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cadernos temáticos CRP SP
Conversando sobre as perspectivas
da educação inclusiva para pessoas
com Transtorno do Espectro Autista
XV Plenário (2016-2019)
Diretoria
Presidenta | Luciana Stoppa dos Santos
Vice-presidenta | Larissa Gomes Ornelas Pedott
Secretária | Suely Castaldi Ortiz da Silva
Tesoureiro | Guilherme Rodrigues Raggi Pereira
Conselheiras/os
Aristeu Bertelli da Silva (Afastado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Beatriz Borges Brambilla
Beatriz Marques de Mattos
Bruna Lavinas Jardim Falleiros (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Clarice Pimentel Paulon (Afastada desde 16/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Ed Otsuka
Edgar Rodrigues
Evelyn Sayeg (Licenciada desde 20/10/2018 - PL 2051ª de 20/10/18)
Ivana do Carmo Souza
Ivani Francisco de Oliveira
Magna Barboza Damasceno
Maria das Graças Mazarin de Araújo
Maria Mercedes Whitaker Kehl Vieira Bicudo Guarnieri
Maria Rozineti Gonçalves
Maurício Marinho Iwai (Licenciado desde 01/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Mary Ueta
Monalisa Muniz Nascimento
Regiane Aparecida Piva
Reginaldo Branco da Silva
Rodrigo Fernando Presotto
Rodrigo Toledo
Vinicius Cesca de Lima (Licenciado desde 07/03/2019 - PL 2068ª de 16/03/2019)
Organização do caderno
Valéria Campinas Braustein, Ione Aparecida Xavier, Mirnamar Pinto da Fonseca Pagliuso e Maria Rozineti Gonçalves
Revisão ortográfica
Julie Anne Caldas
___________________________________________________________________________
C755p Conselho Regional de Psicologia de São Paulo.
Psicologia, direitos humanos e pessoas com deficiência. Conselho Regional de
Psicologia de São Paulo. - São Paulo: CRP SP, 2019.
52 p.; 21x28cm. (Cadernos Temáticos CRP SP /nº 29)
ISBN: 978-85-60405-53-4
CDD 157.8
__________________________________________________________________________
Ficha catalográfica elaborada por Marcos Toledo CRB8/8396
Cadernos Temáticos do CRP SP
Desde 2007, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo inclui, entre as
ações permanentes da gestão, a publicação da série Cadernos Temáticos do
CRP SP, visando registrar e divulgar os debates realizados no Conselho em
diversos campos de atuação da Psicologia.
07 Introdução
Valéria Campinas Braunstein
Lilian Suzuki
Valéria Braunstein
Paula Ayub
Autista
Colaboradora do Núcleo Educação e Medicalização (NEM) e do Núcleo Psicologia
e desastres
e Deficiência (NPD) do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo – CRP SP
do Espectro
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) desafio reconhecer as necessidades desses estu-
em emergências
têm sido motivo de investigação nas áreas de saú- dantes e oferecer situações de aprendizagem que
de, educação e assistência social. Com incidência sejam com eles condizentes. No entanto, como as
com Transtorno
aproximada de 1:200 nascimentos, de etiologia ain- crianças têm características diversas dentro de um
da questionável, tal transtorno foi estudado por Leo espectro, há controvérsias sobre qual é o atendi-
Kanner (1943), Asperger (1968) e Wing (1981), que mento educacional mais adequado às especificida-
Psicologia
descreveram as pessoas com TEA como aquelas des das pessoas com TEA. Embora não tenhamos
educação inclusiva
e comunicacional, características essas frequen- qualidade. Os profissionais psicólogos são frequen-
daTemáticos
clínicos, dos tênues aos mais graves. As condições convocados a trabalhar com as famílias, com os
de desenvolvimento na esfera comunicacional apre- professores, junto às escolas, e de modo individual
sentam um descompasso na linguagem expressiva, e grupal com as pessoas que manifestam TEA.
Cadernos
denotando por vezes falas mal compreendidas e/ou
perspectivas da educação
inclusiva para pessoas com
Autista
Psicologia em emergências e desastres
e desastres
do Espectro
Transtorno do Espectro Autista
Psicologia
CRP SP para pessoas em emergências
com Transtorno
Maria Rozineti Gonçalves: Bom dia a todas e to- funcionários que se dispuseram a organizar e
dos. Saúdo e agradeço, em nome da diretoria do mediar as conversas nos polos.
