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ROBERTO CAPELLO E OS EDIFÍCIOS SULACAP E SUL


AMÉRICA - 1930 A 1950

KARINE DE ARIMATEIA

Tese de doutorado apresentada ao


Programa de Pós-graduação em
Arquitetura, Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Doutor
em Arquitetura, Linha de pesquisa Teoria,
História e Crítica

Orientadora: Ana M. G. Albano Amora

Rio de Janeiro - Fevereiro de 2021


Arimateia, Karine de

Roberto Capello e os Edifícios SULACAP e Sul


América - 1930 a 1950/Karine de Arimateia – Rio de
Janeiro: UFRJ/FAU, 2021.

Xi, 509f: il.; 17,6x25cm.

Orientador: Ana Maria Gadelha Amora Albano

Tese (doutorado) - UFRJ/PROARQ/Programa


de Pós-graduação em Arquitetura, 2021.

Referências Bibliográficas: f. 475-489


1. Roberto Capello. 2. Sul América. 3.
SULACAP. 3. História da Arquitetura. I.Arimateia,
Karine de. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa de
Pós-graduação em Arquitetura. III. Roberto Capello e
os Edifícios Sulacap e Sul América - 1930 a 1950.
ROBERTO CAPELLO E OS EDIFÍCIOS SULACAP E SUL
AMÉRICA - 1930 A 1950

KARINE DE ARIMATEIA

ORIENTAÇÃO: ANA M. G. ALBANO AMORA

Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura,


Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Doutor em
em Arquitetura, Linha de pesquisa Teoria, História e Crítica

_____________________________________________________
Profa Dra Presidente Ana M. G. Albano Amora (PROARQ-UFRJ)
5
_____________________________________________________
Prof. Dr. Gustavo Rocha-Peixoto (PROARQ-UFRJ)

_____________________________________________________
Profa Dra Aline Calazans Marques (PROARQ-UFRJ)

_____________________________________________________
Prof. Dr. Renato Luiz Sobral Anelli (IAU-USP)

_____________________________________________________
Prof. Dr. Julio Cesar Ribeiro Sampaio (UFRRJ)

Fevereiro de 2021.
RESUMO

ROBERTO CAPELLO E OS EDIFÍCIOS SULACAP E SUL AMÉRICA - 1930 A


1950

Karine de Arimateia
Orientadora: Ana M. G. Albano Amora

Esta pesquisa insere-se no campo da teoria e história da arquitetura e tem como


objetivo amplo interpretar e discutir a narrativa sobre o fenômeno arquitetônico
no Brasil referente às décadas de 1930 a 1950. O recorte abrange o conjunto de
edificações verticais construído no período para sediar as sucursais da empresa
Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida (SALIC) - e suas
ramificações - nas principais capitais brasileiras, de autoria do arquiteto Roberto
Capello, imigrante italiano que desembarcou no país com o emprego garantido
na empresa. Essas obras serão estudadas segundo seus aspectos formais e
funcionais e também em relação ao espaço urbano, tendo como abordagem a
utilização da história da arquitetura como função crítica e exploratória, de forma 7

a identificar o valor e o significado do fazer arquitetônico de um período


estabelecido.

Palavras-chave: Roberto Capello; Edifícios verticais; Edifício Sul América;


Edifício SULACAP; Arquitetura Moderna; História da Arquitetura e Urbanismo.

Rio de Janeiro
Fevereiro de 2021
ABSTRACT

ROBERTO CAPELLO E OS EDIFÍCIOS SULACAP E SUL AMÉRICA - 1930 A


1950

Karine de Arimateia
Orientadora: Ana M. G. Albano Amora

This research is part of the theory of architecture and has the broad objective of
interpreting and discussing the narrative about the architectural phenomenon in
Brazil from the 1930s to the 1950s. The cut covers the set of vertical buildings
produced in the period to serve as headquarters (SALIC) - and its branches - in
the main Brazilian capitals, by the architect Roberto Capello, an Italian immigrant
who landed in the country with guaranteed employment in the company. These
buildings will be studied according to their formal and functional aspects and the
relation with the urban space, taking as an approach the use of the history of
architecture as a critical and exploratory function, in order to identify the value and
meaning of the architectonic work of an established period.

Kew-words: Roberto Capello; Vertical Buildings; Sul América Building; SULACAP


Building; Modern Architecture; Architecture and Urbanism History.

Rio de Janeiro
Fevereiro de 2021
9

DEDICATÓRIA
À memória do meu querido irmão, Waldemar Antônio
de Arimateia, exímio procurador de justiça do Estado
de Minas Gerais. Meu eterno incentivador e apoiador
na busca por conhecimento.
11

AGRADECIMENTOS
Agradeço, primeiramente, à professora Ana M. G. Albano Amora, pela orientação
dedicada e segura e por não desistir dessa pesquisa, mesmo com tantos
percalços no decorrer do seu caminho.

Em especial, agradeço a Carla Capello, filha do arquiteto Roberto Capello, por


me receber carinhosamente em sua residência e disponibilizar o acervo do pai.

Aos membros da banca de qualificação e defesa.

Aos professores e funcionários do Proarq.

Agradeço a todos que colaboraram com esta pesquisa, em especial:

Arquiteto Alexandre Veras, pelas informações do edifício Sul América de


Fortaleza;

Engenheiro Marcelo Mesquita, por disponibilizar o levantamento


atualizado do edifício Sul América de Curitiba;

Ivan Olivete, da Receita Federal de Curitiba, pelas informações sobre o


edifício Sul América dessa cidade

Hailton Soares da Silva Junior, estudante de arquitetura e urbanismo em


Recife, pela pesquisa referente ao projeto arquitetônico original das sedes nessa
cidade;

Natasha Duarte Amarante, da Coordenação de Gestão Documental de


Porto Alegre, por disponibilizar os projetos das sedes SULACAP e Sul América
dessa cidade;

Reinaldo Lindolfo Lohn, integrante do Departamento de História da


Universidade do Estado de Santa Catarina, por contribuir com informações sobre
a sede de Florianópolis;

Rodrigo Baeta, pela gentileza em se deslocar em plena situação


pandêmica para produzir as fotos do edifício Sul América de Salvador;

Santiago Bernal, síndico do edifício Sul América de Fortaleza, por


disponibilizar as plantas existentes no arquivo da administração do condomínio;

Sr. Milton, síndico do edifício SULACAP de Niterói, por disponibilizar o


projeto original desse edifício;
Michele Teodoro, aluna querida responsável pelos desenhos referentes
às peças gráficas dos edifícios.

Zeca Vieira, Diretor de Marketing Corporativo da empresa Sul América,


que gentilmente deslocou o acervo da antiga biblioteca e museu da empresa do
interior do estado para a sede do Rio de Janeiro, onde realizei a consulta.

A minha mãe e ao Feijão, por tudo.

13
SUMÁRIO
15
INTRODUÇÃO ...................................................................................... 17
Considerações iniciais .................................................................................... 18

O problema e os objetos de estudo ................................................................ 23

Considerações sobre o método ...................................................................... 28

Material de estudo .......................................................................................... 35

CAPÍTULO 01 – Os elementos de análise ...................................................... 39

1.1. A empresa Sul América ........................................................................... 41

1.2. Concepções teóricas – A historiografia referente à produção da arquitetura


brasileira da primeira metade do século 20 ............................................. 69

1.3. As demandas sociais brasileiras na primeira metade do século 20 e o tipo


arquitetônico vertical .............................................................................. 111

CAPÍTULO 02 – A trajetória profissional do arquiteto Roberto Capello ... 125

CAPÍTULO 03 – As sedes .............................................................................. 173

3.1. Curitiba/PR – Sul América .................................................................... 181

3.2. Recife/PE – Sul América e SULACAP .................................................. 209

3.3. Juiz de Fora/MG – SULACAP............................................................... 241

3.4. Porto Alegre/RS – Sul América e SULACAP........................................ 269

3.5. Santos/SP –SULACAP ......................................................................... 311

3.6. Belo Horizonte/MG – Sul América e SULACAP ................................... 339

3.7. Salvador/BA – Sul América e SULACAP .............................................. 383

3.8. Fortaleza/CE – Sul América ................................................................. 423

CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................. 455

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................ 473

FONTES – Pesquisas de campo ................................................................... 489

SIGLAS E ABREVIATURAS ........................................................................... 491

IMAGENS ......................................................................................................... 495


INTRODUÇÃO
17
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta pesquisa insere-se no campo da teoria e da história da arquitetura e tem


como objetivo contribuir para a interpretação e para a discussão acerca das
narrativas sobre o fenômeno arquitetônico no Brasil, especificamente em relação
ao período entre 1930 a 1950. A produção arquitetônica brasileira dessas
décadas é reconhecida por sua pluralidade formal e funcional, decorrente de
variados fatores, dentre eles o conturbado contexto teórico e prático do campo
arquitetônico, novas demandas sociais e, sobretudo, a contribuição de arquitetos
estrangeiros com formação em países europeus, onde a discussão do saber
arquitetônico oscilava entre a tradição e a modernidade. Tais fatores, associados
a outros, como as incipientes medidas de preservação do patrimônio edificado,
foram responsáveis pela construção e manutenção do cenário atual dos centros
18
urbanos das grandes cidades brasileiras, caracterizado pela coexistência de
estruturas arquitetônicas de linguagens diversificadas. O recorte, portanto,
abrange parte destas estruturas arquitetônicas, uma vez que contempla o estudo
das edificações verticais produzidas no período de 1930 a 1950 para sediar as
sucursais da empresa Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida
(SALIC)1 - e suas ramificações, como a SULACAP - nas principais capitais
brasileiras e projetadas pelo arquiteto2 Roberto Capello (1901-1985), imigrante
italiano que desembarcou no país com o emprego garantido na seguradora.

Tem sido cada vez mais recorrente o estudo de vida e obra de profissionais
imigrantes que atuaram no Brasil na primeira metade do século 20, tais como

1
A sigla SALIC refere-se à abreviatura do nome da empresa no idioma inglês, South America Life
Insurance Company.
2
Conforme descrito no capítulo sobre a trajetória do profissional (Capítulo 2), Roberto Capello formou-
se em engenharia na Politécnica de Turim, Itália, no ano de 1925. Em 1935, já no Brasil, seu diploma
de engenheiro foi validado e, posteriormente, em 1936, recebeu o título de arquiteto. Desse modo,
seu pronome de tratamento neste texto será sempre o de arquiteto.
Giancarlo Palanti (1906-1977),4 Franz Heep (1902-1968)5; Lucjan
Korngold (1897-1963)6; Jacques Pilon (1905-1962);7 sem contar as inúmeras
publicações sobre Lina Bo Bardi (1914-1992), Gregori Warchavchik (1896-1972)
e outros arquitetos e engenheiros. Sobre o tema do papel dos imigrantes no
Brasil, discorreu Renato Anelli:

O papel dos imigrantes europeus na constituição da cultura


brasileira contemporânea é objeto de estudos em áreas
diversas, e as especificidades dessas contribuições para a
arquitetura e para o urbanismo vêm aflorando conforme se
alargam os campos abrangidos pela historiografia
especializada. O contato direto com as principais correntes
das vanguardas artísticas e arquitetônicas, a formação e
experiência profissional em condições técnicas mais
avançadas que as brasileiras e a vivência de uma tradição
urbana consolidada são apenas alguns dos aspectos que
atravessam a contribuição desses arquitetos formados na
Europa. (ANELLI, 1999, in GUERRA, 2010, p.219)

A despeito do crescimento quantitativo das pesquisas, são raras as produções


na língua portuguesa sobre alguns arquitetos atuantes no período proposto,
principalmente em relação àqueles pouco referenciados ou fora do circuito dos
19
profissionais da cena carioca e paulista, como é o caso de Roberto Capello.

