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SAÚDE E AMBIENTE

ISSN IMPRESSO 2316-3313


ISSN ELETRÔNICO 2316-3798
DOI - 10.17564/2316-3798.2015v4n1p9-17

O HOSPITAL É O LUGAR DA SAÚDE? A PSICOLOGIA DA SAÚDE FRENTE


AO PROCESSO SAÚDE-DOENÇA

Dafne Ceres Silva1 José Rodrigues Rocha Junior2

RESUMO
Este trabalho discute a inserção da Psicologia no o modelo biopsicossocial utilizado pela Psicologia
ambiente hospitalar e especificamente, a atuação da Saúde para discutir a atuação do psicólogo nas
da Psicologia da Saúde frente ao processo saúde instituições de saúde. Em Face da principal discus-
e doença. Destacamos o surgimento do hospital e são sobre o saber fazer do psicólogo da saúde nas
as relações de poder/saber suscitadas no seu in- instituições de saúde, tentaremos ser propositivos
terior. Abordamos o processo de adoecimento sob quanto às novas perspectivas para a Psicologia da
a perspectiva da Saúde Coletiva, considerando- Saúde no ambiente hospitalar.
-o como um processo vinculado às condições do
meio e baseado na multifatorialidade. Da mesma Palavras-chave
forma, analisamos a adoção do modelo biomédico
como paradigma para a inserção da psicologia no Hospital. Psicologia da Saúde. Modelo Biomédico.
ambiente hospitalar. Utilizamos a visão integral e Modelo Biopsicossocial. Processo Saúde-doença.

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ABSTRACT
This paper discusses the introduction of Psychology sive vision and the biopsychosocial model used by
in the hospital environment and specifically the work the Health Psychology to discuss the psychologist
of the Health Psychology against the health and di- in health institutions. In the main discussion on the
sease. We highlight the hospital’s appearance and knowledge of the health psychologist in health insti-
relationships of power / knowledge raised inside. tutions face, we try to be purposeful about the new
We approach the process of falling ill from the pers- perspectives for Health Psychology in the hospital.
pective of public health, considering it as a process
linked to environmental conditions and based on the Keywords
multifactorial. Likewise, we analyze the adoption of
the biomedical model as a paradigm for psychology Hospital. Health Psychology. Biomedical Model. Biop-
insertion in the hospital. We use the comprehen- sychosocial Model. Health-Disease Process.

RESUMEN
Este artículo discute la inserción de la Psicología en y el modelo biopsicosocial utilizado por la Psicología
el ámbito hospitalario y en concreto, el papel de la de la Salud para discutir el papel del psicólogo en las
psicología de la salud en el proceso de salud y en- instituciones de salud. Delante de la discusión princi-
fermedad. Resaltamos el surgimiento del hospital y pal sobre la experiencia del psicólogo de la salud en
las relaciones de poder/conocimiento planteadas en las instituciones de salud, nos convertimos a ser pro-
su adentro. Abordamos el proceso de la enfermedad positivos por las nuevas perspectivas para la Psicolo-
desde la perspectiva de la Salud Colectiva, conside- gía de la Salud en el ámbito hospitalario.
rándolo como un proceso vinculado a las condiciones
ambientales y con base al multifactorial. Del mismo Palabras clave
modo, se analiza la adopción del modelo biomédico
como paradigma para la integración de la psicología Hospital. Psicología de la Salud. Modelo biomédico.
en el ámbito hospitalario. Utilizamos la visión integral Modelo Biopsicosocial. Proceso Salud-enfermedad.

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1 INTRODUÇÃO “sãos”. Esse olhar sob a lente do “zeitgeist” é impres-