Conselho Regional de Psicologia, ao público, às
pessoas responsáveis pela coordenação e pela Para introduzir o assunto, eu proponho
educação inclusiva
Cadernos Temáticos CRP SP
organização do evento, aos funcionários e aos uma pergunta disparadora, que seria: Qual é
intérpretes de Libras. Este evento é composto a ética que rege o processo de nomeação da
daTemáticos
por dois núcleos temáticos: o Núcleo Educação pessoa com autismo, transtorno do espectro
e Medicalização, coordenado pela Psicóloga Li- autista, educação inclusiva? É relevante refletir
lian Suzuki, que também compõe nossa mesa, sobre tais nomeações a partir de marcadores
Cadernos
e o Núcleo Psicologia e Deficiência, coordena- sociais, econômicos, de etnia, de gênero, dando
Autista
gostaria de perguntar, primeiro, quem são os las, e, como a escola é um direito humano, con-
e desastres
psicólogos, as psicólogas que estão aqui pre- forme as pessoas com autismo começaram a
sentes? Por favor, levantem a mão, só para a frequentá-la, passaram também a serem vistas
do Espectro
gente ter uma ideia. Tá bom. Estudantes? Que como humanos. Pode ser rude essa afirmação,
em emergências
bom, muitos estudantes. Isso é ótimo, né? Isso mas antes disso elas não eram reconhecidas
é muito bom. Eu acho que temos aqui, nesta ma- como tal, então vale a reflexão: como pode uma
com Transtorno
nhã, muito o que discutir, conversar, para, quem sociedade como a nossa excluir do convívio co-
sabe, também transformar um pouco este país. tidiano pessoas que se comunicam de um jeito
Tá bom? Muito obrigada e qualquer coisa o Nú- diferente do que a maioria acha que é certo, do
Psicologia
cleo Psicologia e Deficiência está à disposição que é habitual?
para quem quiser conhecer melhor o trabalho,
educação inclusiva
Rozi: Obrigada, Mirna. Eu finalizo esta tríade comunicação, interação e sociabilidade,
daTemáticos
para a assembleia do dia 11, que fará prestação ocorre minimamente entre duas pessoas. Idem
de contas aos psicólogos sobre todo o traba- para a interação, ou seja, se alguém tem dificul-
lho político e financeiro da atual gestão. Estão dades de interação, também quem está intera-
Cadernos
todos convidados também para acompanhar a gindo com ele o tem, porque não está interagin-
Autista
peitar”. A gente tem crimes com a desculpa do
e desastres
Valéria: Autista ou não autista.
“vamos respeitar”. E os crimes acontecem. Em
Paula: Autista ou não autista, né? Como é relação à adaptação curricular, esta tem que ser
do Espectro
que se conta essas coisas? O que são caravelas. personalizada, não adianta copiar da internet o
em emergências
Então, pressuponho que eu, profissional, tenho modelinho da primeira série, da segunda série
que começar antes, eu peço o material e o pla- e colocar para o aluno de quinta série e dizer
com Transtorno
nejamento em janeiro para as escolas, eu peço que eu estou fazendo adaptação curricular. Não
o anual para ter uma ideia daquilo que a gente funciona dessa forma. Como é que eu faço ele
vai precisar; para trabalhar e construir um reper- aprender esse conteúdo da forma que é possí-
Psicologia
tório tem que dar significado para tudo aquilo vel para ele aprender? Esse é o grande desafio.
