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José Carmelo Braz de Carvalho

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Origens da ANPEd: de instituída a instituinte*

José Carmelo Braz de Carvalho


Departamento de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

As origens da ANPEd remontam a uma proposta A proposta inicial da CAPES, em 1976


de institucionalização de um sistema auto-regulador
na política de pós-graduação em Educação, formula- No contexto do Plano Nacional de Pós-Gradua-
da pela CAPES em 1976. A partir dessa proposta da ção em Educação (PNPG/EDU), desenvolvido pela
CAPES, foram realizadas reuniões de coordenadores CAPES em 1976-1977, surgem as idéias iniciais so-
dos Programas de PG-EDU e elaborados subsídios de bre a Associação Nacional dos Cursos de Pós-Gradu-
estatuto por um grupo de trabalho do Grande Rio. No ação em Educação (observe-se bem: associação dos
entanto, a proposta hiberna até 1978, quando o pro- cursos).
cesso de institucionalização da ANPEd é retomado e Entre as diversas linhas operacionais do PNPG/
passa a ser criticado por uma corrente instituinte, EDU, duas eram bem explícitas em relação à ANPEd:
questionadora dos vínculos de uma associação nacio-
[...] manter entre os diferentes cursos uma relação de reci-
nal dos cursos de pós-graduação em Educação com a
procidade que facilite uma interfertização e uma copartici-
política oficial de pós-graduação.
pação responsável; reconhecer a importância de princípios
Para delinear esta trajetória de criação institucio-
auto-reguladores e auto-modificadores [sic] e seu poder para
nalizada versus instituinte, tentar-se-á recuperar qua-
uma progressão integradora dos desempenhos dos cursos.
tro momentos nas origens da ANPEd: 1.º a proposta
inicial da CAPES; 2.º a reunião dos coordenadores de Nesta linha de raciocínio, reconhecia-se “a im-
programas da pós-graduação em Educação, em agos- portância da integração de esforços e da comunicação
to de 1976; 3.º a proposta de estatutos da ANPEd, em e interrelação entre programas de profissionais da
1977; 4.º o encontro nacional de representantes dos área”, instrumentalizados através de uma associação
Programas, em março de 1978. nacional.
O delineamento oferecido pela assessoria do
* Extraído do Boletim ANPEd, v. 8, nº 3-4, p. 3-7, jul./dez. 1988. PNPG/EDU da CAPES modelava-se pela ANPEC –

