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cadernos temáticos CRP SP


Psicologia do Esporte:
Contribuições para a
atuação profissional

São Paulo · 2016 · 1ª Edição


Conselho Regional de Psicologia SP - CRP 06
Caderno Temático nº18 - Psicologia do esporte: contribuições para a atuação profissional

XIV Plenário (2013-2016)

Diretoria
Presidente | Elisa Zaneratto Rosa
Vice-presidente | Adriana Eiko Matsumoto
Secretário | José Agnaldo Gomes
Tesoureiro | Guilherme Luz Fenerich

Conselheiros
Alacir Villa Valle Cruces; Aristeu Bertelli da Silva; Bruno
Simões Gonçalves; Camila Teodoro Godinho; Dario
Henrique Teófilo Schezzi; Gabriela Gramkow; Graça Maria
de Carvalho Camara; Gustavo de Lima Bernardes Sales;
Ilana Mountian; Janaína Leslão Garcia; Joari Aparecido
Soares de Carvalho; Livia Gonsalves Toledo; Luis Fernando
de Oliveira Saraiva; Luiz Eduardo Valiengo Berni; Maria das
Graças Mazarin de Araujo; Maria Ermínia Ciliberti; Marília
Capponi; Mirnamar Pinto da Fonseca Pagliuso; Moacyr
Miniussi Bertolino Neto; Regiane Aparecida Piva; Sandra
Elena Spósito; Sergio Augusto Garcia Junior; Silvio Yasui

Organização do caderno
Paulo Paranhos

Revisão ortográfica
Paulo Paranhos | Vírgula & Crase

Projeto gráfico e editoração


Paulo Mota | Comunicação do CRP SP

___________________________________________________________________________
C755c Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional.
Conselho Regional dePsicologia de São Paulo. - São Paulo: CRP SP,
2016.
178p.; 21x28cm.(Cadernos Temáticos CRP SP)

ISBN: 978-85-60405-37-4

1.Psicologia –Esporte. 2. Psicologia do Esporte. 3. Sistema Esportivo Brasileiro. I.


Título

CDD 158.2
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Antonio de Toledo – CRB-8/8396.
Cadernos Temáticos do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, en-
tre as ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáti-
cos do CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho
em diversos campos de atuação da Psicologia.

Essa iniciativa atende a vários objetivos. O primeiro deles é concretizar


um dos princípios que orienta as ações do CRP SP, o de produzir referências
para o exercício profissional de psicólogas(os); o segundo é o de identificar
áreas que mereçam atenção prioritária, em função de seu reconhecimento
social ou da necessidade de sua consolidação; o terceiro é o de, efetivamente,
garantir voz à categoria, para que apresente suas posições e questionamen-
tos acerca da atuação profissional, garantindo, assim, a construção coletiva
de um projeto para a Psicologia que expresse a sua importância como ciência
e como profissão.

Esses três objetivos articulam-se nos Cadernos Temáticos de maneira


a apresentar resultados de diferentes iniciativas realizadas pelo CRP SP, que
contaram com a experiência de pesquisadoras(es) e especialistas da Psicolo-
gia para debater sobre temáticas ou assuntos variados na área. Reafirmamos
o debate permanente como princípio fundamental do processo de democrati-
zação, seja para consolidar diretrizes, seja para delinear ainda mais os cami-
nhos a serem trilhados no enfrentamento dos inúmeros desafios presentes
em nossa realidade, sempre compreendendo a constituição da singularidade
humana como fenômeno complexo, multideterminado e historicamente pro-
duzido. A publicação dos Cadernos Temáticos é, nesse sentido, um convite à
continuidade dos debates. Sua distribuição é dirigida a psicólogas(os), bem
como aos diretamente envolvidos com cada temática, criando uma oportuni-
dade para a profícua discussão, em diferentes lugares e de diversas maneiras,
sobre a prática profissional da Psicologia.

Este é o 18º Caderno da série. O seu tema é “Psicologia do Esporte:


contribuições para a atuação profissional”.

Outras temáticas e debates ainda se unirão a este conjunto, trazendo


para o espaço coletivo, informações, críticas e proposições sobre temas rele-
vantes para a Psicologia e para a sociedade.

A divulgação deste material nas versões impressa e digital possibilita


a ampla discussão, mantendo permanentemente a reflexão sobre o compro-
misso social de nossa profissão, reflexão para a qual convidamos a todas(os).

XIV Plenário do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo


Os Cadernos já publicados podem ser consultados em www.crpsp.org.br:

1 – Psicologia e preconceito racial


2 – Profissionais frente a situações de tortura
3 – A Psicologia promovendo o ECA
4 – A inserção da Psicologia na saúde suplementar
5 – Cidadania ativa na prática
5 – Ciudadanía activa en la práctica
6 – Psicologia e Educação: contribuições para a atuação profissional
7 – Nasf – Núcleo de Apoio à Saúde da Família
8 – Dislexia: Subsídios para Políticas Públicas
9 – Ensino da Psicologia no Nível Médio: impasses e alternativas
10 – Psicólogo Judiciário nas Questões de Família
11 – Psicologia e Diversidade Sexual
12 – Políticas de Saúde Mental e juventude nas fronteiras psi-jurídicas
13 – Psicologia e o Direito à Memória e à Verdade
14 – Contra o genocídio da população negra: subsídios técnicos e teóricos para Psicologia
15 – Centros de Convivência e Cooperativa
16 – Psicologia e Segurança Pública
17 – Psicologia na Assistência Social e o enfrentamento da desigualdade social
Sumário

07 Apresentação
09 Parte 1
Abertura e agradecimentos

11 Camila Teodoro Godinho, coordenadora

12 Yan Cintra

13 Fernanda Magano

14 Luciana Ferreira Angelo

15 Elisa Zaneratto Rosa

Psicologia, História e a Formação do Sistema


Esportivo Brasileiro

18 José Aníbal Marques, coordenador

19 Flávio de Campos

28 Michel Mattar

32 Marcelo Rodrigues de Lima

38 Debates

Estrutura e gestão do sistema esportivo brasileiro


e o projeto ético-político da Psicologia do Esporte

45 Luciana Ferreira Angelo, coordenadora


Paula Korsakas
46
Leandro Carlos Mazzei
51
Cristiano Roque Antunes Barreira
56
Debates
61
66 Encerramento e Informações do evento
67 pArte 2
i encontro - dialogando sobre psicologia, ética, mídia e
comunicação
69 Abertura: camila teodoro godinho, coordenadora
70 victor cavallari souza
72 Alessandra dutra
77 Fabiana salviano
82 Luiz eduardo valiengo berni
88 debates
ii encontro - psicologia do esporte e práticas integrativas e
complementares
96 Abertura: gislane Ferreira de melo, coordenadora
97 carla di pierro
102 Fabíola matarazzo
108 Luiz eduardo valiengo berni
111 debates
iii encontro - dialogando sobre a formação em psicologia do
esporte no estado de são paulo
122 Abertura: camila teodoro godinho
123 victor cavallari souza, coordenador
124 marisa markunas
129 silvia regina de souza
134 gisele maria da silva
141 rafael campos de oliveira dutra
147 debates
iv encontro - saúde mental e esporte paralímpico: da
inclusão ao Alto rendimento

155 Abertura: camila teodoro godinho


156 edgar bittner silva, coordenador
157 gabriela gonçalves
161 ricardo santoro
165 mariana maeda
170 debates
177 inFormAções dos eventos
Apresentação 7

Núcleo Áreas Desafio para o CRP SP


Incubadoras Temáticas

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Subnúcleo Psicologia do Esporte

O complexo e multifacetado fenômeno do esporte da coleção qualificação profissional organizados


se manifesta culturalmente em diversos contextos pela Comissão de Esporte à época: “Encontros e
assumindo variadas finalidades que são definidas desencontros: Descobrindo a Psicologia do Espor-
pelos atores que o praticam. O esporte incide na te” e “Psicologia do Esporte, interfaces, Pesquisa
formação pessoal e profissional de indivíduos, e intervenção”. Na atual gestão (2013-2016) o XiV
sendo seu acesso e prática um direito humano, Plenário propõe a criação de Núcleos temáticos.
o que, portanto, está diretamente relacionado às
políticas públicas que extrapolam o esporte em si, A Psicologia do Esporte faz parte do Núcleo
alcançando aspectos socioeconômicos, culturais, de Trabalho intitulado: “Áreas Desafios para o CRP
educacionais, de mobilidade e de saúde. SP – Incubadoras Temáticas” em que formou um
Subnúcleo de Trabalho composto por profissio-
Assim, a Psicologia deve assumir um papel nais da área, estudantes, entidades e laboratórios

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


fundamental para a construção e manutenção de científicos ligados à Psicologia do Esporte.
um sistema esportivo nacional em que pautará a
garantia de direitos, o bem-estar físico e psicológi- Motivados pelas deliberações do 8º Caderno
co, o desenvolvimento humano através do espor- de propostas do Congresso Nacional de Psicologia
te, busca por melhor rendimento esportivo entre o Subnúcleo priorizou os seguintes objetivos: aco-
outros aspectos que se apresentam no cotidiano. lher propostas de qualificação profissional para
Portanto, a Psicologia tem no esporte um campo que, em parceria com instituições afins possam
vasto para a prática profissional, produção de co- incentivar a realização de eventos, seminários,
nhecimento e no cumprimento de suas responsa- palestras, encontros, simpósios na área de Psico-
bilidades ético políticas na sociedade. logia do Esporte, de modo a fortalecer a atuação
da/o psicóloga/o do esporte nos diversos campos
A primeira organização de psicólogas e psi- de trabalho; esclarecer às psicólogas e à socieda-
cólogos em torno da temática Psicologia do es- de os princípios éticos norteadores da profissão;
porte no Conselho Regional de Psicologia de São desenvolver e atualizar referências para o exercí-
Paulo ocorreu entre os anos de 1998 a 2001 quan- cio profissional, convidando a categoria a avançar
do se formou a primeira Comissão de Esporte do nas discussões sobre os processos de trabalho
CRP SP, congregando profissionais da área e es- desenvolvidos.
tudantes de Psicologia. Nesta época o iX Plenário
(1998-2001) realizou diversas ações em torno da Este é o objetivo do Caderno Temático so-
temática e realizou entre os dias 05 e 07 de maio bre psicologia do e no esporte, que possamos,
de 2000 um grande evento intitulado: Encontros e a partir da sistematização da discussão que se
desencontros: “Descobrindo a Psicologia do Es- retomou nos últimos cinco anos no Conselho Re-
porte” reunindo um grande número de profissio- gional de Psicologia de São Paulo, avançar na di-
nais em torno da problematização dos desafios reção de pensarmos propostas e realizarmos en-
colocados pela prática profissional nos diferentes caminhamentos e ações para que seja possível
campos do esporte. Foram publicados dois livros a qualificação profissional, uma participação de
psicólogas e psicólogos, efetivamente pautada pear e conhecer as práticas em Psicologia do
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na ética técnica e ciência psicológica no campo Esporte no Estado de São Paulo; integrar psicó-
do esporte no interior da realidade brasileira. A logos, estudantes e profissionais do Esporte que
parte i trata da ii Mostra de Práticas em Psico- atuam e que pretendem atuar na Psicologia do
logia do Esporte: “Desenvolvimento Humano e o Esporte, em todo Estado de São Paulo, e cons-
Projeto Esportivo Brasileiro.” A programação da truir uma rede de profissionais da área; reunir
Mostra problematizou o desenvolvimento huma- subsídios para proposição de políticas públicas
no através da atividade física e esportiva e os na área do esporte; ampliar a compreensão sobre
diversos olhares, significações e contextos que o sistema esportivo, gestão no esporte e posicio-
esse desenvolvimento manifesta. Questões de namento da Psicologia nesse contexto; discutir
gênero e relações raciais no esporte; mobilidade o desenvolvimento humano a partir da atividade
humana - atividade física e saúde mental para física e a contribuição da Psicologia nessa pers-
todas as idades; questões sociais e desenvol- pectiva. A parte ii refere-se ao Ciclo Estadual de
vimento moral no esporte; corpo e desenvolvi- debates - “Diálogos sobre Psicologia do Esporte”
mento humano; condições de trabalho no espor- que teve como objetivo debater sobre as diretri-
te foram alguns dos temas de debate durante a zes e referências para o exercício profissional,
organização de grupos temáticos no evento. Os orientar, refletir e posicionar-se por meio da ética
objetivos da ii Mostra de Práticas em Psicologia profissional sobre a práxis da/o psicóloga/o do/
do Esporte do Estado de São Paulo foram: ma- no esporte em diversos contextos.
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Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


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Parte 1
II Mostra Estadual de Práticas
em Psicologia do Esporte:
“Desenvolvimento Humano

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


e o projeto esportivo brasileiro”
Abertura “A Psicologia do Esporte ainda
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é pouco reconhecida por nossa


Camila Teodoro Godinho sociedade, porém já é uma área
construída e constituída em
Conselheira do Conselho Regional

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


de Psicologia de São Paulo - CRP Psicologia. Ela está em constante
SP e Coordenadora do Núcleo de
Psicologia do Esporte
desenvolvimento”.

Bom dia a todas e todos, gostaria de agradecer a aos membros do Núcleo de Psicologia do Esporte,
presença de vocês nesta manhã gelada; dizer que é muito obrigado pela parceria e por todo trabalho
um momento muito importante para o Conselho Re- que a gente vem desempenhando junto ao Núcleo.
gional de Psicologia de São Paulo a ii Mostra de Prá- Falar da diversidade da Psicologia enquanto campo
ticas em Psicologia do Esporte. Meu nome é Camila científico, é falar também das diversas áreas que
Teodoro. Como vocês podem ver, no momento con- possibilitam um exercício profissional de psicólogas
selheira do Conselho Regional de Psicologia de São e psicólogos. A Psicologia do Esporte ainda é pouco
Paulo, coordenadora da subsede do Grande ABC e reconhecida por nossa sociedade, porém, já é uma
também estou coordenando o Núcleo de Psicologia área construída e constituída na Psicologia. Ela está
do Esporte. Para compor a mesa, então, gostaria de em constante desenvolvimento. Acho que é dife-
convidar Yan Cintra que é representante da Associa- rente de alguns anos atrás, quando falávamos que
ção Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP). a Psicologia do Esporte “está em ascensão ou está
Fernanda Magano que é presidente da Federação em construção”. Não. Acho que a Psicologia do Es-
Nacional dos Psicólogos (FENAPSi), tesoureira do porte está sendo construída, já mostra certo desen-
Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo, volvimento e precisa crescer ainda mais no que diz
psicóloga na Coordenadoria de Saúde, na Secretaria respeito ao campo científico e na realização de pes-

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de Administração Penitenciária de São Paulo. Lucia- quisas e de tantas outras possibilidades de prática
na Ferreira Angelo, coordenadora do GT Nacional de e teoria que temos. Por isso, guiados pelas diretrizes
Psicologia do Esporte e do Conselho Federal de Psi- do Congresso Nacional de Psicologia, o Conselho
cologia e Elisa Zanerato Rosa, conselheira presiden- Regional de Psicologia de São Paulo tem pautado
te do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo. a Psicologia do Esporte e realizado diversas ações
por meio deste Núcleo de trabalho, que está sendo
construído há mais ou menos um ano, Núcleo esse
“Falar da diversidade da que prioriza o acolhimento de demandas da catego-
ria e sociedade relacionadas ao esporte, formação
Psicologia enquanto campo
em Psicologia do Esporte, e garantia de direitos para
científico, é falar também das todas as pessoas, além da busca pela qualificação
diversas áreas que possibilitam profissional em Psicologia do Esporte, para psicólo-
gas e psicólogos. A Segunda Mostra que acontece
um exercício profissional de
hoje irá, sem dúvida, ampliar a compreensão sobre
psicólogas e psicólogos”. o sistema esportivo brasileiro, o que é gestão no
esporte e qual o posicionamento da Psicologia nes-
se contexto. Muito se fala da Psicologia do Esporte
Quero iniciar minha fala agradecendo aos de- enquanto campo que está em alto rendimento. Esta
partamentos de comunicação e eventos do Conselho Mostra, não: queremos levar um pouco, trazer um
Regional de Psicologia de São Paulo pela dedicação, pouco mais para outras questões, não só de ges-
organização desta Mostra; agradecer às entidades tão de esporte, mas também questões de gênero e
e movimentos que estiverem aqui presentes; ao re- relações raciais no esporte, mobilidade humana, ati-
presentante do Conselho Regional de Psicologia do vidade física e saúde mental para todas as idades;
Rio de Janeiro - conselheiro Rodrigo Acioli - obrigado questões sociais e desenvolvimento moral no es-
pela presença; aos representantes de faculdades porte, corpo e desenvolvimento humano, e fechando
que aqui estiverem o nosso muito obrigado; e claro, sobre as condições de trabalho no esporte.
12 Yan Cintra
Representante da Associação Brasileira
de Psicologia do Esporte - ABRAPESP

Bom dia a todos. Meu nome é Yan Cintra; faço riados na Psicologia, em especial na Psicologia
parte da atual diretoria da Associação Brasilei- do Esporte; temos como base a Carta internacio-
ra de Psicologia do Esporte - ABRAPESP; é um nal da Educação Física e do Esporte da Unesco.
prazer para mim estar aqui representando a E ela considera que a prática da educação física
Associação nesta Segunda Mostra estadual de e do esporte é direito fundamental ao longo da
práticas em Psicologia do Esporte. A ABRAPESP vida. Acredito que já é hora de discutirmos os te-
apoia este evento, e também faz parte do Núcleo mas propostos deste evento e também dar mais
de Psicologia do Esporte do Conselho Regional voz ativa aos protagonistas do movimento, ou
de Psicologia de São Paulo. Nosso agradecimen- seja, os profissionais e estudantes das ciência e
to especial à Camila Teodoro, líder e conselheira do esporte, os atletas profissionais e amadores,
deste Núcleo de Psicologia do Esporte; aos pa- os praticantes de atividade física de um modo
lestrantes que aceitaram o convite de participar geral. Então, espero que todos aproveitem bem o
do evento e a todos vocês aqui presentes. O mo- evento; possam criar, contribuir, compartilhar de
vimento humano se apresenta em contextos va- alguma forma. Muito obrigado.
Fernanda Magano 13
Presidente da Federação Nacional dos
“A minha relação de estar aqui
Psicólogos; Tesoureira do Sindicato também é para pensarmos essa
dos Psicólogos no Estado de São
Paulo; Psicóloga na Coordenadoria de perspectiva na lógica de um mundo
Saúde na Secretaria de Administração
Penitenciária de São Paulo.
sindical: o quanto a gente precisa

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


avançar para consolidar a Psicologia
do Esporte como um mercado de
trabalho”.

Bom dia a todos e a todas; agradeço aqui nas pesso- Depois, enquanto ciência e estudos e cons-
as da Camila e do Luís esta oportunidade; agradeço trução mesmo desse conhecimento teórico para a
ao Yan por vir representar a ABRAPESP e à Luciana realidade brasileira, de 1980 para a frente, temos no
por representar aqui o Grupo de Trabalho do Conse- início dos anos 2000 a construção do título de es-
lho Federal de Psicologia, e todo trabalho que já cons- pecialista, quando a Psicologia do Esporte se con-
truiu também no decorrer desses tempos na própria sagra como uma das áreas para titulação de espe-
ABRAPESP e no próprio Regional de Psicologia, nas cialistas. E de lá para cá, vai avançando nas suas
publicações e em toda uma construção mesmo. Dizer especialidades, fato que esta mostra então deta-
que é importante marcar que a ABRAPESP faz par- lhará bastante bem para cada um de nós. A minha
te do Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia – relação de estar aqui também é para pensarmos
FENPB - que, inclusive, discute, compartilha, traça as essa perspectiva na lógica de um mundo sindical:
ações e políticas conjuntas para pensar a Psicologia o quanto a gente precisa avançar para consolidar
como um todo, e trata então, da especificidade da a Psicologia do Esporte como um mercado de tra-

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Psicologia do Esporte. Eu estive na secretaria execu- balho. Para além do avanço nos clubes, nas várias
tiva do FENPB por um período, e é importante falar modalidades de esporte, o quanto precisamos tra-
disso em eventos, porque muitas vezes há estudan- var diálogos com o Ministério; o quanto precisamos
tes que desconhecem desta relação da Psicologia avançar na perspectiva disso enquanto política pú-
que é única entre as 14 profissões de saúde regula- blica, porque sabemos que muitas vezes nas prefei-
mentadas. Que é a possibilidade de se ter um fórum turas, nas vinculações com os projetos sociais, de-
que congrega as várias frentes da Psicologia para paramo-nos com contratações precárias de ONGs,
tirar pautas conjuntas e pensar aquilo que é bastan- OSs, UNGs. Existem projetos em que há interface
te caro para nós, que é a visibilidade da Psicologia, o da Psicologia e do Esporte, mas o quanto isso ainda
cuidado com as pessoas, uma Psicologia séria e com- é precário e colocado em um segundo plano. Então
prometida para atender à população brasileira, e fa- precisamos superar isso, pensar também o marco
zer a relação de que essa Psicologia avance dos seus regulatório apresentado pelo governo no ano de
espaços privados para uma, de fato, consolidação 2014, nessa relação das organizações sociais, para
nas políticas públicas. Em relação a esse evento, é que possamos constituir de fato um espaço onde
importante o quanto tem avançado; então, estamos haja carreira profissional; onde haja jornada delimi-
nesta Segunda Mostra de práticas em Psicologia do tada; onde haja piso salarial; que de fato faça refe-
Esporte e o quanto no decorrer do tempo a Psicolo- rência a todo esforço que demanda estar na cons-
gia do Esporte vem se consolidando. Se pensarmos trução de uma área e que essa área, como a Camila
na história, ela data mais ou menos, na Rússia e nos disse, está consolidada, mas ainda tem passos a
Estados Unidos, do início do século XX; depois, na re- avançar na construção desse conhecimento. Então,
alidade brasileira, um dos primeiros marcos dela é em que possamos aproveitar a oportunidade do dia de
1958, na construção da Copa, isso inclusive antes da hoje para aprofundar esses conhecimentos, e tirar
própria regulamentação da profissão em 1962. Então, daí algumas diretrizes nessa perspectiva do quanto
temos esse marco de que a Psicologia ainda nem era a gente pode fazer uma ação parceira, Conselho e
regulamentada aqui, mas já tinha esse acompanha- mundo sindical na construção dessa possibilidade
mento e esse procedimento acontecendo. de novos mercados de trabalho. Obrigada.
14 Luciana Ferreira Angelo
Coordenadora do GT Nacional
de Psicologia do Esporte do
Conselho Federal de Psicologia.

Bom dia a todos; gostaria de agradecer imensa-


mente a presença de todos vocês na ii Mostra de “A Psicologia do Esporte
Práticas em Psicologia do Esporte; agradecer ao
Conselho Regional de Psicologia, à conselheira
hoje é vista como uma área
Elisa, presidente do Conselho; conselheira Cami- fundamental e importante
la, coordenadora e líder do Núcleo de Psicologia quando se pensa na promoção
do Esporte, do qual eu também faço parte, pois
sou psicóloga aqui em São Paulo, pertencen-
da saúde, em mobilidade urbana,
do ao Conselho Regional de Psicologia e estou principalmente, nos grandes
aqui compondo a mesa, representando o Grupo centros como São Paulo e nos
de Trabalho Nacional em Psicologia do Esporte.
Desde que tivemos a eleição para o Conselho e
centros expandidos”.
para o Sistema de Conselhos, a Psicologia do
Esporte vem sendo pautada nos núcleos que está sendo realizada em parceria, num primeiro
existem nos Conselhos Regionais e no Conselho momento, aqui com o Núcleo de Psicologia de
Federal, possibilitando a discussão do tema Psi- São Paulo. Temos no material que foi entregue
cologia do Esporte como especialidade, fazendo a vocês um convite para que todos possam par-
parte do planejamento estratégico. A Psicologia ticipar do Censo na Psicologia do Esporte. O GT
do Esporte hoje é vista como uma área funda- Nacional junto com os CRs, então todo o sistema
mental e importante quando se pensa na promo- conselhos, tem uma preocupação de saber quem
ção da saúde, em mobilidade urbana, principal- somos, onde estamos, o que fazemos, quais são
mente, nos grandes centros como São Paulo e as facilidades e dificuldades profissionais. Existe
nos centros expandidos. Temos São Paulo, Rio um documento que se chama “instrumento de in-
de Janeiro e outras capitais em diversas regiões vestigação do GT de Esporte”, que está na pasta
do Brasil; então, o GT Nacional discute hoje, ba- que vocês receberam. Estamos convidando vo-
sicamente, ações que a Fernanda levantou, re- cês para que possam preencher essa pesquisa e
lacionadas a políticas públicas e possibilidades entregar na recepção para que possamos fazer
da temática da Psicologia do Esporte frente à esse levantamento. Essa parceria com o Núcleo
sociedade civil. Hoje o GT Nacional é represen- aqui de São Paulo é bastante importante: São
tado pelos conselheiros Rodrigo Acioli, do Rio Paulo é uma das regiões onde temos mais regis-
de Janeiro, que está aqui; Murilo Calafange, de tros de profissionais especialistas na Psicologia
Pernambuco; Cristianne Carvalho, do Maranhão; do Esporte, e para nós então é interessante ve-
Giane Souza, do Pará; Fabrício Raupp, de San- rificar se há semelhanças, diferenças, em relação
ta Catarina e Adriana Bernardes, de Goiás, para às diversas regiões do país na prática profissio-
vocês entenderem como o Brasil todo tem dis- nal. Espero que vocês aproveitem bastante o en-
cutido essa temática. E uma das ações do GT contro. Obrigada.
Elisa Zaneratto Rosa 15
Conselheira Presidente do Conselho Regional
de Psicologia de São Paulo - CRP 06.