para que depois possa contextualizar. Nessa si- Então, eu tenho que cuidar da linguagem, eu te-
educação inclusiva
Cadernos Temáticos CRP SP
bandeira do Brasil e aí você vai repetindo. Isso o HTP, ela obviamente não segura o lápis, não
é só um exemplo de uma das formas, uma das escreve, mas ela lê. É possível, por exemplo usar
daTemáticos
possibilidades de a gente fazer esse trabalho. um rotulador, pois ele imprime imediatamente,
Na escolarização, você tem as pessoas que não então você escreve e põe pra imprimir, então sai
precisam de apoio e você tem as pessoas que uma tira com a palavra que você escreveu. Isso
precisam de apoio. As pessoas que não preci- para a sala de aula é fantástico, porque você
Cadernos
Conversando sobre as perspectivas
sam de apoio talvez precisem de adaptação cur- pode escrever uma frase inteira ali nesse rotu-
ricular. Esse processo é construído em conver- lador, imprime e cola naquele registro. É pos-
sas cotidianas e planejadas com professoras, sível dar conta de algumas trocas, de algumas
coordenadoras. “Bom, esse ano vai ter tal coisa, omissões etc. Quem poderia imaginar que um
tal coisa. Será que vai precisar fazer uma adap- rotulador resolveria tantas questões? Então a
tação curricular? Não sei, vamos olhar, vamos cabeça da gente tem que estar o tempo todo
esperar, vamos ver como vai.” Às vezes basta funcionando no “o que serve pra essa pessoa?”,
o professor mudar a dinâmica da sala de aula, “o que vai ajudar essa pessoa?”
oferecendo essas contextualizações. Eu fico di-
zendo que a entrada da pessoa com autismo na Eu comecei com a Rede Solidária, que é
escola vai fazer a escola mudar, acho que é o contar com os alunos em sala de aula que são
nosso gancho de fazer uma escola de qualidade um pouco mais velhos, é contar com os alunos
agora. Porque, embora eu esteja lá para defen- do ensino médio, é contar com a própria esco- Cadernos Temáticos CRP SP
der e falar da pessoa com autismo, eu falo da la, e dividir: como é que a gente conversa sobre
educação de um modo geral, a gente precisa ir isso, como é que a gente faz? Um dos trabalhos
em frente. E para aquele que está sem apoio, é identificar o potencial de cada um deles den-
que fica lá no canto sozinho, não sai pro recreio, tro de sala de aula. Eu fiz isso em quatro colé-
ou se sai pro recreio fica andando e se balan- gios, eu tinha de 10 a 15 minutos por semana
çando e todo mundo passa e as coisas aconte- nas aulas lá de OE, de Orientação Educacional,
cem, eu faço um Apoio Social que é a construção então eu falava de inclusão. A assessora de lín-
de uma rede dentro da escola, de jovens que vão gua portuguesa chegou e falou assim: “O que
oferecer suporte para essas pessoas. acontece na unidade tal e na unidade tal, que
esses alunos atingiram a metalinguagem? Eles
A gente também tem que cuidar do cuida- estão com uma interpretação maravilhosa, eles
dor, do educador e dos alunos. Aí é que eu entro estão com um rendimento fantástico, a escrita
com a questão do início da formação da rede so- deles melhorou e a unidade tal...”; então, o que
lidária. A gente precisa fazer esse trabalho e dar é bom para a inclusão é bom para todo mun-
do. Isso precisa ficar muito claro, todo mundo tos repetitivos”. E os pediatras, por mais boa
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cresce, todo mundo ganha. Eu tinha milhões de vontade que eles tenham, também não têm uma
coisas mais para falar para vocês, mas é um re- formação específica, e dizem: “Ah, mas está na
corte, é um pouquinho. Eu vou deixar os meus curva, uns falam cedo, outros falam tarde e tal”.
contatos, estou à disposição para escrever, E aí você começa um grande caminho de diag-
para tirar dúvidas, para contar mais histórias. nóstico. E se você for fazer um recorte para o
Muito obrigada. Brasil, eu me considero privilegiada, porque eu
estou em São Paulo – apesar de ter nascido no
Valéria Braunstein: Muito obrigada, Paula.
Rio –, eu estou em São Paulo, eu convivo com
Sei que você teria muito mais para dizer tam-
outras mães, a gente troca ideias por grupos.