cindível, considerando que: “[...] o conhecimento da
Ao adotar uma perspectiva terapêutica, o ambien- história pode trazer ordem à desordem e produzir
te hospitalar irá requerer a intervenção de profissio- sentido a partir do caos; permitindo enxergar o pas-
nais das mais diversas áreas, a fim de melhor apreen- sado com mais clareza e explicar o presente.” Nas
der o processo saúde-doença. O ambiente hospitalar palavras de Schultz e Schultz citado por Chiattone
então é composto de uma gama de profissionais, cujas (1992, p. 20 APUD CAMON, 2006, p. 80).
áreas de atuação não estão restritas à área de saúde, Contudo, é inegável a influência que o ambien-
a exemplo do serviço social. Além dos profissionais te hospitalar detém sobre esses conceitos, uma vez
que atuam no ambiente hospitalar, também, se con- que os profissionais de saúde ali referidos são tidos
figuram como atores, os indivíduos que se servem dos como os detentores do saber/poder capaz de identi-
serviços oferecidos no hospital, se estendendo ainda ficar e normatizar a saúde e a doença. Analogamente
essa atuação para os familiares desses que são ditos às palavras de Focault (1966), diríamos que o funcio-
convencionalmente “pacientes”. namento estatutário age como um filtro sobre o grito
Cada um desses atores representa um olhar que é oriundo da dor do individuo, que vivencia o processo
lançado sobre o processo saúde-doença. O que temos saúde-doença; permitindo que se ouça apenas a parte
então? Vários olhares a partir de diversas perspecti- inteligível e ininteligível do discurso. A forma grito da
vas, que se constituem não apenas da ciência, como dor teria se tornado inacessível devido ao filtro do sa-
do senso comum; da teoria e da prática; do singular e ber instituído. Não há como descrever a dor do outro,
particular, do plural e público; olhares de agora com apenas aquele que sente e vivencia a dimensão de sua
olhos de ontem. Considerando que os conceitos teóri- própria dor. Numa tentativa de conceituar a dor, ire-
cos são construídos paulatinamente, a partir de uma mos ser confrontados por seu caráter subjetivo.
prática desenvolvida ao longo do tempo; e que, con- A dor é um detalhamento de subjetividade em binô-
densam no hoje, ideias construídas em tempos an- mio indivisível com a objetividade da própria fisiologia
teriores. Portanto, dessas afirmações e indagações, humana. E isso, por si, já determina padrões de compor-
emerge, a questão dos conceitos saúde e doença. tamentos que não serão estanques, nem sequer tangí-
Consonante afirma Bernardes, Guareschi e Medei- veis de serem enquadrados em qualquer lógica que não
ros (2005, p. 264): contemple essa subjetividade (CAMON, 2012, p. 16)
Todos os métodos de observação cientificamen-
Desse modo, quando elegemos determinado objeto, te construídos não têm sido suficientes para cons-
como, neste caso, a saúde, não o fazemos de qualquer truir caminhos de acesso à dor, ao sofrimento desse
lugar – nós o tomamos a partir daquele território no
qual aprendemos a olhá-lo. A saúde, então, passa a
outro do qual a ciência clássica positivista com ca-
ser uma realidade que opera determinados processos ráter reducionista, determinista ousa saber e dizer.
existenciais ao mesmo tempo em que só é possível a Porque para tanto, é preciso categorizar até mesmo
partir de determinadas operações, de certos campos a dor e o sofrimento, mas a forma grito da dor está
de conhecimento, nos quais ocorrem transportes, tra-
duções, interpretações, isto é, formas de objetivação
acessível por intermédio da premissa da individua-
que, ao darem sentido a determinados fenômenos, ção; da compreensão de que é preciso ouvir o grito
produzem modos de nos relacionarmos conosco. de dor daquele que a sente e vivencia, e somente
este, pode saber de sua dor.
Esses conceitos são construções anteriores ao Consonante Camon (2012, p. 23):
ambiente hospitalar, antecedem até mesmo os pró-
prios profissionais de saúde, ou ainda, aqueles de Não existe, então, espaço para o determinismo científico
com sua avalanche de resultados científicos, pois o so-
quem habitualmente denominam-se “doentes” e

