vinham tornando-se mais evi-
pública ideal, a vida intelectual (logos) deve- dentes desde o período da Segunda Guerra
ria ser posta na ação política (érgon); por isso, Mundial – como a participação da ciência na
somente um verdadeiro filósofo, que possuía produção bélica, o consumismo estadunidense
essas duas capacidades, seria capaz de fazer e a crescente poluição devido à alta produção
uma boa política (Valentim, 2012). Contudo, em industrial. Porém, a solução desses problemas
suas viagens, Platão não teria encontrado um “só ocorreria se o comportamento humano
rei que apreciava a vida filosófica, acarretando mudasse; e a forma como poderia ser mudado
no fracasso da realização de seu projeto de uma ainda era uma questão sem resposta” (Skinner,
cidade ideal (Annas, 1981). 1976/2005b, p. vii). A resposta de Skinner
Mais de vinte séculos depois, com Walden (1976/2005b) era baseada na sua, ainda recen-
Two Skinner retomou a tradição utópica ini- te, teoria do comportamento operante:
ciada por Platão, com notáveis semelhanças.
Desde o início, a aplicação de uma análi-
O contexto que Skinner vivia também era
se experimental do comportamento era
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diferente. . . O comportamento poderia mesmo tempo, enaltece as qualidades de sua


ser mudado ao mudar suas consequên- proposta. Frazier é retratado, desde o início,
cias — isso era comportamento operante como o criador de Walden two, ele tem o papel
— mas poderia ser mudado por causa de de apresentar o funcionamento desta sociedade
outros tipos de consequências que então e de convencer que ela está mais perto de uma
eram seguidas. (p. viii) utopia do que uma distopia. Adimanto e Castle
são personagens que questionam constante-
Skinner sabia que concretizar uma comu-
mente os defensores das comunidades ideais,
nidade orientada por esses novos princípios
tendo a função de provocar seus interlocutores
não seria fácil. No entanto, tinha a convicção
com uma postura cética. É evidente a cruzada
de que não era algo impossível de ser realiza-
de Castle contra a sociedade que Frazier plane-
do: “terminado o livro, eu estava convencido
jou durante Walden two; embora a comunidade
da exequibilidade de uma comunidade como
Walden two seja no livro um fato consumado,
Walden two” (Skinner, 1948/1978, p. 3). Skinner,
Castle duvida a todo instante se ela realmente
inclusive, se questiona por que modelos como
funciona como Frazier diz. Papel semelhante
Walden two não existiam: “mas, por que não há
é desempenhado por Adimanto, na República,
Walden two reais?” (Skinner, 1948/1978, p. 3).
quando critica a opinião de Sócrates sobre os
Para além de serem utopias, caracteri-
filósofos:
zadas como propostas de uma nova e melhor
sociedade, existem outras semelhanças entre [os filósofos] buscando com ardor a filo-
a República e Walden two. Primeiramente, há sofia, não apenas como meio de forma-
aspectos estruturais comuns. A narrativa dos ção, mas dedicando-se a ela na juventude
dois livros é feita em primeira pessoa, pro- por um tempo maior, vieram a tornar-se
tagonizada por Sócrates, na República, e por estranhos, para não dizer muito perver-
Burris, em Walden two. Ambos os livros seguem sos, e que outros, embora pareçam ser
a estrutura de um diálogo, conforme indicou o os mais sábios, mesmo assim, sob influ-
próprio Skinner: “Durante os anos cinquenta, ência da profissão que elogias, passam a
eu me perguntei se eu não deveria escrever um ser inúteis para a cidade. (Platão, ca. 370
romance. Eu não disse ‘outro romance’, porque A.E.C/2014, p. 230)
Walden two estava mais próximo de ser um di-
Por fim, Glauco e Burris são personagens
álogo platônico” (Skinner, 1984, p. 244).
que ficam entre opiniões divergentes, pois
Nos dois livros, ocorrem diálogos entre
nunca, explicitamente, pressionam ou con-
três personagens principais: na República os
frontam um dos outros personagens principais.
personagens são Sócrates, Glauco e Adimanto;
Ambos os personagens manifestam hesitações
em Walden two são Burris, Frazier e Castle. Esses
sobre as ideias por detrás das comunidades
personagens desempenham um papel seme-
utópicas, porém tendem a ficar do lado do
lhante em cada diálogo. Frazier e Sócrates são
personagem que é responsável pela sociedade
os personagens que defendem a ideia central de
utópica.
cada livro, ou seja, eles são os responsáveis por
Em relação ao conteúdo das utopias
defender as ideias por detrás de suas socieda-
platônica e skinneriana, também há seme-
des utópicas. No começo da República, Sócrates
lhanças. Os autores abordam temas como o
cria a ideia de uma sociedade justa, que vai
papel da educação ética, relações familiares,
sendo formada pelo seu método dialético, e ao
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a importância da felicidade, a propaganda, a para Skinner é uma descrição útil, na medida


propriedade privada, a estabilidade da comu- em que permite ao cientista, bem como a outras
nidade, a ciência, a igualdade de gênero etc., pessoas, lidar com o mundo de forma mais efe-
muitas vezes compartilhando opiniões simila- tiva (Abib, 1999; Laurenti & Lopes, 2009). Além
res sobre esses temas. Não obstante, o princi- disso, para Skinner, não existe a necessidade
pal tema das obras e o qual mais os aproxima de criar um mundo metafísico (o mundo das
é a forma de governo aristocrática. Seguindo ideias) paralelo ao mundo físico, e que explica-
a teoria das formas de governo de Aristóteles ria o mundo físico. Skinner (1974/1976) chega
(ca. 340 A.E.C/1998), aristocracia é o governo a acusar Platão de ter criado um dos primeiros
de poucos que busca o bem comum; e o bem tipos de mentalismo, o puro mentalismo, que
comum é tudo aquilo que é vantajoso para toda percorreria a história ocidental por mais de dois
a comunidade e não apenas para os governan- mil anos: “Diz-se que Platão descobriu a mente,
tes. Na República, o governo de poucos é com- mas seria mais correto dizer que ele inventou
posto pelos Reis-filósofos, que iriam comandar uma versão dela” (Skinner, 1974/1976, p. 35).
a cidade por meio da razão e de seu intelecto Embora a rejeição de Skinner ao men-
superior; eles teriam a responsabilidade de talismo platônico seja evidente, o mesmo não
cuidar das leis, da administração, do exército parece acontecer no que diz respeito à propos-
e do rumo que a sociedade pensada por Platão ta política de Platão, mais especificamente a
irá tomar. Similarmente, os Planejadores em defesa da aristocracia. A questão enfrentada
Walden two realizam o planejamento da comu- aqui é como autores com filosofias tão dife-
nidade dado seu grande treinamento técnico e rentes podem chegar às mesmas conclusões
sua capacidade de fazer experimentações; eles políticas? Partindo desse questionamento, o
cuidam do Código Walden (o sistema de leis da objetivo deste capítulo é discutir incoerências
comunidade), da administração e planejam a filosóficas que parecem decorrer da aproxima-
expansão de Walden two. ção de Skinner à forma de governo platônica
Apesar de existirem semelhanças entre as em Walden two.
obras, há evidentes diferenças filosóficas que
os autores usam para planejar e justificar as Estrutura política das obras
suas utopias. Para Platão, a República é gover-
nada conforme a dialética, método filosófico A estrutura política das utopias platônica
para acessar o mundo das formas. O objeto e skinneriana pode ser dividida em três classes
do conhecimento, por sua vez, são os univer- hierárquicas. Na República, essas classes são os
sais, os quais são inatos: os humanos possuem Reis-filósofos, guerreiros e artesãos. Em Walden
todas as formas dentro deles e por meio do Two essas classes são os Planejadores, adminis-
pensamento podem relembrá-las do mundo tradores e membros comuns. As funções polí-
das ideias e explicar as propriedades (efême- ticas de cada classe podem ser descritas da se-
ras) encontradas no mundo material (White, guinte forma: i) os Reis-filósofos e Planejadores
1979). Skinner rejeita esse tipo de mentalismo, planejam e comandam as comunidades com
como “uma essência de ideias inatas, conferida uma sabedoria exclusiva; ii) os guerreiros e ad-
anteriormente à experiência, pela qual o ser ministradores obedecem e organizam o que foi
absoluto das coisas nos é revelado” (Skinner, planejado; e iii) os artesãos e membros comuns
1974/1976, p. 142); o conhecimento científico executam o que foi planejado.

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As principais críticas dirigidas às obras de de acordo com os autores, é necessário também


Platão e Skinner têm como fonte a desconfiança que a comunidade utópica seja organizada con-
em relação a um corpo de governantes conside- forme os conhecimentos filosóficos, no caso da
rados intelectualmente superiores do que o res- República, ou científicos, no caso de Walden two.
tante da população (e.g. Lopes, 2020; Newman, Para tanto, os governantes detentores desse
1993; Popper, 1971; Williams, 1949). Inicia-se conhecimento devem poder controlar2 vários
a investigação com uma pergunta sobre a es- aspectos das comunidades para aplicar o que
colha da forma de governo aristocrática para foi planejado. Tanto para Platão quanto para
recriar e comparar as justificativas dadas pelos Skinner, o controle e o governo aristocrático
autores em suas obras e avaliar a coerência das só se tornam legítimos porque os poucos que
respostas com as suas respectivas teorias. governam são os únicos naquelas sociedades
que possuem os conhecimentos necessários
Por que é preciso haver uma aristocracia? para governar idealmente ou efetivamente. Por
essa razão, a educação, entendida como forma
Platão poderia responder a essa pergunta de garantir o conhecimento, é fundamental na
da seguinte maneira: poucos nascem com uma justificação da aristocracia nas duas obras.
natureza filosófica, logo aqueles que nascem Devido às diferenças epistemológicas
sem uma inclinação para a filosofia são inca- entre Platão e Skinner, o processo educacional
pazes de aprender o método dialético e, con- é diferente nas duas utopias, mas a sua função
sequentemente, governar uma cidade ideal política é praticamente a mesma: criar uma
(ver Platão, ca. 370 A.E.C/2014, 536d-537a). Em elite intelectual para cuidar do governo das
Walden two, a resposta poderia ser dada a partir comunidades. Essa elite intelectual deve pos-
do seguinte argumento: o conhecimento cientí- suir uma natureza filosófica, que é considerada
fico sobre o comportamento é necessário para por Platão como virtudes inatas, tais como: boa
o planejamento de uma comunidade utópica. memória, aprendizagem fácil, magnanimidade,
Contudo, a maioria das pessoas não se interes- amar o trabalho e ser resistente (ver Platão, ca.
sa pela ciência do comportamento. Portanto, é 370 A.E.C/2014, 535a‑c). Por isso, Platão adota
necessário que aqueles que sabem sobre ciên- uma espécie de “selecionismo educacional” para
cia do comportamento sejam os responsáveis encontrar aqueles que possuem uma natureza
pelo planejamento (ver Skinner, 1948/2005a, filosófica: “aquele que sempre, na infância, na
pp. 250–251). juventude e na maturidade, passou pela prova
O planejamento das comunidades é essen- e saiu incólume, a esse devemos instituir como
cial para a concretização das utopias. Ademais, chefe e guardião da cidade” (Platão, ca. 370

2 O termo “controle” da Análise do Comportamento causou problemas para Skinner, dado o seu uso na linguagem ordinária, sinônimo de
restrição ou perda de liberdade. Entretanto, a palavra ‘controle’ para Skinner não tem o mesmo uso que o do senso comum, ele apropriou-se
do termo para criar um conceito técnico na teoria comportamental. Essa diferença entre o uso comportamental e ordinário de controle
também precisa estar no horizonte em uma comparação entre as propostas de Skinner e Platão. De um ponto de vista comportamental,
todas as respostas de um organismo (e práticas culturais) são controladas, no sentido de estarem inseridas em relações de contingência
com o ambiente, logo, nessa perspectiva, não faz sentido dizer que alguém perdeu a sua liberdade ao ser controlado (Skinner, 1971/2002).
Em contrapartida, o termo ‘liberdade’ ganha, aqui, outro sentido: para Skinner é o tipo de controle que cria liberdade, ou pelo menos a
sensação de liberdade: “Com planejamento hábil, com uma escolha sábia de técnicas, nós aumentamos a sensação de liberdade . . . Não é o
planejamento que restringe a liberdade, mas o planejamento que usa força” (Skinner, 1948/2005a, p. 248). Sendo assim, é responsabilidade
dos planejadores controlar o funcionamento da comunidade para criar liberdade e felicidade. Já na República, o povo deveria abdicar de
sua liberdade voluntariamente, pois sabem que o controle dos Reis-filósofos iria trazer o bem comum (justiça) para toda a cidade (ver Platão,
ca. 370 A.E.C/2014, 489b-c, 586e-587a).

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A.E.C/2014, 413e–414a). A última etapa da se- torna clara a necessidade de governantes


leção é o ensino da dialética, quando os alunos especializados:
que foram selecionados ultrapassam os trinta
as pessoas são governantes capazes? Não.
anos deve-se observar “qual deles, deixando de
E eles se tornam cada vez menos capa-
lado os olhos e os outros sentidos, são capazes
zes, relativamente falando, enquanto a
de seguir na direção do próprio ser, tendo a
ciência de governar avança . . . uma vez
verdade como companheira” (537d). Só aqueles
que tenhamos adquirido uma tecnologia
que têm acesso ao mundo das ideias, por meio
comportamental, não podemos deixar
da dialética, conseguem trazer para a cidade
o controle do comportamento para os
aspectos divinos no seu governo (501a‑c). A
leigos. . . O que elas [as pessoas leigas]
educação política de Platão é coerente com a
notoriamente não sabem é como conse-
sua teoria da natureza filosófica: se algumas
guir o que querem. É um assunto para
pessoas nascem incapazes de serem filósofos,
especialistas. (pp. 250–251)
não adianta perder tempo com elas. Já a edu-
cação em Walden two não é reservada apenas O problema que Skinner traz para Walden
para a seleção dos governantes, pois todos em two é deixar a educação política como uma ma-
Walden two passam pelo treinamento ético e téria optativa. Frazier descarta esse problema
formal, que visa a autonomia. No livro, Skinner afirmando que as pessoas simplesmente não se
critica duramente o selecionismo educacional: interessam pela política em Walden two:

Espartanos ou Puritanos – ninguém A maioria das pessoas não querem pla-


pode questionar seu sucesso ocasional. nejar. Elas querem ser livres da respon-
Porém, todo o sistema reside sobre um sabilidade de planejar. O que elas pedem
princípio dispendioso de seleção . . ., mas é apenas alguma segurança de que elas
seleção não é educação. Sua geração de serão decentemente cuidadas . . . pessoas
homens corajosos será sempre pequena, naturalmente seguem qualquer um em
e o desperdício enorme . . . Em Walden que elas possam confiar as necessidades
two nós possuímos um objetivo diferente. da vida. (Skinner, 1948/2005a, pp. 154–
Nós fazemos cada homem corajoso . . . A 155, grifo nosso)
utilização tradicional da adversidade é
para selecionar os fortes. Nós controla- A maioria da população em Walden two
mos a adversidade para construir força. não participa no funcionamento do go-
(Skinner, 1948/2005a, pp. 104–105) verno. E elas nem querem participar . .
. Em Walden two ninguém se preocupa
Mas em Walden two, algumas “matérias”
com o governo, exceto alguns, os quais
são deixadas como optativas, e apenas aque-
essa preocupação lhe foi atribuída.
les que se interessam por elas passam por um
Sugerir que todos se interessassem seria
treinamento especial. Esse é o caso da política
tão fantástico quanto sugerir que todos
(ciência de governar) e aqueles que se inte-
se familiarizassem com os nossos moto-
ressarem por esse tipo de assunto podem se
res de diesel. (Skinner, 1948/2005a, pp.
tornar Planejadores (ver Skinner, 1948/2005a,
253–254, grifo nosso)
p. 49). Em Walden two, Skinner (1948/2005a)

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O que os excertos acima parecem reve- por não querer estudar política, criando a ne-
lar é que, ao tentar justificar a aristocracia em cessidade de uma aristocracia tecnocientífica.
Walden two, Skinner acaba se comprometendo Frazier poderia ainda tecer uma segunda
com uma lógica mentalista, ao mesmo tempo em contestação: Ok, a tecnologia comportamental
que se afasta do contextualismo que caracteriza conseguiria criar uma população politicamente
o comportamentalismo radical (Carrara, 2004; ativa, porém esse é o melhor plano para agora?
Morris, 1988).3 De acordo com essa filosofia do Não foi escolhido a aristocracia “eterna”, Walden
comportamento, criar interesses não seria um two é apenas temporariamente uma aristocra-
problema, o que é reiterado em outro momento cia. Isso tudo faz parte de um plano político de
no próprio Walden two: “Me dê as especifica- longo prazo. Sendo assim, Frazier concordaria
ções e eu lhe darei o homem! O que você diria que o interesse das pessoas pode ser moldado,
sobre o controle da motivação, criando interesses mas é necessário tempo para que um sistema
os quais irão tornar o homem mais produtivo e de governo democrático seja adequado em
mais bem-sucedido?” (Skinner, 1948/2005a, p. Walden two. Frazier poderia dizer que no início
274, grifo nosso). Desse modo, se a população de uma utopia a concentração de poder é van-
não se interessa pela política, isso quer dizer tajosa, porque: (i) ensinar política para poucas
que Frazier não incluiu no planejamento o con- pessoas é mais fácil; (ii) pessoas de fora entram
trole deliberado sobre esse interesse. em Walden two, logo, sem treinamento, elas po-
Frazier poderia contestar essas afirma- deriam atrapalhar o governo da comunidade,
ções dizendo: Walden two é sim contextualista, caso um sistema democrático fosse adotado;
mas nós só não queremos obrigar as crianças a ou (iii) tomar decisões em um grupo menor é
estudar determinadas matérias, porque isso po- mais fácil e poupa recursos. Em suma, Frazier
deria diminuir a felicidade delas (ver Skinner, poderia dizer que uma aristocracia é a melhor
1948/2005a, pp. 109–116). Não obstante, esse estratégia para começar uma utopia, mas no
argumento é facilmente rebatido: Frazier impõe futuro outra configuração mais democrática
algumas matérias tidas como obrigatórias (e.g. poderia surgir em Walden two. Isso marcaria,
Lógica, Estatística, Método Científico, Psicologia então, um definitivo afastamento em relação à
e Matemática) e reitera que é possível criar uma República? Vejamos.
sociedade feliz sob muitas condições de vida
com a tecnologia comportamental (ver p. 193). É desejável mudança na estrutura aristocrática?
Por que, então, não tornar a educação política
uma obrigação e capacitar a população a tomar A resposta de Platão é categoricamente
as suas próprias decisões políticas, assim como negativa. Para o filósofo não faria sentido es-
é incentivado que as crianças aprendam a resol- colher uma cidade diferente daquela que foi
ver seus próprios problemas em outras áreas? pensada para se assemelhar às formas ideais.
Skinner parece, então, culpabilizar a população Consequentemente, somente com os filósofos

3 Morris (1988) descreve uma concepção contextualista de comportamento da seguinte forma: “No contextualismo, o comportamento
ocorre em contexto e deve ser estudado como tal, pois o contexto que dá o seu significado (i.e. sua função) . . . o significado do comportamento
emerge de um contexto histórico que sempre está em evolução (i.e. por meio da causalidade histórica) e é instanciado no contexto atual,
enquanto o presente se torna o passado para comportamentos subsequentes — logo a origem da metáfora do ‘evento histórico’ para as
constantes ações-em-contextos” (p. 299). Aplicando a definição de Morris (1988) ao assunto tratado neste capítulo, do contextualismo decorre
que: i) rearranjando novos contextos é possível criar novos comportamentos (interesses), e ii) é preciso planejar contingências (contextos)
para mudar comportamentos.

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no poder que uma cidade poderia ser justa (ver 275). Por exemplo, apesar de existirem códi-
Platão, ca. 370 A.E.C/2014, 420b–421c, 501e). gos de conduta em Walden two, é impossível
Qualquer outro tipo de governo seria um re- criar códigos para todas as ações antissociais.
gresso (exceto a monarquia de um filósofo). Portanto, a solução proposta por Frazier foi en-
A desesperança de Platão, retratada no livro oito sinar autocontrole como uma ação preventiva,
da República, é que a corrupção política, apesar seguindo a sua própria máxima de que não há
de ser indesejável, parece ser inevitável (Platão, virtude no acaso.
ca. 370 A.E.C/2014, 544c–d, 546a). Relembrando Realmente, não é possível conhecer todas
o contexto em que Platão escreveu a República, as mudanças que serão necessárias no futuro,
não é difícil entender a sua desesperança em mas preparar-se para uma possível corrupção
relação a outras formas de governo e o destino da aristocracia skinneriana com uma educação
de qualquer governo. De acordo com Platão, política seria um bom modo de promover a so-
poucas pessoas nascem aptas a serem filosófi- brevivência da cultura de Walden two. Embora
cas: “Que a maioria seja filosófica [tenham uma Skinner não tenha planejado uma educação po-
alma de ouro] é impossível” (494a). Portanto, lítica generalizada em Walden two, é importan-
a maioria e, por extensão, o ideal democrático te ressaltar que ele não acreditava na bondade
precisa ser definitivamente afastado das dis- inata dos seres humanos, governantes ou não, e
cussões e decisões políticas. por isso criou obstáculos para evitar o despotis-
Diferente da República, Skinner consi- mo. O principal recurso para evitar uma possí-
dera que as mudanças, incluindo a mudança vel corrupção, segundo Skinner (1948/2005a), é
na estrutura política, são uma necessidade em a ausência de poder coercitivo em Walden two
Walden two, pois para além da felicidade dos para ser usurpado; o único modo de controle
membros, é preciso acompanhar as mudanças seria é por meio de reforçamento positivo5 (ver
das práticas culturais com uma atitude expe- pp. 255–256). Contudo, controlar a comunidade
rimental, a fim de evitar a extinção da cultura para que sempre existam Planejadores, e que
(ver Skinner, 1948/2005a, p. 193). O argumento certos reforçadores naturais (governar) sejam
de Skinner (1948/2005a) é que seria impossível exclusivos aos Planejadores, pode ser conside-
prever de antemão todas as necessidades futu- rado um privilégio. Em Walden two, Skinner
ras4 (ver pp. 95–96, p. 150), mas, ainda assim, não parece estar preocupado com esse tipo de
ele ainda defende que não há virtude no acaso: despotismo.
“Não há virtude no acidente. Deixe-nos con- Mas o surpreendente é que em Walden
trolar as vidas de nossas crianças e ver o que two há uma promessa de que no futuro a co-
podemos fazer delas” (Skinner, 1948/2005a, p. munidade será mais democrática: “conforme

4 A questão de eventuais problemas na adoção da sobrevivência da cultura como um valor, tem sido debatida por analistas do comporta-
mento há algum tempo (e.g., Dittrich, 2006; Staddon, 2003). Staddon (2003), por exemplo, assenta seu argumento crítico justamente na impre-
visibilidade das mudanças de uma sociedade. Segundo esse autor, foi um equívoco da parte de Skinner elencar a sobrevivência da cultura
como um valor ético capaz de guiar quais práticas são boas e devem ser estabelecidas, pois não há como saber de antemão se uma prática
irá beneficiar a cultura. Uma prática que a curto prazo beneficie a cultura pode, a longo prazo, diminuir as chances de sua sobrevivência.
Curiosamente, Frazier parece responder a esse questionamento, indicando que é preciso ficar sob controle de falhas em uma cultura atual
que indicam uma possível extinção futura, como a “incapacidade de expandir na competição com outras formas de sociedade” (Skinner,
1948/2005a, p. 194). O principal problema é que essas falhas tendem a ser apagadas pela propaganda política, bem como por práticas nas
quais “o intelecto é estupidificado ou desviado para meditações hipnóticas, encantamentos ritualísticos etc.” (p. 194).

5 Há controvérsias sobre essa afirmação e alguns autores têm indicado a presença de controle aversivo no funcionamento da comunidade
descrita em Walden Two (para essa discussão, ver Martins et al., 2017; Sá, 1979).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 2 | 46


Walden two é Comportamentalista Radical?
Marcos Muryan Nobuhara & Carlos Eduardo Lopes

a tecnologia governamental avança, cada vez em Walden two: Skinner parece afastar-se do
menos é deixado às decisões dos governan- próprio comportamentalismo radical quando,
tes, de qualquer forma. Ao final, nós não tere- pela voz de Frazier, tenta justificar uma aristo-
mos qualquer utilidade para os Planejadores. cracia tecnocientífica. Duas alternativas desa-
Administradores serão suficientes” (Skinner, gradáveis decorrem dessa incoerência filosófica
1948/2005a, p. 256, grifo nosso); porém, não há de Walden two: o mentalismo, ou a demagogia.
nenhum plano ou preparação descrita no livro Skinner parece aproximar-se do mentalis-
para que essa mudança política ocorra. mo quando abandona o contextualismo e recor-
Resumindo, o seguinte argumento pode re ao “desinteresse” da população por política
ser construído para ressaltar a incoerência com para apoiar o sistema aristocrático de Walden
as teses comportamentalistas radicais criada two. Já quando promete uma forma de governo
pela promessa de um futuro mais democrático mais democrática em Walden two, sem planejar
em Walden two: Se não há virtude no acaso e qualquer contexto para essa mudança política,
não há estratégias para uma mudança política Skinner parece incorrer em demagogia.
diferente da aristocrática, não faz sentido, de Seria possível imaginar um Walden two
acordo com o próprio comportamentalismo defendido de forma coerente com os princí-
radical, esperar que uma mudança política pios comportamentalistas e mesmo assim ser
democrática surja espontaneamente. Mesmo aristocrático? A resposta é sim, se o comporta-
sendo otimista e deixando o destino político mentalismo radical for considerado de modo
ao acaso, uma análise comportamental mostra restrito, ou seja, apenas como uma epistemolo-
que o comportamento de governar é controla- gia; seus pressupostos epistemológicos não são
do por reforçadores naturais, o que diminui a necessariamente incompatíveis com governos
probabilidade de os Planejadores simplesmen- aristocráticos. Em outras palavras, com a tecno-
te abrirem mão desses reforçadores (ver Lopes, logia comportamental, é possível criar vários
2020)6. Logo, predizer uma mudança política modos de vida, inclusive uma aristocracia (ver
sem planejamento parece incoerente com as Skinner, 1948/2005a, p. 193). Mas nesse caso,
teses do comportamentalismo radical. não caberia sequer tentativa de justificação
dessa forma de governo: o comportamentalis-
Um dilema comportamental mo estaria preocupado unicamente em descre-
ver como fazer, e não por que fazer.
A despeito de ser elitista na construção Todavia, se o comportamentalismo radical
da República, Platão é coerente com sua pró- for tomado em um sentido mais amplo, como
pria filosofia. No fim, a aristocracia filosófica é uma filosofia do comportamento humano, que,
a única solução para criar uma boa cidade na como tal, participa de discussões sobre “a ciên-
República. No entanto, o mesmo não acontece cia, linguagem, subjetividade, educação, ética,

6 Os perigos dos reforçadores naturais presentes no controle governamental foram sinalizados na fala de um personagem, O’Brien, no
livro 1984 de Orwell: “Nós [Partido interno] sabemos que ninguém toma o poder com a intenção de devolvê-lo. Poder não é um meio, mas
um fim. Não se estabelece uma ditadura para salvaguardar uma revolução; se faz uma revolução para estabelecer a ditadura” (1949/2017,
p. 240). Embora em 1984 o poder seja exercido sobre a população e em Walden two o poder é exercido para a população, certos tipos de
controle reside nas mãos desses dois governos e reforçadores naturais que são consequências desses controles mantém eles governando.
Em relação à República, Platão acreditava que os Reis-filósofos governam por obrigação e por isso não tirariam nenhum benefício no ato em
si; mesmo se eles tivessem prazer em governar, sua própria natureza filosófica não iriam deixar que seus desejos e prazeres “governassem”
a parte racional de suas almas. Logo, o poder governamental não chega a ser um problema para Platão, por conta da sua visão tripartida
da alma e do tipo de prazer que os Reis-filósofos realmente desfrutam (o prazer intelectual).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 2 | 47


Walden two é Comportamentalista Radical?
Marcos Muryan Nobuhara & Carlos Eduardo Lopes

política e cultura” (Abib, 2001, p. 20), a questão Um exemplo dessa ampliação é justamente a
torna-se mais complexa. A pergunta sobre a jus- discussão sobre a justificação de formas de go-
tificação de um sistema político ganha sentido verno, um assunto fundamental na política, e
e desloca o comportamentalismo radical para que o comportamentalismo radical tem condi-
o campo francamente político. O antimentalis- ções de debater.
mo dessa filosofia impede uma justificação com Em segundo lugar, considerando algumas
base no desinteresse pela política por parte da teses fundamentais do comportamentalismo
população; o contextualismo questiona uma radical, como o antimentalismo e o contextu-
justificação “evolucionista”, na qual a mera alismo, é possível identificar com clareza sua
passagem do tempo garantiria uma mudança incompatibilidade com teorias e ideologias que
para um sistema de governo mais democrático; se apoiam em concepções opostas. O que, nova-
e uma análise de contingências indica que se mente, reforça a possibilidade de inclusão do
os governantes têm privilégios (reforçadores), comportamentalismo radical no campo político.
nem que seja apenas o privilégio de governar Por fim, assumindo a inserção do com-
os outros, eles lutarão para se manter no poder portamentalismo radical no campo político, a
(e, eventualmente para ampliar esse poder). questão do autoritarismo, presente em Walden
Desse modo, a escolha por uma aristocracia tec- two, deveria ser alvo de debate explícito na
nocrática em Walden two parece ser mais uma área. O caso de Walden two mostra que quando
preferência de Skinner ao elitismo do que uma Skinner defendeu uma aristocracia, ele acabou
decorrência do comportamentalismo radical. afastando-se do comportamentalismo radical.
Resta aos analistas do comportamento de hoje
Considerações finais aprender com esse erro, mantendo no hori-
zonte as teses do comportamentalismo radical
Skinner conseguiu avançar novas pro- como forma de evitar o autoritarismo em suas
postas que desafiam as ideias encontradas na diferentes áreas de atuação.
utopia platônica, principalmente propostas
sobre o processo de educação e a necessidade Referências
de mudanças para a sobrevivência de cultu-
ras. Porém, as aproximações políticas entre os Abib, J. A. D. (1999). Behaviorismo radical e
autores mostraram incoerências nas justifica- discurso pós-moderno. Psicologia: Teoria
ções de Skinner para adotar uma aristocracia. e Pesquisa, 15(3), 237–247. https://doi.
Enquanto Platão é coerente com a sua teoria org/10.1590/S0102-37721999000300007
na sua escolha política, Skinner é incoerente Abib, J. A. D. (2001). Arqueologia do behavio-
com a sua teoria quando utiliza justificativas rismo radical e o conceito de mente. Em
mentalistas e promete mudanças sem planejar H. J. Guilhardi et al. (Orgs.), Sobre compor-
condições para que essas mudanças ocorram. tamento e cognição (Volume 7, pp. 20–35).
Há algumas consequências que decorrem Esetec.
da identificação dessa incoerência de Skinner Annas, J. (1981). Introduction. Em J. Annas, An
em Walden two. Em primeiro lugar, ela chama introduction to Plato's Republic (pp. 1–15).
a atenção para a necessidade de ampliar o Oxford University Press.
escopo do comportamentalismo radical, para
além de questões estritamente epistemológicas.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 2 | 48


Walden two é Comportamentalista Radical?
Marcos Muryan Nobuhara & Carlos Eduardo Lopes

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 2 | 50


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 51—66

O selecionismo skinneriano nos estudos de Felipe Boldo-Martins (1)


criatividade em Análise do Comportamento: boldomartins17@gmail.com

Um estudo bibliográfico1 Carolina Laurenti (1)


claurenti@uem.br
Skinnerian selectionism in creativity studies in Behavior Analysis: (1)
Universidade Estadual de Londrina
A bibliographical study

Resumo Abstract
Um dos princípios epistemológicos do One of the epistemological tenets of Radical
Comportamentalismo Radical é o selecionismo, Behaviorism is selectionism, which describes
que descreve a influência darwinista na explica- the darwinian influence in behavior explana-
ção do comportamento, rompendo com a tradi- tion, breaking with the mechanistic tradition
ção mecanicista na Análise do Comportamento. in Behavior Analysis. A concept that allows
Um conceito que permite avaliar compromissos evaluating behavioral-analytical commitments
analítico-comportamentais com o selecionismo to selectionism is that of creativity, in view of the
é o de criatividade, tendo em vista o tratamento selectionist treatment that Skinner dedicated to
selecionista que Skinner dedicou ao conceito. the concept. Therefore, a bibliographic resear-
Realizou-se, portanto, uma pesquisa bibliográ- ch was carried out with objective of evaluating
fica com o objetivo de avaliar o uso de citações the use of selectionist quotations by Skinner in
selecionistas de Skinner nos estudos analítico- the analytical-behavioral studies on creativity,
-comportamentais da criatividade, tendo como having as source 32 articles retrieved from the
fonte 32 artigos recuperados das bases de dados PyscINFO, IndexPsi, Scielo and from the “Especial
PyscINFO, IndexPsi, Scielo e do número “Especial Criatividade” issue of the RBTCC. The procedure
Criatividade” da RBTCC. O procedimento envol- involved: defining keywords and inclusion and
veu: definição de palavras-chave e de critérios exclusion criteria; selection of retrieved publi-
de inclusão e exclusão; seleção das publicações cations; systematization of data, considering a
recuperadas; sistematização dos dados, conside- systematization of citations of studies to Skinner;
rando uma sistematização das citações dos estu- systematization of selectionist characteristics;
dos a Skinner; sistematização de características and an interpretive synthesis of the data. In the
selecionistas; e uma síntese interpretativa dos list of the 32 articles selected, 21,9% presented
dados. Dos 32 artigos selecionados, apenas 21,9% characteristics of Skinnerian selectionism when
apresentaram características do selecionismo citing Skinner.
skinneriano ao citarem Skinner.

Palavras-chave Keywords

Criatividade; Comportamento criativo; Creativity; Creative behavior; Selectionism;


Selecionismo; Comportamentalismo Radical; Radical Behaviorism; Skinner.
Skinner.

1 O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Inconsistências filosóficas no Comportamentalismo Radical e na Análise do Comportamento.

51
O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

A obra de B. F. Skinner passou por diver- O preenchimento de lacunas é cogente em uma


sas mudanças ao longo do tempo. Concepções, explicação mecanicista, de tal modo que causas
conceitos e modelos explicativos sofreram in- internas de natureza mental ou fisiológica já
flexões e aprimoramentos desde o início de sua foram invocadas para a restituição de uma se-
obra, na década de 1930, até o final, na década quência causal na qual o efeito é contíguo à
de 1990 (e.g., Cruz & Cillo, 2008; Moxley, 1999). causa; a exemplo do que foi feito em propostas
Interpretações mecanicistas e selecionistas da comportamentalistas consideradas mecanicis-
filosofia skinneriana, por exemplo, sinalizam tas, como as de Tolman e Hull, conforme enten-
essas mudanças (e.g., Chiesa, 1994/2006; Marr, de Chiesa (1994/2006).
1993). Alguns intérpretes argumentam que ele- Ao contrário de uma perspectiva meca-
mentos mecanicistas estavam mais presentes nicista, uma explicação científica selecionista
no momento inicial da obra de Skinner (Cruz & é histórica, descrevendo-se a constituição (i.e.,
Cillo, 2008; Leão & Carvalho Neto, 2018; Moxley, a evolução) de um dado fenômeno ao longo
1999). A despeito de não haver consenso a do tempo (Chiesa, 1994/2006). Denomina-se
respeito de quando exatamente surgiram no selecionismo o pressuposto teórico subjacente
texto skinneriano, foi a partir da década de ao modelo de seleção por consequências que,
1960 que aspectos selecionistas apareceram assentado no darwinismo, explica a evolução
de modo mais sistemático, consubstanciando das espécies, do comportamento e da cultura
uma perspectiva nitidamente selecionista em em termos de processos de variação e seleção
1981, no artigo Selection by consequences (Leão (Laurenti, 2009a). Leão e Carvalho Neto (2016,
& Carvalho Neto, 2018). Nesse texto, Skinner 2018) sistematizam que o modelo explicativo
argumenta que o modelo de seleção por con- selecionista é pautado em uma noção probabi-
sequências é uma alternativa às perspectivas lística das relações de interdependência entre
mecanicistas de explicação da evolução das es- tipos de eventos; essas relações probabilísticas
pécies, do comportamento e da cultura, e que o constituem-se ao longo de três histórias evolu-
“padrão causal da mecânica clássica” deveria tivas (filogenética, ontogenética e cultural); e a
ser abandonado em favor de um modo causal evolução dessas relações é elucidada por meio
selecionista (Skinner, 1981, p. 213). da seleção (por consequências) de variações
Uma explicação científica mecanicista que podem ser randômicas2.
estaria completa quando fosse estabelecido A mudança do mecanicismo para o se-
um “todo perfeito” pela soma das partes: os lecionismo contribuiu para que o modelo de
eventos estariam estreitamente concatenados explicação do comportamento fosse capaz de
uns aos outros não havendo espaço para lacu- abarcar fenômenos mais complexos, consi-
nas (Chiesa, 1994/2006; Ferrater Mora, 1964). derando diferentes níveis de análise (Moxley,

2 A despeito da noção de variação randômica ser inserida no Comportamentalismo Radical por Skinner (e.g., 1968, 1970/1999a, 1972/1999b,
1974), isso não significa ausência de controle ambiental. Existem, atualmente, discussões que buscam avançar uma concepção neodarwi-
nista das variações, as quais ocorreriam apenas de maneira randômica, sendo o ambiente um mero cenário onde variações ocorreriam
(Lopes & Laurenti, 2016). Com base nessa discussão, pode-se considerar que nem todas as variações são randômicas, o que aproxima o
exame skinneriano da criatividade a uma posição neolamarckista ao invés de neodarwinista (Lopes & Laurenti, 2016). Sob a perspectiva
neolamarckista, o ambiente deixa de ser um mero cenário e passa a ser um “indutor” (Lopes & Laurenti, 2016, p. 260) de algumas variações,
ou até indutor de criatividade. Essa aproximação da obra skinneriana com o neolamarckismo permite salientar que o exame da criativi-
dade por Skinner (1968, 1970/1999a, 1972/1999b) não desconsidera o controle ambiental na ocorrência de variações. Ao mesmo tempo, a
influência do darwinismo no Comportamentalismo Radical abre espaço para ocorrência de variações randômicas (Laurenti, 2009b), para
o acaso (e.g. Reis, 2020) e, portanto, para a criatividade (Laurenti, 2009a).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 52


O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

1999). Um caso emblemático é a forma como ensejo para o mentalismo, que é rejeitado por
Skinner (1968, 1970/1999a, 1972/1999b) condu- uma perspectiva analítico-comportamental
ziu um tema bastante controverso no âmbito (Skinner, 1968).
do Comportamentalismo: a criatividade (ver Skinner (1968, 1974, 1981, 1970/1999a,
Skinner, 1974, p. 4). 1972/1999b) encontrou no darwinismo uma
De uma ótica mecanicista, a criatividade alternativa para esse impasse. Estendendo o ra-
não encontraria guarida em uma explicação ciocínio darwinista à explicação da origem de
científica, pois os eventos estariam conectados novos comportamentos, se um novo compor-
uns aos outros de forma que não haveria espaço tamento é explicado pela seleção de variações
para variação e imprevisibilidade (Laurenti, ao longo do tempo (história de vida do indiví-
2009b). Assim, no mecanicismo, o termo cria- duo), então, a variação comportamental é tida
tividade descreveria fenômenos cujas causas como condição necessária para a ocorrência de
não puderam ser completamente divisadas comportamentos criativos. Da mesma maneira
em razão de limitações cognitivas. Uma vez que mutações orgânicas ocorrem ao acaso (e.g.,
conhecidas essas causas, a criatividade seria Mayr, 2002, p. 147), algumas variações com-
um fenômeno espúrio, pois, em princípio, não portamentais também podem acontecer dessa
haveria novidade, uma vez que a ocorrência forma: “Novas respostas são geradas por arran-
do fenômeno seria completamente prevista jos acidentais de variáveis tão imprevisíveis
mediante a identificação das causas antece- quanto os arranjos acidentais de moléculas ou
dentes (Laurenti, 2009b). genes” (Skinner, 1968, p. 180).
Contrapondo-se a uma concepção meca- Se já não se pode ensinar um compor-
nicista, Skinner (1968) parecia ter admitido a tamento original, uma vez que “não seria ori-
ocorrência de novidade quando declarou que ginal se ensinado” (Skinner, 1968, p. 180), é
“certamente novas formas de comportamento possível, então, mimetizar o acaso, arranjando
humano passaram a existir” (Skinner, 1968, condições que aumentem a probabilidade de
p. 179). Ele justificou essa possibilidade ponde- ocorrência de variação comportamental (e.g.,
rando que “muito pouco do repertório extra- Skinner, 1970/1999a, 1972/1999b). Nesse senti-
ordinário do homem moderno era exibido por do, um ambiente “facilitador de acidentes”, ou
seus ancestrais, digamos, há 25.000 anos atrás” que favoreça a ocorrência de variações com-
e que “cada uma das respostas que compõem portamentais, é uma condição necessária para
esse repertório deve ter ocorrido pelo menos o surgimento de um comportamento criativo
uma vez quando não estava sendo transmitida – embora não seja uma condição suficiente.
como parte de uma cultura” (p. 179). Para ser considerada criativa, uma resposta
Admitindo a ocorrência de novidade, precisa ser nova e trazer alguma contribuição
a explicação skinneriana da criatividade já considerada, pela comunidade verbal, como
não poderia ser mecanicista. Por outro lado, positiva e funcional para o indivíduo e para a
Skinner (1968) já antecipou a possibilidade cultura (Fernandes, Perallis, & Pezzato, 2015;
de explicações mentalistas serem invocadas Kubina, Morrison, & Lee, 2006; Skinner, 1968).
para explicar uma nova resposta: “De onde Considerando essa interpretação se-
poderia ter vindo, senão de uma mente cria- lecionista de Skinner, é possível indagar:
tiva?” (p. 179). Ao afastar-se do mecanicismo, os estudos analítico-comportamentais esta-
Skinner não poderia, sub-repticiamente, dar riam seguindo a mesma chave de análise

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 53


O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

selecionista verificada em textos de Skinner condicionamento operante, comportamento


(1968, 1970/1999a, 1972/1999b, 1974)? Romper operante, reforçamento, reforço, reforçador e
com o mecanicismo parece ter sido a estraté- Skinner.
gia comportamentalista radical para garantir, Etapa 2. Critérios de inclusão e exclusão.
por meio do modelo de seleção por consequ- As fontes foram apenas artigos científicos analí-
ências, uma maneira de explicar a ocorrência tico-comportamentais, em português ou inglês,
de novos comportamentos e de comportamen- sendo desconsiderados livros, capítulos ou edi-
tos complexos sem eliminar a novidade ou a toriais, ou qualquer estudo de outras perspecti-
criatividade (Skinner, 1974, 1981). Se Skinner vas teóricas. As palavras criatividade, criativo
explicou a criatividade pelo selecionismo (i.e., e comportamento criativo (e seus correspon-
Skinner, 1968, 1970/1999a, 1972/1999b, 1974), dentes em inglês) deveriam ser encontradas no
vale questionar se o “Skinner selecionista” (ver título, resumo ou palavras-chaves. Artigos que
Moxley, 1999) teria influenciado outros estudos tratavam de temas relacionados à criativida-
analítico-comportamentais sobre criatividade. de (e.g., variabilidade, originalidade, resolução
Uma das maneiras de lidar com essa problemá- de problemas etc.) também foram incluídos,
tica é averiguando se as análises selecionistas porém, descartados quando a discussão não
skinnerianas estão sendo mencionadas nessas tecia conexões explícitas com a criatividade,
investigações. Considerando esses aspectos, o ou quando não se utilizavam de conceitos ana-
objetivo deste estudo foi avaliar o uso de cita- lítico-comportamentais para a explicação do
ções selecionistas de Skinner nos estudos ana- comportamento criativo.
lítico-comportamentais da criatividade. Etapa 3. Seleção das publicações. As fontes
potencialmente relevantes foram baixadas e
Método organizadas no computador em pastas nome-
adas conforme as bases de dados nas quais os
Foi realizada uma pesquisa bibliográfica textos foram encontrados. As palavra-chave
cujas fontes foram artigos analítico-comporta- “criatividade”, “criativo” ou “comportamento
mentais sobre criatividade, encontrados nas criativo” foram buscadas nos textos pelo co-
bases de dados IndexPsi, Scielo e PsycINFO, e mando Ctrl+F e os parágrafos que continham
em um número especial a respeito do tema da tais palavras-chaves foram lidos e, quando
criatividade, publicado na Revista Brasileira de necessário, outros parágrafos também foram
Terapia Comportamental e Cognitiva (RBTCC). analisados. Cada referência foi categorizada
como “analisável” ou “descartada”.
Procedimento Etapa 4. Sistematização bibliométrica
Etapa 1. Definição de palavras-cha- das fontes. Uma descrição de variáveis biblio-
ve. Foram definidas 46 combinações de pa- métricas dos artigos foi realizada por meio de
lavras-chave, em português e inglês, dos uma tabela que continha os seguintes tópicos:
termos “criatividade” ou “comportamento referências, natureza do trabalho, ano de pu-
criativo”, com os termos relacionados ao re- blicação e citações a Skinner.
ferencial teórico: Análise do Comportamento, Etapa 5. Análise dos dados. Foi verificado
Comportamentalismo, Comportamentalismo se houve citações a Skinner e, em caso positivo,
Radical, Behaviorismo, Behaviorismo Radical, se essas citações foram utilizadas para pautar
seleção pelas consequências, selecionismo, uma perspectiva selecionista da criatividade.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 54


O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

Para a averiguação de compatibilidades com Os artigos analisáveis, apresentados pela


uma perspectiva selecionista foram conside- Tabela 1, foram publicados entre 1966 e 2021.
rados: (1) Menção à analogia entre evolução Entre eles, encontram-se 22 estudos teóricos
das espécies (darwinismo) por seleção natural e 10 empíricos (sete aplicados e três estudos
e evolução do comportamento por seleção por básicos). Dos 32 textos selecionados, 24 citaram
consequências (reforçadoras); ou menção explí- Skinner, contra oito que não citaram. Foram
cita ao selecionismo (Leão, Laurenti & Haydu; contabilizadas 42 obras do autor, as quais estão
Skinner, 1981); (2) Menção ao selecionismo sistematizadas na Tabela 2.
como um modelo de explicação causal que se Dentre as obras de Skinner citadas nos
afasta do paradigma do reflexo, do mecanicismo artigos selecionados, 21,9% apresentaram ele-
e de perspectivas internalistas (Leão & Carvalho mentos selecionistas. A presença do selecionis-
Neto, 2018); (3) Menção à complementaridade mo com base em citações skinnerianas foi en-
entre processos de variação e seleção (Leão contrada em Science and human behavior (1953)
& Carvalho Neto, 2016); (4) Reconhecimento (e.g., Laurenti, 2009a); About behaviorism (1974)
do caráter randômico das variações (Leão & (e.g., Costa Leite & Micheletto, 2019; Kubina,
Carvalho Neto, 2016; Leão Laurenti, & Haydu, Morrisson, & Lee, 2006; Laurenti, 2009a);
2016); (5) Menção a uma explicação histórica The technology of teaching (1968) (e.g., Costa
do ambiente, da espécie, do indivíduo e da Leite & Micheletto, 2019; Laurenti, 2009a);
cultura, para a explicação do comportamen- Creating the creative artist (1970) (e.g., Costa
to (Chiesa, 1994/2006; Leão & Carvalho Neto, Leite & Micheletto, 2019; Dracobly, 2019;
2016); (6) Menção às relações probabilísticas Laurenti, 2009a); Selection by consequences
entre eventos antecedentes, respostas e con- (1981) (e.g., Barbosa, 2003; Kubina, Morrison,
sequências (Laurenti, 2009b; Leão Laurenti & & Lee, 2006; Morgan, Morgan, & Toth, 1992;
Haydu, 2016). Vale destacar que a articulação Murari & Henklain, 2013); Beyond freedom
entre essas características entre si também pre- and dignity (1971) (e.g., Laurenti, 2009a);
cisaria ser avaliada tendo em vista que algu- A lecture on “having” a poem (1972) (e.g.,
mas características, tomadas isoladamente, não Laurenti, 2009a); Recent issues in the Analysis of
sinalizam necessariamente compromissos com Behavior (1989) (e.g., Laurenti, 2009a); The evo-
o selecionismo. Os dados foram sistematizados lution of behavior (1984) (e.g., Morgan, Morgan,
e submetidos a uma análise interpretativa. & Toth, 1992; Laurenti, 2009a); e Upon further
reflection (1987) (e.g., Fernandes, Perallis, &
Resultados e Discussão Pezzato, 2015).
Skinner (1981) inaugurou uma nova
O processo de busca e seleção das fontes maneira científica de se examinar fenôme-
foi realizado entre os períodos de fevereiro e nos comportamentais com base no modelo de
março de 2020 e fevereiro de 2022, e pode ser seleção pelas consequências. Sob influência
conferido na Figura 1. do darwinismo, criou condições para que a
Foram selecionados 32 artigos. Esse total Análise do Comportamento não incorresse em
foi sistematizado na Tabela 1 quanto à sua na- um mentalismo ou mecanicismo, permitindo
tureza (teórica ou empírica), e a presença ou uma explicação comportamental da criativida-
não de citações a Skinner. de que não a tornasse um evento espúrio ou
hipotético.