bém. Essa possibilidade de intervenção na es-
cola, eu acho que é fundamental que a gente Gente, vocês não têm noção do que é a fal-
possa ter. Também desenvolvo, lá no Núcleo ta de informação, do que é a falta de profissio-
Mosaicos, um trabalho na escola, em que faze- nal, do quanto é confuso para uma mãe e para
mos observação na sala de aula reconhecendo um pai. E em São Paulo também, gente, porque
e entendendo a rotina dessas crianças e do pro- assim, são N correntes, são N profissionais
fessor, e isso ajuda demais. Isso é feito algumas e são N bolsos, entenderam? Porque não tem
vezes por semana, dependendo da época, não é uma política definida. Então, uma pediatra teve
constante, dependendo da demanda da família sensibilidade e nos indicou para uma fonoaudi-
e da demanda da escola. O objetivo é observar óloga, o nome dela é Cida Bessa. E ela teve uma
a metodologia, a relação com a criança e entre delicadeza, porque ela tinha uma experiência de
as crianças, e depois nos encontramos com anos, ela, com certeza, bateu o olho e percebeu,
pais – e com a escola – para poder repensar o mas não disse nada efetivamente, no entanto
trabalho com essa criança, porque, de fato, ele ela foi nos guiando: “Olha, não vamos rotular de
é um trabalho individualizado. E aí nós trouxe- nada, ele está com dificuldade de fala, deixa eu
mos a Andrea, que vai falar um pouquinho da observar”. Aí, depois de algumas sessões, ela
vida dela, do Gigi e do Renato, enfim, de como falou assim: “Olha, acho que você devia procu-
tem sido essa questão. rar um neuropediatra”, falei “Tá bom”. E aí você
fica completamente no escuro, porque você não
Andrea Souza Pontes Natal: Bom dia, gente. sabe o que o seu filho tem. Você só sabe que
Eu não fiz apresentação, porque eu vou dar um de- ele está agitado, que ele corre para lá e para
poimento. Assim, eu não tenho a menor pretensão, cá, que ele não ouve o que você está falando, e
e não tenho nada da capacidade técnica delas, en- não tem isso no livro, não tem isso no manual.
tão vocês vão ouvir uma mãe, tá? Hoje, eu não vim Então, aí a gente levou para o neuropediatra, e
como profissional, vim como mãe. E também uma aí começam os maus exemplos.
coisa, eu até falei pra Valéria: os exemplos positi-
Gente, não é que todo profissional reno-
vos, eu vou fazer questão de dar nome, mas dos
mado foi ruim na minha vida, mas todos foram,
negativos, eu não vou dizer, mesmo que depois vo-
viu? Então, os renomados e tal, “olha, esse cara
cês venham me procurar, porque eu acho que não
aqui é fera, famoso, ‘nanana’” vai lá. Eu entrei
vale a pena a gente propagar o que não é legal. Eu
com o Giovani, ele tinha uns dois aninhos, eu
dividi em três partes o meu depoimento. O primeiro
entrei no consultório dele, e eu juro para vocês,
é a fase do diagnóstico.
gente, ele nem me olhou, ele falou assim: “Ele é
A gente nunca imagina que pode ter um autista mesmo, eu só preciso dos exames dele
filho autista. Primeiro porque isso não aparece, pra saber que grau ele tem”. Foi assim que eu
isso não aparece na gestação, isso não aparece descobri que o meu filho podia ser autista. E aí,
no ultrassom, isso não aparece em nada. E aí gente... Eu amo meu filho, gente, porque olha,
seu bebê nasce saudável, bonitinho, com todos de repente, ele estava falando isso para mim e
os dedinhos e tal; e aí ele começa a ir para a voou um brinquedo ((risos)). Depois que eu fui
creche, você vai trabalhar e aí de repente: “Nos- entender, eu falei “valeu, Giovani” ((risos)). E aí
sa, ele é agitado”; “Nossa, ele tem uma coorde- eu saí e fui procurar o que ele me recomendou.
nação motora incrível”; “Nossa, nossa”. Aí você: “Então, você vai fazer um exame no cérebro,
“Nossa!”. Aí daqui a pouco... “Nossa, a gente você vai fazer um teste para saber se ele é sur-
chama o Giovani e ele não atende”; “Nossa, o do, e você vai fazer uma avaliação neuropsico-
Giovani fica num canto fazendo uns movimen- lógica.” Lá fomos nós. Isso porque antes, meu
pai era vivo ainda, ele falou assim: “Esse menino gente?”. E aí você começa a procurar quais são
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tem alguma coisa especial, porque ele sobe em as referências, eu comecei a ler livros e tal.