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frimento humano só pode ser auscultado por outra alma Apenas em meados de 1780, tornar-se-ia consen-
acolhedora. E isso é algo do qual não podemos abrir mão
so o ideal de hospital como instrumento destinado
se quisermos de fato nos aproximar da dor humana e do
desesperado modo verdadeiramente humano. a curar. O mesmo autor ainda afirma que anterior-
mente, desde a Idade Média, o que se tinha era um
Esse filtro agiria, também, sobre os conceitos de saú- hospital destinado ao assistencialismo, com funções
de e doença, considerando indistintamente, aquilo que subjacentes de separação e exclusão. Nesse sentido,
ora os constituem comum, ora particular. Ainda segundo Foucault (2012, p.175) afirma ainda: “Dizia−se corren-
Focault (1966): O ato de conhecer e sujeitar e de saber temente, nesta época, que o hospital era um morre-
e comandar são coisas que estão intimamente ligadas. douro, um lugar onde morrer. E o pessoal hospitalar
No âmago desse imaginário coletivo consta ainda não era fundamentalmente destinado a realizar a cura
o ambiente hospitalar legitimado enquanto entidade do doente, mas a conseguir sua própria salvação”.
capaz de abrigar a doença e devolver ao ser o estado Os hospitais surgem com uma função assistencia-
de saúde para o mundo exterior. lista e de exclusão/separação. O objetivo era dar assis-
tência aos “doentes”, leia-se pobres, ao tempo em que
os mesmos eram excluídos da sociedade. Ora, o pobre
2 O HOSPITAL: HOSPEDAR A DOENÇA como tal, deve ser assistido; e o pobre doente representa
OU CURAR O DOENTE? um perigo para sociedade porque é portador de doença
de possível contágio. Por isso, Focault (2012), descreve
como personagem ideal do hospital, até o século XVIII,
O ambiente hospitalar suscita inúmeros questiona-
o pobre que está morrendo e precisa de salvação e não o
mentos, dada à diversidade de sua demanda, ao lidar
doente que necessita de cura. Tendo em vista que o hos-
constantemente com o processo saúde-doença. Face
pital não tem como objetivo primordial, a cura do doen-
ao exposto, nos ocupamos em compreender as várias
te, aquém da figura do médico, aqueles que compunham
facetas do ambiente hospitalar. Como surge e com
a equipe hospitalar, eram religiosos ou leigos, pessoas
quê finalidade são criados os hospitais; e, como esse
dispostas a fazerem uma obra de caridade.
ambiente destinado a “hospedagem”, como sugere
Vê-se, assim, que nada na prática médica dessa
sua própria denominação, evoluiu ao longo do tempo,
época permitia a organização de um saber hospita-
alcançando o status de terapêutico e como uma das
lar, como também nada na organização do hospital
grandes instituições abarcadas pela sociedade.
permitia intervenção da medicina. As series hospital
A partir da análise da história dos hospitais,
e medicina permaneceram, portanto, independentes
desde a sua criação até a contemporaneidade, ob-
até meados do século XVIII (FOCAULT, 2012, p.176)
servamos que os hospitais sofreram significativas
Os objetivos do hospital foram repensados a par-
transformações; tanto em sua estrutura, quanto em
tir da análise dos efeitos nocivos daquele modelo de
relação à sua finalidade.
hospital inicialmente instaurado na Idade Média. O
Os hospitais surgem primeiramente, pautados
hospital servia como elemento de segregação, evitan-
pelo assistencialismo e dirigidos por leigos religio-
do que as doenças se proliferassem, excluindo os do-
sos. Destacamos que a figura do médico no ambiente
entes do convívio social. A função terapêutica advém
hospitalar não surge paralelamente a sua criação, a
com a disciplinarização do ambiente hospitalar, isto
medicina hospitalar se desenvolve em decorrência da
porque o objetivo inicial era evitar que o hospital fos-
evolução desse modelo de hospital inicial. De acordo
se responsável por suscitar doenças e a contaminação
com Foucault (2012), a ideia de hospital como instru-
do local onde estava situado na cidade. A medicaliza-
mento terapêutico é relativamente recente, criado no
ção do hospital não surge para curar, mas para asse-
final do século XVIII.
gurar a disciplina hospitalar.

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3 A PSICOLOGIA DA SAÚDE FRENTE AO O fato é que, o estabelecimento de uma rotina


