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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

GABRIEL DANTAS MONTEIRO

ANÁLISE SOBRE O MONOPÓLIO EUROCÊNTRICO DO CONHECIMENTO NAS


UNIVERSIDADES E SUAS IMPLICAÇÕES
GABRIEL DANTAS

ANÁLISE SOBRE O MONOPÓLIO EUROCÊNTRICO DO


CONHECIMENTO NAS UNIVERSIDADES E SUAS
IMPLICAÇÕES

Texto dissertativo-argumentativo apresentado como


forma de avaliação da disciplina Psicologia Social I
na Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Orientador: Ricardo Dias de Castro

SALVADOR

2023
1. Introdução
O espaço universitário contemporâneo é, principalmente no Brasil, cada vez
mais diverso, o que permite que as vozes de pessoas-não brancas sejam fortes influências no
ambiente das universidades, contribuindo para a formação de um ambiente acadêmico mais
igualitário. Contudo, o conhecimento utilizado como fonte para o ensino universitário é quase
exclusivamente de origem europeia, ou americana, sendo os estudiosos responsáveis por sua
criação majoritariamente brancos. Este contexto constrói a ideia de que a Europa e os Estados
Unidos são, e foram, os únicos centros intelectuais do mundo, não existindo sabedoria nos
lugares do mundo.

O monopólio eurocêntrico pode ser explicado através de dois pontos de vista;


histórico a partir da análise do genocídio europeu que afetou os continentes africano, asiático
e americano; e social, por meio da constatação de quem ocupa os lugares de primeiro escalão,
os quais tem poder de decidir o que será ensinado, nas universidades.

2. Genocídio Europeu e apagamento do conhecimento produzido pelos povos asiáticos,


africanos e americanos

É notável a marca física que o projeto de dominação europeu deixou na África,


Ásia e América, tanto no colonialismo das grandes navegações nos séculos XV e XVI,
quanto no neocolonialismo imperialista ao longo dos séculos XIX e XX, causando a morte de
milhões de nativos desses continentes e escravizando os que sobraram, além de impor seu
projeto de dominação cultural norteado no Cristianismo.