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Origens da ANPEd

Associação Nacional de Centros de Pós-Graduação em didas que estão sendo executadas no PNPG/EDU, a
Economia –, que oferecia as seguintes características: alternativa proposta para a criação de uma Associa-
ção Nacional de Cursos de Pós-Graduação da Área
1.º era uma sociedade civil sem fins lucrativos; de Educação”. Prossegue ainda o ofício: “prevê-se,
2.º eram sócios: a) programas, cursos e outros nesta reunião, estabelecer as finalidades, regulamen-
órgãos de universidades e entidades autônomas, tos ou normas da referida associação, além de definir,
que desenvolvessem pesquisas e formação de se possível, esquemas comuns para o processo de se-
pessoal especializado; b) especialistas e pro- leção de alunos”.
fissionais; em caráter individual; A essa reunião compareceram coordenadores do
3.º a admissão era feita por propostas de 1/5 dos mestrado da UFC, UFPE, UFRJ, UFMG, UFF,
membros associados, através de parecer de Co- UFSCar, UFBA, UnB, UFRS, PUC/SP, PUC-Rio e
missão Especial e de decisão do Conselho FGV/IESAE. Participaram também o então diretor da
Deliberativo; CAPES, professor Darcy Closs, a assessora da CA-
4.º eram seus objetivos: a) promover o intercâm- PES e coordenadora do PPG/EDU, Marilú F. Medeiros,
bio entre as instituições associadas (cadastros o assessor da CAPES, Edward Kapinus e alguns pro-
de professores e pesquisadores; realização de fessores convidados.
encontros, celebração de acordos e projetos Com base em anotações tomadas durante os dois
comuns; obtenção de cooperação nacional e dias da reunião, é possível recuperar algumas dimen-
internacional; intercâmbio de profissionais); b) sões de interesse. De início, foi desenvolvida uma ex-
incentivar a pesquisa, pela concessão de auxí- plicação sobre a organização, objetivos e funciona-
lios a programas e projetos institucionais e in- mento do modelo proposto da ANPEC, com ênfase em
dividuais; c) assegurar o debate de temas rele- seus princípios auto-reguladores e automodificadores
vantes, através de encontros anuais, promoção e em outros aspectos já delineados no item anterior.
de simpósios, seminários e reuniões; d) divul- O então diretor da CAPES ressaltou diversos fa-
gar estudos, pela publicação de revista espe- tores considerados relevantes, como aquele relativo aos
cializada e associação a programas editoriais coordenadores da PG/ECO examinarem, em suas reu-
de universidades e outras editoras. niões, a alocação e divisão de bolsas pelos programas;
a indicação de candidatos para bolsas de estudo no
A ANPEC, por seu prestígio já adquirido em 1976, exterior; bem como desenvolverem a análise de cada
inclusive através do processo integrado de seleção aos Programa como massa crítica da própria área de co-
programas de PG/ECO, era assim proposta à área de nhecimento científico. O diretor da CAPES via ainda,
educação, como modelo a ser seguido. como vantagens desta unificação, a fixação de cotas
de bolsas segundo a demanda de cada curso, o
A primeira reunião para institucionalização autofinanciamento das reuniões da ANPEC, via recur-
sos institucionais. Por fim, o professor Darcy Closs
Através da coordenação do seu programa de pós- instou que cada programa da PG/EDU passasse a as-
graduação da área de educação, a CAPES convocou sumir linhas definidas de pesquisa.
os coordenadores de cursos então integrados ao PPG/ Em relação à especificidade da ANPEC vis-à-vis
EDU para uma reunião na PUC-Rio, nos dias 19 e 20 a uma congênere sua em Educação, duas ressalvas fo-
de agosto de 1976. ram apresentadas por coordenadores da PG/EDU: a
Dizia o ofício da convocação da CAPES: “pro- natureza mais acadêmica da PG/EDU, enquanto a PG/
curando consolidar a área de Educação no contexto ECO se revestia de uma natureza mais profissional
geral das demais ciências, adotou-se, entre outras me- externa: e o caráter pretensamente mais homogêneo