O interesse pessoal em pesquisar tais obras surgiu na ocasião da elaboração do


dossiê de tombamento do conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América de Belo

4 CORATO, Aline Coelho Sanches. A Obra e a trajetória do arquiteto Giancarlo Palanti: Itália e Brasil.
2004. Dissertação (Mestrado em Tecnologia do Ambiente Construído) - Escola de Engenharia de
São Carlos, São Carlos, 2004 / ROCHA, Angela Maria. Uma produção do espaço em São Paulo:
Giancarlo Palanti. 1991. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo). Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo. 1991.
5 BARBOSA, Marcelo. Adolf Franz Heep. Um arquiteto moderno. São Paulo: Editora Monolito, 2018 /
JUNIOR, Edson Lucchini. Adolf Franz Heep: edifícios residenciais: um estudo da sua contribuição
para a habitação coletiva vertical em São Paulo nos anos 50. 300 pp. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo). Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
6. FALBEL, Anat. Lucjan Korngold: a trajetória de um arquiteto imigrante. 2003. 323f. Tese (Doutorado

em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo,


São Paulo, 2003 / RYTEL, Grzegorz. Lucjan Korngold - Warszawa - São Paulo 1897-1963. Warszawa:
Salix Alba, 2014.
7 FRANCO, Tiago Seneme. A Trajetória de Jacques Pilon no Centro de São Paulo: Análise das Obras

de 1940 a 1947. p.105. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de


Arquitetura e Urbanismo, Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2009. / SILVA, Joana
Mello de Carvalho e. O Arquiteto e a Produção da Cidade: a experiência de Jacques Pilon em
perspectiva (1930-1960). Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura
e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.
Horizonte, documento cuja equipe técnica integrei. Na fase dos estudos de
diagnósticos sobre as duas torres, foram levantadas publicações que
identificavam a existência de outros edifícios sedes da empresa em algumas
cidades brasileiras, tais como o de Salvador, citado por Nivaldo Vieira de Andrade
Junior (2012); o SULACAP e o Sul América de Porto Alegre, mencionados por
Anna Paula Moura Canez (2006); o SULACAP da cidade de Santos, referenciado
em artigo publicado por Carlos Finochio (2011); e o SULACAP de Juiz de Fora,
tratado por Carina Folena Cardoso (2015), todos, de acordo com os autores, de
autoria de Roberto Capello, com exceção de Canez que, a partir de suas
referências bibliográficas, atribuiu a autoria dos edifícios de Porto Alegre ao
arquiteto Arnaldo Gladosch, fato que contestei nesta pesquisa, conforme será
relatado no capítulo referente às análises das obras (Capítulo 3). Findado o
dossiê de tombamento, a título de curiosidade, realizei pesquisas
complementares que indicaram a existência das sedes em outras cidades
brasileiras, tais como a de Curitiba, Florianópolis, Rio de Janeiro, Niterói, Recife,
Fortaleza, Belém e Manaus. Concluí, a partir desta pesquisa preliminar, que
20 essas edificações não foram estudadas em sua totalidade, tampouco, com
algumas exceções, foram analisadas separadamente. As publicações existentes
e que conferem autoria a Capello, apenas apontam o seu nome, sem apresentar
qualquer informação adicional e suficiente para identificar o profissional. Tais
conclusões preliminares foram suficientes para delinearem o projeto de pesquisa
desta tese.

Em oportuno, ressalta-se que a proposta deste estudo não é relatar o percurso


de vida de Roberto Capello, visto que a abordagem biográfica não é a estratégia
metodológica desta pesquisa, entretanto, sua trajetória será explorada a fim de
compreender, na medida do possível, as influências projetuais que possivelmente
refletiram nos edifícios da empresa.

No decorrer da pesquisa, a análise dos dados preliminares induziu ao


levantamento de algumas questões: o estudo destes edifícios contribuiria para a
interpretação da produção arquitetônica brasileira do período proposto? Qual o
papel da arquitetura produzida por Roberto Capello no cenário da arquitetura
brasileira do período? Quais seriam as colaborações deste estudo para o campo
da teoria, história e crítica da arquitetura? Tais dúvidas conduziram a busca pelo
material bibliográfico, do qual se extraiu, preliminarmente, que estudar obras de
arquitetura requer, sobretudo, o exercício crítico. Edificadas em um tempo, elas
passam a fazer parte da história, não de uma história periodizada, mas como
parte de um processo de transculturação de ideias, segundo o pensamento da
arquiteta Marina Waisman (1990).

O reconhecimento crítico de uma obra arquitetônica ou de um conjunto de obras,


tal qual se pretende realizar com esta pesquisa, pode ser considerado como um
instrumento para abrir outras portas, como propõe Ruth Verde Zein (2011) que,
neste caso, seria a apreensão do cenário constituinte de um processo de
transformação da arquitetura brasileira. Não no sentido do lugar em que ocorre a
ação, mas no significado de conjunto de elementos visuais que compõem o
espaço onde se apresenta a ação, no caso, os atos de fazer arquitetura que
moldam o cenário criativo. Desse modo, a proposta é, a partir do estudo de um
conjunto de obras de Roberto Capello, verificar se o seu legado é significativo a 21
ponto de contribuir para a apreensão do fenômeno arquitetônico daquele período,
que resultou na produção diversificada do território urbano das principais capitais
brasileiras.

O procedimento de estudo de obras se encaixa em um método de abordagem


que possibilita a ampliação do conhecimento arquitetônico, conforme propõe Zein
(2011), com base nos estudos de Carlos Eduardo Comas (1986):

O reconhecimento crítico e aprofundado de um amplo


repertório de obras não é amanhado e oportunamente
invocado apenas para ilustrar um ponto genérico, ou somente
para exibir erudição, nem apenas para conhecer essas obras
“em si mesmas”. Mas sim para que, ao ser invocadas,
possam iluminar o cenário criativo em que se desenvolve
nosso projeto [...]. (ZEIN, 2011, p.4)

Mas como estruturar este método de abordagem em um campo tão amplo como
é a disciplina da arquitetura? Como evitar que os estudos destes edifícios não se
limitem – a despeito da representatividade destes documentos - a inventários
arquitetônicos? Como criar categorias de análise específicas que possibilitem o
estabelecimento de escalas próprias de valor?

O caminho para a solução das questões aqui propostas foi parcialmente


iluminado após a leitura de duas obras da arquiteta argentina Marina Waisman8
(1985 e 1990), as quais orientaram grande parte dos levantamentos bibliográficos
utilizados no decorrer do desenvolvimento desta tese e que conduziram ao
método de trabalho adotado, conforme será relatado adiante. De antemão,
Waisman (2013) propõe que a análise das obras em seu ambiente introduz
elementos específicos de juízo, o que não acontece apenas se forem
comparadas com a produção de outros países, ou se forem analisadas
unicamente em relação ao seu aspecto tipológico formal.

22

8 A arquiteta argentina Marina Waisman (Buenos Aires, 1920 – Río Cuarto, 1997) formou-se no ano de 1945 na
Universidade Nacional de Córdoba, onde também lecionou a partir de 1948. Compôs o corpo docente também da
Universidade Católica de Córdoba no período em que esteve afastada da Universidade Nacional por motivos
políticos. Na Católica fundou o Instituto de História y Preservación del Patrimônio, atual Instituto Marina Waisman. Na
Nacional criou o Centro para la Formación de Investigadores en História, Teoria y Crítica de la Arquitectura, que
também foi renomeado em sua homenagem (ROCHA-PEIXOTO, 2014). Tornou-se uma das principais críticas sobre
arquitetura da América Latina e seus estudos sistemáticos lhe conferiram o Prêmio América (DEJTIAR, 2017).
O PROBLEMA E OS OBJETOS DE ESTUDO

A utilização da história da arquitetura como função crítica e exploratória, que


permite identificar o valor e o significado do fazer arquitetônico de um
determinado período, pode ser um instrumento adequado para pesquisas nesse
campo disciplinar (WAISMAN, 1985). Entretanto, deve-se tomar o cuidado para
não deformar a leitura de uma dada realidade histórica proposta, o que
normalmente acontece quando o pesquisador tenta impor um esquema rígido da
realidade a partir de suas ideologias. O recorte, ou o esquema ordenador da
pesquisa, deve ser realizado a partir de um problema identificado no campo de
estudo, com a seleção ou ordenamento adequado dos objetos que são,
indubitavelmente, inerentes à ideologia do pensador, conforme afirma Waisman:
“todo pensamento constitui um particular recorte no continuum dos fatos e dos
conhecimentos, recorte no qual o ordenamento e a seleção dos objetos
constituem a essência mesma da ideologia.” (WAISMAN, 1985, p. 28, tradução
minha).9 23

Diante disso, ressalta-se que os objetos de análise selecionados para esta


pesquisa, ou seja, as sedes dos edifícios da empresa Sul América, foram
separados em decorrência de questionamentos a respeito da representatividade
da totalidade dos objetos arquitetônicos produzidos em um intervalo de tempo
específico, a saber, 1930 a 1950, pelas mãos de um arquiteto desconhecido,
dúvidas que, como resultado, geraram outros questionamentos em relação ao
significado do conjunto dessas obras no contexto da produção arquitetônica
brasileira do período. Esses fatores, em conjunto, identificaram o problema que
será aqui abordado.