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Bom dia a todas e a todos aqui presentes; muito para responder a essa finalidade, para responder
bom dia aos meus colegas que estão aqui na mesa; a esse objetivo. Acho que um outro princípio que
agradeço por terem vindo participar e construir em também bem se expressa nesse evento, que para
conjunto esse trabalho do Conselho Regional de nós é muito caro, tem relação com esse primeiro,
Psicologia de São Paulo, a todos que aceitaram o que é a possibilidade de podermos construir o nos-
convite de participar dos debates, seja trazendo so trabalho no Conselho Regional de Psicologia de
seus trabalhos para expor, seja participando das São Paulo, num diálogo com os hoje grupos orga-
mesas, seja participando do próprio evento. nizados da Psicologia. Então, se vamos tratar da
Psicologia do Esporte, interessa-nos - e só pode-
mos fazer isso - um diálogo em construção conjun-
“Então, que possamos reconhecer ta com todos os coletivos que historicamente se
organizaram para tratar das questões dessa área;
no dia a dia do trabalho da

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então, acho que neste momento em que realiza-
categoria, referências, diretrizes, mos esta Segunda Mostra temos como produto
desafios, as dificuldades, os uma trajetória histórica, um conjunto de coletivos,
de associações, de laboratórios, de grupos, enfim,
pontos, enfim, que precisamos
que pensam essa questão, que trabalham com
estar atentos para fazer avançar essa questão. E temos feito um esforço de estar
a Psicologia que queremos no junto com todos esses grupos, porque entende-
mos que trazem diferentes contribuições que pre-
nosso estado”.
cisam caber no espaço do Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo, que precisam estar em
Queria dizer que temos enorme satisfação diálogo com o trabalho que fazemos no Conselho.
em realizar esse evento, e essa satisfação decorre Há cerca de quinze anos o Conselho Regional de
talvez de dois princípios que têm sido fundamen- Psicologia de São Paulo deflagrou no seu trabalho
tais na nossa gestão e que muito bem se expres- uma construção em torno dessa temática com o
sam neste encontro. Um desses princípios é de conjunto de eventos, de discussões que resultam
que a gente faça uma gestão no Conselho Regio- também em algumas publicações e depois, durante
nal de Psicologia de São Paulo, que dialogue, que alguns anos, quem tem o protagonismo desse tra-
esteja próximo das práticas realizadas pelas psi- balho são essas associações, são esses coletivos
cólogas e psicólogos do Estado no seu cotidiano. e, portanto, é nessa reconstrução que vamos fazer
Então, que possamos reconhecer no dia a dia do enquanto Conselho neste momento; precisamos
trabalho da categoria, referências, diretrizes, desa- desses coletivos conosco. Desde a última gestão
fios, as dificuldades, os pontos, enfim, que precisa- reiniciamos essa construção; a gestão passada
mos estar atentos para fazer avançar a Psicologia começou a partir de uma ação de regionalização
que queremos no nosso estado. E esse desenho, dessa discussão a trazer novamente esse deba-
de mostra, de práticas, de convite para conversa te no interior dos conselhos, do Conselho Regio-
sobre as práticas nesse sentido, é muito exitoso nal de Psicologia de São Paulo, e realiza a Segun-
da Mostra de práticas em Psicologia do Esporte, balho contínuo que estamos fazendo, realizando no
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buscando, então, conhecer, aproximar-se desses Conselho dois encontros ampliados que discutiram
trabalhos, enfim, e neste momento aprofundamos, a temática da Psicologia do Esporte. Temos este
retomamos esse desafio, aprofundamos esse de- momento da Mostra, e vamos então seguir com
safio a partir desse diálogo com esses coletivos, outras estratégias, enfim, seguir com este trabalho,
com esses grupos que estão organizados hoje no esperando que este momento seja estratégico para
Estado de São Paulo e no Brasil. uma construção que está afinada com algumas pre-
ocupações. De qualificar referências para atuação
nessa área, de ampliar a presença das psicólogas
e psicólogos do esporte nas mais diversas políti-
“À medida que avançamos na cas, de contribuirmos, enquanto Psicologia, para a
construção de políticas públicas, construção de políticas relacionadas ao esporte, de
de garantia de direitos, somos políticas relativas ao campo do sistema esportivo.
Considero que essas são as preocupações que te-
convocados a pensar como a mos neste momento e que entendemos que estes
Psicologia do Esporte contribui espaços de diálogo, de troca, enfim, podem contri-
com a construção dessas buir. Queria lembrar que o Viii CNP e o Viii Congres-
so Nacional da Psicologia nos pautam em relação
políticas das mais diversas áreas, a essas questões, coloca a necessidade de que os
com a classificação das políticas conselhos possam debater as referências em re-
das mais diversas áreas”. lação à Psicologia do Esporte, e possam discutir a
ampliação da presença desse campo de atuação, de
conhecimento, enfim, nas políticas públicas no Bra-
Tenho a impressão de que esse método para sil. Acho que respondemos a esse desafio, e nesse
nós é fundamental; neste momento a sociedade sentido realizamos um trabalho em São Paulo que
brasileira é provocada especialmente a pensar a faz parte de um sistema maior enquanto sistema de
questão do esporte, todo o cenário dos megaeven- Conselhos de Psicologia; estamos tentando organi-
tos coloca em evidência a área de Psicologia do Es- zar isso a partir deste trabalho nacional. É isso que
porte, e temos, portanto, a obrigação de qualificar eu queria dizer a vocês; queria aproveitar a oportu-
para a sociedade as diretrizes éticas e técnicas que nidade para convidar todos vocês que aqui estão
orientam o nosso trabalho nessa área, assim como para mostrarem seus trabalhos, também a partir do
evidenciar para a sociedade qual é a contribuição projeto Psicologia todo dia, em todo lugar, para uma
que nós, enquanto categoria profissional, demos a sociedade mais democrática e igualitária, que é um
esse campo. Então, considero que este momento projeto que temos desenvolvido aqui no Conselho
em especial nos convoca para isso, e entendo que Regional de Psicologia de São Paulo e que pretende
para além disso, à medida que avançamos na cons- ser uma mostra permanente das práticas de todas
trução de políticas públicas, de garantia de direitos, as psicólogas e psicólogos no estado.
somos convocados a pensar como a Psicologia do
Esporte contribui com a construção dessas políti-
cas das mais diversas áreas, com a classificação
das políticas das mais diversas áreas. Então, en- “Precisamos ouvir e conhecer
tendemos que a Psicologia do Esporte tem uma o que cada um dos psicólogos,
interface com políticas de educação, com políticas
para criança e adolescente, com políticas de cultu-
das psicólogas está fazendo
ra, com políticas de saúde, com políticas de assis- pelo estado; para mostrar à
tência, enfim, nos diversos espaços em que temos sociedade o que temos feito
ampliada a presença da Psicologia as contribuições
da Psicologia do Esporte podem ser fundamentais
e para podermos também
para contribuirmos com a construção dessas políti- construir a nossa gestão
cas e assim contribuir também com a construção de alinhada e aproveitando e
uma sociedade mais democrática e igualitária. Acho
que esta é a perspectiva, o projeto ético político que
produzindo referências a partir
nos orienta neste momento, esperando que esta desta Psicologia produzida
Mostra, que na verdade é um momento de um tra- cotidianamente”.
Construímos a partir deste projeto um gran- de práticas, mas gostaríamos muito que ele se
17
de portal em que aparecem as psicólogas, os es- traduzisse nesta Mostra que fica permanente no
tudantes, os usuários, os gestores das mais dife- portal, que todos possam ver, que iremos divulgar
rentes áreas, contando pontualmente ali em um posteriormente nas nossas redes sociais. A nossa
minuto e meio sobre o seu trabalho, sobre o tra- equipe veio para filmar, para registrar, e gostaria de
balho que realizam na Psicologia, e a nossa ideia fazer o convite para que vocês aparecessem, para
é que a partir disso poderemos fazer uma gestão que vocês contassem as suas experiências, a fim

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


que aproveite essas práticas, que reconheça o de que possamos disponibilizar nas redes sociais
que cada profissional está fazendo em cada lu- este espaço de mostra que estamos fazendo aqui
gar, como um subsídio importante para podermos neste sábado. Desejo que seja um bom encontro, e
fazer avançar a Psicologia. Precisamos ouvir e gostaria de agradecer imensamente e reconhecer
conhecer o que cada um dos psicólogos, das psi- aqui o importante trabalho do Núcleo de Psicologia
cólogas está fazendo pelo estado; nosso desejo do Esporte do Conselho Regional de Psicologia de
era ter os 90 mil vídeos dos 90 mil psicólogos, de São Paulo, agradecendo a conselheira Camila Te-
cada lugarzinho, de cada município do Estado de odoro pela sua dedicação, e a todos aqueles que
São Paulo, para mostrar à sociedade o que temos compõem o Núcleo junto com ela: eu não saberia
feito e para podermos também construir a nossa o nome de todos e sobretudo as entidades e co-
gestão alinhada e aproveitando e produzindo refe- letivos que se dispuseram a essa construção con-
rências a partir desta Psicologia produzida cotidia- junta com nosso Núcleo; acho que sem isso não
namente. Acho que este é um momento de mostra iríamos avançar. Muito obrigada a todos vocês.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


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Psicologia, História e a Formação
do Sistema Esportivo Brasileiro
José Aníbal Marques
Psicólogo e mestre em Psicologia Social. Foi psicólogo do Redbull Brasil e
do Botafogo de Futebol e Regatas. Atua hoje como consultor da Interação
– esporte e psicologia para atletas de várias modalidades esportivas.

Bom dia a todos e a todas. Quando ouvi a Fernanda


falar, fazendo um resgate histórico, e quando chegou “A questão da gestão das
em 2000, quando no Conselho Regional de Psicologia
se começou a discutir e a pensar a questão da espe-
instituições esportivas das
cialização, eu voltei quinze anos no tempo e comecei organizações esportivas esbarra
a pensar sobre as temáticas que conversávamos, que na atuação do profissional de
discutíamos, que tratávamos em relação à Psicologia
do Esporte. E quando fiz essa volta e retornei para
Psicologia, do técnico esportivo,
cá em 2015, isso me causou uma satisfação grande do profissional de Administração,
por conta de perceber quais as temáticas discutire- de Marketing, do comunicador, do
mos hoje, e perceber a evolução que a área teve em
quinze anos. Quando a gente pensa em quinze anos,
assessor de imprensa, da equipe de
principalmente para os pais ou mães recentes aqui, suporte, enfim, de todos os agentes
parece uma eternidade falar: meu filho está fazendo que compõem uma instituição,
15 anos, ou meu filho tem 5, ou qualquer outra forma
de referência temporal que a gente queira fazer, mas
uma organização esportiva e
quando a gente pensa em desenvolvimento de uma que certamente irão compor e
área científica, ou de produção científica, isso é um desenvolver o esporte nacional”.
bebê engatinhando, é muito pouco. E por que desta
minha satisfação? Porque eu componho a mesa com e um historiador, se assim posso lhe chamar, Flávio,
três profissionais que não são psicólogos e isto causa isso me causa muita satisfação, porque a temática
muita satisfação. Porque desde 2000, uma questão que a gente busca discutir aqui nesta mesa, a Psico-
que me intrigava muito, e que me estimulava muito a logia, História, desenvolvimento do sistema esporti-
estar na área, e a desenvolver, contribuir para o de- vo, não faria o menor sentido se não partilhássemos
senvolvimento no país, era a relação interdisciplinar. isto com outras áreas, e não pensássemos na atu-
Nunca entendi por que o profissional de Psicologia ação do profissional de Psicologia também na área
trabalhando no esporte pudesse atuar de outra for- da gestão, porque percebemos como a questão da
ma. Naquela época existia uma discussão muito gran- gestão das instituições esportivas das organiza-
de de como ocuparíamos espaço, como faríamos com ções esportivas esbarra na atuação do profissional
os profissionais da Educação Física e do Esporte, e de Psicologia, do técnico esportivo, do profissional
isso me estimulava a pensar que não se tratava de de Administração, de Marketing, do comunicador, do
uma disputa por espaço, de um confronto entre pro- assessor de imprensa, da equipe de suporte, enfim,
fissionais, mas sim como dividiríamos esse espaço de todos os agentes que compõem uma instituição,
produzindo ciência e uma área que tivesse qualidade uma organização esportiva e que certamente irão
para o desenvolvimento do esporte no Brasil. compor e desenvolver o esporte nacional. Então, é
com muita satisfação e orgulho que vejo o desenvol-
E hoje, quando tenho aqui ao meu lado um ba- vimento e evolução dessa área, mas principalmente
charel em Esporte, um bacharel em Esporte que ca- a abertura para outras áreas para que possamos
minha para o Marketing, para a área administrativa, construir um esporte nacional com qualidade.
Flávio de Campos 19
Professor do Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Mestre
e Doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Coordenador Científico do LUDENS (Núcleo
Interdisciplinar de Pesquisas sobre Futebol e Modalidades Lúdicas). Professor do curso de pós-graduação
História Sociocultural do Futebol, ministrado no Departamento de História da USP. Organizador do livro
“Futebol Objeto das Ciências Humanas”, Editora Leya, 2014. Coordenador científico e curador artístico do
projeto “Vista sua camisa com orgulho, contra a homofobia no futebol”.

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Obrigado, bom dia a todos e a todas. Muito obriga- to histórico, janelas privilegiadas para se pensar
do pelo convite; para mim é sempre um grande pra- a dinâmica da sua sociedade. Evidentemente no
zer falar para pessoas que não são da área de His- esporte - e a modalidade esportiva eleita no Bra-
tória, e isto é um desafio. Sou historiador e espero sil é o futebol - o futebol é essa modalidade; nos
poder contribuir para as discussões que vocês têm Estados Unidos não é o futebol, nos Estados Uni-
desenvolvido, mas o meu interesse vai ser pensar a dos podemos pensar pelo menos numa divisão: o
questão do esporte e do futebol em particular, mais beisebol, o futebol americano, o basquete. Temos
do esporte em geral, e as diversas relações sociais, aí uma diversidade de modalidades esportivas. Evi-
e como o esporte em geral e o esporte no Brasil dentemente, retornando ao futebol - e gostaria de
evidenciam determinadas situações e expressam falar aqui sobre a FiFA e a CBF - o futebol se tornou,
determinadas tensões da sociedade brasileira. Fa- no mundo inteiro, a principal modalidade esportiva
rei uma rápida abertura e depois apresentarei um contemporânea; não há nenhuma modalidade es-
conjunto de slides para evidenciar determinadas portiva - eu diria não há nenhuma modalidade cul-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


situações que quero discutir com vocês. tural - que tenha uma assistência de bilhões de es-
pectadores numa final de competição. Falando de
um público de bilhões, e evidentemente um público
“Sou historiador e espero poder de bilhões significa um mercado potencial, tudo
isto também contribui para o bem e para o mal em
contribuir para as discussões relação a isso. No caso do Brasil, vou recuperar a
que vocês têm desenvolvido, leitura que considero ainda muito atual e muito per-
mas o meu interesse vai ser tinente, que é a do antropólogo Roberto da Matta.
Da Matta tem uma chave interpretativa para o fu-
pensar a questão do esporte tebol, e para a relação de futebol e sociedade bra-
e do futebol em particular, sileira, que considero muito interessante; ele nota
mais do esporte em geral, e que o futebol tem o papel de dramatizar questões
importantes da sociedade brasileira. Ele dramatiza,
as diversas relações sociais, e ele encena, ele põe em evidência. Ele põe no palco.
como o esporte em geral e o Eu acrescentaria que o futebol é tão importante
esporte no Brasil evidenciam para a sociedade brasileira que ele potencializa,
amplia determinadas tensões em determinadas
determinadas situações e situações históricas. Vou exemplificar isso, tentan-
expressam determinadas tensões do ser rápido. Analisando as jornadas de junho, as
da sociedade brasileira”. manifestações políticas no Brasil, desde 2013, e
que se estendem até agora, ecoam mesmo até o
momento. Dentre essas manifestações, a impren-
Acho que é interessante pensar no caso do sa deu muita cobertura, dando muito destaque
esporte em geral, que cada sociedade elege uma para o movimento do chamado “Passe Livre”, um
ou mais modalidades esportivas, que se tornam movimento de meninos que surgiu no Fórum Mun-
para essa sociedade, num determinado momen- dial de Porto Alegre, inclusive muitos alunos meus
da FFLCH-USP. Além desse movimento, um outro, governo Dilma, parecia que não existia direita, não
20
uma articulação que não avançou, não obteve um existia esquerda, estava tudo acomodado dentro
espaço na mídia convenientemente, e por isso não do mesmo guarda-chuva, e essas polarizações da
permitiu a compreensão correta do significado das direita e da esquerda revelam para nós o ponto
jornadas de junho de 2013, que foi a Articulação de vista sociológico e político, o esgotamento de
Nacional dos Comitês Populares da Copa (ANCOP). um modelo de presidencialismo de coalisão; esse
Por trás da ANCOP havia dezenas de entidades e grande acordo, essa grande aliança que o Fernan-
movimentos sociais no Brasil, significativamente do Henrique fez, à direita e à esquerda, chamando
articulados à mesma. Vou citar alguns: o projeto o PSDB para se aliar aos Democratas (o antigo PFL)
“Jovens Limpos”; o instituto ETHOS; o Movimento - era a direita; e a mesma coisa que o governo Lula
dos Trabalhadores Sem Teto; a União Nacional Por fez, articulando-se também à direita para gover-
Moradia Popular, movimentos que ganharam muita nar. Esse presidencialismo de coalisão esgotou-se;
força por conta das desapropriações realizadas em esse modelo esgotou-se; esse modelo político de
diversas cidades do Brasil, por conta da constru- concessão, de privilégios e de divisão do dinheiro
ção de estádios, inclusive o de itaquera. A Frente público e do estado entre diversos partidos está
Nacional dos Torcedores, a Associação Nacional esgotado; resta saber até aonde ele vai, mas a
dos Torcedores, a Central dos Movimentos Popu- realidade caducou. isso aparece em relação ao fu-
lares, isto é bem significativo que duas situações tebol. À direita vocês viram, a gente vê até hoje o
que se entrelaçam, que esses movimentos tenham resgate desse nacionalismo autoritário, de falas
se articulado em torno da ANCOP, e é significativo autoritárias, que fazem apologia à ditadura militar,
que a gente tenha tido, desde a chegada do PT ao significativamente, 50 anos depois, com relação ao
poder em 2003, um recuo dos movimentos sociais, golpe, e algumas falas que estão na nossa socie-
um arriamento das bandeiras dos movimentos so- dade. O rechaço a todos os partidos políticos, os
ciais em torno de uma espécie de compromisso e discursos nas ruas, “o povo unido não precisa de
de aparelhamento que o governo do PT fez com os partido”, é um discurso extremamente autoritário.
movimentos sociais de todo o Brasil. Então essas
bandeiras arriadas, esses movimentos que foram,
de certa maneira, amortecidos pela chegada do “Com relação à esquerda, os
PT ao poder, rearticulam-se num contexto de Copa
do Mundo ligados à ANCOP; é o futebol que per-
movimentos sociais começaram com
mite a articulação política desses movimentos. No uma discussão interessante, com uma
momento em que as centrais sindicais, cada uma indagação interessante, uma palavra
delas hoje correspondendo a um conjunto de par-
tidos políticos, as centrais sindicais hoje no Brasil
de ordem que era “Copa para quem”? E
defendem interesses partidários muito claramente: como “para quem” era extremamente
esses movimentos sociais, órfãos, vão se articular interessante, extremamente bacana,
em torno da Copa do Mundo. Eu diria que essas
manifestações dramatizaram alguns dos principais
quem que se beneficiaria com a Copa?”
conflitos de algumas das principais tensões que
estamos vivendo até hoje. E que estavam ator- O Brasil é o meu partido; essa ideia de unida-
doadas, estavam paradas, estavam esquecidas. de nacional como partido, a queima de bandeiras e
Críticas à organização da Copa (críticas existem agressões a militantes de esquerda que vimos na
desde 2009, 2010), os elementos, as indicações de Avenida Paulista, a criminalização dos movimentos
que haveria desperdício de dinheiro público, que sociais, que é um processo em curso no Brasil, e é
alguns estádios seriam desnecessários, já haviam ao mesmo tempo significativo, ao mesmo tempo
sido feitas desde 2009, mas parece que a socie- em que se mantém, montam-se essas alianças,
dade recusava-se a se mobilizar, e vai estourar, a criminaliza-se qualquer tipo de movimento social,
coisa vai “pipocar” em 2013, um pouco antes da e a reverberação daquilo que eu chamo de “neola-
Copa das Confederações, e que geram um elemen- cerdismo” na imprensa brasileira. “Neolacerdismo”
to novo que estava amortecido também no Brasil é uma alusão a Carlos Lacerda, apelidado de “Cor-
e que aparece hoje nitidamente: as polarizações vo”, jornalista e político da UDN (União Democrática
ideológicas, à direita e à esquerda. O Brasil hoje é Nacional) que atacou sistematicamente e articulou
um país dividido; em 2012 e 2013, durante a gestão o golpe de 1964. Atacou Getúlio Vargas, atacou
do governo, dos dois governos Lula e no início do Juscelino Kubitschek, atacou João Goulart, atacou
Brizola e foi um dos articuladores do golpe de 1964. Um pouco antes da jornada de junho, uma
21
Esse “neolacerdismo”, essa coisa odiosa que a gen- propaganda interessante da Fiat falava que “a rua
te vê hoje na imprensa, nomeadamente na revista é a maior arquibancada do Brasil”, parecia profético,
Veja, na Folha de S. Paulo, no Estadão e no Google, 15 dias, 20 dias antes de estourarem as jornadas
com alguns jornalistas que eu não vou nomear aqui de junho. Mas alguns slogans, “pula, sai do chão
(vocês sabem exatamente quem são), ela reverbera contra o aumento do “busão”, ou contra a corrup-
um pouco nessa movimentação da direita nas ruas. ção”, é uma paródia do “pula, sai do chão, faz ferver

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Com relação à esquerda, os movimentos sociais o caldeirão”, das arquibancadas. “O povo acordou”
começaram com uma discussão interessante, com também possui matriz futebolística, “o campeão
uma indagação interessante, uma palavra de ordem voltou”; “vamos ganhar, porco”; “sou brasileiro com
que era “Copa para quem”? E como “para quem” era muito orgulho, com muito amor”, é o decalque, tal e
extremamente interessante, extremamente bacana, qual aquele canto entoado e enjoado, que é o único
quem que se beneficiaria com a Copa? E depois se canto que a torcida brasileira consegue fazer nos
enveredaram por uma sinuca, por uma armadilha, estádios, que não anima ninguém, parece que esta-
que era a “não vai ter Copa”. Na verdade, uma brava- mos indo para um funeral em partidas da seleção, e
ta, pois realizou-se a Copa e os movimentos sociais agora, recentemente, nas manifestações de 2015,
tiveram que se recolher, e foi um percurso extrema- essas que são herdeiras das jornadas de junho, têm
mente equivocado. Críticas aos governos federais, uma outra conotação, mas são herdeiras, pessoas
estaduais e municipais, exigências de mudanças que estavam nas jornadas de junho também estão
nas prioridades sociais. Um dado bem interessante, nessas manifestações de 2015 contra o governo
uma pauta bastante legal, você inverter as priorida- Dilma, contra o governo federal. Além dos cantos
des dos gastos públicos que ocorreram durante a de futebol, o que é sensacional, a grande maioria
Copa, e a questão da descentralização e pulveriza- está com camisa da seleção brasileira, parece uma
ção das lideranças. Então, não haver um movimento grande torcida, depois da ressaca do 7 a 1, é o que
unificado, mas haver diversos movimentos, o que a gente vê nas avenidas. isso aqui é um pouco do
impede, inclusive, o diálogo, e impede uma proposi- exemplo desse entrelaçamento em relação ao Bra-
ção de transformação mais completa, mais acabada sil. Vamos agora para os slides. Trouxe um conjunto
para a sociedade brasileira. Se existissem partidos de situações, começando com uma cena de 1973:

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


políticos ficaria mais fácil ter uma plataforma e uma é a seleção do Chile com o presidente Allende em
perspectiva de transformação. Com isso a ação di- 1973. Nesse ano houve uma situação muito curiosa,
reta, os confrontos, as violências, os enfrentamen- antecedendo a Copa do Mundo prevista para 1974
tos e o vandalismo que vimos em todos esses mo- na Alemanha Ocidental. Na época disputavam ape-
vimentos. Encerro essa minha exemplificação com nas 16 seleções e a última vaga, a 16ª vaga, seria
a questão da estética dessas massas. O que me disputada numa repescagem entre uma seleção da
chamou a atenção além disso? Além desse ponto Europa e uma seleção da América do Sul e, ironia
de partida, essa organização e essa articulação com do destino, a seleção europeia era a União Soviéti-
o futebol? A maneira como essas manifestações se ca e a seleção da América do Sul era a seleção do
expressavam esteticamente. A sua gestualidade, a Chile. Essa aqui (no slide) é a delegação do Chile,
sua “vocalidade”. Mimetizando expressões gestuais os jogadores saindo para jogar a primeira partida.
e “focalidades” das arquibancadas de futebol. A repescagem seria disputada em duas partidas,
uma na União Soviética e a outra no Chile. Para a
primeira partida, os jogadores se despedem do en-
tão presidente Salvador Allende e, em particular, um
“O povo acordou” também possui jovem menino, o Caszely, grande jogador da seleção
matriz futebolística, “o campeão chilena, que além de jogador é de uma família de es-
voltou”; “vamos ganhar, porco”; querda no Chile; os pais eram militantes ferroviários,
a mãe uma militante ferroviária, ligada ao partido
“sou brasileiro com muito orgulho, comunista chileno. Eles vão e arrancam um triunfal
com muito amor”, é o decalque, empate de 0 a 0 na União Soviética.
tal e qual aquele canto entoado
E voltam para decidir a vaga no Chile, com
e enjoado, que é o único canto aquele resultado que animou a todos os torce-
que a torcida brasileira consegue dores. Acontece que em agosto, entre a primeira
fazer nos estádios”. e a segunda partida, ocorre o golpe, o nosso 11
visto, porque o estádio nacional tinha virado um
22
“O que é impressionante - quem campo de prisioneiros. A FiFA mantém a data da
partida, e o que é mais sensacional, a União Sovi-
for a Santiago visite o Museu da ética não aparece. Minha ideia era passar o vídeo,
Tortura - no Museu da Tortura mas cheguei atrasado e não vai dar. Mas o vídeo
em Santiago é a desfaçatez da é sensacional: abre-se o estádio, vem a torcida, o
time do Chile entra em campo e, como nos nos-
ditadura militar chilena, em deixar- sos torneios de fim de semana, quando outro time
se filmar, em deixar registrar as não aparece o resultado é o WO [walkover] e nesse
práticas autoritárias do regime”. caso o que se tem que fazer? Dar a saída, tocar a
bola e fazer um gol simbólico, que vale como resul-
tado da partida. Acontece isso numa disputa para
de Setembro de 1973, um 11 de Setembro muito a última vaga da Copa do Mundo de 1974! O que
mais perverso do que o 11 de Setembro das Tor- é sensacional está nesse slide aqui da direita de
res Gêmeas. Muito mais perverso - porque alguns quem observa: aqui é a torcida chilena, vejam bem
devem recordar disso – e o que foi mais impressio- os cartazes, é a torcida chilena numa partida da
nante foi a cobertura jornalística do golpe ao vivo. Copa de 1974, o Chile vai à Copa. Austrália e Chile,
E isso é impressionante. O que é impressionante a torcida chilena com a suástica; a torcida do Chile
- quem for a Santiago visite o Museu da Tortura - ocupando a arquibancada e fazendo uma manifes-
no Museu da Tortura em Santiago é a desfaçatez tação contra a ditadura militar. E invade o campo.
da ditadura militar chilena, em deixar-se filmar, em Eu também tinha esse vídeo para passar para vo-
deixar registrar as práticas autoritárias do regi- cês, eles invadindo o campo, mas isso não aparece
me. Desde a filmagem do golpe, aqui [no slide] é o quando se fala em manifestações, em organização
Palácio De La Moneda sendo bombardeado pelas de Copa do Mundo, suprime-se. Eu não assisti a
forças armadas do Chile e as tropas chilenas nos nenhum programa de televisão no Brasil retoman-
prédios atirando contra o Palácio. O presidente do do essas imagens que estão no Youtube. A torcida
Chile, para quem não se lembra, sai daqui morto! do Chile invade o campo, interrompe a partida Aus-
Ele é morto durante esse dia, esse dia começa na trália e Chile, a polícia aparece, arranca os caras,
manhã do 11 de Setembro e termina ao final do nesse elemento de tensão, e o que é interessante,
dia, com o corpo do presidente saindo carregado mais uma vez, é a visibilidade que o futebol tem,
de dentro do palácio presidencial. É chocante isso. a importância que o futebol tem, e como o fute-
E é chocante ver as horas e horas de gravações, de bol foi utilizado para denunciar o autoritarismo do
filmagens, de militantes oposicionistas ao governo governo chileno. Na mesma Copa de 1974 há uma
do Pinochet e simpatizantes do Allende sendo car- situação sensacional. A Copa ocorre na Alemanha
regados e jogados em caminhões, vivos, como sa- Ocidental (ainda são duas Alemanhas). No grupo
cos de batata. As entrevistas dos presos políticos i da Copa, por sorteio, caem Alemanha Ocidental
no Chile, nos campos de prisioneiros, declarações e Alemanha Oriental, aí é o exemplo básico maior
das torturas que eram vitimados com militares do da Guerra Fria, da divisão do mundo (Alemanha
lado. Os militares não tinham nenhum problema. Capitalista e Alemanha Comunista); esse slide aqui
Quer falar que está sendo torturado? Pode falar, mostra o início da partida.
pode dar o depoimento, isso é realmente impres-
sionante. E estas aqui são cenas do estádio na-
cional em Santiago, onde em uma parte tem um “Os alemães festejam, derrubam
memorial. O estádio nacional de Santiago, como o muro, decretam o fim da divisão,
outros estádios do Chile - como o Ulrico Mursa no
Brasil - foram utilizados como campo de prisio-
mas não portam bandeiras. Porque
neiros da ditadura militar e campo de extermínio. portar bandeiras alemãs aciona um
Os opositores do regime foram levados para as nacionalismo cuja matriz é o nazismo”.
arquibancadas, eram vigiados pelos militares, e
eram submetidos às torturas nas salas embaixo
do estádio nacional. Entre aquela partida e essa, a Os dois capitães, o Beckenbauer e o capitão
União Soviética solicita à FiFA primeiramente que da Alemanha Oriental. E, continuando a temática
o Chile seja eliminado; segundo, recusa-se a jogar alemã, pulo aqui para 1989, e aqui é um dos mo-
no estádio nacional de Santiago como estava pre- mentos da derrubada do muro de Berlim, alemães
orientais, alemães ocidentais se confraternizan- integrantes da federação alemã? É não ter uma se-
23
do, bebendo, festejando durante dias, subindo no leção muito ariana, é ter uma seleção multirracial,
muro, quebrando o muro, aquela farra toda. Notem multicultural. E aí dois atletas são chamados: o Asa-
uma ausência significativa lá em cima. Praticamen- moah (primeiro atleta negro a jogar com a camisa
te não há bandeiras da Alemanha. Os alemães fes- da seleção alemã), que já havia disputado a Copa
tejam, derrubam o muro, decretam o fim da divisão, de 2002, e o David Odonkor, que é judeu. Então é
mas não portam bandeiras. Porque portar bandei- para montar mesmo uma seleção multicultural,