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das pesquisas econômicas, geralmente segundo mode- um anteprojeto de estatuto para a ANPEd, calcaram-
los matemáticos, em relação à heterogeneidade das se largamente no estatuto da congênere ANPEC e na
pesquisas educacionais. ficha de inscrição do CGC da mesma. Essencialmen-
Em continuidade, a reunião dos coordenadores te, esse grupo de estudo procurou “reler”, sob a ótica
considerou ainda as linhas de pesquisa desenvolvidas específica dos programas da PG/EDU, os temas e ar-
em cada programa; a consolidação de seus recursos tigos do estatuto da ANPEC.
humanos de ensino e pesquisa, através de uma política Em apenas quatro pontos esse anteprojeto distan-
prospectiva de contratação; a vinda de professores vi- cio-se do estatuto da ANPEC; 1.º na sugestão de esta-
sitantes estrangeiros; a integração do programa de bi- belecer a sede oficial da ANPEd no Distrito Federal,
bliotecas e recursos bibliográficos; e, de forma mais sob a alegação de lá estar o centro decisório da políti-
ampla, o desenvolvimento de alternativas de pós-gra- ca educacional; 2.º na eliminação da bem discrimina-
duação lato sensu, a partir dos programas já existentes. da seção sobre as formas de atuação da ANPEC, que
Como decorrência dessa primeira reunião, foi cria- ocupava quase a metade das sete páginas do seu esta-
do um grupo de trabalho constituído pelos coordena- tuto, preferindo-se não propor esta seção na minuta
dores da PG/EDU do Grande Rio: Lyra Paixão (UFRJ), preparada para a ANPEd e deixar, assim, a programa-
Célia Frazão Soares Linhares (UFF), Sérgio Fernandes ção da futura associação em aberto; 3.º na sistemática
(FGV/IESAE) e José Carmelo Carvalho (PUC-Rio), de associação prescrita para a ANPEC, bem rígida ao
com o objetivo específico de elaborar uma minuta para exigir que “qualquer nova afiliação das entidades de-
os estatutos da futura Associação Nacional dos Cur- verá ser proposta pelo menos por 1/5 dos membros
sos de Pós-Graduação em Educação. Esse grupo con- associados, objeto de parecer de Comissão Especial
tou ainda com a colaboração de Vera Candau, que ha- submetido ao Conselho Deliberativo”; em contrapar-
via feito as análises iniciais do estatuto da ANPEC. tida, a minuta de estatuto para a ANPEd rezava ape-
Com a focalização de reunião sobre assuntos nas que: “a admissão de sócio efetivo far-se-á por pro-
operacionais dos projetos da CAPES e do MEC/DAU posta de associado à Diretoria e submetida ao Conselho
e a transferência dos encargos de redação da minuta Deliberativo”; 4.º na fixação das categorias de sócios,
do estatuto para um grupo de trabalho, não se obser- que mereceu, no esboço do grupo de trabalho, uma
vou entre os representantes institucionais da PG/EDU ampliação sistemática em relação à franciscana sim-
uma postura nítida em relação à proposta de criação plicidade da associação institucional (centros, institu-
da ANPEd moldada sob o modelo ANPEC. Com ex- tos, programas e entidades autônomas de pesquisa e
ceção das observações esparsas sobre as diferenças formação de pessoal pós-graduado) e da associação
nas ênfases acadêmico-profissionalizantes entre os individual (especialistas e profissionais de reconheci-
programas de economia e de educação e na pretensa dos méritos), determinada pelo estatuto da ANPEC.
maior heterogeneidade nas áreas e métodos de pesqui- É precisamente neste ponto das categorias de só-
sa educacional, não foram feitas críticas maiores à pro- cios que o anteprojeto preparado para a ANPEd se
posta. liberaliza de uma institucionalização mais rígida,
como fazia o estatuto da ANPEC, mas simultanea-
A fase de elaboração do anteprojeto de estatuto mente se formaliza na estratificação de níveis de
status de poder e prestígio. Com efeito, ao propor
Os quatro coordenadores dos cursos de mestrado toda uma tipologia de sócios: do honorífico título de
em educação do Grande Rio reuniram-se rotativamente, sócio fundador àqueles que, por força de poder buro-
nas diversas instituições, por cinco vezes, entre os crático, implantariam a ANPEd, aos sócios efetivos
meses de setembro de 1976 e março de 1977. As ativi- (sejam as instituições filiadas, sejam os indivíduos
dades desse grupo de trabalho, para a elaboração de portadores de diplomas e vinculados a instituições

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da PG/EDU), aos sócios beneméritos, homenagea- da o devido amadurecimento e valoração da associa-