Se a seleção dos objetos é inerente à ideologia do pensador, faz-se oportuno a


tentativa de desvelá-la no decorrer da pesquisa. Por ora, vale expor que as

9 “[...] todo pensamento constituye un particular recorte en el continuum de los hechos y los

conocimientos, recorte em el cual el ordenamento y la seleción de los objetos constituyen la esencia


misma de la ideologia. (WAISMAN, 1985, p. 28).
convicções pessoais que delinearam os objetos amparam-se no entendimento
prévio de que as obras assinadas pelo arquiteto Roberto Capello formam um
conjunto significante e representativo da produção arquitetônica brasileira da
primeira metade do século 20, caracterizadas pela diversidade tipológica formal,
funcional e de relação com o entorno, e que marcaram a paisagem urbana das
áreas centrais das principais capitais brasileiras. O acervo, apesar de
desconhecido, deixa muitas possibilidades de desdobramentos, principalmente
quando se verifica a atual produção arquitetônica vertical, composta por caixas
envidraçadas refletidas por outras caixas envidraçadas, sem qualquer relação
com o espaço urbano e, sobretudo, sem consideração ao usuário e ao meio
ambiente.

No decorrer da análise preliminar das obras, as questões referentes à diversidade


linguística da arquitetura brasileira do período proposto foram levantadas como
24 fatores que, possivelmente, poderiam alimentar o problema delineado.
Notadamente nas publicações existentes que referenciam os edifícios sede da
empresa, nota-se a insistência em enquadrá-los em um estilo ou linguagem
arquitetônica, sendo que a maioria delas quase sempre diverge quanto à essa
classificação, fator que demonstra a confusão que o tema incita. A problemática
da classificação estilística persiste em diversos campos da arquitetura, inclusive
no meio acadêmico.10 Como exemplo, o Guia do Bem, ferramenta digital para
divulgação dos bens arquitetônicos de municípios brasileiros tombados nas três
instâncias de governo, desenvolve a classificação estilística dos bens
arquitetônicos de Belo Horizonte - cidade cujo território urbano foi configurado
no século 20 -, justificada em texto desenvolvido pelo arquiteto Flávio Carsalade,
que adverte:

Os estilos arquitetônicos - ou as diferentes manifestações de


uma mesma corrente estilística básica, se preferirem - se
referem, portanto a muitos aspectos que devem ser

10
Como exemplo, verificou-se em alguns planos de ensino da disciplina de projetos (ou ateliê) de
cursos privados de arquitetura a exigência de classificação estilística nos roteiros para estudos de
obras análogas. Esta tradição classificatória, ao meu ver, não deve ser repassada aos alunos como
instrumento de interpretação de objetos arquitetônicos atuais, e sim explicada como uma forma de
pensar e fazer a arquitetura, relacionada a aspectos diversos, tais como meio ambiente, cultura, clima,
etc.
considerados ao se tentar classificá-los ou buscar as relações
de parentesco entre os edifícios. 11

Esta problemática será discutida no decorrer da pesquisa, a partir da teoria


disponível sobre o assunto, com o objetivo de entender qual a razão para a
insistência, por parte dos pesquisadores no campo da arquitetura, em classificar
estilisticamente os objetos arquitetônicos construídos no Brasil, principalmente
aqueles edificados no período do recorte da pesquisa.

Os primeiros edifícios verticais projetados por Roberto Capello para a Sul


América sintetizaram o ideário que nortearia seus futuros trabalhos na empresa:
introdução de inovações tecnológicas, o cuidado com o detalhe arquitetônico, a
relação harmoniosa do objeto arquitetônico com a cidade e a tradução, no próprio
objeto, das necessidades funcionais e de investimentos financeiros de uma
empresa brasileira em ascensão. As análises preliminares comprovaram uma
gama de similitudes formais entre as obras. Grande parte dos edifícios foram
erguidos em terrenos de esquina, com soluções tripartidas clássicas, janelas
ritmadas do tipo “”copacabana””, pouca ornamentação, saguões suntuosos 25
revestidos em mármore, dentre outros. Todas as obras analisadas, sem exceção,
foram construídas nas principais áreas dos centros urbanos das cidades,
normalmente decorrentes do núcleo urbano originário.

Verificados esses paralelos, iniciou-se a busca de informações adicionais no


arquivo da empresa Sul América. O acervo é composto pelo material proveniente
do Museu Sul América e da Biblioteca da empresa, instituições que funcionaram
na sede do Rio de Janeiro, no prédio da Rua da Quitanda, até a transferência da
empresa para a atual edificação, na Rua Beatriz Larragoiti Lucas, 121, Bairro
Cidade Nova. Com a mudança de endereço, todo o acervo foi transladado para
uma empresa de logística no interior do estado do Rio de Janeiro, que ficou
responsável por sua guarda. A existência deste material foi informada - em
resposta ao e-mail encaminhado a vários setores da empresa - pelo então Diretor

11 Notas Sobre os Estilos dos Edifícios de Belo Horizonte - Disponível em: <https://guiadobem.org/>
- acesso em jun. 2018. O site não fornece os créditos do texto ao arquiteto Flávio Carsalade, mas a
autoria foi informada pelo próprio autor, em conversa informal.
de Marketing Corporativo da Sul América, Sr. Zeca Vieira, que disponibilizou,
inicialmente, uma listagem detalhada de todo o conteúdo existente, da qual
selecionei o material a ser pesquisado. Após essa seleção, o Sr. Zeca,
gentilmente, transportou todo o material indicado para a sede do Rio de Janeiro,
onde a pesquisa foi realizada, em janeiro de 2017. Na ocasião da análise do
acervo, identificou-se a inexistência das peças gráficas dos projetos de
arquitetura dos edifícios, essenciais para este estudo, o que indicou a
necessidade da pesquisa aos órgãos municipais. No entanto, o acervo
pesquisado continha os periódicos publicados pela empresa desde o início da
sua fundação, além de livros e outros materiais que possibilitaram a descoberta
de fatos importantes relativos às sedes construídas e, principalmente, a
comprovação da existência, em 1935, do departamento responsável pelos
projetos e obras, nomeado Departamento de Propriedades e Hipotecas,
coordenado pelo arquiteto Roberto Capello.

Em relação ao profissional, até o início desta pesquisa as informações


26 disponíveis eram escassas e sem fontes seguras. As poucas referências
disponíveis, contidas nos estudos de algum edifício, indicavam que Capello era
um arquiteto de nacionalidade italiana e que integrava a equipe do escritório
técnico da empresa Sul América no Rio de Janeiro (MACHADO, 1998, p. 327,
apud CANEZ, 2006). Alguns dados foram comprovados e outros refutados,
conforme será relatado no decorrer do trabalho. De antemão, adianta-se que uma
busca pelo acervo da Hemeroteca Digital Brasileira da Biblioteca Nacional
permitiu identificar, por meio da publicação do obituário de Roberto Capello, seus
descendentes, em especial a filha Carla Capello, contatada por meio do
Facebook, que, gentilmente, nos concedeu entrevista em sua residência no Rio
de Janeiro. Carla Capello guarda um acervo significativo do pai, a despeito da
inexistência dos projetos arquitetônicos, os quais foram doados por ela para o
Museu Sul América e que, conforme mencionado, não foram encontrados no
acervo pesquisado.

Expostos os objetos, definiu-se o método para a abordagem, idealizado a partir


da proposta levantada por Marina Waisman (1985), baseada em Foucault (2008),
explicada em sequência. Tal método busca evitar a subdivisão da produção
arquitetônica em períodos ou fragmentos e procura entendê-la como um mosaico,
formado por peças variadas e que se estruturam de forma relacionada para
configurar e explicar o conjunto produzido. Desse modo, foram analisados, não
necessariamente nesta sequência, os edifícios sedes, a trajetória profissional do
arquiteto Roberto Capello, a empresa Sul América, além de levantada a
discussão teórica sobre a produção arquitetônica do período, as demandas da
sociedade e o tipo arquitetônico vertical, fatores que, certamente, alimentaram o
processo de desenho do arquiteto.14 Para o estudo dos edifícios adotou-se a
análise das tipologias formal, funcional e de relação com o entorno que, dentre
outras aplicabilidades, pode ser utilizada como instrumento para o estudo
historiográfico da arquitetura (Waisman, 1990).

27

14 Segundo Marina Waisman (1985), as demandas (requerimentos) sociais são expressadas


diretamente pela sociedade e incitam o processo de desenho do arquiteto. Essas demandas
representam as expectativas do indivíduo em relação ao modo de vida e são reguladas pelo conteúdo
da consciência social.
CONSIDERAÇÕES SOBRE O MÉTODO

O caminho necessário para responder às questões que embasaram este estudo


não é simples, considerando a amplitude e a complexidade do campo teórico da
arquitetura, de modo que, para alcançar as respostas às questões previamente
levantadas fez-se necessário, inicialmente, definir o procedimento de abordagem
mais adequado. Partindo das considerações levantadas por Marina Waisman,
recorri à história da arquitetura para a produção da crítica pretendida. Mas não a
história baseada em noções do tipo tradição, continuidade, evolução,
desenvolvimento, das quais, segundo Foucault (2019), o campo deve libertar-se,
e sim nas próprias descontinuidades, rupturas e nos diversos tipos de
historicidade, capazes de reunir o material necessário para sua construção. Ou
seja, a história da arquitetura não será discutida aqui como uma sequência
ordenada de fatos contínuos e relacionados, de sucessões lineares, os quais até
pouco tempo eram os objetos de pesquisa da história em qualquer campo.
28
A escolha dos estudos de Waisman para fundamentar o método de pesquisa
decorreu, sobretudo, por sua crítica fundamentar-se nas problemáticas próprias
da produção arquitetônica da América Latina, as quais, por serem diferenciadas
de outros contextos, requerem ferramentas particulares para sua compreensão.
É a partir da visão atualizada da história como instrumento de pesquisa, das
regras de formação dos objetos e do conceito de a priori histórico, proposto por
Foucault, que Marina Waisman estruturou um guia para a análise da arquitetura
em seu estudo desenvolvido em La estructura historica del entorno, publicado
pela primeira vez no ano de 1972, com o objetivo de tentar compreender, da
melhor forma possível, a situação da produção arquitetônica Argentina referente
à segunda metade do século 20 e também tentar entender seus possíveis rumos.
O a priori histórico, segundo Foucault, constitui todo o material (arqueológico) que
deve ser analisado para o desenvolvimento da pesquisa. Waisman explicita como
esse material histórico pode ser levantado:

Em primeiro lugar, seria uma questão de distinguir as


diferenciações do objeto com relação a outros objetos, em
uma época ou sociedade determinadas, já que a composição
dos conjuntos varia de uma época a outra ou sociedade. Em
segundo lugar, deve-se descrever os sistemas segundo os
quais serão distinguidos e analisados os diferentes objetos
arquitetônicos; e por outra parte as instituições que
contribuem para delimitar o objeto devem ser consideradas:
grupos profissionais, autoridades civis e religiosas, críticos,
historiadores, instituições legais, hábitos sociais, etc. Mas o
conjunto dos objetos tomará forma somente pelas relações
que existem entre todos os termos referidos. Pois são as
instituições, fundamentalmente, as que dirigem a orientação
dos sistemas segundo os quais se diferenciam os objetos:
uns e outros, sistemas e instituições, representam a
concretude de tendências culturais e de estruturas da vida
social. (WAISMAN, 1985, p. 29, tradução minha).15

Desse modo, tanto o material de pesquisa quanto as suas relações devem ser
analisados conjuntamente, tal como é feito em um trabalho arqueológico (o que
justifica o termo material arqueológico utilizado por Foucault). O estudo dessas
relações permite liberar e, sobretudo, desvendar a história das sucessivas
representações provenientes das ideologias que vão se acumulando ao longo do
tempo. Conforme aponta a passagem acima, há uma relação entre os termos da
proposta metodológica. Instituições (grupos profissionais, críticos, historiadores,
demandas sociais, instituições legais, autoridades civis e religiosas) orientam o 29
sistema de diferenciação dos objetos ou, em outras palavras, o sistema (conjunto
de objetos) de diferenciação é operado pelas instituições, os quais, juntos,
sistemas de diferenciação e instituições, concretizam as tendências culturais e
de estrutura da vida social. A unidade cultural ou o conjunto a ser estudado só
pode ser delineado ou estruturado pela inter-relação entre essas instâncias.