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


ras alemãs aciona um nacionalismo cuja matriz é o para evitar essa coisa do arianismo que também
nazismo. A última vez que se utilizou a bandeira da está na memória relacionado à Olimpíada de Berlim
Alemanha na frente do Portão de Brandemburgo de 1936. Próximo slide. Essa aqui é a seleção que
foi em 1945 com Hitler no poder. Aqui os alemães para nós traz uma memória não muito agradável,
estão constrangidos. Há um constrangimento em mas ela foi sensacional! A seleção da França de
portar uma bandeira nacional alemã nesse momen- 1998, que a direita francesa não conseguia reco-
to. O próximo slide mostra um ano depois, 1990. A nhecer, melhor dizendo, causar a causa, problemas
comemoração. Aqui o mesmo Beckenbauer, agora da diretoria francesa no começo da Copa da França
como técnico da seleção alemã, e a comemoração em 1998. Aqui é uma seleção de negros, africanos
da torcida alemã pela conquista da Copa de 1990. argelinos, descendentes dos integrantes das ex-
Duas questões interessantes: o que a conquista colônias etc. Essa aqui é uma imagem que eu gosto
da Copa do Mundo significou para a unificação ale- muito, o primeiro slide ali de cima é a comemoração
mã e para a construção de uma identidade positi- da conquista da Espanha na Copa de 2010 na áfri-
va para esse nacionalismo em torno da conquista ca do Sul. O Galvão Bueno deu uma errada no ar:
do futebol, e a denúncia recente de que essa Copa “Nossa, que interessante, eles estão dando a volta
de 1990 foi comprada, que era muito importante olímpica com uma bandeira diferente da bandeira
para a Alemanha. Essas denúncias são recentes, da Espanha!”. Logo depois alguém no ponto deve
tem menos de um mês, por conta dos escândalos ter falado para o Galvão: “Não, é a bandeira da Ca-
da FiFA, denúncias de que a seleção da Argentina talunha”. Ele disse: “Não, não, é a Catalunha. Estava
e a arbitragem favoreceram a vitória da Alemanha, só”. E a culpa é do Arnaldo!
porque era muito importante para o mundo oci-

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dental a vitória da Alemanha, para poder alavancar
o projeto de uma imputação e eliminação do socia- “A maior parte dos jogares
lismo real que é simultâneo.
da seleção espanhola era do
Barcelona e era da Catalunha. Isso
“E aí dois atletas são chamados: tem uma significação tremenda:
o Asamoah (primeiro atleta negro eles não darem a volta olímpica
a jogar com a camisa da seleção com a bandeira da Espanha, darem
alemã), que já havia disputado a volta olímpica com a bandeira
a Copa de 2002, e o David da Catalunha, evoca o movimento
Odonkor, que é judeu. Então é separatista da Catalunha”.
para montar mesmo uma seleção
multicultural, para evitar essa
Mas de qualquer maneira, como sempre, o
coisa do arianismo que também que é legal aqui é mostrar o Puyol junto com os
está na memória relacionado à atletas dando a volta olímpica com a bandeira da
Catalunha e a taça. A maior parte dos jogares da
Olimpíada de Berlim de 1936”.
seleção espanhola era do Barcelona e era da Ca-
talunha. isso tem uma significação tremenda: eles
Próximo slide. Esses daqui são dois jogadores, não darem a volta olímpica com a bandeira da
dois atletas da Alemanha da Copa de 2006, quando Espanha, darem a volta olímpica com a bandeira
a Copa volta para a Alemanha, disputada numa Ale- da Catalunha, evoca o movimento separatista da
manha já unificada. E qual é a grande preocupação Catalunha. Aquele outro slide, a Catalunha, o novo
do Klinsmann, que é o técnico da Alemanha, e dos Estado europeu, uma campanha pela indepen-
Vinte dias antes do início dos Jogos Olímpi-
24
“Em 1968 o mundo está pegando cos no México em 1968 há um massacre chama-
do “Massacre de Tlatelolco”, onde pelo menos
fogo e também no México há um 300 jovens foram mortos pela polícia mexicana.
conjunto de manifestações: os jovens, Em 1968 o mundo está pegando fogo e também
os estudantes mexicanos contra a no México há um conjunto de manifestações: os
jovens, os estudantes mexicanos contra a reali-
realização dos Jogos Olímpicos por zação dos Jogos Olímpicos por conta dos gastos
conta dos gastos públicos”. públicos e, por um detalhe, que no México é mais
angustiante, a tocha olímpica que vai acender
dência da Catalunha e a cena é muito semelhante a pira olímpica no México refaz o caminho de
à que se repete sempre no Camp Nou quando o uma das viagens de Colombo. Algum genial orga-
Barcelona vence, ocasião em que é desfraldada a nizador quis reconstituir o percurso de Colombo,
bandeira da Catalunha e a volta olímpica é dada. E que para os indígenas é visto como opressão e o
os mosaicos e as bandeiras e as mensagens que genocídio que foi cometido na Mesoamérica por
aparecem no estádio do Barcelona: “Catalunha conta da conquista colonial. É a mesma lógica do
não é Espanha”, e as bandeiras da Catalunha. Pró- Paris-Dakar. Quando o Paris-Dakar se realizava
ximo slide, por favor. Esse aqui é um mosaico muito mesmo de Paris até Dakar, na áfrica, a imprensa
bonito, muito legal que a torcida do Barcelona faz mundial não conseguia entender por que no per-
com frequência no seu estádio. Tem um pouco de curso os corredores eram metralhados. E se o cara
idealização nisso, um pouco de construção idea- perdia o comboio ele sumia, porque o percurso do
lista, mas é muito bonito. O slogan do Barcelona é Paris-Dakar é a celebração dos domínios imperia-
que o Barcelona é mais que um clube. Na verdade, listas franceses na áfrica. O percurso passa pe-
Barcelona é mais que um clube se torna um slogan las antigas colônias francesas. Então você exibe
no final da década de 1960 numa campanha de um diante do outro a dominação imperialista. É óbvio
dirigente para disputar a presidência do clube e que isso vai gerar algum tipo de reação. Trago aqui
evoca que “O Barcelona é mais que um clube”. Se o cartaz, não sei se dá para vocês verem aqui no
vocês visitarem o site do Barcelona verão que “o cadeado está escrito USA. Aí a brincadeira, o sím-
Barcelona é mais que um clube” porque representa bolo do México, o logo do México e a corrente na
as aspirações legítimas e a autonomia da Catalu- boca. Próximo slide. Esse aqui é um protesto mais
nha e o Barcelona se tornou um dos espaços de sutil e muito mais interessante. Aqui são as Olim-
resistência à ditadura britânica. E um espaço de píadas de Tóquio, de 1964. Aqui mostra a cerimô-
luta pela democracia na Espanha. Na realidade é nia de abertura. Aparentemente, não tem protesto
meia verdade, pois Barcelona, o último reduto re- nenhum. E não haveria se esse rapaz, Yoshinori
publicano da guerra civil espanhola, foi a última re- Sakai, não tivesse nascido exatamente no dia em
gião a ser conquistada. O clube foi bombardeado e que explodiu a bomba atômica em Hiroshima. E
o presidente do clube foi sequestrado e morto. O aí os japoneses, de uma maneira muito elegante,
Barcelona sempre ficou sob vigilância. Mas em al- muito sofisticada, escalam esse menino para fa-
gumas décadas seus dirigentes articularam-se ao zer a abertura, para acender a pira olímpica e aí é
regime e o rompimento se deu na década de 1960 o recado dado. Eu acho essa imagem sensacional,
no momento em que já se percebe que o franquis- por conta de sua significação. Aqui há duas ima-
mo iria acabar; há um desgaste do governo e de
Franco e, aí sim, um conjunto de atitudes mais
contundentes contra a ditadura franquista. Mas de
qualquer maneira é muito bonito ver um clube que “Na Argentina, apesar de a
tenha uma torcida e disposição em defender a de- ditadura tentar ganhar, lucrar com
mocracia, em construir discursos pela democracia.
Próximo slide. Essa aqui é famosa imagem de John
a organização da Copa, durante
Carlos e Tommie Smith, corredores dos 200 metros algumas partidas da seleção
nas Olimpíadas de 1968 no México. E aí o símbolo, argentina há relatos que no meio
a gestualidade deles tirando as luvas e fazendo o
gesto dos “Panteras Negras” contra o racismo nos
da turba torcedores entoavam um
Estados Unidos. Essa imagem é muito conhecida. canto “você vai acabar, você vai
A imagem do lado é menos conhecida. acabar a ditadura militar”.
gens que eu também gosto: o Videla olhando para 0x0, segundo tempo, se vocês olharem a imagem,
25
a taça da FiFA parece aquele personagem do O Se- o Maradona não pula com o braço esticado. Quem
nhor dos Anéis, my precious, não lhes parece tam- pula com o braço esticado é o goleiro, quem pula
bém? Ele está vidrado, olhando, pegando a taça e errado é o goleiro. Maradona pula com o braço jun-
tirando a taça do Passarela, arrancando a taça do to à cabeça. Ele faz esse movimento, ele pula e faz
capitão. Quer dizer, de quem é a taça? isso. O juiz, de longe, vê um braço, mas acha que é
o braço do goleiro. O Maradona faz o gol e antes de

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


E aqui do lado um cartaz que faz alusão ao comemorar para na área, dá uma olhadinha para o
logo da Copa do Mundo de 1978, um cartaz que bandeirinha. Como vê o bandeirinha correndo para o
pregava o repúdio à Copa de 1978 e o boicote à meio de campo, aí comemora, sai para o outro lado.
Copa na Argentina em plena ditadura militar. Na Ar- Bom, os ingleses vão para cima do juiz, do bandeiri-
gentina, apesar de a ditadura tentar ganhar, lucrar nha, a torcida argentina vai ao delírio. É tudo que se
com a organização da Copa, durante algumas par- espera contra o maior adversário, maior rival é um
tidas da seleção argentina há relatos que no meio gol de mão, é um gol roubado, não é mesmo? Um gol
da turba torcedores entoavam um canto “você vai roubado contra o maior rival é delicioso. E o Mara-
acabar, você vai acabar a ditadura militar”. Então, dona fez mais um gol. É tido como o gol mais sensa-
mesmo com toda ofensiva da ditadura militar, a cional da história das Copas. Ele pega uma bola no
resistência aproveitando-se do futebol. Já que es- campo da Argentina e vai costurando todo mundo
tou falando de Argentina, como não falar do Ma- sem tocar para ninguém, vai driblando todo mundo
radona? Bom, aqui uma situação sensacional que e entra com bola e tudo! Ou seja, cruza o campo da
é a Copa de 1986 no México, com o gol de mão. inglaterra e entra com bola e tudo! Ao final da parti-
O contexto dessa partida é sensacional. É o pri- da, de imediato, sem ninguém para orientá-lo, ele é
meiro confronto entre Argentina e inglaterra após entrevistado. Eu lembro bem disso, tendo acompa-
a Guerra das Malvinas, na qual a Argentina foi hu- nhado na televisão a partida e fiquei boquiaberto. Aí
milhada. Uma aventura da ditadura, dos militares o jornalista pergunta: “Diego, foi com a mão?”. E aí
argentinos. Mas é também o primeiro confronto ele constrói a definição mais sensacional: “Foi com
entre argentinos e ingleses desde a Copa do Mun- a mão de Deus e a cabeça do Maradona”. E esse
do de 1966. Numa partida em que os argentinos gol fica conhecido como “La Mano de Dios”, e os ar-

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foram eliminados pela seleção da inglaterra e um gentinos viram para nós e falam: “Vocês têm o rei do
jogador da Argentina, o Rattín, foi expulso. Não ha- futebol, mas nós temos o deus do futebol, não é?”,
via cartão vermelho ainda. O cartão vermelho se e tem um “quezinho” aí de verdade. Aqui na imagem
estabelece na Copa seguinte, em 1970. O Rattín temos o Maradona com a tatuagem famosa do Che
é expulso pelo árbitro e ele diz “não compreendo” Guevara, que vem a ser um outro argentino famoso.
e não sai do campo. É um pau danado, uma briga E ali em cima, eu fiz questão de trazer porque é uma
danada em campo e um organizador da Copa na partida, a celebração de um gol, o gol do Caniggia
inglaterra faz uma declaração bombástica dizendo numa partida itália e Argentina na Copa do Mundo
que os argentinos são animais. É com esta moti- de 1990, na itália. O Maradona era atleta do Nápoli,
vação que argentinos e ingleses se encontram em do sul da itália. Vocês sabem daquela rivalidade en-
1986 na Copa do México. tre o sul e o norte da itália? A itália é uma construção
incompleta, então há muitas rivalidades entre as di-
versas regiões dos diversos países e, sobretudo, o
norte e o sul. Esse jogo é disputado no estádio de
É tudo que se espera contra o San Paolo, em Nápoli. Antes de começar a partida,
maior adversário, maior rival é um torcedores da itália exibem faixas pedindo descul-
gol de mão, é um gol roubado, pas ao Maradona porque hoje vão torcer pela itália.
E uma parte da torcida napolitana não torce para a
não é mesmo? Os palmeirenses itália, torce para a Argentina, por conta da rivalida-
aqui vão entender muito bem o de norte e sul. É o único caso em Copa do Mundo
que eu estou falando! de um atleta que consegue dividir a torcida do país.
O Maradona tem uma dimensão muito significativa
e tanto para argentinos quanto para ingleses. Essa
E aí o Maradona, que é deste tamanho, pula aqui é uma foto bonita também. Já que eu mostrei a
na área com o goleiro inglês, um inglês deste ta- foto do Allende e dos jogadores da seleção chilena
manho. O que é sensacional nessa jogada? Está a caminho da União Soviética, eu mostro a nossa
seleção a caminho do México em 1970 com o “de- Depois o Sócrates vai fazer isso também,
26
mocrático” presidente Médici ao centro e logo atrás só que ele faz o gol e comemora com o punho
dele vocês vão ver que estava o Gerson e o Pelé no erguido, como sinal da esquerda, de uma certa
centro da fotografia. Está aqui o Parreira, o Zagallo. esquerda. Antes de sair para a Copa em 1978
Não vou perder muito tempo. Mas essa foto aqui é na Argentina a delegação passa por Brasília e o
muito, muito interessante com relação à vinculação Geisel – isso pelo relato do Reinaldo – chama-o
com a ditadura aqui também. e fala: “Menino, vem cá. Você joga bem, mas fute-
bol e política não combinam não. Posso te dar um
conselho? Para de comemorar os gols assim”. E
“A ditadura foi muito eficiente ele faz esse gol no final do primeiro tempo contra
a Suécia (está 1x0 para a Suécia e ele empata).
para censurar texto e fala, mas
Olhando também no vídeo é sensacional. Ele faz
foi pouco eficiente para censurar o gol e para dentro da área da Suécia e ergue uma
imagem. Imagem é mais difícil de mão. Aí lembra do Geisel e tenta disfarçar. Então
essa é a imagem dele tentando disfarçar a come-
censurar”.
moração do gol. Vamos lá para a próxima. Esses
aqui são os três atletas que eu considero os mais
Eu só chamo a atenção para aquela foto ali importantes da resistência política na história
de cima, é um fotógrafo profissional que faz essa brasileira. O Reinaldo já mais velhinho, o Afonsi-
foto na comemoração. E o fotógrafo foi muito enge- nho, jogador do Rio de Janeiro, que foi o primeiro
nhoso. A ditadura foi muito eficiente para censurar a conquistar o passe livre numa disputa porque
texto e fala, mas foi pouco eficiente para censurar ele na década de 1970 era cabeludo e barbudo,
imagem. imagem é mais difícil de censurar. O que “bicho grilo”, “riponga” e tal. E essa aqui é uma
faz o fotógrafo? Ele espera, ele deixa o centro vazio, figura sensacional: é o irmão do Zico. É o Nando
se você olhar aí tem um buraco, tem uma bandeira Antunes Coimbra. Ele foi torturado pela ditadura
aqui atrapalhando. Ele está esperando. Ele poderia militar. Uma prima do Zico é presidente do “Brasil
centralizar facilmente essa foto nas duas fileiras de Nunca Mais” no Rio de Janeiro. Ela foi torturada,
carros e o caminhão ficar ali na frente. Por que ele violentada durante meses no Rio de Janeiro. O
estende a foto até aqui? Porque ele espera, ele vai Nando foi perseguido aqui no Brasil, depois vai
fotografar quando o caminhão chegar até a placa jogar em Portugal e é perseguido pela polícia po-
“serviço militar”. E no momento que chega ali está lítica do governo Salazar. E os relatos dele são
dada a mensagem na fotografia. Essa aqui do Rei- sensacionais a respeito da ditadura e quase oca-
naldo é sensacional, um jogador que tem uma his- sionou a interrupção da carreira do Zico. O Zico
tória muito interessante. Eu também tinha o vídeo não disputou as Olimpíadas de 1972, pois a di-
dele, mas fica só a imagem. O Reinaldo em 1977 vai tadura não deixou convocar o Zico porque era de
para Belo Horizonte morar num prédio em que no uma família de esquerda. E aí depois a família se-
andar dele tinha umas pessoas que se reuniam em gura esses relatos, esses relatos só vão apare-
torno do Frei Beto e da esquerda que não estava cer por conta da Comissão Nacional da Verdade e
querendo a ditadura e lutando pela campanha da agora, que não tem mais nenhuma implicação na
anistia etc. E ele começa a conviver com essa es- carreira futebolística do Zico. Aqui uma foto que
querda, ele, moleque, começa a se envolver, a se in- pode parecer muito patriótica. É bem legal essa
teressar. E começa a comemorar os gols dele com o foto. É da seleção do Lazaroni, de 1990. Então
punho erguido. É uma característica. notem que os jogadores da seleção estão com
a mão no peito. Parece que está todo mundo ali
num gesto patriótico. E a comissão técnica, não.
“Antes de sair para a Copa em O que essa foto na verdade representa? A patro-
cinadora da Copa - e uma das patrocinadoras da
1978 na Argentina a delegação seleção era a Pepsi - não chega a um acordo no
passa por Brasília e o Geisel valor que os jogadores iriam receber pelo prêmio
– isso pelo relato do Reinaldo – se ganhassem a Copa de 1990. Então, os jogado-
res bem-humorados (vejam que eles estão rindo)
chama-o e fala: “Menino, vem cá. combinam que vão cobrir o logo da Pepsi. Então
Você joga bem, mas futebol e cobrem o logo e fazem a foto oficial para sair para
política não combinam não”. a Copa de 1990. Essa aqui é uma forma de pro-
testo bem-humorado. O próximo slide. Duas situ- sempre com democracia”, impossível não se co-
27
ações lindíssimas da história do futebol brasilei- mover. Esse aqui é um exemplo de uma torcida
ro: campanha da anistia em 1978 no jogo Santos muito legal, de um clube muito legal que é o St.
e Corinthians, no Morumbi, mas não foi a “Gavi- Pauli, de Hamburgo. Essa torcida e esse clube ba-
ões da Fiel” que fez isso, e sim um integrante da niram todos os nazistas do seu meio. Eles fazem
“Gaviões” que é o Chico Malfitani, e abrem aquela manifestações contra qualquer tipo de racismo,
faixa “Anistia Ampla, Geral e irrestrita” no meio da contra qualquer tipo de preconceito. O antigo

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


torcida do Corinthians, no meio da “Gaviões”. E a presidente do St. Pauli era um homossexual as-
outra é o palco de um comício no Anhangabaú em sumido. Então há uma intervenção do ponto de
1984, com integrantes da democracia corintiana, vista da política desse clube que é sensacional.
o Casagrande, o Sócrates, o Osmar Santos, aqui Recomendo que vocês acompanhem. Essa aqui é
na frente, o Adilson Monteiro Alves e lá na ponta uma torcida muito simpática do Brasil. É a “Resis-
o Juninho. Seguindo, o próximo slide. 1983, final tência Coral” do Ferroviário de Fortaleza. E é uma
do campeonato paulista, São Paulo e Corinthians. torcida engajada de esquerda e o slogan deles
“Nem guerra entre torcidas, nem paz entre clas-
ses”. Então, a torcida que prega a não-violência.
“Ganhar ou Perder, mas sempre Essa aqui é a minha torcida, infelizmente, que
exibe uma faixa e é quase uma faixa que poderia
com democracia”, impossível não ser manchete de jornal. Bem elaborada, “a ho-
se comover”. mofobia versus preconceito. É com o orgulho de
ser homofóbico”. Coisa que a gente está lutan-
do contra hoje em dia em várias áreas. E aqui no
Ali eu torceria fácil contra qualquer um, fá- finalzinho, para fechar as manifestações e essa
cil. Fui ao estádio, mas nesse dia eu torci para articulação que eu havia feito inicialmente: as
o Corinthians. Fui pronto para não torcer para o alusões à FiFA, ao estádio e à questão das priori-
Corinthians nessa partida, mas quando os caras dades dos investimentos sociais. Espero não ter
entram com essa faixa “Ganhar ou Perder, mas tomado muito tempo. Obrigado.

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28 Michel Mattar
Mestre em Administração e bacharel em Esporte pela USP. MBA em Marketing pela FIA - Fundação Instituto
de Administração. Atualmente é professor e coordenador de projetos da FIA, aonde coordena inclusive o
curso “Gestão de Negócios Esportivos EAD”; professor do curso Master em Gestão do Futebol da Federação
Paulista de Futebol, e sócio da Mattar Serviços de Marketing (agência de captação de patrocínios e
consultoria esportiva). Foi Diretor Executivo e de Marketing do Grêmio Barueri Futebol Ltda. entre 2008 a
2010. É autor do livro “Na Trave - O que falta para o futebol brasileiro ter uma gestão profissional” - Ed.
Elsevier - 2014, e organizador e coautor do livro “Gestão de Negócios Esportivos” - Ed. Elsevier - 2013. Tem
experiência nas áreas de Gestão Esportiva e Marketing Esportivo, atuando principalmente nos seguintes
temas: Gestão de instituições esportivas, Planejamento e estratégias para instituições esportivas, Gestão de
marketing esportivo e Gestão de patrocínios esportivos.

Bom dia a todos. Primeiramente, agradeço o con- São instituições centenárias, enfim. isso tem
vite para participar da mesa e desse debate. Pa- uma interface histórica e uma razão de ser. Mas
rabenizo o Conselho pela iniciativa. Na verdade, de qualquer forma, uma maneira muito mais prag-
a minha abordagem é uma abordagem bastante mática, como o profissional, a atividade do psicó-
pragmática. Em relação a como a Psicologia do logo e o profissional ele se encaixa nisso. Quais
Esporte pode se aplicar hoje dentro das organiza- são os dilemas, o que eventualmente pode ser
ções. É uma abordagem, uma reflexão na verdade aprimorado, enfim, discutido, principalmente por-
que proponho e acho que depois a interação com que estamos aqui no Conselho com uma série de
vocês talvez seja ainda mais rica. Essa reflexão par- cabeças pensantes e lideranças, enfim, na área;
te fundamentalmente de uma análise conjuntural. que tipo de proposta, que tipo de reflexão deve ser
Quer dizer, como estão caracterizadas as nossas feita para que a atividade, enfim, atinja níveis ain-
organizações esportivas, instituições do esporte da mais profundos dentro do dia a dia dos clubes,
em geral e em função disso (e talvez o professor das federações. E evidentemente para mim, que
fale, pudesse em outro momento até) as razões his- não sou psicólogo e não estou no dia a dia dessas
tóricas que justificam e que, enfim, acabam justifi- reflexões, é realmente uma satisfação; primeiro a
cando a formação dessas organizações da maneira quantidade de pessoas que estão aqui, mas fun-
que elas são, porque realmente existe uma, aliás, é damentalmente em função da exposição inicial
muito interessante essa questão da relação espor- da primeira mesa, ter-se pelo menos uma noção
te com a sociedade porque está presente em tudo. inicial da quantidade de pessoas que estão re-
Eu já havia feito alguns cursos também na parte re- fletindo sobre o tema, grupos formados nas mais
lativa a Esporte e Sociologia e isso explica quase diversas partes do Brasil, refletindo sobre isso e
tudo. Muito embora hoje a gente tenda a simplificar aquilo; dá muita satisfação e dá uma perspectiva
as análises, realmente a História acaba explicando diferente para a área, através de conhecimento
muito das questões do dia a dia das organizações, científico, através da interface dessas pessoas
de como elas foram formadas. E fundamentalmen- com a prática, com os clubes, com as federações,
te, então, eu imagino que claro que há uma razão, com o poder público, enfim, então realmente isso
estamos falando de instituições, principalmente é bastante gratificante e dá uma perspectiva di-
das mais tradicionais do Brasil. ferente. Porém, e aí talvez estou agindo um pou-
quinho como advogado do diabo, muito embora eu
não goste de fazer essa função, mas sob a ótica
geral, sob a ótica de quem não está na prática da
“Na verdade, a minha abordagem Psicologia, é importante dizer que dentro dessas
é uma abordagem bastante instituições a percepção que reina é de um redu-
pragmática. Em relação a como cionismo da atividade. Reducionismo da atividade
muito mais voltada para o campo, para a quadra,
a Psicologia do Esporte pode para a parte técnica. E aí eu acho que é uma gran-
se aplicar hoje dentro das de proposta que a gente tem que fazer em termos
organizações”. de reflexão, de entender isso e de como, de repen-
acarreta. Por outro lado, o setor em si, de esporte,
29
“Sob a ótica geral, sob a ótica e vamos falar especificamente da área de negó-
cios do esporte, enfim, mercado, tem demandado
de quem não está na prática da dessas instituições um tipo muito mais profundo,
Psicologia, é importante dizer muito mais qualificado de intervenção. Então, ve-
que dentro dessas instituições jam o dilema que os dirigentes dessas instituições
vivem hoje. Eles têm, por um lado, uma estrutura