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Figura 1. Fluxograma do itinerário de busca e seleção das fontes.

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Tabela 1
Estudos analisáveis em relação à estratégia investigativa e presença de citações a Skinner.
Texto Natureza do estudo Citações a Skinner
Adams, 2012 Teórico Sim
Amezquita, 2021 Teórico Sim
Barbosa, 2003 Teórico Sim
Boles, 1990 Teórico Sim
Campbell & Willis, 1978 Aplicado Não
Costa Leite & Micheletto, 2019 Teórico Sim
Dracobly, 2019 Teórico Sim
Epstein, 1991 Teórico Sim
Fernandes, Perallis, & Pezzato, 2015 Teórico Sim
Glover & Gary, 1976 Aplicado Não
Glover, 1980 Aplicado Não
Goddard, 2021 Teórico Sim
Goetz & Baer, 1973 Aplicado Não
Keenan, Porter, & Gallagher, 2015 Básico Sim
Kubina, Morrison, & Lee, 2006 Teórico Sim
Laurenti, 2009a Teórico Sim
Magalhães, 2019 Teórico Sim
Maloney & Hopkins, 1973 Aplicado Não
Marr & Tech, 2003 Teórico Sim
Marr, 2020 Teórico Não
Matos & Passos, 2010 Teórico Sim
Morgan, Morgan, & Toth, 1992 Teórico Sim
Murari & Henklain, 2013 Teórico Sim
Neuringer, 2004 Teórico Sim
Neves Filho, Leite, Araripe, & Picanço, 2019 Teórico Sim
Pryor, Haag, & O’Reilly, 1969 Básico Sim
Ryan & Winston, 1978 Aplicado Não
Santana & Garcia-Mijares, 2021 Teórico Sim
Schusterman & Reichmuth, 2008 Básico Sim
Sidman, 2018 Teórico Sim
Whittemore, & Heimann, 1966 Aplicado Sim
Williams, 2020 Teórico Não
Total de estudos: 32

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 57


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Tabela 2
Obras de Skinner citadas nos estudos analisáveis.
Quantidade de
Textos de Skinner
citações
Verbal behavior (1957) 15
Science and human behavior (1953) 11
About behaviorism (1974) 9
The technology of teaching (1968) 9
Selection by consequences (1981) 7
Beyond freedom and dignity (1971) 7
Creating the creative artist (1970) 6
The behavior of organisms (1938) 6
Contingencies of reinforcement (1969) 6
An operant analysis of problem solving – Contingencies of reinforcements:
6
A theoretical analysis (1969)
A lecture on “having" a poem (1972) 6
The generic nature of concepts of stimulus and response (1935) 4
Recent issues in the Analysis of Behavior (1989) 4
How to discover what you have to say: A talk to students (1981) 4
A case history in scientific method (1956) 3
Walden two (1948) 3
Particulars of my life (1976) 2
The alliteration in Shakespeare’s sonnets (1939) 2
The concept of the reflex in the description of behavior (1931) 2
The evolution of behavior (1984) 2
Upon further reflection (1987) 2
What is wrong with daily life in western world? (1986) 2
The operational analysis of psychological terms (1945) 2
A behavioral analysis of value judgments (1972) 1
An operant analysis of problem solving (1966). 1
Answers for my critics: Beyond the punitive society (1973) 1
Are theories of learning necessary (1950) 1
Baby in a box (1945) 1
Behaviorism at fifty (1963) 1
Can psychology be a science of mind (1990) 1
Drive and reflex strength (1941) 1
Drive and reflex strength: II (1932) 1
Freedom and the Control of Men (1955-56) 1
Human behavior and democracy (1978) 1
Humanism and Behaviorism (1972/1978) 1
News from nowhere (1987) 1
Operant behavior (1963) 1
Pigeons in a pelican (1960) 1
The psychology of design (1941) 1
The shaping of a behaviorist (1979) 1
Two synthetic social relations (1962) 1
Why we are not acting to save the world (1987) 1
Total de
Total de obras: 42
citações: 139

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 58


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Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

Estariam os estudos analítico-compor- Skinner (Keenan, Porter, & Gallagher, 2015;


tamentais se valendo do mesmo referencial Pryor, Haag, & O'Reilly, 1969; Schusterman &
selecionista? A análise das citações a Skinner Reichmuth, 2008) sem, no entanto, mencio-
foi uma das estratégias utilizadas para a re- narem características selecionistas. Keenan,
alização desse exame. Segue uma descrição Porter e Gallagher (2015), por exemplo, citaram
que busca verificar, em primeiro lugar, se os a obra de Skinner An operant analysis of pro-
estudos empíricos citaram, ou não, Skinner e, blem solving - Problem solving: Research, method,
em caso positivo, de que maneira foram rea- and theory (1966) apenas para exemplificar um
lizadas essas citações. Foi verificado, também, texto que examinava o processo de resolução
se tais estudos apresentaram uma perspectiva de problemas. Já Pryor, Haag e O'Reilly (1969)
selecionista de criatividade com base tanto em citaram Two synthetic social relations (1962)
citações a Skinner quanto na menção de ca- para demonstrar a relação de aprendizagem
racterísticas selecionistas exibidas de maneira de novos comportamentos com o processo
independente das citações skinnerianas. Em de aproximação sucessiva. Schusterman e
um segundo momento, a mesma estratégia de Reichmuth (2008) citaram Science and human
análise foi realizada para os estudos teóricos. behavior (1953) para exemplificar que animais
também podem aprender a experimentar.
Estudos empíricos Além de não apresentarem argumentos se-
Os estudos empíricos (básicos e aplicados) lecionistas com base nas citações skinnerianas,
corresponderam a 31,3% (10) dos 32 estudos os estudos básicos também não apresentaram
analisáveis. Destaca-se que apenas 1 estudo características selecionistas, considerando-se
aplicado citou Skinner (e.g., Whittemore & outros aspectos, além dessas citações. De maneira
Heimann, 1966) por meio da obra Science and geral, tais estudos explicaram o comportamento
human behavior (1953). Esse texto foi utilizado criativo com base no reforçamento de respostas
para argumentar que comportamentos origi- novas ou diversas (Pryor, Haag, & O'Reilly, 1969;
nais podem ser modelados pelo uso de refor- Schusterman & Reichmuth, 2008); ou que um
çamento, não apresentando nenhum elemento comportamento novo, como o criativo, poderia
selecionista levando em conta não só a citação ser produto de relações emergentes, como é o caso
skinneriana, mas todo o texto. No caso especí- das relações de equivalência (Keenan, Porter, &
fico dos estudos aplicados, que correspondem Gallagher). Considerando esses aspectos, é possível
a 21,9% (7) dos estudos, o comportamento constatar que, quando houve menções a Skinner
criativo foi analisado com base na ocorrência nos estudos empíricos, elas não foram selecionis-
de respostas consideradas novas ou diversas tas. Além disso, uma leitura integral dos textos
e sua relação com as consequências reforça- permitiu destacar que esses estudos não exibiram
doras produzidas artificialmente. O estudo de uma perspectiva selecionista da criatividade.
Goetz e Baer (1973), por exemplo, caracteriza-se
pelo reforçamento de diferentes montagens de Estudos teóricos
blocos por crianças. Não há menção da palavra Os estudos teóricos corresponderam a
“variabilidade” ou “variação”, mas há o requisi- 68,7% (22) do material selecionado. Apenas dois
to de que as respostas sejam novas ou diversas. estudos teóricos não citaram Skinner (Williams,
Já os estudos básicos corresponderam 2020; Marr, 2020) contra 62,5% (20) de estudos
a 9,4% (3) do total de artigos, e todos citaram teóricos que o citaram. As citações ocorreram de

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 59


O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

duas maneiras: (i) citações não-selecionistas de Kubina, Morrison e Lee (2006) para destacar que
Skinner; e (ii) citações selecionistas de Skinner. Skinner tem uma posição selecionista de compor-
Em relação ao primeiro ponto (i), 43,7% (14) são tamento “Skinner e sua posição selecionista. . .”
estudos teóricos que citaram o autor norte-ameri- (Kubina, Morrison, & Lee, 2006, p. 229), apre-
cano, no entanto, tais citações não apresentaram sentando, na sequência uma citação skinneriana
características selecionistas na explicação da cria- da mesma obra em que ele destaca o papel das
tividade. O comportamento criativo para esses variações comportamentais, análogas às muta-
estudos foi examinado com base na resolução ções darwinistas (Kubina, Morrison, & Lee, 2006,
criativa de problemas (Amezquita, 2021; Boles, p. 229). Outro exemplo é o de Murari e Henklain
1990; Epstein, 1991; Magalhães, 2019; Neves Filho, (2013) que cita Selection by consequences (1981)
Leite, Araripe & Picanço, 2019; Santana & Garcia- para destacar que gradualmente Skinner vai as-
Mijares, 2021), relações de emergência (Matos & sumindo o modelo de seleção por consequências
Passos, 2010; Sidman, 2018), e variação e seleção até se oficializar em 1981 (Murari & Henklain,
do comportamento (Adams, 2012; Dracobly, 2019; 2013, p. 21).
Epstein, 1991; Goddard, 2021; Neuringer, 2004). Outra característica relevante para identi-
Entre esses estudos, apenas Neuringer (2004) ficação do selecionismo é a sinalização de que o
apresentou uma perspectiva selecionista da cria- modelo de seleção por consequências representa
tividade que não esteve relacionada às citações um rompimento com perspectivas mecanicistas,
a Skinner. Neuringer (2004) mencionou que o como a psicologia estímulo-resposta. Laurenti
comportamento criativo é um processo probabi- (2009a) e Murari e Henklain (2013) são os únicos
lístico de variação e seleção que pode ocorrer ao estudos que sinalizam tal aspecto. No caso de
acaso. Ao demonstrar sua interpretação científica Laurenti (2009a), a autora apresentou algumas
da criatividade, o autor afirma: “As leis científicas críticas de Skinner em relação à psicologia estímu-
descrevem classes, ou conjuntos dentro dos quais lo-resposta: “Skinner argumenta que a psicologia
reina o acaso ou a probabilidade” (Neuringer, estímulo-resposta padecia de uma séria omis-
2004, p. 892). são: desconsiderava a ação do ambiente depois
No caso (ii) em que a menção a Skinner das respostas do organismo” (Laurenti, 2009a,
também esteve associada à apresentação de ca- p. 255) e aproveitou para sinalizar o rompimento
racterísticas selecionistas, o primeiro ponto que se realizado por Skinner do Comportamentalismo
destaca é a retomada das analogias skinnerianas Radical com o modelo reflexo (Laurenti, 2009a,
entre evolução das espécies e do comportamento p. 256). Tanto Laurenti (2009a) quanto Murari
ou a menção direta de que o Comportamentalismo e Henklain (2013) citaram uma obra da década
Radical tem como um de seus princípios o sele- de 1930, The conception of the reflex in the des-
cionismo. Por exemplo, Kubina, Morrison e Lee cription of behavior (1931), para contrastar essa
(2006) parafrasearam a analogia darwinista que obra com as posições selecionistas que Skinner
Skinner apresenta na obra Selection by conse- desenvolveria posteriormente. Com o mesmo ob-
quences (1981): “Contingências de sobrevivência jetivo de sinalizar esse afastamento da psicologia
governam a seleção natural de uma espécie. As estímulo-resposta, Murari e Henklain (2013) cita-
contingências de reforçamento impulsionam ram Recent issues in analysis of behavior (1889) e
[impel] os repertórios que os membros adqui- Selection by consequences (1981) para apresentar
rem” (Kubina, Morrison, & Lee, 2006, p. 227). a alternativa de Skinner: o modelo de seleção por
O livro About behaviorism (1974) foi utilizado por consequências.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 60


O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

De maneira geral, o rompimento com o of behavior (1984) (Laurenti, 2009a; Morgan,


mecanicismo foi apresentado embasando-se Morgan, & Lee, 1992), Selection by consequences
em obras skinnerianas como Contingencies (1981) (Barbosa, 2003; Kubina, Morrison, & Lee,
of reinforcement: A theoretical analysis (1969) 2006; Laurenti, 2009a, Morgan, Morgan, & Lee,
(Laurenti, 2009a), Beyond freedom and dignity 1992; Murari & Henklain, 2013), The technolo-
(1971) (Laurenti, 2009a), Recent issues in analy- gy of teaching (1968) (Costa Leite & Micheletto,
sis of behavior (1889) (Murari & Henklain, 2013), 2019; Laurenti, 2009a), Upon further reflextion
Selection by consequences (1981) (Laurenti, (1987) (Fernandes, Perallis, & Pezzato, 2015).
2009a; Murari & Henklain, 2013), The conception Uma maneira que alguns estudos sobre
of the reflex in the description of behavior (1931) criatividade encontraram de apresentar a com-
(Laurenti, 2009a; Murari & Henklain, 2013). plementaridade entre variação e seleção diz
Se os estudos sobre criatividade teceram respeito à menção dos três níveis de variação e
analogias com a teoria da evolução genética, seleção do comportamento (filogenético, ontoge-
além de apontarem o rompimento com o me- nético e cultural) (Fernandes, Perallis, & Pezzato,
canicismo, é plausível supor que o comporta- 2015; Kubina, Morrison, & Lee, 2006; Laurenti,
mento criativo será compreendido com base em 2009a; Murari & Henklain, 2013). Alguns artigos
processos de variação e seleção. De uma pers- citaram obras skinnerianas para alinhavar com-
pectiva selecionista, o comportamento criativo promissos com o Comportamentalismo Radical
é uma variação comportamental imprevisível e, mais especificamente, com o modelo de sele-
e considerada original por uma determinada ção por consequências a partir da menção dos
comunidade verbal; essa variação, ao ser efetiva três níveis de variação e seleção (Barbosa, 2003;
para a comunidade, pode ser selecionada por Laurenti, 2009a; Murari & Henklain, 2013), ou
suas consequências (Barbosa, 2003; Costa Leite enfatizando que uma perspectiva histórica do
& Micheletto, 2019; Laurenti, 2009a; Murari comportamento não é linear e nem mecanicis-
& Henklain, 2013). Com o exame de citações a ta (Laurenti, 2009a; Murari & Henklain, 2013).
Skinner nos estudos de criatividade, esse aspecto As relações históricas também foram evocadas
pode ser verificado por meio do destaque de para levar em conta aspectos relacionados es-
que processos de variação e seleção são neces- pecificamente ao terceiro nível de seleção, que
sários para a ocorrência de criatividade, que é envolve relações sociais e história da cultura
um tipo de comportamento novo, assim como para a explicação do comportamento criativo
as mutações genéticas são necessárias para a (Barbosa, 2003; Costa Leite, & Micheletto, 2019;
ocorrência de uma nova espécie (Costa Leite Fernandes, Perallis, & Pezzato, 2015; Kubina,
& Micheletto, 2019; Laurenti, 2009b). Foram Morrison, & Lee, 2006; Laurenti, 2009a; Murari
utilizadas para embasar esse ponto as obras & Henklain, 2013). Esse segundo ponto foi mais
skinnerianas About behaviorism (1974) (Costa aprofundado nos estudos de Fernandes, Perallis
Leite & Micheletto, 1974; Laurenti, 2009a), e Pezzato (2015) e Kubina, Morrison e Lee (2006).
Beyond freedom and dignity (1971) (Fernandes, Para citar esse aspecto, os estudos se utilizaram
Perallis, & Pezzato, 2015), Can psychology be a das obras skinnerianas About behaviorism (1974)
science of mind (1990) (Laurenti, 2009a), Creating (Costa Leite & Micheletto, 2019), Beyond freedom
the creative artist (1970) (Costa Leite & Micheletto, and dignity (1971) (Laurenti, 2009a), Selection
2019), Contingencies of reinforcement: A theoreti- by consequences (1981) (Barbosa, 2003; Kubina,
cal analysis (1969) (Barbosa, 2003), The evolution

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O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

Morrison, & Lee, 2006), e Upon further reflection O conceito de probabilidade abre margem
(1987) (Fernandes, Perallis, & Pezzato, 2015). para explicações que consideram acidentes,
Essa história do comportamento criativo desvios e possibilidades. Esse conceito, portan-
deve ser entendida em termos de relações pro- to, parece ensejar a discussão sobre variações
babilísticas (Laurenti, 2009b; Neuringer, 2004). randômicas, cuja ocorrência pode ser ao acaso,
A probabilidade foi apresentada por alguns es- sendo este um aspecto relevante para a episte-
tudos como uma característica constitutiva de mologia selecionista, tendo em vista que explica,
relação do indivíduo com o mundo. Nesta pers- em partes, a origem de novos comportamentos.
pectiva, probabilidade seria compreendida em O reconhecimento de que algumas das varia-
termos de possibilidade, tendência ou propensão, ções são randômicas permite identificar que o
ou que a relação entre organismo e mundo seria controle necessário para a ocorrência de criati-
descrita em termos probabilísticos sem que isso vidade menos preciso entre antecedentes, ações
incorresse em uma limitação ao método científi- e consequentes. O resultado disso pode ser um
co, mas que sinalizasse a natureza probabilística comportamento novo, que tem a possibilidade
do comportamento (Barbosa, 2003; Costa Leite de ser adjetivado como original, criativo ou,
& Micheletto, 2019; Laurenti, 2009a). Os estudos simplesmente, medíocre (Laurenti, 2009a), ou,
que mais se destacam sob esse aspecto são Costa como afirmam Costa Leite e Micheletto (2019), o
Leite e Micheletto (2019) e Laurenti (2009a). No comportamento criativo pode ser caracterizado
caso do primeiro, o comportamento criativo só por sua imprevisibilidade: “. . . não há especifi-
pode ser descrito em termos de probabilidade, cações das respostas e consequências a serem
tendo em vista que é um comportamento, por geradas, nem das respostas precorrentes ma-
definição, imprevisível. Nesse sentido, é possí- nipulativas do ambiente que permitirão a sua
vel aumentar a probabilidade da ocorrência de geração” (Costa Leite & Micheletto, 2019, p. 386),
comportamentos criativos, mas nunca o prever. além de ser um comportamento que pode ser
No segundo caso, Laurenti (2009a) se aprofunda gerado em condições acidentais ou casuísticas e
nesse aspecto, ao afirmar que, no modelo refle- selecionado ao acaso (Costa Leite & Micheletto,
xo, o comportamento deveria ser descrito em 2019, p. 383). No entanto, tal aspecto foi citado
termos de suficiência causal. Por outro lado, no por apenas dois (6,2%) artigos (Costa Leite &
modelo de seleção por consequências as relações Micheletto, 2019; Laurenti, 2009a). As obras
entre antecedentes, respostas e consequências citadas para a menção de variações randômi-
são descritas em termos probabilísticos. cas como uma característica selecionista foram
As obras skinnerianas utilizadas para des- The technology of teaching (1968) (Costa Leite &
tacar o papel da probabilidade de uma maneira Micheletto, 2019; Laurenti, 2009a) e Creating the
selecionista foram About behaviorism (Barbosa, creative artist (1970) (Laurenti, 2009a).
2003), Answers for my critics – Beyond the punitive Pode-se destacar, portanto, que no caso
society (1973) (Laurenti, 2009a), Beyond freedom dos estudos teóricos, quando foram encontra-
and dignity (1971) (Laurenti, 2009a), A lecture on das citações selecionistas de Skinner, esteve
“having” a poem (1973) (Laurenti, 2009a), Science presente também uma concepção selecionista
and human behavior (1953) (Barbosa, 2003; Costa de criatividade.
Leite & Micheletto, 2019), e An operant analysis of
problem solving (1966) (Costa Leite & Micheletto,
2019).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 62


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Considerações finais “criatividade” ou “comportamento criativo”,


tratando-os como objeto principal de análise.
Levando em conta a importância teórico- Certamente, há outras pesquisas que investigam
-filosófica da adesão do Comportamentalismo processos envolvidos na ocorrência do comporta-
Radical ao selecionismo, e tendo em vista os objeti- mento novo (e.g., reforçamento da variabilidade,
vos deste estudo, foi possível observar que apenas adução de contingências, recombinação de reper-
21,9% das publicações analítico-comportamentais tórios etc.) sem mencionar os termos “criativo”
assumiram o selecionismo skinneriano na expli- ou “criatividade” (e.g., Boldo Martins, 2022, p. 57;
cação da criatividade tendo como base somente o Neves Filho, Leite, Araripe, & Picanço, 2019). Em
critério de citações a Skinner (i.e., Barbosa, 2003; vista disso, cumpre examinar, em trabalhos ulte-
Costa Leite & Micheletto, 2019; Fernandes, Perallis, riores, como esses estudos compreendem “novi-
& Pezzato, 2015; Kubina, Morrison, & Lee, 2006; dade” e em que medida seus achados poderiam
Laurenti, 2009a; Morgan, Morgan, & Toth, 1992; elucidar a “criatividade”, já que nem todo com-
Murari & Henklain, 2013). A despeito de Skinner portamento novo é criativo, averiguando, igual-
ter recorrido ao selecionismo para evitar recair mente, em que bases epistemológicas eles estão
em problemas tradicionais da psicologia (menta- amparados.
lismo ou mecanicismo), o mesmo não aconteceu Tendo em vista esses aspectos, espera-se que
com o campo empírico no estudo da criatividade estudos teóricos, básicos e aplicados sobre criati-
que não apresentou características selecionistas vidade possam estar assentados em pressupostos
em seus textos, mesmo que dissociadas de citações filosóficos coerentes, e que também auxiliem na
a Skinner. A ausência de citações a Skinner nos discussão das potencialidades e limites do sele-
estudos aplicados bem como a falta de citações cionismo (e de outras matrizes epistemológicas)
selecionistas a Skinner, ou mesmo a ausência de para orientar uma explicação analítico-compor-
características selecionistas, permite indagar se a tamental de fenômenos psicológicos complexos.
área empírica encontra limites no selecionismo, e,
em caso positivo, pode-se questionar quais seriam Referências
esses limites?
Estudos futuros que busquem se debruçar Adams, N. (2012). Skinner's Walden Two: An
sobre a temática da criatividade poderiam avançar anticipation of positive psychology?
esse tema inserindo na análise teses, dissertações, Review of General Psychology, 16(1), 1–9.
livros e capítulos, já que este estudo considerou https://doi.org/10.1037/a0026439
apenas artigos científicos. Uma análise mais por- Amezquita, E. B. (2021). Creativity: Beyond the
menorizada poderia, ainda, verificar a presença mind; behind the curtain: A behavioral in-
de características selecionistas para além das cita- terpretation of improvisational comedy. The
ções a Skinner, como foi observada em Neuringer Psychological Record, 71, 577–584 . https://
(2004). Ademais, se o selecionismo skinneriano doi.org/10.1007/s40732-021-00486-7
não tem embasado os estudos empíricos e alguns Barbosa, J. I. C. (2003). A criatividade sob o enfo-
teóricos, futuras investigações poderiam buscar que da análise do comportamento. Revista
avaliar qual a perspectiva teórico-filosófica que Brasileira de Terapia Comportamental
estaria respaldando tais estudos. e Cognitiva, 5(2), 185–193. https://doi.
Este estudo bibliográfico também se limi- org/10.31505/rbtcc.v5i2.80
tou aos artigos que mencionaram explicitamente

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 63


O selecionismo skinneriano nos estudos de criatividade
Felipe Boldo-Martins & Carolina Laurenti

Boldo Martins, F. (2022). Presença do selecionis- Fernandes, D. M., Perallis, C. G., & Pezzato, F. A.
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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 3 | 66


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 68—83

Saúde Mental no mundo pós-Pandemia: considerações


analítico-comportamentais para uma intervenção multiprofissional1
Mental Health in the post-Pandemic world: analytical-behavioral considerations
for a multiprofessional intervention
Ana Karina C. R. de-Farias (1) Herilckmans Belnis T. M. Isidro (2) (1)
Centro de Atenção Multiprofissional
E-mail: akdefarias@gmail.com hbtmi.psico@gmail.com (2)
Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação
Instagram: @camtosmultiprofissional
(3)
Inove Saúde, Bem-estar e Qualificação Profissional
Helen Carolina Ferreira Pereira (3) Roberta C. Rangel de Oliveira (4)
helencarolf@yahoo.com.br robcarolina@hotmail.com (4)
Universidade Federal do Ceará
(5)
Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal
Taís Luciana Lacerda (5, 6) Renan Cassiano Mesquita (7) (6)
Universidade de Brasília
taisllacerda@gmail.com renan_kassiano@hotmail.com (7)
Personal trainer
José Ferreira Silva (1, 8) Karla G. Amaral de Siqueira (1, 9) (8)
Universidade do Distrito Federal
ferreirasilvajose@gmail.com gabriellyamaralsiqueira@hotmail.com (9)
Universidade Federal de Uberlândia
(10)
Unic Beira Rio
Lucas Dias de Souza (10) Brunna Lima Moreira (1, 11)
diiasdelucas@gmail.com bruna.lm@gmail.com
(11)
Universidade Estácio de Sá

Resumo Abstract
A pandemia da Covid-19, que assola o mundo desde The Covid-19 pandemic, which has ravaged the world
2020, já teve e terá sequelas psicossociais importantes, since 2020, has already had and will have important
para as quais es analistes do comportamento, como psychosocial sequelae, for which behavioral analysts,
quaisquer outres profissionais de saúde, precisarão like any other health professionals, will need to be
estar atentes. Há, mundialmente, grande preocupa- aware. There is, worldwide, great concern about the
ção com a saúde mental da população. O termo saúde mental health of the population. The term mental
mental pode envolver aspectos emocionais e espiritu- health can involve emotional and spiritual aspects, of
ais, de relação de indivídue consigue mesme e com o the relationship of individual consigue mesme and with
mundo físico e social. Em outras palavras, refere-se à the physical and social world. In other words, it refers
grande parte do que e organisme faz, pensa e sente em to much of what it does, thinks, and feels in its relation
sua relação com o ambiente. Por sua vez, o ambiente to the environment. In turn, the environment invol-
envolve todes es pessoes (modelos, regras/instruções, ves all the people (models, rules/instructions, direct
interações diretas) com quem esse organisme teve e interactions) with whom this organism has had and
tem contato, seu próprio corpo, vírus e bactérias, dentre has contact, its own body, viruses and bacteria, among
outros eventos. Entender o impacto de uma pandemia other things. Understanding the impact of a pandemic
sobre es pessoes passa, necessariamente, por estudo on people necessarily involves multiprofessional study
e intervenção multiprofissional – de preferência, and intervention – preferably transdisciplinary. This
transdisciplinar. O presente artigo apresenta algumas article presents some possibilities of psychological
possibilidades de atuação psicológica que ajudem es action that help patients, families and other members
pacientes, familiares e demais membres de equipes de of health teams to predict and control possible damages
saúde a preverem e controlarem possíveis danos ou or sequelae of all this physical, psychological and social
sequelas de todo esse adoecimento físico, psicológico illness.
e social.

Palavras-chave Keywords
COVID-19; pandemia; equipe multiprofissional; saúde technology, applied behavior analysis, experimental beha-
mental; Análise do Comportamento. vior analysis, scientific communication.

1 O presente capítulo é derivado de uma palestra apresentada no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Cuidados paliativos: contribuições da Análise do Comportamento. Todes es autores participaram de um grupo de estudos realizados, de forma
online, pelo CaMtos – Centro de Atenção Multiprofissional, Brasília-DF. Não houve recebimento de financiamentos por parte des autores.

68
Saúde Mental no mundo pós-pandemia
de-Farias, Isidro, Pereira, Oliveira, Lacerda, Mesquita, Silva, Siqueira, Souza, & Moreira

A Pandemia O que é Saúde Mental?

Quase certamente, es pessoes que Para abordar o termo “saúde mental”, vale
terão acesso a esse texto nunca viram um a pena ressaltar diferenças teórico-conceituais
fenômeno como esses acontecer. Em 11 de em Psicologia, deixando clara a abordagem na
março de 2020, um surto de pneumonia de qual este artigo se baseará. Não há um con-
causa desconhecida, a partir de um Mercado senso quanto ao conceito de mente, proces-
Atacadista de Frutos do Mar de Wuhan, na sos cognitivos ou processos comportamentais
China, foi declarado como uma pandemia, (Todorov, 1989). Como algo que é físico poderia
pela Organização Mundial de Saúde (OMS). determinar algo não-físico e ser, por sua vez,
A infecção respiratória provocada pelo Novo explicado por este? (Baum, 1994/2006; Skinner,
Coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda 1974/1982). Para a Análise do Comportamento
Grave 2 (SARS-CoV-2) assumiu proporções as- (AC), por exemplo, tudo o que o senso comum
sustadoras, devido à sua alta taxa de transmis- ou as outras abordagens denominam como
são e ao fato de ter se espalhado rapidamente mente ou cognição é, também, definido como
pelo mundo, colapsando os sistemas de saúde comportamento. Há, aqui, uma reinterpreta-
e matando rapidamente milhares de pessoes ção (ampliação) do conceito de comportamento
(Pereira, Oliveira, Costa, Bezerra, & Pereira, para toda e qualquer interação de um orga-
2020; Schmidt, Crepaldi, Bolze, Neiva-Silva, & nismo com seu ambiente (respondente/reflexa
Demenech, 2020). ou operante, pública ou privada, consciente ou
Diversos foram e serão os impactos dessa inconsciente2). O organismo é, necessariamen-
pandemia em vários contextos. O presente te, biológico, fruto da história de evolução da es-
artigo abordará alguns dos possíveis efeitos pécie a que pertence (filogenia). Nesse sentido,
sobre a saúde mental (emocional, psicológi- todo comportamento tem uma base biológica,
ca, comportamental) da população e algumas fisiológica, que não deve ser descartada para
formas de equipes multiprofissionais atuarem sua explicação (Fernandes, 2000; Marçal, 2010;
para minimizar danos em longo prazo. Espera- Skinner, 1981/2007).
se que fique clara a necessidade de atuação Quanto ao ambiente, podem-se citar tudo
de equipes multi ou interdisciplinares, para o que possa se relacionar a ou controlar (in-
um olhar mais integral e humanizado, aos fluenciar) um comportamento. Então, temos o
pacientes e suas famílias (de-Farias, 2019; de- ambiente físico, o biológico, o social e o próprio
-Farias, Souza, Jaime, Prado & Córdova, 2022; organismo como parte do que afeta os com-
Marcolini, Sahão, Kienen, 2022; Kanaut, Silva, portamentos (um comportamento, verbal ou
& Reis 2022). não, pode passar a controlar outros compor-
tamentos). Nesse sentido, para a AC, as causas
do comportamento devem ser buscadas na

2 O comportamento é uma ação. Por isso, as contingências S-S, S-R (respondentes), R-S, S:R-S (operantes) podem ser conscientes ou incons-
cientes. Não existe o inconsciente como substantivo, nome, e sim como adjetivo ou advérbio. Ou seja, ume menine não é inconsciente das
razões de seu comportamento. Ele é/está inconsciente dessas razões. Da mesma maneira, ume menine não é inteligente; ele age de maneira
inteligente.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 4 | 69


Saúde Mental no mundo pós-pandemia
de-Farias, Isidro, Pereira, Oliveira, Lacerda, Mesquita, Silva, Siqueira, Souza, & Moreira

história de interações organismo-ambiente e de vida. Enfatiza-se que a definição de saúde


nas contingências3 atuais mantenedoras de um mental é ampla, envolvendo:
repertório ou padrão comportamental, em três • Forma como ume pessoe reage às exi-
níveis de variação e seleção pelas consequên- gências, desafios e mudanças da vida;
cias (Skinner, 1981/2007, 1989/1991)4: • Capacidade de sensação de bem-estar e
filogenético (história da espécie): por harmonia, com oscilações que mostram
exemplo, que tipo de relações aquela espécie uma tendência a mais subidas nessas
mantém com seu ambiente? Que organismos sensações do que descidas, a despeito
dessa espécie melhor sobrevivem nesse am- das dificuldades enfrentadas;
biente? Como um vírus pode atacar organismos • Habilidade em manejar de forma posi-
daquela espécie e produzir determinadas mu- tiva as adversidades e conflitos, traba-
danças? O que se pode esperar dessa doença lhando de forma produtiva e mantendo
nessa população específica? Que tipo de antí- trocas sociais adequadas;
dotos ou remédios produzem mudanças em • Reconhecimento e respeito dos próprios
organismos dessa população infectados por limites e deficiências (o que envolve au-
esse vírus?; toconhecimento e autocontrole); e
i. ontogenético (história de ume indivídue • Satisfação em viver, compartilhar e se
em sua vida particular): Que cuidados relacionar com os outros, contribuindo
com a saúde ume determinade indi- com a sociedade (Sociedade Beneficente
vídue aprendeu a ter ao longo de sua Israelita, Hospital Albert Einstein, 2021;
história de vida? Que doenças já teve? World Health Organization, WHO,
Como é sua história de seguimento de 2018).
modelos e regras? Como é sua história Deste modo, pode-se afirmar que promo-
de adesão a cuidados de saúde?; e ção, proteção e restauração da saúde mental
ii. cultural (história dentro de contex- são consideradas vitais aos indivíduos e às co-
tos ou grupos sociais específicos): que munidades ao redor do mundo (WHO, 2018).
modelos esse indivídue teve de cui- Equipes de saúde devem, a todo momento,
dados à saúde? Que regras ou instru- seguir um modelo biopsicossocial e buscar
ções ele ouviu e passaram a exercer atuar de forma humanizada, integral e co-
controle sobre seu comportamento? letiva em todos os níveis de atenção à saúde
(Marçal, 2010; Moreira & Medeiros, (Abrasco, Cebes, Abres, Rede Unida, & Ampasa,
2019; Skinner, 1953/2003, 1974/2004, 2006; de-Farias, 2019; Kirchner, & de-Farias,
1981/2007; Todorov, 1989). 2022; Marcolini, Sahão, & Kiene, 2022; Torres,
Realizadas essas observações, o termo & Fernandes, 2022).
saúde mental será utilizado para se referir ao Diversas mudanças ambientais (mudan-
modo como um indivídue se sente e pensa sobre ças nas contingências) podem influenciar a
ele/a/o mesmo, sua vida atual, suas relações fa- saúde mental, incluindo desde pequenas mu-
miliares, sociais e laborais, e suas perspectivas danças na saúde física, perda de capacidade

3 Contingências referem-se à relação de dependência entre eventos ambientais (S-S) ou entre eventos ambientais e eventos comporta-
mentais (S-R, R-S, S:R-S).

4 Consequências são mudanças no ambiente (interno ou externo ao comportamento) produzidas pelo comportamento do organisme.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 4 | 70


Saúde Mental no mundo pós-pandemia
de-Farias, Isidro, Pereira, Oliveira, Lacerda, Mesquita, Silva, Siqueira, Souza, & Moreira

motora ou cognitiva, falecimento de entes se denomina desamparo aprendido como um


queridos, até situações extremas que exijam efeito comportamental da incontrolabilidade5.
intervenções em crise – como é o caso de um Sua definição envolve menor responsividade
grande desastre ou de uma pandemia. do organisme às mudanças em seu ambien-
te e dificuldades de aprendizagem após uma
Um filme de terror ou apocalíptico? história de exposição a eventos incontroláveis,
Como dito anteriormente, o que se iniciou geralmente aversivos. O desamparo aprendi-
como muitos casos de pneumonia de origem do vem sendo utilizado como modelo animal
desconhecida em pessoes que frequentavam para o estudo da depressão e de seus efeitos
um mercado avançou de forma surpreenden- (e.g., Seligman, 1975), o que ainda é contro-
temente rápida pelo mundo afora, causando verso para alguns autores, que defendem que
muitas mortes, pânico, medidas de restrições sempre se deva ter o cuidado de buscar rela-
ou isolamento social, mobilização de recur- ções funcionais entre variáveis independentes
sos de equipes de saúde e de pesquisadores (VIs) e variáveis dependentes (VDs), evitando
para a descoberta de modos de tratamento e explicações baseadas em eventos internalistas.
a criação de vacinas. Segundo Ferguson et al. Os resultados obtidos demonstram o quão im-
(2020), o significativo número de internações portante é o impacto de eventos incontroláveis
hospitalares, incluindo cuidados em unidade na vida de um indivídue (Ferreira, & Tourinho,
de terapia intensiva (UTI), bem como a ausên- 2013; Hunziker, 2005; Maier, & Seligman, 1976).
cia de intervenções farmacológicas eficazes e Nesse sentido, pode-se pensar a pandemia
seguras gerou colapso do sistema de saúde em como uma VI, enquanto adoecimento, grande
diferentes nações. Definir claramente o risco número de mortes e medo de contaminação
clínico da doença, assim como seu padrão de como VDs ou efeitos das contingências que se
transmissibilidade, infectabilidade, letalidade e apresentam.
mortalidade, tornou-se primordial para autori- Esses fatores, em conjunto, produzem
dades governamentais e de saúde (Danzmann, importantes alterações comportamentais ou
Silva, & Guazina, 2020; Pereira et al., 2020). psicológicas, o que vem ocasionando consequ-
Somando-se a isso, o excesso de informa- ências graves na saúde mental dos indivídues
ções reproduzidas na mídia e em redes sociais, (Lima et al., 2020). Vale salientar que, devido
muitas vezes discordantes ou até contraditórias, à alta taxa de transmissibilidade do vírus e
em conjunto com fake news, criou um ambien- de mortalidade, os países tomaram medidas
te instável, frente a uma situação de imensa de restrição ou isolamento social – o nível em
crise, com forte sensação de incontrolabilidade que cada indivídue esteve/está em isolamen-
e imprevisibilidade para a população mundial. to ou distanciamento social depende do que
Investigações experimentais apontam o que foi instruído pelas autoridades de seu país e

5 A área de desamparo aprendido estuda os efeitos da exposição a evento incontroláveis (ausência de relações entre respostas e consequ-
ências sobre o comportamento operante de organimes). Em outras palavras, respostas que, anteriormente, tinham função nas contingências,
deixam de tê-lo) (Hunziker, 2005; Maier & Seligman, 1976). Verifica-se que essa exposição, geralmente, tem como efeito a diminuição da
sensibilidade ao reforçamento e, assim como já apontado, a dificuldade de aprendizagem de novos repertórios (Hunziker, 2005; Maier &
Seligman, 1976). Desse modo, para a AC, o desamparo é uma VD, enquanto a história de exposição seria uma VI, diferenciando-se de uma
abordagem cognitivista (que utiliza a expectativa de falta de controle como explicação). O “desamparo aprendido) foi e é considerado, por
muitos (e.g., Seligman, 1975), como um modelo animal para o estudo de organismes humanes, o que ainda é controverso. Vale ressaltar que
a área de estudos tem demonstrado que tanto sujeitos não-humanes quanto humanes demonstram a diminuição de sua atividade após a
exposição à incontrolabilidade, em diferentes tipos de testes (Hunziker, 2005).