dos, o grupo de trabalho optou por um formalismo, ção como instrumento de auto-regulamentação.
sem colocar em questão a natureza institucionaliza-
da da futura associação. A segunda reunião geral para
A questão do balanceamento entre o poder insti- institucionalização
tuído, na representação dos programas oficiais da PG/
EDU, vis-à-vis o poder instituinte dos docentes e pes- Graças a convênio específico entre a FGV/IESAE
quisadores, e dos grupos não-formais não foi respon- e a CAPES para criação da ANPEd, foi convocada
dida pelo grupo de trabalho, no anteprojeto de estatuto uma reunião entre 14 e 16 de março de 1978, da qual
para ANPEd. Ao propor, no artigo 9º: “o Conselho participaram efetivamente 34 representantes dos di-
Deliberativo da ANPEd será constituído de um repre- versos programas então em funcionamento, a saber:
sentante de cada entidade associada”, o grupo de tra- dois representantes da UnB, UNICAMP, PUC/SP,
balho acrescentou, em nota de rodapé, que “a admis- UFSM, UFRS, UFPB, UFMG; um representante da
são e a representatividade dos membros individuais UFC, UFPE, UFSC, UFPR, UFBA, PUC/RS; da área
(não-institucionais) no Conselho Deliberativo deverão do Rio de Janeiro dois representantes da UFF, três da
ser objeto de apreciação pelos coordenadores da PG/ UFRJ e da PUC-Rio, mais 6 representantes do FGV/
EDU em sua próxima reunião geral”. IESAE, em cuja sede estava sendo realizado o encon-
O esboço de estatuto da ANPEd foi enviado à tro nacional.
CAPES, no primeiro trimestre de 1977, através do A programação da reunião incluiu seis períodos
coordenador de contatos com o grupo de trabalho dos de atividades ao longo dos três dias: além de exposi-
mestrados do Grande Rio, Edward Kapinus. Entretan- ções gerais sobre a política de pós-graduação (pelo
to, não ocorreu qualquer providência efetiva da CA- professor Newton Sucupira) e a política de pesquisa
PES para a criação da ANPEd. Por sua vez, o envio na pós-graduação em educação (pelo professor Tarcísio
do anteprojeto de estatuto para análise pelos progra- Della Senta), houve relatos temáticos e metade da pro-
mas de PG/EDU que deveria ser feito, em agosto de gramação foi destinada à análise do anteprojeto de es-
1977, pelo grupo de trabalho, não ocorreu. tatuto da ANPEd, inicialmente em cinco grupos de dis-
Em 1977, o projeto de institucionalização não foi cussão e, no último dia, em sessão plenária.
assinado pela CAPES, nem pelos programas, indican- A análise dos relatos dos cinco grupos de discus-
do que faltava o ímpeto necessário para criar a ANPEd, são revela aceitação geral da criação da ANPEd, sem
porquanto os demais projetos previstos (sistema de ter sido questionado, nos pequenos grupos, a natureza
apoio às bibliotecas da PG/EDU, intercâmbio com da institucionalização de uma associação eminente-
professores visitantes, contratação de docentes e pes- mente representativa dos Programas de Pós-Gradua-
quisadores) foram implementados. Uma medida con- ção em Educação. São constantes nos relatórios de
creta para efetivação da ANPEd somente foi tomada grupos as questões sobre as categorias de sócios (ex-
em 1978. tinguida a de sócio benemérito) e a definição da sede
Este período de hibernização ou de germinação da ANPEd (onde residir seu presidente e não sua fixa-
na proposta da ANPEd parece ter sido causado por ção em Brasília). Entretanto, no último dia da reunião
dois fatores complementares: 1.º) internamente, na nacional (16/3/78), durante a sessão plenária para apro-
CAPES ocorreu uma solução de continuidade, pelo vação do estatuto, aflorou o questionamento sobre o
retorno à UFRGS da coordenadora que desencadeara grau de institucionalização da ANPEd como órgão atu-
a proposta da ANPEd, bem como pela saída dos qua- ante junto à CAPES, no desenvolvimento do Plano
dros da CAPES do assessor Edward Kapinus; 2.º) no Nacional de Pós-Graduação em Educação.
âmbito dos Programas da PG/EDU, não ocorrera ain- Apesar do afastamento já ocorrido no anteprojeto

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elaborado pelo grupo de trabalho, em relação ao mo- te para a Associação Nacional de Pós-Graduação em
delo institucional da ANPEC, e apesar do reconheci- Educação. E esta delegação de uma representativida-
mento da representatividade dos membros individuais de mais crítica através da ANPEd foi a tônica do man-
junto ao Conselho Deliberativo da ANPEd, o questio- dato atribuído à primeira diretoria da Associação, eleita
namento levantado na sessão plenária, por um grupo por um ano, e, em termos gerais, o espírito do estatuto
de representantes, se dirigia ao âmago da questão de então aprovado.
uma ANPEd ligada à política oficial da pós-gradua- O grupo de sócios fundadores reuniu-se novamen-
ção. Propugnou-se, então, que a ANPEd exercesse fun- te em Curitiba, em maio de 1978, durante o Seminário
ção instituinte, como representante da sociedade civil, sobre a Produção Científica nos Programas de Pós-
ecoando mais as necessidades e interesses dos corpos Graduação em Educação: linhas de pesquisa, teses
docentes, discentes e de pesquisadores. Argüiu-se con- e integração docente, promovido pela CAPES. Na
tra a função de uma ANPEd muito interligada ao sis- aprovação da ata de constituição da ANPEd, foi colo-
tema de direção do Plano Nacional de Pós-Graduação cado em discussão o texto do estatuto. Os participan-
(PNPG). Criticou-se ainda o critério da representati- tes destacaram e propuseram modificações nos arti-
vidade institucional através dos coordenadores, na su- gos ou parágrafos cuja redação tivesse escapado aos
posição dos vínculos técnico-administrativos destes termos firmados na reunião de março. Procedeu-se,
com o sistema de poder interno às instituições e exter- dessa forma, à retificação de alguns pontos e à ratifi-
namente dependentes do PNPG. cação dos demais, chegando-se então, à versão final
Reivindicou-se, assim, uma postura mais instituin- do estatuto.

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