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


a percepção que reina é de um de organização voltada para fins não econômicos
reducionismo da atividade”. extremamente voluntária, e aí, claro, temos que ter
a tendência de pensar nos grandes clubes, nos clu-
te, expandir isso, porque hoje o psicólogo, talvez bes mais ricos, mas a gente está falando do Bra-
muito por estigmas de um passado recente, enfim, sil, onde são 680 clubes de futebol, por exemplo,
com atuação sempre voltada para aquela questão falando especificamente de futebol, mas existem
de intervenções pontuais motivacionais, ou talvez, todas as outras áreas e outros clubes esportivos
até obtendo um pouquinho mais, mas atuando espalhados pelo país. Muitos deles extremamente
na identificação de perfis e tudo mais, mas uma muito pobres, sem recursos, enfim, então existe a
área muito de suporte, e exclusiva área técnica. E gestão baseada no voluntariado. Mas para o mer-
muito embora essa atividade seja uma atividade cado – por que a interface? - o futebol e o espor-
genuína e fundamental para o resultado esporti- te tornaram-se um negócio, então a interface, os
vo, realmente acredito que é um reducionismo da clientes do esporte esperam dessas instituições
atividade, que poderia estar difundida de outras uma interface muito mais qualificada. E muitas ve-
formas dentro da organização, mas infelizmente zes você tem um gap, um intervalo muito profundo
isso não acontece, pelo menos não até o presen- entre essas duas intervenções. E é evidente que
te momento. Acho que vale também ressaltar que esse tipo de situação produz conflitos.
isso não é um privilégio da área de Psicologia, vá-
rias outras áreas de conhecimento - e aí falando
especificamente do setor esportivo - também têm
o seu escopo reduzido. Poderiam dar outras con-
“A contratação de um atleta de

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tribuições em níveis muito mais profundos dentro uma forma atabalhoada, sem
das organizações, mas acabam também fazendo pensar nos impactos que isso
intervenções estritamente técnicas e pontuais,
então não é uma particularidade da área, mas a
pode produzir, por exemplo,
área também acaba participando solidariamente na coesão de um grupo, em
nesse formato. E aí, até para contextualizar, na aspectos de liderança, impactos
verdade, temos que entender um pouquinho das
organizações, enfim, do que são os clubes, as fe-
de remuneração e essa
derações, e de novo estou falando aqui, tentando preocupação, de fato, não existe
me pautar, ou me orientar mais para as instituições e é claro que isso traz conflitos”.
de alto rendimento, os clubes esportivos, as fede-
rações; não estou entrando em outras esferas que
evidentemente também são áreas de intervenção Produz conflitos internos entre a relação,
dos profissionais da área. Mas sobre os clubes e como é em qualquer organização do 3º setor, entre
federações falamos de alguns conflitos que são as relações desse corpo de voluntários, mas que
naturais dessas instituições e que muitas vezes ocupa uma posição diretiva, estratégica que toma
temos que entender esses conflitos para poder fa- as decisões importantes, e staff, por exemplo, que
zer algum tipo de intervenção, seja pontual ou seja são profissionais qualificados, treinados, e aí evi-
de uma forma mais conjuntural. Entendo que as dentemente que a área de Psicologia também se
instituições esportivas hoje vivem esse dilema. Por enquadra, mas que muitas vezes tem que fazer essa
quê? Na essência, elas são instituições voluntárias interface com um corpo não qualificado, e como é
sem fins econômicos. Na essência, 99% das insti- que fica? E aí surge uma série de conflitos como, por
tuições têm essa natureza, de um corpo estraté- exemplo, a tomada de decisão por parte desse gru-
gico, diretivo, voluntário. Extremamente politizado, po voluntário não qualificado, e aqui eu não estou
uma dedicação voluntária, não especializada e to- querendo colocar de forma pejorativa, é muito mais
das as consequências que esse tipo de dedicação uma característica, uma constatação, de um diretor,
por exemplo, que toma uma decisão atabalhoada,
30
mas que afeta todo o corpo técnico; a contratação “A gente percebe que a
de um atleta de uma forma atabalhoada, sem pen-
sar nos impactos que isso pode produzir, por exem-
atuação no campo, na quadra, a
plo, na coesão de um grupo, em aspectos de lideran- intervenção técnica do psicólogo,
ça, impactos de remuneração e uma série de outras ela já vem sendo reconhecida
questões, e essa preocupação, de fato, não existe e
é claro que isso traz conflitos. E tem a consequên-
há algum tempo, muito embora
cia evidentemente de o mercado esperar um tipo de possa evoluir, e possa ter um
intervenção qualificada e o clube dar um outro tipo aprofundamento maior”.
de resposta, isso também produz conflitos. E por
que estou colocando em evidência esses conflitos?
É para dizer que é evidente que essas instituições Mas quando vir, por exemplo, a gestão da
mereceriam outros tipos de intervenção, em outros organização, ela é totalmente voluntária, muitas
níveis que não só o nível técnico, por parte de quem vezes sem as devidas qualificações, enfim, é evi-
entende desse tipo de situação, de quem tem ferra- dente que você tem então esse tipo de conse-
mentas e conhecimento para fazer uma intervenção quência e você retroalimenta todos esses confli-
muito mais qualificada para tentar, na pior das hipó- tos que já mencionei. Estou dizendo tudo isso, e
teses, solucionar ou dar o direcionamento adequado aqui vai uma rápida conclusão, até porque quero
para esses inúmeros conflitos que surgem por conta que depois haja tempo para a gente interagir, e o
da característica dessas instituições. Só que o pro- Marcelo ainda tem um monte de coisa para falar
blema está na cultura das organizações. O problema para vocês, mas é que eu acho que muito mais
está na falta de governança; essas organizações, que a intervenção pontual de algum profissional,
por terem na sua essência, no seu objetivo principal, porque é evidente que a gente percebe que a atu-
desempenho esportivo, resultado técnico, e pela au- ação no campo, na quadra, a intervenção técnica
sência de estímulos externos que motivem um outro do psicólogo, ela já vem sendo reconhecida há
tipo de comportamento, então já têm por essência a algum tempo, muito embora possa evoluir, e pos-
busca de resultado esportivo, e aí todos os grupos sa ter um aprofundamento maior, mas já existe,
com quem se relaciona, os torcedores, a imprensa essa atividade já existe, mas é necessário que - e
e assim por diante, patrocinadores, enfim, também aí talvez não seja uma prerrogativa exclusiva de
querem que o resultado esportivo aconteça. psicólogos, mas psicólogos com certeza - tenha
uma interface no nível estratégico das organiza-
ções, podendo dar o encaminhamento adequado
para essa série de conflitos que eu mencionei.
“O foco das organizações está
fundamentalmente voltado para
a área técnica, para a área de “Há uma série de estudos,
resultado”. pesquisas em desenvolvimento
nesse aspecto, que é o aspecto
Você acaba tendo então um viés da gestão, micro, digamos assim, mas tem
um viés da cultura, um viés do comportamento que
privilegia esse tipo de atividade em detrimento a
que se pensar, a área tem que
uma série de outras atividades. É o que a gente pensar em fazer intervenções em
chama de foco técnico; então, o foco das organi- nível estratégico”.
zações está fundamentalmente voltado para a
área técnica, para a área de resultado. E a conse-
quência disso, muito embora a consequência na Só que nesse momento que a gente vive
área técnica seja interessante, porque você tem, hoje há um conflito entre essa demanda e a
se olhar em qualquer clube esportivo, a área que questão da cultura e da governança das orga-
tem mais profissionais de fato, você não tem mais nizações que, por darem foco extremo à área
voluntário, profissionais, as diversas formações, técnica, não reconhecem esse tipo de deman-
enfim, intervenções, é a área técnica que é multi- da, ou não têm, ou não encontram meios para
disciplinar e profissionalizada. dar encaminhamento, para incluir esse tipo de
conhecimento, esse tipo de intervenção num micro, digamos assim, mas tem que se pensar,
31
nível estratégico. E fica muito difícil para um a área tem que pensar em fazer intervenções
profissional específico, pontualmente atuando em nível estratégico, e somente com uma apro-
na área técnica, fazer qualquer tipo de mudan- ximação, de novo, não sendo uma prerrogativa
ça na organização, porque não é uma mudança exclusiva de psicólogos, isso vale, por exemplo,
em uma organização pontual. (Estamos falando para a minha área: eu fui diretor de marketing de
de um problema conjuntural.) E aí talvez venha a instituição esportiva e também tinha a mesma

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


grande conclusão, e este tipo de evento do qual dificuldade, pois o marketing era visto como ati-
estamos participando traz esse tipo de reflexão vidade operacional. O mesmo vale para a área
e fica eventualmente como o caminho a se se- de finanças, o mesmo vale para todas as áreas.
guir, de que haja um conjunto, ou seja, por meio Mas a única maneira de mudar isso é conseguir-
dessas cabeças pensantes que haja um esforço mos fazer intervenções para que esse tipo de
para se aproximar dessas lideranças do esporte, atividade atinja de fato um nível estratégico. Se
para tentar, de certa forma, e aos poucos rom- isso não acontecer, provavelmente a área de
pendo as questões culturais, aproximando-se Psicologia esportiva vai estar condenada a pas-
de questões de liderança. Sem claro, deixar de sar diversos anos atuando exclusivamente na
lado o aspecto da atividade técnica, da inter- área técnica. Que muito embora seja uma área
venção técnica que é fundamental; seguramen- interessante, acabe sendo, infelizmente, uma li-
te há uma série de estudos, pesquisas em de- mitação do escopo de uma atividade importante
senvolvimento nesse aspecto, que é o aspecto como essa. Obrigado.

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32 Marcelo Rodrigues de Lima
Bacharel em Esporte pela EEFE-USP; Especialização em Fisiologia do Exercício; MBA em MKT Esportivo pela
ESPM. Preparador Físico (2001 a 2007); Fisiologista do Exercício (2003-2006) e Coordenador Técnico (2009 a
03/2015) do Depto. de Futebol de Base do São Paulo Futebol Clube.

Bom dia. Primeiramente agradeço o convite do da Psicologia nesses quinze anos que eu tive de
Conselho Regional de Psicologia, é um prazer estar São Paulo; nos dois de Barueri e nesses 30 dias
aqui com vocês, e também parabenizar o Conselho que eu tenho hoje de ituano Futebol Clube. Hoje
pela atitude, e parabenizar quem teve a ideia de sou o gerente de futebol do ituano, um clube mo-
nos colocar aqui à frente. Então, vou tentar colocar desto, com uma gestão bem profissional, que vai
alguns tópicos que anotei. dar bastante fruto na frente. E finalizar com alguns
casos dentro dessa linha do tempo com as coisas
que aconteceram, aproveitando os exemplos do
“Qualquer grande empresa que professor Flávio, do Michel e um pouquinho do que
eu vou dizer aqui.
tenha hoje uma receita anual de
mais de um milhão de reais tem
um setor de metodologia que “Futebol é aquela coisa do QI, que
pensa no clube”. só é indicado quem entra para
trabalhar aquele que é amigo do
São cinco, desde a minha apresentação, de conselheiro, do técnico, ou que for
como eu comecei, até onde eu cheguei, e dentro
um ex-jogador”.
dessa apresentação, nessa linha do tempo, colo-
car as outras questões que seriam o que é o clube
de futebol, o que é o futebol, o que é uma metodo- Então, primeiramente comecei como prepara-
logia, porque hoje infelizmente nenhum clube pos- dor físico em 2001, uma coisa inédita dentro do São
sui uma metodologia aplicada, e na verdade defi- Paulo que tinha um plano de estágio dentro da Uni-
nida - muito menos aplicada. Mas nem a definição versidade de São Paulo com seleção, com algo que
de metodologia os clubes hoje possuem. Qualquer eu nunca imaginei que iria encontrar no futebol. Fu-
grande empresa que tenha hoje uma receita anual tebol é aquela coisa do Qi, que só é indicado quem
de mais de um milhão de reais tem um setor de entra para trabalhar aquele que é amigo do conse-
metodologia que pensa no clube. Os clubes hoje lheiro, do técnico, ou que for um ex-jogador. Sem uma
têm montantes aí de 300, 400 milhões/ano, nin- capacitação, ele já entra no mercado e começa a tra-
guém se preocupa com planejamento estratégico, balhar com uma coisa tão importante e delicada que
com o método que é aplicado, entre outras áreas, e é uma categoria de base. E dentro desse caminho eu
a Psicologia faz parte da metodologia, e na minha percorri todas as categorias, como preparador físico,
opinião é o fundamental no processo das áreas- depois como fisiologista e, num determinado mo-
meio para que se chegue ao fim, que é o futebol. mento com certo sucesso nas duas áreas, fui con-
Dessas áreas-meio, a Psicologia é uma delas, só vidado para um projeto bem interessante, que era o
que tem que ter uma atuação total em todas elas. Grêmio Barueri e ambos os gestores que lá estavam
E ela faz parte delas, só que infelizmente ninguém deram-me a oportunidade para fazer a coordenação
aproveita. Passar também a visão hoje da atuação no clube. Abro aqui parênteses para falar sobre a pa-
lavra “gestão”, que não existe no futebol. Digo, a vo- Quando eu falar na metodologia citarei sobre
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cês que desde 2001, não digo hoje, mas está come- a forma de jogar, pois ela tem tudo a ver com o
çando a melhorar mais, mas até 2008, 2009 não havia que o Flávio narrou aqui; a forma de gerir também
gestão num clube, a gestão era totalmente amadora; tem tudo a ver com a parte que o Flávio comen-
é aquele indicado para fazer um tipo de gestão que tou. A história da instituição tem que estar acima
está de acordo com o presidente, que também não de tudo, e ela tem que ser preservada, modifica-
está de acordo com todo o contexto do clube. Bom da aos poucos culturalmente com a presença de

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


dentro da minha área, o meio na época, que seria a novos profissionais que deem continuidade a essa
preparação física e a fisiologia, para a mim área-fim é história que cada clube tem. E a forma de jogar
o futebol, é o jogo em si, é como esse atleta se apre- do clube é a mesma coisa. Vou citar um pouco o
senta entre outras coisas; a área-meio, na verdade, São Paulo, que tem um jogo ofensivo, porque ele
preparação física de fisiologia também não conse- atende ao seu consumidor final, que é o torcedor.
guia avançar. Retorno, então, dizendo que foram con- Torcedor é o carro chefe de todo esse processo e,
selhos desses gestores do Grêmio Barueri que ali en- infelizmente, nenhum clube hoje valoriza ou respei-
trei para fazer uma coordenação, uma diretoria, uma ta o torcedor; considero que a palavra respeito é
direção da área das ciências, da Psicologia, da Fisio- mais forte, mas essa é a grande verdade. Nenhum
logia, da preparação física, da Nutrição, e também da torcedor no Brasil é respeitado, nenhum. Não vejo
Fisioterapia. Uma ideia inédita que invadiu diversas nenhum clube hoje que faça um trabalho voltado
áreas fora da Educação Física; gerou conflito no iní- ao seu torcedor. E é ele quem paga a conta no fi-
cio, mas depois que com harmonia, com processo de nal, e é totalmente desrespeitado, aquela pessoa
gestão foi à frente (esse caso não foi mérito meu, que muitas vezes não tem dinheiro para comer, se
pelo contrário, foi mérito de quem lá estava, já estava mata para passar um dia inteiro, um domingo in-
estruturado; a minha área, a minha direção foi a últi- teiro, para chegar ao estádio, para pegar fila en-
ma a entrar nesse projeto, já existia a de Marketing, tre outras coisas, e assistir ao espetáculo de uma
já existia a técnica, já existia Psicologia, já havia ou- forma totalmente incorreta. Em pé, sem respeito...
tras frentes dentro do Barueri e eu só consolidei com ir ao estádio, infelizmente, hoje não é uma coisa
aplicação na atividade-fim que seria o futebol em si), bem agradável. Embora com as novas arenas hou-
então tive liberdade, pois era um clube-empresa, e vesse alguma melhora, mas ainda não é o ideal, há

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num clube-empresa você é responsável pelas suas muito problema nas arenas. Mas retornando ao
ações. O Michel citou também que um clube de fute- que comentava. Fui para o Barueri para a área de
bol pelos aspectos culturais e aspectos sociais não gestão porque fui convidado por duas pessoas, e
é gerido profissionalmente e não é uma empresa. É abandonei toda a minha carreira de fisiologista e
um clube social, como todos vocês devem conhecer. preparador físico para entrar numa nova área, e
Não tem continuidade nos processos, não tem con- aí também há uma crítica que a gente sempre faz:
tinuidade no trabalho da direção, embora no próprio infelizmente na gestão esportiva as pessoas da
São Paulo tivéssemos pesquisado bastante quando área técnica são migradas para a gestão, por falta
criamos essa metodologia, para que o São Paulo ti- de profissionais, por falta de cursos, por falta de
vesse uma continuidade de gestão, e hoje está bem capacitação, por outros motivos que estão sendo
claro que não existe mesmo, foi desconstruído tudo corrigidos ao longo do tempo, visto que já existem
que foi construído pelos dirigentes históricos que por algumas especializações em gestão esportiva,
lá passaram, pelos gestores técnicos; até a forma de cursos em EAD, livros, entre outras coisas que no
jogar o clube perdeu um pouco, o que era o principal. passado nunca existiram. Depois desse sucesso
retornamos para o São Paulo justamente quando
ele entra na parte da metodologia. Em 2009, quan-
do retornei, o clube estava bem dividido, por exem-
“A história da instituição tem que plo, em categoria de base, o profissional tinha um
método de trabalho, o treinador fazia um trabalho,
estar acima de tudo, e ela tem o preparador físico outro, com treinador do Sub-
que ser preservada, modificada 17, do Sub-20 e do profissional, era um trabalho
aos poucos culturalmente com a que não tinha sequência lógica, e muito menos um
fim, que era atender o torcedor do São Paulo que
presença de novos profissionais quer ver sua equipe num Morumbi lotado, numa fi-
que deem continuidade a essa nal de Libertadores, para possivelmente disputar o
história que cada clube tem”. mundial. Então, era esse cenário que encontrei: um
jovem, vindo da academia, sem ter experiência de esse espaço para isso; hoje os jogadores estão
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sucesso, prática como jogador de futebol, que é o vindo de escolas de futebol que têm um formato
que infelizmente o meio mais respeita, o jogador totalmente diferente de formação do talento. Não
de futebol, o ex-jogador, o ídolo, aquele persona- acredito no talento divino, como os ex-jogadores,
gem da cultura do clube. Eu não sou contra isso, a grande maioria dos dirigentes do país acredita
pelo contrário, sou a favor que o gestor ou que o que o talento no Brasil é divino: “Foi Deus quem
técnico, o dirigente seja sim da cultura da institui- colocou ele aí, ele vai ser jogador de futebol”. Acho
ção, que tenha prática do futebol, porém, ele tem que tanto o divino como o genético têm parte em
que se capacitar em exercer a sua função com formação de talento, mas 80 a 90% desse talento
qualificação. Mas retornando. Por estratégia tive é ambiental, é do que ele vivenciou, é das oportu-
que entrar na parte física primeiro, como fiz no Ba- nidades que ele teve na vida, do que ele aprendeu
rueri para depois avançar, e até um futuro recente, com a sua família, da sua escola, por isso acho que
entrar na área-fim que é o futebol em si, a parte a Psicologia também prega esse lado da forma-
estratégica, tática e técnica, dominada pelos ex- ção do talento, não só divino. E voltando, ataquei
jogadores, que não querem saber de estudo, não a área física, a gente conseguiu consertar a área
querem saber dos psicólogos, não querem saber física, atacamos a área tática, técnica, começa-
das outras áreas, eles querem saber deles, a lide- mos a colocar um modelo de jogo de acordo com
rança é deles, só que eles não têm um trabalho, a cultura do clube. E aqui eu cito alguns exemplos,
não têm uma metodologia para ser aplicada no desde quando eu comecei, em 2001.
atleta condizente com a história do clube, com o
que o futebol hoje exige; o futebol brasileiro está
muito atrás das outras escolas do mundo.
“Essa é a grande gestão da
Psicologia: o psicólogo tem que
fazer parte da comissão técnica,
“Estamos de novo num futebol
só que fazer parte não é estar
mais pragmático, num futebol
presente ali, é atuar como subsídio
mais prático, retrancado, e
de todas as áreas”.
dependendo sempre do talento
individual que, infelizmente, está
O São Paulo sempre teve Psicologia, sem-
para se extinguir no Brasil”.
pre teve psicólogos atuando, só que de uma forma
como o Michel citou, multidisciplinar, ou seja, cada
Foi citada aqui a própria Alemanha, a pró- um dentro da sua “caixinha”, dentro da sua “casi-
pria Espanha; infelizmente, no Brasil um insuces- nha”, trabalhando só Psicologia, não conseguindo
so vira caso de sucesso. Nossa seleção passou entrar no futebol e sim na parte técnica; com cer-
vergonha e nada foi modificado, e nem vai ser teza o São Paulo evoluiu, passando por uma coor-
modificado porque não atende a interesses eco- denação de Psicologia nesse tempo, depois com
nômicos, financeiros de quem está no poder; a estagiários em cada etapa, mas também sem en-
Confederação Brasileira, na qual faço parte de um trada nenhuma na comissão técnica, pois essa é a
pequeno processo, também não está muito a fim grande gestão da Psicologia: o psicólogo tem que
dessa mudança, visto que hoje temos de novo um fazer parte da comissão técnica, só que fazer par-
futebol diferente da cultura do nosso país, aquele te não é estar presente ali, é atuar como subsídio
futebol alegre, aquele futebol ofensivo, aquela ha- de todas as áreas. Tanto com o treinador, no fute-
bilidade, aquele drible, o que o torcedor do Brasil bol profissional (o José Aníbal teve a oportunidade
gosta. Então, estamos de novo num futebol mais de militar) e, infelizmente, o psicólogo no futebol
pragmático, num futebol mais prático, retrancado, profissional é visto como bombeiro para apagar
e dependendo sempre do talento individual que, incêndio, tentando fazer o gerenciamento das cri-
infelizmente, está para se extinguir no Brasil. O ses e conflitos que o futebol profissional tem. Não
processo de formação do Brasil sempre foi natural, é colocado num contexto de planejamento, muito
veio da rua, veio das brincadeiras, veio dos exem- menos estratégico, como o Michel colocou, que
plos, Pelé, Garrincha, os grandes ídolos e hoje o am- considero uma grande área hoje para a evolução
biente de formação se modificou, não existe mais do futebol nessa parte de governança. Que o psi-
cólogo consiga fazer parte, não da tomada de de- estão a cada dia batalhando e lutando pela área
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cisão, do dirigente, do presidente, seja lá de quem de vocês, que eu acho, como falei no início, funda-
for, mas que ele seja ouvido, e que ele faça parte mental, e dentro desse processo, nessa linha do
dessa discussão. E na parte técnica também, em- tempo que citei para vocês, tanto o treinamento
bora houvesse uma evolução grande, ainda há um do futebol, como também a própria gestão, ela foi
preconceito, ainda há um resquício de não utilizar o tecnicista no início e está caminhando para uma
psicólogo. Creio que a Psicologia tem um pouco de visão sistêmica. O treino do futebol hoje já é sistê-

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


culpa nisso, mas a culpa principal é da área técnica, mico, já é integrado, ou seja, não existe mais aque-
como citei anteriormente. Muitos psicólogos, quan- le treino, existe sim, mas em pequena proporção,
do conseguiram o espaço desse Qi, não agiram de está sendo ultrapassado, pois essa é a grande de-
forma correta. Ou são aqueles que a gente chama, fasagem do futebol brasileiro, enquanto todo mun-
desculpem o bolo genérico, os “goleirões”, que quer do copiou a nossa seleção brasileira de 1970, que
pôr uma chuteira, quer pôr a camisa do clube, quer tinha um futebol perfeito, técnico, vistoso, entre
ir para o campo, ficar perseguindo treinador para outras atribuições, outras características, marcan-
“puxar o saco”, ao invés de se preocupar com pla- tes, começaram a estudar como neutralizar isso, e
nejamento, com as coisas maiores, com o estado como chegar nisso, e o Brasil tinha aquilo de uma
de cada atleta, individual, coletivo, entre outras coi- forma, na minha opinião, que condiz também um
sas. E, infelizmente, também aproveitar um relato pouco com a história, como uma coisa incidental,
aqui, um testemunho que presenciamos no próprio ou seja, pela nossa realidade, nossa formação,
São Paulo: numa certa época um dirigente, um con- nossa sociedade, o jogador se formava com aque-
selheiro bem importante, soube que tinha Psicolo- la defesa, aquela técnica, aquela individualidade,
gia na categoria de base e tal, e foi lá querer co- aquela plasticidade. E desde 1970 todo mundo
nhecer. E a primeira frase que ele falou: “Psicólogo vem evoluindo, principalmente no aspecto tático,
para mim é aquela pessoa que é amiga do jogador estratégico, e o Brasil não, o Brasil sempre ficou
e que segue o jogador tanto aqui dentro do clube no talento individual. Conforme citei para vocês, já
como fora para depois trazer para o técnico”. O que acabou essa formação incidental, e hoje ela tem
o jogador está fazendo! E com muita correção os que ser produzida e nós não estamos prontos para
nossos psicólogos responderam justamente o con- essa produção de talentos, e digo isso de boca

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trário, primeiro que pelo meu código de ética não cheia para vocês, porque a gente faz parte hoje de
posso fazer isso, segundo que não é essa Psicolo- um programa dentro da CBF de qualificação dos
gia que a gente atua aqui dentro, que a gente faz treinadores, que também tem suas críticas, é um
aqui dentro, ela tem que ter um planejamento, ela programa muito correto, muito perfeito, e similar
tem que atuar como subsídio, como forma de apoio ao da UEFA, mesma carga horária, mesmo conte-
à comissão, dar recurso para que a comissão, prin- údo, mesmas disciplinas, porém não tem um norte
cipalmente o treinador, atue na formação desses do futebol brasileiro de acordo com essa metodo-
meninos etc. e ele foi muito contestado. logia, com essa história etc.