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de sua cidade, das consequências que essas O distanciamento social visa diminuir a inte-
agências de controle (no caso, autoridades go- ração social geral entre pessoes de um mesmo
vernamentais e sanitárias) liberaram ou não local, evitando assim a proliferação do vírus
para o seguimento das regras, do quão rápido (independentemente de infecção de qualquer
a vacinação foi ofertada à população daquele pessoe). Por fim, o isolamento social é mais
território específico, do seu tipo individual de amplo, e tem a finalidade de separar pessoes
trabalho, e de seu compromisso com sua saúde que possam estar contaminadas, mesmo que
e com a das demais pessoes. Para detectar e assintomáticas, de indivídues não contamina-
intervir sobre o impacto da pandemia em ume des, enquanto houver o risco (Danzmann, et al.,
determinade cliente ou usuárie do sistema de 2020; Oliveira, 2020). O isolamento envolve o
saúde, é necessário avaliar todas as variáveis que denominamos lockdown, com fechamento
mencionadas até o momento, levando-se em de estabelecimentos comerciais, por exemplo,
consideração os três níveis de variação e sele- Essas medidas, apesar de impopulares,
ção pelas consequências mencionados. são necessárias para prevenir a disseminação
do vírus, evitando, assim, a superlotação e
Medidas de quarentena, a falta de atendimento no sistema de saúde.
distanciamento ou isolamento social Entretanto, observam-se alguns aspectos nega-
Alguns países adotaram, mais ou menos tivos no que se refere à saúde mental, tais como
imediatamente, medidas de restrição social, estresse crônico, tristeza, desamparo, aumento
isolamento de casos suspeitos, fechamento de no nível de cortisol (podendo, por sua vez, de-
escolas e universidades, distanciamento social senvolver sintomas de ansiedade, depressão e
de pessoas idosas (e) e outros grupos de risco, problemas de memória), dependendo de sua
bem como quarentena de toda a população duração e do quanto os indivíduos realmente
(Brooks et al., 2020; Pereira et al., 2020). entenderam a importância das medidas restri-
É importante distinguir entre os termos tivas (Danzam et al., 2020).
para que gestores/as e população em geral A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz,
saibam o que é necessário em determinado 2020) atenta para o fato de que pessoes que
momento. A quarentena caracteriza-se como o frequentemente ficam em estado de alerta
período em que pessoes sadias ou assintomá- frente a uma situação imprevisível podem vir
ticas são distanciadas ou, no caso deste vírus a desencadear sintomas psíquicos: nervosismo,
específico, se refere ao fato de isolar pessoes preocupação, estresse, incerteza, ansiedade e
que não apresentam sintomas por 14 dias de o medo que deriva da falta de controle. É pos-
outras que os apresentam ou não, indistinta- sível que 1/3 ou metade da população tenha
mente (como é o caso de alguém que chega sofrido ou esteja sofrendo com esses sintomas.
de outro país e espera 14 dias para poder en- Entretanto, a maioria dos casos que os apre-
contrar sua família), pois este é o período de sentarem será classificada como tendo tido re-
incubação do SARS-CoV-2 – isto é, o tempo para ações (de sofrimento) esperadas diante de um
o vírus manifestar-se no corpo de indivídue. evento (aversivo) considerado como inespera-
A quarentena é respeitada para garantir que do. Ainda assim, o sofrimento não poderá ser
aquela pessoe não estava infectada com o vírus negligenciado, sendo papel de todo e qualquer
em seu corpo, sendo capaz de transmiti-lo, a profissional da saúde realizar o acolhimento
despeito da ausência de sintomas da doença. de verbalizações de angústia (manifestando-se

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conforme a força do evento e o estado de vul- o terapeute ocupacional e e educador físico.


nerabilidade social, o tempo e a efetividade Essas categorias profissionais provavelmente
das ações governamentais no contexto social nunca tiveram tamanho destaque como nos
ao longo da pandemia de COVID-19 (Fiocruz, últimos tempos, decorrente da pandemia da
2020; Schmidt et al., 2020). Covid-19, já que a atuação de fisioterapeute,
A pandemia do Coronavírus poderá por exemplo, com técnicas de reabilitação res-
impactar os indivídues de diferentes formas piratória, é fundamental tanto no ambiente
e os efeitos poderão ser percebidos somente hospitalar como após alta médica para tratar os
muito tempo após seu término (e.g., transtorno problemas e sequelas da Síndrome Respiratória
do estresse pós-traumático; luto complicado; (Fernández-de-Las-Peñas, Navarro-Santana,
ideação, planejamento e tentativa suicida). Plaza-Manzano, Palacios-Ceña, Arendt-Nielsen,
Por isso, ressalta-se a importância de evitar, o 2021; Rooney, Webster, & Paul, 2020).
mais cedo possível, a estigmatização de pessoes A alteração pulmonar foi mostrada em
em tratamento ou curadas, com termos como 40% dos casos estudados por Torres-Castro et al.
“vítima do Coronavírus” ou “Coronavírus po- (2021). Importante ressaltar que es indivídues
sitivo” (Faro, Bahiano, Nakano, Reis, Silva, & podem apresentar sequelas musculoesqueléti-
Vitti, 2020; Schmidt et al., 2020). cas como mialgias, artralgias e declínio físico,
Com as incertezas e os desafios gerados além da dispneias pós-esforços, como mostrou
pelo contexto pandêmico e diante de uma pa- Xiong (2021), com uma ocorrência de 49%
tologia emergente, com protocolos terapêuticos desses sintomas em sua amostra.
indefinidos e uma diversidade de condutas Hall, Laddu, Phillips, Lavie, e Arena
clínicas, entende-se a necessidade de uma mo- (2021) trazem ainda o questionamento de
bilização multidisciplinar des profissionais da que estamos vivendo duas pandemias, a da
saúde. Nesse contexto, ressalta-se o papel do Covid-19 e a da inatividade. A segunda delas,
farmacêutico, fornecendo suporte à equipe de que tem impacto agravante sobre a primeira,
saúde por possuir habilidade no manejo de fár- deve perdurar além da pandemia da Covid-
macos, definindo doses adequadas e evitando 19. Tais considerações são fortes razões para
efeitos adversos e interações medicamentosas. a abordagem multidisciplinar nessa doença
A atuação desses profissionais na educação multifatorial de inúmeras sequelas, envolven-
preventiva e educativa é fundamental, im- do e fisioterapeute, e terapeute ocupacional e
pedindo a automedicação e garantindo o uso e profissional de educação física num trabalho
racional dos medicamentos (Bahlol, & Dewey, constante e interrelacionado.
2020; Song, Hu, Zheng, Yang, & Zhao, 2021). Tendo em vista as condições de neces-
Ademais, vale também enfatizar a importância sidade de testagem, altas infectabilidade
da atualização desses profissionais farmacêuti- e transmissibilidade, gravidade e grande
cos com relação às novas pesquisas científicas número de internações, es profissionais da
e ao avanço da automação, possibilitando o linha de frente, costumeiramente, profissio-
desenvolvimento de protocolos cada vez mais nais da medicina e equipe de enfermagem,
seguros e eficazes de intervenção clínica (Arain, provavelmente entrarão em contato mais
Thalapparambayh, & Al Ghandi, 2020). direto com as queixas e preocupações de pa-
Outres profissionais relevantes da cientes e familiares, precisando oferecer um
equipe multidisciplinar são o fisioterapeute, mínimo de apoio psicológico a esses pessoes

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(Duan & Zhu, 2020). Psicólogues, mesmo que de morrer, de infectar outres pessoes, de se
indiretamente, mostram-se de grande impor- afastar ou sofrer abandono nas relações com
tância neste momento, treinando os demais familiares e amigos, estigmatização social,
profissionais, apontando para possíveis riscos, medo de contrair a doença e, ainda, transmi-
sugerindo a seleção de casos mais graves para ti-la a seus familiares, sofrimento por estarem
acompanhamento psicológico mais imediato afastados de seus lares, estresse, sensação de
ou continuado, e fornecendo, na medida do perda de controle e de desvalorização, além
possível, suporte emocional para es própries de preocupação com o tempo de duração da
membres da equipe, que estarão diretamente Pandemia (Hall, Hall, & Chapman, 2008, citado
expostos a riscos de infecção e a sofrimento por Schmidt et al., 2020).
mental (Chen et al., 2020; Zhang et al., 2020a). Ressalta-se, então, que a rápida dissemi-
Profissionais de saúde, principalmente da me- nação do novo coronavírus, as incertezas sobre
dicina e enfermagem, são treinades, ao longo de como controlar a doença e sobre sua gravidade,
seu curso e de seu trabalho, a salvarem vidas. a imprevisibilidade acerca do tempo de dura-
Em meio a esse caos, à incontrolabilidade e à ção da pandemia e dos seus desdobramentos,
imprevisibilidade, ao colapso dos sistemas de a difusão de mitos e informações equivocadas
saúde, esses profissionais perderão muitos de sobre a infecção e as medidas de prevenção, e a
seus pacientes e terão que dar muitas más no- dificuldade da população geral em compreen-
tícias aos familiares (sendo que, muitas vezes, der as orientações das autoridades sanitárias
não são bem treinados para esse último tipo de são fatores de grande preocupação para as au-
trabalho). Devemos também, estimulá-los a se toridades e para equipes multiprofissionais de
forçarem a períodos de descanso e ao fortale- saúde. Nesse sentido, torna-se de suma impor-
cimento de sua rede de apoio da maneira que tância a realização de palestras em pequenos
for possível: telefonemas, mensagens, vídeos grupos, em escolas e empresas, a elaboração de
(Banerjee, 2020; Chen et al., 2020; Taylor, 2019). videoclipes e cartilhas com figuras que facili-
Como mencionado anteriormente, no en- tem seu entendimento, respeitando as orienta-
tanto, as implicações psicológicas podem ser ções de autoridades sanitárias e minimizando
mais duradouras e prevalentes que o próprio os efeitos da doença. Um exemplo de cartilha
acometimento pela COVID-19, com ressonância ou material em áudio pode ser denominado
em diferentes setores da sociedade (Faro et al., “A etiqueta da Covid-19”, que se encontra na
2020; Fiocruz, 2020; Schmidt et al., 2020). Figura 1.
Estudos sobre implicações na saúde Dado o montante de trabalho a ser reali-
mental em decorrência da pandemia do novo zado por profissionais de Psicologia, em relação
coronavírus ainda são escassos, por se tratar a esses profissionais de saúde e à população em
de fenômeno recente, mas apontam para re- geral, o atendimento psicológico remoto tor-
percussões negativas importantes (CFP, 2020; nou-se rapidamente um mecanismo importan-
Schmidt, 2020; Zhang et al., 2020). Além disso, te para acolhimento a queixas relativas à saúde
pesquisas anteriores sobre outros surtos in- mental. Em 26 de março de 2020, foi publicada
fecciosos, como o Ebola, revelaram desdo- a Resolução do Conselho Federal de Psicologia
bramentos desadaptativos, em curto, médio (CFP, 2020) nº 4/2020, que permite a prestação
e longo prazo, para a população geral e para de serviços psicológicos por meios de tecno-
es profissionais da saúde (Taylor, 2019). Medo logia da informação e da comunicação após

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A “etiqueta da covid-19”

Apesar de tantos meses em distanciamento social, ainda é necessário ou, ao menos, gentil,
tomar algumas precauções. Não visite pessoes que não o convidaram, a menos que haja muita
intimidade entre vocês e que você saiba que essa pessoe ou família está recebendo visitas
normalmente. De qualquer maneira, não custa telefonar ou enviar uma mensagem antes,
avisando sobre sua ida.
Até que as autoridades internacionais sancionem as medidas de retomada de nossa rotina,
concordando com nossos governantes, procure respeitar as medidas de segurança (máscara
tampando nariz e boca, álcool em gel, lavar as mãos) que, mesmo não mais obrigatórias, podem
poupar você ou outrem de um constrangimento ou, pior, de uma infecção por covid e suas
variantes, ou por outras gripes. É melhor pecar pelo excesso do que pela falta de cuidados,
num contexto com este.
Ao ser convidado para um evento, tente saber se o local é aberto ou fechado, se há bom
espaço entre mesas, quantes pessoes estarão lá e se são apenas conhecidas ou não, avalie
se você – nos 14 dias anteriores – seguiu as medidas de segurança, avalie suas condições de
imunidade/segurança.
Na medida do possível, tente também saber se es pessoes que você encontrará já estão
dando beijinhos, semi-abraços ou abraços; se aceitam só o toquinho como se fosse um soquinho
entre as mãos (virou nosso grande modo de tocar es pessoes neste momento); ou se você deve
acenar só de longe, com um belo sorriso. Mesmo de máscara, os olhos se espremendo quando
sorrimos pode ter um alto valor reforçador, demonstrando carinho e alegria, e promovendo
alento, com segurança para todos os envolvidos. Tente, também, avaliar suas preocupações,
necessidades, comorbidades, imunidade e deixe claro para es pessoes até onde podem ir na
sua presença.

Figura 1. “A Etiqueta da covid-19”: exemplo de material para ser escrito ou lido para a população
em geral.

realização do “Cadastro e-Psi” (Danzam et al., apresenta e descreve suas principais emoções
2020; Schmidt et al., 2020). e queixas, além das possíveis razões para elas;
Esse atendimento remoto, em conjunto atendimentos individuais ou em grupo psicoló-
com propostas psicoeducativas (cartilhas e gicos online (Duan & Zhu, 2020; Li et al., 2020b)
outros materiais informativos) (Enumo, Weide, ou, quando comprovadamente necessários,
Vicentini, Araujo, Machado, 2020; Wang et al., presenciais.
2020) consiste em oferta de canais para escuta A progressão da doença ou a ocorrência
psicológica (via ligação telefônica ou atendi- de fatos relacionados a ela pode modificar a
mento em plataformas online); atendimentos necessidade des usuáries e, sempre que ne-
psicológicos por meio de cartas estruturadas, cessário, devem-se fazer encaminhamentos
em que inicialmente e usuárie do serviço se
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a outres profissionais ou serviços de saúde farmacêutiques, fisioterapeutes, assistentes


(Schmidt et al., 2019--20). sociais, terapeutes ocupacionais, educadores fí-
Por fim, é preciso informar a população sicos, enfermeires e técniques de enfermagem,
sobre os resultados positivos do isolamento nutricionistes, agentes comunitários de saúde,
social, com o objetivo de impulsionar a sua biólogues, biomédiques, sanitaristas, gestores/
adesão, de acordo com o estudo de Myazaky administradores, dentre outres profissionais,
(2020). Usando uma linguagem analítico-com- poderão contribuir para um olhar mais amplo,
portamental, deve-se trabalhar com reforça- cuidadoso, integral e humanizado.
mento positivo (adição de consequências que a. Hoje em dia e, principalmente, à medida
fortaleçam um comportamento) e não apenas em que as condições sanitárias per-
com controle aversivo ao implementar (estabe- mitirem, esses profissionais poderão,
lecer e manter) um repertório comportamen- em maior ou menor grau, realizarem
tal, como no caso de uso de máscaras, álcool em intervenções como:
gel e distanciamento social. Assim, trabalha-se b. Testagem de possíveis novos casos e
com análises funcionais, que poderão apontar descoberta de sequelas da doença;
a necessidade de um ou mais dos seguintes c. Psicoeducação;
procedimentos comportamentais: reforçamen- d. Biblioterapia e discussão de filmes;
to diferencial, além de operações motivado- e. Acesso a serviços de assistência
ras, modelos, regras para a aquisição de um psicossocial;
repertório de autocuidado e enfrentamento f. Fortalecimento da rede de apoio, ao in-
da situação (Martins et al., 2019). Os procedi- centivar pacientes, cuidadores e mesmo
mentos e processos conhecidos da AC podem indivídues que não se contaminaram a
e devem ser ensinados aos demais membro manter contatos frequentes, por meio
da equipe, com exemplos da atuação integral, de telefonemas, mensagens de texto,
assim como de sua prática única. Isso pode áudio e vídeo (Chen et al., 2020);
trazer não apenas maior integração da equipe, g. Cultos ecumênicos; rituais que possam
mas também melhora da prática individual e substituir, em certa medida, os ritu-
grupal ao estabelecer metas e procedimentos ais fúnebres que ficaram inviabiliza-
de tratamentos em diferentes tipos de caso (de- dos durante a pandemia; construção
-Farias, Souza, Jaime, Prado, & Córdova, 2022). de monumentos em homenagem às
vítimas;
Saúde Mental na Pós-pandemia h. Reuniões familiares, grupo de apoio
Várias medidas precisarão ser tomadas a cuidadores, terapia breve, supor-
para minimizar os efeitos psicológicos, sociais, te e orientações à equipe de saúde
neurocognitivos, e possíveis sequelas na saúde (Saporetti et al., 2012);
física ainda não conhecidas relacionadas à i. Acesso a fontes alternativas de reforço
doença. Nesse sentido, a abordagem aos pa- (consequências – mudanças ambien-
cientes deverá ser, necessariamente, multi ou tais produzidas pelo comportamento
interdisciplinar. Clínicos gerais, pneumologis- de indivídue – que fortalecem os com-
tas, obstetras, pediatras, psiquiatras e outras portamentos que as produzem, geral-
especialidades médicas terão contribuições mente envolvendo prazer, satisfação,
relevantes, mas não suficientes. Psicólogues, leveza, alívio) e aumento de repertório

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comportamental para acessar novas • Terapia Comunitária Integrativa


fontes (Fernandes & Lopes, 2010; (pode ser realizada por qualquer
Hoshino, 2006; Torres, 2010); profissional de saúde que tenha for-
j. Higiene do sono (Müller, 2010; Müller, mação para tal, sendo as Unidades
Rafihi-Ferreira, & Castro, 2019); Básicas de Saúde um excelente con-
k. Técnicas de relaxamento ativo e passivo texto para sua realização);
(e.g., relaxamento muscular progressi- • Grupos de Autoajuda (sem coorde-
vo de Jacobson, relaxamento autogéno nação de profissionais de saúde);
de Shultz, técnicas de imagem guiada, p. Psicoterapia individual para casos mais
técnicas de respiração. Para descrições graves e/ou duradouros; e
e resultados de estudos, ver Guimarães, q. Acompanhamento psiquiátrico, caso
2019); necessário.
l. Práticas Integrativas de Saúde (PIS. Sobre os grupos citados acima, vale a
Barreto, 2019); pena apontar o texto de Soares (2019), que
m. Mindfulness: Significa estar em aten- descreve atividades realizadas com um grupo
ção plena ou consciência total no mo- de cuidadores de pacientes oncológicos:
mento presente. Envolve um treino de
Nesse sentido, foi necessário o levanta-
experienciar o que está acontecendo
mento de contingências que favorecessem
no aqui-e-agora, a despeito de lem-
mudanças no estilo de vida e promoves-
branças ou preocupações que surjam.
sem a revisão de crenças (regras), o au-
É convidar seus pensamentos e senti-
toconhecimento, o autocuidado e a aqui-
mentos a experimentarem o mundo
sição de habilidades sociais (Thompson,
atual, tal como ele se apresenta, com
Powers, Coon, Takgi, Mackibbin, &
uma atenção flexível, de forma a fa-
Gallagher-Thompson, 2003). Discutiram-
cilitar o hábito de nos mantermos em
se alternativas para a realização de ati-
tempo presente, notando o que surge,
vidades reforçadoras, mesmo que por
sem julgar. O treino em mindfulness
um curto período de tempo, dentro ou
poderia diminuir a ansiedade quanto
fora do ambiente hospitalar. Executar
ao futuro e a novas infecções, enfati-
atividades de rotina e prazerosas pode
zando que e indivídue tome as medi-
favorecer um momento de distração e
das cabíveis, proteja a si e aos demais,
oportunidade para que entrem em con-
mas na medida em que for possível na
tato com situações não vinculadas dire-
situação em que está vivendo;
tamente ao cuidado do familiar enfermo
n. Grupos de convivência (em igrejas;
e que propiciem a identificação de neces-
clubes e centros comunitários; escolas
sidades do próprio cuidador. Percebeu-se
etc.);
que sugestões fornecidas por cuidadores
o. Grupos terapêuticos, que estimulem o
tiveram impacto sobre os outros partici-
contato e expressão das emoções, e pro-
pantes. Foram alternativas identificadas
movam o acolhimento de sentimentos
como viáveis na rotina, organizadas
e pensamentos:
e disponibilizadas nos encontros. Tais
• Grupos Psicoterapêuticos (coordena-
dicas foram levantadas pelos próprios
dos por psicólogos);
membros, que sugeriram atividades
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com função reforçadora relacionadas à Considerações Finais


retomada da sensação de controle da pró-
pria vida, relaxamento, descanso, distra- Entender o termo “mental” de forma
ção e diminuição do estresse. Incluíram mais abrangente permite a busca por deter-
aspectos relacionados à antiga rotina e minantes múltiplos, dos mais básicos aos mais
com possibilidade de serem realizadas complexos, biológicos, histórias individuais e
no próprio hospital, tais como: trabalhos sociais. Os determinantes estão no ambiente,
manuais, caminhadas (pelo corredor ou passado e atual, o que envolve vírus, bactérias e
imediações), ver TV, ler etc. Se o familiar ambiente fisiológico específico daquele indiví-
tivesse possibilidade de voltar para casa, duo, até campanhas de educação e marketing,
seria uma oportunidade para retomar ati- passando por hábitos de higiene, promoção e
vidades de interesse (contato com amigos, proteção à saúde de cada indivídue analisade.
refeições com familiares), autocuidado Comportamento, para es analistas do compor-
(exercício físico), descanso, prática reli- tamento, é tido como um processo (i.e., algo que
giosa e distração (ver TV, leitura, escutar ocorre ao longo do tempo) multideterminado,
rádio). Poderia ser necessário executar contínuo, que modifica e é modificado em sua
atividades domésticas (organização da interação constante com o ambiente. Dessa
casa) ou retomar atividades laborais que maneira, tratar “saúde mental” é, necessaria-
auxiliassem na sensação de assumir o mente, tratar o organismo-como-um-todo, exi-
controle de questões pessoais e melhoria gindo o trabalho de uma equipe multi, inter ou
da qualidade de vida. Além disso, poderia transdisciplinar (de-Farias, 2019; Guimarães,
ser importante que o paciente percebesse 2022; Kirchner, & de-Farias, 2022). Desse modo,
que o cuidador continuava a manter a a integração de diversos saberes, em um traba-
execução de atividades relacionadas à lho multi ou interdisciplinar amplia as chances
sua própria rotina (Soares, 2019, p. 318. de sucesso, integralidade e humanização dos
Ver, também, Soares, Corrêa, Silva, & tratamentos. As vantagens da participação de
Rafihi-Ferreira, 2019). analistas do comportamento na gestão e imple-
mentação de políticas públicas são enormes.
Embora Soares (2019) refira-se a cuidado-
Além disso, nas palavras de Guimarães (2022):
res de pacientes internados em hospitais, suas
recomendações podem ser úteis a cuidadores os pressupostos teóricos e a prática da
domiciliares formais (pagos) e informais. Análise do Comportamento se adequam
Em resumo, algumas intervenções são especialmente às peculiaridades da área,
fundamentais e deverão ser tomadas de acordo que demandam assistência objetiva,
com as características e necessidades de cada eficaz, exequível em curto prazo e nas
grupo profissional ou de usuáries do sistema de condições nem sempre ótimas de am-
saúde. Devemos nos preocupar com a promo- bientes hospitalares. Outra dimensão
ção do acolhimento, a diminuição da ansiedade, inerente ao trabalho do psicólogo nessa
ajudar es pessoes a se reestruturarem diante do área é a assistência ao profissional, que
contexto, e ensinar técnicas de relaxamento e tipicamente experiencia em seu cotidia-
meditação, dentre outras técnicas (Sá-Serafim, no uma rotina indutora do estresse e do
Bú, Lima-Nunes, 2020). burnout (p. xi).

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 4 | 83


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 84—98

Avaliação indireta do Paola Esposito de Moraes Almeida (1, 2)


pealmeida@pucsp.br
transtorno obsessivo-compul- Lígia Campos Müller (2)
sivo em contexto clínico1 ligiac.muller@gmail.com
Giulia Cândido Bruno (1, 2)
Indirect assessment of obsessive-compulsive giuliacandidobruno@gmail.com

disorder in a clinical context Lucas Akira Nakahara Guimarães (1)


akiraguimaraes@gmail.com
Monalisa Dutra Matias de Oliveira (1)
(1)
Consultório Particular monalisa-o@hotmail.com
(2)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Radharani Rodrigues Soares (1)
radha.soares@gmail.com

Resumo Abstract
O trabalho pretendeu identificar contingências de- The work intended to identify contingencies of ob-
terminantes de obsessões, compulsões e escoria- sessions, compulsions and excoriations of two par-
ções de duas participantes, a partir de avaliação ticipants, based on indirect evaluation strategies.
funcional indireta. Na Fase 1, tais contingências In Phase 1, the evaluation was conducted through
foram avaliadas via monitoramento familiar e pelo family monitoring and the use of the Questions
Questions About Behavioral Function (QABF). Na About Behavioral Function (QABF). In Phase 2, in-
Fase 2, intervenções baseadas nos dados da Fase 1 terventions based on Phase 1 data were applied,
foram aplicadas, sendo acompanhados, mas não tes- and their effects on behaviors of interest and family
tados, seus efeitos sobre os comportamentos de inte- functioning were followed, but not tested. Partially
resse e sobre o funcionamento familiar. Resultados convergent results between functional hypotheses
parcialmente convergentes entre hipóteses funcio- raised by QABF and by family monitoring were
nais levantadas pela QABF e pelo monitoramento found. The treatment indicated by the monitoring
familiar foram encontrados. O tratamento indicado was implemented and seemed effective for one of
pelo monitoramento foi implementado e pareceu the participants while, for the second, the irregular
efetivo para uma das participantes enquanto, para follow-up of the guidelines prevented evaluating
segunda, o seguimento irregular das orientações the hypotheses raised by the different methods. The
impediu avaliar as hipóteses levantadas pelos di- data suggest that, although costly, the monitoring
ferentes métodos. Os dados sugerem que, embora was effective in indicating the probable function of
custoso, o monitoramento foi efetivo em indicar a the behavior of one of the participants, not indica-
provável função do comportamento de uma das ted by the QABF. Further QABF studies needed for
participantes, não indicada pelo QABF. Novos es- typical populations.
tudos sobre o uso do QABF em populações típicas
devem ser conduzidos.

Palavras-chave Keywords
avaliação funcional indireta; Questions About indirect functional assessment; Questions About
Behavioral Function; transtorno obsessivo-com- Behavioral Function; obsessive-compulsive disor-
pulsivo; monitoramento familiar, acomodação der; family monitoring; family accommodation.
familiar.

1 O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Avanços e desafios da aplicação de estratégias de avaliação e análise funcional experimental do comportamento.

84
Avaliação indireta do transtorno obsessivo-compulsivo
Almeida, Müller, Bruno, Guimarães, Oliveira, & Soares

A análise e a avaliação funcional do com- aplicação resultou em convergência total com


portamento são estratégias para identificar re- os resultados obtidos por estratégias empíricas
lações funcionais entre uma resposta e as con- ou descritivas de avaliação. Em seu estudo, con-
dições ambientais que a seguem ou antecedem, vergência total foi assumida quando mesmas
tecnicamente chamadas de contingências de funções foram indicadas tanto pela avaliação
reforçamento. Das estratégias utilizadas para empírica quanto pelos métodos indiretos/
identificação dessas contingências, a avalia- descritivos, enquanto convergência parcial
ção funcional indireta é a mais disseminada, foi descrita quando as estratégias indicavam,
quando comparada com estratégias descritivas além de uma função comum, outras não con-
ou empíricas, pautadas, respectivamente, na firmadas pelos demais métodos. Os resultados
observação ou manipulação das variáveis que de Romani et al. (2023) apontaram convergên-
supostamente controlam o responder (Iwata & cia total entre o QABF e análises empíricas em
Dozier, 2008). apenas 21,4% dos estudos analisados em sua
A avaliação funcional indireta busca re- pesquisa. Sua combinação com outras estra-
conhecer as variáveis controladoras do com- tégias indiretas e descritivas atingiu 71% de
portamento a partir do relato de participante convergência parcial com avaliações empíri-
ou informantes, coletado durante entrevistas, cas, mas não convergência total. A despeito
automonitoramento ou uso de instrumentos dessas inconsistências, o uso do QABF, assim
padronizados. Dentre esses instrumentos, o como de outras estratégias indiretas, têm sido
Questions About Behavioral Function (QABF), defendido por reduzir o tempo para identifi-
vem sendo amplamente utilizado, tendo sido cação de funções comportamentais, pela fácil
desenvolvido para avaliar contingências man- implementação e por reduzir o risco de expor
tenedoras de comportamentos da população o comportamento à testes com diversos estímu-
autista. O questionário é composto de 25 itens, los consequentes, o que poderia favorecer que
com cinco perguntas para avaliar cada uma novas variáveis passassem a controlá-lo (Iwata
das cinco possíveis funções comportamentais: & Dozier, 2008). Sugere-se ainda que avalia-
atenção, fuga, não social, desconforto físico ções indiretas sejam utilizadas como um passo
e acesso à itens tangíveis (Matson, Tureck & inicial na identificação de relações funcionais,
Rieske, 2012). O instrumento foi posteriormente considerando a dificuldade de conduzir aná-
adaptado, com mínimas alterações, para avalia- lises empíricas em contexto natural e com a
ção de comportamentos agressivos associados população típica (Anderson & St. Peter, 2013).
à esquizofrenia, depressão e ansiedade, rece- No presente trabalho, o QABF foi utilizado
bendo nome de Questions About Behavioral para avaliar as contingências mantenedoras de
Function-Mental Illness (QABF-IM) (Singh et obsessões, compulsões e escoriações de duas
al., 2006). A versão foi considerada eficiente participantes, sendo seus resultados compa-
no levantamento de hipóteses comportamen- rados ao do monitoramento familiar, estra-
tais na população sem deficiência intelectual tégia indireta que exige maior tempo e custo
(Singh et al., 2006), tendo, no entanto, recebido pessoal para aplicação. Segundo o Manual
poucos estudos. Ainda que o QABF seja apon- de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
tado como um instrumento sensível para o le- Mentais (5ª ed.; DSM-5; American Psychiatric
vantamento de hipóteses funcionais, Romani Association, 2014), obsessões e compulsões
et al. (2023) indicaram que poucas vezes sua seriam parte dos critérios diagnósticos do

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 85


Avaliação indireta do transtorno obsessivo-compulsivo
Almeida, Müller, Bruno, Guimarães, Oliveira, & Soares

transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), carac- possam tornar-se evocativas de respostas de


terizado por padrões intrusivos, repetitivos fuga-esquiva, como compulsões, tal função
e indesejáveis de comportamento públicos e seria dependente da apresentação de contex-
privados. O transtorno de escoriação (TE), por tos ambientais eliciadores dessas emoções, que
sua vez, estaria frequentemente relacionado devem ser reconhecidos (Darwich & Tourinho,
ao TOC, sendo definido pelos comportamentos 2005). Propostas de avaliação que descrevam
recorrentes de beliscar, espremer ou cutucar a as contingências ambientais associadas à apre-
pele, produzindo lesões (American Psychiatric sentação dessas respostas privadas deveriam,
Association, 2014). Na literatura, comporta- portanto, ser implementadas.
mentos compulsivos e escoriações vêm sendo Para Guedes (2001), tais contingências
interpretados como reações de fuga/esquiva de ambientais envolveriam, particularmente,
emoções desconfortáveis, desencadeadas pelas interações passadas no contexto familiar, que
obsessões, no caso do TOC ou por outras fontes deveriam ser reorganizadas a fim de favorecer
de tensão emocional, no caso do TE (Kim et al., a melhora dos quadros clínicos. No estudo de
2022). Reforçamento negativo seria, então, indi- Boarati e Malerbie (2018), essa reorganização
cado como principal contingência responsável foi conduzida a partir da orientação de mães,
pelo fortalecimento desses comportamentos. instruídas a deixar de participar dos compor-
Diferentes estudos apontam, no entanto, que tamentos obsessivo-compulsivos dos filhos, ao
reforçamento automático (Lang et al., 2010) e mesmo tempo que deveriam valorizar com-
reforçamento positivo e negativo socialmente portamentos desejados oferecendo atenção ou
mediados frequentemente estariam envolvi- acesso à itens desejados. As autoras, entretanto,
dos com a manutenção de comportamentos não descreveram as hipóteses funcionais que
característicos do TOC e TE (Aguayo, Melero orientaram os tratamentos (Boarati & Malerbie,
& Lázaro, 2014; Almeida, Micheletto, & Jotten, 2018). Os resultados revelaram, ainda assim, a
2020; Neil et al., 2017) sendo necessária a ava- melhora nos quadros clínicos e menores índi-
liação individual de contingências relevantes ces na Escala de Acomodação Familiar (FAS-IR),
a fim de promover tratamentos eficientes. que avalia mudanças nas interações mantidas a
Ainda nessa direção, Copque e Guilardi fim de adiar, fugir ou evitar os comportamentos
(2008) destacam que obsessões e compulsões obsessivo-compulsivos (Gomes et al., 2010).
são comportamentos cujas contingências am- Dada a necessidade de conduzir interven-
bientais precisam ser identificadas. Assim, seria ções ágeis e eficientes para correção de contin-
problemático iniciar a análise clínica de um gências comportamentais, a presente pesquisa
quadro de TOC identificando um pensamento teve por objetivo conduzir um estudo explora-
(ou obsessão) como desencadeador de compul- tório acerca das variáveis mantenedoras das
sões, sendo necessário questionar o que deter- obsessões, compulsões e escoriações de duas
mina ou mantém tal pensamento. Ainda que participantes, a partir da aplicação do QABF e
exerçam uma função antecedente evocativa de uma estratégia de monitoramento familiar.
para as compulsões, pensamentos deveriam, Uma análise da convergência das hipóteses
então, ser analisados como respostas a even- apontadas pelos diferentes métodos foi condu-
tos ambientais que podem ser reconhecidos zida, sendo avaliado, mas não testado, o efeito
e modificados. Da mesma forma, mesmo que de variáveis indicadas durante a avaliação
reações emocionais nomeadas como ansiedade

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 86


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sobre comportamentos de interesse e sobre o como colocar o xampu e a roupa. Esses com-
cotidiano familiar. portamentos interferiam no cotidiano familiar,
tornando os gritos e a dificuldade em executar
Método atividades os alvos da investigação.

Participantes Ambiente
O estudo foi realizado inteiramente de
Participaram do estudo duas díades indi-
forma remota através de videochamadas pela
cadas pela equipe de psiquiatras de um ambula-
plataforma Google Meet, devido às limitações
tório público de atendimento ao TOC do Estado
impostas pela pandemia de covid-19.
de São Paulo.
Díade 1: AP-B. A Díade 1 era composta de
Materiais
uma adolescente (AP), 15 anos, e sua mãe (B).
Os materiais utilizados foram: Termo
Segundo a mãe, as compulsões de AP envolviam
de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE);
excesso de higienização (banho, lavagem de
Questionário QABF (Questions About Behavioral
mãos e limpeza da casa ou objetos), aversão a
Function), traduzido e adaptado para o portu-
tocar objetos compartilhados (principalmente
guês pelos pesquisadores, tendo sido preferido
após o banho), evitar receber pessoas em casa,
ao QABF-IM pelo maior número de estudos que
checar se precisava tomar banho. As obsessões
o utilizaram, indicando sua validade; Escala de
envolviam pensamentos sobre perder a mãe e
Acomodação Familiar (FAS-IR) (Gomes et al.,
estar contaminada. A mãe relatou que os com-
2010), utilizada para avaliar a participação dos
portamentos se complicaram durante a pan-
familiares na facilitação e manutenção dos com-
demia de covid-19. Era frequente o comporta-
portamentos obsessivo-compulsivos; Registro
mento de provocar escoriações na pele do rosto,
semanal dos episódios de obsessões, compulsões
dedos e couro cabeludo ao cutucar essas regiões
e escoriações, em que eram descritos as condi-
com as mãos/unhas. Por conta da severidade e
ções antecedentes e subsequentes às respostas
impacto emocional e social negativos provoca-
de interesse, além da própria resposta; Registro
dos pelas escoriações, esse comportamento foi
semanal das orientações familiares, de seu se-
selecionado para avaliação pelo QABF. No mo-
guimento e de mudanças no comportamento do
nitoramento, além das escoriações, foram cole-
cliente, durante a fase de orientação familiar;
tados dados sobre comportamentos de lavagem/
Aplicativo de troca de mensagens eletrônicas;
descontaminação.
Tabela (em excel) com campos para análise dos
Díade 2: D-F. A Díade 2 foi composta de
antecedentes, respostas e consequências relata-
uma adolescente de 13 anos (D) e sua mãe (F). De
das dos comportamentos de interesse, de cada
acordo com a mãe, D apresentava pensamentos
díade, conforme descrito: (a) respostas de “fuga/
intrusivos negativos acerca de eventos ruins que
esquiva de contaminação”, caso envolvessem a
poderiam acontecer com sua mãe, e gritos fre-
evitação ou fuga do contato com estimulações
quentes que, segundo ela, permitiam afugentar
potencialmente “sujas” ou “contaminadas”
as obsessões. Em situações relacionadas a esses
(Díade 1); (b) respostas de escoriação, como
pensamentos, ela realizava comportamentos
beliscar/cutucar/ferir a pele das mãos, rosto e
como abrir e fechar repetidamente portas e
couro cabeludo (Díade1); (c) respostas obsessi-
armários, permanecer no banheiro por longos
vas, caso envolvesse pensamentos intrusivos e
períodos e solicitar ajuda para tarefas simples,
Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 87
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desconfortáveis relatados às mães (ambas); (d) Procedimento


respostas compulsivas de gritar, a fim de fugir O estudo contou com uma equipe de três
ou evitar o contato com eventos públicos ou pen- pesquisadores responsáveis pelos instrumen-
samentos desconfortáveis (Díades 2); (e) respos- tos, troca de informações com familiares e aná-
tas desejadas de “exposição e enfrentamento”, lise de dados, e dois terapeutas que conduziram
caso envolvessem a manutenção de contato com sessões semanais de orientação familiar em
estimulações potencialmente “sujas” ou “conta- duplas, com duração de 50 minutos. A equipe
minadas (Díade 1); e (f) respostas sociais dese- se reunia semanalmente com o orientador da
jadas, caso envolvesse interações positivas com pesquisa, um analista do comportamento com
familiares e amigos (ambas). Para as consequ- experiência no tratamento de TOC. Os partici-
ências, a classificação adotada foi: (a) “atenção a pantes foram encaminhados por psiquiatras
respostas positivas”, caso envolvessem a oferta de um serviço de atendimento ao TOC e foram
de atenção para respostas desejadas das partici- contatados pelos terapeutas por telefone, con-
pantes (ambas); (b) “atenção a respostas negati- vidados a participar de uma sessão para expli-
vas”, caso envolvessem atenção para respostas car os objetivos da pesquisa, avaliar a adesão
indesejáveis de obsessão ou compulsão (ambas) ao monitoramento e assinar o TCLE. A docu-
e de escoriações (Díade 1); (c) “afastamento de mentação recebeu parecer favorável número
demanda”, caso envolvessem a retirada de ta- 45555121.9.0000.5482 do Comitê de Ética de
refas (domésticas, escolares, etc) contingente Pesquisa com Humanos através da Plataforma
aos comportamentos de obsessão, compulsão e Brasil.
escoriações (Ambas); (d) “automáticas”, caso en- Fase 1: Avaliação Funcional Indireta
volvessem a produção de reforçamento positivo das Contingências Mantenedoras dos
sensorial, não mediado socialmente (ambas); (e) Comportamentos Obsessivo-Compulsivos
“tangíveis”, caso envolvessem a oferta de itens e de Escoriações. Após duas sessões de en-
desejáveis contingente aos comportamentos de trevistas com as familiares foi programada a
interesse (ambas), e (f) “indeterminada”, caso o aplicação da escala QABF em uma sessão em
relato da mãe não indicasse a consequência do que estavam presentes os terapeutas e uma das
comportamento da cliente, o que poderia suge- pesquisadoras. Ao início da sessão, foi definido
rir tanto a imprecisão do relato quanto que o junto aos familiares o comportamento de maior
comportamento era mantido por consequências relevância a ser modificado, considerando as
encobertas, que não tivessem sido relatadas pela interferências no cotidiano familiar. Na mesma
filha (ambas). Como antecedentes foi indica- sessão, no caso da Díade 2, ou na sessão se-
do, para ambas as díades, se o comportamento guinte, no caso da Díade 1, foi aplicada a escala
ocorria g) na condição sozinho; h) diante de FAS-IR.
demanda; i) em contextos sociais, j) diante da Durante as duas semanas posteriores,
perda ou do acesso restrito à itens tangíveis. foram solicitados registros de monitoramen-
Os materiais utilizados nessa pesquisa podem to familiar acerca das obsessões, compulsões
ser encontrados em repositório online no link: e escoriações das adolescentes. Folhas de re-
https://shorturl.at/cpHOP. gistro foram distribuídas aos familiares, para
identificação das condições que antecediam e
seguiam essas respostas e para descrição das
reações familiares à esses comportamentos.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 88


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Duas pesquisadoras solicitavam diariamente água ou comer fora de casa; evitar comer, beber,
os registros, através de mensagens de texto ins- tocar ou pegar objetos após tomar banho; comer
tantâneas. Caso não tivessem sido entregues, os em local afastado de outras pessoas; pedir que
pesquisadores salientaram aos familiares sua a mãe realizasse tarefas de limpeza para des-
importância. contaminar seus objetos; dentre outros; (b)
Fase 2: Planejamento e Implementação respostas de escoriação (9 episódios): cutucar
de Intervenções Comportamentais a pele com as unhas provocando feridas; e (c)
Funcionalmente Orientadas pelas Hipóteses respostas desejadas de exposição/enfrentamen-
Funcionais Levantadas na Fase 1. Com base to ou respostas sociais positivas (26 episódios):
nos dados das entrevistas iniciais, QABF e mo- deixar de lavar os objetos ou realizar compor-
nitoramento familiar, foram formuladas hipó- tamentos de limpeza sem ajuda da mãe; sair
teses e propostas de orientações para corrigir com amigas ou familiares.
as contingências mantenedoras dos compor- O monitoramento familiar da Díade 2, por
tamentos das adolescentes. Folhas de registro sua vez, foi solicitado ao longo de seis semanas,
foram elaboradas para acompanhar as orien- dadas as dificuldades da mãe em realizar e en-
tações e mudanças nos comportamentos. Após tregar os registros, o que resultou na análise
as intervenções, a escala FAS-IR foi reaplicada de apenas seis dias e um total de 17 episódios
para avaliar possíveis mudanças no funciona- dos comportamentos de interesse. Os registros
mento familiar. foram classificados como episódios que envol-
Fase de Follow-Up: Avaliação da viam: (a) respostas de gritar (9 episódios): au-
Permanência Dos Comportamentos Após 30 mentar o volume da voz enquanto pronunciava
Dias. Após 30 dias do encerramento das in- palavras como “Não”, “Sai, seu miserável”, “Sou
tervenções, a escala FAS-IR foi reaplicada pela feliz”; (b) descrição de pensamentos obsessivos
mesma pesquisadora que conduziu a aplicação (3 episódios), relatados como medo de que algo
inicial e os familiares voltaram a registrar, por acontecesse aos pais ou a ela própria; descri-
uma semana, comportamentos de interesse ção de que tudo o que fazia estava errado; (c)
das adolescentes e suas reações diante desses comportamento lentificado (3 episódios), como
comportamentos. dificuldades para se arrumar ao acordar, soli-
citar assistência para se vestir, colocar pasta
Resultados de dente ou xampu, passar manteiga no pão,
sendo tais dificuldades justificadas por conta de
Fase 1: Avaliação Funcional Indireta seus pensamentos obsessivos; e (d) comporta-
das Contingências Mantenedoras do mentos desejáveis, como relato de ausência de
Comportamento Obsessivo-Compulsivo. Para pensamentos ruins e observação de respostas
análise dos resultados obtidos, serão primeiro de autonomia (2 episódios).
apresentados os dados obtidos pelo monitora- Como se pode notar, para ambas as par-
mento familiar, posteriormente comparados ticipantes os registros de monitoramento indi-
aos dados obtidos pelo QABF. caram que um amplo conjunto de respostas foi
No caso da Díade 1, o monitoramento foi observado e relatado pelas familiares, sendo
inicialmente realizado por 10 dias e classificado descritas tanto respostas desejáveis quanto
como envolvendo: (a) respostas compulsivas de indesejáveis. Diferente do monitoramento,
limpeza e evitação (25 episódios): evitar tomar a aplicação da QABF exigiu que apenas um