de atendimentos individualizados, remetendo à ins-
PROCESSO E DOENÇA NO AMBIENTE HOSPITALAR talação do consultório do psicólogo no hospital, não
concretizaria a inserção da psicologia no ambiente
Assim como ocorreu com a medicina, que medi- hospitalar. A psicologia, assim posta, estaria reduzida
calizou o hospital, este último, também, teve que ser a função de apêndice dentro do hospital. Não basta
psicologizado, para que a psicologia pudesse estar estar dentro para estar inserido, este último requer
inserida no ambiente hospitalar. Cabe destacar que uma interação e integração entre as diversas partes,
o caminho para a construção de uma psicologia no no caso a psicologia estabelecendo relação com todo
contexto hospitalar, é feito a partir das análises em- o ambiente hospitalar.
píricas, assim como também ocorreu com a medicina. O processo saúde e doença no contexto hospita-
De fato, as observações advindas das experiências lar, demanda da psicologia, não apenas um fazer por,
que insurgem da inserção da psicologia no ambien- mas um fazer com. O que implica em uma atuação que
te hospitalar, tornar-se-iam a matéria-prima para a acontece em conjunto com as demais áreas de conhe-
constituição de uma prática psicológica voltada para cimento existentes no hospital. Além de propor uma
as minúcias do contexto hospitalar. análise crítica da inserção da psicologia nas institui-
A prática médica, até então concebida fora dos ções de saúde, o objetivo não é categorizar em certo
hospitais, não era suficiente para atender as novas ou errado, mas compreender as condições e as corre-
demandas oriundas de o ambiente hospitalar. O mé- lações de força que pautaram e originaram os concei-
dico, empiricamente, por meio de sua inserção no tos e práticas adotadas.
hospital, foi construindo paulatinamente uma clíni- É possível assim, observarmos que o campo de
ca médica hospitalar. Do mesmo modo, a psicologia atuação profissional do psicólogo vem ampliando-se
clínica, entendida como psicologia psicoterapêutica, e novas áreas de atuação tem-se desenhado ao lado
realizada fora do hospital não fora por si só suficiente daquelas mais tradicionais, como fruto do próprio mo-
para construção de uma psicologia no contexto hos- vimento da sociedade e do mercado de trabalho. Não
pitalar. Apesar de inicialmente, de forma equivocada, obstante, a prática de o psicólogo no ambiente hospi-
conceber a psicologia psicoterapêutica transportada talar é considerada uma dessas áreas mais recentes
para dentro do hospital como uma legítima psicologia de atuação, e assim como ocorreu com a constituição
hospitalar, ou melhor, denominando, psicologia clíni- do campo de saber da psicologia, a atuação do psicó-
ca da saúde; a dinâmica da realidade hospitalar iria logo no contexto hospitalar herdou a pluralidade pró-
reivindicar conceitos teórico-práticos próprios. pria da psicologia. Comungamos da seguinte preocu-
A inicial transposição do modelo clínico psicoterápi- pação de que o profissional ocupado em garantir mais
co para as instituições de saúde suscita inúmeras ques- esse espaço de atuação, desvie-se de seus objetivos,
tões relativas à atuação do psicólogo no ambiente hospi- que perpassam principalmente, pela assistência psi-
talar. Conforme Chiattone (APUD CAMOM, 2006, p. 94): cológica aos pacientes.
Conforme Mancebo citado por Chiattone (1997, p.
Todavia, ao transpor esse modelo para as instituições
21 APUD CAMON, 2009, p. 81):
de saúde, o psicólogo defronta-se com dificuldades
inerentes à própria demanda institucional e à própria
limitação de sua formação; mas, mesmo assim, nem [...] se sabe que os necessários embates no campo
sempre busca ampliar sua tarefa, mantendo a tendên- epistemológico não foram tratados com a devida aten-
cia de atividades individuais de consultas em consultó- ção, na medida em que a corporação, em seus momen-
rios, desprezando a participação em ações integradas tos definitórios, optou pela busca de soluções aco-
às equipes. modatícias, à justificação de projetos de grupos, que
visavam muito mais à manutenção do status já atingi-