“O treino do futebol hoje já é “E mesmo com a parte técnica


sistêmico, já é integrado, ou avançando para a parte
seja, não existe mais aquele sistêmica, e sabendo que a
treino, existe sim, mas em Psicologia é importante, ainda
pequena proporção, está sendo tem alguns preconceitos”.
ultrapassado, pois essa é a grande
defasagem do futebol brasileiro”. É passado de tudo que existe e cada profis-
sional que sai dali vai se adequar na sua realidade,
e também, como eu já disse, os clubes não têm uma
Mas não é assim que funciona, o futebol não metodologia própria, para que haja um trabalho de
é assim, infelizmente um grande clube pensava desenvolvimento do perfil individual e coletivo da
dessa forma, e graças aos dois que estão aqui, o sua equipe, de acordo com a sua história. E quem
Gabriel e o Augusto, que são extremamente com- perde com tudo isso é a própria gestão do clube e,
petentes, eles mudaram essa visão do clube, e consequentemente, o torcedor, que não vai estar
nunca satisfeito porque não está sendo apresenta- cabe aos profissionais da comissão que vão apli-
do àquele futebol que ele como torcedor gostaria da car o conteúdo diretamente no jogador, na equi-
sua equipe; e a Psicologia, voltando um pouquinho pe, entender e transmitir isso. Acho muito difícil
a esse tema mecanicista ou tradicional, e sistêmi- um psicólogo conseguir entrar em todas essas
co, a Psicologia ficou muito tempo nessa visão tra- dimensões dentro de uma equipe, porque vai di-
dicional, multidisciplinar, porque não teve abertura vidir a liderança, haverá alguns conflitos internos.
e não teve acesso. E mesmo com a parte técnica Acabei de falar de vaidade, de preconceito etc.,
avançando para a parte sistêmica, e sabendo que então a forma que a gente colocou na gestão téc-
a Psicologia é importante, ainda tem alguns pre- nica, a atuação da unidade de Psicologia, é que ela
conceitos. Não vou nem comentar em relação aos seja o subsídio, o apoio, o alicerce para o treina-
gestores; infelizmente os gestores dos clubes de dor tomar as suas decisões perante o grupo. Da
futebol hoje são amadores, é dirigente estatuário, parte técnica seria isso. Os recursos humanos,
não remunerado. Você pode ter certeza que ele não todos esses itens que citei cabem perfeitamente
está ali porque ele é apaixonado pelo clube, ele tem em todas as áreas-meio para que chegue no fim,
outros interesses, que não cabe a nós aqui discutir. o futebol. Como na administração, no marketing,
Existem poucas ações hoje de clubes e empresa, o na presidência, entre outras coisas. Uns exemplos
Red Bull é uma delas; havia o Pão de Açúcar-Audax, que eu peguei, premiação, remuneração e contra-
que também se esfacelou, um projeto totalmente tação. Um dirigente que não tenha noção nenhuma
diferente hoje depois da venda, para um empresá- de Psicologia, só fará contratações erradas, dará
rio, um conselheiro do Bradesco, se eu não me en- premiações erradas, dará salários errados para os
gano, e também se jogou fora o projeto empresarial seus jogadores etc., sem um norte, sem um concei-
e profissional que o Brunoro tinha dentro do Pão de to bem estabelecido do que isso possa gerar em
Açúcar-Audax, e hoje posso dizer também que é um um grupo. Então, por exemplo, você tem um grupo
clube com uma gestão não tão profissional, avan- coeso, onde todo mundo tem um padrão salarial
çada como nós desejamos. E é isso que falta ago- idem, traz um jogador por um salário muito maior.
ra para que a gente entenda essa visão sistêmica, Quando ele chega, no grupo já existe um desequilí-
para que o psicólogo entre nisso, e assim não é, não brio enorme do mesmo. Premiação é a mesma coi-
serão vocês que vão conseguir isso, seremos nós da sa. Tem gente que não vai para o jogo, não tem o
área técnica que teremos que colocar isso na cabe- bicho. O bicho é a premiação por vitória, por metas
ça do treinador, do dirigente, a importância da área alcançadas esportivamente. Muitas vezes o diri-
de vocês. E retomando, a parte final que eu queria gente acha que o treinador tem que ter 200% do
falar para vocês: a Psicologia era, como eu disse, bicho, se é 200% do bicho, a vitória é mil reais, o
bem sistemática, está entrando nessa área sistêmi- treinador ganha 2 mil, o jogador ganha mil, e quem
ca, ela não faz parte ainda 100%, mas deveria fazer, está no banco não ganha nada, por exemplo. O
e a perspectiva futura - que eu acho que é a solução roupeiro, o massagista, o nutricionista, o próprio
também do futebol - é que ela entre na parte estra- psicólogo, que estão ali no dia a dia também não
tégica como o Michel citou. Na parte de governança, são reconhecidos na premiação. Então todos es-
na tomada de decisão, eu dividi aqui, por exemplo, ses aspectos administrativos influenciam demais
em três áreas. Como já falamos demais da parte na gestão de grupo. O grupo hoje para o esporte
técnica, tomemos a parte administrativa e a parte é fundamental. Você ter talento individual, o que
até de recursos humanos da instituição. for, pela evolução do treinamento, pela evolução
das escolas fora daqui, se não tiver um grupo bem
coeso... eu não acredito somente no treinamento
“A atuação da unidade de técnico e tático e estratégico para isso. O grupo
é fundamental. Um exemplo que tenho para vocês
Psicologia, é que ela seja o é o nosso ex-treinador da seleção: ele é notoria-
subsídio, o apoio, o alicerce para o mente reconhecido como um líder, não? Embora na
treinador tomar as suas decisões última Copa vimos que só a liderança, a coesão de
grupo não funcionou. E afirmo que isso foi determi-
perante o grupo”. nante também para o resultado, não ter um padrão
tático, estratégico definido, uma escola brasileira
A parte técnica, comunicação, coesão, auto- de futebol desenvolvida, e para que a gente jogas-
gestão, liderança, gestão de conflitos e a compe- se melhor uma Copa do Mundo, por exemplo, no
tição em si, têm tudo a ver com a área de vocês, nosso próprio país. Da parte de gestão teve mu-
dança no comando técnico, às vésperas da Copa; um e para outro, difundiu, o futebol alemão cres-
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na parte do técnico, ele quis seguir uma platafor- ceu e foi isso que a gente viu, e vai ser assim pelos
ma de jogo do técnico antigo, mas com um modelo, próximos quatro, oito anos, com certeza, e hoje,
uma forma de jogar totalmente diferente, e não era infelizmente, a gente perde até para os Estados
em seis meses, sete meses que conseguiria mudar Unidos. Os Estados Unidos hoje têm o 5º maior
isso, e aconteceu o que aconteceu. campeonato do mundo, está avançando na Copa
do Mundo, na anterior chegou até às quartas-de-

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


final, e é lá onde o futebol hoje está concentrado,
onde todo mundo quer trabalhar; economicamen-
“Os Estados Unidos hoje têm o te o mundo inteiro está falido, tirando os Estados
Unidos e a China, não existem mercados assim po-
5º maior campeonato do mundo,
tenciais econômicos do futebol. A Europa está fa-
está avançando na Copa do lida também; a Espanha foi citada aqui, mas creio
Mundo, na anterior chegou até que o sucesso da Espanha foi indireto, pelo Barce-
lona, o Barcelona no início dos anos 2000 teve um
às quartas-de-final, e é lá onde
processo que, na verdade, o Real Madri se benefi-
o futebol hoje está concentrado, ciou de uma ação do governo da venda de um CT,
onde todo mundo quer trabalhar”. e fez aquele time dos “galácticos” e o Barcelona
não tinha essa grana toda e teve que correr atrás,
e correu atrás como? Na metodologia de trabalho,
Aproveitando a Espanha e a Alemanha, a Ale- na formação do torcedor que depois culminou no
manha teve um insucesso em 2000, depois outro Barcelona, na seleção espanhola e vimos um fute-
em 2004, e a federação alemã começou a difundir bol bonito, vistoso, que o próprio Brasil gostaria de
o que ela queria para o futebol alemão, colocou re- ter. Acho que é isso, falei da parte técnica, falei da
gras, colocou especificações, um desenvolvimento parte administrativa, e de recursos humanos, agra-
global no futebol no país, difundindo conhecimen- deço a todos; se faltou algum item para comentar
to a todos e não restringindo conhecimento para aguardamos as perguntas. Obrigado.

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


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Debates

José Aníbal Marques: Obrigado, Marcelo. Então


pessoal, abrimos para as perguntas. “O futebol concentrou recursos
que estavam distribuídos
Não identificado: Bom dia, sou formado em Ges-
tão de Esportes, e mestre em Educação, então, a em outros setores, e essa
minha área da gestão esportiva vê esse lado edu- concentração não aconteceu em
cacional e social. A pergunta que eu queria dirigir ao outros ramos da sociedade”.
professor Michel é a seguinte: dentro do mestrado
tive acesso a um texto que falava sobre ilusão do
conhecimento econômico nas últimas décadas concentração de riqueza que a gente vê em outros
no Brasil. Do ponto de vista da economia, o Bra- setores no Brasil; o que eu estou querendo dizer,
sil cresceu, chegou a estar entre as dez maiores em outras palavras, é que o futebol concentrou
economias do mundo e, automaticamente, como recursos que estavam distribuídos em outros se-
na fala do professor, o futebol também foi nessa tores, e essa concentração não aconteceu em ou-
linha, o futebol cresceu em termos de investimen- tros ramos da sociedade. Então, o baixo iDH que
to, novas contratações, arenas etc., mas propor- você menciona, talvez a concentração de riqueza
cionalmente o iDH não correspondeu, o nosso iDH que se reflete em outros setores, na maior parte
está abaixo dos nossos vizinhos sul-americanos, dos setores da nossa sociedade, especificamente
e coincidentemente o futebol também está nes- no esporte, até em função, como eu já mencionei,
sa mesma linha. Como você, gestor esportivo, do no discurso inicial, em função do esporte ter se tor-
ponto de vista estratégico vê essa problemática, nado um negócio de fato, principalmente depois da
do crescimento econômico versus o, vamos dizer entrada da televisão e patrocinadores e tudo mais,
assim, iDH do futebol brasileiro? quer dizer, esse desenvolvimento do setor, que é
algo que estava provavelmente estacionado, ou
Michel Mattar: Primeiramente obrigado pela per- estava retido na verdade, dentro do setor espor-
gunta. Acho que na verdade nunca existe um úni- tivo, porque não era um setor fundamentalmente
co fator para explicar algum tipo de situação, são desenvolvido do ponto de vista de negócios, essa
vários fatores, e vou tentar apontar alguns que eu locação de recursos que aconteceu nos últimos
acho que colaboram para esse tipo de situação. Pri- vinte anos, realmente gerou um desequilíbrio, é o
meiro, o futebol em particular, ele se tornou foco nos crescimento no setor esportivo, e como o profes-
últimos anos, então houve uma concentração de in- sor Flávio colocou, fundamentalmente no futebol,
vestimentos que, talvez há mais de dez anos, esta- porque nós somos um país esportivo, principal-
vam canalizados, ou estavam distribuídos entre ou- mente em termos de negócio, o que gera essa per-
tros setores, principalmente setor de comunicação. cepção e que puxa o futebol, e se este se tornou
tão rico de repente, por que o resto da sociedade
Esse tipo de setor acabou sendo canalizado, e não acompanhou? Por conta disso, porque o fute-
isso contribuiu para esse aspecto, e acho que isso bol estava reprimido, não era um negócio compa-
gerou um certo desequilíbrio em relação, talvez, à rando-se com outras ligas internacionais, campe-
onatos internacionais, fundamentalmente as ligas que implica na contenção de impulsos. Você tem
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norte-americanas que são modeladas do ponto de que permitir, não é? O Norbert Elias tem uma tra-
vista de negócio há muito mais tempo do que nós. dução muito ruim; o processo civilizador em dois
Essa demanda estava reprimida, quando houve volumes tem uma edição muito ruim, muito mal-
o estouro dessa bolha e, de novo, eu faculto isso cuidada, mas é o que a gente tem circulando no
fundamentalmente à entrada da televisão no jogo, Brasil. Quando ele pensa isso, compara o grau de
foi na década de 1990. A nossa geração, vocês de- violência de modalidades lúdicas anteriores ao sé-

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


vem lembrar, não tinha jogo na televisão, era só no culo XiX ao processo de emergência dos esportes
sábado à tarde, domingo era no rádio, quarta-feira na sociedade tecnológica. E aí, de fato, você tem
não tinha futebol, era um jogo por semana; hoje alguns elementos que organizam as modalidades
em dia, a qualquer hora do dia você tem jogo acon- esportivas, de acordo com as regras da sociedade
tecendo em algum campeonato do mundo. E isso burguesa. Por exemplo, igualdade de oportunidade.
evidentemente que, a partir do momento em que Tem uma cena (você falou dos leões) de o Gladiador
você tem essa superexposição da entrada da tele- que todos vocês devem ter assistido: o imperador
visão, além dos recursos da própria televisão, você desce na arena para enfrentar o herói da trama.
alavanca a cadeia toda. Em termos de patrocínios, Evidentemente na lógica lúdica, são mais rituais,
em termos de propriedades comerciais e assim por são mais cerimônias do que esporte, pois o impe-
diante, então essa alavancagem produziu essa si- rador não vai disputar uma competição em igual-
tuação de, não vou dizer enriquecimento, mas de dade de condições. A igualdade não se coloca, o
fato uma alocação de recursos desproporcionado conceito de igualdade é histórico, nós construímos
ao crescimento dos demais setores da sociedade. historicamente o conceito de igualdade, definimos
Como eu disse, acho que há inúmeras explicações, o conceito de igualdade a partir do final do século
mas acho que esse é um fator que para mim é fun- XViii, comecinho do século XiX como elemento que
damental. Não sei se respondi a sua pergunta, mas deve normatizar as nossas relações, mas isso é
para mim é uma explicação real. historicamente localizado, você não pode imputar
a igualdade às modalidades lúdicas anteriores. En-
F: Professor Flávio, podemos deslocar um pouqui- tão, a questão da violência também há no século
nho para a Sociologia ou você fica desconfortável? XiX, com a emergência dos esportes, uma atenua-

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Tive uma disciplina no mestrado, Sociologia do Es- ção, não uma eliminação, assim os esportes terão
porte, com a professora Heloísa. Discuti com ela manifestações de violência. Nas partidas a gente
seis meses dizendo que eu não achava que está- vai observar o enfrentamento físico, nas diversas
vamos caminhando para um processo civilizatório. modalidades esportivas, inclusive no jogo de xa-
Por conta da sofisticação, da violência, da mídia e drez. Lembro a vocês as competições de xadrez,
tudo mais que me parece que muitas vezes faz um durante a Guerra Fria, entre o Bobby Fischer e o
contrassenso com relação ao processo civilizatório, Karpov: a mesa era vedada, porque eles se chuta-
não que eu ache que muito antes, quando se solta- vam, então se você não fecha a mesa aqui, o outro
vam leões e pessoas para duelarem, era uma coisa vai chutar e ninguém está vendo! Então, a questão
muito linda, não. Mas me parece que era menos hi- da violência vai aparecer, e o que acontece no es-
pócrita. Então, assim, será que daria para você dar porte? Você tem que atenuar. Você normatiza, você
alguma contribuição para o incremento dessa refle- regulamenta, e você cria, pelo menos em tese, a
xão? Talvez para uma paz de espírito minha e nossa. igualdade de oportunidades para a disputa. Então
terão que jogar onze de cada lado. Uma equipe não
Flávio de Campos: Bom, o que você traz é uma dis- pode entrar com doze e outra com dez, que é dife-
cussão central na Sociologia, e na obra do Norbert rente dos nossos acordos. Os nossos jogos, que
Elias e do Eric Dane, que é a ideia de que você tem não são esportes, que não são regulamentados
uma mudança no século XiX entre as modalidades em escala mundial, então se a gente for fazer uma
lúdicas praticadas até então, que vêm desde a an- partida aqui, ao final do encontro, mista, a gente já
tiguidade, e o processo de “esportivização”, que está subvertendo tudo. Vamos fazer uma partida
é uma categoria conceitual que está associada à mista, homens e mulheres jogando, e nós vamos
emergência da sociedade industrial. Então, esse fazer o quê? Vamos ver que uma equipe está fican-
é o ponto de partida do Norbert Elias. Quando do mais forte, percebemos que uma equipe está
ele pensa essa questão do processo civilizatório, ficando muito mais forte, então mudamos, altera-
ele está pensando junto com Freud, essa ideia de mos os jogadores, colocamos mais jogadores de
uma sociedade; você tem um caminho civilizatório um lado e menos jogadores de outro. Essa é uma
lógica das modalidades lúdicas, não é a lógica da humana, e a partir desse princípio, se eu cuido do pro-
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modalidade esportiva. Então, nesse aspecto, não cesso de desenvolvimento, se eu respeito as fases de
pensando a questão da civilização como evolu- maturação, os estímulos que eu ofereço, terei um re-
ção, como aperfeiçoamento do ser humano, mas sultado; eu acredito nisso, sei que o Marcelo também,
na passagem; no século XiX a gente tem sim um muita gente daqui também, vou ter resultados melho-
processo civilizatório, que está ligado à emergên- res; o problema é que isso demora de dez a quinze
cia das diversas modalidades esportivas. anos. E as pessoas não têm - eu vou ser um pouco
mais contundente, porque eu não sou tão velho as-
Não identificado: Eu tenho duas questões, a primei- sim, mas também não sou tão novo, e eu confesso
ra eu gostaria que o José Aníbal comentasse tam- que cansa algumas coisas - a dignidade de esperar.
bém, que é sobre como vocês veem o desenvolvi- Porque a gente remete a isso? Quando eu ocupo um
mento humano, e a constituição da subjetividade no cargo ou uma função de educador, de formador, de
contexto esportivo no cenário atual que a gente está dirigente, de presidente, do que quer que seja, eu pre-
vivendo no Brasil; e a segunda, quais são as ações ciso ter para mim com quem eu estou trabalhando, o
que vocês, profissionais de diversas áreas, acham que eu estou cuidando. Então, se eu sou presidente
que os psicólogos e a Psicologia podem desenvolver de um grande clube, é óbvio que eu tenho que me pre-
em favor da gestão e da técnica no esporte? ocupar se o meu time vai chegar na Libertadores, se
a minha equipe de vôlei disputa a Liga Mundial, eu te-
José Aníbal Marques: É uma ótima pergunta, mas a nho que me preocupar com isso. Agora eu tenho que
primeira coisa a que fui remetido a pensar é no pro- me preocupar como faço para chegar até lá. E isso
cesso de formação esportiva. Quando a gente fala vai começar com as crianças num processo de for-
de desenvolvimento humano, de construção da sub- mação. Eu tive a oportunidade de trabalhar com fute-
jetividade, construção da identidade, o termo que bol profissional e, pasmem, acredite quem quiser. Eu
se queira usar, é necessário que a gente pense em vi jogadores profissionais que não conseguiam fazer
processos de formação. E eu acho que isso no Brasil exercício coordenativo de aquecimento. O cara é pro-
é muito malcuidado, e por que, é muito malcuidado? fissional, ganha salário, disputa campeonato brasilei-
Por conta, principalmente, do que o Marcelo e o Mi- ro, um exercício de aquecimento que envolvia coorde-
chel apresentaram, acho que principalmente o Mar- nação multimembros ele não conseguia fazer. E esse
celo, de qual é o objetivo principal quando a gente problema está no processo de formação. E isso gera,
pensa no esporte, no resultado, na performance. por exemplo, a “tiração de sarro” entre os amigos
ali, que você não vai falar que tipo de sofrimento ele
passava. Mas essa gozação compõe construção de
subjetividade e identidade: “Olha lá o descoordenado.
“Tem uma expressão no futebol, Sabe quando é que ele vai jogar? Terceiro time para
principalmente no futebol sempre, hein amigo!?” Terceiro time para quem não
profissional, que é a seguinte (na conhece o futebol é um time que tem jogadores que
muitas vezes nem relacionados para os jogos são:
verdade, não é uma expressão, existe a equipe titular, dita titular, principal; a equipe
é uma fala): “Ganhou está tudo reserva, que normalmente faz os coletivos, e jogam,
bem, perdeu está tudo mal”. são relacionados para o banco, e o dito terceiro time.

Se eu fizer uma formação esportiva ruim, e eu tiver


resultado por algum motivo, tudo está certo. Tem
“Esperar pontualmente que o
uma expressão no futebol, principalmente no futebol profissional de Psicologia, que está
profissional, que é a seguinte (na verdade, não é uma no campo de atuação dele, atuando
expressão, é uma fala): “Ganhou está tudo bem, per-
deu está tudo mal”. Então, ganhou está tudo certo, e
no campo técnico, possa fazer algum
perdeu, está tudo errado. Muitas vezes você ganha, tipo de intervenção, ou, novamente,
está tudo errado, e perde, mas está tudo certo. Mas esperar que um abençoado de um
não é esse o raciocínio que se faz, eu acho que isso
se aplica à formação esportiva. Então, o que é neces-
dirigente surja com uma mentalidade
sário fazer? É necessário pensar que o processo de inovadora, é realmente colocar todo
formação esportiva compõe o processo de formação o projeto em risco”.
Então, esse terceiro time busca sempre chegar no dirigente, isso não vai acontecer. Você precisa criar
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segundo, para chegar no primeiro. Então, se não estímulos - a gente está falando da Psicologia –
cuidarmos desse processo de formação e de de- mas isso vale para várias outras áreas. Hoje, as
senvolvimento na formação esportiva, estaremos instituições gozam de uma série de benefícios, e
contribuindo para não ajudar, não contribuir, num a questão da formação de atletas deveria ser, in-
processo de construção da subjetividade, de cons- clusive, uma questão social que essas instituições
trução de identidade, que tenha um norte saudá- deveriam, de fato, se sentirem obrigadas a dar

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


vel, um norte de construção de uma consciência essa contribuição, e acabam tendo os objetivos
crítica, de um processo de desenvolvimento ade- totalmente deturpados; então, precisamos criar
quado. Acho que falha muito nesse processo, e vou mecanismos, porque simplesmente aguardar que
encerrar a minha fala pedindo licença para o Flávio surja alguém dentro daquela instituição, que politi-
e para toda a comunidade alviverde, mas eu vou camente ascendeu ao poder, e que aquela pessoa
citar o atual técnico do São Paulo, o Juan Carlos pontualmente se preocupa com isso, é realmente
Osório: ele estava dando uma entrevista, pergun- elevar as mãos para o céu. Assim, deve haver al-
tando-se para ele sobre futebol e tudo mais, e daí gum tipo de intervenção, não no mau sentido, ou
indagaram quem ele considerava o melhor jogador uma regulação, ou uma pressão, por exemplo. A lei
do mundo, pelo que disse ser o Messi. E não lem- de responsabilidade fiscal, fazendo uma analogia
bro exatamente como foi a questão, mas a essên- com o aspecto financeiro fiscal, está acontecendo
cia era: “E se você tiver que marcar o Messi, o que no terceiro setor e no setor de mercado. Não dá
você faz? Qual a sua estratégia?”. Ele disse: “Bom, para ter instituições falidas, devendo para a socie-
marcar o Messi é difícil, mas a bola precisa che- dade, porque boa parte dessa dívida é, por exem-
gar no Messi, então, talvez seja mais fácil marcar plo, vinda de impostos e tudo mais, e todo mundo
quem passa a bola para ele” e considero que essa tirando o chapéu. Então, a sociedade faz pressões
analogia cabe bem aqui, pois acho que estamos para que ocorram, para que haja esse tipo de ajus-
muito preocupados em “marcar o Messi” e ficamos te. Então, é claro que todas as instituições orga-
felizes da vida quando conseguimos marcá-lo por nizadas têm um papel preponderante nisso. Para
15, 20 minutos, só que nos esquecemos de mar- atuar num nível de governança, num nível estraté-
car a origem da jogada, o que faz a bola chegar gico, para fazer gestões para que essas mudanças

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


nele. Acho que o processo de formação esportiva possam vir a acontecer. Esperar pontualmente que
é a origem da jogada, é a origem onde começamos o profissional de Psicologia, que está no campo de
o processo de desenvolvimento humano, e nesse atuação dele, atuando no campo técnico, possa
caso acho que a gente está pecando, sim. fazer algum tipo de intervenção, ou, novamente,
esperar que um abençoado de um dirigente surja
Michel Mattar: Excelente a sua participação, José com uma mentalidade inovadora, é realmente co-
Aníbal, e na verdade isso reforça um pouco o que locar todo o projeto em risco.
eu penso em relação a ser muito difícil - até res-
pondendo a sua pergunta Camila - a intervenção Marcelo Rodrigues de Lima: Eu concordo com am-
individual, quer dizer, o que cada profissional sente, bos, o primeiro ponto vem de cima para baixo. Os
porque a gente está discutindo aqui uma questão nossos dirigentes não são capacitados para enten-
conjuntural, quando ele menciona assim. der a formação esportiva. Visto que o campeonato
paulista hoje, Sub-11 e Sub-13, não possui regras
O mais difícil que você tem, principalmente nesse adaptadas; você tem um garoto que nem atingiu a
setor, é esperar uma ação de benevolência de um puberdade, por exemplo. Voltando, então, o cam-
peonato paulista Sub-11 e Sub-13 hoje possui re-
gras adaptadas: são os garotos de 11 e 13 anos,
que não atingiram seu estirão de crescimento, uma
“Se você não criar estímulos - a
massa muscular que só vem após a puberdade, en-
gente está falando da Psicologia - tre outros fatores físicos, técnicos e também táti-
isso vale para várias outras áreas, cos, eles são obrigados a jogar num campo de 100
metros, com traves de 7 por 2, com dirigentes não
por exemplo, mas nós estamos
entendendo o processo de formação e cobrando
discutindo nesse momento a lei resultado, num garoto de 11, 13, 15 anos, quando
de responsabilidade fiscal no eles estão em mudanças corporais, emocionais,
psicológicas entre outras coisas. Então já começa
esporte”.
errado desde as nossas federações, que deveriam perder domingo no Sub-11. Então não tem forma-
42
comentar o desenvolvimento do futebol; não fazem ção, você não fala em formação. Você está falando
dessa forma, fazem de acordo com interesses pró- de equipe competitiva de alto nível com 11 anos de
prios como a gente acabou de dizer. Que tem um idade! Então, enquanto os estímulos - e aqui eu não
pouco a ver com o que o Michel prega também, que estou me restringindo às leis nem nada, porque tem
os clubes não são unidos, são inimigos hoje, não muitas leis que não são nem factíveis, nem praticá-
são coirmãos como deveriam ser; buscar também veis -, como um todo, legais, econômicos, conjun-
os seus interesses em comum, para o bom desen- turais, enfim, culturais, forem nesse sentido, você
volvimento técnico do futebol; eles só pensam em só refragmenta negativamente o processo e gera
si, que é ganhar. Vou citar um exemplo no sul, que esse círculo vicioso. E é muito difícil vencer essa
isso acontece e está bem claro, todo mundo que barreira com iniciativas isoladas e pontuais.
está no futebol sabe. Qualquer clássico no Sub-11,
13, 15, 17 e 20, Grêmio e inter, no sul, a comissão Marcelo Rodrigues de Lima: Complementando a
que é derrotada é demitida; isso é fato, porque o resposta, só em relação à Psicologia, dentro de um
dirigente não aceita perder para o rival. Tem um planejamento plurianual colocar os conteúdos den-
documentário do SporTV sobre o torneio mais fa- tro das fases sensíveis, como o José Aníbal disse,
moso lá do Sul e esse documentário acompanha vocês conseguindo atuar dessa forma, junto com
a equipe do Grêmio num campeonato sub-12. Os a formação técnica com o respaldo da direção, que
jogadores do Grêmio Sub-12 não falam o nome do deva entender o que é uma formação esportiva,
inter. Então já começa desde lá debaixo porque os acho que os conteúdos psicológicos entram clara-
dirigentes, que são responsáveis por esse processo mente nesse processo todo, desde os 10 até os
de gestão, não entendem o processo de formação. 20 anos, quando na verdade o jogador profissional
Então já começa nesse sentido. Tem que haver uma está pronto; pela literatura, a partir dos 23; dos 18
capacitação deles, e acho que a solução é o que o até os 23 ele tem que ter a experiência competi-
Michel falou, é vir da sociedade, é vir da própria re- tiva e principalmente maturação desses aspectos
gulamentação de leis que forcem esses dirigentes competitivos, mentais, psicológicos que são mais
a fazer a coisa adequada. Se depender deles, nunca importantes do que qualquer tipo de treino nessa
vão fazer. infelizmente. faixa etária.