Talvez o termo instituição não seja o mais adequado para ser utilizado na língua
portuguesa, que remete de imediato a órgãos juridicamente estabelecidos.
Portanto, em seu lugar, será utilizado o vocábulo entidade, com o significado de

15 “Se trataria em primer término de discenir las diferenciaciones del objeto com respecto a otros
objetos, em uma época o sociedad determinadas, ya que la composición de los conjuntos varía de
uma a outra época o sociedad. Em segundo término deberían describirse los sistemas según los
cuales se han de distinguir y analizar los diferentes objetos arquitetônicos; y por otra parte habrán de
considerarse las instituciones que contribuyen a delimitar el objeto: grupos profesionales, autoridades
civiles y religiosas, críticos, historiadores, instituciones legales, hábitos sociales, etcétera. Pero el
conjunto de los objetos tomará forma solamente por las relaciones que existen entre todos los
términos referidos. Pues son las instituciones, fundamentalmente, las que dirigen la orientación de los
sistemas según los cuales se diferenciarán los objetos: unos y otros, sistemas e instituciones,
representan la concreción de tendencias culturales y de estructuras de la vida social. ” (WAISMAN,
1985, p. 29)
tudo aquilo que existe ou supomos existir, conforme uma das definições do
Dicionário Michaelis (2015). Já, segundo o Houaiss (2009), a palavra pode
exprimir tanto indivíduo (“criatura, ente, individualidade, ser <e. mitológica>”),
como instituição (“agremiação, associação, corporação, fundação, instituto,
organização, sociedade) e até qualidade (“importância, interesse, valor, <questão
de máxima e.>”), definições cujas instituições elencadas por Waisman se
encaixam.

Exemplificando especificamente a relação proposta nesta pesquisa, a


seguradora Sul América (entidade) expressou sua ideologia ao transmitir
segurança aos clientes com a construção de edifícios sólidos (objetos), de
linguagem formal baseada na tradição arquitetônica, em um contexto de
discussão da modernidade em todos os campos (entidade), inclusive o
arquitetônico. A novidade, representada pela arquitetura proposta por esse
incipiente discurso na disciplina, carregava consigo um fator de insegurança,
indesejável para uma empresa do ramo de seguros.

30 Nesse contexto de objetos selecionados em um período ou sociedade


determinada, a diferenciação pode ser feita selecionando obras de determinada
tipologia e que se distinguem de outras pelas suas características particulares
como, por exemplo, pelos valores arquitetônicos. Assim foi feito. Os objetos aqui
tratados são todos os edifícios verticais construídos no período de 1930 a 1950
para sediar as sucursais da empresa Sul América nas principais cidades
brasileiras, de autoria do arquiteto Roberto Capello.

Deve-se ressaltar que, normalmente, com o decorrer do tempo, novos objetos de


reflexão são introduzidos ao campo da arquitetura, tais como novas obras, novas
tipologias funcionais, novos valores; por isso a importância de delimitação de uma
época ou uma sociedade. Segundo Waisman (1995), a leitura desses objetos - e
de suas relações entre as entidades que os delinearam – pode ser um método
eficiente para revelar o conteúdo ideológico do saber profissional de um dado
período estabelecido. É o que se pretende nesta pesquisa.
A partir desta estrutura de abordagem, Waisman construiu seu material de
análise (ou a priori histórico) correspondente à segunda metade do século 20, de
forma a desvelar os objetos de estudo. Contudo, segundo a autora, a
desestruturação do campo teórico decorrente das décadas anteriores (entre e
pós-guerras) e a ampliação das entidades que orientam as diferenciações dos
objetos dificultaram seu procedimento e, diante disso, propôs um novo modelo
de abordagem, apoiado nas relações entre os objetos e não na sua listagem ou
descrição. Para a autora, a eleição da metodologia de pesquisa deve ser
baseada, sobretudo, em função das condições do objeto a ser trabalhado:

Pois o método de trabalho deve ser eleito tanto por seu valor
ideológico como pelas condições que apresentam o material
a ser estudado, de forma a evitar, na medida do possível, que
o instrumento de observação se constitua em um instrumento
de distorção da imagem; com um instrumento inadequado
corre-se o risco de encontrar só o que um crê que deve existir
ali, e não de encontrar nada do que verdadeiramente existe.
(WAISMAN, 1985, p. 39, tradução minha).17

Exposto o problema de sua abordagem e a definição do seu método de estudo,


a autora levantou alguns objetos definidos pelas entidades, como exemplo, pelos 31
teóricos e historiadores no campo da arquitetura, “pois tudo aquilo que foi objeto
de reflexão teórica ou histórica constitui, sem dúvida alguma, um ‘objeto’ do saber
arquitetônico.”18 (WAISMAN, 1985, p. 57, tradução minha). Dentre esses objetos,
estão: Obra; Personalidade do arquiteto; Forma (e valor estético); Função;
Estrutura (de sustentação do edifício); Demandas sociais; Teorias (relativas à
disciplina); Processo de desenho; Relações da obra com o entorno; Tecnologia
ambiental e Significados ideológicos. Para a sua análise, a autora agregou à essa
listagem o Processo de Produção, em decorrência da crise da arquitetura do
período (década de 1980), e deixou de lado Obra e Autores, para superar a
individualidade - apesar de utilizá-los, muitas vezes, para exemplificar a análise -

17 “Pues el método de trabajo debe elergise tanto por su valor ideológico como por las condiciones

que presenta el material a estudiar, para evitar en lo posible que el instrumento de observación se
constituva en un instrumento de distorsión de la imagen; con un instrumento inadecuado se corre el
riesgo de encontrar sólo lo que uno cree que debe existir allí, y de no encontrar nada de lo que
verdadeiramente existe.” (WAISMAN, 1985, p. 39).
18
“Pues todo aquello que haya sido objeto de reflexión teórica o histórica constituye sin duda alguna
un ‘objeto’ de saber arquitectónico. ” (WAISMAN, 1985, p. 57)
e, ao considerar de forma geral os objetos, trabalhou com tipologias no lugar de
Forma, Função e Estrutura.

Para trabalhar estes objetos, a autora os separou em séries, agrupando aqueles


que são inerentes ao produto arquitetônico (tipologias formais, tipologias
funcionais, tipologias estruturais, tipologias de relação com o entorno, tipologias
de emprego das tecnologias ambientais) daqueles que se caracterizam melhor
como relações entre os primeiros objetos ou entre eles e o universo exterior (as
teorias arquitetônicas, os processos de desenho, as demandas sociais, os
processos de produção).

Os objetos de estudo separados pela autora deveriam possuir uma condição


suficientemente geral de forma a conformar um sistema, por isso trabalhou com
tipologias no lugar de formas, funções, etc; conforme justificou a autora em sua
obra posterior (“O interior da História”), na qual também discorreu sobre esta
metodologia:

32 A necessidade de utilizar o conceito de tipo surgiu para


responder a uma condição histórica precisa da arquitetura, na
qual apenas uma trama de relações entre objetos de
suficiente generalidade, com as tipologias, poderia fornecer
um método de trabalho bastante abrangente, para não
cercear a complexa realidade mediante esquemas estreitos.
(WAISMAN, 2013, p. 115)

No entanto, em seu entendimento, as tipologias funcionais e formais não são


suficientes para “alcançar uma análise em profundidade”, ou para “atingir o
próprio significado do objeto”, como deve ser feito em um estudo histórico (2013,
p.115). Deve-se, para tanto, trabalhar com o máximo de elementos que
conformam os objetos, tais como, a tipologia de relação entre obra e entorno, dos
modos de utilização das técnicas e tipologia estrutural.

Waisman tem como fonte Bruno Zevi. Esse autor indica, em “Saber Ver La
Arquitectura,” - publicado em espanhol em 1951 -, um esquema para o estudo
da arquitetura na história. Segundo Zevi, para uma história válida da arquitetura
deve-se analisar os múltiplos coeficientes que colaboram para a atividade da
construção e que abarcam uma gama de interesses humanos. Para um esquema
de análise histórico-crítica de uma época ou de uma “personalidad artística”, o
autor propõe o estudo dos seguintes fatores:

a) Os fatores sociais. Todo edifício é resultado de um programa


edilício. Esse está fundamentado na situação econômica do
país e dos indivíduos que promovem as construções [...];

b) Os fatores intelectuais, que se diferenciam dos anteriores por


incluir não somente o que é o indivíduo e a coletividade, como
também o que querem ser, o mundo de seus sonhos, de seus
mitos sociais, de suas aspirações e seus credos religiosos.

c) Os fatores técnicos, quer dizer, o progresso das ciências e de


suas aplicações no artesanato e na indústria, [...];

d) O mundo figurativo e estético, o conjunto das concepções e


interpretações da arte e o vocabulário figurativo que em cada
época forma o idioma de onde os poetas extraem palavras e
frases para expressar suas criações em linguagem individual.
[...]

(ZEVI, 1955, p. 42, tradução minha, grifos meus)19

Zevi denomina estes fatores de “materiales, psicológicos y metafísicos comunes


a toda una época” (1995, p.42), os quais não são os únicos para a análise
33
histórico-crítica. Para a completude do estudo, deve-se analisar “la historia
legítima de las personalidades artísticas y a la historia de los monumentos” (1995,
p.42), Para tanto, sugere adicionalmente as seguintes classificações: análise
urbanística, análise arquitetônica, análise volumétrica, análise dos elementos
decorativos, análise da escala.