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do, por alguns de seus membros, do que propriamente A globalização é um exemplo das grandes trans-
pelo enfrentamento teórico.
formações ocorridas no início do século XX, que de-
sencadeou uma profusão das informações, com o
Sob todas essas considerações e questionamen- avanço das telecomunicações e a implantação de re-
tos, realizam-se os primeiros ensaios de uma prática des de informática. As informações são compartilha-
psicológica no ambiente hospitalar. O trabalho dos das de forma cada vez mais rápida e com um maior
psicólogos nas instituições de saúde se desenvolve alcance. Essa universalização da informação atribui
inicialmente, com a proposta de integrar a psicologia uma nova dimensão para adoção de práticas destina-
na prática médica. O modelo cartesiano adotado pela das a saúde.
medicina é o modelo que também irá pautar esse iní- Por meio da mídia, a saúde, um problema huma-
cio de atuação do psicólogo, reafirmando a dicotomia no e existencial, pode ser compartilhada por todos
mente e corpo, o objetivo é voltado principalmente os segmentos da sociedade. Para esses segmentos
para a humanização do atendimento (ROCHA JUNIOR sociais, a saúde e a doença envolvem uma comple-
e MARTINS, 2001). xa interação entre os aspectos físicos, psicológicos,
Quando reconhecemos como legítima a aplicação sociais e ambientais da condição humana e seus sig-
da terminologia psicologia da saúde, ao invés de psi- nificados, exprimindo uma relação que perpassa o
cologia hospitalar, estamos apenas constatando aqui- corpo individual e social, o ser humano enquanto ser
lo que é a expressão da realidade que nos intima a não total. Portanto, a saúde e a doença são categorias que
mais pensarmos apenas em formas de tratar a doen- trazem uma carga histórica, cultural, política e ideo-
ça; mas, sobretudo, formas de tratarmos de saúde. lógica. Essa revisão dos valores culturais está sendo
Para tanto, dizemos de uma psicologia que atua pela acompanhada de profundas alterações (ROCHA JU-
saúde e para a saúde, dentro e/ou fora dos hospitais; NIOR; MARTINS, 2001, p. 36)
uma psicologia muito menos ocupada com o espaço Outro dado importante é o aumento da expectati-
de atuação, e muito mais ocupada com a própria atu- va de vida, a sociedade tem o prolongamento da vida
ação. garantido por meio não apenas da cura de determina-
A psicologia da saúde inserida no ambiente hospi- das doenças; bem como, por intermédio da possibili-
talar possibilitará o descortinamento do véu institu- dade de melhoria da qualidade de vida e cuidado aos
cional que pode limitar as ações, restringindo-as ao pacientes acometidos de patologias para as quais não
saber que se opera in loco, desconsiderando que os há cura ou ainda aqueles que estão no momento final
sujeitos que passam pela instituição são reprodutores da vida. Nesse último caso, os chamados cuidados pa-
e produtores de saber, dentro ou fora da instituição. liativos. Nesse sentido:
Mais do que mera escolha por qual seja a terminologia
mais adequada, o que nos compromete é pensarmos Estudos do IBGE mostram que entre 1901 e 2000, a
a respeito da necessidade de reconhecermos uma psi- população brasileira passou de 17,4 para 169,6 mi-
cologia da saúde, pois não seria esse o propósito de lhões de pessoas, e a expectativa de vida de um ho-
mem brasileiro subiu dos 33,4 anos em 1910 para os
toda instituição de saúde? Propor saúde. 64,8 anos em 2000. Entretanto, junto com o prolonga-
A Psicologia da Saúde, como o próprio termo su- mento da vida, os profissionais de saúde começaram a
gere, não está limitada ao hospital, por isso mesmo perceber que mesmo não havendo cura, há uma possi-
sua atuação abrange todos os níveis de prevenção em bilidade de atendimento, com ênfase na qualidade de
vida e cuidados aos pacientes, por meio de assistência
saúde e a promoção da saúde. É importante ressaltar, interdisciplinar, e da abordagem aos familiares que
que acompanhando as transformações sociais, tec- compartilham deste processo e do momento final da
nológicas e econômicas, as ações destinadas à saúde vida - os cuidados paliativos. (HERMES; LAMARCA,
também sofreram modificações. 2013, p. 2578).