Michel Mattar: Só aproveitando o “gancho”, para Não identificado: Eu trabalho com Psicologia do
ilustrar para vocês: quando falo que faltam estí- Esporte, voltada para a área do esporte para pes-
mulos externos, o estímulo que a gente tem hoje é soas com deficiência. Gostaria de saber do Michel
totalmente oposto, o estímulo (o José Aníbal bem e do Flávio, talvez por uma contextualização his-
colocou), a formação 10, 15 anos, enfim, o estímu- tórica, por que para o desporto no país, de acordo
lo que você tem hoje. Se eu tenho um contrato de com o iBGE, com 25% da população apresentando
um atleta de 5 anos que assinei com 16 anos, ou características para a deficiência, ainda os deixa-
enfim, eu quero que esse atleta seja maduro com ram de lado, quando a gente discute políticas pú-
19, 20 anos para poder vender. É o estímulo contrá- blicas, quando a gente discute até mesmo eventos
rio que nós temos hoje. E aqui não estou dizendo como esse, a questão do paradesporto, o que falta
que sou contra o mecanismo econômico, nem nada. na questão de proporcionar melhor qualidade para
Eu só estou reforçando que o estímulo que o indiví- esses profissionais, e se tem algum viés histórico,
duo recebe hoje ou seja pela pressão da imprensa, também, a questão da pessoa com deficiência ser
ou pela pressão da torcida, então fica muito difícil sempre deixada de lado, discriminada.
essa questão da ausência de objetivos, que é fun-
damental, quer dizer, qual que é o objetivo de uma Michel Mattar: Eu tenho uma visão muito pragmá-
formação? É você formar atletas para a sua cate- tica com relação a isso, da maneira como o Flávio
goria profissional, é você formar atletas para ven- já colocou desde o início - e a gente vai reforçando
der na categoria de base, ou é você ganhar títulos isso - vivemos num país muito esportivo. E imagino
em qualquer uma das categorias? Se você não tiver que a gente só consegue desenvolver as modalida-
isso muito bem mapeado e disseminado na cultura des no contexto atual, no esporte enquanto negó-
da organização, ou do próprio setor como um todo, cio, que tem demanda econômica, porque você tem
isso é canibalismo, aí você gera esse tipo de situa- duas formas de financiar: ou você vai financiar com
ção que o Marcelo mencionou; então, a métrica, qual capital privado, ou você vai financiar por iniciativas
a métrica? Você não tem métrica, a métrica é se eu públicas. Certo?
lantropia, e são diferentes; um indivíduo hoje que
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“O capital privado vai para uma entra com um capital privado, ele espera ter al-
modalidade, pois são raras as gum tipo de retorno, seja diretamente econômico,
seja com retorno de imagem, enfim, outros tipos
exceções de algumas outras de benefícios. Quando você já vai para uma ini-
modalidades, às vezes um voleibol, ciativa de benevolência, por exemplo, aí você faz
um basquete, alguma coisa, ou uma doação e hoje você até tem leis de incentivo

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


para isso, mecanismos criados para isso. A dificul-
então você vai cair na política dade reina nisso. Não se trata de uma categoria
pública, ou com financiamento com demanda, e aí você não consegue girar o me-
direto, ou com lei de incentivo, ou canismo econômico, você não tem demanda, você
não tem interesse da televisão, você não tem in-
com empresa estatal”. teresse do patrocinador, você não tem interesse,
então não gira a roda econômica. Então, vai ter
que depender de benevolência, enfim, de doações
Só que no Brasil toda modalidade que não tem ou da ajuda do estado, infelizmente.
demanda econômica cai fundamentalmente em
iniciativas e políticas públicas, enfim, no desen-
volvimento do esporte. Como a gente tem uma
concentração numa única modalidade, fica assim:
“A sociedade brasileira ainda
o capital privado vai para uma modalidade, pois é muito apática em relação a
são raras as exceções de algumas outras modali- despertar esse envolvimento no
dades, às vezes um voleibol, um basquete, alguma
coisa, ou então você vai cair na política pública, ou
sentido da inclusão, da própria
com financiamento direto, ou com lei de incentivo, circulação, da própria mobilidade
ou com empresa estatal. Então eu não sei, e aí urbana dessas pessoas, da
eu peço até perdão se estiver equivocado nesse
sentido, você que é o especialista da área aqui,
visibilidade dessas pessoas, da

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mas eu coloco as modalidades paraolímpicas no possibilidade da intervenção
mesmo rol das modalidades que não têm perfil profissional dessas pessoas, que
econômico, para o financiamento privado. Então,
para mim, falar desse tipo de modalidade, é como
dirá das práticas esportivas!”
a gente falar para ter algum tipo de capital pri-
vado para desenvolvimento do bobsled no Brasil,
por exemplo, ou de alguma modalidade que não Flávio Campos: Eu concordo com o Michel. Acho
tem demanda privada. Então fundamentalmente que você tem uma questão: além do estado, do
essas modalidades, essa categoria, enfim, elas poder público e na iniciativa privada, tem a ques-
vão cair nas políticas públicas, é a única maneira, tão da sociedade civil. Tem uma responsabilidade
então, não adianta; eu costumo dizer, “dar murro nossa, em diversas outras coisas que a gente ge-
em ponta de faca”, achar que você tem que ir para ralmente transfere; então, é o poder público, é o
o capital privado, que ele tem obrigação. Porque governo, seja ele A, B ou C, ou sejam as empresas
não é essa a visão, muito embora a gente possa que lucram muito, que ganham muito e que têm
reconhecer que ele tem que devolver algo para a que devolver, e a gente se exime, nós, cidadãos, e
sociedade e tudo mais, a mentalidade do capital integrantes de diversos canais de expressão da
privado é “eu recolho imposto e tudo mais”. É uma sociedade civil, nós nos eximimos. Francamente,
visão muito pragmática nesse sentido. E aí ele o que você tem em relação a qualquer tipo de por-
fala, bom, então quem tem que resolver agora o tador de necessidade especial? É evidente que a
problema é o ente público, através desses meca- partir também do final do século XViii, começo do
nismos todos que eu mencionei. Então, de novo, século XiX, numa sociedade que é uma sociedade
eu estou colocando para você uma visão bastante tecnológica produtiva, cuja lógica é a produção e
pragmática, porque a gente vê. Eu trabalhei mui- o lucro, é a competição, é evidente que a tendên-
to tempo com captação de recursos e tudo mais, cia - não que não existisse isso anteriormente -,
então, assim, a pessoa confunde ainda a questão mas a tendência é de uma marginalização maior,
de um patrocínio comercial com a questão da fi- não é? Daqueles que não têm uma integridade
corporal para poder atuar nessa lógica competi- numa situação em que se a sociedade não de-
44
tiva; então, você tem uma marginalização maior manda, você vai ter tanto do poder público quan-
a partir do século XiX. Ocorre que, o que eu vejo to da iniciativa privada, você vai ter respostas,
nesse momento, no caso da nossa sociedade, da porque há demanda, há pressão.
sociedade brasileira, a falta de pressão da socie-
dade por políticas de inclusão. Marcelo Rodrigues de Lima: Para complemen-
tar, você mencionou a questão do futebol fe-
Um envolvimento - e estamos pensando desde a minino, eu achei bastante interessante, porque
questão da prática esportiva com pessoas por- nessa lei de responsabilidade fiscal no esporte
tadoras de deficiência, e até mesmo a convivên- uma das questões, por exemplo, que a Confe-
cia -; a sociedade brasileira ainda é muito apática deração Brasileira de Futebol e os clubes lutam
em relação a despertar esse envolvimento no contra nos artigos da lei é a obrigatoriedade de
sentido da inclusão, da própria circulação, da pró- se investir x% do faturamento anual em fute-
pria mobilidade urbana dessas pessoas, da visi- bol feminino. E os clubes entendem que é uma
bilidade dessas pessoas, da possibilidade da in- transferência de prioridade, por entenderem que
tervenção profissional dessas pessoas, que dirá para eles, que são entidades privadas, não faz
das práticas esportivas! Então, acho que existe sentido econômico investir no futebol feminino.
um mea-culpa dessa sociedade. Você tocou no Então, realmente faz todo sentido essa refle-
assunto da questão dos portadores de necessi- xão, muito embora a gente possa estar discu-
dades especiais, eu sei que abro aqui uma janela tindo paraolimpíadas, ou como eu falei, qualquer
que daria uma discussão tremenda: vou discutir, modalidade, ou categoria, ou, enfim, o que você
por exemplo, o futebol de mulheres. É a mesma for discutir, você vai ter que colocar na lógica
lógica. Por que não há desenvolvimento no fute- econômica se você quiser esperar de algum
bol de mulheres? Os clubes não investem no fu- ente privado que faça algum tipo de investimen-
tebol de mulheres, a CBF não investe em futebol to naquele desenvolvimento, senão, realmente,
de mulheres, mas a sociedade brasileira também dá muita margem para discussão.
não se posiciona nesse sentido. Então, você fica
Estrutura e Gestão do Sistema 45

Esportivo Brasileiro e o Projeto Ético-


político da Psicologia do Esporte

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Luciana Ferreira Angelo
Membro do Núcleo Psicologia do Esporte do Conselho
Regional de Psicologia de São Paulo – CRP 06.

Agradeço a possibilidade de estar aqui compon-


do esta mesa, coordenando colegas tão queri-
dos e competentes na área. Muito bem, a ideia,
então, desta mesa, que tem como título “A Estru-
tura e a Gestão do Sistema Esportivo Brasileiro
e o Projeto Ético-político da Psicologia do Espor-
te”, é exatamente poder discutir junto a vocês
a questão da Psicologia do Esporte e suas atri-
buições. Entendemos que compreender a imen-
sa teia de relações humanas e institucionais que
compõem o sistema esportivo brasileiro é hoje
poder pensar aonde e como a Psicologia do Es-

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porte pode estar inserida, e a partir de que con-
textos podemos fazer algumas discussões para
que a contribuição seja efetiva.
46 Paula Korsakas
Mestre em Pedagogia do Movimento Humano pela EEFE-USP. Coordenadora
do Programa de Desenvolvimento Humano pelo Esporte (CEPEUSP) e sócia
da Interação Esporte e Psicologia, atuando como consultora para programas
esportivos. Autora de artigos e capítulos de livros sobre esporte infanto-juvenil.

Primeiro queria agradecer o convite do CRP SP para no nosso projeto quando a gente resolve ter uma
falar aqui. A gente começa a ficar velho e começa parceria com o instituto de Psicologia, 1996, 1997,
a contar os anos, não é? Eu estou há 20 anos atu- talvez, e hoje é uma prática mais ou menos comum
ando na área de esporte, há 20 anos como uma encontrarmos muitos psicólogos atuando em pro-
das coordenadoras do Programa Desenvolvimento jetos sociais, mais até do que imaginamos. Enfim,
Humano por Esporte da Universidade de São Pau- vamos começar. A ideia é não partir da Psicologia
lo. Não comecei como coordenadora de esporte, do Esporte em si, mas provocar vocês. Como eu es-
obviamente, comecei como assistente técnica de tou mergulhada em um processo de construção de
basquetebol em um projeto que praticava especia- um do novo Sistema Nacional de Esporte, acho que
lização precoce, selecionava crianças de 10 anos isso é bastante relevante para a nossa discussão
para saber quem deveria ou não ficar no projeto. hoje. Eu trouxe uma apresentação tipo quiz, são
E ao longo desses 20 anos a Psicologia do Espor- perguntas que vocês vão ter que responder comigo
te foi uma área que me ajudou a entender o meu para fazermos um aquecimento para as duas ou-
papel como profissional de esporte, como técnica tras apresentações da mesa e para pegar firme na
e mais tarde como gestora esportiva. Tem gente discussão. Qual a visão de esporte que temos no
que me conhece também do curso de especializa- Brasil? Quem me ajuda? O que é o esporte no Brasil,
ção em Psicologia do Esporte do SEDES, porque como é que ele é visto? Vocês que trabalham com
também tenho atuado como docente em cursos esporte, estudam esporte, ou querem atuar com
de especialização; fui docente universitária res- esporte, como é que o esporte é visto e entendido?
ponsável por disciplinas de Psicologia do Esporte, Certo, chegou chegando Marisa: futebol! Alguém
então, tenho passeado por essa área. Quando me dá mais? O esporte de alto rendimento. Quem está
formei em esporte pensei em fazer Psicologia, mas falando? Negócio. Que mais? Política do pão e cir-
achei que era mais fácil casar com um psicólogo, co. Tem alguma visão um pouco mais positiva, ou
e foi isso que eu fiz! Alguns de vocês conheceram não? Por que vocês querem trabalhar nessa área
o José Aníbal, que é meu marido, também há qua- se é um negócio, se é somente futebol, e somente
se 20 anos juntos! O que eu trouxe para vocês é voltada para o esporte de alto rendimento? O que o
um pouco das reflexões e do que pude aprender psicólogo tem a fazer lá? Prazer. Que mais? Alguém
nesses 20 anos, não sozinha, pois muito do que já leu a “Lei Pelé”? Vocês têm um monte de dicas
a gente construiu no Programa Desenvolvimento de estudo e visitas de sites para vocês. Vamos
Humano pelo Esporte, que é o antigo projeto “Es- lá! Como é que o esporte era visto no século XX?
porte Talento” fundado pelo instituto Ayrton Senna Vamos fazer uma retrospectiva histórica, quando
em 1985, como primeiro projeto do instituto depois pensamos em século XX, alguns de vocês já tinham
derivou para o Programa Educação pelo Esporte, nascido e já estavam estudando, atuando, traba-
muitas das coisas que se faz hoje no terceiro se- lhando, o que é o esporte no século XX? Mais ou
tor. Quem aqui trabalha em ONG? Quem já traba- menos isso que vocês estão falando, não é? Temos
lhou em ONG? Então, por exemplo, a possibilidade o esporte moderno emergindo fortemente, talvez
de pensarmos em psicólogo do esporte atuar no vocês tenham visto um pouquinho disso de manhã
terceiro setor, atuar em projetos sociais, começa lá na primeira mesa sobre história.
dimento, quase 30 anos depois da promulgação
47
“Acho que é muito simples a gente da Constituição, vemos que há algo errado nessa
história. Porque já estamos chegando em 30 anos
falar do futebol, culpar o futebol, que o esporte é um direito constitucional, direito
e falar que o esporte no Brasil de todo cidadão brasileiro. É efetivado ou não? Aí é
é somente futebol. Se olharmos uma grande história para discutirmos. O fato é que
a gente começa a ter um outro cenário de esporte.

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


um pouco mais profundamente, Não é mais somente o bom e o melhor, ou aquele
veremos que o futebol é sim o que que tem as qualidades específicas para o espor-
está na mídia”. te de rendimento que começa a praticar esportes.
Começamos a ver pessoas com deficiência envol-
E o esporte era basicamente um privilégio vendo-se cada vez mais com o esporte. Terceira
de quem era bom. A gente fala do futebol como a idade envolvendo-se com o esporte nas diferentes
expressão máxima do esporte no Brasil, mas sabe- formas - e aqui falando do esporte em um contexto
mos que tem um pouco mais do que isso. Acho que mais amplo, ainda que as fotos sejam da compe-
é muito simples a gente falar do futebol, culpar o tição. Mas, pensando nas práticas corporais como
futebol, e falar que o esporte no Brasil é somente um todo, vemos crianças começando a praticar
futebol. Se olharmos um pouco mais profundamen- um esporte, e se pensar em um esporte diferente
te, veremos que o futebol é sim o que está na mídia. para as crianças também, que não é mais primeiro,
Acabou de sair o diagnóstico do esporte, é o espor- segundo, terceiro, mas pensamos como podemos
te mais praticado pelos brasileiros, mas não temos adequar a experiência esportiva para elas. Então,
somente isso dentro da nossa cultura esportiva. O algumas coisas começam a mudar na passagem de
que acontece no final do século XX para começar século que tivemos. E eu trago isso não somente
a mudar o panorama do esporte no Brasil, alguém por uma questão pessoal, porque construo a minha
sabe? O que acontece no final do século XX, final da carreira profissional justamente nessa transição de
década de 80, começo dos anos 90? Qual é a gran- visão de esporte, mas acho que é fundamental en-
de transformação que o Brasil sofre? Não estou fa- tendermos o processo histórico e o dinamismo que
lando mais de esporte, estou falando de Brasil. existe no processo histórico da construção do es-

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porte enquanto política pública ou enquanto campo
de atuação profissional, para a gente “sacar” qual
é o espaço que vocês, como psicólogos, ou como
“Então, quando falamos no profissionais do esporte interessados pela Psico-
esporte entendido no Brasil logia do Esporte, têm de fazer política enquanto
profissional. Então, esse é o esporte no Brasil hoje.
somente como rendimento, quase isso está na lei. É assim que ele é dividido. Existem
30 anos depois da promulgação três principais manifestações, esporte e educação,
da Constituição, vemos que há participação em esporte de rendimento, e aí subdi-
visões e alguns princípios gerais que deveriam ou
algo errado nessa história. Porque que devem orientar cada uma dessas diferentes
já estamos chegando em 30 manifestações esportivas. isso é familiar a vocês,
anos que o esporte é um direito já viram, discutiram, conhecem. isso é bom, é ruim?
Qual a opinião de vocês a respeito dessa estrutu-
constitucional, direito de todo ração da concepção de esporte no Brasil? Alguém
cidadão brasileiro”. arrisca? Funciona? É assim mesmo?

Não identificado: Antes do início da sua fala


Vocês sabem, vamos lá que é para ninguém estávamos aqui em uma sala conversando um pouco
dormir na última palestra! Temos a Constituição de sobre isso. E esse sistema, se não me engano, era
1988 estabelecida, e ali o esporte passa de privilé- chamado de piramidal, é a base do acesso ao espor-
gio, porque não tinha regulação nenhuma, até havia te, pela participação, educação e no topo da pirâmi-
algumas regulações, mas sempre voltadas para o de o esporte de alto rendimento. A questão é que
esporte de rendimento, e com a Constituição ele crianças, jovens atletas de alto rendimento, estão já
passa a ser um direito. Então, quando falamos no entrando no topo da pirâmide. Então, eu não sei se
esporte entendido no Brasil somente como ren- isso é o ideal, respondendo um pouco a sua pergun-
ta, se esse sistema acontece em uma linha imaginá- uma dessas coisas? A criança que começa a praticar
48
ria, primeiro o acesso ao esporte de participação, à esporte vai direto para o esporte de rendimento? Ou
educação, e depois ao alto rendimento, sendo que ela vai no que chamam de esporte social da ONG?
crianças já estão entrando no topo da pirâmide. Ou ela está na escola praticando esporte escolar?
Mas o esporte da escola é bacana, ou ele também
Paula: Eu não sei se podemos dizer que en-
está fazendo processo seletivo e somente deixan-
tra no topo da pirâmide, já que, por enquanto, não
do quem é bom de bola praticar? Então, ainda não
tem pirâmide, não é? E isso difere exatamente da
conseguimos, mesmo com essas mudanças de pas-
prática. Acho que isso aqui é o que está posto, é
sar a ser um direito, estabelecer que o esporte não é
a forma como se imagina que o esporte deveria
somente rendimento, e tudo isso para romper com a
acontecer no Brasil, e aí eles acontecem como prá-
cultura da ditadura militar em que a educação física
ticas paralelas, e não como uma prática sequencial
e o esporte de fato eram voltados para o alto ren-
de pirâmide, teoricamente, no texto da lei.
dimento. Ainda que tenhamos estabelecido essas
diferenças entre as manifestações esportivas, não
conseguimos ainda resolver o problema de adequar
“Ainda constatamos no Brasil a prática às diferentes necessidades nos diferentes
práticas de especialização ciclos de vida. Esse ainda é um problema que per-
siste. O que eu mostrei para vocês não é o sistema
precoce. A criança entra direto no em si, mas a visão que pode embasar a construção
esporte de rendimento”. do sistema. Então, essa ainda é uma grande ques-
tão para o Brasil. Segunda grande pergunta, qual
é a função, qual é o papel do Sistema Nacional de
Então, teríamos o esporte educacional volta- Esporte no Brasil? Quando falamos de Sistema Na-
do para formação, cidadania e educação integral. cional de Esporte, o que vem à cabeça de vocês? Já
O esporte participação voltado para a prática livre sei que a pirâmide é uma coisa que aparece forte. O
de inclusão. E esporte rendimento, sim, para a per- que mais vem? E o que o Sistema Nacional de Es-
formance. Ainda constatamos no Brasil práticas de porte tem a ver com isso? Mais alguma coisa? Não
especialização precoce. A criança entra direto no tem certo e errado, é somente para irmos pensando.
esporte de rendimento. isto é basicamente entender Vocês falaram o dia inteiro sobre Sistema Esportivo
que a base da pirâmide somente serve para o espor- Brasileiro; do que estamos falando quando pensa-
te rendimento e com métodos de intervenção equi- mos em sistema? E eu sei que o Mazzei vai explicar
vocados. isso ainda existe no Brasil. Que outro ponto ainda o que é o sistema, o que é um sistema espor-
vocês poderiam destacar quando olham para isso? tivo. Pirâmide, desenvolvimento integral. O papel das
instituições esportivas na promoção do esporte. A
Não identificado: Estão nessa discussão aqui
articulação estratégica dessas instituições todas.
dois pontos importantes que foram falados. É que a
Diferentes níveis. Então, somente para começarmos
parte do esporte educação não se conversa na es-
a alinhar, existe uma definição mais técnica somente
cola e a formação não conversa com educação, en-
para entendermos de onde vem. O que é sistema?
fim. Também por conta do fato de a maior parte da
É colocar junto, organizar, articular, dar um sentido
verba de esporte no Brasil estar concentrada nos
mais lógico para coisas que têm intersecção e que
esportes de alto rendimento, e não na base, que
precisam estar articuladas, reunião de diversas par-
seria a entrada, esporte educação ou participação.
tes diferentes. E é um pouco diferente de estrutu-
Paula: Acho que esse é um dos grandes pro- ra. O sistema é algo que é intencional. Temos uma
blemas quando olhamos para essa conjuntura e estrutura esportiva no país hoje? Temos. Temos
pensamos em ações paralelas, sem entender que órgãos nacionais, temos comitês olímpicos, temos
o sujeito que está na escola é o sujeito que vai es- confederações, temos federações estaduais, temos
tar no clube, que tem os seus 11 anos, e a seleção clubes, temos as escolas, temos as organizações
já está pensando se esse moleque vai chegar lá ou da sociedade civil, temos as associações de bairros,
não. Temos somente um sujeito, e aí estamos tra- temos um monte de organizações, instituições es-
zendo à questão o quanto é importante o papel de portivas, secretarias estaduais e municipais, minis-
vocês, para lembrar que não tratamos de coisas tério, tudo isso compõe uma estrutura esportiva que
quando falamos de esporte, estamos falando de integra o esporte do país. Temos um sistema? Existe
pessoas que vão estar envolvidas com essa prática. uma articulação lógica, pensada estrategicamente,
E aí ficamos com isso, não é? Onde é que cabe cada voltada para objetivos de curto, médio, longo prazo,
para integrar o esporte da maneira que achamos zenta que o Cristiano falou. O que é interessante?
49
que ele deva ser feito no país? Não. Por que não te- Esse é um sistema muito conhecido, é a lógica do
mos um sistema? Vamos responder um pouco mais esporte rendimento, isso não temos que negar, isso
para a frente. Então, não temos. não é ruim. É como o esporte rendimento funciona,
e tem que ser assim, porque precisamos no topo da
pirâmide dos caras que são mais competentes nas
“Quando falamos em sistema suas modalidades esportivas. A grande questão é

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


quando isso comanda toda a política pública de um
esportivo no país, o que país inteiro. Acho que esse é o grande ponto. Onde
costumamos ouvir? Sempre é que nós estamos? Nós não existimos aqui. Se
exemplos de outros países: pensarmos que se o Brasil segue um sistema como
esse, o esporte é um direito de todo cidadão brasi-
“Tinha que ser igual ao sistema leiro, mas ali ele não é direito, ali ele continua como
cubano, que começa na escola, privilégio. O que que é interessante? Nos últimos
todo mundo pratica esporte, tem anos temos visto uma série de críticas vindas dos
americanos sobre seu próprio sistema. Eu aprendi
educação de qualidade, e tem (eu não sabia disso) esta semana no seminário que
atleta de alto rendimento”. aconteceu na Câmara dos Deputados, em Brasília,
que esse sistema nunca foi intencional. Foi um pro-
cesso construído espontaneamente, culturalmen-
Pensando que não temos, como é que de-
te, historicamente, dentro dos Estados Unidos. Foi
veria ser? O que vocês imaginam? Vocês conse-
assim que se estruturou e se organizou o esporte
guiriam desenhar? Se tivéssemos mais tempo fa-
norte-americano. E que é extremamente desarticu-
ria essa brincadeira com vocês, mas o que vocês
lado, por mais incrível que pareça. Eles não têm, por
imaginam? Como ele seria? Quem faz parte desse
exemplo, um Ministério do Esporte para ditar políti-
sistema? Falamos um pouco. Existe um jeito certo,
cas públicas. Por outro lado, temos uma experiên-
uma fórmula mágica para se pensar um sistema?
cia um pouco mais recente, que vem do começo do
Não. Quando falamos em sistema esportivo no
século, dos anos de 2000 e pouco, que é o sistema
país, o que costumamos ouvir? Sempre exemplos

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


canadense. Alguém já tinha visto? E aí, o que que
de outros países: “Tinha que ser igual ao sistema
parece para vocês? Muito complexo? Esse aqui é o
cubano, que começa na escola, todo mundo pratica
esporte rendimento, a pirâmide continua, as fases
esporte, tem educação de qualidade, e tem atleta
de seleção continuam, o que muda? Onde é que
de alto rendimento”; “não, a solução é o sistema
estamos nós aí? Continuamos na zona cinzenta?
norte-americano, que o esporte está na escola e
Tem uma corzinha mais bacana, um vermelhinho
segue até a universidade, de lá saem os atletas
aqui para quem ainda se arrisca a competir em di-
olímpicos”, ou, “não, é o sistema francês”. Então,
ferentes níveis, e tem uma área vermelha, vibrante,
sempre nos remetemos aos outros países para
que é para quem está ativo. Pensando que eu co-
tentar achar solução para o nosso país. Funciona?
meço o meu percurso esportivo aqui, mas que ele
Talvez. Vamos lá, será que deveríamos ser como o
não se encerra, eu não tenho como única finalidade
sistema esportivo dos Estados Unidos? O que vo-
o esporte rendimento. Tenho várias possibilidades
cês acham? Sim ou não, e o porquê. Prós e contras.
e, sejam elas quais forem, posso adotar um estilo
Não identificado: Fazendo uma análise desse de vida ativo até ficar velhinho, lá em cima. Então,
quadro, colocando o esporte rendimento no topo da essa é uma nova abordagem, é um sistema que tem
pirâmide, dá a entender que seria o mais importan- influenciado muitas outras políticas públicas em ou-
te, seria onde merece mais atenção, enquanto tal- tros países. Tivemos a oportunidade de ter alguns
vez o mais importante seria a base, a base de tudo. palestrantes responsáveis por esse sistema no ano
Mas hoje há um foco maior no rendimento, a aten- passado em um evento que organizamos com o
ção é sempre maior na ponta e não na base. SESC-SP. Mas, funcionaria no Brasil? O que vocês
acham? Será que dá conta das nossas demandas?
Paula: Esse é um dos grandes problemas Tem gente dizendo que não, tem gente que não
conhecidos e criticados. E agora perguntaria para acredita mesmo no país, não é? Então, isso é o de-
vocês, onde é que estamos nós, os adultos, nesse senho do sistema esportivo norte-americano; eu
sistema? Nós adultos, que somos atletas. Meio ne- não vou explicar, obviamente, mas temos todas as
buloso. A gente está exatamente nessa zona cin- estruturas esportivas voltadas para o Comitê Olím-
pico norte-americano. E aí têm os satélites, as ligas Olímpicos e a Copa do Mundo. isso, de fato, foi uma
50
de igreja, a Associação Cristã de Moços também situação provocada por tudo o que temos visto no
aparece em algum canto, o esporte comunitário. E país. Então, somente para contar para vocês, sabem
esse é o sistema canadense, a estrutura canaden- há quanto tempo temos o Ministério do Esporte no
se, na qual você tem os organismos internacionais, Brasil? 12 anos, ele foi criado em 2003. Também des-
você tem os organismos nacionais, então, o Comi- cobri esta semana que o Ministério da Educação é
tê Olímpico canadense, as organizações nacionais bem mais antigo, e ele ainda não conseguiu implan-
de esporte, a associação de técnicos, aqui algo tar o Sistema Nacional de Educação, estão tentando
que corresponde ao Ministério do Esporte, que é o há 80 anos, o que é mais impressionante ainda. Nós.
Sport Canada, as organizações de nível provincial, e Novinhos, conseguiremos em menos tempo, toma-
as organizações de nível municipal. Então, dá para ra! Alguém daqui participou das Conferências Nacio-
entender que quando a gente está falando de es- nais de Esporte que aconteceram em 2004, 2006 e
trutura de um sistema, é isso. Como é que será a 2010? É um papel fundamental para todos que atu-
estrutura do Brasil? am na área, inclusive psicólogos do esporte, para se
fazerem ouvidos, para colocar qual é o papel do pro-
fissional, onde é que esse profissional de Psicologia
“Qual é o papel que a gente tem do Esporte deve estar inserido. Então, foram três
conferências que aconteceram em níveis municipal,
como profissional da área de
estadual e nacional. Com base em todos os docu-
esporte para fazer acontecer e mentos, as resoluções e as conferências, junto com
fazer diferente?” a análise de todos os modelos legais que têm regido
o esporte no Brasil desde a década de 40. Esta se-
mana foi lançado o Diagnóstico Nacional do Espor-
Enfim, tenho meio minuto. Acabou, último sli- te, primeiro volume. Temos ainda mais 3 volumes
de. Por que eu trouxe essas questões e um pouco ainda para conhecer. É uma grande pesquisa que o
deste exercício de perguntar a vocês? Porque acho Ministério do Esporte fez sobre o que é o esporte
que é esse o papel que a gente tem, daqui para a no país, quem pratica, aonde, quanto custa, para
frente mais ainda, para se colocar no meio dessa onde vai esse dinheiro. E aí, finalmente, todos esses
história, ou não ficar esperando ou somente assis- documentos, todos esses conhecimentos e infor-
tindo na TV se votaram o projeto de lei, se o proje- mações que temos das conferências, dos modelos
to de lei foi aprovado ou não, se teve mudança, os legais, a legislação que tem regido o esporte no país,
clubes de futebol vão conseguir mais anistia? Vão o diagnóstico, temos atuado no grupo de trabalho
continuar não pagando dívidas e tudo bem? Qual é junto com a Comissão de Esporte da Câmara dos
o papel que a gente tem como profissional da área Deputados, que tem uma subcomissão para traçar o
de esporte para fazer acontecer e fazer diferente? Plano Nacional de Esporte no país. E esperamos que
Nos vinte anos de trabalho na área, uma das coisas até setembro possamos apresentar um projeto de
que sempre fizemos (a minha equipe do programa), lei, porque aí não passa mais a ser uma política do
o nosso questionamento, sempre foi essa visão de- governo X, Y, Z, mas passa a ser uma política de Es-
sintegrada de esporte; é entender o esporte a partir tado, uma política instituída por lei, para que possa-
das manifestações e não do sujeito. Sempre provo- mos melhorar e de fato ter um sistema lógico, uma
camos uma visão mais integradora, que é o título da organização que consiga, como preceito máximo,
minha apresentação. E estamos envolvidos também universalizar a prática esportiva para todo cidadão
há alguns anos com a Rede Esporte pela Mudança brasileiro. E aí, eu lanço a pergunta para vocês, qual
Social, tivemos a oportunidade, com a mudança de é o papel do psicólogo do esporte nessa história
Ministério e o trabalho de ad hoc, o trabalho políti- toda? O que eu aprendi nesses vinte anos é que o
co que a Rede tem feito para melhorar o esporte no meu fazer profissional, seja lá com aquela criança,
país, temos uma oportunidade de ocupar uma ca- ou seja aqui falando para vocês, ou seja represen-
deira no Grupo de Trabalho para a construção do tando a REMS no Ministério do Esporte, é que é um
Sistema Nacional do Esporte, alguém já ouviu falar? ato político, o tempo todo a gente assume e banca
É um grupo de trabalho que foi instituído alguns essa questão. Então, eu desafio vocês ajudarem a
meses atrás exatamente para propor um sistema construir um espaço consistente, ético e relevante
esportivo para o país, e torcemos para que esse para o profissional de Psicologia do Esporte, fazen-
seja o grande legado que temos para deixar, porque do do exercício profissional de vocês um ato político
isso não aconteceria se não tivéssemos os Jogos sempre. Obrigada.
Leandro Carlos Mazzei 51
Doutorando (joint-PhD) da Escola de Educação Física e Esporte da USP e pela Vrije Universiteit Brussel - VUB
(Bélgica) [desde 2011]. Mestre de Gestão Desportiva pela Faculdade de Desporto da Universidade do Porto -
FADEUP (2006). Ex-atleta profissional de judô. Atualmente é professor de ensino universitário e coordenador
de projetos esportivos. Organizador do livro “Gestão do Esporte no Brasil: Desafios e Perspectivas”.