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comportamento de interesse fosse selecionado tal consequência descrita em quatro dos nove
para avaliação que, como antes mencionado, episódios em que a resposta de escoriação foi
foi o de escoriação no caso da Díade 1 e de com- observada. Como quatro dos cinco episódios
pulsões/gritos no caso da Díade 2. A Figura 1 restantes foram descritos como indetermina-
ilustra a comparação das hipóteses funcionais dos, menor foi o número de dados a fortalecer
indicadas pelo QABF e pelo monitoramento quaisquer das hipóteses sugeridas, sendo re-
familiar para esses comportamentos. levante lembrar que classificação do episódio
como “indeterminado” poderia tanto indicar re-
latos imprecisos motivados pela falta de treino
em observar as consequências relevantes,
quanto que os comportamentos eram mantidos
por consequências encobertas, que não pode-
riam ser diretamente observadas pelo familiar.
Uma análise dos quatro episódios classificados
como indeterminados indicou, no entanto, que
em três deles a resposta ocorreu diante de con-
textos sociais (na presença da mãe, da médica
psiquiatra ou na escola), o que sugere que tais
condições teriam se tornado evocativas para
respostas de escoriação devido, talvez, a um
histórico em que consequências socialmente
mediadas teriam ocorrido nesses contextos.
A análise dos contextos antecedentes para as
respostas de escoriação indica, ainda, que das
nove respostas relatadas, seis ocorreram em
contextos sociais, uma diante de demanda e
não foi possível identificar os antecedentes em
Figura 1. Pontuação obtida para cada prová- duas ocorrências. Acerca da fuga de deman-
vel função do comportamento de escoriação das também se destaca que enquanto o QABF
(Díade1) e gritar (Díade2) na escala QABF (eixo registrou elevada pontuação em questões que
à esquerda) e monitoramento familiar (eixo à indicam essa função, apenas um episódio de es-
direita). coriação foi assim indicado no monitoramento.
Ainda assim, pode-se indicar que, no caso da
Uma análise do painel superior da Figura 1 Díade 1, houve uma convergência parcial entre
revela que, para a participante AP (Díade 1), o as duas estratégias de avaliação indireta, uma
QABF indicou que o comportamento de esco- vez que fuga de demandas foi apontada como
riação seria mantido por reforçadores não-so- hipóteses funcional tanto pelo QABF quanto
ciais (automáticos) e fuga/esquiva de tarefas. pelo monitoramento. Reforçamento tangível,
O monitoramento, por outro lado, indicou que por sua vez, não foi indicado pelas estratégias,
atenção, na forma de censura ou oferta de ajuda enquanto reforçamento não-social e atenção
pelos familiares, seria a consequência relevante foram sugeridas por uma delas, mas não con-
para manutenção desse comportamento, sendo firmada pela outra.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 90


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No painel inferior da Figura 1, destaca-se além de oferecer ajuda ou censura. Em onze


a comparação entre as hipóteses funcionais ob- dos demais episódios descritos, nenhuma con-
tidas pela QABF e pelo monitoramento familiar, sequência foi identificada, um episódio foi
no caso da participante D, da Díade 2. Para essa seguido por suspensão de atenção e em um
participante, nota-se, também, uma convergên- deles uma resposta de esquiva mais adequada
cia parcial entre as hipóteses indicadas, já que (higienizar sozinha o celular) recebeu atenção.
atenção e fuga de demandas foram indicadas Nota-se, assim, que atenção social foi descrita
como prováveis reforçadores das respostas de como consequência relevante para manuten-
gritar por ambas as estratégias. Destaca-se, no ção de comportamentos indesejáveis em 12
entanto, que as demais funções, exceto reforça- dos 25 episódios analisados, sendo proposto o
mento tangível, foram também indicadas pelo rearranjo dessas contingências como parte das
QABF, sendo reforçamento não social (automá- intervenções conduzidas para essa díade. É pos-
tico) considerado o mais relevante para manu- sível, ainda, complementar tal avaliação com a
tenção da resposta - o que não foi confirmado análise dos contextos antecedentes às respostas
pelo monitoramento. Observa-se, no entanto, de limpeza e descontaminação, visto que dos
que apenas nove episódios da resposta de gritar 25 episódios relatados, 22 ocorreram em con-
foram obtidos no monitoramento e, em seis textos sociais e não foi possível identificar o
deles, não foi possível identificar as consequ- contexto antecedentes nos outros três relatos.
ências, fragilizando as hipóteses apresentadas. Optou-se, então, pelo rearranjo das contingên-
Uma vez que as hipóteses sugeridas foram cias de atenção pois embora os dados da QABF
apenas parcialmente convergentes entre as indicassem a função não social ou de fuga de
duas estratégias de avaliação, que foram su- demandas como mantenedoras da escoriação,
geridas com prioridades diferentes por cada os dados do monitoramento indicavam que:
estratégia e, no caso do monitoramento, com (a) a atenção era uma consequência observada
base em um número restrito de episódios, com frequência tanto após escoriações como
optou-se por ampliar a análise pretendida e depois de comportamentos obsessivo-compul-
avaliar também, contingências determinantes sivos de limpeza e descontaminação, indicando
de outros comportamentos clinicamente rele- que mudanças nessas contingências poderiam
vantes das participantes, não avaliados pelo favorecer a recuperação do caso clínico; (b) a
QABF. No caso da Díade 1, foram então anali- liberação de tarefas teria seguido a resposta de
sadas contingências das respostas de obsessão escoriação em apenas uma das oportunidades
e compulsão de limpeza e descontaminação e, em que a resposta foi observada durante o mo-
para Díade 2, respostas de lentificação e descri- nitoramento; e (c) respostas de escoriação cujas
ção de obsessões. consequências não foram identificadas ocor-
Quando analisados os dados da Díade riam, frequentemente, em contextos sociais,
1, nota-se que dos 25 episódios relatados que fragilizando a hipótese sugerida pelo QABF de
envolveram compulsões de limpeza e descon- que reforçamento não-social seria o principal
taminação, seis foram seguidos por atenção responsável pela manutenção dessas respostas.
familiar e seis foram classificados como de No caso da Díade 2, o monitoramen-
atenção somada a fuga, em que a mãe passou to indicava que gritos eram frequentemente
a assumir tarefas da filha, como trazer o ali- acompanhados da descrição de pensamentos
mento no quarto, arrumar a cama da menina, obsessivos, sendo as condições antecedentes

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 91


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dessas respostas também avaliadas. Nesse caso, positivos do dia), o que buscava caracterizar
contingências de fuga/esquiva pareceram im- uma contingência de liberação de atenção ba-
portantes no controle das obsessões e da lentifi- seada no tempo e independente das respostas
cação, que ocorriam frequentemente diante de de escoriação ou de limpeza/descontaminação.
contextos antecedentes de demandas (cinco, das Na terceira orientação, foi proposto aumentar a
dez situações relatadas, sendo as outras cinco atenção positiva da mãe para comportamentos
insuficientes para identificar antecedentes). O incompatíveis com a resposta de escoriação,
rearranjo dessas contingências foi proposto como a realização de atividades manuais de
como intervenção. escrita ou artesanato. Na quarta, a familiar foi
Fase 2: Resultados da Implementação orientada a estimular e liberar atenção social
de Intervenções Comportamentais contingente para comportamentos da filha de
Funcionalmente Orientadas. Os dados agora buscar contato com outras fontes de reforço
apresentados referem-se aos resultados das social, como procurar por amigos e outros
intervenções orientadas pelas avaliações indi- familiares.
retas, conduzidas na fase anterior. No caso da
Díade 2, a ausência de registros e a irregulari-
dade no seguimento das instruções impediu o
acompanhamento dos resultados da interven-
ção, que serão considerados apenas a partir das
mudanças no funcionamento familiar, indica-
das pela escala FAS-IR. Para a Díade 1, além da
escala, serão também considerados os registros
familiares solicitados durante a intervenção e
o follow-up.
A Figura 2 ilustra os resultados da inter-
venção da Díade 1. A intervenção buscou alterar
as contingências de atenção, a partir da apre-
sentação de quatro orientações. Na primeira,
os terapeutas propuseram que a mãe dispen-
sasse atenção positiva para comportamentos
de aproximação da adolescente (como sair do
quarto, assistir TV com a mãe, etc) e reduzisse
atenção contingente à escoriação e compulsões
de limpeza/descontaminação de objetos, evi-
tando comentar, criticar ou participar da re- Figura 2. Seguimento diário da orientação fami-
alização desses comportamentos. Na segunda liar (B) e o comportamento da adolescente (AP)
orientação, foi proposto que a familiar evitasse de fazer atividades sociais com a mãe (painel
cumprir com as solicitações para que pegas- superior), escoriação (painel médio) e limpar
se e levasse objetos para filha após o banho e sozinha ou não limpar o celular (painel infe-
passasse a oferecer atenção social não contin- rior) ao longo das quatro orientações e na fase
gente à menina (propondo um momento da de follow-up.
noite para agradecerem pelos acontecimentos

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A Figura 2 reúne três painéis que ilustram O painel médio da Figura 2 ilustra, por
o comportamento da mãe de seguir as orien- sua vez, mudanças na intensidade do compor-
tações (linha contínua) e o comportamento da tamento de escoriação ao longo do estudo. Para
filha de interagir positivamente com a mãe análise desses dados, foram somados um, dois
(painel superior), engajar-se em escoriações ou três pontos para intensidades fracas, médias
(painel médio) e realizar comportamentos de ou fortes de comportamento de escoriação. Os
limpeza/descontaminação de objetos (painel in- critérios de intensidade foram estabelecidos
ferior). Nos três painéis, a linha que representa junto a familiar sendo: (a) fraca: coçar o rosto
o comportamento da mãe foi produzida a partir sem causar vermelhidão; (b) média: cutucar o
do acréscimo de um ponto a cada dia em que rosto causando vermelhidão e (c) fortes: cutu-
a mãe cumpriu com as orientações apresenta- car o rosto até causar sangramento. O registro
das até o período, e nenhum ponto nos casos da intensidade foi realizado diariamente em
em que ao menos uma dessas orientações não cada um dos três períodos do dia (manhã/tarde/
tivesse sido cumprida. Uma análise da Figura 2 noite), de modo que, a cada dia, um total de até
permite assim acompanhar que a mãe relatou 9 pontos fosse possível, caso a mãe tivesse a
ter seguido as orientações na grande maioria oportunidade de observar a filha em todos os
dos dias avaliados, sendo maior o seguimen- períodos. Nos casos em que pudesse observar
to das duas primeiras orientações do que das apenas um ou dois períodos, o total de pontos
últimas. Nos dias 16/02, 17/02, 02/05 e 03/05 é possíveis era alterado para 3 ou 6, respectiva-
possível observar que os dados sobre o segui- mente. Assim, a intensidade da escoriação era
mento não foram coletados, ocasiões em que a identificada, a cada dia, a partir do cálculo da
familiar relatou não ter tido tempo para impri- porcentagem do total de pontos registrados pela
mir as folhas de monitoramento. mãe sobre o total de pontos possível em um dia,
Os dados acerca do comportamento da multiplicado por 100. É possível identificar que,
filha de aproximar-se da mãe, apresentados durante a primeira orientação, a intensidade do
no painel superior da Figura 2, foram plota- comportamento de escoriação ficou entre 33,4%
dos de forma que cada marca “X” indicasse e 66,6% (média) em dois registros e entre 66,7%
o total de interações positivas relatado entre e 100% (forte) em 14 dos 16 registros coletados.
as duas, sendo 0 a 3 pontos computados para Os dados sugerem que, após 36 dias da orienta-
cada período (nenhum, manhã, tarde e noite) ção 1 e 2, houve uma diminuição da intensida-
em que houvesse registro dessa interação. Os de da escoriação, visto que, entre os dias 18/02
resultados permitem reconhecer que a apro- e 26/03, foram registrados 30 comportamentos
ximação social positiva com a mãe era pouco de forte intensidade e sete de média; após esse
frequente durante a primeira orientação (dos período e até o início da orientação 3, houve 12
17 registros, 14 ficaram entre 0 e 1 pontos) e registros de média intensidade e três de forte.
passou a aumentar gradativamente (nas orien- Após a terceira orientação, a escoriação volta a
tações 1 e 2, 40 dos 52 registros ficaram entre ficar menos intensa, visto que 22 registros são
2 e 3 pontos; nas orientações 1 a 3, 34 dos 38 de baixa intensidade (até 33,3%), 17 de média e
estavam 2 e 3 pontos; nas orientações 1 a 4, 38 nenhuma escoriação forte foi registrada. Após
dos 41 registros ficaram entre 2 e 3 pontos), o a quarta orientação, houve 14 registros de
que se manteve no follow-up (4 dos 7 registros baixa, 13 de média e cinco de forte intensidade.
ficaram entre 2 e 3 pontos). No follow up os sete registros foram de baixa

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intensidade. Apesar da desaceleração da curva efeito de um possível procedimento de extinção


de seguimento de orientações nas condições 3 do reforço social para esse comportamento, já
e 4, nota-se, ao final do estudo, a manutenção que a mãe teria seguido a orientação de evitar
da reduzida intensidade de escoriação, prova- participar dessa atividade, sem se opor a que
velmente devido ao efeito do seguimento das a filha a realizasse sozinha, caso desejasse. É
orientações 1 e 2, que envolviam maximizar importante descrever que, ao início das orien-
atenção para interações positivas com a filha tações, nos dias 28 de fevereiro e 7 de março,
e evitar participar das compulsões ou reagir o “X” aparece sinalizado na parte inferior do
às escoriações. Um aspecto a ser destacado na gráfico (0) porque nestes dias a mãe não seguiu
presente análise foi o aumento na intensidade a orientação e limpou o celular para a menina.
das respostas de escoriação entre os dias 10 e Resultados da Escala FAS-IR para as
25 de junho, período em que houve o término Díades 1 e 2. Para analisar mudanças da inter-
do relacionamento da participante com o na- ferência das obsessões, compulsões e escoria-
morado. O dado parece fortalecer a hipótese de ções no funcionamento familiar, a escala FAS-IR
que a redução na disposição de atenção social foi aplicada antes, após a intervenção e 30 dias
poderia aumentar a ocorrência da escoriação, após seu encerramento. A Tabela 1 apresenta
ainda que tais hipóteses não tenham sido em- os resultados dessas avaliações. Maiores pon-
piricamente testadas. Considera-se ainda que tuações indicam maior interferência dos com-
embora a escoriação não tenha sido reduzida a portamentos avaliados no cotidiano familiar e
“0%” ao final do estudo, é possível reconhecer menores pontuações indicam a redução desta
que o rearranjo das contingências de atenção interferência.
acompanhou a redução desse comportamento,
Tabela 1.
fortalecendo a hipótese sugerida pelo monito-
Resultados da escala FAS-IR nos três períodos
ramento, mas não pelo QABF, acerca da função
em que foi aplicada, para as Díades 1 e 2
dessas respostas.
No painel inferior da Figura 2, foram apre- Pré Pós inter-
Díade Follow-up
intervenção venção
sentados os resultados da intervenção sobre as
1 (AP-B) 10 0 4
compulsões da filha de limpar o celular, com
2 (D-F) 24 20 25
ou sem a participação da mãe. Nesse caso, a
apresentação da marca “X” na parte superior Nota-se na Tabela 1 que, no caso da Díade
do gráfico indica que a adolescente teria rea- 1, a intervenção acompanhou a redução na
lizado a atividade de forma independente, en- interferência das obsessões, compulsões e es-
quanto na parte inferior indicam a participação coriações no cotidiano familiar, uma vez que
da mãe na realização da tarefa. A ausência da a mãe deixou de cumprir com as exigências de
marcação “X”, por sua vez, indica que o com- higienização e de levar objetos, água e comida
portamento de limpeza deixou de ser realizado, para a participante após o banho, a fim de
resultado considerado desejável aos interesses evitar que ela se contaminasse. No follow-up,
do estudo. Os dados apresentados permitem ob- no entanto, a mãe descreveu ter evitado falar
servar que, ao longo da intervenção, a limpeza ou assistir televisão com temas associados com
do celular passou a ocorrer de forma indepen- preocupações atuais da adolescente, diferentes
dente, e deixou de ocorrer ao final do estudo e das observadas ao início das intervenções, o
no follow-up. O resultado parece representar o que sugere que a suspensão das orientações

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acompanhou o retorno da participação fa- indicadas como prováveis controladoras das


miliar nos comportamentos compulsivos da respostas de interesse, como atenção social e
filha. Outras condições deveriam, então, ser fuga de demandas.
planejadas para garantir a generalização dos As hipóteses funcionais sugeridas care-
resultados. cem, no entanto, de validação empírica. No caso
Para a Díade 2 (D-F) a aplicação da escala da Díade 1, o tratamento adotado com base na
FAS-IR indicou que embora pudesse ser acom- hipótese formulada pelo monitoramento, mas
panhada uma discreta redução da interferên- não pelo QABF, permitiu acompanhar o efeito
cia dos comportamentos obsessivo-compulsi- da manipulação de contingências de atenção
vos no cotidiano familiar após a intervenção, sobre os comportamentos de interesse, que
tal mudança não foi sustentada no follow-up, pareceu promissora. O delineamento adota-
quando a pontuação chega a ser superior à do não permitiu, no entanto, replicar o efeito
da pré-intervenção. No caso dessa díade, as dessas contingências, limitando as conclusões
orientações propunham (a) a apresentação de acerca da relação funcional estabelecida entre
tarefas e o reforçamento de seu cumprimento o comportamento de interesse e atenção social.
e (b) o reforçamento de respostas de comuni- No caso da Díade 2, a intervenção não foi sis-
cação alternativa que permitissem a fuga de tematicamente implementada, o que impediu
demandas, desde que não produzidas ou justi- avaliar a adequação das hipóteses levantadas
ficadas pela presença de obsessões ou compul- por quaisquer das estratégias.
sões, como pensamentos negativos ou gritos. Os resultados encontrados permitem,
Em casa, apenas a mãe seguia parcialmente ainda assim, explorar diferentes questões
as orientações, com reforço pouco frequente acerca dos procedimentos de avaliação fun-
para realização de tarefas ou para respostas de cional indireta adotados no presente estudo.
comunicação alternativas e o pai realizava ta- Quando comparadas as hipóteses produzidas
refas pela participante, impossibilitando que as pelas diferentes estratégias de avaliação, nota-
contingências desejadas não fossem alteradas, -se que não houve a indicação de uma contin-
impedindo avaliar sua efetividade. gência única ou prioritária pelo QABF e pelo
monitoramento, o que implicou na necessidade
Discussão dos pesquisadores elegerem uma das hipóte-
ses levantadas para conduzir os tratamentos.
No presente trabalho, monitoramento Tal escolha foi justificada, no caso da Díade 1,
familiar e o QABF foram utilizados como ferra- com base na observação de que consequências
mentas para avaliação funcional de comporta- de atenção teriam sido indicadas no monito-
mentos de escoriação, obsessões e compulsões ramento tanto para respostas indesejadas de
de duas participantes. Para esses comporta- escoriação quanto para as de compulsão, o que
mentos, a literatura indica que reforçadores sugeria que mudanças nessas contingências
negativos, produzidos pela eliminação de es- afetassem uma ampla gama de respostas, pro-
tados emocionais desconfortáveis (Coginotti & duzindo melhora clínica importante. Nota-se,
Reis, 2016) e reforçadores sensoriais automá- nesse caso, uma vantagem do monitoramento
ticos (Lang et al., 2010), seriam relevantes na sobre a QABF, ao permitir acesso à informações
manutenção das respostas, embora, no presen- sobre um amplo conjunto de respostas, que co-
te estudo, outras consequências tenham sido variam com as de interesse para a intervenção,

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 95


Avaliação indireta do transtorno obsessivo-compulsivo
Almeida, Müller, Bruno, Guimarães, Oliveira, & Soares

enquanto o QABF exige avaliar um único com- papel funcional da atenuação de estados emo-
portamento. O monitoramento, por outro lado, cionais aversivos como condição mantenedora
exige um alto custo de resposta para o preen- das respostas (Miltenberger, 2005). Mesmo o
chimento, o que impediu a adesão da Díade QABF-MI, indicado para população com ansie-
2. Tais questões indicam não haver ainda um dade e depressão, não avalia diretamente essa
único método de avaliação indireta que produ- condição, interrogando apenas sobre o efeito
za os resultados desejados, sendo relevante a de estados emocionais positivos como exem-
iniciativa de Romani et al. (2023) de aprimorar plos de reforçamento automático (Singh et al.,
tais avaliações a partir de sua combinação com 2006). Por outro lado, as perguntas do QABF
estratégias descritivas e indiretas. favorecem a observação de condições públicas
Outro questionamento acerca da conver- que possam desencadear comportamentos in-
gência parcial observada entre os instrumentos desejados, favorecendo hipóteses alternativas à
trata dos motivos pelos quais o QABF não teria interpretação exclusiva da função evocativa ou
indicado a função de atenção como relevante reforçadora de pensamentos e estados emocio-
para manutenção das respostas de escoriação nais desconfortáveis, cuja ocorrência deveria,
da participante da Díade 1, se conta com per- também, ser explicada. Aponta-se ainda que
guntas específicas sobre essa condição, como mesmo que reforçamento automático tenha
“Se engaja no comportamento para conseguir sido indicado prioritariamente pelo QABF
atenção?” ou “Se engaja no comportamento como mantenedor da respostas indesejadas das
porque gosta de ser repreendido?”. Interpreta- duas participantes, as questões do instrumento
se, nesses casos, que as perguntas formuladas tratam da produção de consequências senso-
não deixam claro que consequências como riais positivas nas condições em que o parti-
ofertas de ajuda, censura e aconselhamento cipante estaria em contexto de pouca estimu-
poderiam ser interpretadas como formas de lação para respostas concorrentes, a partir de
atenção social pelo familiar, que pode mesmo perguntas “O comportamento ocorre quando
não ser capaz de observar ou descrever seus o cliente está sozinho?” ou “quando não tem
comportamentos diante das escoriações da ninguém olhando”?. No entanto, o monitora-
filha como exemplos dessa categoria. Assim mento indicou, para a Díade 1, que respostas
como Dracobly et al. (2018) sugerem, a confia- de escoriação e compulsão ocorriam diante de
bilidade e a validade dos resultados obtidos via contextos sociais, seguidas frequentemente pela
avaliação indireta dependem de habilidades do oferta de ajuda e atenção. Como a hipótese do
avaliador e do conhecimento do indivíduo que QABF não foi diretamente avaliada, limita-se,
responde aos instrumentos. no entanto, conclusões acerca dessa hipótese.
Além disso, a avaliação da função de Por fim, embora a reorganização de con-
reforçamento negativo proposta pelo instru- tingências de atenção tenham sido planejadas
mento se concentra na descrição de condições em função dos dados de monitoramento no
em que o comportamento seria mantido pela caso da Díade 1, as alterações promovidas pelas
retirada de demandas ou fuga de estimulação intervenções podem ter determinado, também,
sensorial produzida por incômodos físicos, mudanças em variáveis não planejadas. Por
como doenças ou mal-estar. As perguntas exemplo, na medida em que a mãe passou a
formuladas não permitem avaliar a hipótese, estimular o contato social com a filha e seu
usualmente colocada na literatura, acerca do envolvimento em respostas concorrentes com

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 96


Avaliação indireta do transtorno obsessivo-compulsivo
Almeida, Müller, Bruno, Guimarães, Oliveira, & Soares

a escoriação, um enriquecimento ambiental Boarati, L., & Malerbi, F. E. (2018). Intervenção


pode ter sido promovido, o que se define pelo analítico-comportamental dirigida a fa-
acesso não contingente ao reforçamento que, miliares de portadores do transtorno ob-
no caso, seria sensorial, tratamento conside- sessivo-compulsivo. Revista Brasileira de
rado adequado para respostas mantidas por Análise do Comportamento, 14 (1), 44–53.
funções automáticas (Gover et al., 2019). Da https://doi.org/10.18542/rebac.v14i1.7158
mesma forma, evitar ajudar a participante na Coginotti, I. N. B., & Reis, A. H. (2016).
realização de tarefas após o banho pode ter Excoriation disorder (skin picking):
promovido a suspensão de atenção para com- Literature review. Revista Brasileira
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ção das tarefas sem possibilidade de fuga. No https://doi.org/10.5935/1808-5687.20160012
ambiente natural, intervenções podem afetar Copque, H. & Guilhardi, H. J. (2008). O modelo
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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 97


Avaliação indireta do transtorno obsessivo-compulsivo
Almeida, Müller, Bruno, Guimarães, Oliveira, & Soares

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 5 | 98


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 99—112

Uma proposta de interpretação Sônia Maria Mello Neves (1)


soniamelloneves@gmail.com
analítico-comportamental do Nerjana Milena Miotto Zorzetti (1)
autoestigma relacionado ao peso1 nerjaluna@hotmail.com
Luciana Pacheco Miranda Rochael (1)
A proposal for a behavioral analytical interpretation of lucianapachecomr@gmail.com
weight-related self-stigma Ana Caroline Marcelo Rodrigues (2)
nutri.acmr@gmail.com
Ellen Ferreira de Castro (1)
(1)
Pontifícia Universidade Católica de Goiás castrofellen@gmail.com
(2)
Clínica particular
Evellyn Silva Barbosa (1)
evesbarbosa@hotmail.com

Resumo Abstract
Objetivo: propor interpretação analítico comporta- Objective: to propose an interpretation of the weight
mental, pautada na Teoria das Molduras Relacionais self-stigma based on the Relational Frame Theory
(RFT), do autoestigma do peso. Método: relatos (RFT). Method: it was analyzed standard reports in-
padrão indicativos de autoestigma e história de dicative of self-stigma and life history of two women
vida de duas mulheres (P1 e P2) foram analisados. (P1 and P2). Results: within the framework of the
Resultados: no âmbito do HDML, através do ROE, HDML and the ROE, people's gazes when P1 goes
olhares de pessoas quando P1 vai ao Burger Kings to Burger King have an orienting function in rela-
tem função de orientação, ou seja, essa situação tional networking involving the deictic- “I”- “fat”/
participa das redes relacionais envolvendo o eu- “I”- “disgusting”, evoking aversive properties, like
-dêitico “eu-gorda/nojenta”, evocando propriedades “disgust” and “shame”, and appetitive ones, like
aversivas como nojo e vergonha e apetitivas como a “guilt”. Reports given by P2 suggest that eating nuts,
culpa. Relatos de P2 sugerem que comer castanhas, carbohydrates, and the concern about eating “cor-
carboidrato e a preocupação com comer “correto” rectly” have an orienting function, participating
tem função de orientação, participando das redes in relational networking involving the deictic- “I”-
relacionais envolvendo o eu-dêitico “eu-culpada”, “guilty”, evoking aversive (S-: guilt, unhappiness)
evocando propriedades aversivas (S-: culpa, infe- and appetitive properties (S+: compulsion, treats).
licidade) e apetitivas (S+:compulsão, comer gulo- Participants' beliefs of inadequacy can be described
seimas). Crenças de inadequação das participantes as highly coherent, of relatively low complexity, de-
podem ser descritas como altamente coerentes, de rivation and flexibility. Discussion: data suggest re-
complexidade, derivação e flexibilidade relativa- levant contributions of RFT to the analysis of social
mente baixas. Discussão: dados sugerem contribui- phenomena with clinical implications.
ções relevantes da RFT para análise dos fenômenos
sociais com implicações clínicas.

Palavras-chave Keywords
Autoestigma do peso; teoria das molduras relacio- Weight self-stigma; relational frame theory; HDML;
nais; HDML; ROE; relatos verbais. ROE; verbal reports.

1 O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título: A
construção do ‘eu’ e o autoestigma do peso no behaviorismo radical, RFT e ACT. Agradecemos ao Me. Raul Vaz Manzione por sua valiosa
contribuição nas interpretações dos casos clínicos. Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES)
mediante bolsa de mestrado (Nerjana Milena Miotto Zorzetti, Luciana Pacheco Miranda Rochael e Ana Caroline Marcelo Rodrigues); PUC
Goiás mediante Bolsa de Incentivo à Cultura (BIC) para Iniciação Científica (Ellen Ferreira de Castro e Evellyn Silva Barbosa).

99
Autoestigma do peso: interpretação analítico comportamental
Neves, Zorzetti, Rochael, Rodrigues, Castro, & Barbosa

As pesquisas que se desenvolvem nos resultam da relação de um indivíduo com sua


domínios da análise do comportamento, prin- comunidade verbal, destacando-se os relatos
cipalmente aquelas relacionadas à linguagem verbais, emitidos por indivíduos estigmatizados,
e cognição humanas, partem da exploração do que externam os particulares dramas decor-
comportamento verbal e da tentativa em se rentes dessas experiências (Guerin, 1992/2009;
aproximar cada vez mais de respostas que escla- 1994; Holland, 1978; Holpert, 2004; Mattaini &
reçam seus processos complexos e simbólicos. Thyer, 1996; Moore, 2003; Skinner, 1953/1970;
Em artigo que discorre sobre o comportamento 1978).
verbal na perspectiva da análise do comporta- O viés contra pessoas obesas, tema do pre-
mento, de Rose (1999) diz não haver dúvidas sente trabalho, ocorre ao longo da vida e em
acerca do considerável interesse de psicólogos diversos cenários, desde o contexto educacio-
pelo comportamento verbal dos outros, enfa- nal na infância até a busca para o emprego na
tizando ainda que para além da investigação vida adulta (Puhl & Brownell, 2001). Portanto,
do comportamento verbal direcionada às suas muitos psicólogos sociais têm se esforçado
propriedades universais, o trabalho do psicó- para compreender o fenômeno. A Análise do
logo é frequentemente tomado pelo soberano Comportamento possui hoje um aparato teóri-
interesse em relatos de comportamentos, sendo co que vem trazendo contribuições relevantes
que esses permitem o acesso a eventos e estados para a análise dos fenômenos sociais (Mizael &
que não se apresentam à observação direta (de de Rose, 2017).
Rose, 1999).
O debate acerca do potencial esclarecedor Da construção do “self” a partir do modelo da RFT ao
do comportamento verbal de fenômenos sociais Autoestigma do Peso
vem cada vez mais requisitando analistas do Investigações importantes a respeito da
comportamento a voltarem seu olhar, análise construção do “self ” estão em pleno desen-
e métodos de pesquisa, para questões sociais e volvimento com base na Teoria das Molduras
culturais, de forma a colaborar na identificação Relacionais (RFT) que ampliou a busca da com-
de possíveis soluções para grandes problemas preensão da geratividade do comportamento
que assolam as sociedades e comunidades, rou- humano, especialmente no que se refere aos
bando-lhes a saúde, bem-estar e até a dignida- campos da linguagem e da cognição. De acordo
de da pessoa humana (Holland, 1978; Holpert, com Simões e Ferreira (2021), a RFT promove
2004; Mizael & de Rose, 2017). a compreensão a respeito da subjetividade
O preconceito e seus desdobramentos, humana enquanto produto da linguagem e
como o estigma social e o estigma internaliza- das práticas culturais que construirão o modo
do, também chamado de autoestigma, corren- a partir do qual os indivíduos vão se relacionar
temente vivenciado por inúmeros indivíduos com sua própria subjetividade. Esse princípio da
e grupos de indivíduos que compartilham ca- RFT afirma a construção de um “self” que tem
racterísticas como raça, sexo, orientação sexual, sua gênese na linguagem (Simões & Ferreira,
aparência física etc., representa tema de grande 2021; Mizael & de Rose, 2017).
relevância para analistas do comportamento Hayes et al. (2001) têm argumentado que
engajados em elucidar problemas sociais de por meio de respostas relacionais arbitraria-
grande complexidade. Para essa comunidade mente aplicáveis (RRAA) estímulos podem, de
de cientistas, grande parte desses problemas forma indireta, adquirir novas funções. Para

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 6 | 100


Autoestigma do peso: interpretação analítico comportamental
Neves, Zorzetti, Rochael, Rodrigues, Castro, & Barbosa

alguns autores, esse novo paradigma “pode ofe- com excesso de peso (“corpo grande”). O RRAA
recer uma descrição e análise mais completa combina estímulos de forma arbitrária e não-
dos elementos verbais envolvidos nos estereó- -arbitrária, conforme bem nos explica Mizael e
tipos sociais” (Kohlenberg et al., 1991, p. 517). de Rose (2017):
O RRAA deriva das pesquisas em equivalência
Interessante notar que, de acordo com
de estímulos (Sidman & Tailby, 1982; Sidman,
Hayes et al. (2002), seres humanos verbal-
1994) e tem lançado luz ao entendimento do
mente competentes categorizam, avaliam
comportamento simbólico. O grande fulcro que
e comparam estímulos de maneira arbitrá-
subjaz a esse paradigma e suas três proprie-
ria (i.e., sem se pautar nas características
dades fundamentais está na demonstração de
físicas dos estímulos), ao passo que, por
que relações não treinadas podem se seguir de
um processo de aprendizagem, utilizam
relações diretamente aprendidas, conforme
critérios “não-arbitrários” (baseados em
descrição abaixo:
características físicas) para justificar tais
1. implicação mútua por treino direto
relações (p.369).
(A=B) e por derivação (B=A).
2. implicação combinatória por treino Uma importante conceituação sobre o
direto (se A=B e B=C), então por deri- RRAA é que ele é contextualmente controlado
vação, (A=C). a partir do momento em que estímulos estão
3. transformação de função (a modifi- verbalmente relacionados, podendo-se dizer
cação das funções de uma das partes que eles fazem parte de uma moldura relacio-
da relação acarretará transformações nal. Essa elucidação a respeito das relações que
das funções das outras partes a ela fazemos a partir de determinados estímulos nos
relacionadas). revela que cada indivíduo poderá criar relações
O modelo acima, proposto pela RFT, pode a partir dos estímulos “corpo”, “magro”, “gordo”,
nos ajudar a compreender a internalização de “belo”, “feio”, criando assim molduras ou redes
estigmas relacionados ao peso, uma vez que exi- de molduras a partir do treino de múltiplos
gências oriundas das interações sociais, forçam exemplares com os estímulos disponíveis na
indivíduos a se adequarem a rígidos padrões infância e depois que é adquirido não depen-
corporais que no âmago de uma comunidade de mais das relações concretas aprendidas e
verbal assumem conotações que se relacionam pode, por tanto, ser aplicado de forma arbitrá-
com “belo”, “correto” e “saudável”, enquanto, ria a quaisquer outros estímulos. À uma classe
por outro lado, a não adequação a esses padrões particular de RRAA, controlada pelo contexto
refere-se, naturalmente, aos seus respectivos específico que evoca a sua ocorrência, dá-se o
contrários (“feio”, “errado”, “doente”). nome de Crel (i.e., dica ou contexto relacional)
A partir do exposto acima podemos inferir que é o estímulo que evoca os tipos de relações
que do aprendizado de relações treinadas como envolvidas. As principais molduras relacionais
“corpo grande/ volumoso” é igual a “gordo” são: Coordenação (é igual a, o mesmo que, equi-
(A=B) e que “gordo” é igual a “feio” (B=C), se se- valente a, etc.); distinção (é diferente de, não é o
guirá por derivação que “corpo grande” é igual mesmo que.); oposição (oposto, a contrário de...);
a “feio” (A=C). No que se refere à transformação espacial (aqui, lá, próxima a, distante de…); com-
de estímulos, por sua vez, se seguirá, por exem- paração (maior/menor que, melhor/pior que);
plo, o sentimento de desvalor referente ao corpo hierarquia (pertence a, está incluso em, etc.);

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 6 | 101


Autoestigma do peso: interpretação analítico comportamental
Neves, Zorzetti, Rochael, Rodrigues, Castro, & Barbosa

temporalidade (agora, depois, antes); causali- formavam classes. As linhas horizontais foram
dade (se, então…). Para facilitar nossa compre- relacionadas a “gordas” enquanto as verticais
ensão, podemos pensar em uma frase do tipo eram relacionadas a “magras”. Esse estudo cor-
“ser magro é melhor que ser gordo”, o Crel está roborou a ideia de estigma social, uma vez que
nos informando uma relação de comparação demonstrou que os participantes “responderam
(melhor que), mas se a frase for “se eu for gorda aos estímulos abstratos do mesmo modo que
eu não serei feliz, estamos identificando uma respondiam aos estímulos cujas “funções de
Crel de causalidade (se, então...) (Mizael & de estigma” magro e gordo foram determinadas,
Rose, 2017; Simões & Ferreira, 2021). demonstrando como o estigma pode ser estabe-
lecido sem o ensino direto de atributos depre-
RFT e a construção do Self ciativos a um grupo de indivíduos” (Mizael &
Uma moldura relacional que merece des- de Rose, 2017).
taque para o estudo do “self”, a partir da RFT, Atualmente, o modelo denominado hyper-
diz respeito às relações dêiticas que correspon- dimensional multilevel (HDML) vem se mostran-
dem à habilidade de interpretar e compreender do mais eficaz no que concerne à sua capacidade
não apenas os próprios pensamentos e emoções em atingir mais profundamente elementos de
como também pensamentos e emoções de ter- grande complexidade referentes à linguagem.
ceiros, assumindo uma perspectiva de acordo Duas das importantes contribuições propiciadas
com o contexto (Montoya-Rodríguez et al., 2017). pelo modelo HDML dizem respeito, em primei-
As molduras dêiticas envolvem três tipos de ro lugar, à ênfase em uma dica contextual que
molduras relacionais: pessoal (eu-você), espa- informa a função do comportamento que está
cial (aqui-ali) e temporal (agora-depois). Esse sendo mantido por determinado estímulo, isto
aprendizado elementar constitui-se na gênese é, se refere a quais funções de estímulo são se-
de todo o aprendizado posterior que envolverá lecionadas (ex., discriminação, eliciadora, moti-
contextos diferentes de tempos e espaços espe- vacional, reforçadora positiva ou negativa etc.).
cíficos (McHugh et al., 2019). A essas dicas ou contextos funcionais que são
Pesquisadores da área da RFT foram evocadas através do RRAA deu-se o nome de
desenvolvendo diferentes modelos conceitu- C-func. A segunda contribuição, que teve parti-
ais a partir do avanço de suas investigações, cular impacto para a clínica, foi a especificação
passando por diversas estruturas de análise. O de uma unidade de análise do comportamento
Implicit Relational Assessment Procedure (IRAP), verbal pelo modelo Relacionar-Orientar-Evocar
desenvolvido por Barnes-Holmes e colabora- (ROE). O relacionar refere-se a infinitas e com-
dores (Barnes-Holmes et al., 2006), deu passos plexas possíveis relações entre estímulos que
importantes na pesquisa básica para a compre- nós seres humanos conseguimos estabelecer.
ensão dos estigmas sociais. A partir do IRAP e de O orientar indica que um determinado estímulo
um modelo de estigmatização (Weinstein et al., é colocado em foco, isto é, um estímulo é perce-
2008), participantes selecionados para pesquisas bido e selecionado através do RRAA e por último,
eram diretamente treinados a relacionar indire- o evocar que se refere à função de um estímulo,
tamente linhas que se posicionavam na vertical indicando se é apetitivo, aversivo ou relativa-
e na horizontal com palavras associadas aos mente neutro (Simões & Ferreira, 2021). O olhar
tipos corporais “gordo” e “magro”. Os resultados para essas relações na linguagem a partir desse
obtidos apontaram para relações derivadas que novo modelo ampliou-se para a compreensão

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da interação e modificação mútua entre Crel poderá se relacionar com outras redes rela-
e Cfunc, isto é, entende-se que Crel e Cfunc se cionais (Harte & Barnes-Holmes, 2021; Simões
afetam reciprocamente (Barnes-Holmes, 2020). & Ferreira, 2021). A partir do exposto acima,
Um modelo anterior ao HDML, o multi-di- podemos considerar que uma frase como “eu
mensional multi-level (MDML), já havia propos- sou uma mulher gorda” representa profundas e
to caracterizar o RRAA em quatro dimensões complexas relações que se combinam para cada
(coerência, complexidade, derivação e flexibi- um desses estímulos, isto é, inúmeras relações
lidade) e cinco níveis diferentes (implicação e molduras podem se seguir do estímulo “eu” e
mútua, molduras relacionais, redes relacionais, do estímulo “gorda” respectivamente (Harte &
relações entre relações e relações entre redes Barnes-Holmes, 2021; Simões & Ferreira, 2021).
relacionais), (Barnes-Holmes et al., 2004; Simões Esse novo modelo também permitiu novas
& Ferreira, 2021). Com relação às dimensões, a compreensões dos mecanismos existentes na
coerência diz respeito ao quanto uma resposta construção de um “self”. De acordo com Harte e
relacional está sobreposta funcionalmente a Barnes-Holmes (2021) a criança, desde muito pe-
padrões anteriores que foram reforçados pela quena, é constantemente solicitada a adotar uma
comunidade verbal. A complexidade, aponta perspectiva a partir da evocação e orientação
para a quantidade de tipos de relações envol- (em relação mútua entre si). “Metaforicamente
vidas e o nível de profundidade da descrição falando, o bebê vai aos poucos sendo arrasta-
e detalhamento. A derivação explica o tempo do verbalmente fora do jardim do Éden, com
de aprendizagem e de emissão de uma rela- uma perda gradual da inocência “não-verbal”
ção, ou seja, é uma relação recém aprendida (Harte & Barnes-Holmes, 2021). Quando os pais
ou já muito praticada na história de vida do ou cuidadores de um bebê apontam para seu
indivíduo. Enfim, a flexibilidade diz respeito ao brinquedo e perguntam “você quer o brinque-
potencial de modificação de uma resposta rela- do?”, ele está orientando/evocando o bebê na
cional a partir do seu contexto, isto é, responde direção (foco) do brinquedo, dando início ao
se ela muda facilmente, mostrando-se sensível estabelecimento de relações arbitrárias a partir
ao contexto ou não (Simões & Ferreira, 2021). da tomada de perspectiva.
Com relação aos níveis (implicação mútua, A resposta relacional dêitica é crítica no
molduras relacionais, redes relacionais, rela- sentido de se mostrar determinante em todas as
ções entre relações e relações entre redes rela- relações futuras que virão a ser estabelecidas na
cionais), para entendê-las, retomemos o nosso história de vida e suas interações com o mundo,
exemplo dos parágrafos anteriores quando em diferentes contextos, e é particularmente
sugerimos que para cada indivíduo uma mol- complexa porque compreende o responder
dura relacional se seguirá dos estímulos “gordo” às próprias respostas relacionais, isto é, vão
e “magro”. Podemos imaginar que para uma se formando níveis cada vez mais profundos
mulher, outra moldura se formará em sua histó- e complexos de respostas e relações (Harte &
ria de vida a partir do estímulo “mulher” trazen- Barnes-Holmes, 2021).
do relações que envolvam o comportamento de Uma questão muito abordada por Louise
regras aprendidas na história familiar e aquelas McHugh e colaboradores é a busca de respos-
reforçadas na sua comunidade verbal. Essas tas para a pergunta quem sou eu? colocada na
duas molduras podem se relacionar formando perspectiva de cada um de nós. E o que eles
uma rede relacional que, por sua vez, também têm demonstrado é que a partir do momento

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que esse “self” vai se construindo, se derivando de mulheres acima do peso com indícios de au-
e entrando em relação com outros estímulos, toestigma relacionado ao peso.
formando as molduras, redes relacionais e a
relação entre eles, a resposta a essa pergunta Ambiente
vai se fundindo com histórias sobre nós, como A pesquisa de Rodrigues (2022) foi reali-
regras e crenças sobre o mundo e o mais impor- zada de forma virtual, por meio do WhatsApp,
tante é que muitas dessas crenças e regras que e-mail, Microsoft Forms e Microsoft Teams.
entram em relação com o “self” são muitas vezes
limitantes, impedindo que o indivíduo tenha Materiais
uma vida significativa e mais plena (Barnes- Computador, Diários Alimentares, papel,
Holmes et al., 2004; Harte & Barnes-Holmes, caneta, aplicativos Microsoft Forms, Microsoft
2021; McHugh et al., 2019). Teams e WhatsApp.
No que se refere especificamente ao au-
toestigma relacionado ao peso, Lillis e cola- Procedimento
boradores (2016) o definem como constantes O recrutamento das participantes foi re-
autocríticas depreciativas e ao desenvolvimento alizado a partir da divulgação da pesquisa por
de sentimentos de aversão e repulsa de um in- WhatsApp e e-mail. Os 53 voluntários receberam
divíduo por si mesmo, incorporando sua com- o link do Microsoft Forms com o primeiro Termo
preensão e percepção de como a sociedade o vê de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) para
e o identifica, passando esse mesmo indivíduo concordar com a participação e, posteriormente
a reproduzir essa percepção consigo mesmo informaram peso, altura e responderam a Escala
(Lillis et al., 2016), isto é, no processo de cons- de Compulsão Alimentar Periódica (ECAP) e ao
trução do “self” em pessoas estigmatizadas, o Questionário de Autoestigma relacionado ao
foco se dirige para a criação de pensamentos e Peso (WSSQ). Dessa amostra, as mulheres acima
avaliações que reforçam sentimentos aversivos do peso que obtiveram maiores pontuações na
de desvalor e tristeza. ECAP e no WSSQ, seis aceitaram continuar par-
O presente estudo propõe uma interpreta- ticipando do estudo e receberam um link do
ção analítico comportamental, pautada na RFT, Microsoft Forms com o segundo TCLE. Em se-
de relatos verbais de autoestigma relacionados guida, as seis foram entrevistadas via WhatsApp
ao peso, identificados em diários alimentares de para obtenção de informações sobre histórico
mulheres acima do peso. pessoal e familiar. Quatro concluíram o estudo
e as duas (P1 e P2) que registraram com maior
Método frequência relatos indicativos de autoestigma
foram incluídas neste estudo.
Participantes As participantes preencheram o Diário
Alimentar diariamente por seis semanas. As
Foram objeto do presente estudo os rela-
informações solicitadas no Diário Alimentar
tos de autoestigma de duas mulheres adultas
foram: o que comia; duração da refeição; onde
com Índice de Massa Corporal (IMC) ≥ 25 (P1 e
e com quem comia; como classificava, de zero
P2) participantes de uma pesquisa conduzida
a dez, seu nível de fome, saciedade e satisfa-
anteriormente por Rodrigues (2022) que tinha
ção; acontecimento, sentimentos e/ou pensa-
como objetivo realizar avaliações funcionais de
mentos antes, durante e depois da refeição; e
episódios indicativos de compulsão alimentar
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acontecimento, sentimentos e/ou pensamentos ou pensamentos relacionados ao estigma do


relacionados ao estigma do peso antes, durante peso antes, durante e depois da refeição, 103
e depois da refeição), totalizando 42 autorregis- se referiam ao autoestigma e, desses, os 32
tros por participante. mais frequentes relacionaram-se a um padrão
Foi realizada uma categorização de todos de vergonha e medo dos olhares e julgamen-
os relatos registrados nos Diários Alimentares tos de outras pessoas, como nos trechos: “no
de P1 e P2 relacionados ao autoestigma do Burger king senti que todos me julgavam e me
peso, de forma independente, por duas alunas olhavam por estar lá e ser gorda”; “eu me senti
de iniciação científica (IC), utilizando os itens meio nojenta e mais gorda por ter escolhido
do instrumento WSSQ como modelo para se- comer algo tão gorduroso”; “Medo de julgarem
leção dos relatos das participantes que mais se o modo como eu como e quantidade que eu
aproximavam da descrição verbal desses itens. como”; “Minha irmã desceu e fiquei com ver-
Uma terceira aluna, juntamente com a experi- gonha por estar comendo massa”.
mentadora responsável pelo estudo, identificou Na entrevista P1 relatou ter 19 anos, ser
o número de acordo e de desacordo entre as solteira, estudante universitária morar com
duas alunas que haviam realizado a classifica- os pais e ter uma irmã mais nova, de 17 anos.
ção. Após a comparação das duas tabelas de A participante disse ter boa relação familiar
categorizações, foi realizado o cálculo do índice e considera-se extrovertida e perfeccionista.
de concordância entre observadores que indi- Frequenta a academia de segunda a sexta e faz
cou 78,34% de concordância para os dados da tratamento para depressão desde 2017.
P1 e 78,7% para a P2. Para o presente estudo Aos 11 anos fez a primeira dieta, sendo
foram selecionados relatos que sintetizavam um que uma ou duas vezes já perdeu 9 kg ou mais,
padrão, ou seja, que foram emitidos com maior recuperando-os depois. P1 relatou que sofreu
frequência por cada uma de duas participantes. bullying na escola e recorda, como um evento
Duas alunas de mestrado e sua orienta- traumático, os comentários maldosos de um
dora fizeram análises interpretativas pautadas amigo da irmã em relação a uma foto das duas
nas propostas mais recentes do modelo HDML que a irmã postou nas redes sociais, da sua festa
e ROE utilizando os relatos padrão indicativos de 15 anos, falando: “Não pode ficar gorda igual
de autoestigma relacionado ao peso e os dados a irmã”.
sobre a história de vida obtidos na entrevista das Mãe, pai, irmã e avó têm questões com a
duas participantes. Posteriormente em sessões imagem corporal, se preocupam muito com o
de supervisão discutiram suas interpretações julgamento dos outros e a participante sente
com expert na área. que ela é a mais julgada dentro de casa por
ser a única acima do peso. P1 relata que tem a
Resultados percepção de sempre estar comendo muito e
que escutou durante toda sua vida críticas da
A identificação dos relatos indicativos de irmã e do pai a respeito da quantidade e tipo
autoestigma relacionado ao peso registrados de alimentos que ela consome.
nos 42 diários alimentares da P1, tendo como P1 relata que se aborrece muito por causa
modelo os itens do WSSQ, revelou que em um da sensação de falta de controle e que o peso e
total de 140 relatos registrados na coluna re- a forma são fatores que mais influenciaram o
servada para anotações sobre sentimentos e/ modo como se sente em relação a ela mesma.