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A sociedade globalizada requer ações destina- é a ciência e a arte de evitar a doença, prolongar a vida
e promover a saúde física e mental, e a eficiência, atra-
das à saúde que agora são formuladas por todos os
vés de esforços organizados da comunidade, visando o
segmentos dessa sociedade, tendo a contribuição de saneamento do meio, o controle das infecções comu-
diferentes áreas, não podendo mais ficar limitada nitárias, a educação do indivíduo nos princípios da hi-
ao âmbito do modelo clínico/assistencialista, nem giene pessoal, a organização de serviços médicos e de
enfermagem para o diagnóstico precoce e o tratamen-
ao espaço do hospital. A universalização da saúde
to da doença e o desenvolvimento dos mecanismos
passa então por uma concepção de saúde coletiva. sociais que assegurarão a cada pessoa na comunida-
Nesse sentido, o que se propõe é uma visão integra- de o padrão de vida adequado para a manutenção da
da do processo saúde/doença, que implicará numa saúde, organizando estes benefícios de tal modo que
cada indivíduo esteja em condições de gozar de seu
atuação embasada por conhecimentos e práticas
direito natural à saúde e à longevidade. Destacar-se,
interdisciplinares. A psicologia da saúde, busca a ser a saúde pública o esforço organizado da sociedade
interdisciplinaridade ao utilizar conhecimentos para ampliar as possibilidades de os indivíduos pode-
das ciências biomédicas, da Psicologia Clínica e da rem gozar as melhores condições possíveis de saúde.
(ALMEIDA, 2013, p. 5).
Psicologia Social-comunitária; adotando o modelo
biopsicossocial (BORNHOLDT e CASTRO, 2004).
A Psicologia da Saúde foi assim definida por Mata- A Psicologia da Saúde abrange a necessidade de
razzo (1980, p. 815 APUD ROCHA JUNIOR e MARTINS, pensar formas de compreender e enfrentar o proces-
2001, p. 37): so saúde-doença, considerando as particularidades
sociais historicamente construídas. Enxergar não
[...] o conjunto de contribuições educacionais, cientí- apenas a patologia, ou o doente, mas a observação
ficas e profissionais específicas da Psicologia para a de que cada um dos elementos são construções que
promoção e manutenção da saúde, prevenção e tra- estão inter-relacionadas; e, são determinantes e de-
tamento das doenças, na identificação da etiologia e
diagnósticos relacionados à saúde, à doença e às dis-
terminadas, a partir da interação que se desenvolve
funções, bem como no aperfeiçoamento do sistema de entre ambos no processo saúde-doença.
políticas da saúde. Consonante Susser (1973) citado por Sebastiani:

O saber fazer da psicologia da saúde no ambien- Na atualidade ocorre à tendência a encarar a doença,
em sentido lato, como fenômeno que inclui não apenas
te hospitalar tem como característica fundamental o
a participação individual, mas, também, e necessaria-
modelo biopsicossocial e recobra a visão sanitarista, mente, a social. A doença (“disease”) corresponderia
em detrimento a visão meramente assistencialis- ao processo fisiopatológico determinante do estado
ta. Isso importa em dizer que o psicólogo da saúde, de disfunção, e conseqüentes desabilidade funcional
e deficiência do indivíduo. A enfermidade (“illness”)
atuando no ambiente hospitalar ou em qualquer ou-
seria concernente ao estado subjetivo do indivíduo
tra instância, perseguirá a promoção e prevenção da afetado e decorrente da própria conscientização. E, a
saúde, adotando práticas que ultrapassam o assisten- que se pode chamar anormalidade (“sickness”) seria
cialismo e potencializam o papel de métodos psicoe- pertinente ao “papel de doente” (“sick role”) que a pes-
soa assume na sociedade, ou seja, à correspondente
ducativos, objetivando conferir ao paciente, autono-
disfunção social e que, portanto, afeta o seu relacio-
mia durante o processo saúde-doença. O “paciente” namento com os demais indivíduos normais. (SEBAS-
reconhecido, também, como “agente” de saúde. Não TIANI APUD CAMON, 2006, p. 201).
obstante, destacamos o papel desses diversos agen-
tes, na construção de uma saúde pública. Atualmente, reconhecemos que o modelo biomédi-
co ainda é o modelo adotado no ambiente hospitalar,
Na literatura científica, um dos conceitos mais aludi- fortalecendo a verticalização no funcionamento do
dos, no campo da saúde é aquele enunciado, em 1920,
por Winslow (1920), em que ele diz que Saúde Pública
hospital, enquanto estrutura institucional. O profis-