tudo, porque ele pega na mamadeira sozinho,
Aí vamos para as escolas renomadas. Eu
não sei o quê”, e resolveu levar ele num neuro-
fui visitar uma escola que era para crianças es-
pediatra famosíssimo lá no Rio de Janeiro. E aí
peciais, e eu lembro que eu fui com meus pais.
ele disse assim: “Eu não sei se seu filho é autis-
Eu olhei aquilo, e aí a minha mãe falou assim:
Autista
ta ou não, não sei definir. Então vamos fazer por
e desastres
“Isso aqui não é lugar pro Giovani”; e eu falei
descarte”. E aí eu aprendi, pelo menos foi assim
“Não, não é”. Vamos procurar mais. E nisso ele lá
comigo, que foi um diagnóstico por descarte.
do Espectro
na creche, e a creche perdida; “ah, mas ele é tão
Aí você leva o seu filho no hospital, vê ele bonzinho”, “ah, mas fica no cantinho”. E aí você
em emergências
ser sedado, é tão bonito, aí os médicos falam pensa, “meu Deus, o que eu vou fazer, o que que
assim: “Agora pode sair”; seu filho sedado, aí eu vou fazer, o que que eu vou fazer?”. E ele fa-
com Transtorno
você chora, né? “Ah, não é surdo.” Aí você co- zendo fonoaudiologia. Aí liguei para as escolas
meça a torcer, não sei se eu quero torcer para renomadas: “Ai, mãe, sabe o que é? A gente não
ele ser surdo, eu não sei se eu quero torcer para está preparado para receber o seu filho”. Você
Psicologia
descobrir o que ele tem. Aí depois ele foi para sabe que é contra lei a pessoa falar isso para
educação inclusiva
Tá bom. Aí nós fomos para a avaliação neurop- mãe, aquela barraqueira, processou a escola...’”.
daTemáticos
comigo e com o meu marido, depois observou o escolinha sem nome não, e sim de escolas bem
Giovani, depois ela foi na escola. E aí ela voltou renomadas. E aí você volta pro “e agora, o que
para a gente e falou assim: “Olha, eu não posso é que eu vou fazer, o que que eu vou fazer?”. A
Cadernos
dar o diagnóstico”, mas ela desenhou tudo, né? gente se sente muito perdido, porque a gente
Autista
se dana para poder oferecer o melhor pra ele,
e desastres
Quando uma pessoa se alfabetiza, ela tem
mas tem muitos pais que não têm. Então eu
um outro selo, ela passa a ocupar um lugar so-
faço alguns trabalhos voluntários e um dia eu
do Espectro
cial diferente. Mas eu acho que um grande mar-
fui num abrigo e tinha um menino com Down e
co pro Gigi, além de correr muito – hoje em dia
em emergências
autismo. E antes de eu apedrejar a mãe, eu fi-
ele não corre mais tanto ((risos)) –, foi quando
quei pensando: “Imagina uma mãe, em uma linha
ele percebeu que as pessoas estavam correndo
com Transtorno
de pobreza, sem informação, sem acesso, o que
atrás dele, porque ele parava e olhava para trás
ela faz com uma criança com autismo e Down?”.
esperando. Então a brincadeira começou a ser
E aí, durante os anos, a gente foi vendo que o
compartilhada e a interação passou a acontecer
Psicologia
abrigo acolheu ele. Também, de novo, não tinha
de fato. O segundo grande marco foi quando ele
técnica, mas tinha boa vontade. Acolchoaram o
educação inclusiva
ele já estava lendo, isso é muito bacana e ele
daTemáticos
Então, o que eu penso é eu fiquei perdida e a ocupar um lugar de estudante, e as pessoas
eu fui buscar, mas imagina o monte de mãe que passaram a enxergá-lo também de um outro
já tem que conviver com uma série de coisas, de modo. Isso é muito bom. Muito obrigada, Andrea.