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Como tentativas de controle do peso já realizou para ela. A função apetitiva pode ser interpre-
jejum por até 15 horas durante o dia e utiliza tada como estando relacionada à fusão do eu
o sono e a ingestão de água como forma de se verbal (dêitico) ao sentimento de culpa, que ao
esquivar da fome. ser percebido, permite a evitação experiencial
A partir do relato dos dados de peso e das relações "sou gorda = sou nojenta" sendo o
altura, identificou-se que P1 apresentava índice sentimento de culpa, algo do qual ela se aproxi-
de massa corporal (IMC) de: 35,76 (Obesidade ma pensando ou falando, havendo uma função
severa grau 2) e a pontuação total obtida na emocional recorrente da qual o seu organismo
escala WSSQ foi de 54, em um total de 60 pontos, se aproxima, uma vez que funciona como re-
sendo 30 na subscala de autodesvalorização, e forçamento negativo para afastá-la do contexto
24 na de estigma social. Na ECAP a pontuação aversivo da rede relacional sentir-se nojenta.
foi 27 indicando compulsão alimentar grave. Em termos das dimensões da estrutura
No âmbito do HDML, e através das lentes HDML, a crença de P1 em sua própria inade-
do ROE em particular, os relatos de P1 (Figura 1) quação (ser gorda/nojenta) pode ser descrita
sugerem que os olhares de outras pessoas em como altamente coerente porque ela relata sen-
jantares com familiares, amigos ou no Burger sação de inadequação e exclusão, em função
Kings tem funções de orientação, ou seja, estas de estar acima do peso, desde a infância e que
situações/experiências são altamente salientes abrangem, até o momento atual, todas as áreas
para P1. Poderia se dizer que essas situações mais importantes de sua vida. A complexida-
participam das redes relacionais envolvendo o de pode ser considerada relativamente baixa
eu-dêitico (eu verbal), como eu-gorda/nojenta. porque está focada em molduras relacionais de
A orientação para essas situações, combinadas coordenação e condicionais. “se ficar sem comer
com as redes relacionais, evoca propriedades então vou emagrecer, ficar bonita e serei aceita”.
aversivas como nojo, vergonha, inferioridade, A derivação poderia ser descrita como baixa
autoaversão, restrição calórica e jejum. Em porque apresenta as mesmas suposições a res-
outras palavras, quando P1 vai ao Burger King peito do peso ao longo dos anos. A flexibilidade
e percebe que outras pessoas podem ver que também pode ser descrita como relativamente
ela está lá e está comendo fast food, ela rapida- baixa, pois P1 chega às mesmas conclusões em
mente interpreta essa situação como uma razão contextos diferentes: sempre feia, culpada, se
para se sentir nojenta o que, claro, é aversivo sentindo julgada por ser gorda e pelo que come.

Figura 1. Interpretação dos relatos de autoestigma segundo o modelo ROE da P1.

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No que diz respeito aos dados de P2, em conseguiu contar para a mãe quando tinha 9
um total de 151 relatos, 85 foram referentes ao anos. A mãe a culpou e a xingou. P2 conta que
autoestigma e, desses, os 62 mais frequentes quando a sua irmã fazia algo errado, a mãe a
relacionaram-se a um padrão de culpa, raiva e culpava pelos erros da irmã. Atualmente, sen-
infelicidade, como ilustrado pelos trechos “raiva te-se culpada por não amar a mãe.
porque me sinto gorda.”; “Muito culpada.”; “in- Na entrevista P2 revelou participar do
feliz por estar gorda.”; “Quero comer até explo- grupo Comedores Compulsivos Anônimos. Em
dir neste momento."; "Não quero nem pensar”; relação a sua história em relação ao peso, a
“Me sinto muito culpada e tenho vontade de primeira vez que ficou 4,5 kg acima do peso
jogar tudo para o alto e comer o mundo...tudo foi com 12 anos. Aborrece-se muito por causa
porque estou me sentindo gorda”. dos seus excessos alimentares e da sensação de
Na entrevista P2 relatou ter 52 anos, um falta de controle. No seu histórico de dietas, já
filho de 24 anos e está no segundo casamen- perdeu 9 kg ou mais e os recuperou depois: 5
to há 10 anos. É administradora, trabalhando vezes ou mais.
na área da saúde mental em tempo integral. Os dados de peso e altura relatados por P2
Mantém bom relacionamento com os colegas indicam IMC = 34,72, classificado como obesi-
de trabalho, sendo que não tem boa relação dade moderada /grau1. A, pontuação total na
com sua chefe. Seus pais são falecidos e se se- escala WSSQ foi 46, em um total de 60 pontos,
pararam quando era jovem. Ela tem uma irmã sendo 21 pontos obtidos a subscala de autodes-
com quem não tem contato próximo. Faz trata- valorização, e 21 pontos na subscala de estigma
mento para depressão há 17 anos. Considera-se social. Na ECAP P2 obteve 39 pontos indicando
uma pessoa comunicativa e engraçada, porém compulsão alimentar grave.
compreende-se como uma pessoa reservada No âmbito do HDML, e através das lentes
nas suas relações sociais. Gosta de artesanato, do ROE (Figura 2) os relatos de P2 sugerem que
cinema, dançar, visitar parques, passear, ler e comer castanhas, carboidrato e a preocupação
de animais, tem gatos e cachorros em casa. em comer no padrão “desejado/correto” tem fun-
P2 relatou que não tinha uma boa relação ções de orientação. Essas situações participam
com a mãe quando esta era viva. Aos 4 anos das redes relacionais envolvendo o eu-dêitico
sofreu violência sexual por um vizinho e só (eu-verbal), como eu-culpada. A orientação para

Figura 2. Interpretação dos relatos de autoestigma segundo o modelo ROE de P2.

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essas situações, combinadas com as redes rela- experimentais com reflexões teóricas a fim de
cionais, evoca propriedades aversivas (S-: culpa, sistematizar a contribuição da análise do com-
infelicidade, raiva) e apetitivas (S+:compulsão, portamento para a abordagem do preconceito
comer chocolate, guloseimas). Em outras pala- racial e também apontaram para o grande poten-
vras, quando P2 come castanhas, carboidratos cial da análise do comportamento em oferecer
e se cobra comer da forma correta, ela rapida- subsídios teóricos e metodológicos à psicologia
mente se percebe culpada o que é aversivo para social, uma vez que a RFT tem oferecido signi-
ela. ficativas contribuições para a compreensão de
Em termos das dimensões da estrutura fenômenos sociais como preconceito e estigma.
HDML, a crença de P2 em sua culpa pode ser Acentuamos também o alinhamento
descrita como altamente coerente com o tema de nossa proposta com outros dados já en-
de vida: gorda, feia, culpada. A complexida- contrados em estudos prévios (Cheung et al.,
de pode ser considerada relativamente baixa 2004; Øktedalen et al., 2015; Velotti et al., 2017;
porque está focada em molduras relacionais de Elison et al., 2006) que verificaram “problemas”
coordenação e condicionais. A derivação po- do “self” quando contaminado por autodescri-
deria também ser descrita como relativamente ções rígidas e demasiadamente controlado por
baixa porque ela se culpa por não ter controle e regras.
se culpa por não gostar da mãe, apresentando Pesquisadores que se propuseram a in-
as mesmas suposições ao longo dos anos. A fle- vestigar a vergonha e bem-estar (Cheung et al.,
xibilidade pode ser descrita como relativamente 2004; Øktedalen et al., 2015; Velotti et al., 2017;
baixa, pois P2 chega as mesmas conclusões em Elison et al., 2006) identificaram a vergonha
contextos diferentes; errada, culpada, se sen- como estando diretamente relacionada às va-
tindo gorda e feia, sem controle do que come. riáveis que são importantes para o bem-estar
psicológico. O “self” aparece como gerador da
Discussão “vergonha” e, ao mesmo tempo, aquele que
experiência esse mesmo estado, gerando pen-
O presente estudo buscou contribuir com samentos e emoções relativos à vergonha. O
evidências empíricas acerca do potencial da comportamento de autogeração para explicar o
RFT para responder às questões relacionadas processo ativo e criador de pensamentos, senti-
ao autoestigma enquanto fenômeno social mentos e avaliações, só se faz possível a partir do
e verbal que entra em coerência com relatos foco do “self” em seus próprios comportamen-
que se relacionam com o “self” (Murthy et al. tos, gerando e alterando-os ao mesmo tempo.
(2021). Nosso estudo apresenta uma abordagem Esse processo fica claro no caso do julgar-se a
inédita, haja vista nenhum outro, tanto quanto si mesmo, comportamento esse que requer que
sabemos, parece ter examinado o autoestigma o “self” se movimente na direção de focar sua
do peso enfatizando o comportamento verbal atenção e consciência em seus próprios compor-
de mulheres com relatos de autoestigma e inter- tamentos, acentuando suas falhas (Cheung et al.,
pretando-os à luz da RFT que se mostra eficaz 2004; Øktedalen et al., 2015; Velotti et al., 2017;
quanto ao seu potencial em clarear os processos Elison et al., 2006). Murthy et al. (2021), bus-
subjacentes ao estigma e autoestigma do peso. cando examinar as relações entre relatos de
Mizael e de Rose (2017) apresenta- “self”, vergonha, bem-estar e inflexibilidade
ram estudo que buscou relacionar pesquisas psicológica, reiteraram que a vergonha pode

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ser vivenciada tanto externamente quanto in- a nítida compreensão entre a relação do “self”
ternamente. Enquanto experiência interna, o consigo mesmo e com os outros. Os modelos
“self” vivencia sentimentos e pensamentos a HDML e ROE possibilitam ao terapeuta anali-
partir da própria autoavaliação que os classifica sar casos complexos e problemas crônicos cujas
como ruins, não dignos de amor ou “errados”. variáveis históricas e atuais se mostram mais
Já a vergonha, enquanto experiência externa, difíceis de serem consideradas na sua plenitu-
surge da relação do “self” com os juízos gera- de. No entanto, eles advertem que o HDML e o
dos por outros em uma sociedade, que quando ROE não devem ser vistos como uma espécie de
percebidos pelo “self” como julgados negativa- protocolo ou manual a ser seguido e sim como
mente (pelos outros), impulsionam sentimentos uma base para conduzir análises funcionais
e pensamentos que demonstram um senso de verbais na tentativa contínua de conectar a
desvalorização de si mesmo, isto é, do “self” ciência básica com a aplicação e prática dessa
(Murthy et al. 2021). ciência por meio do desenvolvimento de pro-
Em 2020, Barnes-Homes e colaboradores cessos comportamentais bem definidos.
publicaram um artigo cujo principal objetivo foi Do ponto de vista específico de interven-
apresentar as mudanças de foco da psicoterapia ções para o autoestigma do peso, a Terapia de
que resultaram do modelo da RFT e seus avan- Aceitação e Compromisso (ACT), um modelo psi-
ços nos últimos anos. Com particular destaque coterapêutico analítico-comportamental, que se
para o modelo HDML e ROE, os autores afir- fundamenta na RFT (Hayes et al., 2001)., vem se
maram que os novos modelos propostos pela mostrando promissora para reduzir o impacto
RFT possibilitaram à psicoterapia voltar-se para do autoestigma (Lillis et al., 2009, Lillis & Kendra,
os processos como “um campo de interações 2014; Potts et al., 2022; Weineland et al., 2012,),
comportamentais (verbais)” (tradução direta; com melhora na qualidade de vida de pessoas
Barnes-Homes et al., 2020), reintegrando os com sobrepeso e obesidade (Lillis et al., 2016;
fundamentos da análise do comportamento e Niemeier et al., 2012), diminuição de sofrimen-
distanciando-se ainda mais do modelo médico to psicológico e do índice de massa corporal
para o qual os comportamentos representam (IMC), aumento de flexibilidade psicológica
patologias e síndromes encobertas. (Levin et al., 2018; Lillis et al., 2009), melhora
Em uma proposta de articulação entre a na depressão, desordens alimentares, imagem
clínica, com especial foco nos processos psicoló- corporal (Berman et al., 2022) e aumento da
gicos, e os novos modelos de processos baseados tolerância ao sofrimento e aceitação geral e
na RFT, Barnes-Holmes e colaboradores (2020) específica do peso (Lillis et al., 2009).
trouxeram estudos de casos de clientes que Estudos que estão sendo desenvolvidos
apresentavam sintomas como ansiedade, fobias, acerca do autoestigma do peso podem se bene-
depressão persistente e medo da desaprovação ficiar do modelo interpretativo proposto nesse
do outro. A aplicação dos modelos HDML e ROE estudo em particular e demais investigações
na proposta de tratamento, demonstrou que o que ofereçam clareza conceitual do modelo
nível de precisão dos tratamentos pode ampliar da RFT e seu potencial suporte para análises
consideravelmente de modo a produzir as mu- clínicas, considerando, também, que possam,
danças comportamentais desejadas pelos tera- a partir disso, subsidiar a criação de novos ins-
peutas. Isso se dá, segundo os autores, porque trumentos e tecnologias para as intervenções
essa articulação entre os dois modelos permite clínicas.

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 6 | 111


Autoestigma do peso: interpretação analítico comportamental
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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 6 | 112


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 113—128

Táhcita Medrado Mizael (1)

Análise Funcional de
tahcitammizael@gmail.com
Ana Karina C. R. de-Farias (2)
Microagressões Raciais1 akdefarias@gmail.com
Functional Analysis of Racial Microaggressions (1)
Universidade de São Paulo
(2)
Centro de Atenção Multiprofissional

Resumo Abstract
O número de estudos da Análise do The number of studies of racial and ethnic
Comportamento sobre relações étnico-ra- relations in behavior analysis has been
ciais tem crescido ao longo dos anos. Um growing over the years. A topic that has
tópico que ainda não foi abordado pela área é not been studied in this field refers to racial
o de microagressões raciais, as quais podem microaggressions, which can be defined as
ser definidas como ofensas sutis, que ocor- racial slurs who are subtle, daily and direc-
rem diariamente, sendo perpetradas por ted at non-White people, having as perpetra-
pessoas brancas e direcionadas a pessoas tors White individuals. Therefore, the aim
não-brancas. Nesse sentido, o objetivo desse of this study was to carry out a functional
trabalho foi realizar uma análise funcional analysis of racial microaggressions, based
de microagressões raciais, com base na taxo- on the proposal by Williams et al. (2021).
nomia proposta por Williams et al. (2021). It was possible to observe, after carrying
Foi possível observar, a partir das análises out the analyses, that the consequences for
realizadas, que as consequências para a po- non-White populations may be aversive
pulação não-branca, mesmo nos casos nos in the long run, even when the immedia-
quais há reforçamento positivo imediato, te consequence is positive reinforcement.
podem ser aversivas à médio e longo prazo, This shows the importance of conducting
o que mostra a importância desse tipo de this type of analysis and, consequently, of
análise e, consequentemente, do desenvol- developing measures that could lead, in the
vimento de medidas que possam levar, no future, to a reduction in this type of violen-
futuro, a uma redução nesse tipo de violên- ce that is perpetrated by White people.
cia que é perpetrada por pessoas brancas.

Palavras-chave Keywords

Microagressões raciais; preconceito racial; Racial microaggressions; racial prejudice;


racismo; análise funcional. racism; functional analysis.

1 O presente capítulo é derivado de uma palestra apresentada no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Microagressões raciais e análise do comportamento: articulações iniciais. Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo
- FAPESP. Processo n. 2020/02548-07. Bolsa de pós-doutorado concedida à primeira autora.

113
Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

O número de estudos da Análise do categorias de microagressões raciais, as quais


Comportamento sobre relações étnico-raciais foram descritas e ilustradas por meio de falas
tem crescido ao longo dos anos. Até o momento, de participantes de pesquisas sobre o tema.
existem produções sobre, por exemplo, a avalia- O estudo de comportamentos racistas²
ção de vieses raciais a partir do Procedimento considerados “sutis” pode auxiliar no enten-
Relacional de Avaliação Implícita (IRAP; e.g., dimento do racismo como um fenômeno que
Barnes-Holmes et al., 2010); tentativas de re- é composto por várias topografias de resposta,
dução de vieses raciais negativos em crianças mas que ocorrem dentro de contextos especí-
pequenas, utilizando o paradigma de equiva- ficos, levando a consequências também espe-
lência de estímulos (e.g., Carvalho & de Rose, cíficas para os distintos grupos raciais. Assim,
2014); análises sobre vieses na polícia militar o contexto antecedente exige que o estímulo
(e.g., Machado & Lugo, 2021); entre outros discriminativo para a emissão da resposta
trabalhos. seja a percepção da raça ou cor de pele de um
Apesar do número crescente, ainda há indivíduo, um responder diferencial, basea-
diversas lacunas de pesquisa e caminhos pos- do na raça deste indivíduo, e consequências
síveis de análise. Uma dessas lacunas se refere também diferenciais para indivíduos brancos
aos estudos sobre microagressões raciais. e não brancos, de modo que os primeiros obte-
Microagressões raciais podem ser definidas nham, em maior probabilidade, consequências
como ofensas raciais sutis, diárias e não-in- reforçadoras positivas, enquanto os demais
tencionais cometidas contra grupos não-bran- obtenham consequências aversivas ou apren-
cos (Sue et al., 2007). Referem-se, portanto, a dam a se comportar, predominantemente, por
instâncias de discriminação racial rotineiras e reforçamento negativo (fuga-esquiva de conse-
crônicas, que não são inócuas, sendo correla- quências aversivas).
cionadas a diversos quadros clínicos significa- Levando em consideração a importância
tivos, como depressão, ansiedade, transtorno do estudo das microagressões raciais, por serem
de estresse pós-traumático, e outros (Williams agressões diárias e crônicas, o objetivo deste
et al., 2020; 2021). trabalho é realizar uma análise funcional³ das
Sue et al. (2007) elaboraram uma taxono- 16 categorias de microagressões raciais encon-
mia de agressões raciais, composta por nove tradas por Williams et al. (2021). Para isso, pri-
tipos de microagressões raciais. Recentemente, meiro serão apresentados os nomes das catego-
Williams et al. (2021) revisaram diversos es- rias, uma descrição e exemplos destas, com foco
tudos sobre microagressões raciais, propondo na população negra. Em seguida, será feita uma
uma nova taxonomia de microagressões raciais, análise funcional dessas categorias, relacionan-
semelhante, mas ampliada, em comparação à do contextos antecedentes, respostas e conse-
taxonomia proposta por Sue et al. (2007). Neste quências de tais microagressões. Serão
trabalho mais atual, foram identificadas 16 apresentadas duas tabelas de análises

2 Almeida (2019) define racismo como uma “forma sistemática de discriminação que tem a raça como fundamento, e que se manifesta
por meio de práticas conscientes ou inconscientes que culminam em desvantagens ou privilégios para indivíduos, a depender do grupo
racial ao qual pertençam” (p. 32).

3 Sabe-se que o termo “análise funcional” é utilizado, formalmente, para as circunstâncias nas quais uma ou mais avaliações/hipóteses
funcionais são colocadas à prova. Entretanto, levando em conta que o termo “análise funcional” é amplamente utilizado como sinônimo
de avaliação funcional, decidiu-se manter o termo “análise funcional”.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 114


Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

funcionais, elaboradas a partir da taxonomia social, e presunção de que os indivíduos não-


de Williams et al. (2021). Na Tabela 1, será apre- -brancos não seriam capazes de emitir esses
sentada uma análise molecular das microagres- comportamentos de gentileza); surpreender-se
sões raciais, e na Tabela 2, apresenta-se uma ao saber que uma pessoa negra tem doutora-
análise molar do padrão de microagressões ra- do, dizendo “Nossa, você tem doutorado!” (com
ciais, como ponto de partida para análises mais surpresa).
amplas. Por fim, sugestões de continuidade de 4) Falsa neutralidade racial /Invalidando
pesquisas e intervenções fecham o capítulo. identidade racial ou étnica: Não reconhecimen-
to da identidade racial ou étnica de um indiví-
Categorias de Microagressões Raciais duo. Por exemplo, em discussão sobre racismo,
dizer “Eu não vejo raça”; defender que pessoas
1) Não ser um cidadão real: Quando uma negras não deveriam utilizar esse rótulo, pois
pergunta, afirmação ou comportamento indica “Somos todos brasileiros”; dizer que “Todas as
que uma pessoa não-branca não é um cidadão vidas importam”, em resposta ao movimento
real ou uma parte significativa de nossa socie- social “Vidas negras importam”⁴.
dade porque eles não são brancos. Por exem- 5) Criminalidade ou Periculosidade:
plo, ao ver uma pessoa negra, perguntar “De Demonstrar crença em estereótipos de que pes-
onde você é?” ou “Você é da África?” (como se a soas não-brancas são perigosas, não confiáveis,
África se referisse a apenas um país, e não a um mais prováveis de cometer crimes ou causar
enorme continente, com diversos países, com danos corporais. Por exemplo, segurar bolsa
ricas culturas, línguas e dialetos diferentes). ao ver pessoa negra caminhando próximo a
2) Categorização racial e igualdade/uni- você; mudar de calçada ao ver pessoa negra
formidade (sameness): Quando uma pessoa caminhando atrás de você ou em sua direção.
é compelida a revelar seu grupo racial para 6) Negação do racismo individual:
permitir que outros atribuam estereótipos para Quando uma pessoa tenta argumentar que
a pessoa; inclui a suposição de que todas as não é tendenciosa, muitas vezes falando sobre
pessoas de um determinado grupo são iguais. coisas “antirracistas” que fizeram para desviar
Por exemplo, ao ver uma pessoa negra em um o escrutínio percebido de seus próprios com-
clube, dizer: “Samba aí para eu ver”. portamentos. Como exemplo, dizer: “Eu tenho
3) Suposições sobre inteligência, com- amigos negros, então não posso ser racista” em
petência ou status: Quando o comportamento resposta a comentário ou crítica sobre comen-
ou as declarações são baseados em suposições tário racialmente ofensivo.
sobre a inteligência, competência, educação, 7) Mito da meritocracia / Raça é irrele-
renda, status social derivados de estereótipos vante para o sucesso: Quando alguém faz de-
raciais. Por exemplo, dizer “Você é uma negra clarações sobre o sucesso estar enraizado em
de alma branca” a uma pessoa negra, após ela esforços pessoais e negação da existência de
ajudar uma senhora branca a atravessar uma racismo ou privilégio branco. São ilustrações
rua movimentada (o branco, portanto, repre- afirmações como dizer “Racismo não existe”,
sentaria a educação, a bondade, a competência “Racismo é mimimi”, “As pessoas precisam

4 O movimento “Vidas Negras Importam”, ou “Black Lives Matter”, em inglês, é um movimento de ativismo com origens nos Estados
Unidos no ano de 2013 e formado por afro-americanos, cuja campanha é contra à violência direcionada às pessoas negras. O movimento
tem se expandido em outros países, como o Brasil. Para saber mais sobre o movimento, acessar: https://blacklivesmatter.com/

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 115


Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

parar de reclamar de racismo e correr atrás a ilusão de inclusão e não pelas qualidades ou
das coisas/ir atrás dos seus sonhos”, “Nós temos talentos desse indivíduo; expectativa de que
as mesmas oportunidades”. um indivíduo entenda ou fale por todo seu
8) Racismo Reverso: Expressões de ciúme grupo étnico-racial. Essa ilusão fica clara em
ou hostilidade em torno da noção de que pes- tentativas como dizer “você, como negra, o que
soas não-brancas obtêm vantagens e benefícios acha dessa iniciativa?”, esperando que ela fale
injustos devido à sua raça. Pode-se observar, por todas as pessoas negras.
por exemplo, alguém dizer: “Os negros também 12) Conectando-se por meio de estereó-
oprimem os brancos”; ser branco e falar que tipos: Quando uma pessoa tenta se comunicar
sofreu “racismo reverso” em discussões sobre a ou se conectar com outra pessoa através do uso
existência e os danos do racismo para pessoas de fala ou comportamento estereotipado, para
não-brancas; criticar as ações afirmativas⁵, com ser aceito ou entendido. Pode incluir piadas
o argumento de que elas dão privilégios aos racistas, gírias e epitáfios como termos de ca-
negros. rinho. Exemplo: Falar “e aí, mano?”, somente
9) Patologizar a cultura minoritária ou para pessoas negras.
aparência: Quando as pessoas criticam outras 13) Exotização e erotização: Quando uma
com base em diferenças culturais percebidas pessoa não-branca é tratada de acordo com
ou reais na aparência, tradições, comporta- estereótipos sexualizados ou atenção às dife-
mentos ou preferências. Exemplo, dizer: “Você renças que são caracterizadas como exóticas de
seria a namorada perfeita se fosse branca”; não alguma forma. Isso é observado quando uma
contratar homem negro por ele usar dreads no pessoa branca se dirige a uma pessoa negra e
cabelo; dizer que religiões de matriz africana diz: “Posso tocar no seu cabelo? É tão diferen-
são “macumba” (no sentido de rituais que visam te!”; dizer “Negros são muito sensuais” sem que
fazer mal a outrem). a conversa seja sobre sensualidade ou temas
10) Cidadão de segunda classe / Ignorado relacionados; ver uma pessoa negra e falar:
e invisível: Quando as pessoas não-brancas são “Dança um funk/samba para mim”.
tratadas com menos respeito, consideração ou 14) Evitar e distanciar: Quando pessoas
cuidado do que o normalmente esperado ou não-brancas são evitadas ou medidas são to-
costumeiro. Isso pode incluir ser ignorado ou madas para evitar contato físico ou proximi-
ser invisível/não-visto. Alguns exemplos são dade. Como exemplos, não querer fazer dupla/
ser a única pessoa negra em uma loja e não grupo com pessoa negra em sala de aula ou
ser atendida, enquanto pessoas brancas são trabalho; em um ônibus cheio, ninguém se
atendidas; ser a única pessoa em um grupo de sentar em uma cadeira vazia ao lado de um
amigos chamada pela sua raça (“nega”, em vez homem negro.
do nome). 15) Exclusão ambiental: Quando a identi-
11) Tokenismo: Quando uma pessoa não- dade racial de alguém é minimizada ou torna-
-branca é incluída simplesmente para promover da insignificante pela exclusão de decorações,

5 De acordo com Feres Júnior. et al. (2018), ações afirmativas são “todo programa, público ou privado, que tem por objetivo conferir
recursos ou direitos especiais para membros de um grupo social desfavorecido, com vistas a um bem coletivo. Etnia, raça, classe, ocupação,
gênero, religião e castas são as categorias mais comuns em tais políticas. Os recursos e oportunidades distribuídos pela ação afirmativa
incluem participação política, acesso à educação, admissão em instituições de ensino superior, serviços de saúde, emprego, oportunidades
de negócios, bens materiais, redes de proteção social e reconhecimento cultural e histórico” (p. 13).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 116


Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

literatura ou representações de pessoas que classes ou padrões de respostas (consequências


representam seu grupo racial. Exemplo: par- punidoras).
ticipar de um congresso e não ter nenhum Análises funcionais podem ser dividi-
palestrante negro; presença de imagem ou das de acordo com o tempo de intervenção e
estátua de Jesus pregado na cruz em escolas e o número de dados que se têm, e/ou com o
ambientes governamentais, mas nenhum sím- objetivo da análise. Análises moleculares ou
bolo de outras religiões ser permitido; ausência microanálises referem-se ao estabelecimento
de imagens de pessoas negras nos livros de de relações funcionais entre eventos antece-
Biologia. dentes (contexto em que a interação ocorre –
16) Ataques ambientais: Quando as deco- pessoas presentes, regras e autorregras, lugar
rações representam uma afronta ou insulto co- físico, presença de outras pessoas, operações
nhecido ao grupo cultural, história ou herança motivadoras, etc.), uma resposta ou classe de
de uma pessoa. Por exemplo, dar a prédios ou respostas e consequências produzidas pela
ruas nomes de donos de pessoas escravizadas; resposta (que podem ser várias, ao mesmo
fazer “Blackface”⁶. tempo, inclusive conflitantes - reforçadores
positivos e punições positivas, por exemplo.
Análise Funcional das Categorias de Além disso, pode-se pensar em contingências
Microagressões Raciais em curto, médio e longo prazo). São análises
A análise funcional, ferramenta básica de um episódio específico, e não de padrões
de coleta de dados, de escolha de objetivos e comportamentais que se repetem.
de estratégias de intervenções, e da avaliação Por sua vez, as análises molares ou macro-
dos resultados obtidos em qualquer cenário análises (exemplificadas na Tabela 2) buscam
de atuação de um analista do comportamento, identificar e compreender um padrão compor-
consiste em identificar as contingências am- tamental (uma classe de respostas que tende a
bientais, ou seja, as relações de dependência se repetir em diferentes contextos ao longo do
entre eventos ambientais ou entre eventos tempo). Consistem na apresentação/relação de
ambientais e comportamentais. Análises fun- aspectos históricos da vida de indivíduos (con-
cionais buscam, portanto, as relações envolvi- dicionamentos respondentes, regras, modelos,
das no (i) estabelecimento e na manutenção exposição direta às contingências), contextos
de classes de respostas (conjunto de respostas atuais que evocam respostas do padrão, con-
com características comuns, sejam físicas, fun- sequências de reforçamento, extinção e puni-
cionais e/ou relações de equivalência), (ii) na ção atuais, a fim de estabelecer condições de
presença de determinados contextos ambien- desenvolvimento e manutenção de um dado
tais, (iii) que produzem mudanças ambientais padrão comportamental⁷.
que fortalecem a classe ou padrão de respostas A Tabela 1 apresenta possíveis análises
(consequências reforçadoras) ou enfraquecem funcionais moleculares de interações entre
pessoas brancas e não-brancas, levando-se em

6 Blackface é a prática de pintar o rosto e/outra parte do corpo de preto para “parecer negro”. A prática se originou em peças de teatro/
shows de “comédia” onde os atores brancos se pintavam de preto para interpretar pessoas negras de maneira extremamente estereotipada
e racista.

7 Mais informações sobre a finalidade, o tipo e um passo-a-passo para realizar diferentes tipos de análises funcionais podem ser encon-
tradas em de-Farias, Fonseca e Nery (2018), Sturmey (1996/2022), Fonseca e Nery (2018), e Nery e Fonseca (2018).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 117


Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

consideração 13 dos 16 tipos de microagressões apresentados exemplos de respostas consi-


raciais levantados por Williams et al. (2021). deradas como microagressões (respostas fisi-
Deve-se ressaltar que todo comportamento camente ou funcionalmente similares ou um
é complexo e multideterminado e, portanto, conjunto de respostas cujas relações foram
essas análises não pretendem abarcar todas estabelecidas arbitrariamente⁸) frente ao con-
as possíveis interações entre pessoas brancas texto social mais amplo da presença de pessoas
e não-brancas que passaram por situações não-brancas ou de discussões sobre o racismo,
semelhantes. possíveis elementos da história de aquisição
Vale ressaltar, para o leitor menos expe- dessa classe de respostas, contextos atuais que
riente, que estamos analisando, na primeira evocam essas respostas e as consequências (as
Tabela, respostas de microagressões raciais que mantêm o padrão ou as que diminuiriam
emitidas por pessoas brancas (segunda coluna), a sua frequência).
frente a um contexto atual (primeira coluna)
que aumenta a probabilidade de emissão de Discussão
tais respostas (ou seja, estamos falando, na pri-
meira coluna, de estímulos discriminativos e/ O objetivo deste trabalho foi realizar uma
ou motivacionais para a resposta em análise). análise funcional de microagressões raciais,
Na terceira coluna, são apresentadas possíveis tendo como base a taxonomia proposta por
consequências para as respostas de microa- Williams et al. (2021). As análises permitiram
gressão emitidas pelas pessoas brancas. Essas mostrar alguns pontos importantes: Em primei-
consequências são liberadas pelas pessoas ro lugar, como esperado, as pessoas brancas
não-brancas. Ou seja, mostra-se a interação: a são frequentemente reforçadas positivamente
pessoa não-branca como o contexto, o que esse quando emitem respostas classificadas como
contexto evoca em pessoas brancas, e como microagressões raciais. Isso acontece não so-
não-brancos respondem/liberam consequên- mente por que as pessoas não-brancas estão
cias aos brancos. Por fim, fechando a análise genuinamente felizes com as agressões raciais
molecular tradicional, na quarta coluna, são emitidas pelas pessoas brancas, mas porque
apresentados os processos comportamentais boa parte do comportamento dessas pessoas é
envolvidos e os possíveis efeitos (emocionais controlado por reforçamento negativo, isto é,
e/ou efeitos de frequência da resposta) sobre o por inúmeras tentativas de se esquivar ou fugir
comportamento da pessoa branca que emitiu de situações onde sofrem violência. Isso ocorre,
respostas de microagressão racial. Uma coluna muitas vezes, porque tentativas de criticar o
foi adicionada, a fim de hipotetizar-se alguns comportamento racialmente ofensivo de pes-
impactos dessas interações sobre o comporta- soas brancas e apontar que são violentos são
mento de pessoas não-brancas. frequentemente seguidos por punição. Nesse
A Tabela 2 apresenta uma possível aná- sentido, a esquiva se torna uma alternativa
lise molar (macroanálise) do padrão com- bastante empregada (e.g., Banks & Landau,
portamental de microagressões raciais. São 2022; Jones, 2021).

8 Para mais informações sobre classes de respostas, ver de Rose (1993).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 118


119
Tabela 1
Exemplos de análises moleculares de microagressões raciais (respostas) emitidas por pessoas brancas frente a pessoas não brancas (as

|
que liberam as consequências). Possíveis processos, efeitos e impactos para pessoas brancas e pessoas não-brancas.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7


Consequências para a
Antecedentes para a Respostas da Processos e efeitos para a
pessoa branca /Respostas Impactos para a pessoa não-branca
pessoa branca pessoa branca pessoa branca
da pessoa não-branca
Divertir-se, participando da brincadeira (reforço posi-
tivo). Evitar insistência e confrontos (reforço negativo
– esquiva).
Reforço positivo: boa interação,
risadas, fazer graça com os Pessoa negra, apesar de ter brincado ou se calado, e,
amigos. assim, se esquivado de conflito (reforçamento negativo),
pode se sentir não-pertencente ao seu país. Inclusive,
Na presença de uma “Você é da Efeitos: – Resposta da pessoa isso já pode ter sido tão aprendido por modelos, regras
pessoa ou de um África?” Sorrir/Brincar, dizer o branca se mantém (reforçamento e exposição às contingências, e essa pessoa pode passar
grupo de pessoas nome de outro país, etc. positivo). Pessoa branca sen- a realmente não se importar com a brincadeira (o que,
negras “De onde você é?” te-se engraçada ou, ao menos, talvez, possa ter se tornado uma esquiva de experiências
dentro do padrão – “não fiz nada privadas, tais como pensamentos e sentimentos – ou seja
errado” (reforço positivo para – esquiva experiencial).
exposição às contingências, mo-
delos, ou regras). Aqui, claro, alguns brasileiros não brancos podem se
sentir à vontade e até gostarem da resposta, dependendo
de sua história de vida. Isso, em uma análise do seu com-
portamento, poderia ser considerado reforço positivo.
Acreditar que se trata de um elogio (reforço positivo)
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

Na presença de uma
- Reforço negativo (esquiva): evitar
pessoa ou de um
insistência e confrontos
grupo de pessoas
Agradecer, sorrir, demons- Manter a interação, sentir que
negras “Você é uma negra
trar felicidade e ter enten- fez algo esperado ou correto na- - Sentir-se bem em curto-prazo; sentir-se mal em
de alma branca”
dido o “elogio” quele contexto (reforço positivo) longo-prazo, pois nunca será branca o suficiente para
Pessoa negra se
Análise funcional e microagressões

sempre ser considerada boa.


comportar de modo
cortês ou refinado
- Fortalecimento da relação de equivalência “branco-
-bom” e “negro-ruim”
Na presença de uma Reforçamento negativo
Acreditar que se esqui-
pessoa ou de um Segurar a bolsa, (Efeitos para o branco: alívio, Mal-estar
vou de um assalto, por
grupo de pessoas Mudar de calçada mesmo que o assalto seja apenas Sensação de menos-valia (punição não contingente)
exemplo
negras imaginário)
120
Tabela 1 (continuação)

|
Consequências para a
Antecedentes para a Respostas da Processos e efeitos para a pessoa
pessoa branca /Respostas Impactos para a pessoa não-branca

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7


pessoa branca pessoa branca branca
da pessoa não-branca
1) Divertir-se, participando da brincadeira (reforço
positivo).

2.a) Reforço negativo (esquiva): evitar insistência e


confrontos. (Sentir-se bem, mantendo sua postura e/
ou receber apoio de amigos. No entanto, pode haver
a sensação de objetificação e baixa autoestima em
médio/longo prazo; e fortalecimento do estereótipo e
1) Sambar. 1) Reforço positivo (viu o samba, da objetificação das pessoas negras);
Na presença de uma participou, deu comandos e foi
pessoa ou de um “Samba aí para eu 2) Não sambar e ouvir obedecido). 2.b) Punição positiva: ser criticada (sentir-se isolada,
grupo de pessoas ver!” a pessoa branca dizer injustiçada, desamparada);
negras coisas como: “Sua chata”, 2) Culpar o negro por “não saber
“Fresca”. brincar”. 2.c) Punição negativa: afastamento dos amigos, dimi-
nuição de convites para sair para aqueles lugares).