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Boa tarde. Todo mundo vivo ainda aí? Dormindo? zes, preciso da Psicologia. Tentarei aqui fazer alguns
Vou tentar falar rápido. Muita gente diz que eu insights, porque eu não vou ter todas as respostas
falo devagar, então vou tentar falar mais rápido. A do que o título da palestra traz. Vamos refletir aqui,
Lu, quando me apresentou, falou que eu fui atleta e espero que o Cristiano no final consiga dar as res-
profissional de judô, eu me classifico assim, mas a postas. Eu duvido, não é? Bom, coloquei aqui quatro
própria legislação brasileira, para vocês terem uma tópicos para falar para vocês; eu vou dar uma con-
ideia, o capítulo 3 mostra as finalidades e natureza textualizada nesses dois primeiros tópicos, vou falar
do desporto no Brasil. Como a Luciana disse, fala da da nossa realidade enquanto sistema esportivo, daí
educação, participação, rendimento. No rendimen- vou colocar até umas possíveis respostas, da con-
to pode-se ter duas categorias, profissional e não tribuição da Psicologia no que eu vou falar durante
profissional. O que se entende como esporte não a apresentação. Nosso atual momento é o seguinte
profissional? Calma, não respondam, vou ler para - é isso aí o que vocês estão lendo no slide -, princi-

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


vocês: “De modo não profissional, identificado pela palmente as modalidades olímpicas; já que passou
liberdade de prática e pela inexistência de contra- a Copa do Mundo vamos tirar um pouco o futebol
to de trabalho, sendo permitido o recebimento de desse contexto, se bem que no futebol, a cada dia e
incentivos materiais e de patrocínio”. Esse era o a cada jogo que passa, a cobrança é cada vez maior.
meu caso, eu era não profissional, mas eu recebia O governo federal, e isso se traduz como Ministé-
o que chamávamos de ajuda de custo. Consequen- rio do Esporte, colocou essa expectativa aí. Quando
temente, eu não tinha direito às benesses da lei ele lançou o Plano Brasil Medalhas com um prazo
trabalhista, como imposto de renda e uma série de razoável - esse lançamento foi em 2012 - logo ago-
outras coisas, como décimo terceiro, férias, e por aí ra, “nosso objetivo aqui é ficar, pela primeira vez na
vai. Eu era atleta de uma modalidade olímpica, en- história, entre os 10 melhores nos Jogos Olímpicos”.
tão você pode entender que eu parei de ser atleta,
digamos, neste estado em 2005. Digo isso porque
ainda vou competir este ano, recebendo para lutar
jogos regionais. Fazendo esse brainstorming rápi- “As pessoas em geral, na rua,
do, um monte de atleta está na mesma situação E, na escola, nas universidades, no
detalhe, alguns menores, muito menores: 14, 15, 16
anos. Então, à parte a questão atlética, esportiva de trabalho dizem “vamos ganhar
desempenho, aventurei-me na área acadêmica, hoje muitas medalhas já que o objetivo
sou doutorando, termino meu doutorado este ano. é ficar entre os 10 primeiros”. A
Para não ser tão simples assim, inventei de ter duas
orientadoras em duas instituições. Aqui acho que mídia, impressa, televisiva, internet,
todo mundo já teve uma orientadora ou orientador o que vocês queiram, dizem “vamos
na vida, então eu coloquei nisso um algo a mais. Não ganhar medalhas porque vamos
basta fazer, tem que ser difícil, certo? inclusive, uma
não fala nem português e nem inglês. Então, é um ficar entre os 10 primeiros, já que
desafio constante. Eu preciso de psicólogo, às ve- essa é nossa meta”.
O Comitê Olímpico Brasileiro, não ao mesmo na hora de decidir o ponto ou o resultado final do
52
tempo, um pouco antes ou um pouco depois, tam- jogo? Tivemos uma experiência que acho que até
bém apresentou essa meta de “top 10” no número fica de tema para estudo. Veja o que aconteceu na
total de medalhas. Então, essas são as expectati- Copa, qual o estado emocional dos atletas naque-
vas. Consequentemente e principalmente, eu acho, le momento, “aí, deu branco, 5 minutos”. Esporte de
entre a mídia e os patrocinadores se propagada rendimento, na minha modalidade, judô, um piscar
essa ideia: “Vamos ficar entre os 10 melhores”. As - não são cinco minutos - pode decidir tudo. Então,
pessoas em geral, na rua, na escola, nas universida- essa expectativa que se coloca, que infelizmente
des, no trabalho dizem “vamos ganhar muitas meda- alguns órgãos oficiais colocam, me preocupa bas-
lhas já que o objetivo é ficar entre os 10 primeiros”. tante. Porque isso vai tudo nas costas dos atletas.
A mídia, impressa, televisiva, internet, o que vocês Seria muito bom se essas expectativas estivessem
queiram, dizem “vamos ganhar medalhas porque va- “linkadas” por um sistema. Temos um sistema es-
mos ficar entre os 10 primeiros, já que essa é nossa portivo? Respondam para mim, sim ou não? Quem
meta”. Clubes e organizações esportivas esperam acha que sim, levanta a mão. Quem acha que não?
isso. O próprio cara que está ali treinando do lado Nós não temos um sistema. Um sistema deveria
dos atletas fala “a gente vai ganhar, já estamos com ser o seguinte: teoria geral de sistemas, que vem
a mão na taça”. Na Copa não foi assim? Somente principalmente da administração, tem aqui recur-
faltava jogar! E principalmente a população cria a sos, que recursos? Financeiros, humanos, materiais,
expectativa de que os resultados serão bons. Mas, acho que principalmente humanos. Esses recursos
não é tão simples assim. Esse é o quadro de meda- entrarão em uma cadeia de processos e isso vai ge-
lhas dos últimos Jogos Olímpicos em Londres. Des- rar um resultado. Claro que isso é teoria da adminis-
taques: itália, Hungria e Austrália ficaram em oitavo, tração, estou pensando em termos gerenciais. Teve
nono, e décimo lugar no quadro de medalhas, no esse autor aqui, as referências estão embaixo, de-
qual eles levam como critério principal as medalhas pois até disponibilizo a apresentação; ele coloca um
de ouro, não o total de medalhas. Então, esses con- pouco em relação ao esporte. Então, aqui na entra-
seguiram 8 medalhas de ouro, 7 medalhas; no total a da tem que ter os talentos, o recrutamento, o pes-
itália ficou com 28, a Hungria com 17, mas teve 8 de soal, uma série de coisas, aqui vai ter o treinamento,
ouro, então está aqui em cima, e a Austrália com 35 as competições, o suporte, principalmente a gestão
medalhas. E o Brasil foi esse aqui. Não fiquem tris- de carreira, os planos, e isso vai gerar padrões de
tes, porque, na minha opinião pessoal, existem gran- desempenho que podem ou não gerar medalhas.
des chances de se cumprir a meta. Vai chegar entre Eu não posso chegar para um atleta de hóquei de
os 10. Estatisticamente, ok? Existem estudos que grama brasileiro e falar que ele vai ser medalhista.
tentam prever resultados e falam que vai ter uma
curva agora, o fator casa é determinante, todos os
atletas estão classificados, está tudo certo.
“Infelizmente, nós brasileiros
pensamos em termos de
“Tivemos uma experiência que medalhas, mas o resultado
acho que até fica de tema para individual também é relativo”.
estudo. Veja o que aconteceu na
Aliás, infelizmente a modalidade que somente
Copa, qual o estado emocional seria no feminino, no caso do Brasil não tem índice
dos atletas naquele momento, “aí, mínimo, pois o índice mínimo é 90 na classificação
deu branco, 5 minutos”. mundial para participar dos Jogos. Não tem, então
não posso chegar para algumas modalidades e
dizer que vão ganhar medalhas. Calma, vamos ser
Aliás, vou falar isso no final, pois tem a ques- realistas, se você chegar lá na fase final e ganhar
tão da Psicologia que influencia nos resultados um jogo já está ótimo. infelizmente, nós brasileiros
dentro de casa, e por aí vai. Mas, vai ser difícil. E, pensamos em termos de medalhas, mas o resul-
com toda essa expectativa criada, na hora em que tado individual também é relativo. Quando eu era
a maioria de nossos atletas vai estar competindo, atleta eu falava “não vou ser olímpico, não tenho
como eles vão estar? Vou falar aqui em termos, tal- esse nível”. Na minha cabeça isso estava claro. Tal-
vez da Psicologia, qual vai ser o sentimento deles vez, alguém falasse “não, você tem”.
seja medalhista olímpico”, o que você tem que fa-
53
“Nós temos boas iniciativas para zer? Calma, eu quero que seja de esgrima, ela é uma
modalidade olímpica, o que você tem que fazer? O
desenvolvimento esportivo desde a professor Gabriel aqui, meu colega de turma, por
base até alto rendimento? Temos, acaso, de graduação, respondeu à pergunta “você
mas eles são isolados. Cada um por tem que colocar ele em um clube”. Mas os clubes
no Brasil, 99% deles são privados. Quem aqui é só-

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


si, Deus contra todos”. cio de clube? Que clube? É? Alguém é sócio de um
clube, pelo menos? Militante. Uma vez estava em
Trabalha a motivação do cara, que aliás é es- uma reunião com ingleses e falei para eles disso,
sencial. Mas, tem que ser um pouco realista tam- dos clubes aqui no Brasil, porque o conceito de clu-
bém. A melhor frase que define o Sistema Esportivo bes na Europa é outro, são clubes praticamente co-
Brasileiro é essa daqui, que já é antiga, do profes- munitários, não são privados. E eu falei “não, aqui
sor Matsuda, acho que muitos de vocês já ouviram são clubes privados; para você entrar lá, você tem
falar dele, e no capítulo de um livro ele definiu o que pagar”. E aí você pensa na maioria da popula-
seguinte: “O Brasil possui programas esportivos ção brasileira, quem tem condição de ser sócio de
assistemáticos, ou seja, não tem um sistema, de clube? Somente nas últimas décadas, umas duas,
forma que o Estado, clubes, família, se responsa- três décadas atrás, além das organizações não go-
bilizam pelo desenvolvimento dos atletas”. isso eu vernamentais, algumas prefeituras e associações
posso dizer para vocês. Nós temos boas iniciativas começaram a abranger uma maior parte da popu-
para desenvolvimento esportivo desde a base até lação que era simplesmente excluída desse siste-
alto rendimento? Temos, mas eles são isolados. ma. “Leandro, como você começou judô?”. Simples,
Cada um por si, Deus contra todos. Se fosse de- minha mãe me matriculou na academia e a pagava.
senhar um Sistema Esportivo Brasileiro, era essa Era como se fosse um miniclube específico. Hoje já
figura aqui. Essas autoras fizeram uma análise do- tem mais acessibilidade. Não se esqueçam que eu
cumental da legislação brasileira e decifraram, ten- estou contextualizando em São Paulo, imagine no
taram desenhar um Sistema Esportivo Brasileiro. resto do país. Então, esse sistema é assim mesmo.
Nós temos de um lado organizações governamen- E não é somente aqui, não, é no mundo inteiro. Mas,

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


tais, do outro lado organizações não-governamen- para nós o fato de os clubes serem privados é uma
tais. O Ministério do Esporte, a legislação esportiva, barreira muito grande para que você coloque o seu
tem um conselho aqui no meio, mas geralmente ele filho em um sistema esportivo não governamental
repassa recursos financeiros, principalmente para que dará acesso às equipes de alto rendimento a
o Comitê Olímpico Brasileiro - COB; o COB distribui longo prazo. Nós temos o nosso sistema governa-
para as confederações, as confederações comuni- mental. Qual é o problema aqui? Na verdade, tem
cam com as federações estaduais, e as federações pontos positivos e negativos. Positivo, segundo a
estaduais se comunicam com os clubes. nossa legislação, Constituição Federal, os estados
e municípios têm autonomia para fazerem suas
próprias legislações, principalmente do esporte.
“Uma vez estava em uma reunião Que bom, então o Estado do Amazonas, o municí-
com ingleses e falei para eles pio de Manaus, eles vão fazer as políticas de acordo
com a realidade deles, ótimo! Qual é o ponto nega-
disso, dos clubes aqui no Brasil, tivo? Não tem um mínimo a ser cumprido. Então, a
porque o conceito de clubes legislação educacional, por exemplo, é clara, “a prio-
na Europa é outro, são clubes ridade do município é a educação infantil”. Pode ter
o fundamental 1, 2, e o médio, até a universidade?
praticamente comunitários, não Pode, mas a prioridade é infantil. Estado, prioridade,
são privados. E eu falei “não, aqui fundamental 1 e 2, e médio. Pode ter universidade,
são clubes privados; para você como por exemplo a Universidade de São Paulo, por
aí vai? Pode ter creche? Pode, mas a prioridade é o
entrar lá, você tem que pagar”. ensino básico. Federal, qual é a prioridade do siste-
ma educacional? Universidade. Tem colégio federal?
Então, esse sistema que a gente chama aqui Tem, mas a prioridade é a universidade. Se tivesse
é o Sistema Clássico Esportivo Mundial. Vou che- esse mínimo no esporte, aliás não sei se vocês es-
gar aqui para você e falar “eu quero que seu filho tão discutindo sobre isso, já? Se tivesse esse mí-
nimo já ajudaria bastante, mas o problema aqui é esgrima”, então pergunta, aonde você vai praticar?
54
que não tem conexão. Bom, agora vou acelerar. Tem Em que espaço você vai praticar esgrima? Tem um
essas referências aqui para que vocês visualizem professor capacitado para ensinar isso para a mo-
como são em outros países. Esse autor aqui relata lecada? Estou falando de um ponto fora da curva,
nove sistemas, inclusive Rússia, Estados Unidos e que é a esgrima. Agora, imagine para as outras mo-
China, dentre eles. E vocês vão ver que o Brasil, na- dalidades. Então, o pilar 3 é baixo, sistema de ta-
quele outro desenho anterior, não está muito longe lentos não tem, depende muito da modalidade. Vou
do que o resto do mundo faz. Mas, em uma com- falar um exemplo aqui, peneira de futebol, como
paração de sistemas, onde vou mostrar o resulta- você vira jogador profissional de futebol? Você faz
do de um estudo, dá para comparar sistemas, país uma entrevista com os jogadores (a Luciana fez)
com país? Dá. É que nem comparar frutas, existem e fala “olha, tem empresário aqui e tal”. E se você
duas frutas, certo? Elas são diferentes por “n” mo- não tem? Pós-carreira e suporte da carreira está
tivos, mas são classificadas como frutas. Então, a baixo. instalações esportivas baixo. Qualidade dos
pesquisa que eu vou mostrar agora comparou so- técnicos e desenvolvimento dos treinadores, que é
mente sistemas, independentemente da economia a capacitação inclusive, formação, está baixo. Com-
e cultura do país. Comparou somente esporte. Essa petição a gente está na média, até pelo volume de
pesquisa que vou mostrar é internacional, o nome competições que vieram para o Brasil nesses úl-
do modelo é “SPLLiS (Sports Policies Leading to timos anos. Pesquisa científica está baixo. Olha o
Sport Sucess)”, estão aí as referências para vocês Japão, que é da Olimpíada em 2020. Ano que vem é
poderem ver com calma depois. O “SPLiSS” é um aqui no Brasil. Aí a minha orientadora, que faz mo-
modelo de comparação que compara um sistema delo, falou “olha que ele legal” eu falei “não”. Bom,
esportivo em nove coisas. 1 - o suporte financeiro; 2 e ainda tem essa aqui, essas quatro notícias que
- a política ou abordagem que se dá para o esporte; eu coloquei aqui, desde 2001 o governo sabia sobre
3 - a participação esportiva; 4 -, desenvolvimento corrupção na CBF. Qual o impacto que isso tem nos
de talentos; 5 - suporte para carreira. Então, esse é atletas? Porque tem, não adianta eles falarem que
um fluxo sistêmico desportivo geral. E aqui o que dá não tem. Mesmo sem credibilidade, o basquete tem
suporte para esse sistema, instalações esportivas, o apoio do governo para novo patrocínio.
qualidade dos técnicos e treinadores, calendário
de competições, tanto nacional quanto internacio-
nal, participação em competições internacionais e
pesquisas científicas aplicadas ao esporte. Então,
“A Federação Nacional de
essa pesquisa internacional foi feita em 16 países Basquete disse “ou vocês pagam
e comparou tudo isso entre eles. É óbvio que em o que tinham que pagar para
2008 foi a comparação de 6 países. Existe este li-
vro publicado para quem se interessar, a referência
competir o mundial ano passado
está aqui, e eles fizeram uma segunda versão com- ou vocês não jogam os Jogos
parando todos esses países aqui, inclusive o Brasil. Olímpicos no Brasil”, que legal!”
O resultado do Brasil é este aqui. Então, aqui no tra-
cejado tem a média de todos aqueles 16 países, em
azul o Brasil. Olha que a gente tem coisa boa. Nós Não sei se vocês seguiram esta semana, mas
temos dinheiro, mas não sabemos usar. Ou a gente o basquete corre risco de não participar dos Jogos
não tem a gestão necessária para usar o fluxo de Olímpicos, é uma pressão, mas é. A Federação Na-
recursos, principalmente motivados pelos grandes cional de Basquete disse “ou vocês pagam o que
eventos, para criar estruturas que ficassem a longo tinham que pagar para competir o mundial ano pas-
prazo. Então, pilar 2, que é estrutura, está abaixo da sado ou vocês não jogam os Jogos Olímpicos no
média. Pilar 3 e pilar 4 são os piores. Quando eu falo Brasil”, que legal! Fraudes no vôlei e o bombástico
em participação esportiva, eu não posso somente relatório da CGU, escândalo do contrato de patro-
falar de futebol, que é o que o relatório do esporte cínio com o Banco do Brasil, por acaso, até nisso o
apontou. Aliás, nem de musculação, diga-se de pas- vôlei foi mais profissional que o restante, porque a
sagem, que é o segundo ou terceiro mais praticado primeira atitude do presidente foi pedir renúncia,
lá. Musculação não é esporte, é atividade física. Eu onde você vê isso no Brasil? Renúncia? Pedir renún-
tenho que falar de esgrima, eu tenho que falar de cia? E tem outros casos aí. Bom, algumas reflexões
judô, eu tenho que falar de rugby, eu tenho que falar possíveis, algumas reflexões da Psicologia, eu vejo
de vôlei, e por aí vai. “Professor, eu quero falar de que não dá para interferir num sistema que não tem
sistema, mas dá para interferir diretamente na ges- não vai fazer com que a derrota fique normal, perder
55
tão da carreira dos atletas, e eu acho que isso, a ou ganhar é normal do esporte, mas o atleta tem
maioria aqui imagino que seja psicólogo, vocês po- que ter uma certa vontade de ganhar, agressivida-
dem ajudar muito. Vocês conhecem a atleta Ketleyn de, motivação, ele não pode falar “ah!, perdi, tudo
Quadros? Foi a primeira mulher medalhista olímpica bem”, eu estou falando isso porque isso já aconte-
numa modalidade individual, ela ganhou em 2008, fi- ceu, principalmente na minha modalidade judô, dei-
cou fora de Londres e está tentando retornar agora. xaram os caras mansos, perdeu, o cara já entrou “se

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Vai ser muito difícil, mas ela deu uma entrevista em eu perder tudo bem”, não dá. Não pode, não faça
que ela declarou que “eu era muito nova e tive que isso. São outras coisas que vocês têm que trabalhar
lidar com isso”, ou seja, ela ganhou a medalha, todo com eles “você tem que estar com a cabeça focada
mundo começou a convidar ela para eventos e sim- ali para vencer”, essas expectativas para 2016 po-
plesmente ela esqueceu de treinar e se você é atle- dem ser mais um, ou muda ou acaba, fazendo uma
ta e você não treina, tem alguém treinando ali no associação com o futebol, ou muda ou vai acabar,
seu lugar, aliás, para roubar o seu lugar. Caso seme- por incrível que pareça, na minha opinião.
lhante aconteceu com o Diogo Silva, primeira meda-
lha nos Jogos Pan-Americanos de 2007. Começou a
dar entrevista e em 2012, nos últimos jogos, ele deu “Não adianta chegar na véspera
a seguinte declaração: “Sem medalha olímpica, a
do jogo: “Psicólogo do esporte,
gente volta para o buraco de novo”, emocional bom.
E vai tentar vaga agora de novo, mas você imagina me salva”; o trabalho é a longo
o elefante que ele está carregando, o mundo que prazo. Então, quando você vir que
ele está carregando nas costas para competir lá.
existe, pode ter certeza que tem
Família Falcão, recentemente o pai, depois do pro-
grama do Luciano Huck, colocou fogo na casa, os um gestor atrás disso que conta
atletas, os dois, Esquiva e Yamaguchi Falcão, dei- com essa pessoa, ou alguém que
xaram o boxe olímpico e foram para o boxe profis-
falou, precisa”.
sional, dinheiro. Quem gerencia a carreira deles? Por
outro lado, tem exemplos bons, aqui tem a declara-

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ção de uma medalhista de ouro, Sara Menezes, do Necessidade de um sistema esportivo brasi-
judô: “Fiz um trabalho psicológico muito forte com leiro, nas reuniões, provavelmente os atletas pelo
a Luciana Castelo Branco” (nome da psicóloga) “e Brasil estão lutando, assim como a Paula está.
sentia muita pressão em Olimpíadas”, ela já tinha Precisa ter algo mais claro, qual o papel de cada
competido em Pequim, “você sente ainda mais”, nas um, o que precisa para que o esporte realmente
Olimpíadas você sente ainda mais, “o trabalho fez seja massificado ou mais popularizado no Brasil.
com que eu conseguisse lutar bem e o ouro che- E deixo essa mensagem para vocês. O bom ges-
gasse, já me senti muito bem na vila olímpica, dormi tor tem que saber que o psicólogo é necessário.
bem, estava bem, ou seja, fui atleta”. Não adianta chegar na véspera do jogo: “Psicólogo
do esporte, me salva”; o trabalho é a longo prazo.
Então, quando você vir que existe, pode ter certe-
za que tem um gestor atrás disso que conta com
“O psicólogo do esporte não vai essa pessoa, ou alguém que falou, precisa. Obriga-
fazer com que a derrota fique do e espero perguntas no final, espero não ter me
normal, perder ou ganhar é normal prolongado muito. Esse atleta aqui, depois dos jo-
gos, o Leandro Guilheiro, que já tem duas medalhas
do esporte, mas o atleta tem que olímpicas, e já disputou a terceira, e se alguém me
ter uma certa vontade de ganhar, perguntar se “ele tem chances para 2016?”, eu falo
agressividade, motivação”. “muito difícil”, mas ele era o primeiro do ranking e
foi lá e perdeu. E aí uma outra falha nossa no Brasil
vem crítica de tudo quanto é lado, até da sua mãe:
Fechando, eu acho que é necessário dentro “Meu filho, você é ruim, você ganhou duas, mas não
dessa salada sistêmica que nós vivemos, com to- ganhou a terceira, olha como você é ruim”, calma
das as dificuldades que nós temos, o essencial são gente, isso também tem quer ser trabalhado com
equipes multidisciplinares e um psicólogo ali é fun- os atletas, que existe vida após os jogos, após as
damental. Detalhe, pessoal, o psicólogo do esporte competições. Obrigado.
56 Cristiano Roque Antunes Barreira
Professor Associado da Escola de Educação Física e Esporte de
Ribeirão Preto, docente orientador do Programa de Pós-Graduação em
Psicologia da FFCLRP-USP; psicólogo; livre-docente pela USP. Realiza
pesquisas em Psicologia do Esporte pela perspectiva fenomenológica.

Obrigado, Paula e Leandro, pelas apresentações.