Cadernos
pobreza, falta de emprego, falta de uma série de
Autista
era estudar o brincar, outra coisa era verdadei- torneira, subiu, entrou na sala. Eu não faria des-
e desastres
ramente brincar – e foi com aquele menino que se jeito, tá certo? Mas ela o fez, e foram os ca-
eu aprendi a brincar. Mas tinha uma questão: no minhos que ela encontrou.
do Espectro
final dos encontros, ele queria levar todos os
A segunda professora, falou: “Esse meni-
em emergências
carrinhos para casa, principalmente o carrinho
no vai registrar, porque com essa capacidade
de fricção que era um Fusca verde – olha como
motora...”; e eu: “como assim?” – ele andava
com Transtorno
eu não me esqueci! – que abria as duas porti-
de perna de pau na escola, eles brincavam, ela
nhas. E eu pensava: “Ele não pode levar esse
desconfiava. Mas eu falei: “Você tem razão, eu
Fusca. Isso não! Não é assim que se faz os com-
também acho”; e ela falou: “Então, vamos fazer
Psicologia
binados?”. Mas, eu temia dizer não, porque me
o seguinte, Andrea, um dia eu vou no ateliê, por-
disseram que, se dissesse não, ele caía no chão.
educação inclusiva
do termina a atividade, eu peço a algumas das
daTemáticos
o carrinho, ele vai se jogar no chão, a mãe está lá
atividade”. E ela continuou: “Eu me dei conta de
fora, eu não quero que a mãe veja isso...”. Bom,
que eu nunca pedi para o menino. Então, vamos
era um inferno, em síntese, era um inferno.
combinar, o dia que você vier aqui, eu vou fa-
Cadernos
zer uma atividade no ateliê e aí gente pede pro
Autista
feito formação com gestores, eu cuido direta- ta, eu conto no dedo, até para ajudar; conta no
e desastres
mente da formação semanal dos professores dedo, se lembra de quantos anos te separam
do Atendimento Educacional Especializado, e daquele sujeito. E de ontem, uma das frases
do Espectro
vou trazendo outras pessoas especialistas em mais bonitas que eu ouvi, foi: “Nos dois momen-
em emergências
outras coisas para discutir essa questão. tos intensos de crises do aluno, ele agrediu os
adultos, quebrou objetos, porque não gosta de
Ontem, iniciamos em Franco as rodas de
com Transtorno
ser contrariado. Porém, após as crises, ele se
conversa em que trago uma psicóloga, psica-
deitou no chão e abraçou o adulto que estava
nalista que tem experiência no trabalho com
próximo”. Se algo desse porte não serve para
as crianças autistas, para compor junto comi-
Psicologia
nos sensibilizar, eu fico me perguntando que
go, e assim as histórias vão se tornando mais
mundo é esse que nós estamos clamando?
educação inclusiva
cializado reunidos para a discussão da história tante para a gente pensar na escola, porque
daTemáticos
sumir que nós temos certos assombros, que só Tem uma prefeitura por conta disso, tem uma
vamos resolver se nós nos unirmos. rede de apoio nessa prefeitura, e o depoimento
da Andrea ressalta a necessidade dessa rede
E eu vou terminar aqui, mas há um livro
Cadernos
de apoio, porque os professores, eles... as es-
Autista
em alguns momentos a gente diz pessoa, pes- a vibrar não pelo que ele deveria estar fazendo,
e desastres
soa com transtorno com sofrimento psíquico mas pelo o que ele conseguir fazer. E sempre
intenso ou com Transtorno do Espectro Autista. tem muito isso, é o luto, é a negação. Isso vai
do Espectro
Eu acho que o trabalho desenvolvido, embora acontecer. O que eu aconselharia – como mãe,
em emergências
haja falas mais específicas quando tem um tra- porque eu não vou poder aconselhar como pro-
balho direcionado à educação infantil, Fund. 1 fissional – é ela procurar outras mães, porque
com Transtorno
etc., a gente está falando de qualquer pessoa, isso dá muito acolhimento para a gente. Porque
em qualquer nível de ensino. Até porque, vem primeiro você começa a desmistificar coisas