Veja que, diante da complexidade da contingência e


do número de vezes em que isso acontece ao longo da
vida de uma pessoa, ela pode sambar algumas vezes, e
outras não. Isso consiste em esquema de reforçamen-
to intermitente e torna o comportamento da pessoa
branca ainda mais resistente à mudança.
1) Aceitar como elogio ou cuidado o que a pessoa
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

branca disse (Reforço positivo), ou Sorrir, agradecer


1) Reforço positivo (seu elogio – ou
ou deixar a pessoa branca tocar no cabelo serve como
comentário racista – foi bem recebi-
evitação da insistência e confrontos (Reforço negativo:
1) Deixar tocar no cabelo, do, a pessoa negra acrescentou re-
esquiva);
rir ou agradecer o elogio; forçadores ao comportamento da/o
“Posso tocar no branca/o: sorrisos, agradecimento,
Análise funcional e microagressões

Na presença de pes- 2) Luta contra o racismo, sentir-se empoderada


seu cabelo? É tão 2) Negar o toque e dizer deixar tocar, obediência, etc.);
soas negras (reforço positivo)
diferente!” que é racismo ou que é
feio tratar as pessoas de 2) Punição positiva (críticas) e/ou
No entanto, a repetição de situações semelhantes,
acordo com sua raça/cor punição negativa (perda de atenção
tende a levar o indivíduo à sensação de objetificação e
ou brincadeira não ter dado certo;
baixa autoestima em médio/longo prazo; e ao fortale-
ter sido “mal interpretada”)
cimento de estereótipos e da objetificação das pessoas
negras
121
Tabela 1 (continuação)

|
Consequências para a
Antecedentes para a Respostas da

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7


pessoa branca /Respostas Processos e efeitos para a pessoa branca Impactos para a pessoa não-branca
pessoa branca pessoa branca
da pessoa não-branca
1) Reforço positivo (o sorriso/comentário
Discussões sobre
da pessoa não-branca, ou o fato de ficar
racismo/ 1) Aceitação do Evitar críticas, perda das amizades e confrontos
calada/o, parecendo concordar, mantém a
Acusação de racismo comentário; (reforço negativo: esquiva).
resposta da pessoa branca);
ou apontar comen- “Eu tenho
tário racialmente amigos negros” 2) Críticas (e.g., “isso não Sensação de invalidação de suas experiências.
2) Provável punição positiva (acréscimo
ofensivo (defendendo-se) é suficiente para você
de críticas) ou punição negativa (retirada/
não ser considerada/o 2) Empoderamento ou tentativa de mudança
diminuição da aceitação social, e dimi-
Presença de pessoa racista”). social.
nuição dos comentários, por não serem
negra/não branca
bem-vistos).
Reforço negativo (esquiva): evitar discus-
Evita críticas, perda das amizades e confrontos
sões que coloquem em dúvida seus privi-
1) Pessoas se calarem, não (reforço negativo);
Discussões sobre “Racismo não légios ou o fato de ser socialmente aceito;
continuarem a discussão;
raça e racismo existe”;
Sensação de invalidação de suas experiências.
2) Provável punição positiva (acréscimo
2) Discordância, apontar
Presença de pessoa “Racismo é de críticas) ou punição negativa (retirada/
fatos que provem a ocor- 2) Empoderamento ou tentativa de mudança
negra/não branca mimimi”. diminuição da aceitação social, e dimi-
rência do racismo. social.
nuição dos comentários, por não serem
bem-vistos).
1) Concordar ou ficar
1) Reforço positivo (o sorriso/comentário
calado, não repreenden-
da pessoa não-branca, ou o fato de ficar
do a resposta da pessoa 1) Evitar críticas, perda das amizades e confron-
Discussões sobre “Eu não vejo calada/o, parecendo concordar, mantém a
branca; tos (reforço negativo: fuga- esquiva);
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

raça e racismo raça”; resposta da pessoa branca);


2) Discordar e apontar Sensação de invalidação de suas experiências.
Presença de pessoa “Somos todos 2) Provável punição positiva (acréscimo
o privilégio branco ou
negra/não branca brasileiros”. de críticas) ou punição negativa (retirada/
a diferença de oportu- 2) Tentar alterar a situação, empoderamento.
diminuição dos comentários, por não
nidades para brancos e
Análise funcional e microagressões

serem bem-vistos).
não-brancos.
122
Tabela 1 (continuação)

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Consequências para a
Antecedentes para a Respostas da

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7


pessoa branca /Respostas Processos e efeitos para a pessoa branca Impactos para a pessoa não-branca
pessoa branca pessoa branca
da pessoa não-branca
1) Reforço negativo (esquiva): evitar críticas,
1) Pessoa negra sorrir 1) Reforço positivo: manutenção da conversa,
perda das amizades e confrontos
e/ou responder à gíria aceitação social;
Na presença de uma
de forma esperada pela
pessoa ou de um No entanto, a repetição de situações
“E aí, mano!” pessoa branca; 2) Punição negativa ou extinção (teríamos
grupo de pessoas semelhantes tende a levar o grupo racial à
que observar os efeitos emocionais e sobre a
negras sensação de objetificação: objetificado/de
2) Pessoa negra não frequência da resposta imediatamente e ao
ser tratado de maneira diferente de pessoas
responder; longo do tempo)
brancas
Discussões sobre Reforço negativo (esquiva): evitar discussões
Evita críticas, perda das amizades e confron-
racismo/Acusação de “Os negros 1) Pessoas se calarem, não que coloquem em dúvida seus privilégios ou
tos (reforço negativo);
racismo ou apontar também oprimem continuarem a discussão; o fato de ser socialmente aceito;
comentário racial- os brancos”. 1) Sensação de invalidação de suas
mente ofensivo. 2) Discordância, apontar 2) Provável punição positiva (acréscimo de experiências;
“Sofri racismo fatos que provem a ocor- críticas) ou punição negativa (retirada/dimi-
Presença de pessoa reverso”. rência do racismo. nuição da aceitação social, e diminuição dos 2) Empoderamento ou tentativa de mudança
negra/não branca comentários, por não serem bem-vistos. social.
1) Possível punição positiva - no entanto,
devido à história da pessoa branca, ficar em
pé pode ser mais valioso do que a opção de
se sentar ao lado de uma pessoa negra. Nesse
Ficar em pé caso, teríamos que levantar a hipótese de
1) Ficar em pé;
mesmo tendo as- reforço negativo (esquivar-se do contato com
1) Sentir-se invisível e sem importância;
Na presença de uma sentos no ônibus outros grupos) ou positivo (seguir as regras e
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

2) Alguém descrever, em
pessoa negra para sentar-se ao modelos do seu grupo);
voz alta, seu comporta- 2) Sentir-se apoiado ou empoderado.
lado de pessoas
mento como racista
negras 2) Novamente, depende da história de vida
e de operações motivadoras atuais: punição
positiva (críticas) ou reforço positivo (as críti-
Análise funcional e microagressões

cas servem para garantir sua superioridade e


o seguimento de regras e modelos)
123
Tabela 1 (continuação)

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Consequências para a pessoa
Antecedentes para Respostas da Impactos para a pessoa

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7


branca /Respostas da pessoa Processos e efeitos para a pessoa branca
a pessoa branca pessoa branca não-branca
não-branca
Pessoa negra rir, levar na brincadeira

a) Pessoa negra se aborrecer, “fechar - Sensação de baixa autoestima;


a cara”, reclamar ou apontar a carac- 1) Reforço positivo (“Eu estava certa/o”, “ela - Sentir-se feia;
terística racista do “elogio”, retirar-se, ouviu meu conselho e ficará melhor”)
Na presença de
“Você seria a na- etc.; - Na cultura ocidental, a mídia
uma pessoa ou
morada perfeita a) Reforço negativo, ao afastar a pessoa negra, costuma utilizar modelos, atrizes,
grupo de pessoas
se fosse branca”. b) A pessoa negra reclama, argumen- cuja presença não era bem-vinda; jornalistas brancas. Não ser branco
negras.
ta contrariamente ao “elogio” ou b) Punição positiva ou. pode sinalizar a dificuldade de
c) Punição negativa ocupar espaços de destaque ou
c) A pessoa negra gera a perda ou poder
prejuízos à relação anterior, que era
importante para a/o branca/o)
- Sensação de objetificação;
1) Pessoa negra fingir que não per-
1) Reforço positivo (a pessoa branca pode
cebeu a esquiva da/o atendente e - Sentir-se invisível e sem importân-
continuar com seu comportamento racista)
esperar pacientemente ou chamar cia;
educadamente por ela/e;
2) Punição positiva: briga, ameaça, que pode
- Evitar críticas, perda das amizades
Na presença de gerar medo de outras/os clientes reclamarem
2) Pessoa negra chamar a/o atenden- e confrontos (Reforço negativo:
uma pessoa ou de Ignorar a/o clien- ou de a polícia ser chamada; ou fuga-esquiva
te, reclamar com a/o gerente, falar esquiva):
um grupo de pesso- te negro. (retirar uma pessoa “incômoda” do local ou
alto e constranger outros/as clientes,
as negras. evitar atender a essa pessoa)
afirmar que está sendo vítima de - Evitar ir a estabelecimentos simi-
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

racismo ou; lares (possível punição positiva – no


3) Reforço negativo: fuga-esquiva (retirar uma
caso de a pessoa negra se comportar
pessoa “incômoda” do local ou evitar atender
3) Pessoa negra ir embora, sem dizer como se algo aversivo fosse acres-
a essa pessoa)
nada. centado à sua resposta e/ou Reforço
negativo: esquiva).
Análise funcional e microagressões

Nota. Esta tabela se refere às categorias 1, 2, 3, 5, 4, 6, 7, 8, 9, 10, 12, 13 e 14, descritas por Williams et al. (2021). Vale ressaltar que cada
indivíduo, branco ou não-branco, emite respostas diferentes, dependendo de sua história de vida e do contexto atual, incluindo modelos,
contato com pessoas brancas ou não-brancas, regras e autorregras, presença de determinada(s) pessoa(s) branca(s) ou não-branca(s) no
momento atual, operações motivadoras, etc.
124
Tabela 2
Possível análise molar (macroanálise) do padrão comportamental de microagressões raciais.

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7
Consequências que
Contextos fortalecem o padrão Consequências que enfraqueceriam o
Respostas que
atuais que (reforçadores positi- padrão (apresentação de punidores ou
caracterizam o História de aquisição
evocam as vos e/ou fuga-esqui- remoção/adiamento de reforçadores
padrão
respostas va de consequências positivos)
aversivas)
Modelos que apresentavam respostas semelhantes;
Regras apresentadas por figuras de autoridade;
Críticas (punição positiva) ou afasta-
Autorregras formuladas a partir do contato com pessoas não-
mento (punição negativa) por parte de
-brancas ou com contextos verbais e não-verbais de racismo;
pessoas antirracistas;
Ao longo da vida:
Respostas de empoderamento por parte
- ausência de palestrantes ou outras figuras de autoridade
Aceitação social; de pessoas não-brancas;
negros; Presença de
As categorias Pertencimento a
pessoas não-
definidas por um grupo; Risadas; Apresentação de dados que comprovem
- presença de Jesus na cruz nas escolas, hospitais e locais do -brancas;
Williams et Elogios ao seu posicio- a existência do racismo;
governo, mas nenhum símbolo de outras religiões ser permi-
al. (2021) namento (todas pro-
tido; Discussões
apresentadas vavelmente ligadas Ações afirmativas (e.g., aumento do
sobre raça e
anteriormente à sensação de estar número de pessoas negras com ensino
- ausência de imagens de pessoas negras nos livros de racismo.
certo) superior completo)
Biologia;
Afastamento de pessoas não-brancas
- prédios ou ruas com nomes de donos de pessoas escraviza-
(todas provavelmente ligadas à sensação
das (valorização dessas pessoas);
de estar errada, de constrangimento ou
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

- exposição a pessoas com “Blackface”; Exposição direta a


de perder privilégios e/ou amigos)
pessoas não-brancas ou a contextos verbais e não-verbais de
racismo (reforçadores positivos ou estímulos aversivos para
os comportamentos descritos nas categorias).
Análise funcional e microagressões

Nota. São apresentadas algumas respostas características do padrão, possível história de aquisição dessa classe de respostas (respostas
fisicamente ou funcionalmente similares ou de equivalência), contextos atuais que evocam essas respostas e as consequências (as que
mantêm o padrão ou as que diminuiriam a sua frequência). Como ressaltado nas tabelas anteriores, cada indivíduo, branco ou não-branco,
emite respostas diferentes, dependendo de sua história de vida e do contexto atual, incluindo modelos, contato com pessoas brancas ou
não-brancas, regras e autorregras, presença de determinada(s) pessoa(s) branca(s) ou não-branca(s) no momento atual, operações moti-
vadoras, etc. Entretanto, em nosso cenário atual, é mais comum o reforçamento (positivo e/ou negativo) das respostas de microagressão
racial (por parte de pessoas brancas). Por isso, a escolha pela análise molar desse padrão.
Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

Em segundo lugar, algumas pessoas outros fatores, facilitam com que essa popula-
negras, que ainda não passaram pelo proces- ção seja reforçada, mesmo em contextos nos
so de tornarem-se negras⁹ somado a ausência quais suas respostas podem ser prejudiciais.
de letramento racial podem não considerar as Por essa razão, é necessário que o letramento
microagressões raciais como ofensas, reforçan- racial seja uma realidade não só para a popula-
do-as positivamente no curto-prazo. Uma das ção não-branca, mas para todos. O letramento
características de uma pessoa com letramento racial inclui a educação sobre o processo de
racial é a habilidade de discriminar situações branqueamento da população e discussões
de racismo. Por viver em um país que vende a sobre branquitude, ou seja, sobre os privilégios
falsa ideia de democracia racial, a população simbólicos e materiais que a população branca
brasileira, de modo geral, não tem uma edu- recebe simplesmente por serem lidas como
cação sobre as relações étnico-raciais nem na brancas. O letramento racial também inclui a
escola, nem no trabalho, nem na universidade, aprendizagem sobre supremacia racial, a ideia
o que faz com que não saibam definir raça, de que os brancos são superiores e merecem
etnia e termos correlatos, tenham dificuldade melhores coisas do que os demais grupos ra-
de discriminar práticas racistas, invalidem rela- ciais (e.g., O’Brien, 2018; Schucman, 2014).
tos de pessoas não-brancas quando comentam Com relação à macroanálise realiza-
sobre episódios de racismo que viveram, entre da, esta permitiu verificar como a aquisição
outros (e.g., Mayorga, 2013; Meirelles et al., destes padrões comportamentais ocorre coti-
2018; Nascimento, 2016; Santana et al., 2018; dianamente e, portanto, como são necessários
Santos et al., 2012; Veiga, 2019). Entretanto, diversos esforços para que essas microagres-
apesar disso, em médio e longo prazo, as aná- sões sejam reduzidas em sua frequência. Ela
lises feitas neste trabalho mostram que tais situ- também permite ver a importância da visibili-
ações auxiliarão no fortalecimento de relações dade e representatividade, seja na mídia, nos
entre a população negra (e outras não-brancas) livros de Biologia ou em símbolos em escolas e
e atributos negativos (e.g., Hayes et al., 2001; hospitais. Por fim, podemos perceber a impor-
Mizael & de Rose, 2017; Sidman, 1994; Sidman tância de uma consequenciação que não seja
& Tailby, 1982) e, também, na manutenção da conivente com quaisquer práticas racistas.
estrutura racista da sociedade em que vivemos, Esse estudo parece ser o primeiro a reali-
sendo, portanto, prejudicadas, mesmo que não zar uma tentativa de análise funcional de mi-
consigam discriminar tal fato. croagressões raciais. Contudo, não é o primeiro
Em terceiro lugar, vale mencionar que o a realizar uma análise de comportamentos con-
fato de que as pessoas brancas sejam frequente- siderados racistas. Guerin (2005) realizou um
mente reforçadas por emitirem microagressões estudo que utilizou análises contextuais10/fun-
raciais não significa que a responsabilidade cionais para verificar possíveis funções de com-
pela mudança esteja nas pessoas não-brancas. portamentos considerados racistas. Inclusive,
Muito pelo contrário: o diferencial de poder, o seu foco foi no que o autor chamou de “práti-
modo como a sociedade está estruturada, entre cas racistas ‘mundanas’ ou ‘cotidianas’” (p. 47).

9 Para saber mais sobre o tornar-se negro, ler o trabalho de Souza (1983).

10 Para saber mais sobre análise contextual, ver Guerin (2016).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 125


Análise funcional e microagressões
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Nesse sentido, seriam possivelmente práticas As pessoas negras e outras não-brancas, com
muito semelhantes às chamadas de microa- base na frequência e cronicidade com a qual
gressões raciais. recebem tais microagressões, desenvolvem um
A análise feita pelo autor revela que o repertório de esquiva (experiencial) que acaba
comportamento de fazer piadas, por exem- não sendo benéfico para suas vidas. Portanto,
plo, pode ter as seguintes funções: “tentando análises sobre os impactos desse repertório
incluir; tirando sarro; uso irrefletido de este- de esquiva sobre a saúde mental de pessoas
reótipo; proporcionando ao alvo uma chance negras e outras não-brancas seria também
de se destacar; evitando uma situação incerta muito importante.
ou difícil; melhorar o status do próprio grupo; Por fim, fizemos uma breve tentativa de
supondo que você queira isso; tentando machu- analisar as consequências das microagressões
car” (p. 59). Diferentemente do nosso trabalho, raciais para as pessoas negras, e os resultados
o foco de Guerin (2016) foi em mostrar como mostraram diversos caminhos para a pesquisa:
topografias similares podem ocorrer sob dife- equivalência de estímulos/Teoria das Molduras
rentes funções e, portanto, quando pensamos Relacionais e fortalecimento da relação negro-
em intervenções, essas funções devem ser le- -negativo, diversas sensações consideradas
vadas em conta, de modo que uma intervenção negativas (e.g., mal-estar, sensação de menos-
em uma pessoa que fez uma piada racista por -valia, sensação de baixa autoestima), efeitos da
“uso irrefletido de estereótipo” seja diferente mídia (não se sentir representado), etc. Todas
de uma intervenção feita para um indivíduo essas hipóteses podem gerar linhas de pesquisa
que “queria machucar” outro. importantes para o entendimento destes efeitos
A proposta de Guerin (2016) é interes- a nível comportamental, como também para a
sante e, de certo modo, este trabalho pode ser busca de mudanças que levem à melhoria da
considerado uma continuação que olha mais saúde mental das populações não-brancas que
especificamente para um dos diversos tipos sofrem cotidianamente com as microagressões
de práticas racistas, as microagressões raciais, raciais.
verifica as possíveis funções utilizando também
os processos comportamentais e, além disso, Conclusão
pontua também possíveis consequências para
as populações não-brancas. As análises funcionais realizadas neste
Nesse sentido, estudos futuros poderiam estudo permitiram observar, grosso modo,
planejar intervenções diferenciais, a depender que as consequências das microagressões são,
das funções identificadas nos comportamen- geralmente, reforçamento positivo para quem
tos racistas, ou comparar o efeito de interven- emite a microagressão. Diferentemente, para
ções diferenciais com um modelo “padrão”. a população não-branca, mesmo nos casos nos
Adicionalmente, e especificamente com relação quais há reforçamento positivo imediato, estes
às microagressões raciais, seria interessante, levam possivelmente a consequências aver-
a partir de observações ocorridas no contexto sivas à médio e longo prazo. Nesse sentido, é
brasileiro, verificar e aprimorar as análises fun- muito importante o desenvolvimento de me-
cionais propostas aqui e, futuramente, planejar didas que possam levar, no futuro, a redução
maneiras de reduzir a frequência e impacto nesse tipo de violência que é perpetrada por
dessas microagressões em pessoas não-brancas. pessoas brancas.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 126


Análise funcional e microagressões
Táhcita Medrado Mizael & Ana Karina C. R. de-Farias

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 7 | 128


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 129—144

Ednéia Aparecida Peres Hayashi (1)

Efeitos da aprendizagem da leitura edneiah@uel.br

e escrita sobre comportamentos de Luciana Parisi Martins Yamaura (1, 2)


luciana.parisi@uel.br
interação social1 Verônica Bender Haydu (1)
Effects of learning to read and write haydu@uel.br
on social interaction behavior (1)
Universidade Estadual de Londrina
(2)
Centro Universitário de Adamantina

Resumo Abstract
A combinação do procedimento matching-to-sam- The combination of the matching-to-sample
ple ao responder por exclusão foi avaliada para procedure and responding by exclusion was
verificar se promove a aprendizagem da leitu- evaluated to verify whether it promotes lear-
ra e escrita de palavras e se essa aprendizagem ning to read and to write words and whether
contribui para alteração de comportamentos de this learning contributes to changing social
interação social. Participou um estudante do 5º interaction behaviors. The participant was a
ano do Ensino Fundamental. Na Fase 1, avalia- fifth-grade elementary school student. In Phase
ram-se comportamentos de interação social. Na 1, we evaluated social interaction behaviors.
Fase 2, avaliou-se o repertório inicial de leitura. In Phase 2, we assessed the initial reading re-
Foram realizadas 18 sessões de ensino de leitura pertoire and conducted 18 reading and writing
e escrita e testes das relações emergentes. Na teaching sessions, and tested emerging relations.
Fase 3, avaliaram-se a leitura das palavras de In Phase 3, we evaluated the reading of teaching
ensino e de generalização, e os comportamen- and generalization words and social interaction
tos de interação social. Na Fase 1, o participante behaviors. In Phase 1, the participant presented
apresentou isolamento social; na Fase 2, leu uma social isolation behaviors; in Phase 2, read one
de 31 palavras; na Fase 3, leu as 30 palavras de of 31 words; in Phase 3, read the 30 teaching
ensino e as 21 palavras de generalização, assim words and 21 generalization words, as well as
como apresentou redução do isolamento social. show a decrease in social isolation behaviors.
O procedimento foi eficaz na aprendizagem de The procedure was effective in learning to read
leitura e escrita de palavras e contribuiu para and write words and contributed to an increase
o aumento de comportamentos de interação in social interaction behaviors.
social.

Palavras-chave Keywords

Matching-to-Sample; Responder por exclusão; Matching-to-sample; Exclusion responding;


Leitura e escrita de palavras; Interação social; Reading and writing words; Social interac-
Equivalência de estímulos. tion; Equivalence relations.

1 O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Matching-to-sample (MTS) e o responder por exclusão no ensino de leitura de palavras: um estudo com uma criança com dificuldades de
aprendizagem e de interação social. O presente trabalho foi realizado com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior - Brasil (CAPES) - Código de financiamento 001.

129
Aprendizagem de leitura e Interação social
Ednéia Aparecida Peres Hayashi, Luciana Parisi Martins Yamaura, & Verônica Bender Haydu

Em nosso meio acadêmico é muito comum para aumentar a probabilidade de não apren-
observar crianças que não aprendem a ler e a derem esse tipo de repertório. Essas crianças,
escrever com recorrente fracasso (Mendonça muitas vezes, comportam-se de forma passi-
& Kodama, 2016), o que provavelmente coloca va e sem iniciativa e podem vir a se recusar a
as pessoas envolvidas, como as crianças e suas participar das atividades escolares. Assim, as
famílias, em situações constrangedoras e aver- crianças que não aprendem a ler e a escrever
sivas. Isso porque, segundo Oliveira (1992), o enfrentam não só problemas escolares, mas
próprio sistema escolar atribui ao estudante e também de adaptação ao meio social.
a sua família a responsabilidade pelo fracasso Pesquisas baseadas em princípios da
no processo de aprendizagem. De acordo com Análise do Comportamento têm contribuído
Oliveira (1992), os estudantes que não conse- para a compreensão dos processos envolvi-
guem acompanhar as atividades acadêmicas, dos na aprendizagem de leitura e de escrita,
em sua maioria, são considerados incompeten- produzindo resultados que podem ser úteis
tes e incapazes de atender à demanda da escola. ao desenvolvimento de estratégias de ensino
Frente ao descrédito e à marginalização, muitos eficazes e eficientes. No estudo pioneiro de
abandonam os estudos, aumentando a taxa de Sidman (1971), um jovem com microcefalia que
evasão escolar; outros podem apresentar com- já sabia escolher uma figura diante do nome
portamentos como indisciplina e agressividade ditado e dizer o nome diante da figura, foi sub-
ou baixo nível de interação social, passando a metido a um procedimento de ensino, em que
fazer parte do grupo designado “população de- ele aprendeu a relacionar palavras ditadas a
safiadora”. Essas situações, podem, no entanto, palavras impressas, num total de 20 palavras.
ser evitadas ou os problemas podem ser redu- Após esse ensino, o participante foi capaz de
zidos por meio de intervenções que promovam escolher a palavra impressa diante da figura
a aprendizagem dos repertórios acadêmicos. correspondente e escolher a figura diante da
Na avaliação dos professores, de acordo palavra impressa correspondente. Além disso,
com Marturano e Loureiro (2003), estudantes foi capaz de nomear as palavras impressas.
com “dificuldades de aprendizagem” são ava- Sidman concluiu que o participante aprendeu
liados como inquietos, briguentos, inibidos e leitura com compreensão.
sem iniciativa, com déficits nas habilidades de A partir do experimento realizado por
desenvolver e manter amizades, encerrar con- Sidman (1971), muitos estudos foram desen-
versação e interagir com colegas. Esses déficits volvidos por analistas do comportamento, em
podem ser observados durante o processo de que o modelo de formação de classes de es-
aprendizagem da leitura e da escrita, porque tímulos equivalentes foi demonstrado como
esses comportamentos são importantes para o sendo apropriado para ensinar leitura e escrita,
ajustamento das pessoas em nossa sociedade. inclusive em casos nos quais os participantes
Crianças que não aprendem a ler e a escrever, não haviam aprendido a ler por meio de mé-
segundo Condemarim e Blomquist (1989; ver todos tradicionais de ensino (ver revisões em
também Silva et al., 2014), geralmente exibem Albuquerque et al., 2021; Belisle et al., 2020;
um padrão comportamental típico, que envol- Hübner et al., 2014, Moroz et al., 2017). Em
ve desinteresse pela leitura, vindo a ter pouco alguns dos estudos, por exemplo, Bagaiolo
contato com material impresso, o que contribui e Micheletto (2004), de Rose et al. (1996),

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 130


Aprendizagem de leitura e Interação social
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Stromer et al. (1992), foram investigados os da equivalência de estímulos (por exemplo,


efeitos da combinação do matching-to-sample² Hübner et al., 2014) foram apresentadas pa-
(MTS) com o responder por exclusão para o lavras ditadas, palavras impressas e figuras
ensino de relações condicionais entre estímulos, correspondentes a essas palavras. O ensino
como um meio de propiciar a aquisição rápida consiste no estabelecimento de relações con-
e sem erros de relações condicionais arbitrárias dicionais entre a palavra ditada (A) e palavra
entre estímulos, pré-requisitos para a formação impressa (B), quando as relações entre palavras
de classes de estímulos equivalentes. ditadas (A) e a figura (C) já são apresentadas
O comportamento de escolher por exclu- pelo aprendiz, caso contrário essa relação é
são é possibilitado pela forma como as tenta- ensinada. Assim, espera-se que a nomeação da
tivas de ensino das relações condicionais são palavra impressa, que consiste em leitura, seja
arranjadas (Dixon, 1977; Plazas & Villamil, obtida sem que ela seja diretamente ensinada.
2018). Para isso, um dos estímulos de escolha Os estudos desenvolvidos por de
deve ser um estímulo cuja relação condicional Rose et al. (1989) e Melchiore et al. (1992) com
o participante conhece (estímulo definido). Por crianças que apresentavam dificuldades de
exemplo, se forem apresentados dois estímulos leitura mostraram que o ensino de relações
de comparação, um deve ser o estímulo defi- entre palavras ditadas e palavras impressas
nido (aquele que foi previamente relacionado (AC) produziram os desempenhos emergen-
ao modelo) e o outro o estímulo indefinido tes esperados, demonstrando a formação de
(não relacionado previamente). O participan- classes de equivalência entre figura-palavra
te poderá selecionar o estímulo que vai com o impressa (BC), palavra impressa-figura (CB) e
estímulo-modelo novo, excluindo o estímulo leitura (CD). Os resultados desses estudos de-
de comparação definido, o que facilita o esta- monstraram que, conforme era expandido o
belecimento da discriminação condicional e a repertório de relações de equivalência para
subsequente formação de classes de estímulos um número maior de palavras, os participan-
equivalentes. tes liam palavras que não foram diretamente
A formação das classes de equivalência ensinadas (generalização de estímulos). A pro-
pode ser observada quando no mínimo duas babilidade de ocorrência da leitura de palavras
relações condicionais com um elemento em de generalização pode ser aumentada com a
comum são ensinadas (as relações condicionais inclusão do ensino de construção da palavra
são identificadas por letras em grande parte da a partir de letras ou sílabas que compõem as
literatura – por exemplo, ensino das relações palavras (Matos et al., 2006). Esse procedimento
AB e AC); e emergem relações de reflexividade de ensino é denominado de emparelhamento
(AA, BB, CC), simetria (BA e CA) e transitividade/ com modelo com resposta construída - CRMTS
equivalência (BC e CB). Em grande parte dos es- (constructed response matching-to-sample) e a sua
tudos de ensino de leitura com base no modelo eficácia na promoção de leitura generalizada

2 Matching-to-sample é um procedimento em que determinado estímulo é apresentado como modelo e dois ou mais estímulos de compa-
ração como escolhas. A seleção do estímulo de comparação que vai com o modelo (S+), seja ele arbitrário ou não arbitrário, produz uma
consequência com valor reforçador ou um feedback positivo, enquanto a seleção do estímulo de comparação que não vai com o modelo (S-)
não produz essa consequência ou um feedback negativo. A função dos estímulos de comparação depende do estímulo-modelo apresentado,
isto é, são condicionais ao estímulo-modelo. Sidman (1994, Capítulo 5) faz uma crítica ao uso da expressão matching-to-sample na descrição
do procedimento de formação de classes de estímulos equivalentes, mas mantivemos essa expressão no presente capítulo por ser ela a mais
comumente utilizada na literatura sobre esse tema.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 131


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foi demonstrada em diversos estudos (e.g., social considerados adequados ou inadequados


Bandini et al., 2014; Dube et al., 1991) confor- em contexto escolar e domiciliar.
me pode ser conferido nos estudos de revisão
citados anteriormente. Método
Conforme exposto no início da introdução
deste capítulo, dificuldades de aprendizagem Participante
de leitura e escrita podem estar relacionadas
Um adolescente de 12 anos de idade, aqui
com problemas de interação social, o que leva,
denominado Rui, que cursava o 5º ano do Ensino
muitas vezes, os estudantes a serem encami-
Fundamental (Ciclo I) da rede pública de uma
nhados à psicoterapia. No contexto da psicote-
cidade do interior do Paraná, com o ensino em
rapia analítico-comportamental, a identificação
ciclos e a progressão continuada³ fundamenta-
de comportamentos relacionados à interação
do na Lei de Diretrizes e Bases da Educação de
social, segundo Wielewicki, Gallo, & Grossi
1996. Ele foi indicado pela pedagoga da escola
(2011), é facilitada pelo uso do Child Behavior
para participar do estudo porque não lia pa-
Checklist (CBCL) desenvolvido por Achenbach
lavras com sílabas complexas e apresentava
(1991). O CBCL é respondido pelos pais da
déficit de comportamentos de interação social,
criança, havendo uma versão para professores
como isolamento em atividades em grupo.
responderem, o Teacher’s Report Form (TRF).
Esse último contém pequenas alterações em
Ambiente, Materiais e Instrumentos
alguns itens em relação ao CBCL, mas avalia
Os encontros foram realizados em uma
os mesmos aspectos que o CBCL. Nesses inven-
sala cedida pelo Colégio em que Rui estudava.
tários, o comportamento da criança é avaliado
A sala continha cadeiras, mesas e um quadro.
quanto à presença ou não de oito condições:
Permaneciam na sala a pesquisadora e o
isolamento, queixas somáticas, ansiedade e
participante.
depressão, problemas sociais, problemas no
Foram utilizados os inventários CBCL e
pensamento, problemas na atenção, comporta-
TRF (Achenbach, 1991), cuja adaptação cultural
mento delinquente e comportamento agressivo.
para o Brasil foi relatada por Bordin et al. (2013).
Esses formulários foram utilizados no presente
O instrumento é composto por 138 itens, sendo
estudo, que visou avaliar se o procedimento
20 destinados à avaliação da competência social
MTS combinado ao arranjo de contingências
e 118 à avaliação de problemas de comporta-
que viabiliza o responder por exclusão promo-
mento. O comportamento da criança é avaliado
ve a aprendizagem da leitura e da escrita de pa-
quanto à presença ou não de oito condições:
lavras com encontros consonantais e verificar
isolamento, queixas somáticas, ansiedade e
se há alteração no padrão de comportamentos
depressão, problemas sociais, problemas no
de interação social após essa aprendizagem.
pensamento, problemas na atenção, compor-
Isso foi proposto com base na premissa de que a
tamento delinquente e comportamento agres-
aprendizagem de leitura e de escrita pode estar
sivo. Tais categorias possibilitam a avaliação
relacionada com comportamentos de interação

3 A educação básica no Brasil é dividida em ciclos. O Ciclo I equivale aos cinco primeiros anos de estudo, o Ciclo II acontece do 6º ao 9º ano do
Ensino Fundamental e o Ciclo III congrega o 1º, 2º e 3º ano do ensino médio. De acordo com a progressão continuada, o estudante é avaliado ao
longo e ao final de um ciclo. Nesse sistema, espera-se que o estudante desenvolva habilidades, competências e conhecimentos específicos.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 132


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dos padrões comportamentais relacionados à comparação) para uma tentativa. Os estímu-


interação social. los eram palavras a serem ditadas, palavras
Como materiais, foram utilizadas pastas- impressas e figuras coloridas. As palavras de
-catálogo, letras impressas em folhas de papel ensino e as palavras de generalização (forma-
e recortadas (Fonte 48), palavras impressas na das a partir da recombinação de letras e síla-
cor preta (Fonte 48) e figuras coloridas (me- bas das palavras de ensino) estão listadas na
dindo de 2 a 3 cm²). As folhas de papel com os Tabela 1.
estímulos foram organizadas nas pastas-catálo- Em cada página da pasta, o estímulo-mode-
go, sendo que cada página continha o arranjo lo encontrava-se centralizado na parte superior
de estímulos (estímulo-modelo e estímulos de da folha e os de comparação na parte inferior,

Tabela 1
Palavras de ensino e palavras de generalização utilizadas em cada passo.
Passos Palavras de Ensino Palavras de Generalização
1 bolo*, galinha, chave chaga, bolinha
2 prego, palhaço preço, chapa
3 olho, cachorro galho, velho
4 bicicleta, cobra cabra, gorro
5 quadrado, toalha abraço, quadro
galinha, chave, prego, palhaço, olho, cachorro, chaga, bolinha, preço, chapa, galho, velho,
6
bicicleta, cobra, quadrado, toalha cabra, gorro, abraço, quadro
7 flor, estrela flecha, bicho
8 blusa, microfone crocodilo, neblina
9 passarinho, caminhão caminho, canhão
10 guarda, igreja água, bagre
11 folha, tigre grelha, gralha
galinha, chave, prego, palhaço, olho, cachorro, bi- chaga, bolinha, preço, chapa, galho, velho,
cicleta, cobra, quadrado, toalha, flor, estrela, blusa, cabra, gorro, abraço, quadro, flecha, bicho, cro-
12
microfone, passarinho, caminhão, guarda, igreja, codilo, neblina, caminho, canhão, água, bagre,
folha, tigre grelha, gralha
13 mulher, astronauta colher, trono
14 coelho, tocha alho, chato
15 livro, banheira livre, banheiro
16 chapéu, frutas chaminé, frito
17 cruz, agulha cru, falha
galinha, chave, prego, palhaço, olho, cachorro, bi- chaga, bolinha, preço, chapa, galho, velho,
cicleta, cobra, quadrado, toalha, flor, estrela, blusa, cabra, gorro, abraço, quadro, flecha, bicho, cro-
18 microfone, passarinho, caminhão, guarda, igreja, codilo, neblina, caminho, canhão, água, bagre,
folha, tigre, mulher, astronauta, coelho, tocha, grelha, gralha, colher, trono, alho, chato, livre,
livro, banheira, chapéu, frutas, cruz, agulha banheiro, chaminé, frito, cru, falha

Nota. * = Palavra definida (lida corretamente no pré-teste). Nos demais passos, cada palavra ensi-
nada era usada como palavra definida do passo subsequente.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 133


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um de cada lado. Quando o estímulo-modelo distribuídos de forma aleatória, totalizando


era uma palavra a ser ditada, a porção superior duas tentativas para cada estímulo, nas duas
da folha permanecia em branco. Diante de um diferentes posições.
estímulo-modelo visual (uma figura ou uma pa-
lavra impressa), uma folha de cartolina cobria a Procedimento
porção inferior da página até que o participante As sessões duravam no máximo uma
olhasse para o estímulo-modelo. Nas sucessivas hora. O procedimento foi dividido em três fases
folhas, os dois estímulos de comparação eram descritas a seguir e sumariadas na Tabela 2.

Tabela 2
Fases, passos, procedimento e número de palavras de ensino e de generalização em cada passo.
Fases Passos Procedimento Nº de palavras
Contato inicial.
Aplicação dos inventários.
1 -
Observação de categorias de comportamentos
de interação social
- Pré-teste 31
- Pré-ensino 30
Ensino das relações AC, CE; testes das relações Uma de ensino definida, duas de ensino
1
BC, CB, BD, CD e AF indefinidas, duas de generalização
2 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
3 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
4 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
5 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
10 de ensino definidas.
6 Teste extensivo de generalização (leitura)
10 de generalização.
Sonda de leitura; ensino das relações AC, CE, Uma de ensino definida, duas de ensino
7
CF; testes das relações BC, CB, BD, CD e AF indefinidas, duas de generalização
2 8 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
9 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
10 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
11 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
12 Teste extensivo de generalização (leitura) 20 de ensino definidas 20 de generalização
Sonda de leitura; ensino das relações AC, CE, Uma de ensino definida, duas de ensino
13
CF; testes das relações BC, CB, BD, CD e AF indefinidas, duas de generalização
14 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
15 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
16 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
17 Idem ao anterior com outras palavras Idem ao anterior
30 de ensino definidas.
18 Teste extensivo de generalização (leitura)
30 de generalização.
Reaplicação dos inventários.
3 Observação de categorias de comportamentos -
de interação social.

Nota. As relações AB e AD já faziam parte do repertório do participante.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 134


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Fase 1 - Contato inicial, aplicação dos in- realizadas três sessões de 10 minutos na situa-
ventários e observação de categorias de com- ção do intervalo, sendo registrada a frequência
portamentos de interação social. Inicialmente das categorias comportamentais estabelecidas.
houve um encontro com a mãe do participante, Tais sessões foram realizadas durante três dias
em uma sala do Colégio, para esclarecer os ob- consecutivos.
jetivos da pesquisa e solicitar sua assinatura no Fase 2 - Programa de ensino de leitura e
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido escrita de palavras. O programa de ensino de
(aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da leitura e escrita de palavras foi composto por
instituição das autoras). Após a mãe concordar pré-teste, pré-ensino, procedimento de ensino
com a pesquisa, foi solicitado que respondesse de leitura e escrita, testes das relações emer-
o CBCL. Em seguida, houve um encontro com gentes, sondas de leitura, e testes extensivos
a professora, em que ela respondeu o TRF. A de leitura. Os procedimentos de matching-to-
professora informou quais eram os tipos de di- -sample (MTS) e o responder por exclusão foram
ficuldades da língua na leitura e escrita de Rui, combinados para o ensino das relações AC (pa-
tendo-se verificado que eram, principalmente, lavra ditada como modelo e palavras impressas
palavras com ch, lh, nh e r em encontros conso- como comparação), CE (palavra impressa como
nantais, como em pedra. modelo e construção dela com letras) e CF (pala-
Com a finalidade de observar e registrar vra impressa e escrita da palavra – cópia). Após
os comportamentos do participante definidos o ensino, testou-se a emergência das relações
como sendo de interação social, foi feita uma CB (palavra impressa como estímulo-modelo e
sessão de observação direta dos comportamen- figura como comparação), BC (figura como es-
tos apresentados por Rui no período do interva- tímulo-modelo e palavra impressa como com-
lo entre as aulas (recreação), no pátio do Colégio. paração), BD (figura como modelo e nomeação
Escolheu-se esse horário por ser uma situação da mesma), CD (palavra impressa e nomeação
na qual os estudantes não estavam envolvidos - leitura) e AF (palavra ditada como estímulo-
com atividades acadêmicas, sendo mais pro- -modelo e escrita - ditado).
vável a observação de interações espontâneas Pré-teste. Teste de leitura que objetiva-
entre eles. Foram anotados de forma cursiva os va o estabelecimento da linha de base e que
comportamentos relacionados à interação de consistia na apresentação de 31 palavras im-
Rui com outros estudantes, além de comporta- pressas, individualmente, em folha de papel,
mentos de isolamento. Após esse registro ela- solicitando-se a leitura de cada uma. Não havia
borou-se uma lista de categorias comportamen- consequências para as repostas durante o teste.
tais referentes a comportamentos de interação, A única palavra lida pelo participante foi bolo.
com base na proposta de del’Homme, Sinclair A partir desse pré-teste, as 30 palavras não lidas
e Kasari (1994). Tais categorias foram: perma- foram selecionadas para o programa de ensino
nece sozinho; permanece calado, na presença de (ver Tabela 1).
meninos; aproxima-se de meninos; aproxima-se Pré-ensino. Figuras correspondentes
de meninas; conversa com meninos; conversa às palavras selecionadas para o programa de
com meninas; conversa com adultos; meninas ensino eram apresentadas uma a uma e solici-
se aproximam de Rui; meninos se aproximam de tava-se ao participante que as nomeasse. Esta
Rui; empurra ou dá “rasteira” em outros meninos; etapa teve como objetivo verificar se ele era
brincadeiras com meninas. Em seguida, foram capaz de nomear corretamente as figuras. Se ele

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 135


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apresentasse erro, a pesquisadora dizia o nome definido, permitindo a escolha da palavra im-
correto. No caso de acerto, passava-se para a pressa que correspondesse ao estímulo-modelo,
próxima figura, sem apresentar consequências. por exclusão. O procedimento do ensino das
Procedimento de ensino de leitura e relações AC nos passos subsequentes era igual
escrita (matching-to-sample e o responder ao descrito aqui.
por exclusão). Consistiu em 18 sessões (aqui O ensino da relação CE (palavra impressa
denominadas passos), com duração aproxima- como estímulo-modelo e construção da pala-
da de 60 minutos cada, realizadas duas vezes vra com letras) consistia em apresentar ini-
por semana. Nos Passos 1, 2, 3, 4, 5, 7, 8, 9, 10, cialmente a palavra BOLO (estímulo-modelo
11, 13, 14, 15, 16 e 17 eram ensinadas duas definido) e letras impressas que compõem a
palavras de ensino, uma por vez, sendo um dos palavra como estímulos de escolha aleatoriza-
estímulos de escolha uma palavra definida. O das em diferentes posições. As palavras foram
MTS com a condição de emitir respostas por ensinadas uma a uma, solicitando-se que a pa-
exclusão (AC) era seguido pela construção de lavra apresentada como estímulo-modelo fosse
palavras (CE) e o ensino da relação CF (cópia – formada com essas letras, com duas tentativas
introduzida a partir do Passo 7), seguidos pelos para cada estímulo-modelo. Cada resposta
testes de equivalência (BC, CB, BD, CD e AF). Os correta era seguida de consequências verbais
Passos 6, 12 e 18 consistiram em testes exten- como as descritas anteriormente. Sondas de
sivos de leitura. leitura da palavra ensinada no Passo anterior
O ensino da relação AC (palavra ditada eram realizadas no início de cada passo.
como estímulo-modelo e palavras impressas O ensino da relação CF (palavra impres-
como estímulos de comparações) foi iniciado sa como estímulo-modelo e cópia manuscrita)
com a apresentação da palavra ditada bolo (es- foi introduzido a partir do Passo 7. Justifica-se
tímulo-modelo definido) e duas palavras im- devido ao fato de que o participante não estava
pressas como estímulos de comparação, sendo conseguindo ler todas as palavras de generali-
uma o estímulo definido BOLO. As respostas zação dos passos até então executados. Diante
corretas eram seguidas de consequências ver- da palavra impressa correspondente às pala-
bais como: “muito bem”, “é isso mesmo”, e as vras de ensino, era solicitado ao participante
respostas incorretas não tinham consequência. que escrevesse a palavra (cópia). Cada palavra
Após cada acerto ou erro, passava-se à tenta- era apresentada separadamente após o ensino
tiva seguinte. A palavra cuja resposta estava da relação CE. Era feita uma única tentativa
incorreta, era reapresentada no final do passo. com cada palavra.
Depois de seis tentativas corretas, mudando Os testes das seguintes possíveis relações
as posições das palavras impressas, a pala- emergentes foram realizados: BC, CB, BD, CD,
vra de ensino nova era apresentada por seis AF. Nos testes não havia consequências para
tentativas como estímulo-modelo. No caso de as respostas. O Teste BC, por exemplo, iniciou
ser emitida uma resposta incorreta, toda essa com a apresentação da figura definida como
parte do Passo era repetida, até atingir 100% estímulo-modelo e duas palavras impressas
de acerto. Após o primeiro pareamento, uma como comparação. Eram apresentadas seis
segunda palavra de ensino nova (indefinida) tentativas para cada estímulo-modelo. Em
era introduzida, sendo a palavra de ensino seguida, dava-se início ao novo pareamento.
do Passo anterior apresentada como estímulo No Teste CD, cada palavra de ensino e cada

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 136


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palavra de generalização eram apresentadas registro de frequência das categorias compor-


individualmente e intercaladas entre si, sendo tamentais descrito na Fase 1.
solicitada a leitura. Havia duas tentativas
para cada palavra. No Teste AF, cada palavra Resultados
de ensino era ditada e solicitava-se que ela
fosse escrita, havendo uma tentativa para cada A avaliação da linha de base do comporta-
palavra. mento de ler realizada no início da Fase 2 per-
O critério para avançar para o Passo se- mitiu constatar que o participante leu apenas
guinte foi de 90% de acertos nos testes das uma das 31 palavras apresentadas no teste.
relações BC, CB, BD e CD. A leitura das pala- Essa palavra foi usada como palavra definida
vras de generalização não era considerada no ensino da primeira relação condicional do
para que o critério fosse alcançado. Se essa procedimento. Para avaliar a aprendizagem de
porcentagem de acertos não era atingida, o leitura e de escrita, foram calculadas as porcen-
Passo era repetido. A partir do Passo 2 foram tagens de acerto em cada Passo do procedimen-
realizadas as sondas de leitura em que, ini- to da Fase 2. Como o participante não escreveu
cialmente, as duas palavras de ensino e de corretamente nenhuma das palavras no teste
generalização do Passo anterior, mais as duas AF (ditado) nos Passos 2, 4 e 5, conforme descri-
palavras de ensino do Passo atual eram apre- to no método, foi incluído, a partir do Passo 7,
sentadas, uma por vez, e solicitava-se ao par- o ensino CF, que consistiu em solicitar que ele
ticipante a leitura, com duas tentativas para fizesse a cópia da palavra após a construção de
cada palavra. Caso o critério de 90% de acertos cada palavra com as letras.
não fosse atingido em relação às palavras de Nos ensinos de discriminação condicio-
ensino, o procedimento do Passo anterior era nal entre palavra ditada-palavra impressa
repetido. Nos Passos 6, 12 e 18 foram realiza- (AC), construção de palavras (CE) e cópia (CF - a
dos os testes extensivos de generalização que partir do Passo 7), o participante apresentou
visaram avaliar a manutenção da leitura de 100% de acertos em cada um dos passos. Os
todas as palavras de ensino e a leitura das pa- resultados obtidos nos testes realizados após
lavras de generalização dos passos anteriores. cada passo, diante das relações figura-palavra
Eram programadas duas tentativas para cada impressa (BC), palavra impressa-figura (CB), na
palavra. nomeação das figuras (BD), nos testes de leitura
Fase 3 - Reaplicação dos inventários e (CD) e na cópia (CF) encontram-se na Tabela 3.
observação de categorias de comportamen- Pode-se verificar nessa tabela que nos testes
tos de interação social pós-intervenção. Esta as porcentagens de acertos foram inferiores a
fase teve por objetivo registrar os comporta- 100% em apenas um dos passos, tendo havido
mentos de interação de Rui após o procedi- um erro em 24 tentativas, diante da relação
mento de ensino. Solicitou-se que a mãe e a BC (95%). As palavras de ensino foram lidas
professora respondessem, respectivamente, os corretamente (Teste CD) em todos os passos.
inventários CBCL e TRF. Além disso, foram rea- Quanto ao teste de leitura das palavras de gene-
lizadas três sessões de observação na situação ralização, em que cada palavra era apresentada
de intervalo entre aulas (recreação), em dias duas vezes, verifica-se que nos Passos 1 a 7,
consecutivos, com o mesmo procedimento de as porcentagens de acertos são mais baixas do
que nos demais passos. Doze palavras foram

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 137


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Tabela 3
Porcentagem de respostas corretas nos testes realizados no final de cada passo do procedimento
de ensino.
Relações Testadas
CD
Passo
BC CB BD Pal. de Pal. de AF
Ensino Generalização
1 100 100 100 100 50 -
2 100 100 100 100 50 0
3 100 100 100 100 75 100
4 95 100 100 100 0 0
5 100 100 100 100 25 0
7 100 100 100 100 0 50
8 100 100 100 100 100 100
9 100 100 100 100 50 100
10 100 100 100 100 100 100
11 100 100 100 100 75 100
13 100 100 100 100 50 50
14 100 100 100 100 100 100
15 100 100 100 100 100 50
16 100 100 100 100 75 100
17 100 100 100 100 75 100

Nota. Pal. de Ensino = Palavras de Ensino; Pal. de Generalização = Palavras de Generalização.