Waisman portanto, avança na discussão acerca de procedimentos metodológicos


de análise histórico-crítica, criando outras categorias com base nos novos
estudos sobre tipologia (os quais reapareceram na discussão do campo
arquitetônico), além de considerar o seu próprio momento histórico, visto que,
segundo a autora, “o momento histórico em que vive o historiador tem papel

19
“a) Los factores sociales. Todo edificio es el resultado de un programa edilicio. Éste se funda en la
situación económica del país y de los individuos que promueven las construcciones. [...]. b) los
factores intelectuales, que se diferencian de los anteriores por incluir no solamente lo que es el
individuo y la coletividade, sino sus mitos sociales, de sus aspiraciones y de sus credos religiosos; c)
los factores técnicos, es decir, el progresso de las ciências y de sus aplicaciones em el artesanato y
em la indústria. [...]. d) el mundo figurativo y estético, el conjunto de las concepciones e
interpretaciones del arte, y el vocabulário figurativo que em cada época forma el idioma de donde los
poetas extraem palavras y frases para expressar sus creaciones em linguaje individual[...].(ZEVI,
1955, p. 42)
preponderante, já que a história é escrita a partir dos interesses do presente e
com os instrumentos, pré-concepções e projetos do presente” (2013, p. 4). Vale
relembrar que todo o seu esforço para o desenho de uma estrutura analítica foi
fundamentado nos problemas de estudo da arquitetura latino-americana, como
recurso para transcender o conceito superficial e rígido do objeto por si só,
baseado, sobretudo, em critérios estilísticos, conforme justifica:

Uma análise superficial da história europeia e da latino-


americana revelará, de imediato, que nenhuma das duas
pautas [conceitos de causa e mudança] é aplicável à
periodização da arquitetura do subcontinente. Na verdade, na
América Latina não ocorreu um desenvolvimento estilístico
coerente, ou que permita descobrir uma continuidade das
ideias arquitetônicas, pois, ao longo dos séculos, a arquitetura
baseou-se em ideias transculturais, que foram interpretadas,
modificadas ou transformadas de acordo com circunstâncias
histórico-cultural-tecnológicas locais. (WAISMAN, 2013, p.
59)

Em decorrência de todas as suas particularidades, a abordagem de pesquisa


proposta por Marina Waisman serviu de base para a estruturação da metodologia
34 deste estudo. Vale enfatizar a unidade cultural a ser estudada: os edifícios sedes
da Sul América projetados por Roberto Capello no contexto da produção
arquitetônica no Brasil entre as décadas de 1930 a 1950. Delimitada a unidade,
serão expostas as entidades que orientaram a diferenciação dos objetos e as
relações entre elas de maneira a demarcar o material de estudo. O recorte
temporal definido não apresenta, ao que tudo indica, tanta complexidade no
campo arquitetônico quanto o período estudado por Waisman, assunto que será
abordado no decorrer deste trabalho.
MATERIAL DE ESTUDO

Os objetos definidos para o desenvolvimento desta pesquisa, ou seja, os edifícios


sedes da empresa Sul América construídos nas principais cidades brasileiras,
foram delineados pelas seguintes entidades:

 As incipientes demandas sociais, econômicas e comerciais brasileiras do


início do século 20;
 A empresa Sul América, que ao interpretar essas novas demandas
construiu um conjunto de edificações para sediar suas sucursais nos
centros urbanos das principais cidades do país;
 A crítica sobre a arquitetura brasileira relativa ao período do recorte
proposto;
 O arquiteto Roberto Capello, autor dos projetos das sedes da empresa.

A eleição dos edifícios verticais definidos para este estudo segue a forma como
é comumente realizada a diferenciação dos objetos no campo da arquitetura, isto 35

é, pela separação das obras que pertencem a determinadas tipologias e com


valores arquitetônicos ampliados (WAISMAN, 1985).20

O período em que tais edifícios foram construídos reflete as alterações sociais e


tecnológicas, inerentes ao campo da arquitetura, pelas quais o Brasil estava
passando. Novas demandas sociais e novas formas de construir decorrentes do
desenvolvimento tecnológico transformavam as áreas centrais das principais
cidades brasileiras, nas quais as estruturas arquitetônicas produzidas nos
primórdios da composição urbana eram substituídas por edifícios cada vez mais
altos. De uso misto ou uso único, essas edificações simbolizavam o novo modo
de morar ou de trabalhar do brasileiro e representavam as novas tipologias
arquitetônicas, formal e funcional que, paulatinamente, iriam compor a nova
paisagem dos centros urbanos. A empresa Sul América acompanhou esta

20 Segundo Marina Waisman, definidos os objetos em um território delimitado, em uma segunda


instância, o teórico pode descobrir outros objetos reflexão, tais como a beleza, os valores funcionais,
a organicidade ou a racionalidade, a personalidade dos arquitetos, etc. (WAISMAN, 1985).
transição ao construir, nos principais centros urbanos brasileiros, um tipo
arquitetônico formalmente vertical, com técnica construtiva avançada,
racionalizado em seus aspectos formais e, ao mesmo tempo, com soluções
compositivas clássicas. Esses edifícios, além de abrigar a sede das sucursais,
eram alugados para outras empresas e, em alguns casos, para moradia, uma vez
que a atividade imobiliária também fazia parte dos ramos de negócios da
seguradora.

A empresa construiu inúmeros edifícios verticais desde a sua fundação, no final


do século 19. Nas duas primeiras décadas do século 20, a Sul América já possuía
sedes próprias nas cidades de Buenos Aires, Rio de Janeiro e São Paulo,
projetadas por arquitetos diversos.21 Entretanto, os objetos selecionados para
esta pesquisa referem-se apenas às sedes projetadas por Roberto Capello,
imigrante italiano que atuou na empresa no período do recorte temporal proposto:
1930-1950; e que trouxe consigo da Itália uma bagagem de conhecimento no
campo arquitetônico construída a partir de sua formação no Politecnico di Torino,
36
na de Piemonte. Desta forma, a autoria constituiu, também, um elemento (ou
entidade) de diferenciação, fator que justifica a análise da trajetória do
profissional. São, comprovadamente, de sua autoria, as sedes construídas nas
seguintes cidades: Curitiba/PR (sede Sul América); Recife/PE (sedes Sul
América e SULACAP); Juiz de Fora/MG (sede SULACAP); Porto Alegre/RS
(sedes Sul América e SULACAP); Santos/SP (sede SULACAP); Belo
Horizonte/MG (sedes Sul América e SULACAP); Salvador/BA (sedes Sul América
e SULACAP) e Fortaleza/CE (sede Sul América).

A ordem das análises não é fixa, mas neste caso o ponto de partida será a
abordagem das entidades de diferenciação, já que as mesmas contribuíram para
a formação e diferenciação dos objetos e servirão – ou não - para iluminar o
contexto da produção arquitetônica do período estabelecido. Desse modo, o
Capítulo 01 comporta as análises destas entidades, as quais compõem os
subcapítulos, a saber: A empresa Sul América (1.1); Concepções teóricas / A
historiografia referente à produção da arquitetura brasileira da primeira metade

21 Ver subcapítulo 1.1.


do século 20 e suas bases (1.2); As demandas sociais brasileiras na primeira
metade do século 20 e o tipo arquitetônico vertical (1.3). Já a discussão sobre a
trajetória do profissional Roberto Capello, a despeito de compor o material de
análise, será destacada em um capítulo à parte (Capítulo 2), em função da
representatividade da pesquisa sobre o autor, até então inédita.

No Capítulo 3, serão analisados os objetos definidos pelo sistema (ou conjunto)


de diferenciações, ou seja, os edifícios sedes da empresa Sul América. O estudo
referenciado de cada edifício será realizado segundo os aspectos formais,
funcionais e de sua relação com o entorno, conforme justificado neste item.

Por fim, em Considerações Finais serão estruturadas as relações entre os


materiais de análise trabalhados ao longo da pesquisa com o objetivo de
responder as dúvidas inicialmente propostas ou outras levantadas durante a
investigação, sobretudo aquelas estruturadas em relação à representatividade da
produção arquitetônica de Roberto Capello para a empresa Sul América no
contexto da produção brasileira.
37
38
CAPÍTULO 01
39

Os elementos de análise
Figura 1– Corpo do Edifício SULACAP de Recife/segundo projeto de Capello para a
40 seguradora. Foto: Karine de Arimateia, Dez. 2017.
41

1.1. A EMPRESA SUL AMÉRICA


42

Figura 2– Desenho em perspectiva da ampliação da primeira sede construída pela


empresa Sul América, no Rio de Janeiro – Fonte Revista Sul América/nº 58, Ano
XV, contracapa/Abr. 1934.
A FUNDAÇÃO E A PRIMEIRA SEDE CONSTRUÍDA

No período inicial da República brasileira, o ramo de seguradoras era dominado


por empresas estrangeiras,22 dentre elas a Equitable e a New York Life
Ensurance, essa representada no Brasil pelo espanhol Joaquim Sanchez de
Larragoiti,23 que chegou a gerenciar os negócios da empresa na América do Sul
e nas Antilhas.24 Em 1895, Larragoiti, com a colaboração do seu genro Sr. Justus
Wallerstein,25 aproveitando-se da publicação da lei brasileira nº 294/1895 que
limitou o funcionamento de companhias seguradoras estrangeiras no Brasil,
fundou no Rio de Janeiro uma seguradora totalmente brasileira: a Sul América
Companhia Nacional de Seguros de Vida (SALIC).26

Naquela época, a comercialização de seguros de vida era bastante restrita em


função da complexidade da operação do negócio, o que não foi empecilho para
Larragoiti que, dotado de experiência prévia, fundou a Sul América com a
colaboração de outros profissionais especializados, dentre eles o médico João
43
Moreira de Magalhães, responsável pela obtenção da autorização oficial para
concretizar o negócio (RIBAS e CARDOSO, 1985).