uma outra questão aqui, que eu só vou ler para como... “Ele vomitou” – tá, e aí? Podia ser au-
Psicologia
juntar e a gente responde, que é a seguinte, tista, não autista, ele ia vomitar também. “Ah,
vinda por rede: “Bom dia a todos, meu nome é ele está fazendo birra”. E? “Ah, mas ele se joga
educação inclusiva
Cadernos Temáticos CRP SP
para mim é a mesma coisa – “que estão no es- então você tem que ter uma decisão. E é uma
pectro. Gostaria de saber das expositoras o que decisão muito dura. Porque isso está dentro de
daTemáticos
elas têm a dizer sobre isso e que alternativas mim sempre. Você vai ter que fazer a escolha de
podem ser propostas para autistas adultos que ou eu jogo ele para o mundo e aí é um mundo
não tiveram este modelo de educação?”. que tem preconceito, que tem bullying, que você
vai ver seu filho chorar, você vai ver seu filho
Cadernos
Valéria: Eu acredito que o modelo de edu-
Autista
venção, a gente faz uma proteção. Tudo o que
e desastres
a gente tem que solicitar de novo. Porque há
é diferente é odiado, é detestado, é execrado;
pessoas muito comprometidas com esse traba-
nós podemos então oferecer uma rede de afeto
do Espectro
lho, e eu acho que, se a gente não se unir, as
e de compreensão pela diferença nas salas de
coisas ficam muito difíceis. E existe um serviço
em emergências
aula, estamos falando de empatia mesmo, de se
organizado, então a gente precisa acionar. Se
colocar no lugar do outro e poder dizer. Então, o
chamou e não veio, a gente vai chamar de novo,
com Transtorno
que vocês duas puderem usar da rede solidária
a gente vai até lá. Não sei como é que a gente
e oferecer, frases como: “Gente, não precisa ter
se organiza dentro dos espaços. Mas eu acho
dó, não”, é válido, né? “Veio até aqui, consegue,
que é importante dizer: tem um serviço organi-
Psicologia
vai mais para frente, se chorar um pouquinho, a
zado e esse serviço precisa ser chamado. Claro
gente consola.” A gente não escuta um monte
educação inclusiva
bém é difícil. Mas eu acho que tudo já foi dito e
daTemáticos
que já foi feito, sabe? Por isso é que eu acredito
Andrea Souza: Eu ia até falar isso, porque,
tão fortemente no papel do registro, de fazer
de novo, eu tive muita sorte, mas já tive tam-
uma linha do tempo com as coisas que foram
bém criança que quando eu falava “Você não vai
Cadernos
acontecendo. Tem coisas que não foram en-
Autista
diferente... Principalmente nesse negócio de grupo to específico de aprender, e a gente vai ter que,
e desastres
de WhatsApp, às vezes você pega o que elas falam de fato, como docente – eu também sou docente
ali e, gente, não tem cabimento. Então elas preci- –, tentar estar mais presente. O problema maior –
do Espectro
sam ser educadas sobre isso, para não fazer com penso eu –, que está por trás de toda essa ques-
em emergências
que as crianças tenham um preconceito que elas tão educacional, é um sistema político que nós
não têm, não existe. temos extremamente excludente, que trabalha
com Transtorno
tentando capacitar o outro para isso ou aquilo,
Andrea Souza: Olha, não é só mãe de crian-
como se nós fossemos objetos que se treina, né?
ça não autista, as mães de autistas também têm
Que a gente treina para ser isso, treina para ser
isso. Eu, às vezes, me sinto até excluída do grupo,
Psicologia
aquilo, tem que adquirir conteúdos, esses, esses,
porque as discussões são do tipo: “faz ABA, não
aqueles outros. E eu brinco com meus alunos de
educação inclusiva
como têm profissionais e profissionais. Você vai
daTemáticos
que dá! Vocês leram o texto de hoje?”; “Não, não
nhum. E o que eu também aprendi, tanto com as
lemos”; “Vocês fizeram o relatório que precisava
terapias quanto na escola, é assim: trata normal
fazer?”; “Não, não fizemos”; Então não precisa ser
a criança; fez besteira, fez besteira, fala: “Olha,
alfabetizado para ser psicólogo!”. Ok?