Os Passos 6, 12 e 18 não foram incluídos nesta tabela, pois eram testes extensivos de leitura.

leu corretamente três palavras de ensino, que


foram: tigre, mulher e cruz.
apresentadas nesses seis passos e apenas sete
foram lidas corretamente. A partir do Passo 7,
Palavras de Ensino Palavras de Generalização
em que foi introduzido o ensino da relação CF,
Porcentagens de acertos

120
houve um aumento do número de respostas
100
corretas, sendo que de 18 palavras apresenta- 80
das somente duas foram lidas incorretamente. 60

Nas sondagens de leitura realizadas no 40

início de cada Passo verifica-se que houve 20

100% de acertos na leitura das palavras ensi-


0
1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18

nadas na sessão anterior em todos os passos Passos

(ver Figura 1). Verifica-se ainda que a partir


Figura 1. Porcentagens de acertos nas sondas de
do Passo 8, o participante leu corretamente
leitura de cada passo das palavras ensinadas no
as duas palavras de generalização, exceto no
passo anterior e das palavras de generalização,
Passo 13, em que ele não leu corretamente
e porcentagens de acertos nos Passos 6, 12 e 18,
a palavra grelha. Nos Passos 11, 13 e 17, ele
referentes ao teste extensivo de generalização

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 138


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(leitura). não-clínica. Os escores entre 67-70 são classifi-


cados como limítrofes entre as faixas clínica e
não-clínica. Conforme pode ser observado na
90
Figura 2, houve redução acentuada no escore
80 CBCL
70 referente à categoria de isolamento no CBCL,
60
passando de 82 para 62. Segundo relato da mãe,
50
40 Rui aumentou a frequência do diálogo com os
familiares e está saindo mais vezes para brin-
30
Escores

20
10 car com outras crianças. Na categoria referente
0
to a s

o
ia
is to ão nt
e
iv
o à “comportamento delinquente” ocorreu um
en át
ic s c en nç e s
m re o am te qu es
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ep a sS ns e
A
el
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gr pequeno aumento no escore, embora continue
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m Pe sd D p.
e p.
ix
sendo classificado na faixa não-clínica. Esse au-
a
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m
Q
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a bl Co
n le o
A Pr
Pr
o b
mento está relacionado à informação fornecida
pela mãe de que a preferência de Rui após in-
Pré-intervenção Pós-intervenção
tervenção passou a ser a de estar na companhia
90
TRF de crianças mais velhas. Na avaliação inicial, a
80
70 mãe respondeu que ele preferia a companhia
60
de crianças mais novas. Quanto aos resultados
50
40 do TRF, verifica-se que houve diminuição de
30
13 pontos no escore referente ao isolamento,
Escores

20
10 passando da faixa clínica para a não-clínica. De
0
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acordo com o relato da professora, Rui estava
to a ão ia to ão n iv
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apresentando, após a intervenção, um número
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maior de verbalizações e estabelecendo novas
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A
o bl
em Pr amizades.
Pr
Os dados do registro da observação re-
Categorias comportamentais
alizadas na situação do intervalo das aulas
Figura 2. Escores no CBCL (parte superior da são apresentados na Tabela 4, na qual pode-se
figura) e no TRF (parte inferior da tabela) nas verificar que um maior número de compor-
fases de pré e pós-intervenção, a partir das res- tamentos relacionados ao isolamento, como
postas dadas pela mãe (CBCL) e a professora do permanecer sozinho no horário do intervalo
participante (TRF). ou estar na companhia de outros meninos, mas
permanecer calado, eram apresentados pelo
Os dados referentes aos inventários CBCL e TRF participante e que as brincadeiras e diálogos
respondidos antes (Fase 1) e após (Fase 3) o pro- ocorriam mais frequentemente com meninas.
cedimento de ensino pela mãe e a professora Após a intervenção houve redução na emissão
de Rui encontram-se, respectivamente, na parte de comportamentos de isolamento, além de
superior e inferior da Figura 2. Para a classifi- aumento de diálogo com meninos. O aumento
cação dos resultados considerou-se, conforme na emissão de comportamentos de empurrar
Achenbach (1991), que escores acima de 71 e dar “rasteira” pode estar relacionado ao fato
correspondem à faixa clínica, isto é, que requer de que Rui passou a interagir mais com os me-
intervenção terapêutica, e abaixo de 66 à faixa ninos, o que antes não ocorria. De forma geral,

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 139


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observa-se que houve aumento de interação sessões de uma hora, a aprendizagem de leitura
social de Rui com outros meninos e com adultos. de 30 palavras de ensino com encontros conso-
nantais, bem como a leitura de 21 palavras de
generalização. Além disso, houve aumento na
Tabela 4
frequência de comportamentos de interação
Frequência de comportamentos de interação
social de Rui no contexto familiar e escolar,
social.
conforme dados dos inventários CBCL e TRF,
Frequência de
assim como a partir das observações realizadas
Categorias de Comportamentos
Comportamentos nos intervalos das aulas.
Antes Após
I I O programa desenvolvido, que repro-
Permanece sozinho 12 6 duziu em parte o que foi proposto por de
Permanece calado, Rose et al. (1989), permitiu a aquisição de rela-
11 4
na presença de meninos ções entre palavras ditadas e palavras impres-
Aproxima-se de meninos 0 3 sas com 100% de acertos em todos os passos do
Aproxima-se de meninas 0 0
Ensino AC. Nos testes das relações CB e BD, Rui
Conversa com meninos 5 25
acertou 100% em todos os passos e nos testes
Conversa com meninas 6 0
da relação BC apresentou um erro no Passo 4.
Conversa com adultos 0 2
Esses resultados corroboram os estudos como
Meninas aproximam-se dele
(sem diálogo)
0 2 o de Rose et al. (1989), Melchiore et al. (1992) e
Meninos aproximam-se dele
Sidman (1971), demonstrando que o ensino de
5 2
(sem diálogo) pelo menos duas relações condicionais leva à
Empurra ou dá “rasteira” em emergência de relações que não foram direta-
3 6
meninos
mente ensinadas, o que caracteriza a produti-
Brincadeiras com meninas 8 2
vidade do ensino.
Legenda: I = Intervenção. A aprendizagem com um baixo número
de respostas de escolha incorretas foi provavel-
Discussão mente decorrente do arranjo de contingências
estabelecido nas tentativas de ensino em que
Este estudo visou avaliar se o ensino re- o responder por exclusão foi viabilizado. Um
alizado por meio do procedimento MTS com- estímulo definido era apresentado como estí-
binado ao arranjo de contingências que via- mulo-modelo e o participante pôde excluir o es-
bilizam o responder por exclusão promoveu tímulo de comparação indefinido, escolhendo
a aprendizagem de leitura e de escrita, bem o estímulo de comparação definido. A exclusão
como verificar se houve alteração no padrão desse tipo, de acordo com de Rose et al. (1996),
de comportamentos de interação social após é uma forma de garantir que o controle de es-
essa aprendizagem. A avaliação do repertório tímulos não seja feito, exclusivamente, pelo
inicial de leitura demonstrou que o participante estímulo negativo.
leu corretamente apenas uma palavra das 31 A leitura de palavras de generalização
apresentadas no teste. Verificou-se ainda que o provavelmente foi facilitada pelo ensino de
ensino de leitura e escrita por meio da combi- construção de palavras. Para construir corre-
nação dos procedimentos de matching-to-sam- tamente as palavras deve-se prestar atenção a
ple e de escolha por exclusão promoveu, em 18 cada letra e sílaba. Esse procedimento ajuda a

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 140


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discriminar essas letras e sílabas quando apa- Contudo, espera-se que o fato de ter havido um
recem nas palavras novas, indicando o controle aumento no envolvimento do participante nas
por unidades textuais mínimas. A leitura de pa- atividades em sala de aula contribua para de-
lavras de generalização depende também do senvolver a fluência necessária.
número de palavras ensinadas em que a posi- Antes da intervenção verificou-se que
ção das sílabas tenha sido variada (D’Oliveira Rui apresentava comportamentos de isolar-
& Matos, 1993), o que pode ser uma das expli- -se e quietude, permanecendo, no contexto
cações para o baixo índice de acertos nos testes de intervalo, a maior parte do tempo sozinho
iniciais de leitura de palavras de generalização ou quando estava com outros meninos ficava
do participante do presente estudo. No entanto, calado. A interação social mais frequente era
verificou-se que após alguns passos, o partici- com meninas. No meio familiar, segundo dados
pante leu as palavras tigre, mulher e cruz que da mãe, recusava-se a falar grande parte do
seriam ensinadas naqueles passos (11, 13, e 17). tempo. Após a intervenção, houve um aumen-
Essas palavras não são compostas por sílabas to de interação social com outros meninos e
que foram anteriormente ensinadas no pro- redução de comportamentos de isolamento e
grama, mas todas as letras, com exceção do z, quietude, conforme os dados dos inventários
e o encontro consonantal lh, faziam parte das e os dados das sessões de observação. Além
palavras de ensino anteriores. Isso pode indi- disso, a mãe de Rui relatou que ele passou a
car que estava começando a ocorrer o controle conversar mais com a família e brincar com os
pelas letras e não somente pelas sílabas. Além vizinhos, além de brincar com crianças mais
disso, deve-se considerar que Rui possuía um velhas. Esse resultado corrobora os dados do
repertório inicial de leitura adquirido em sala estudo de Marturano e Loureiro (2003), o qual
de aula o qual, provavelmente, contribuiu para demonstrou que estudantes com “dificulda-
esses resultados. O comportamento de escrever des de aprendizagem” são avaliados como in-
corretamente diante do estímulo oral (ditado) quietos, briguentos, inibidos e sem iniciativa,
passou a ocorrer com a introdução, no Passo 7, com déficits nas habilidades de desenvolver e
da tarefa de copiar a palavra. Esse resultado manter amizades, encerrar conversação e in-
está de acordo com Skinner (1957), que propôs teragir com colegas. A aprendizagem de leitura
que as habilidades de leitura e escrita são re- permite aos indivíduos novas interações com
pertórios distintos. o ambiente à medida que possibilita contato
Com base nos relatos apresentados pela com novas contingências de reforço (Rosales-
professora, a aprendizagem da leitura contri- Ruiz & Baer, 1997). Rui estava no 5º ano e as
buiu para aumentar a participação de Rui na habilidades de leitura e escrita de palavras são
sala de aula, em atividades que envolviam esse adquiridas, pela maioria das crianças, no 1º
tipo de repertório. Houve também um melhor ano, o que provavelmente contribuiu para o
desempenho e maior envolvimento em tarefas desenvolvimento de comportamentos denomi-
de escrita em sala de aula. Como o trabalho foi nados de autoestima rebaixada, por exemplo,
desenvolvido em um espaço curto de tempo e o isolamento social (Matos, 1992). O fato de Rui
somente com palavras, houve melhora na lei- ter conseguido adquirir uma habilidade básica,
tura de palavras, mas não necessariamente na levou-o a se envolver nas atividades de sala de
fluência da leitura de palavras e de sentenças, o aula.
que requereria um procedimento mais extenso.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 141


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Os dados do presente estudo sugerem que In A. R. de Albuquerque & R. M. de Melo.


se o ensino de leitura e escrita for desenvol- (Orgs.), Contribuições da análise do com-
vido respeitando os limites de cada estudante portamento para a compreensão da leitura
e a partir do repertório de cada um, não só o e escrita: aspectos históricos, conceituais e
repertório acadêmico pode ser desenvolvido, procedimentos de ensino. (v. 1, pp. 63–112).
mas também comportamentos de isolamento Oficina Universitária e Cultura Acadêmica.
social podem ser reduzidos quando esses fize- Bagaiolo, L. F., & Micheletto, N. (2004). Fading
rem parte do repertório do estudante. Algumas e exclusão: Aquisição de discriminações
limitações do presente estudo podem ser desta- condicionais e formação de classes de estí-
cadas, como o fato de ter sido um delineamento mulos equivalentes. Temas em Psicologia,
de caso único e o fato da observação de com- 12(2), 168–185. http://pepsic.bvsalud.
portamentos de interação social ter sido feita org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S-
apenas no período do intervalo entre as aulas 1413-389X2004000200008
(recreação), no pátio do Colégio. Esse compor- Bandini, C. S. M., Bandini, H. H. M., Sella, A.
tamento poderia acontecer em outras situações, C., & Souza, D. G. (2014). Emergence
como em sala de aula, podendo ser um dado im- of reading and writing in illitera-
portante para o estudo. Uma terceira limitação te adults after matching-to-sample
é o fato de ter sido avaliada apenas a leitura de tasks. Paidéia, 24(57), 75–84. https://doi.
palavras. Foi feito o ensino de escrita (compo- org/10.1590/1982-43272457201410
sição de palavras com letras), mas o desempe- Belisle J, Paliliunas D, Lauer T, Giamanco A,
nho da escrita não foi alvo de avaliação. Além Lee B, Sickman E. (2020). Derived rela-
disso, o foco do presente estudo foi a leitura de tional responding and transformations of
palavras. Sugere-se que em estudos futuros o function in children: A review of applied
procedimento do presente estudo seja realizado behavior-analytic journals. The Analysis
com uma amostra maior de participantes e que of Verbal Behavior, 36(1), 115–145. https://
o procedimento inclua a avaliação da escrita. doi.org/10.1007/s40616-019-00123-z
Além disso, deve-se considerar a importância Bordin, I. A., Rocha, M. M., Paula, C. S., Teixeira,
do ensino da fluência da leitura, isto é, o ensino M. C. T., Achenbach, T. M., Rescorla, L. A.,
de leitura de sentenças, conforme foi realizado & Silvares, E. F. (2013). Child Behavior
por Ponciano e Moroz (2012), que apresenta- Checklist (CBCL), Youth Self-Report (YSR)
ram um procedimento em que sentenças foram and Teacher's Report Form (TRF): an over-
as unidades de ensino. view of the development of the original
and Brazilian versions. Cadernos de Saúde
Referências Pública, 29, 13–28. https://doi.org/10.1590/
S0102-311X2013000100004
Achenbach, T. M. (1991). Manual for the child Dixon, W. V. (1977). The nature of control by
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tudos brasileiros sobre leitura e escrita Del’Homme, M. A., Sinclair, E.& Kasari, C. (1994).
baseados no paradigma de equivalência. Preschool children with behavioral

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 142


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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 143


Aprendizagem de leitura e Interação social
Ednéia Aparecida Peres Hayashi, Luciana Parisi Martins Yamaura, & Verônica Bender Haydu

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 8 | 144


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 145—158

Felipe Magalhães Lemos (1)


felipe@lunaead.com.br
Rachel Metras (2)
rmetras@viacenters.org

Modificações para melhorar Henrique Costa Val (3)


costaval.henrique@gmail.com
a implementação da IISCA1 Joshua Jessel (4)
Modifications to improve IISCA implementation joshua.jessel@qc.cuny.edu

(1)
Universidade Federal de São Carlos
(2)
University of Virginia
(3)
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
(4)
Queens College

Resumo Abstract
Revisamos a literatura atual sobre a Interview- We reviewed the current literature on the
Informed Synthesized Contingency Analysis Interview-Informed Synthesized Contingency
(IISCA; Hanley et al., 2014) para identificar di- Analysis (IISCA; Hanley et al., 2014) to identi-
ferentes modificações procedimentais desse fy different procedural modifications with this
modelo de análise funcional. O formato de aná- functional analysis format. The IISCA functional
lise funcional IISCA possui várias características analysis format has several key characteristics,
principais, como aplicação rápida, possuindo such as quick application, having only two con-
apenas duas condições (teste e controle), fazen- ditions (test and control), the use of synthesized
do uso de contingências sintetizadas e utilizan- contingencies and mathched condition. Since
do condições pareadas. Desde 2014, o IISCA foi 2014, the IISCA has been modified to address
modificado para abordar diferentes contextos different clinical settings, such as the treatment
clínicos, como o tratamento de problemas de of problem behavior in a trauma-informed
comportamento em uma abordagem de aten- care approach, the assessment and treatment
dimento informado sobre o trauma, avaliação of severe problem behavior, or in a very brief
e tratamento de problemas graves de compor- single-session format. In this review, we discuss
tamento ou em um formato muito breve de the how the IISCA has been modified for use in
sessão única. Esta revisão discute como o IISCA different clinical models.
foi modificado para uso em diferentes modelos
clínicos.

Palavras-chave Keywords

IISCA; análise funcional; IISCA baseada em IISCA; Functional analysis; performance-ba-


performance; IISCA baseada em Latência; sed IISCA; latency-based IISCA; single-session
IISCA de sessão única. IISCA.

1 O presente capítulo é derivado de um simpósio apresentado no XXXI Encontro Anual da ABPMC, em setembro de 2022, sob o título:
Diferentes tipos de aplicação da Análise Funcional IISCA.

145
IISCA modifications
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Ainda que não haja relação causal entre não exijam muita tecnologia para serem con-
comportamento-problema e diagnósticos duzidas e são relativamente simples de imple-
como transtorno do espectro autista (TEA) mentar (Oliver et al., 2015; Roscoe et al., 2015).
(Weiss et al., 2012) e deficiência intelectual No entanto, esse tipo de avaliação não possui
(Simó-Pinatella et al., 2017), comportamentos boa validade para informar a função de
como birras, agressão, automutilação e desti- comportamentos-problemas, sendo que
tuição de propriedade ainda são predominan- apenas levantam hipóteses e muitas vezes
tes entre essas populações. Quase todas (94%) levam a falsos positivos (Camp et al., 2009;
as pessoas com autismo (Jang et al., 2011) e Contreras et al., 2022; Lerman & Iwata, 1993;
93,7% das pessoas diagnosticadas com TEA e Thompson & Iwata, 2007). A metodologia de
deficiência intelectual (McTiernan et al., 2011) avaliação mais precisa disponível para avaliar
apresentaram uma ou mais formas de com- esse tipo de comportamento é a análise funcio-
portamentos-problema. Esses comportamen- nal (Beavers et al., 2013; Hanley et al., 2003).
tos podem afetar negativamente a pessoa com Esta ferramenta analítica comportamental
TEA ou deficiência intelectual e impedi-la destina-se a manipular experimentalmente
de se envolver significativamente com suas estímulos antecedentes e consequentes que
comunidades. Portanto, o comportamento- possam influenciar a ocorrência do com-
-problema é muitas vezes uma das maiores portamento-problema (Nohelty et al., 2021).
preocupações para os pais e professores de Dado que a análise funcional é a tecnologia
pessoas com autismo (Kokkinos & Kargiotidis, mais precisa, seria razoável suspeitar que
2016; Walsh et al., 2013; Westling, 2010). seria amplamente utilizada por outros pro-
Ao longo dos anos, os pesquisadores fissionais certificados, mas pesquisas recen-
propuseram muitos métodos diferentes para tes apontam que apenas cerca de 10% dos
avaliar as condições sob as quais o compor- participantes (analistas do comportamento e
tamento-problema pode ocorrer, entre eles professores) relatam usar análises funcionais
as avaliações indiretas (entrevistas ou formu- na maioria das vezes em que precisa tratar
lários preenchidos sem a observação direta comportamento-problema (Oliver et al., 2015;
do comportamento), avaliações descritivas e Roscoe et al., 2015). Esses achados foram re-
análise funcional (Cooper et al., 2019). Um plicados por (Lemos et al., s.d.), que consta-
dos métodos de avaliação mais acessíveis é tou que apenas aproximadamente 25% dos
a avaliação funcional descritiva, que requer profissionais brasileiros (analistas do com-
que um clínico colete dados anedóticos sobre o portamento, psicólogos, professores, fonoau-
comportamento-problema de um participante diólogos e outros) relatam usar na maioria
por meio de observações diretas enquanto o das vezes a análise funcional para informar
avaliador registra os eventos antecedentes e os tratamentos de comportamento-problema.
consequentes possivelmente relacionados ao Quando perguntados por que eles não esta-
alvo (Britto et al., 2020). As avaliações descriti- vam usando análises funcionais em suas prá-
vas são o formato de avaliação funcional mais ticas, os participantes da pesquisa americana
utilizado nos Estados Unidos, talvez porque relataram que as barreiras mais significativas

2 O uso dos termos “tecnológico” e “tecnologia”, ao longo do texto, se refere aos recursos tecnológicos como computadores, softwares e
robôs. Outro uso comum destes termos é para se referir a procedimentos e técnicas desenvolvidas no âmbito da Análise do Comportamento
Aplicada.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 146


IISCA modifications
Felipe Magalhães Lemos, Rachel Metras, Henrique Costa Val, & Joshua Jessel

eram o tempo necessário para realizar a aná- O núcleo da IISCA


lise, as preocupações éticas sobre reforçar Os procedimentos e valores que emba-
o comportamento-problema, o espaço ne- sam a IISCA podem ser rastreados até Hanley
cessário para realizar uma análise e a falta (2012), onde o autor discute como modificar
de apoio de pais e administradores, entre os procedimentos de análise funcional vigen-
outras (Oliver et al., 2015; Roscoe et al., 2015). tes para então superar as barreiras à imple-
Solucionar essas barreiras parece ser essen- mentação de análises funcionais na prática
cial para que as análises funcionais se tornem clínica (por exemplo, falta de tempo, recursos
mais amplamente adotadas na prática clínica. ou adesão dos clientes). Esses valores foram
Um tipo específico de análise funcional, a colocados em prática por Hanley et al. (2014),
Interview-Informed Synthesized Contingency onde as recomendações procedimentais da
Analysis (IISCA, Análise de Contingências publicação de 2012 foram combinadas em um
Sintetizadas por Entrevista), foi desenvolvi- processo de avaliação e tratamento. A IISCA
da por Hanley et al. (2014) para rapidamente descrita em Hanley et al. (2014) consiste em
avaliar comportamentos-problema sob con- três etapas: 1) realização de uma entrevista se-
dições ecologicamente relevante e assim so- miestruturada (avaliação funcional indireta)
lucionar as barreiras supracitadas (Lemos & para informar as condições de teste e controle
Jessel, 2021). Ela começa com uma entrevista da análise funcional; 2) sondar sistematicamen-
semiestruturada para identificar possíveis te as supostas condições de teste e controle, e
contingências que mantêm o comportamen- 3) a própria análise funcional. Dito de outra
to-problema dos participantes. Essas contin- forma, o processo através do qual o analista
gências exclusivas são subsequentemente do comportamento testa experimentalmente
avaliadas em condições de teste e controle pa- se a operação estabelecedora (OE) putativa e
readas por uma duração total de análise de 15 os reforçadores putativos evocarão e manterão
a 25 minutos (Jessel et al., 2020a). Nos últimos o comportamento-problema. Neste sentido, a
anos, modificações adicionais a esse formato IISCA é semelhante a todas as outras análises
de análise permitiram que os pesquisadores funcionais. No entanto, existem cinco compo-
avaliassem a função do comportamento-pro- nentes procedimentais que pesquisas recentes
blema após poucas instâncias de comporta- concordam que devem estar presentes para
mento-problema (Metras & Jessel, 2021) perí- que uma análise funcional se qualifique como
odos mais curtos (Jessel, Metras, et al., 2018), uma IISCA.
e em diferentes settings (Coffey et al., 2019; Condição única de teste: a IISCA sempre
Dowdy et al., 2020; Dowdy & Tincani, 2020; tem uma única condição de teste. Em vez de
Jessel et al., 2021; Kahan et al., 2021). A IISCA testar isoladamente se cada potencial reforça-
é recomendada e aceita por pesquisadores, dor mantém o comportamento-problema, as
clínicos e famílias, sendo que foi por diversas informações da entrevista semiestruturada são
vezes socialmente validada (Jessel et al. 2018; sintetizadas para criar uma condição que emula
Rajaraman & Hanley, 2018). Os procedimentos as experiências do ambiente natural do partici-
da IISCA de 2014 e outras variações notáveis pante. Isso significa que a IISCA não identificará
da IISCA são descritos a seguir. se o comportamento-problema é mantido por
um reforçador isolado, porém reduz a confusão
com resultados de análises funcionais em que

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 147


IISCA modifications
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muitas vezes os gráficos demonstram baixa di- reforçadores (positivos e negativos) são libera-
ferenciação entre uma função e outra, levando dos apenas contingentes à ocorrência de com-
a reaplicações para ter resultados claros. portamentos-problema. Condições pareadas
Procedimentos informados: todos os reduzem as confusões ao eliminar variáveis
estímulos e respostas programados na IISCA estranhas entre as condições, ou seja, ao invés
devem ser indicados na entrevista (deve ser de usar uma condição de controle com acesso a
sempre realizada) e/ou observados durante itens menos preferidos para testar uma condi-
um período de observação estruturada. Isso ção de demanda, a IISCA utiliza uma condição
quer dizer que a análise funcional é indivi- de controle com acesso a atenção de qualida-
dualizada para cada participante, e não é um de sem demanda para testar uma condição de
conjunto geral de procedimentos. Em teoria, teste sem atenção e com demanda.
existem tantas condições diferentes de teste e Classe de contingência aberta: uma
controle na IISCA quanto há clientes sendo en- classe de contingência aberta deve incluir
caminhados para análises funcionais. Atentar todas as topografias de comportamento-pro-
aos detalhes únicos das experiências de cada blema ou precursor (aquele comportamento
participante pode melhorar a validade ecoló- que ocorre antes do mais severo e que está
gica e, potencialmente, a precisão da análise. funcionalmente relacionado ao alvo) que os
Contingências sintetizadas: as contin- cuidadores relatam podendo co-ocorrer na
gências são sintetizadas da mesma forma que análise funcional. Qualquer dessas topografias
são relatadas como ocorrendo naturalmente, devem ser reforçadas na primeira instância de
o que pode aumentar a validade ecológica qualquer ocorrência. Especificar apenas uma
da análise. As contingências sintetizadas pro- topografia de comportamento-problema ou
gramadas na IISCA incluem frequentemente analisar a relação precursora antes da análise
reforço negativo e positivo. Por exemplo, se funcional parece ser desnecessário. Em recente
um pai relata que seu filho grita sempre que é pesquisa Warner et al. (2020) demonstrou que
solicitado a parar de brincar com seus brinque- comportamentos relatados como co-ocorrentes
dos e iniciar suas tarefas, a condição de teste quando incluídos na IISCA poderiam melhorar
em um IISCA emularia esse contexto, pedindo a segurança durante a análise funcional com
à criança para começar as tarefas e parar de eficiência para indicar a função sintetizada do
brincar, em seguida, permitindo que a criança comportamento-problema, sem perder quali-
mantenha o acesso a seus brinquedos e evitasse dade no controle.
as tarefas contingentes aos gritos. Neste exem-
plo, gritar leva ao reforçador negativo quando A entrevista
as tarefas são removidas e ao contato com o O componente de entrevista da IISCA
reforçador positivo quando os brinquedos são reúne informações sobre o comportamento-
reapresentados. -problema do participante, incluindo quais
Condições pareadas: a única diferença eventos ou situações parecem desencadear o
entre as condições de teste e controle é a con- comportamento e quais consequências tendem
tingência programada. Durante a condição de a seguir essas respostas. As informações coleta-
controle, os participantes mantêm o acesso a das na entrevista podem então ser usadas para
todos os reforçadores putativos incontingen- desenvolver uma hipótese sobre a função do
temente. Durante a condição de teste, todos os comportamento-problema. A hipótese é então

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 148


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testada através de uma análise funcional, que


envolve a manipulação dos supostos antece-
dentes e consequências do comportamento
para ver como ele se altera.
Para a realização da entrevista, recomen-
damos os seguintes passos. Primeiro, identifi-
que o participante cujo comportamento-pro-
blema precisa ser analisado. Pode ser uma
criança, um adolescente ou um adulto. Em
segundo lugar, determine quem participará da
entrevista. Isso pode incluir pais, professores,
cuidadores ou outras pessoas familiarizadas
com o comportamento de um participante. Em
terceiro lugar, explicamos aos cuidadores que
o objetivo da entrevista é reunir informações Figura 1. Fluxograma de escolha da IISCA.
sobre o comportamento-problema do partici-
pante para desenvolver uma hipótese sobre sua
função. Em quarto lugar, realiza-se a entre- aproximadamente duas respostas por minuto
vista usando perguntas (Hanley, 2012) sobre o se os reforçadores forem apresentados em in-
comportamento do participante, assim como tervalos de 30 segundos.
seus imediatos antecedentes e consequências. Os blocos da sessão da IISCA são sequen-
A entrevista deve ser adaptada ao participante ciados da seguinte forma: (1) controle, (2)
específico e aos comportamentos-problema que teste, (3) controle, (4) teste e (5) teste, a menos
estão sendo avaliados. Em quinto lugar, pre- que blocos adicionais sejam necessários para
para-se a análise por meio de um formulário estabelecer o controle funcional sobre o com-
(Hanley, 2020) com informações coletadas da portamento-problema. A condição de controle
entrevista. é conduzida primeiramente para estabelecer
Após a entrevista, recomenda-se seguir o uma relação de confiança entre o participan-
fluxograma de escolha mostrado na Figura 1 e te e o profissional. É importante notar que o
escolher a IISCA que melhor se adapte às ne- número de sessões pode diferir dependendo
cessidades do seu participante. do desempenho do participante.
Como já explicitado anteriormente, nos
IISCA completa (original) blocos de controle os reforçadores putativos
O formato da IISCA completa refere-se estarão disponíveis não contingentes ao com-
ao procedimento original descrito nos estu- portamento-problema. Já no bloco de teste a
dos de pesquisa iniciais (Hanley et al., 2014; operação estabelecedora putativa é progre-
Jessel et al., 2016). A IISCA usa um design dida até a primeira instância de comporta-
multi-elemento no qual as condições de teste mento-problema (co-ocorrente, precursor
e controle correspondentes são rapidamente ou severo), então o terapeuta deve oferecer
alternadas. O comportamento-problema é acesso aos reforçadores putativos sintetizados
quantificado através de taxa, e espera-se que (positivo e negativo) por 30 segundos (Jessel,
a taxa ideal durante a condição de teste seja de 2022).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 149


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São necessários ao menos cinco blocos


para se estabelecer uma relação funcional
(Jessel et al., 2016). Embora a duração e o
número total de blocos possam variar, estima- 2.5 Forte
-se que o intervalo de tempo necessário para
finalizar a IISCA completa esteja entre 15 e 30 2.0
minutos. Os pesquisadores alcançaram dife-
renciação de resultados com a IISCA completa, 1.5
independentemente de cada bloco ter 3, 5 ou Teste
10 minutos de duração (Jessel et al., 2020a). Um 1.0
Controle
controle forte sobre o comportamento-proble-
ma é estabelecido quando não há pontos de 0.5
dados sobrepostos entre os blocos de teste e
controle, e o comportamento-problema está 0.0
em taxas zero durante a condição de controle
(Figura 2). Tal como acontece com qualquer Respostas por minuto (RPM) 2.5 Moderado
análise funcional, a IISCA também pode apre-
2.0
sentar análises com controle moderado ou
fraco sobre o comportamento-problema. Um
1.5
controle moderado ocorre quando alguns
pontos de dados se sobrepõem ou o comporta-
1.0
mento-problema ocorre durante a condição de
controle, enquanto um controle fraco é obtido 0.5
quando há sobreposição entre as condições de
teste e controle e o comportamento-problema 0.0
ocorreu na condição de controle, respectiva-
mente (Jessel et al., 2020b). Recomendamos
2.5 Fraco
que apenas análises que resultem em forte
controle sobre o comportamento-problema 2.0
sejam usadas para informar intervenções
para comportamento-problema. 1.5
A IISCA completa é interessante quando
os alvos comportamentais são operantes livres 1.0
e o tempo para se realizar a análise não é um
problema (Jessel, 2022). Ela também pode 0.5
ser útil quando comportamentos-problema
menos severos são informados durante a 0.0
entrevista, quando não há preocupações em 1 2 3 4 5
emular o ambiente natural, quando não há Blocos
preocupação com procedimentos informados
por trauma e quando a prioridade é um pro-
cedimento bem estabelecido (Figura 3). Figura 2. Diferentes controles na IISCA completa.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 150


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As modificações da IISCA 2.5


Completa

Respostas por minuto (RPM)


2.0

IISCA de sessão única 1.5


Teste
1.0
Controle
A IISCA de sessão única foi desenvolvida
0.5
como uma alternativa à IISCA completa, melho-
0.0
rando a brevidade analítica, reduzindo o tempo 1 2 3 4 5

de análise de 25 min (Jessel et al., 2016) para 5 Blocos

min (Jessel et al., 2018). Esse formato consiste 0.20 Sessão Única

Respostas por minuto (RPM)


em uma sessão com um único bloco de teste,
0.15
RAIs
exatamente como ocorre na IISCA completa e
0.10
mais uma análise post-hoc. Como não há condi-
ção de controle, as respostas são analisadas em 0.05 RPIs

intervalos em que os reforçadores estão pre- 0.00

sentes ou ausentes na sessão de teste. Ou seja, 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13


Intervalos
a sessão de teste inclui dois intervalos distintos:
o intervalo em que os reforçadores estão pre-
15 Tentativas
sentes (RPI), que consiste em 30s de acesso aos % de comportamentos-problema
Teste
Controle
reforçadores sintetizados, e o intervalo em que 10
os reforçadores estão ausentes (RAI), que é o pe-
ríodo em que os reforçadores são removidos e 5

a OE é progredida. O RPI torna-se a condição de


controle, e o controle funcional é estabelecido 0
Fuga para acesso a tangíveis
se o comportamento-problema ocorrer apenas
durante o RAI. Portanto, é imperativo ter uma
NR Latência
boa hipótese na entrevista sobre as condições 180
Latência de respostas

em que o comportamento-problema é e não


120
é provável que ocorra (Jessel et al., 2018). Um
gráfico representativo da IISCA de sessão única 60

pode ser visto na Figura 3. 0


Uma IISCA de sessão única pode ser útil 1 2 3 4 5
Blocos
para clientes cujo comportamento-problema é
uma resposta de operante livre, mas o local de Dangerous Performance
Nondangerous
análise, ou a situação limitam quanto tempo as
pessoas podem utilizar para realizar uma aná- Interactive Behavior
Engagement
lise (Jessel, 2022). Uma outra razão pela qual
Calmness
pode-se conduzir uma IISCA de sessão única
Reinforcement
é se os clientes não apresentam comporta-
mentos-problema menos graves (precursores, 0 100 200 300
Segundos
co-ocorrentes) e se o comportamento-proble-
ma ocorre de forma rápida e repetitiva, como Figura 3. Diferentes tipos de gráficos em modi-
mostrado na Figura 1. ficações da IISCA.

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 151


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IISCA baseada em tentativas forma é lógico se supor que a IISCA baseada


Algumas vezes a maior preocupação que em tentativas possa ser usada para avaliar a
um profissional pode ter é com a validade eco- função do comportamento-problema no am-
lógica da análise. Existem alguns casos em que biente natural, alcançando validade ecológica.
o comportamento-problema ocorre apenas em Portanto, a IISCA baseada em tentativas pode
um ambiente específico, com pessoas especí- ser útil quando o comportamento-problema
ficas. Então, nesses casos, é difícil e às vezes ocorre apenas em um ambiente específico
impossível emular o cenário natural no am- (setting) que é difícil de emular, e o compor-
biente clínico. Em casos como esses, a análi- tamento-problema exibido pelo participante
se funcional baseada em tentativas poderia é confiável e não severo (Figura 1).
aumentar a validade ecológica da avaliação
(Austin et al., 2015; Davis et al., 2022; Flanagan IISCA baseada em latência
& DeBar, 2018) porque a análise funcional Alguns dos procedimentos da IISCA
estará embutida no ambiente natural onde usam a taxa de comportamento-problema
o comportamento-problema provavelmente por minuto ou segundo (Hanley et al., 2014;
ocorrerá (Bloom et al., 2011). Jessel et al.,2018) sendo esta uma das medidas
Há poucas iniciativas na literatura de mais utilizadas para avaliar comportamentos-
adaptar o modelo baseado em tentativas para -problema (Hanley et al., 2003). Uma limita-
a IISCA. Curtis (2017) and Curtis et al. (2020) ção desse tipo de medida é a necessidade de
adaptaram a IISCA para avaliar comportamen- evocar o comportamento-problema muitas
tos-problema em um contexto natural através vezes em diferentes sessões. Para comporta-
de 20 tentativas consecutivas, consistindo em mentos-problema que são extremamente peri-
seguimentos de teste e controle com 1 minuto gosos (Perrin et al., 2018; Zarcone et al., 1994)
de intervalo entre cada tentativa. No segui- ou requerem uma reorganização significativa
mento de controle os reforçadores sintetizados do setting experimental entre as tentativas
estavam disponíveis não-contingentemente. Já (Davis et al., 2013; Perrin et al., 2008), as medi-
durante o seguimento de teste a OE sintetizada das de taxa podem não ser úteis já que podem
era progredida até a ocorrência de qualquer ser inseguras evocando múltiplas instâncias
instância de comportamento-problema, com do comportamento-problema severo, ou ainda
a subsequente entrega dos reforçadores sin- pouco práticas (Neidert et al., 2013). Nesses
tetizados. Os dados de uma IISCA baseada em cenários, a latência poderia ser usada para
tentativas são normalmente representados mensurar o comportamento-problema duran-
através da porcentagem do comportamen- te uma análise funcional. Pesquisas anteriores
to-problema em cada condição (Figura 3). O (Thomason-Sassi et al., 2011) descobriram que
objetivo é avaliar se uma porcentagem maior a relação entre a taxa de resposta e a latência
de comportamento-problema ocorre duran- é inversa, na medida em que baixas latências
te a condição de teste do que a condição de de comportamentos-problema correspondem
controle. a uma alta taxa de comportamento-problema.
Curtis et al. (2020) demonstraram ser Jessel et al. (2018) conduziram IISCAs ba-
possível utilizar a IISCA baseada em tentati- seadas em latência para duas crianças com au-
vas para se analisar comportamentos-proble- tismo encaminhadas para o tratamento de fuga
ma que ocorram em baixa frequência. Dessa abrupta de ambientes (do inglês, elopment).