Especificamente, o colonialismo e o neocolonialismo foram responsáveis pelo


apagamento de grande parte da cultura fabricada nesses continentes, inclusive aquela voltada
a áreas do conhecimento, o que aconteceu em razão da noção de superioridade em relação
outros povos incrustada no pensamento do europeus colonizadores da época, os quais
acreditavam ter o dever de “civilizar” os africanos, asiáticos e americanos. O sociólogo
porto-riquenho Ramón Grosfoguel em seu artigo “A estrutura do conhecimento nas
universidades ocidentalizadas: racismo/sexismo epistêmico e os quatro
genocídios/epistemicídios do longo século XVI” classifica como marcos de epistemicídio
(“asssasinato” em massa de conhecimento) do conhecimento produzido por povos
não-brancos no século XVI o genocídio contra; judeus e muçulmanos na conquista de
Al-Andalus, povos indígenas do continentes americano e contra aborígenes na Ásia; contra
africanos aprisionados em sua terra natal e depois escravizados na América; e contra mulheres
indo-europeias que transmitiam o conhecimento na Europa, que foram queimadas sob a
justificativa e praticar bruxaria.
A conquista de Al-Andalus se caracterizou pela limpeza étnica, a qual foi
efetuada por meio de massacres, realizada pela monarquia espanhola cristã contra o Califado
de Granada, que era formado majoritariamente por judeus e muçulmanos, sob o discurso de
“pureza de sangue”, sendo que os sobreviventes foram obrigados, mediante pena de perder
suas vidas, a se converter ao cristianismo. Este cenário, como Grosfoguel expressa em seu
artigo levou a “A destruição massiva da espiritualidade e do conhecimento islâmico e judeu
mediante o genocídio levou à conversão forçada (genocídio cultural) dos judeus e
muçulmanos que decidiram permanecer no território (Barrios Aguilera, 2009; Kettami, 2012).
Ao se converter os muçulmanos em mouriscos (muçulmanos convertidos) e os judeus
emmarranos (judeus convertidos), destruiu-se sua memória, seu conhecimento e sua
espiritualidade (genocídio cultural). Isso era uma garantia de que os futuros descendentes de
marranos e mouriscos nasceriam completamente cristãos, sem rastro da memória de seus
ancestrais.
Na conquista das Américas, os métodos exterminadores e evangelizadores
foram reutilizados mas, dessa vez, direcionados aos povos indígenas nativos. Ao chegar na
América, Cristóvão Colombo classificou os nativos como “povos sem religião”, o que
representou o primeiro passo para o florescimento do racismo religioso, pois, nesse caso, sem
religião não importaria ateísmo, mas sim “povos sem alma”. Esta diferenciação fica clara no
trecho seguinte trecho do artigo de Grosfoguel: “O debate tornou os “povos sem religião” em povos
“sem alma”. Este discurso racista colonial causou um efeito que redefiniu e transformou o imaginário dominante
do tempo e os discursos discriminatórios medievais. O conceito de “pureza do sangue” adquiriu novo
significado. A “pureza do sangue” não era mais uma tecnologia de poder para submeter pessoas com ancestrais
muçulmanos ou judeus na árvore genealógica, com o objetivo de garantir que ele/ela não estivesse fingindo a
conversão,como no século XV, durante a conquista de Al-Andalus. O significado de “pureza do sangue” depois
da conquista das Américas, com a emergência do conceito de “povos sem alma”, fez com que a questão deixasse
de ser sobre confessar a “religião errada” e passasse a ser sobre a humanidade do sujeito praticante da “religião
errada”. Portanto, o racismo de cor não foi o primeiro presente nas Américas, sendo que o
racismo religioso fez com que o imaginário do colonizador classificasse tudo aquilo oriundo
dos indígenas como inferior, o que impulsionou o epistemicídio do conhecimento.
Esses marcos de epistemicídio do conhecimento, como apontados por
Grosfoguel, representam uma tentativa de controlar o conhecimento e a cultura como meios
de consolidar o poder e a dominação. Analisar alguns desses eventos é fundamental para
compreender o impacto duradouro do colonialismo e neocolonialismo na estrutura do
conhecimento nas universidades, visto que o epistemicídio produzido por povos não-brancos
inviabilizou a disseminação desse conhecimento e consequente formação de uma tradição que
o colocasse como exemplo de fonte epistemológica.
3. Papel dos cargos de primeiro escalão na universidade para o fim do monopólio de
conhecimento eurocêntrico
Naturalmente, para que seja alcançada uma estrutura de conhecimento mais
diversa nas universidades, é necessário que uma fatia daqueles responsáveis por transmiti-lo
aos alunos não sejam brancos, pois estes certamente irão buscar ir além daquele conhecimento
consolidado como padrão, apresentando aos discentes fontes provenientes de pensadores
não-brancos. Porém, na prática o que ocorre é o contrário, porque, de acordo com pesquisa do
Instituto Semesp, o percentual de professores que se declaram negros ou pardos nas
Universidades privadas e públicas é de, respectivamente, 22.6% e 24,7%. Por isso, fica claro
que o retrato da desigualdade não é exclusivo da epistemologia nas faculdades brasileiras.
4. Como diversificar a estrutura do conhecimento nas universidades?
Primeiramente, deve ser realizada uma revisão das ementas de todas as
disciplinas para incluir leituras e autores representativos de epistemologias não-brancas. O
segundo passo é implementar políticas de contratação que busquem aumentar a diversidade
do corpo docente, como a fixação de uma reserva para professores negros e pardos, por
exemplo. Além disso, as universidades devem oferecer a possibilidade de desenvolvimento
profissional aos professores, a fim de capacitá-los a incorporar um conhecimento mais diverso
em suas metodologias de ensino. Por último, a promoção de palestras, conferências e
congressos que enfatizem as contribuições de estudiosos não-brancos é outra forma de diluir o
monopólio do conhecimento eurocêntrico nas universidades.

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