Cadernos
você não pode bater no seu amigo mesmo, é feio”,
Autista
o que que a gente pode fazer para ajudá-la a não porque ele é autista”. Não. Pode ser simplesmen-
e desastres
puxar o cabelo?” E aí você toma a rede toda para te porque é uma criança. E aí eu gostei muito da
pensar junto, porque era uma menina não verbal, fala do William, porque é isso, eu acho que, se eu
do Espectro
puxava direto... Uma delas disse assim: “Eu acho posso deixar um recado, é isso: a gente precisa
em emergências
que ela quer que eu olhe pra ela”; “E o que você se unir para fazer a informação circular, porque
acha que você pode fazer?”; “Quando eu chegar, todo mundo está no mesmo barco. Eu sei que tem
com Transtorno
eu posso virar e falar ‘bom dia’ e perguntar se ela opiniões mais radicais, outras menos, até entre
quer conversar”. Então, é isso. E é sempre com os próprios pais, mas eu acho que o que falta é
todo mundo, né? Enfim. Sobre as escolas, eu acho informação. Estou falando do meu capítulo, como
Psicologia
que cada pai escolhe o caminho. A gente, como mãe, falta muita informação. Então, eu acho que
profissional, pode indicar este, aquele... Bom, de- se a gente se unir, fizer a informação circular, mui-
educação inclusiva
Cadernos Temáticos CRP SP
escolhe o seu caminho. Para mim não tem receita. princípios que eu mais gosto, e que eu acho que
Eu acho que se é bom para você esse, que bom, a gente precisa aprender a navegar, que a igual-
daTemáticos
que tudo dê certo, e tem coisas que dá certo sim dade e o direito à diferença. E eu vou lembrar da
pra esse, para aquele, para aquele, para aquele, e minha filha... Ela falou que não era para eu con-
a gente precisa aprender a respeitar, e aí eu me tar a história dela, mas como ela não está aqui,
recolho como profissional, entende? Eu posso ser eu vou contar. Vocês não contem para ela que eu
Cadernos
Conversando sobre as perspectivas
empática, eu posso oferecer isso e isso, “mas a contei, tá? Uma vez, ela estava em casa e ela fi-
escolha é sua e eu me recolho como profissional”. cava falando assim: “Fulano é louco, ciclano é lou-
co, fulano é louco, ciclano é louco”; e eu, no lugar
Andrea Souza: Bom, gente, eu queria agra- às vezes da mãe e às vezes da pedagoga chata,
decer, eu acho que eu aprendi mais do dividi hoje. falava: “Marina, que história é essa, ficar chaman-
Mas eu esqueci de comentar quanto ao papel da do as pessoas de louco, louco, louco?”. Ela virou
escola. Logo que o Giovani começou na Supera- e disse: “Ué, mãe, louco é quando a cabeça da
tivo, o meu marido, que foi na primeira reunião, gente não se comporta direito”. Então, eu acho
ficou até assustado, porque a diretora passou de que em determinados momentos é isso para todo
sala em sala, nas reuniões de pais, para contar mundo, não é? A questão é que a gente precisa
uma história que tinha um aluno com síndrome de entender um pouco mais do nosso próprio funcio-
Down e o outro coleguinha virou para ele e falou namento também, para se aproximar um pouco
assim: “Meu pai falou que eu não posso brincar dos funcionamentos do outro, que não são iguais Cadernos Temáticos CRP SP
com você, porque você é tan-tan”. A diretora fez ao nosso. E esse é um compromisso dessa escola
questão de passar de sala em sala de pais falan- contemporânea, do qual nós ainda estamos mui-
do assim: “Nós não vamos admitir esse tipo de to distantes. Então, eu acho que nós precisamos
postura aqui”. Então a escola acabou tomando caminhar. E é bonito ver inovações, né? Que são
uma posição. Meu marido chegou bem assustado pequenas inovações, viu, gente? São pequenas,
em casa, mas ao mesmo tempo eu falei: “Poxa, mas se nós formos construindo essas pequenas
que bom que a escola assumiu essa posição, en- inovações, nós vamos garantir que a igualdade é
tão ela realmente quer ser inclusiva”. Não estou o direito à diferença. Muito obrigada.
dizendo que é porque é síndrome de Down, ou
que é autista. O que seja! Outro dia o meu filho Valéria: Muito obrigada pela manhã pro-
chegou e chegou a informação para mim, por- dutiva, agradeço pela presença de todos, virtu-
que o Giovani chutou a colega. Vamos entender, almente e presencialmente. E que a gente pos-
chutou por quê? “Ah, porque ela queria tirar o ne- sa continuar colaborando uns com os outros,
gócio dele, não sei o quê.” Então, é preciso tirar obrigada e até logo.
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