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 152


IISCA modifications
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Durante a IISCA baseada em latência, a estru- de comportamento-problema durante o con-


tura de sessão da IISCA completa foi mantida trole (Figura 3).
com cinco blocos no arranjo controle-teste- A IISCA baseada em latência pode ser
-controle-teste-teste. No entanto, a medida de útil para casos de comportamentos-problema
latência foi usada em vez de taxa. Os blocos de distintos e de alto risco (por exemplo, fuga de
controle tiveram duração de 180s, e os blocos ambientes seguros para ambientes inseguros),
de teste duraram até que que a primeira ins- pois o número total de instâncias de compor-
tância de comportamento-problema ocorresse tamento-problema necessários para alcançar
ou 180s se passassem, o que acontecesse pri- a diferenciação é baixo (Jessel, 2022). A IISCA
meiro. Entre o quarto e quintos blocos, 30s de baseada em latência também pode reduzir
acesso aos reforçadores foi providenciado. As o tempo em que o participante é exposto a
crianças tiveram acesso ininterrupto aos re- contextos que evocam o comportamento-pro-
forçadores sintetizados durante a condição de blema (Jessel et al., 2018). A IISCA baseada em
controle e, portanto, não se esperava que ocor- latência também pode ser benéfica nos casos
ressem comportamentos-problema. Mas se o em que são necessárias significativas modifi-
comportamento-problema tivesse ocorrido, cações no setting para evocar o comportamen-
não havia consequência planejada. Durante to-problema (Figura 1).
as sessões de teste, a OE foi progredida e o
reforçamento era contingente à fuga. Para IISCA baseada em performance
ambos os casos, não ocorreu nenhum com- Metras e Jessel (2021) discutiram a pos-
portamento-problema no bloco de controle e sibilidade de se utilizar a IISCA baseada em
ocorreram latências curtas para o comporta- performance como uma potencial modificação
mento-problema durante os blocos de teste. da IISCA. A IISCA baseada em performance é
Os tratamento posteriores informados pelas alcançada fazendo três alterações na IISCA de
IISCAs baseadas em latência resultaram em sessão única. A primeira alteração consiste em
uma redução de aproximadamente 100% do eliminar o requisito de tempo dos intervalos de
comportamento-problema durante a avalia- reforçamento, permitindo que o acesso aos re-
ção final do tratamento. Resultados similares forçadores do comportamento-problema dure
foram obtidos por Boyle et al. (2020) em uma indefinidamente. Isso cria um longo intervalo
replicação desse mesmo estudo, no qual um de reforçamento pontuado pela apresentação
participante com autismo, de 8 anos de idade, de OEs. Isso provavelmente resultará em uma
do sexo masculino, muitas vezes fugia em análise que dura mais do que a IISCA de sessão
locais públicos ou fora de casa. O tratamento única de 5 minutos; no entanto, também reduz
levou a taxas zero de comportamento-proble- a exposição a períodos de OE, o que pode au-
ma durante o tratamento, e o participante foi mentar a segurança.
capaz de esperar entre 5-10 min sem fugir A segunda mudança é medir o comporta-
quando o acesso aos reforçadores foi negado mento-problema como frequência em vez de
por terapeutas ou cuidadores. O gráfico da taxa, como nos artigos de Hanley et al. (2014).
IISCA baseada em latência deve demonstrar Essa mudança permite que a IISCA seja en-
controle ao apresentar baixa latência de res- cerrada com base em mudanças de momen-
postas durante o teste e nenhuma ocorrência to-a-momento na resposta, como quando o

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 153


IISCA modifications
Felipe Magalhães Lemos, Rachel Metras, Henrique Costa Val, & Joshua Jessel

comportamento alvo ocorre durante cinco para melhorar a probabilidade de prever a


apresentações consecutivas de OE e não ocorre ocorrência de comportamentos-problema de
durante os intervalos de acesso ao reforçamen- alto risco durante a IISCA.
to. A mudança final é acompanhar medidas O gráfico da IISCA baseada em perfor-
individualizadas de felicidade, engajamento mance mostrará a medida da duração do en-
e relaxamento com itens ao longo da análise. gajamento, calma, OE, assim como duração
Tais medidas poderiam fornecer evidências do acesso aos intervalos de reforçamento e
de que as contingências de reforçamento ava- cada ocorrência de comportamento-problema
liadas durante a análise funcional poderiam severo, menos severo e interativo, como na
manter as habilidades durante o processo de Figura 3. Essa nova adaptação pode ser uma
tratamento (Metras & Jessel, 2021). boa escolha para casos em que a preocupação
Iovino et al. (2022) melhoraram a pro- principal é com procedimentos informados
posta para esta nova adaptação com algumas por trauma e quando os comportamentos-pro-
alterações na proposta original de Metras & blema não são distintos e de difícil manejo
Jessel (2021). A primeira mudança é que a aná- (Figura 1).
lise só começa quando o participante atinge
pelo menos 3 minutos de estado feliz, engaja- Conclusão
do e relaxado (FER) no setting experimental.
O estado de FER foi definido como a ausência As modificações na IISCA foram desen-
de comportamentos-problemas, assim como volvidas para endereçar problemas que não
a observância de músculos faciais e ombros eram atingidos por seu modelo original de
relaxados (ou seja, sem tensão) e mãos ma- 2014. Assim, ampliou-se sua utilidade como
nipulando objetos (por exemplo, um carri- ferramenta eficaz para a avaliação de com-
nho) ou sendo usadas para auto-estimulação portamentos-problema. A incorporação de
(por exemplo, balançando as mãos, flapping) diferentes tipos de dados como os baseados
(Iovino et al., 2022). A segunda mudança feita em latência, performance dos participantes,
é com relação ao período de reforçamento tentativa em ambiente natural e avaliação em
contingente ao comportamento-problema, em um único bloco da sessão única permitiram
que todos os reforçadores são entregues livre- uma análise mais abrangente dos comporta-
mente, e esse intervalo pode durar o tempo mentos-problema em indivíduos com atraso
necessário para que o participante fique FER no desenvolvimento e/ou autismo. Essas mo-
por pelo menos 30s. A terceira mudança são dificações também melhoraram a precisão
os critérios para alcançar o controle. O tera- e a confiabilidade da IISCA e a tornaram in-
peuta precisa evocar o comportamento-pro- formada por trauma, mais eficiente e prática
blema dentro de 10s após o progresso da OE; para uso em ambientes naturais. À medida
o terapeuta deve ser capaz de parar o compor- que continuamos a refinar e desenvolver a
tamento-problema dentro de 5 segundos após IISCA, ela tem o potencial de desempenhar
o início do período de reforçamento; e é ne- um papel crítico na promoção de resultados
cessário que essas condições sejam replicadas comportamentais positivos para indivíduos
ao menos três vezes. Esse mesmo modelo foi com deficiências de desenvolvimento.
utilizado no estudo de Canniello et al. (2023)
mas com algumas mudanças na entrevista

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 154


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Felipe Magalhães Lemos, Rachel Metras, Henrique Costa Val, & Joshua Jessel

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Comportamento em Foco, v. 15, cap. 9 | 158


COMPORTAMENTO
EM FOCO VOL. 15 pp. 159—173

Paulo Augusto Costa Chereguini (1)


modeloexerciencia@gmail.com
Luisa Gonçalves Pires (2)
piresluisag@gmail.com
Prescrição de exercício físico na Gabriela Ribeiro Leão (3)
terapia analítico-comportamental gabrielaribleao@gmail.com
Laura Carvalho Ribeiro (1)
do autismo por meio do VB-MAPP1 lauracarvalhor@gmail.com
Exercise in behavioral therapy for people with Luiz Henrique Monteiro Galvão (1)
autism by VB-MAPP assessment
luiz.modexc@gmail.com
Carolina Roberta Assis (1)
assiscarola@gmail.com
(1)
Modelo ExerCiência
Jéssica Pereira Muniz Ohara (1)
(2)
LGP Consultoria jessica.muniz.modexc@gmail.com
(3)
Clínica CEFAPP

Resumo Abstract
Propõe-se apresentar, para fins de ampla discus- It is proposed to present, for the purposes of ex-
são e escrutínio pela comunidade de analistas do tensive discussion and scrutiny by the commu-
comportamento e de envolvidos no atendimento ao nity of behavioral analysts and those involved in
transtorno do espectro do autismo (TEA) e outros the care of autism spectrum disorder (ASD) and
atrasos no desenvolvimento, um modelo desenvol- other delays in development, a model developed
vido no Brasil de atendimento terapêutico analítico- in Brazil of analytical-behavioral therapeutic care
-comportamental em educação física que configure in physical education that configures the transdis-
a estrutura transdisciplinar. Especificamente, obje- ciplinary structure. Specifically, the objective is to
tiva-se descrever operacionalmente o processo de operationally describe the process of individuali-
prescrição particularizada de exercícios físicos por zed prescription of physical exercises by physical
profissionais de educação física (PEF), que possam education professionals (PEF), who can compose
compor equipes terapêuticas ABA de atendimento ABA therapeutic teams of attendance to ASD, taking
ao TEA, tomando como referência objetivos levan- as reference objectives raised from the behavioral
tados a partir da avaliação comportamental de evaluation of development VB-MAPP. To this end,
desenvolvimento VB-MAPP. Para tanto, contextu- the role of PEF is contextualized in a proposal of
aliza-se o papel de PEF em uma proposta de sua its composition in the structure of inter and trans-
composição na estrutura de atendimento inter e disciplinary care, its importance and collaborative
transdisciplinar, sua importância e possibilidades possibilities, as well as the decision-making pro-
colaborativas, bem como o processo de tomada de cess on the target behaviors of the intervention,
decisão sobre os comportamentos-alvo da interven- documentation and performance records and the
ção, documentação e registros de desempenho e contingencies of reinforcement as a function of the
as contingências de reforçamento em função dos performances of these target behaviors during the
desempenhos destes comportamento-alvo durante practice of physical.
prática de exercícios físicos.

Palavras-chave Keywords
atividade física; linguagem; avaliação do desenvol- Physical activity; language; developmental evalua-
vimento; prática interdisciplinar; análise do com- tion; interdisciplinary practice; analysis of applied
portamento aplicada. behavior.

1 O presente capítulo é derivado da combinação de duas apresentações realizadas no XXXI Encontro Anual da ABPMC - Palestra “Análise
funcional na seleção de comportamentos-alvo para intervenção transdisciplinar em educação física ao TEA”, realizada dia 09/09/22, e
Simpósio “Experiências nacionais de atendimento inter e transdisciplinar ABA ao TEA: interação Psicologia, Terapia ocupacional e Educação
Física”, ocorrido dia 08/09/22.

159
Exercício físico na terapia do autismo
Chereguini, Pires, Leão, Ribeiro, Galvão, Assis, & Ohara

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é Embora possa ser difícil discriminar quais
caracterizado por déficits persistentes na comu- comportamentos estão relacionados a qual
nicação e interação social e por padrões restri- condição, didaticamente o alvo do tratamento
tos e repetitivos de comportamentos, interesses do TEA se configura pelo ensino dos compor-
ou atividades (DSM-5; American Psychiatric tamentos que abordam particularizadamente
Association [APA], 2014). Comumente indiví- os core features de cada pessoa com autismo,
duos com TEA apresentam uma diversidade ou seja, os prejuízos associados à essas carac-
de prejuízos associados à essas características terísticas principais que tipificam o transtorno.
principais, conhecidas como core features, que Em razão da complexidade da sintomatologia
sob livre tradução poderíamos entender como e da onipresença de comorbidades nessa po-
“principais características” ou as “característi- pulação, o sucesso do tratamento exige colabo-
ca que tipificam o transtorno” (Braga-Kenyon, ração interdisciplinar (La France, et al, 2019),
Kenyon & Guilhardi, 2015; Ahearn & Tiger, entre profissionais com diferentes formações
2013; Bowman, Suarez & Weiss, 2021), as (Bownan et al., 2021; Cox, 2012; Kelly & Tincani,
quais guiam a seleção dos objetivos de atua- 2013; Koening & Gerenser, 2019; Newhouse-
ção de profissionais de diferentes formações Oisten, et al., 2017; Rogers, 2001).
acadêmicas ou domínios de conhecimento Na composição dessa equipe, a literatu-
(Kwee et al., 2009). ra da área destaca a atuação de profissionais
Associados aos core features, pessoas com da análise do comportamento, psicologia,
TEA frequentemente apresentam comorbida- terapia ocupacional, fonoaudiologia, saúde -
des psiquiátricas como, por exemplo, trans- como enfermeiros, dentistas, fisioterapeutas,
torno de ansiedade, transtorno depressivo, nutricionistas, medicina, incluindo pediatras,
transtorno de oposição desafiante, transtorno neurologistas, psiquiatras, além de, educadores
de conduta, transtorno de déficit de atenção e especiais, assistentes sociais e de conselheiros
hiperatividade, transtorno de toque, transtorno de saúde mental (Braga-Kenyon et al., 2015;
obsessivo-compulsivo e transtorno de humor Cox, 2012; LaFrance et al., 2019). Isso posto,
(LaFrance et al., 2019). Além das referidas constata-se a ausência de profissionais de edu-
comorbidades, diversas condições de saúde cação física (EF) nas descrições de equipes de
também podem se combinar aos core features, intervenção, embora muitas áreas de desenvol-
tais como complicações gastrointestinais, trans- vimento possam ser atendidas por estes profis-
torno de sono, transtornos convulsivos, entre sionais. A ausência de citação destes profissio-
outros (Bowman et al., 2021; Dillenburger, nais na equipe pode se dever ao fato de que as
2011; LaFrance et al., 2019; Strunk et al., 2017). principais pesquisas sobre o assunto não são
A ocorrência dessas várias condições conco- produzidas no Brasil e também por esta forma-
mitantes geram um impacto significativo no ção acadêmica e currículo de graduação em EF
padrão comportamental e nas funções cog- não existir na maioria dos países na América
nitivas dessas pessoas. Todo esse quadro se do Norte, Europa e Ásia. Além disso, o êxito do
estabelece de forma combinada e deve ser alvo tratamento também demanda que os profissio-
de atendimento (Braga-Kenyon et al., 2015; nais estejam capacitados (Freitas, 2022) e atu-
Dillenburger, 2011; LaFrance et al., 2019; ando de forma entrelaçada e harmônica para
Strunk et al., 2017), aumentando, assim, o de- abordar tanto as core features como os quadros
safio clínico (LaFrance et al., 2019). associados ao TEA (Cox, 2019; Kelly & Tincani,

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 10 | 160


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2013; LaFrance et al., 2019; Strunk et al., 2017; possível encontrar desde atendimentos desco-
Koening & Gerenser, 2019; Bowman, Suarez & nectados ou desarticulados a equipes interdis-
Weiss, 2021). Ainda que haja quase consenso ciplinares totalmente coordenadas e integradas
de que esses profissionais necessitam estar qua- (LaFrance, et. al., 2019). D'Amour et al. (2005)
lificados, observa-se que, no Brasil, os cursos descreveu esse espectro de colaboração como
de graduação contemplam pouca ou quase ne- um continuum de autonomia profissional va-
nhuma formação a respeito do TEA ou sobre riando em graus de interdependência
o atendimento em equipe voltado para o TEA Termos como atendimento "multidisci-
(ABPMC, 2017; La France et al., 2019). plinar", "interdisciplinar" e "transdisciplinar"
De acordo com Bowman et al. (2021), são frequentemente usados para se referir
esses profissionais podem encontrar oportu- às configurações dessas equipes e de suas
nidades de trabalhar em colaboração para me- práticas colaborativas interprofissionais
lhorar os resultados educacionais e de saúde de (D'Amour et al., 2005). Bowman, et al. (2021)
indivíduos com TEA. A colaboração em equipe destacam que, embora esses termos possam
(Dillenburger et al. 2014; Smith, 2014) tem sido ser erroneamente usados como sinônimos,
descrita como uma configuração essencial no cada termo indica um grau diferente dentro
tratamento. A colaboração coesa, no entanto, de um espectro de colaboração entre os profis-
nem sempre é facilmente alcançada, e muitos sionais da equipe. O termo “interprofissional”
indivíduos acabam recebendo serviços de es- é descrito como genérico, referente a todos os
pecialistas que não estão efetivamente se co- modelos que envolvem dois ou mais profissio-
municando ou coordenando tratamentos em nais representando diferentes disciplinas, tra-
diferentes profissões (LaFrance, et al., 2019), balhando no tratamento ou em avaliação junto
além disso, confusões sobre o que deve defi- a um cliente, não necessariamente de forma
nir as configurações de equipe de intervenção compartilhada, já os termos como “multidisci-
comumente ocorrem. Salientamos que a força plinar”, “interdisciplinar” e “transdisciplinar”
desses sistemas de apoio, ou configurações de referem-se a modelos específicos de colabora-
equipe, não consiste apenas na experiência e ção. O termo multidisciplinar abarca profissio-
capacitação dos profissionais individualmente, nais de áreas diferentes que atuam de forma
mas também, e principalmente, no grau em que individual e os objetivos são específicos dentro
os profissionais de diferentes disciplinas colabo- de suas disciplinas e, desta forma, há limita-
ram entre si para fins convergentes (Gerenser ções em compreender fenômenos que afetam
& Koenige, 2019). O formato que configura as diretamente o cliente em vários aspectos coti-
relações entre os profissionais que dão suporte dianos (Bowman et al., 2021). Os profissionais
à pessoa com TEA afeta diretamente os resulta- trabalham em paralelo com ênfase no desen-
dos das intervenções (Brodhead, 2015; Luiselli, volvimento solitário de metas e intervenções
2015; The Council of Autism Service Providers (Choi & Pak, 2006), em vez do processo cola-
[CASP], 2022) podendo, em determinadas oca- borativo (Collin, 2009; D’Amour et al., 2005;
siões, não somente não ser eficaz, mas poten- Thylefors et al., 2005). No Brasil é possível
cialmente prejudicial. Isso posto, observa-se um encontrar profissionais atuando desta manei-
espectro no que tange a funcionalidade dessas ra, onde os profissionais definem os objetivos
equipes, indicando a existência de vários níveis de intervenção unicamente segundo suas
de colaboração (Bowman, et al., 2021), onde é expertises, independentemente das possíveis

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prioridades relacionadas aos core features semelhante à abordagem interdisciplinar, os


e tampouco apresentam uma metodologia objetivos de tratamento são desenvolvidos em
comum. Com esta configuração, corre-se o risco conjunto e o produto resultante é diferente e
de haver sobreposição de atuação em algumas maior que a soma de suas partes individuais.
áreas, mais ou menos prioritárias de atenção A transdisciplinaridade tem as características
em benefício da pessoa com TEA, e haver áreas de uma disciplina híbrida, capitalizando o co-
do desenvolvimento que requeiram mais aten- nhecimento e as habilidades únicas de cada
ção sendo negligenciadas. especialista individual e combinando-as em um
Uma estrutura de equipe interdisciplinar, todo coerente (Collin, 2009; Slim & Reuter-Yuill,
por sua vez, abarca profissionais de diferentes 2021).
áreas que dialogam entre si, a fim de estabe- Se considerarmos a necessidade de um
lecer comportamentos-alvos e planos de inter- conjunto de conhecimentos que deveria trans-
venções de forma coesa. Sob essa configuração, passar, nortear ou cobrir, a atuação ética e
analogamente atuantes como peças de um eficaz de todos da equipe de intervenção, as
quebra-cabeça, contemplariam todas as áreas Práticas Baseadas em Evidências (PBE) aten-
necessárias para atendimento e tratamento. dem plenamente. As PBE são descritas me-
Contudo, apesar de haver comumente comuni- diante um conjunto sistemático de etapas de
cação entre os profissionais na equipe interdis- pesquisa, e com alto rigor metodológico, que
ciplinar, essa configuração, por definição, não visam o levantamento e análise de diferentes
garante colaboração em convergência às prio- publicações científicas, que nas áreas da saúde
ridades diante do grande conjunto de necessi- e educação e em especial no contexto do TEA
dades de atendimento. Além disso, a adoção de envolvem intervenções sobre as características
metodologias, procedimentos de intervenção definidoras deste transtorno, para demonstrar
e abordagens científicas (ou até pseudocien- as que são efetivas (Steinbrenner et al., 2020).
tíficas) por um ou mais membros da equipe E, considerando as evidências empíricas de
pode interferir negativamente no sucesso do eficácia para o tratamento dos core features do
objetivo final, podendo ainda gerar mal estares, TEA e condições de saúde, a abordagem nor-
competição e até mesmo orientações opostas teadora da grande maioria das práticas focais
(Benitez, 2020; Slim & Reuter-Yuill, 2021). O são baseadas nos princípios e aplicação dos
modelo transdisciplinar se configura pelo com- procedimentos da Análise do Comportamento
partilhamento de determinados conteúdos ou Aplicada (ABA), do inglês Applied Behavior
conhecimentos perpassando a atuação dos pro- Analysis (National Autism Center [NAC], 2015;
fissionais/disciplinas envolvidas. Determinados National Clearinghouse on Autism Evidence
conhecimentos são compartilhados por todas and Practice [NCAEP], 2013). ABA, que é fun-
as áreas, a fim de que cada um consiga enten- damentada no Behaviorismo Radical, se trata
der e aplicar seus conhecimentos e expertises de aplicações em vários contextos possíveis, in-
profissionais havendo um eixo norteador da clusive no esporte (Martin, 2001), da ciência da
atuação (Bowman et al., 2021; Downing & análise do comportamento e que pode atender
Bailey, 1990). Na colaboração transdiscipli- a qualquer tipo de população (Cooper, Heron
nar, as habilidades clínicas e intervenções são & Heward, 2019)
compartilhadas (Boger et al.,2017; Choi & Pak, ABA, então como aplicação abrangente da
2006). Segundo Bowman et at. (2021), de forma ciência analítico-comportamental, que sustenta

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 10 | 162


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conceitual e metodologicamente a grande maio- papel de profissionais de EF junto a equipe


ria das PBEs para o atendimento terapêutico (Chereguini et al., 2020), o presente trabalho se
do TEA, cumpriria essa função “guarda-chuva” propõe a apresentar, para fins de ampla discus-
para as atividades de todos membros da equipe são e escrutínio pela comunidade de analistas do
de atendimento, tal como ilustrado na Figura comportamento e de envolvidos no atendimen-
1. A nossa proposta, entretanto, se apresenta to ao TEA e outros atrasos no desenvolvimento,
com um caráter de configuração mais próximo um modelo desenvolvido no Brasil de atendi-
a uma combinação do modelo interdisciplinar, mento terapêutico analítico-comportamental
em razão do alinhamento de objetivos prioritá- em educação física que configure a estrutura
rios da intervenção, e com modelo transdisci- transdisciplinar. Especificamente, descrevere-
plinar, por conta do arcabouço metodológico e mos a seguir, operacionalmente, o processo de
dimensões que constituem a ABA descritas por prescrição particularizada de exercícios físicos
Baer, Wolf e Risley (1968). Tal combinação, os por profissionais de EF, que possam compor
autores deste trabalho entendem, então, pode- equipes terapêuticas ABA de atendimento ao
ria se caracterizar um modelo “inter e transdis- TEA, tomando como referência objetivos levan-
ciplinar ABA”. tados a partir da avaliação comportamental de
A fortaleza do sistema inter e transdisci- desenvolvimento VB-MAPP (Verbal Behavior
plinar ABA não está caracterizada na expertise Milestones and Placement Program).
e competência de cada um desses profissio-
nais individualmente ou cumulativamente, Uma proposta de modelo de atendimento
mas no nível em que os profissionais, cada em EF inter e transdisciplinar ABA ao TEA
um em diferentes disciplinas, coletivamente
são capazes de colaborar entre si de forma Uma empresa brasileira, Modelo
convergente para as prioridades de atendi- ExerCiência, voltada à prestação de serviços
mento à pessoa com TEA e aos core features em ABA no contexto de atendimento por pro-
que caracterizam particularmente o quadro fissionais EF, apresenta uma possibilidade de
de TEA de cada pessoa. Exemplos que carac- formação especializada em EF, portanto, com
terizam a colaboração efetiva referem-se ao conhecimentos no âmbito da pós-graduação,
equilíbrio na administração e disponibilidade para atuar sob a lógica inter e transdisciplinar.
das consequências potencialmente reforça- A área específica de atuação é nomeada como
doras, na identificação prévia de experiên- Educação Física Especial, que deve atuar sob
cias traumáticas (Rajaraman et al., 2022) da supervisão de analistas do comportamento, de
pessoa atendida e alinhamento do protocolo de forma a manipular variáveis sob o contexto
conduta baseado em análise funcionais, bem de exercício físicos que permitam a emissão e
como no registro de desempenho coletivo e fortalecimento de determinados comportamen-
convergência nas decisões diante de eventuais tos-alvo, que podem contemplar os core featu-
comportamentos-problema. res, mas também condições associadas. Para
Ademais, considerando a possibilidade de se caracterizar como atendimento interdisci-
uma estrutura de atendimento em equipe inter plinar, precisa haver necessariamente diálogo
e transdisciplinar ABA para o atendimento tera- em equipe para determinação compartilhada
pêutico de pessoas com TEA e, adicionalmente, dos objetivos de intervenção, ou seja, sua atua-
que não há descrição na literatura do possível ção não é definida a partir apenas do seu olhar

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profissional, sua expertise e experiência. Além e ter duração média de 15 a 20 minutos. Dessa
disso, considerando o componente transdis- forma, o manuseio do exercício como ante-
ciplinar, sua atuação deve ser norteada sob a cedente, colabora com outras práticas profis-
perspectiva conceitual e metodológica analíti- sionais que, imediatamente após ao exercício,
co-comportamental. Dessa forma, a definição poderão ter acesso aos efeitos dessa estratégia
dos objetivos em termos comportamentais, re- (Chereguini et al., 2020). A segunda função,
gistros e tomadas de decisões analíticas, bem utilizar a prática do exercício como consequ-
como a aplicação de procedimentos baseados ência reforçadora, é possível através de jogos,
em ABA devem estar contemplados. Para tanto, brincadeiras, esportes, identificar os níveis de
recomenda-se que sua atividade seja supervisio- preferência do sujeito e utilizar as atividades
nada por analista do comportamento (ABPMC, de maior engajamento, com o objetivo de re-
2017) responsável pelo caso que constitui essa forçar comportamentos-alvo da intervenção
função e com devida capacitação. Entretanto, (Chereguini et al., 2022). Seguindo com o exer-
considerando que comumente analistas do cício físico como contexto para generalização,
comportamento podem pouco conhecer sobre a prática aqui permite a emissão de comporta-
as diversas possibilidades de atuação de profis- mentos ensinados em intervenção para outros
sionais de EF, para fins melhorar a comunicação ambientes naturais. Tal função (generalização)
entre estes envolvidos pode ser possível consi- é fundamental para que os comportamentos
derar a necessidade de um(a) supervisor(a) da alvos sejam amplamente adquiridos e acon-
área de EF, ou seja, com domínio em ABA ao teçam em mais de um ambiente, com várias
TEA e formação acadêmica em EF. pessoas diferentes para além do ambiente clí-
Chereguini et al. (2022) descrevem quatro nico (Chereguini et al., 2022). E, por último, o
formas de manipular o exercício físico com o treino direto de comportamentos-alvo através
intuito de intervir sobre os core features mas do exercício físico. Nesta modalidade, os com-
também condições associadas ao TEA: exercício portamentos desejados serão oportunizados
físico com função antecedente, exercício físico por meio dos exercícios físicos. Isto posto, o
com função consequente, exercício físico como exercício físico recebe a função de meio, e não
contexto para generalização e o treino direto de finalidade, nas funções de contexto para ge-
das habilidades por meio do exercício físico. O neralização e também no contexto para treino
uso de exercício físico como antecedente tem se direto. O profissional que se propõe a mani-
destacado na diminuição de comportamentos pular o exercício com função de treino direto
estereotipados, possíveis comportamentos-pro- terá como prioridades a redução dos prejuízos
blema e para aumento de habilidades de pron- observados no espectro e utilizará de técnicas
tidão para a aprendizagem da pessoa com TEA comportamentais para o ensino de habilida-
(Neely et al., 2015) e, dessa forma, funcionando des. Esse formato aproxima a educação física
ora como uma operação motivadora abolidora, de outras terapias e permite que a transdisci-
para comportamentos estereotipados e com- plinaridade ocorra de forma mais eficiente.
portamentos-problema, e ora como motivadora Dessa forma, o exercício físico se torna uma
estabelecedora, para aumento de habilidades oportunidade para a intervenção aos compor-
de prontidão (Chereguini et al., 2022). Para tamentos-alvos (Chereguini et al., 2022).
acesso aos efeitos mencionados, o exercício deve Na escolha de comportamentos-alvo,
ocorrer entre média e média alta intensidade, considerando o repertório comportamental do

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 10 | 164


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aprendiz, avaliações do desenvolvimento per- e implementam atendimentos nessa área


mitem avaliar áreas mais comprometidas core (Martone, 2017). Trata-se de uma ferramen-
features relacionadas ao TEA, ou seja, principal- ta avaliativa complexa e bem planejada, que
mente das áreas sociais e comunicativas e pa- possibilita verificar repertórios relacionados
drões restritos e repetitivos de interesses e com- a áreas conhecidas como comunicação, socia-
portamentos, bem com as questões sensoriais lização, cognição e brincar e é constituída por
(Chereguini et al., 2022). Diversos protocolos de 5 componentes, a saber: Avaliação de Marcos,
avaliação do desenvolvimento e do repertório Avaliação de Barreiras, Avaliação de Transição,
comportamental são utilizados por analistas do Análise de Tarefas e Habilidades de Suporte e,
comportamento que trabalham com pessoas por fim, Seleção de metas do Plano de Ensino
com atraso de desenvolvimento. Esses proto- Individualizado (PEI). Todos os componentes
colos são utilizados como parte do processo de possuem funcionalidades complementares e,
avaliação inicial e monitoramento do impacto conjuntamente, fornecem uma direção para
da intervenção e possibilitam a verificação de a intervenção, permitindo identificar alvos e
déficits e excessos comportamentais que podem tomar decisões clínicas, além de proporciona-
comprometer o desenvolvimento, a qualidade rem um sistema de rastreamento de aquisição
de vida e a inclusão social dos avaliados. Assim, das habilidades da criança ao longo do trata-
tais protocolos não se caracterizam apenas por mento (Sundberg, 2014). Para fins de enfatizar
uma lista de possíveis alvos de ensino, mas conteúdos sobre a interpretação dos desempe-
também como uma ferramenta analítica que nhos no VB-MAPP para, então, realizar o pla-
pode servir, não unicamente, para a elabora- nejamento do exercício físico de forma inter e
ção de planos de suporte comportamental e transdisciplinar, não será descrito, em detalhes,
estabelecimento de prioridades da intervenção a aplicação da avaliação. Além disso, embora os
e de objetivos comportamentais socialmente componentes Análise de Tarefas e Habilidades
relevantes. Nesta perspectiva, o protocolo VB- de Suporte viabilizem informações que possam
MAPP pode se apresentar como uma impor- nortear decisões do planejamento de interven-
tante ferramenta, uma vez que tem sido um ções por meio do exercício físico, a ênfase será
material amplamente usado e citado na litera- nos demais componentes.
tura como uma ferramenta útil de avaliação Trata-se de uma ferramenta que engloba a
comportamental e utilizado para determinar o avaliação de 170 marcos de aprendizagem e de
repertório inicial e o estabelecimento de priori- linguagem que são mensuráveis e balanceados
dades de ensino para sujeitos com TEA e atra- em 3 níveis de desenvolvimento, típicos para
sos no desenvolvimento (Lorah, et al., 2014; as faixas etárias de 0-18 meses, 18-30 meses e
Loughrey, et al., 2014; Kobari-Wright, & 30-48 meses. Além dos avaliação de marcos, o
Miguel, 2014; Koehler-Platten, et al., 2013; VB-MAPP inclui a Avaliação de Barreiras, que
Marchese, et al., 2012; Somers, et al.2014). examina 24 classes de repertórios em excesso
O VB-MAPP, publicado inicialmente em ou déficits, que comumente se configuram como
2008 – 2ª edição em 2014, de autoria de Mark barreiras de aprendizagem e linguagem enfren-
L. Sundberg, oferece uma avaliação sistemati- tadas por crianças com TEA, além de descrever
zada para crianças com autismo ou com atrasos critérios para a pontuação correspondentes à
similares e se tornou um dos instrumentos de comprometimento ausente até comprometi-
uso mais frequente entre aqueles que planejam mento grave. Compondo, ainda, a ferramenta,

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VB-MAPP Master Scoring Form VB-MAPP Master Scoring Form

Key: Score Data Cor Avaliador Key: Score Data Cor Avaliador
Nome de Cliente Caso fictício Teste 1: 37,5 1/1/01 Supervisora Nome de Cliente Caso fictício Teste 1: 37,5 1/1/01 Supervisora

Data de nasc. Teste 2: Data de nasc. Teste 2: 45 1/8/01 Supervisora

Idade qdo testado 1 2 3 4 Teste 3: Idade qdo testado 1 2 3 4 Teste 3: 56 1/2/02 Supervisora

Teste 4: Teste 4: 76 1/8/02 Supervisora

LEVEL 3 LEVEL 3
Mand Tact Listener VP/MTS Play Social Reading Writing LRFFC IV Group Ling. Math Mand Tact Listener VP/MTS Play Social Reading Writing LRFFC IV Group Ling. Math

15 15

14 14

13 13

12 12

11 11

LEVEL 2 LEVEL 2
Mand Tact Listener VP/MTS Play Social Imitation Echoic LRFFC IV Group Ling. Mand Tact Listener VP/MTS Play Social Imitation Echoic LRFFC IV Group Ling.

10 10

9 9

8 8

7 7

6 6

LEVEL 1 LEVEL 1
Mando Tato Ouvinte VP/MTS Brincar Social Imitação Ecóico Vocal Mando Tato Ouvinte VP/MTS Brincar Social Imitação Ecóico Vocal

5 . 5 .

4 4

3 3

2 2

1 1

Figura 1. Gráficos de Avaliação de Marcos do desenvolvimento do VB-MAPP, comparação de desem-


Copyright 2007-2008 Mark L. Sundberg Copyright 2007-2008 Mark L. Sundberg

penhos em intervalos de avaliações e demonstração da Avaliação de Barreiras. Nota: A imagem


da esquerda e centro apresentam gráficos da avaliação de marcos de desenvolvimento, destacada
com a cor verde, e ao centro apresenta o resultado de quatro avaliações, destacadas em sua ordem
no cabeçalho pelas cores verde, rosa, azul e laranja. A imagem da direita apresenta o gráfico de
Avaliação de Barreiras, em única avaliação, destacada pela cor verde. Reprodução das imagens
autorizadas pelo autor do protocolo, Mark Sundberg.

tem-se a avaliação de transição (que examina Seleção de Metas para o Plano de Ensino
a capacidade de uma criança aprender em um Individualizado
ambiente educacional menos restritivo em 18
habilidades diferentes), a análise de tarefas (que A proposta do uso do VB-MAPP por uma
fornece uma análise adicional de cada marco na equipe inter e transdisciplinar perpassa pela
forma de uma lista de verificação que contém identificação dos alvos principais, identificados
mais de 900 habilidades específicas) e, por fim, o pela Avaliação de Marcos, e complementado
Nivelamento do Currículo e Estabelecimento dos por alvos menores, se necessário, encontrados
Objetivos do PEI (que fornece recomendações na Análise de Tarefas e Habilidades de supor-
para o desenvolvimento de programas com base te. Junto a isso, a seleção dos alvos também é
nos perfis resultantes da aplicação do VB-MAPP). composta como produto das análises do perfil
O VB-MAPP pode ser usado em uma varie- que a Avaliação de Barreiras e de Transição, ao
dade de ambientes educacionais para estabele- identificarmos focos específicos em redução de
cer metas de aquisição de linguagem e objetivos barreiras ou déficits e no tipo de ambiente ou
acadêmicos, porém, deve ser administrado por estrutura de ensino que melhor oferecerá con-
profissionais capacitados e treinados em Análise dições de aprendizagem.
do Comportamento e comportamento verbal Ao observarmos a imagem à esquerda da
(Sundberg, 2014, Martone, 2017). De acordo com Figura 1, identificamos que a maior parte dos
tal indicação, sugerimos que o processo avalia- itens do nível 1 foi alcançada e quase nenhu-
tivo seja liderado pelo(a) supervisor(a) do caso. ma dos demais níveis. Dentre as habilidades

Comportamento em Foco, v. 15, cap. 10 | 166


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que foram avaliadas, os principais déficits são que ela fornece e que possam compartilhar de
encontrados em socialização, brincar indepen- forma segura e responsável todas essas informa-
dente e ecoico. Na comparação das imagens da ções coletadas, para composição no currículo de
esquerda e do centro é possível identificar evo- ensino e seleção das intervenções com coerência.
lução em quatro momentos, verificar o impacto
da intervenção em domínios que nas primeiras Prescrição de exercício físico como intervenção
avaliações estavam com maior defasagem. Com direta a partir do VB-MAPP
a informação do intervalo entre as avaliações,
poderíamos verificar a taxa de aprendizagem. A proposta do Modelo ExerCiência orien-
Para um profissional treinado em interpre- ta que, ainda que profissionais de EF possam
tar os gráficos de resultados do VB-MAPP, as ima- aprender a aplicar a avaliação, o desejável é que
gens na Figura 1 poderiam indicar a necessidade possam focar esforços em outras partes do pro-
de intervenção em vários alvos e a priorização cesso. Sob a lógica de atendimento em equipe,
de algumas áreas em relação a outras. Sobre a enquanto determinados profissionais, possivel-
Avaliação de Barreiras, a partir de sua análise mente supervisor(a) do caso, realizam aplicação
poderíamos inferir sobre outras necessidades da avaliação, outros possam focar atenção na
de intervenção que a equipe encontrou para interpretação dos resultados para então plane-
além dos alvos de marcos, e relacionando aos jar suas atividades baseadas nas suas expertises
resultados das seguintes avaliações na imagem profissionais. No caso de profissionais de EF, na
central da Figura 1, que podem ter influenciado prescrição de exercícios físicos que oportuni-
em uma menor taxa de aprendizagem ou menor zem os comportamentos-alvo determinados a
evolução em mais comportamentos previstos partir do VB-MAPP. Sob condições do Modelo
pelo protocolo. Altas pontuações em repertórios ExerCiência de intervenção, orienta-se que os
que avaliam impactos como comportamentos profissionais acessem e interpretem os relató-
inadequados, controle instrucional, generali- rios de avaliação de desenvolvimento a partir
zação, responder por “chute”, dependência de VB-MAPP, para planejar as atividades que irão
dicas, por exemplo, são indicados como áreas de oportunizar a aprendizagem, seja por exercícios
prioridade, pois geralmente implicam em gran- físicos, jogos, brincadeiras, e movimentos espor-
des dificuldades na eficácia das intervenções. tivos, a fim de alcançar comportamentos-alvo da
A resumida análise realizada acima, de- intervenção. Posto isso, as condições de ensino
monstra a riqueza de informações e possibili- envolvem treino direito com a manipulação de
dades de planejamento advindas do VB-MAPP, situações antecedentes no contexto de exercí-
que podem ser compartilhadas e comunicadas cio físico, e contingências de reforçamento para
entre todos os membros da equipe através de treino direto desses comportamentos e/ou para
seus recursos visuais. No entanto, para que a contexto de generalização de repertórios recém
equipe de profissionais e terapeutas envolvidos adquiridos que podem ser desempenhados em
no atendimento inter e transdisciplinar possam outros ambientes.
tomar melhores decisões sobre os objetivos de A manipulação de variáveis antecedentes
intervenção proporcionados pela aplicação e consequentes ocorre em função do desem-
desta avaliação, é imprescindível que compre- penho dos comportamentos-alvo previamente
endam as funcionalidades de cada componente, selecionados a partir da avaliação do VB-MAPP,
que saibam interpretar as ferramentas visuais e não necessariamente em função do alcance

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Figura 2. Protocolo de planejamento que permite documentar os objetivos intervenção, os exercícios,


o sistema de reforçamento e as metas e/ou etapas de ensino.

do desempenho do exercício físico e esporte comportamentos-problema, avaliações de pre-


oportunizado. Ademais, ganhos secundários, ferência, sistema de comunicação funcional ou
em termos de habilidades motoras e aptidão similar utilizada, comumente em contato com
física são proporcionados para além dos defi- familiares responsáveis e supervisor(a) do caso.
nidos prioritariamente a partir da avaliação do Documentos que também poderão auxiliar pro-
VB-MAPP, ampliando ganhos para saúde geral fissional do EF, preferencialmente estando sob
do indivíduo sob atendimento em EF inter e supervisão de um(a) analista do comportamento,
transdisciplinar. na prescrição dos exercícios físicos que poderão
compor de forma coesa as intervenções inter e
Comunicação em equipe e documentação do planeja- transdisciplinares da equipe terapêutica ABA
mento da intervenção ao TEA. Ressalta-se a necessidade desse com-
partilhamento, armazenamento, uso e descarte
Faz-se necessária a solicitação ao acesso desses dados ocorrer sob autorização formal dos
pelo profissional de EF aos relatórios de de- familiares e respeitando a Lei Geral de Proteção
sempenho via avaliações comportamentais, tal de Dados Pessoais nº 13.709/2018.
como o VB-MAPP, mas também se aplicam às Tanto os comportamentos que serão alvo
avaliações ABLLS-R, AFLS, PEAK, IGLR, Socially da intervenção pelos profissionais de EF, em
Savvy, Inventário Portage, Essential for Living, parte identificados via VB-MAPP, quanto os
ABLA, entre outras. Devem-se ser comparti- exercícios prescritos para oportunizar o ensino
lhados dados também de entrevistas com res- destes comportamentos prioritário devem ser
ponsáveis para levantamento das prioridades, redigidos e documentados, como na Figura 2,
preferências e aspectos culturais do(a) apren- para apresentação à família do(a) aprendiz,
diz e sua família, PEI (ou ainda PIC - Programa quando possível ao(à) aprendiz, aos membros
de Intervenção Comportamental), bem como da equipe terapêutica e médica e, se necessário,
protocolos de conduta, avaliação funcional de aos planos de saúde para fins de justificativa

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Há diferentes demandas no contexto de cada ACESSE AS

exercício...
REDES SOCIAIS
DO MODELO
EXERCIÊNCIA

Sobre qual aspecto/comportamento-alvo


queremos prioritariamente intervir?
Hab. motora Esperar Gasto 8 10 8 10 8 10 8 10 8 10
Imitação
Pareamento grossa energético
Ganho de
2 4 2 4 2 4 2 4 2 4
(Discriminação Mando
força Discr.
0 0 0 0 0
condicional de 1ª Tentativa 2ª Tentativa 3ª Tentativa Penúltima Tentativa Última Tentativa

identidade Direita-
Esquerda
Atenção 0

compartilhada
0

Noção de 0
0

Ouvinte distância/ 0

(Discr. condicional Destreza


auditivo-visual) Tolerar presença
F I F I 0 Conforme planejado e SEI o que fazer depois

Ex: cores
F I F I 1 Seguiu o planejado, mas tenho alguma DÚVIDA

de pessoas
2 Alguma(s) intercorrência(s), mas gerenciei
F I F I
3 Intercorrências, gerenciei, mas não sei se fiz certo
F I F I

Discriminação
4 Problema grave e/ou parcialmente gerenciado

Ecóico
F I 5 FORA total do meu controle E/OU preciso orientação URGENTE

condicional
Intraverbal Tolerar mudança quase-
de rotina ou de identidade
interesse restrito

Figura 3. Ilustração de atividade de passar bola que pode ser ocasião para ensino de diversos com-
portamentos-alvo diferentes e um modelo de folha de registro de desempenho.

da sua composição no atendimento terapêutico e ambientais que possam oportunizar a imple-


ABA ao TEA (Juriatti et al, 2022; Maximino & mentação dos objetivos pelos profissionais. Os
Chereguini, 2022; Moreno & Chereguini, 2022; profissionais poderão planejar exercícios dentro
Volpe & Chereguini, 2022). da sua área de domínio, seja pelo esporte, dança,
Uma vez definidos os objetivos prioritá- circuitos ou de forma lúdica e adicionalmente
rios para o planejamento de intervenção pelo contemplar objetivos específicos da EF, como
profissional de EF, ele poderá inserir objetivos exemplificado na imagem à esquerda da Figura
secundários, caracterizados por habilidades que 3.
necessitam ser desenvolvidas e que poderão ser
retiradas a partir de avaliações motoras, e que, Considerações Finais
ainda que precisem de adaptações para imple-
mentação em virtude de déficits de barreiras Em princípio este artigo poderia parecer
identificadas também pelo VB-MAPP, podem, estar voltado exclusivamente para profissio-
em determinadas ocasiões, ser os próprios alvos nais de EF que se dispõem a estudar conceitos,
prioritários da intervenção em EF (Maximino & princípios e aplicações da análise do comporta-
Chereguini, 2022). mento e estão interessados em orientações para
São sugeridas aos profissionais de EF três atuação com aprendizes com o TEA. Entretanto,
etapas para selecionar os objetivos prioritários: os conteúdos que apresentados podem benefi-
1. Diálogo com responsável pela avaliação para ciar amplamente a comunidade envolvida no
interpretação dos marcos que deverão ser com- atendimento às pessoas com desenvolvimento
portamentos-alvo da intervenção, principalmen- atípico, tais como profissionais da psicologia,
te por meio dos marcos e barreiras do VB-MAPP, fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisiotera-
mas também envolvendo preferências da pessoa pia, pedagogia, nutrição e afins, por se dispor a
com TEA, seus familiares e o contexto em que apresentar um modelo de atendimento inter e
vivem; 2. domínio técnico sobre os objetivos/ transdisciplinar na ABA. Os benefícios podem ir
marcos/comportamentos, ou seja, se o profissio- além na noção de reconhecimento e validação
nal não conhecer sobre os operantes e relações das possibilidades de atuação de profissionais de
envolvidos nos marcos, recomenda-se que não EF na equipe e das maneiras colaborativas de
se disponha a intervir e; 3. condições materiais atuação em conjunto de forma efetiva e eficaz.

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Em âmbito nacional, talvez os assuntos aqui G. J. Madden, W. V. Dube, T. D. Hackenberg,


discutidos possam gerar impacto, com ressig- G. P. Hanley, & K. A. Lattal (Eds.), APA
nificações e recombinações, sobre os processos handbook of behavior analysis, Vol. 2.
e funções de cada membro que componha ou Translating principles into practice (pp. 301–
venha a compor a equipe de intervenção ao 327). American Psychological Association.
TEA, em vista à estrutura de atendimento inter https://doi.org/10.1037/13938-012.
e transdisciplinar analítico-comportamental. Em American Psychiatric Association [APA] (2014).
outras palavras, estes conteúdos podem se apli- DSM-5: Manual diagnóstico e estatístico de
car à atuação de outros profissionais da saúde transtornos mentais (5ª ed.). Artmed.
e da educação. Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
Modelos de atendimento ao TEA no Brasil Comportamental [ABPMC] (2017).
tendem a seguir a configuração, quando há Regulamento do trabalho de acreditação de
uma equipe envolvida, multidisciplinar ou ec- analistas do comportamento a ser realizado
lética (Howard et al., 2014; Odom et al., 2012; pela Associação Brasileira de Psicologia e
Stanislaw, et al., 2019), com cada membro da Medicina Comportamental. http://acredita-
equipe traçando objetivos de intervenção par- cao.abpmc.org. br/assets/pdf/regulamento.
tindo da sua própria definição de prioridades de pdf.
intervenção e expertise profissional. O modelo Associação Brasileira de Psicologia e Medicina
apresentado parte do levantamento e interpreta- Comportamental [ABPMC]. Comissão
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comportamental de desenvolvimento denomi- Acreditação Específica para Prestadores
nado VB-MAPP, que compõe junto com outras de Serviço em Análise do Comportamento
fontes de informações acerca das prioridades, Aplicada (ABA) ao TEA/Desenvolvimento
preferências e contexto em que vive o(a) apren- Atípico. http://abpmc.org.br/arquivos/pu-
diz, o guia para tomada de decisões sobre o grau blicacoes/1556901447d2fb7c4f8e55.pdf.
de colaboração e o plano de intervenção dos Araújo, S, Chereguini, P. A. C. (2022). Confluência
profissionais envolvidos. Ainda que a tecnologia entre Psicologia, ABA e Educação Física na
de intervenção descrita aqui esteja em processo supervisão e formação de profissionais para
contínuo de ajustes, melhoria e operacionali- atendimento ao autismo. In Anais do 12o
zação, a sua apresentação em revista científica CBAMA: Congresso Brasileiro de Atividade
sob o escopo analítico-comportamental se presta Motora Adaptada. Maceió, AL, Brasil.
para fins de diálogo, reflexão e escrutínio pela Recuperado de https://www.researchgate.
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