22 Até então, havia no Brasil duas seguradoras nacionais, a Previdência, fundada em 1854, e a
Tranquilidade, em 1855, ambas destinadas a segurar a vida dos escravos. Fonte: Revista Sul
América/nº 12, p. 20/dez. 1978.
23 O espanhol Joaquim Sanches de Larragoiti migrou para os Estados Unidos aos sete anos de
idade, onde trabalhou, já na idade adulta, com o comércio de exportação nas Antilhas, Havana e São
Domingos. Chegou a retornar à Europa, mas ao saber que os negócios iniciados na América estavam
em decadência, voltou e iniciou sua atuação na New York Life Ensurance. Chegou ao Brasil em 1882
representando essa empresa como diretor do departamento hispano-americano. Fonte: RIBAS, Ana
Maria; CARDOSO, Maria Helena Cabral de Almeida. A história da Sul América na memória de seus
funcionários. 1985. Não publicado. Este trabalho encontra-se indicado no currículo Lattes da
pesquisadora Ana Maria Ribas como “Projeto de Pesquisa coordenado pelas Profas. Dra. Maria
Eulália Lobo e Dra. Bárbara Levy e apresentado à Assessoria Cultural da Presidência, tendo em vista
a comemoração dos 95 anos de fundação da Sul América Seguros”. A versão impressa encontra-se
no acervo da Sul América.
24 Revista Sul América/nº 13, Ano 4, p. 6.
25 Também funcionário da New York Live Insurance na América do Sul, assumindo a direção da Sul
América após o falecimento de Larragoitti, em 1907. “A Sul América Companhia Nacional de Seguros
de Vida aos 40 annos.“ Rio de Janeiro, 1935. Não publicado. Disponível no Acervo Sul América.
26 Revista Sul América, 1994.
Em 1901, a Sul América ampliou sua atuação ao abrir sucursais na Argentina,
Peru, Chile e Equador e ao encampar as companhias União Paraense, com sede
em Belém do Pará, e a Educadora,
Figura 3 – Sede da Sul América em Buenos
Aires. com sede na cidade do Rio de
Janeiro. No ano de 1913, com a
perspectiva do crescimento urbano,
industrial e portuário brasileiro, a
família Larragoiti adquiriu a Anglo
Americana Sociedade de Seguros e
Resseguros Terrestres e Marítimos,
a qual, em 1928, tornou-se a Sul
América Terrestre Marítima
27
(SATMA) , empresa que lançou o
tipo de seguro para acidentes
44 pessoais no Brasil.28

No decorrer da primeira década do


século 20, as sucursais SALIC do
Peru e da Argentina já possuíam
suas sedes próprias.29 É digno de
Fonte – menção o edifício construído em
http://wikimapia.org/17299696/es/Edificio-La-
Sud-Am%C3%A9rica – acesso em ago. 2017 Buenos Aires, na Calle 25 de Mayo,
nº 267/73, região que se firmava
como o centro financeiro daquela capital (FIGURA 3).

O crescimento verificado nas duas primeiras décadas do século 20 foi


interrompido pelas graves consequências das crises geradas pela Primeira
Guerra Mundial e pela epidemia da gripe espanhola, em 1918. Superada a

27 Boletim SATMA/nº24, Ano IX, p.?/dez. 1949.


28 A empresa também foi a pioneira no lançamento dos seguros Fidelidade, Chefe de Família e
Hospitalar Operatório no Brasil. Boletim SATMA/nº 54, Ano XVI, p.20/julh e set. 1956
29 Revista Sul América/nº 28, Ano 7 p 4, out. 1926.
turbulência, seria fundada em 1922 a Figura 4 – Capa da Revista Sul
América/nº 08, Ano 2, 1921.
sucursal espanhola30 e, em 1929, a Sul
América Capitalização (SULACAP), outro
braço da empresa mãe.

As três empresas - SALIC, SULACAP e


SATMA -, as quais futuramente iriam se
fundir para a formação de um grupo único,
dominavam, no início do século 20, o ramo
dos seguros no Brasil.

A partir de 1920, todos os feitos da SALIC


passaram a ser informados aos seus
segurados na Revista Sul América. O
periódico, com tiragem trimestral, também
era requisitado por outros públicos em
função da diversidade do seu conteúdo,
alcançando uma produção significativa ao Fonte – Acervo Sul América. 45
longo dos anos e atingindo, em 1929,
cinquenta mil exemplares, quando foi considerada uma das revistas de maior
circulação do país.31 Suas capas eram ilustradas por grandes artistas, dentre eles
Carlos Oswald (1882, Florença, Itália - 1971, Petrópolis, RJ), J. Carlos, Francis
Pelicheck (1896, República Tcheca, Praga - 1935, Porto Alegre, RS) e Orozio
Belem (1903, Sabará, MG — 1985, Rio de Janeiro, RJ).32 Além da Revista Sul
América, a empresa publicava o Boletim SATMA e o periódico intitulado Notícias
de SULACAP, esses apenas destinados à comunicação interna.

No ano de 1923, a SALIC já possuía sucursais em São Paulo, Rio Grande do Sul,
Minas Gerais, Bahia, Pernambuco e Ceará. Nesse mesmo ano, constava a

30 Fonte: publicação interna comemorativa dos 75 anos da empresa: A Sul América aso 75 anos
(1895-1970)/Acervo Sul América.
31 Revista Sul América/nº 100 e 101, Ano 29, p 5, jan a jun. 1945.
32 Revista Sul América/nº 48, Ano 12, p. 31, out. 1931.
existência de sucursais também no território europeu, tais como na Espanha,33
França e Inglaterra.34 No ano seguinte, a empresa expandiu seus negócios com
a transferência das carteiras de clientes da New York Life Ensurance do Brasil,
Chile e Argentina, uma vez que essa empresa limitou a atuação de seus negócios
nos territórios dos Estados Unidos e Canadá.

Com a fundação da SALIC em 1895, trataram os responsáveis de definirem o


melhor local para suas primeiras instalações na cidade do Rio de Janeiro.
Naquela época, o centro da cidade era a região mais destacada e com maior
visibilidade, principalmente as imediações da antiga Rua do Hospício (atual Rua
Buenos Aires), onde o edifício de nº 31, considerado uma das construções mais
altas da capital, foi alugado para o funcionamento das instalações da empresa
(FIGURA 5). Após cinco anos de funcionamento nesta edificação, suas
instalações foram transferidas para um edifício próprio, de quatro pavimentos, na
Rua do Ouvidor,35 considerada na época o ponto de encontro mais movimentado
46
Figura 5 – Primeira sede (1897 a 1902) Figura 6 – Sede da Rua do Ouvidor
antiga Rua do Hospício, nº 31. nº 66 (1902 a 1921).

Fonte - Revista Sul América/nº 13, Ano 4, Fonte - Revista Sul América/nº 28, Ano
1923 - Acervo Sul América 7, p. 3/Out. 1926.

33 Na Espanha, país natal do fundador, a Sul América possuía outras três empresas: a Fundation
Larragoiti, América e a Sul América Vida. RIBAS e CARDOSO, 1985. P. 50.
34 Revista Sul América/nº 13, Ano 4, p. 8.
35 Revista Sul América/nº 12, p. 19/dez. 1978
da cidade, com a presença dos principais hotéis, cafés e sedes de jornais
renomados da capital.

A empresa permaneceu nesta edificação por mais de vinte anos, quando se


transferiu, provisoriamente, para o Lyceu de Artes e Officios, então localizado na
Rua Bethencourt da Silva, nº 13,36 visto que a sede da Rua Ouvidor e mais outras
três edificações vizinhas adquiridas pela empresa seriam demolidas para a
construção de um novo edifício, maior e mais adequado. A notícia da construção
da nova sede foi publicada em 1922 na Revista Sul América:

CONCLUIDA a demolição do predio velho, e dos contíguos


que foram adquiridos, começou a construção da nova sede
da ‘SUL AMERICA’. O projecto foi muito estudado pela
Diretcoria sob os pontos de vista da distribuição dos serviços
[...]. A esquina, como se sabe, é formada pelas ruas da
Quitanda e Ouvidor, coração da Cidade comercial. (Revista
Sul América/nº 10, Ano 3, p. 5/abril de 1922)

Figura 7 - Sede de 1925

A inauguração da nova sede foi


47
comemorada em 12 de agosto de 1925,
juntamente com o aniversário de trinta
anos da empresa. A edificação foi
projetada pelos arquitetos Robert
Prentice (1883-1960) e Joseph Gire
(1872-1933) (CZAJKOWSKI, 2000) e
sofreu várias reformas ao longo de sua
existência, como a de 1934, que ampliou
as fachadas da Rua do Ouvidor (FIGURA
8).37 A despeito dessas e de outras
alterações, trata-se da mesma edificação
ainda remanescente na esquina da Rua
Fonte - Revista Sul América/nº 10, Ano 3,
p. 5/Abril de 1922.

36 Revista Sul América/nº 10, Ano 3, p. 5/abril de 1922.


37 Revista Sul América/nº 57, Ano XV, p. ?/jan. 1934.
Figura 8 – Sede da Rua do Ouvidor, ampliada. do Ouvidor com Rua da Quitanda,
onde a empresa funcionou até a
sua transferência para a atual sede,
localizada na Rua Beatriz Larragoiti
Lucas, 121, Bairro Cidade Nova.

Neste ponto, vale comentar a


relação do arquiteto Robert
Prentice com a empresa Sul
América. Sobre o arquiteto, são
raras as informações a respeito de
sua trajetória profissional, e as que
existem são, muitas vezes,
contraditórias. Por exemplo, Clévio
Rabelo (2011) registrou em sua
tese de doutoramento que Prentice
Fonte - Revista Sul América/nº 58, Ano XV,
48 contracapa/Abr. 1934. era de família escocesa, nascera no
Peru, diplomara-se na Royal Institute of Britich Architects e migrara para o Brasil
no ano de 1924 para trabalhar no escritório de Joseph Gire, onde desenvolveu o
projeto do edifício Sul América do Rio de Janeiro.38 Já Tiago Seneme Franco
(2009), baseando-se no texto intitulado Reencuentro com la arquitectura del siglo
XX, de Patrícia Méndez (2006), registrou que:

Robert Prentice, que também possuía formação na Escola de


Belas Artes de Paris, após rápida passagem pelo escritório
de Mewes & Davis em Londres no ano de 1907, inicia sua
carreira em Buenos Aires em 1913, associado ao arquiteto
francês Louis Faure Dujarric, de mesma formação. Por volta
de 1924, Prentice inicia sua aproximação com o Brasil,
fixando escritório no Rio de Janeiro em 1930, associado ao
arquiteto austríaco Anton Floderer. (FRANCO, 2009, p. 25)

Fato é que Robert Russell Prentice, no Brasil, integrou a sociedade de alguns


escritórios com ampla atuação na cidade do Rio de Janeiro, assinando projetos
emblemáticos tanto nessa cidade, como também em São Paulo, Salvador e em

38 Para essas informações, Rabelo baseou-se em um artigo de Priscila L. Farias (2008).


Buenos Aires. Segundo Rabelo (2011), depois da parceria com Joseph Gire,
associou-se com o arquiteto austríaco Anton Benjamin Floderer (1884-1972) e,
junto com esse profissional, assinou inúmeras obras que se tornaram referência
no campo arquitetônico brasileiro, tais como o Banco de Londres (1925), a
Estação Ferroviária Leopoldina (1926), a Biblioteca do Itamaraty (1927-
concurso), a Usina do Gasômetro de Porto Alegre (1928), o Edifício Itaoca (1928)
(RABELO, 2011). Ainda durante a sociedade com Floderer, empregou o arquiteto
francês Jacques Pilon (1905 - 1962) e, na ocasião, o incumbiu de coordenar as
obras do edifício SULACAP em São Paulo, na década de 1930, o qual contém a
marca de Pilon estampada em sua fachada (SILVA, 2012. p. 59).39 A despeito
das fontes inseguras, além das obras emblemáticas no Rio de Janeiro e em
outras capitais brasileiras, há referências de que a sede da Sul América na capital
da Argentina é de sua autoria, 41 assim como a Estação Ferroviária Central de
Córdoba, cujo projeto assinou conjuntamente com o arquiteto francês Faure
Dujarric.42 Dujarric diplomou-se na École des Beaux-Arts em 1899 (D’ELBOUX,
2018) e, em 1905, desembarcou na Argentina (FONSECA e GALCERÁN, 2019),
onde assinou alguns projetos exemplares na capital.43 Se é exata a informação 49

de que Robert Prentice iniciou sua carreira em Buenos Aires associando-se com
Dujarric (FRANCO, 2009), onde desenvolveu o projeto da sede da Sul América