Acho que isso vai com os “ganchos”. Estamos “Se de tempos em tempos não nos
em vias de encerrar a Segunda Mostra Estadual
de Práticas em Psicologia do Esporte, para a qual
déramos ao desafio de explicitar
eu acolhi com gratidão a oportunidade de compor esse sentido, ele mesmo fica mais
esta mesa. Como professor e pesquisador, as mi- vulnerável a se consumirem repetições
nhas preocupações são, particularmente, cientí-
ficas e particularmente dadas à fundamentação
crônicas que o contradizem, fechando-
racional dos entendimentos, das práticas e dos se em um hábito técnico”.
conhecimentos em nossa área.
te pode ser explicitado, entretanto há algo, sim, que
com um fundo comum, podemos dizer com seguran-
“O que se visa é explicitar e não ça e convicção que nos mova, tratasse do sentido
ético daquilo que se faz, daquilo que se pretende. Se
ocultarem abstrações, aquilo que de tempos em tempos não nos déramos ao desa-
move cada um de nós em nossas fio de explicitar esse sentido, ele mesmo fica mais
próprias práticas”. vulnerável a se consumirem repetições crônicas que
o contradizem, fechando-se em um hábito técnico. É
fácil aqui, interromper-se no incômodo da constata-
Há uma razão para, mesmo este não sendo um ção de que cada um tem seu sentido ético particular
momento acadêmico, optar por propor este momen- e isso não deixa de ter algo de verdadeiro. Propõe
to, a título de diálogo teórico, quando falamos de nos- que tentemos dar um passo adiante para acharmos,
sas práticas em Psicologia do Esporte, falamos de mesmo na particularidade moral, a unidade desse
algo que está sempre intensamente arriscado a um sentido e a necessidade de busca incessante por
deslize, o deslize de uma reprodução inconsequente, essa linguagem comum que nos permita assumir
uma “cronificação” que encontra num questionamen- um posicionamento eticamente mais consistente,
to e em uma problematização seus melhores anticor- menos psicológico ou psicologista, mais ciente de si
pos. Um diálogo teórico visa então, em nossa Mostra, e de tudo aquilo que em nós o ameaça, fazendo da
dar uma linguagem comum a práticas que só se confi- vida uma aventura e uma interminável luta ética pela
guram com precedentes, circunstâncias, motivações humanidade, a qual a Psicologia pode ou não ser-
que as fazem particulares, singulares, únicas e que as vir. Aqui, pelo tema da mesa, deve-se ainda cumprir
une, só pode ser compreendido com uma passagem uma articulação desse sentido ético com estrutura e
que busque em algum nível teorizá-las. gestão do sistema esportivo brasileiro, uma vez que
o título que me foi proposto para fazer essa inter-
Assim, o que se visa é explicitar e não oculta- venção é “Contribuições da Psicologia do Esporte,
rem abstrações, aquilo que move cada um de nós um projeto ético político para a formação da subje-
em nossas próprias práticas. Claro que nem tudo tividade no sistema esportivo brasileiro”. No zelo hu-
que move psicologicamente cada um aqui presen- mano uma prática esportiva e seus praticantes, ou
para ampliarmos nosso alcance, no zelo para com as
57
questões próprias da pessoa em movimento corpo- “A caracterização do esporte
ral, entramos, certamente, no domínio mais próprio,
embora não exclusivo da Psicologia do Esporte.
como fenômeno raso nos mostra
como ele não é, por si, produtor
de ideologias, mas as absorve,
“Entendo que seja precisamente

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


reproduz, expressa ao sabor de
nesta relação que more a
usos tão variados como foram
possibilidade de se pensar um
os nacionalistas, fascistas,
projeto ético-político que vise
comunistas e capitalistas”.
a formação da subjetividade no
sistema esportivo brasileiro, ou Não pretendo dar maior espaço a eles aqui,
seja, no sistema esportivo atento apenas fazer ver que um e outro, a atividade físi-
aos desafios da realidade de ca e o esporte são uma abstração, são conceitos
vazios, movimentos com gasto energético maior
nosso contexto, esses desafios que o repouso, prática corporal competitiva e ins-
que vocês também mostraram titucionalizada, composta por fatores motivacio-
estar enfrentando”. nais intrínsecos e extrínsecos. É com relação a
nossa experiência com essas atividades que elas
ganham cor, mas também, por que não, principal-
Já quando se fala em estrutura e gestão, to- mente, com relação ao imaginário e o modo que
ma-se alguma distância daquilo que é visivelmente são informadas e reguladas socialmente. Essa ca-
mais imediato à prática concreta da Psicologia do racterização do esporte como fenômeno raso nos
Esporte, mas não há distância com relação as suas mostra como ele não é, por si, produtor de ideolo-
preocupações, embora os instrumentos de gestão gias, mas as absorve, reproduz, expressa ao sabor
e seus conceitos e procedimentos sejam domínios de usos tão variados como foram os nacionalis-

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pertinentes a outra área. Uma, porém, pode e deve tas, fascistas, comunistas e capitalistas. Mesmo
servir a outra, pois se referem a níveis diferentes em experiência acadêmica na área, não deixo de
de ação e relação com os praticantes e os não me estarrecer com a mentalidade fascista de que
praticantes de atividade física que na melhor das muitos fazem apegar-se ao esporte. Todas essas
hipóteses estarão em consonância e terão coerên- grandes narrativas ideológicas já foram decifra-
cia. Entendo que seja precisamente nesta relação das como supertécnicas político-sociais, assim,
que more a possibilidade de se pensar um projeto com relação ao esporte, muitas vezes, por se fixar
ético-político que vise a formação da subjetividade numa dada ideia ou imagem de bem, belo, justo
no sistema esportivo brasileiro, ou seja, no siste- e verdadeiro, perde-se o devir aberto a circuns-
ma esportivo atento aos desafios da realidade de tancialidades que exigem saber ler, que exigem a
nosso contexto, esses desafios que vocês também, abertura recíproca de nossa parte, exigem nossa
pelo que eu pude falar ao longo de todo dia, mostra- constante reflexão e intervenção, a fim de cumprir
ram estar enfrentando. Para nortear tal projeto, não nosso papel de psicólogos para que aqueles en-
restando numa perspectiva ideológica, é preciso ir volvidos em diferentes posições e com as diferen-
em busca de critérios éticos referenciais aos quais, tes instituições esportivas, não distorçam seus
algo que, de maneira que soa quase idealista, pode- melhores fins em fixações ideológicas, instru-
mos chamar de amor ao esporte, se manifeste e se mentais. Todo o conhecimento e desenvolvimento
atualize, chamando como se quiser, paixão, gostar, técnico nasce com uma intenção ética, uma inten-
zelar, todas as suas práticas visam qualificar melhor ção de melhoria, mas quando passa a substituir
isso que se ama, porque se o quer bem, porque se o a intenção pela própria técnica, a reifica, afetifi-
quer belo, porque se o quer justo, porque se o quer za, torna-se um tecnicismo instrumental, ao invés
verdadeiro, que é o esporte, mas aqui eu abstraio de visar a intenção de vida boa, a intenção ética,
excessivamente. O que é isso, o esporte, a ativida- visa a si mesmo a se realizar e, por essa via, a nos
de física que se ama. A bem pensar, viria também realizar como seres instrumentais e técnicos, fa-
um ou muitos modos de ser do esporte e da ativi- lhando nossa própria dimensão ética. Vive aqui o
dade física que não amam, eu detesto. enorme perigo de uma Psicologia do Esporte tec-
nicista. Talvez um dos mais gerais dos exemplos
58
contemporâneos que se possa dar disso, seja o ‘É somente a valorização
caso do biopoder, esse que nos faz crer que a ati-
vidade física deva ser entendida como necessária,
local que tem esse poder, a
principalmente em função de sua capacidade de disponibilização de um sistema
prevenção de doenças crônico-degenerativas, por que torna o esporte a atividade
exemplo. Graças a autores como Giorgio Agam-
ben, Hannah Arendt e Foucault, sabe-se como
física, o lazer, a promoção de
essa ênfase na vida nua, a dimensão meramente saúde pela cultura corporal de
biológica de uma vida vivida para ser sobrevivida, movimento, algo ao alcance da
isto é, uma vida que menos a esfera da dignidade
e mais a esfera da idade com um fino verniz de
mão dos cidadãos e para todos
qualidade de vida, pauta ordem política com áreas de todas as idades”.
de hegemonia mundial de modo a tirar de cena da
vida pública questões decisivas como a política São 75%, segundo o iBGE, os que não fazem
pautada pelo bem comum, na convivialidade, no atividade física como esporte ou lazer, ou seja, em
debate aberto aos múltiplos pontos de vista. seu tempo livre, assim, 30% da população é fisica-
mente ativa em função de suas atividades laborais
e deslocamento cotidiano. O sistema nacional do
“O alto rendimento que, para o esporte, sua estrutura e gestão, devem estar aten-
tos as suas relações existentes entre esses fatos
bem e para o mal, é uma vitrine e dados, a visibilidade e valorização social do es-
que poderia servir para tantas porte não vai de par com o aumento da incidência
coisas, para tantos valores, de seus praticantes. É somente a valorização local
que tem esse poder, a disponibilização de um sis-
como o de divulgar e estimular tema que torna o esporte a atividade física, o lazer,
a prática para todos, a se tornar a promoção de saúde pela cultura corporal de mo-
amplamente um destino em si”. vimento, algo ao alcance da mão dos cidadãos e
para todos de todas as idades; trata-se de pensar
uma educação física pública. A vida ética e subjeti-
Não deixa de se tratar de um novo higienis- vidade que devemos almejar enquanto psicólogos, é
mo, no qual a eugenia não levanta bandeiras, mas aquela que vê nas instituições fontes de integração
é posta à disposição no mercado das tecnologias pessoal, de fomento da vida boa. isso não se faz a
biomédicas, como engenharia biomédica, e tem sós, individualmente, como destaca Axel Honneth, já
como um dos principais standards a superefici- que depende da estrutura intersubjetiva da identi-
ência espetacularizada no esporte de alto ren- dade pessoal. Sinto que os indivíduos se constituem
dimento. Já tangenciando a gestão, o alto rendi- como pessoas, unicamente porque, da perspectiva
mento que, para o bem e para o mal, é uma vitrine dos outros que assentem ou encorajam, aprendem
que poderia servir para tantas coisas, para tantos a se referir a si mesmos como seres a quem cabem
valores, como o de divulgar e estimular a prática determinadas propriedades e capacidades. A gra-
para todos, a se tornar amplamente um destino vidade disso, em relação aos nossos padrões de
em si. ilustra isso claramente, o que se faz com movimento corporal, é que a dimensão da corporei-
os jogos regionais no Estado de São Paulo, as dade constitutiva da integração pessoal sofre uma
competições que deveriam promover, estimular ausência de reconhecimento da sua diversidade que
a iniciação e formação esportiva nas diferentes vai de par com o reconhecimento valorado quase ex-
regiões e cidades, acaba sendo um momento em clusivamente a tipos bastante uniformizados, razão
que boa parte das secretarias municipais do es- pela qual a maioria da população não se identifica
porte investe o grosso do seu orçamento na con- enquanto seres de direito, estima e confiança para
tratação de atletas de fora para representá-las. se mover com qualidade, isto é, exercer o prazer do
A prática, perversamente destrutiva, já é naturali- movimento pelo movimento não utilitário, não labo-
zada em todas as instâncias, inclusive pelos atle- ral. Aqui é fundamental a importância de designar a
tas. Os dados do diagnóstico do esporte e do mi- esfera do corpo enquanto dimensão constitutiva da
nistério assinalam 45% de brasileiros fisicamente pessoa, não apenas o corpo que se tem, por objeto,
inativos, sedentários. mas o corpo vivido, corporeidade, designá-las serve
para sensibilizar para algo negligenciado, inclusive O terceiro encontra a autoestima no re-
59
pela Psicologia, seja devido as suas epistemologias conhecimento próprio a experiências de soli-
mentalistas, seja muitas vezes devido a abordagens dariedade, de saber-se socialmente estimado
sociais racionalistas que enxergam, no cuidado cor- em suas capacidades na cultura de movimento
poral e no esporte, signos de individualismo e de corporal e não depreciado. Direito, estima e con-
ideologias. Com relação à cultura corporal do movi- fiança, encontram possibilidades de se realizar
mento, a corpos socialmente mais sujeitos a exclu- correlativamente a padrões de relações intersub-

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


são, em diferentes segmentos e âmbitos, serão os jetivas, isto é, padrões de reconhecimento. Sem
corpos fora dos padrões de forma física, os obesos, esses padrões positivamente vividos, o que não
por exemplo, fora dos padrões de habilidade motora, depende do indivíduo por si mesmo, é a autor-
os ruins de bola, por exemplo, corpos expressivos da realização humana que se compromete, trazido
diversidade social, étnica, de deficiências e deformi- para nós isso significa não se ver como sujeito
dades, assim como em diferentes classes sociais com direito de exercer a atividade física, algo que
os corpos de mulheres e idosos, estes, todavia, são afeta o autorrespeito devido às próprias possi-
corpos visíveis, e quanto aos invisíveis? São aque- bilidades de viver o corpo e movimento como um
les que foram excluídos, não em função de qualquer corpo capaz, e isso dentro de seus referenciais
signo de visibilidade, mas por sua experiência histó- próprios. Aqui, porém, não se trata de um corpo
rica. Quais são essas histórias de exclusão que se pensado, um corpo de direito, mas de um corpo
inscrevem em nossos corpos, com potência sufi- vivido, um corpo que não encontra no sistema es-
ciente para imobilizá-los, para afastá-los da cultura portivo brasileiro acolhida, não se sente convida-
corporal de movimento, visíveis ou invisíveis, essas do a se mover, mas se vê como sem direito a, vive
inscrições são sempre históricas, e é por isso que negligenciado porque não se conhece, não se re-
na Psicologia do Esporte sem historicidade, fecha- conhece, apenas se confere diferente do padrão
da em técnicas e conceitos, é cega e surda para a uniformizado que disponibiliza o movimento para
realidade com a qual atua. É na substância das his- muito poucos; trata-se, em diferentes níveis de
tórias comunitárias e pessoais que a estrutura inter- reconhecimento, de um corpo que não vive qual-
subjetiva da identidade pode encontrar seus nexos quer pertencimento efetivo a cultura corporal de
de integração, ou por outro lado, as experiências de movimento; no mais das vezes, o pertencimento

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esgarçamento pessoal em que a cultura corporal de cultural é impedido por uma relação de consumo,
movimento parece não encontrar lugar, não encon- uma relação meramente social, ao modo do mer-
trar reconhecimento para tantos. Os níveis de inscri- cado, onde vige certo anonimato no registro de
ção corporal são equivalentes aos níveis em que se um modelo de dever ser corporal.
inscrevem três aspectos psicológicos cruciais para
a integração pessoal. O primeiro é o da autoconfian-
ça, se inscreve na experiência de amor, nosso amor
às práticas corporais por serem reveladoras de es- “O sistema nacional de esporte nos
feras tão essenciais de nossos próprios seres, nos diferentes níveis de conhecimento
impede a trabalhar com viças a que outros também encontra na estrutura, na gestão e
vivenciem essa experiência e com ela a autocon-
fiança em suas capacidades próprias. O segundo na Psicologia do Esporte, paralelos
encontra num reconhecimento jurídico do poder pú- significativos para se pensar um
blico a possibilidade do autorrespeito, de saber-se projeto ético-político para formação
com direito a, sem precisar pedir licença, definindo
suas escolhas sem depender do favor de alguém, da subjetividade”.
mas com autonomia regularmente assegurada.

Nesse registro, é especialmente o corpo


objeto que é enfatizado, onde conta muito pou-
“Direito, estima e confiança, co com a prática que envolva subjetivamente
encontram possibilidades de se a corporeidade numa cultura corporal de movi-
mento em que haja senso de pertence. Nesse
realizar correlativamente a padrões sentido, é como se a possibilidade de apropria-
de relações intersubjetivas, isto é, ção dessa cultura, a possibilidade de qualificar
padrões de reconhecimento”. uma esfera decisiva para a integração pessoal
de si mesmo fosse excluída, passa fora de al- de objeto, não mais de equipamento e técnica
60
cance, a não ser quanto a objeto de consumo, destinados ao corpo, embora nem sejam neces-
produto reduzido a mercadoria. O sistema na- sários, não mais anônima, mas de pessoa a pes-
cional de esporte nos diferentes níveis de co- soa, corpo a corpo, onde o movimento seja fruto
nhecimento encontra na estrutura, na gestão e fonte de confiança, de amor a uma possibili-
e na Psicologia do Esporte, paralelos significa- dade de si mesmo ainda tão negligenciada para
tivos para se pensar um projeto ético-político a maior parte da população, fonte de estima em
para formação da subjetividade. Os níveis mais relações solidárias, atualizadas em comunida-
elevados, situados no registro jurídico e social, des afeitas a conhecer e viver a qualificação cul-
encontram seus correspondentes num trabalho tural dos movimentos dos seus próprios corpos,
de gestão e precisa ter congruência nos níveis sem vergonha, sem medo, sem rebaixamento e
mais elementares de reconhecimento, que tem sim, ao contrário, altivas, corajosas e plenas de
na Psicologia do Esporte seu campo de cuidado dignidade de suas singulares capacidades cor-
e atenção. O diálogo, a congruência entre esses porais e do imensurável alcance dessas expe-
diferentes níveis, deve ser estruturante, a fim de riências para autorrealização pessoal. A estru-
que a gestão seja responsável por promover um tura e a gestão do sistema nacional do esporte,
sentido de pertencer a cultura corporal de movi- para concretizar um projeto ético-político para
mento e promover com competência e eficiência formação da subjetividade, tem que favorecer o
um sentido que encontrará na Psicologia do Es- estabelecimento de um devir sempre mais pau-
porte seus processos de mediação e realização. tado, mais norteado pela ideia de fazer do es-
Passa-se aí de um nível social, em que a regula- porte uma instituição justa, orientada pela equi-
ção do sistema o coloca como um objeto à dis- dade, só assim a vida boa com e para os outros,
posição e de direito à população, a um nível de essência da ética, pode se tornar realidade no
relação e reconhecimento comunitário, não mais esporte e atividade física. Obrigado.
Debates 61

Ricardo Santoro
Psicólogo pela PUC/SP, Especialista em Saúde Mental, Idealizador

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


da Copa da Inclusão; Professor de Psicologia da FMU; Coordenador
das Residências Terapêuticas Vila Monumento e Mandaqui I.

Primeiramente, quero humildemente parabenizar


os slides do professor Leandro, muito esclarece-
dores em termos de sistema, gráfico, desenho e
na verdade acho que não é uma questão, por-
que a moda agora é usar o termo provocação;
acredito que o professor Leandro tem uma visão
tecnicista do esporte; então, na fala do profes-
sor Cristiano, ele fez uma crítica pontual na orga-
nização dos jogos regionais aonde, ao invés de
ter a promoção esportiva da participação, tem
a questão da competição e até da contratação
de atletas, para este caso, na qual você é atleta,

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


professor Leandro. Então, gostaria de saber qual
é sua visão disso, qual a sua opinião em relação
a essa crítica dentro do contexto da construção
do sistema. Por gentileza, a sua colaboração
quanto a isto.
62 Leandro Mazzei
Psicólogo pela PUC/SP, Especialista em
“Eu vim falar do esporte
Saúde Mental, Idealizador da Copa da rendimento, mas tem algo por
Inclusão; Professor de Psicologia da FMU;
Coordenador das Residências Terapêuticas trás para chegar no rendimento
Vila Monumento e Mandaqui I.
que é a participação, tem eu
como ex-atleta, qual o meu papel
no esporte como ex-atleta?”

Obrigado, Ricardo, pela sua provocação. Muito pelo existindo um trabalho bom com esporte em Ribeirão
contrário, eu não sou tecnicista, não. Estava comen- Preto, porque eu não moro lá, apesar de ser de lá, fui
tando com os meus colegas, eu dei aula para crianças atleta de lá, fiz 16 anos, representei jogos regionais,
há um bom tempo e sou da mesma linha de raciocí- jogos abertos, fui medalhista de jogos abertos com 16
nio do Cristiano; também simplesmente apresentei anos, tem a capa do jornal, a cidade, e eu voltar pes-
um quadro aqui com relação ao esporte de auto ren- soalmente é simbólico, eu quero ir para contribuir, eu
dimento. O que eu falo com relação ao tecnicismo é não gostaria de estar indo como atleta, mas foi o que
que vivemos isso num período histórico no nosso país, o meu técnico falou “eu quero que você esteja presen-
que acabou coincidindo com o final da ditadura militar; te” e eu aceitei a proposta.
acho que a Paula colocou isso, que foi essa democra-
tização do esporte e convencionou-se de falar que o O ideal seria que eu ficasse lá em Ribeirão, fi-
que veio antes é coisa do demônio, vou colocar as- zesse um trabalho com os mais jovens (eu vou fazer
sim, tudo ruim. E aí foi do 8 ao 80 e eu sou formado isso), só que só nos momentos dos jogos, os jogos
em Educação Física, esporte em Educação Física, o abertos serão em Ribeirão Preto, então tem isso,
que acontece hoje, você não encontra profissionais tem a cobrança e expectativa para o resultado, mas
formados para trabalhar com esporte, você encontra eu gostaria de outras expectativas, o que vai ficar
profissionais formados em Educação Física e quem depois dos jogos abertos, assim como nos Jogos
aqui é profissional de Educação Física, principalmente Olímpicos, o que vai ficar para o Brasil? E essas ex-
licenciatura que é o meu caso, sabe que a Educação pectativas eu coloquei com relação a resultados em
Física não é esporte. E aí tem um hiato: quem traba- si, porque as outras, depois, eu não gosto nem de fa-
lha com esporte, então, da maneira como se tem que lar, vocês viram o gráfico que eu mostrei, eu comen-
trabalhar? Seja no rendimento, seja na participação, tei aqui antes da minha apresentação que “é chato
seja na educação, porque eu dei aula na graduação, vir falar que o nosso futuro é negro, não tem boas
convicto de que o profissional de Educação Física perspectivas”, então é isso, eu acho que a palavra do
hoje não é preparado para trabalhar com esporte, Cristiano é perfeita, é claro que eu tive vinte minutos
ele é preparado para trabalhar com Educação Físi- e ainda extrapolei o tempo, porque poderia ficar fa-
ca. E quem trabalha? Responde para mim, se alguém lando disso o dia todo. Eu vim falar do esporte rendi-
conseguir responder. “Ah! é um ex-atleta?”, pode ser, mento, mas tem algo por trás para chegar no rendi-
desde que ele seja preparado para isso, porque senão mento que é a participação, tem eu como ex-atleta,
ele só vai trabalhar com o rendimento. Nos jogos re- qual o meu papel no esporte como ex-atleta? É o que
gionais, vou representar minha cidade, que é Ribeirão a Paula mostrou, nós não temos, tem a taxa cinza
Preto, eu sou de lá, e é muito interessante essa minha que é rosa, que não tem. E por acaso eu consegui
participação porque eu, enquanto ex-atleta, vejo que um espaço com um híbrido de ir lá em Ribeirão Preto,
posso contribuir para quem está como atleta hoje, é na minha cidade, contribuir de alguma forma. Eu pre-
esse o meu papel. Fico indignado de eu ter espaço de firo assim do que há 5 anos quando fui representar
participação, na verdade porque eu não deveria par- Sertãozinho, lutei contra minha cidade e ganhei, isso
ticipar como atleta, deveria participar como, não digo é o pior de tudo, aí eu fiquei mais indignado ainda,
técnico, mas consultor ou algo do tipo, não como atle- falei “não, não é possível”, não é possível porque não
ta. E eu participar como atleta quer dizer que não está existiu renovação, algo está errado, eu vejo isso.
Roberta Freitas Lemos 63
Doutoranda em Ciências do Comportamento pela UnB. Assessora Parlamentar no
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Experiência de atuação
na interface entre Psicologia e Esporte no Instituto Passe de Mágica, Centro de
Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente e Projeto Esporte Talento.

Psicologia do Esporte: Contribuições para a atuação profissional


Na verdade, é para os três que comentaram, e tam- Cristiano: Roberta, obrigado pela pergunta,
bém direcionada ao Cristiano. Eu tenho estudado, porque foi como a do Ricardo, uma provocação boa.
sou psicóloga, também sou formada em esporte, Acho que o que a gente precisa pensar e foi nesses
mas eu sou psicóloga com orientação em análi- termos, embora eu tenha falado muito rápido, não sei
se do comportamento; tenho estudado bastante a se vocês conseguiram acompanhar bem, mas é o pa-
contribuição do psicólogo, principalmente o analista pel da Psicologia do Esporte enquanto mediação nes-
de comportamento, em larga escala, tenho tenta- se processo, mediação pelo fato de que o esporte, o
do focar bastante na contribuição da Psicologia na imaginário hegemônico do esporte, não é convidativo
elaboração de políticas públicas. E estou pensando para que as pessoas o façam, talvez seja convidativo
um pouco na intervenção da Paula quando ela fala para que a gente seja espectador do esporte, e não
da elaboração de um sistema, na fala do Leandro, só imaginário, depois a prática em si, porque isso se
também, e na sua, quando você fala de um projeto reproduz na prática, quer dizer, o ambiente esportivo
ético-político para a construção das subjetividades em que aqueles que já não são habilidosos, que não

CADERNOS TEMáTiCOS CRP SP


e de uma outra perspectiva que não é minha, mas têm uma forma física e adequada etc. é depreciado,
entendo que isso nos abre um campo de atuação do esses são depreciados. Como é que mudamos isso?
psicólogo para pensar a promoção do esporte em E me parece que quem melhor pode fazer isso, a dis-
larga escala ou a produção de direitos fundamentais ciplina que melhor pode e deve assumir a responsa-
em larga escala, enfim, eu queria que vocês pudes- bilidade de fazer isso seja a Psicologia do Esporte,
sem comentar um pouquinho sobre isso, como é que quer dizer, qual o sentido que o esporte tem e quais
vocês veem isso, se vocês acham que é possível. O os sentidos que o esporte não tem para acessar a
Cristiano, quando fala de estudo, a Paula, que transi- maior parte da população? Quando vemos o modelo
ta pelas duas áreas e está participando ativamente do sistema canadense, pensamos: “É um sistema que
da elaboração de um sistema, como é isso? Nós, e abrange todos e de todas as idades”, enquanto nem
eu vou falar principalmente da análise do compor- o norte-americano, nem o nosso se ele reproduzisse,
tamento que estuda as relações condicionais no ainda assim não alcançaria essas pessoas, então que
comportamento humano, somos uma ciência predi- alcance queremos que o esporte tenha e como pode-
tiva. Acho que temos muito a contribuir quando pen- mos pensar isso, que sentido o esporte é apresenta-
samos na promoção de um direito em larga escala, do para as pessoas e que sentido as pessoas podem
em prever o comportamento das pessoas que vão fazer na sua experiência de prática esportiva. isso fala
acessar esse direito, e estamos muito mais acostu- dos equipamentos esportivos, como é que eles são
mados em pensar a interface da Psicologia e o es- disponibilizados, e eu penso aqui em parques públi-
porte muito mais localizada, muito mais na relação cos, em vias, em mobilidade urbana, também, porque
com o atleta ou com o educando, seja no campo ou acho que isso convida, tudo aquilo que nos convide
com a comissão técnica ou com a equipe interdisci- a se movimentar de uma maneira qualificada e essa
plinar, mas não pensamos na potência da nossa dis- qualificação ela deve ser inventada, não somos nós
ciplina, na potência da nossa profissão, na produção que devemos dizer qual é, e eu digo isso porque acho
em larga e escala de um direito, por exemplo. isso é o que diz respeito também a respeitar as culturas locais
que estou estudando para o meu doutorado e queria e não a levar modelos esportivos ou modelos de prá-
saber um pouco a opinião de vocês também. ticas corporais prontos, mas suscitar e fomentar as
possibilidades e nas diferentes regiões, nos diferen- o Canadá é o que eles chamam de physical literacy,
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tes locais, a prática corporal possa ter lugar, ou seja, que é baseado na fenomenologia p