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sional psicólogo precisa estar bastante cônscio do seu A Psicologia da Saúde adotando o modelo biop-
saber e saber fazer, para não reforçar ainda mais o dis- sicossocial proporá uma visão integral do processo
tanciamento entre os saberes e, para que, o psicólogo saúde-doença e defenderá a interdisciplinariedade
não se torne um assistente do médico (CAMON, 2009). como forma de alcançar todas as variáveis psicoló-
A Psicologia da Saúde defende a interdisciplina- gicas, presentes na manutenção da saúde, no de-
ridade e entende que é possível que o saber médico senvolvimento de doenças e nos comportamentos
e o saber psicológico sejam complementares dentro associados. Diferentemente do modelo biomédico,
do modelo biopsicossocial. Considerando que: “Nes- que eminentemente reducionista e materialista, visa
se sentido, evidencia-se a importância da integração atender o processo saúde-doença a partir apenas de
do profissional psicólogo com outros profissionais uma concepção assistencialista-curativa; a Psicologia
da área da saúde, visto que são diversos os fatores da Saúde propõe discutir não apenas a doença, mas,
relacionados no processo saúde-doença” (CALVETTI, sobretudo, a saúde.
MULLER; NUNES, 2007, p. 708). As transformações ocorridas na sociedade ao lon-
Essa verticalização reconhecida dentro do ambien- go do tempo determinaram novas necessidades diante
te hospitalar ocasiona ainda, a profusão de diversas do processo saúde-doença, nossa preocupação esta no
considerações sobre aquilo que deve ser considerado tocante ao atendimento dessas necessidades. Inicial-
como saber fazer do psicólogo inserido no hospital. A mente ocupados com a humanização de o ambiente
atuação de o psicólogo no ambiente hospitalar e a de- hospitalar, preocupados com a despersonalização do
finição quanto àquilo que deve ser considerado como paciente, a relação médico-paciente, o psicólogo no
demanda específica para a Psicologia suscitam opini- ambiente hospitalar não pode deixar de questionar: a
ões diversas. As divergências ocorrem entre os demais ausência de atendimento aos pacientes, devido à in-
profissionais, principalmente médicos e psicólogos; suficiência de profissionais; a espera prolongada por
bem como, entre os próprios psicólogos. atendimento, por vezes tendo que ignorar a urgência;
a sobrecarga na jornada de trabalho imposta aos pro-
fissionais que atuam no ambiente hospitalar; entre
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS: NOVAS outros. Essas questões relacionadas ultrapassam o
PERSPECTIVAS POR MEIO DA PSICOLOGIA DA conhecimento médico da doença e da saúde, mas nem
por isso, podem ser desconsideradas e menosprezadas
SAÚDE NO AMBIENTE HOSPITALAR em sua influência sobre o processo saúde-doença.
As novas perspectivas propõem um caminho de in-
Como observamos, a atuação da Psicologia no am- tegralização, um entendimento de que o conhecimento
biente hospitalar urge, por ações concretas que visem não deve ser particularizado, uma visão do todo para
delimitar e definir a teoria e a prática do psicólogo. não perder a noção das partes. Ao invés de estarmos
Questões tais como: a entrada indiscriminada em discutindo o óbvio que são as diferenças entre subje-
hospitais, sem a devida formação especifica para área tivo e objetivo, mente e corpo; estaremos imbuídos de
hospitalar; as diferenças entre os modelos (modelo um “novo” paradigma que vai além do “científico”.
biomédico X modelo biopsicossocial) que coexistem Um novo paradigma que não desconhece as con-
no mesmo local de atuação; a ausência de um paradig- tradições socioeconômicas e culturais que atuam
ma claro para a psicologia, resultando na dificuldade constantemente sobre o processo saúde-doença, que
de se estabelecer objetivos claros na tarefa (CAMON, irá subsidiar teorias e práticas psicológicas voltadas
2009). São questões prementes de análise crítica, que para a realidade do que acontece aqui e agora e para
servirá como condutor para novas perspectivas para a as realidades anteriores que reverberam atualmente.
Psicologia da Saúde no ambiente hospitalar. Mais do que um compromisso científico, assumiremos

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um compromisso ético e social. Ao invés de trabalhar CAMON, V. A. A. Tendências em psicologia hospita-


separadamente, esse “novo” paradigma propõe unir, lar. São Paulo: Cengage Learning, 2009.
aglutinando novos e velhos conceitos em prol da saú-
de individual e coletiva. CAMON, V. A. A. (Org.). Psicossomática e a Psico-
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Recebido em: 29 de Março de 2015


Avaliado em: 19 de Julho de 2015 1. Psicóloga formada pelo Centro Universitário Tiradentes – UNIT/AL
Aceito em: 10 de Agosto de 2015 2. Professor doutor do Curso de Psicologia do Centro Universitário Tiradentes –
UNIT/AL

Interfaces Científicas - Saúde e Ambiente • Aracaju • V.4 • N.1 • p. 9 - 17 • Out. 2015

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