39
Para conhecimento da trajetória profissional do arquiteto francês Jacques Pilon, ver o livro de Joana
Mello de Carvalho e Silva, intitulado “O arquiteto e a produção da cidade: a experiência de Jacques
Pilom, 1930-1960, publicado em 2012.
41
Fontes:.https://www.lanacion.com.ar/213441-estaciones-de-trenes-br-patrimonio-nacional e
https://archiseek.com/2013/1919-houlder-building-buenos-aires-argentina/ acesso em 15 nov. 2020.
42
Fonte: http://wikimapia.org/17299696/es/Edificio-La-Sud-Am%C3%A9rica– acesso em jul. 2018.
43
O artigo intitulado Manifestaciones compositivas de la formación Beaux Arts en la diversidad
programática materializada por los arquitectos de la Elite en la Provincia de Buenos Aires. 1880-1930,
publicado no Congreso Internacional Beaux-Arts em 2019. por José Ignacio Fonseca e Virginia
Galcerán fornece mais informações sobre Dujarric, Segundo os autores: “Se sumó en la producción
arquitectónica como profesional independiente el arquitecto Paul Louis Faure Dujarric, quien nació en
París en 1875. Estudió en el Atelier de Jules Godefroy y Eugene Freynet. Siendo estudiante obtuvo
numerosos premios y menciones. También fue su maestro, Jean Louis Pascal. Cursó estudios en la
EBA hasta su egresso en 1899. . En 1905 se trasladó a la Argentina, respondiendo a los
requerimientos de uma elite que por entonces encontraba en la arquitectura francesa el modelo
principal de referencia. En 1909 se contactó con la familia Unzué y posteriormente, a pedido de las
hermanas Unzué proyectó un Asilo de Huérfanas en Mar del Plata. Diseño además San Jacinto en
Dolores para María de los Remedios Unzué. En 1910, la Comisión Directiva del Hipódromo Argentino
lo convocó para diseñar la Tribuna Principal del centro hípico. Por otra parte, junto al arquitecto inglés
Robert Prentice, elaboró la ampliación de la Terminal ferroviaria en Retiro del Ferrocarril Central
Córdoba. Os autores referem-se a Prentice como “arquiteto inglês”, porém sua origem é peruana, e
com descendência escocesa (RABELO, 2011).
argentina, pode-se extrair que o início da parceria com a empresa aconteceu
nesse período e que, provavelmente, foi este o motivo de sua transferência para
o Brasil, para onde levou consigo, inclusive, a encomenda do projeto da primeira
sede da empresa no Rio de Janeiro, desenvolvendo-o em parceria com Joseph
Gire. Certo é que a primeira sede da Sul América em São Paulo também foi
assinada por Prentice, em parceria com Dujarric e Pilon (FRANCO, 2009), antes
de 1928. A trajetória profissional de Robert Prentice carece, sem dúvidas, de
estudos sistemáticos, visto que as informações existentes nos textos que o
referenciam são contraditórias e confundem o entendimento de sua vida e obra.

Nota-se, portanto, a estreita relação de Prentice com a empresa Sul América nas
suas primeiras décadas de atuação no Brasil, relação que se perdeu,
possivelmente, em função da contratação do italiano Roberto Capello para
integrar o “Departamento de Propriedades e Hypothecas”, cuja existência é
registrada no ano 1935 no livro comemorativo de quarenta anos da empresa:

50 Este Departamento, para desempenho dos trabalhos a seu


cargo, conta, além do Chefe, com 5 funccionarios, um
avaliador effectivo e um substituto, estando a parte thecnica
de elaboração de projectos de construcção, fiscalização de
obras, etc, a cargo de um engenheiro civil e architecto, o Dr,
Roberto Capello, auxiliado por um desenhista.44

O arquiteto Roberto Capello, a partir daí, será o responsável, até o final da década
de 1940, por todos os projetos das sedes da empresa Sul América e de suas
ramificações - como a SULACAP - nas principais cidades brasileiras, com
exceção do projeto do SULACAP de Niterói/RJ (que, a princípio, em função das
características plásticas do edifício, foi atribuído a Capello), no qual aparece
novamente o nome de Prentice como autor e com data de aprovação na
prefeitura no ano de 1948. É evidente que essa data não necessariamente indica
o ano da execução do projeto, no entanto, o carimbo de Prentice não é
acompanhado da data de execução dos desenhos. O que tudo indica é que a
aprovação do projeto foi realizada após o término da obra, já que a edição da

44
“A Sul América Companhia Nacional de Seguros de Vida aos 40 annos.” Acervo Sul América.
Revista Sul América referente a janeiro e junho de 1946 informou o andamento
da obra nesse ano:

Continuam em andamento e já bem adiantadas as obras do


edifício da Sucursal da Bahia, na Rua Chile, esquina de Tomé
de Souza, na cidade de Salvador e do edifício de Niterói na
Avenida Ernani do Amaral Peixoto, esquina da Rua Visconde
do Rio Branco. (Revista Sul América/nº 104 e 105, Ano 27,
p. 27/ jan. a jun. 1946)

A possibilidade de que este projeto tivesse sido desenvolvido por Prentice antes
da contratação de Capello, ou seja, antes de 1935, foi anulada com a informação
de que o terreno foi adquirido pela empresa no ano de 1943.45 Diante disso, a
hipótese mais provável que justifique a autoria de Prentice neste projeto seria a
de que Capello estaria sobrecarregado com a elaboração de tantos projetos no
início da década de 1940, quando estavam em andamento as concepções e/ou
obras das sedes de Salvador, Fortaleza, Porto Alegre e Belo Horizonte.

Figura 9: Pranchas do projeto arquitetônico da sede da SULACAP em Niterói/RJ, com o carimbo


de Robert Prentice
51

Fonte: Administração do condomínio


do edifício SULACAP Niterói/2019.

45
Revista Sul América/nº 92, Ano 24, p. 19/ jun. 1943.
Retornando à primeira sede do Rio de Janeiro, essa, mesmo ampliada, não
suportou todas as instalações da empresa, que continuava expandindo seus
negócios. O serviço de tipografia encontrava-se instalado em um edifício na
Praça da República, nº 17, e os demais setores funcionavam na Agência
Metropolitana, localizada na Avenida Rio Branco, nº 157.

Como era de costume, no ano de 1928, a SALIC noticiou em seu balanço anual
o patrimônio imobiliário constituído pela empresa. Dentre outros itens, constava,
além de quatro edifícios no Rio de Janeiro, a construção do edifício para a
sucursal de São Paulo, a notícia sobre a reforma do edifício da sucursal de Porto
Alegre (Rua General Câmara, nº 352) e a intenção de construção do edifício de
apartamentos na Rua Laranjeiras, denominado Jardim Sul América, na cidade do
Rio de Janeiro.46

Neste ponto, vale destacar que a empresa passou a diversificar seus negócios
ao investir no mercado imobiliário, incorporando seus próprios edifícios, como se
52 verá adiante.

46
Revista Sul América/nº 35, Ano 9, p. 11/jul. 1928.
AS DEMAIS SEDES

Na cidade de São Paulo, a sede da Sul América foi inaugurada em 29 de outubro


de 1928, em terreno de esquina conformado pelas ruas João Brícola e Boa Vista,
na área central da cidade. Até a sua inauguração, a sucursal da capital paulista
funcionava em um modesto prédio da Rua São Bento.47 A intenção de se
construir um novo edifício nesta capital foi noticiada pelo periódico da empresa
em 1926:

Foi adquirido o prédio nº 41 da rua da Boa Vista [...]. O predio


comprado vae ser demolido para construção de outro de
cimento armado, architectonicamente belo, e com a largueza
necessaria para o funccionamento de todas as secções de
uma verdadeira Succursal. A rua da Boa Vista é no coração
da cidade: começa no Largo de São Bento. A Capital de São
Paulo contará mais um bom prédio, e esse terá na sua
fachada o nome da ‘Sul America’. (Revista Sul América/nº 28,
Ano 7,p. 24/ out. 1926)

Para a construção da nova sede de São Figura 10 – Sede de São Paulo


publicada na Revista Sul América. 53
Paulo foi necessária a demolição dos
prédios de nºs 23 e 25 da Rua João Brícola
e os números 41 e 43 da Rua Boa Vista. O
projeto original foi assinado pelo arquiteto
francês Louis Faure Dujarric (o mesmo que,
possivelmente, projetou, junto com
Prentice, a Estação Central de Córdoba e a
sede da Sul América em Buenos Aires) e,
em função da aquisição dos novos terrenos,
sofreu alteração antes da construção, sob a
responsabilidade do escritório de
arquitetura Monteiro & Aranha, o qual
também foi responsável pela obra. Notícia

Fonte - Revista Sul América/nº


extra, Ano 9, p. 24/nov. 1928

47 Revista Sul América/nº 14, p. 5/ set. a nov. 1979.


Figura 11 – Antiga da sede SALIC de publicada no periódico da empresa, de
São Paulo, foto atual / cúpula em aço
novembro de 1928 (edição
removida
extraordinária), detalhou a construção,
acabamentos e disposições internas da
obra, e apresentou fotografias com
ênfase para a cúpula em aço, revestida
em ardósia. Analisando a imagem do
Figura 12 – Construção da sede
de São Paulo / cúpula em aço.

54

Fonte - Karine de Arimateia – jul.


2017.

edifício e comparando-a com a edificação


existente hoje no mesmo terreno, conclui-se
que trata-se da mesma estrutura arquitetônica,
porém desprovida da cúpula. A revista também
registrou o nome do engenheiro da Sul América
que acompanhou a obra, Sr. João Florence
Ulhôa Cintra (1887-1944).48

Fonte - Revista Sul América/nº


extra, Ano 9, p. 24/nov. 1928

48 Revista Sul América/nº extra, Ano 9, p. 20/nov. 1928. Ulhôa Cintra teve papel fundamental em duas
obras urbanísticas da capital paulista, a canalização do rio Tietê e o Plano de Avenidas, quando
trabalhou na prefeitura municipal ocupando os cargos de chefe da Divisão de Urbanismo da Prefeitura
e da Comissão de Melhoramentos do Tietê ao substituir Saturnino de Brito em 1927. Funcionário
público desta prefeitura deste 1913, tornou-se professor da cadeira de hidráulica urbana na Escola
Politécnica de São Paulo, onde se formou em engenharia civil (LUCCHESE, 2015).
Nos anos 1930, em meio à crise econômica mundial, a SALIC inaugurou
agências49 em Fortaleza, Pará, Maranhão, Paraíba e Alagoas. Até então, as
únicas sucursais com sedes próprias eram as do Rio de Janeiro, São Paulo e
Porto Alegre,50 essa em edifício adquirido para tal fim, e não construído pela
empresa, o que vai ser efetivado apenas na década de 1940, após a aquisição
de terrenos na capital gaúcha.

Em 1936, já havia registros da construção do edifício sede da Sul América de


Recife, capital de Pernambuco e em Curitiba, no Paraná. Para a construção da
nova sede na capital pernambucana, foram adquiridos os antigos prédios de nº
87 e 95 da Rua Segismundo Gonçalves e o nº 21 da Rua Laranjeiras.51 Ambos
foram demolidos para dar lugar à nova sede, de sete pavimentos, projetada pelo
arquiteto Roberto Capello, conforme informou o periódico da empresa:

Figura 13 – Projeto da sede da


Sul América de Recife.
Vae assim ficar a capital de Pernambuco
enriquecida com um importante imóvel e a Sul
America terá retribuido de algum modo a confiança
que aquelle povo em todos momentos testemunhou 55
à Companhia. [...] reproduzimos a perspectiva do
futuro edificio, como o concebeu o architecto
Roberto Capello, a quem se deve também o
projecto do edificio da Succursal da Sul America,
que acaba de ser construido em Curityba. (Revista
Sul América/nº 67, Ano 17, p. 30/Jul. 1936)

Fonte - Revista SulAmérica/nº 67, Ano 17, p. 31/Jul. 1936.

49 As filiais sem sede próprias eram denominadas de agências.


50 Revista Sul América/nº 58, Ano XV, p. ?/Abr. 1934.
51
Estes endereços não coincidem com a atual localização da edificação.
Figura 14 – Projeto da sede de Sobre a obra da sede de Curitiba, informou o
Curitiba.
mesmo periódico:

[...] o edificio apresenta nos seis pavimentos um


aspecto muito agradavel pela sua architectura
moderna, pela simplicidade de linhas e pelas
proporções do conjunto. Projecto e execução
ficaram a cargo do jovem mas já notavel
architecto Dr. Roberto Capello. (Revista Sul
América/nº 68, Ano 17, p. 31/out. 1936)

Na década de 1940, a empresa,


acompanhando o aquecimento do mercado
imobiliário brasileiro e do exterior, seguiu
com seu objetivo de construir sedes nas
principais capitais brasileiras e também em
Fonte - Revista SulAmérica/nº 68, cidades da América Latina. No ano de 1940,
Ano 17, p. 30/out. 1936.
por exemplo, foi inaugurada a sede Sul
56 Figura 15 – Sede de Lima/Peru –
atual Edifício Sudamerica. América de Porto Alegre52 e lançada a pedra
fundamental para a construção da sede da
SULACAP em Salvador.53 Já em 1941, é
inaugurada a sede da SALIC em Lima, no
Peru, na Praça San Martin, área central da
capital. Nesta cidade, o edifício seguiu uma
linguagem arquitetônica totalmente distinta
dos edifícios que estavam sendo construídos
no Brasil. O projeto foi assinado pelo
arquiteto José Alvarez Calderón e a
construção ficou a cargo da empresa Fred
T.Ley Cia.Ltda.54
Fonte -
http://plazasanmartin.blogspot.com/2
009/08/edificio-sudamericana-
1941.html – acesso em jul. 2017.

52 Revista Sul América/nº 12, p. 24/Dez. 1978


53 Na ocasião, viajaram para Salvador os diretores da empresa e o Sr. Edoardo Humitzch,
representante do arquiteto autor do projeto, Roberto Capello. Revista Notícias de Sulacap/nº47, Ano
4, p.?/Jul. 1940.
54 http://livingaroundart.com/portfolio-item/edificiosudamericana/ - acesso em Jul. 2017
No ano de 1942, estavam em andamento as obras em Belo Horizonte. Para essa
capital, Roberto Capello projetou um conjunto formado por dois edifícios, para
sediar tanto a Sul América quanto a SULACAP. No Rio de Janeiro, nesse mesmo
ano, a empresa adquiriu o imóvel da Av. Rio Branco, nº 138, contíguo ao 140,
onde se localizava a antiga Agência Metropolitana, já mencionada. Os dois
edifícios foram demolidos para a construção de único prédio para servir de sede
da Agência e também para locação. No mesmo ano, em Guayaquil, Equador, a
empresa adquiriu um edifício que também seria demolido para a construção da
nova sede nesse país (Calle Malecón Simon Bolivar, esquina com General Juan
Illingworth).55 Ainda em 1942, a Sul América adquiriu em Fortaleza dois prédios
contíguos na Rua Floriano Peixoto, esquina com a Rua Pará, para a construção
da sede na capital cearense.56

Já no ano de 1943, houve a aquisição de dois edifícios em Florianópolis, na


Avenida 15 de Novembro, esquina com Rua Padre Miguelino, e de um terreno
em Niterói, na Avenida Ernani do Amaral Peixoto, esquina com Rua Visconde do
Rio Branco. Em ambas as cidades seriam construídas as novas sedes da 57
SULACAP.

Em relação ao edifício de Florianópolis, a localização registrada na época da


aquisição do terreno não permitiu identificar sua presença no espaço urbano
atual, o que gerou dúvidas se a sua construção havia ocorrido de fato. Diante de
tais dúvidas, iniciou-se uma busca para identificar a existência do edifício nas
proximidades da Praça XV de Novembro, visto que a Rua Padre Miguelino,
indicada na Revista como conformadora do lote com a Avenida 15 de Novembro,
finaliza-se nesta praça; porém nenhum edifício possuía características similares
às demais sedes empresa. Em seguida, realizou-se a busca em trabalhos
acadêmicos disponíveis em meio digital e também na Hemeroteca Digital
Catarinense com o objetivo de encontrar alguma referência sobre a sede. Essa
pesquisa resultou no levantamento de um artigo, uma tese e um livro que a
referenciavam, porém ambos não apresentavam sua localização, autoria,

55 Revista Sul América/nº 90, Ano 23, p. ?/abril, maio, jun. 1942.
56 Revista Sul América/nº 92, Ano 24, p. 19/ jun. 1943.
tampouco uma imagem ilustrativa do
Figura 16 – Edifício Sul América de
Florianópolis. edifício. Diante dos fatos, a dúvida foi
relatada, via e-mail, ao professor
Reinaldo Lindolfo Lohn, integrante do
Departamento de História da
Universidade do Estado de Santa
Catarina e autor do artigo levantado,
intitulado “Limites da utopia: cidade e
modernização no Brasil
desenvolvimentista (Florianópolis,
década de 1950),” que confirmou a
existência da antiga sede da Sul
América na Rua dos Ilhéus, esquina com
Fonte - Imagem gentilmente cedida por
Reinaldo Lindolfo Lohn/ modificada. Praça XV de Novembro. A despeito do
edifício apresentar características
Figura 17 – Projeto do Edifício
58 Sulacap/Recife. arquitetônicas similares às demais
sedes, não foi possível, até o momento,
confirmar se o projeto arquitetônico foi
elaborado por Roberto Capello.

Em 1944, é noticiada a inauguração da


sede da SULACAP em Recife, na
Avenida Guararapes, nº 111, para onde
também foram transferidos os escritórios
da SATMA nesta capital. 57

No ano de 1945, a empresa adquiriu dois


prédios na cidade do Rio de Janeiro, um
deles localizado na Rua da Quitanda, nº
92, e outro na Rua do Rosário, nº 85,
Fonte - Revista Notícias de para viabilizar o plano de acréscimo do
Sulacap/nº51, Ano 5, p.11/Nov. 1940.
primeiro edifício sede, que já havia sido

57
Boletim SATMA/nºs 21 e 22, Ano IX, p.7/mar. 1949.
ampliado em 1934. Ainda nesse ano, a empresa comprou outro edifício, desta
vez em Manaus, na Av. Sete de Setembro, esquina com Praça 15 de Novembro,
para instalar sua sede própria naquele estado. A busca pela existência dessa
sede e a de Belém, cuja construção foi informada na Revista Sul América nº 135,
de 1954, seguiu o mesmo caminho da pesquisa feita em Florianópolis, no
entanto, nenhum dado que confirmasse a existência no espaço urbano atual das
capitais foi encontrado. Entretanto, o andamento da obra da sede de Manaus foi
noticiado no periódico nº 131, de janeiro de 1953.

Em 1946, o edifício sede da Agência Figura 18 – Edifício sede de Belo Horizonte.

Metropolitana no Rio de Janeiro, assim


como o conjunto arquitetônico de Belo
Horizonte, já estavam concluídos. Em
andamento estavam as obras da sede
da Sul América de Salvador (Rua
Chile, equina com Rua Tomé de
Souza, inaugurado em 1951)58, e da 59
sede da SULACAP de Niterói. Em fase
de elaboração estavam os projetos
para as sedes de Fortaleza (Sul
América) e o de Florianópolis (Sul
América).59

No final da década de 1940, é


inaugurado o edifício sede da Sul
América Terrestre Marítima (SATMA)
Fonte – Acervo do condomínio
no Rio de Janeiro,60 cujo evento foi SULACAP/Belo Horizonte.

58
Revista Sul América/nº 127, Ano 33, p. 30/ fev. e mar. 1952.
59
Revista Sul América/nº 104 e 105, Ano 27, p. 27/ jan. a jun. 1946.
60
Boletim SATMA/nº24, Ano IX, p.?/dez. 1949.
Figuras 19 e 20 – Edifício sede da SATMA, Rio de Janeiro/ainda existente.

Fonte – Boletim SATMA/nº24, Ano IX, p.?/dez. 1949.


60
acompanhado de uma exposição sobre arte moderna, noticiada pelos principais
jornais cariocas como a maior mostra até então produzida no país. A ideia da
exposição foi apoiada pelos dois mais importantes museus do país, o Museu de
Arte, sob o comando de Assis Chateaubriand, e o Museu de Arte Moderna, de
Francisco Matarazzo. A mostra, que recebeu a consultoria de Rodrigo Mello
Franco de Andrade, então diretor do SPHAN (Serviço do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional), expôs obras de artistas como Picasso, Renoir, Matisse, Miró,
Portinari, Anita Mafaltti, dentre expoentes da arte moderna. 61

A empresa apoiava constantemente a arte brasileira, financiando exposições,


publicações de livros, bem como adquirindo obras de arte dos artistas que se
destacavam no cenário brasileiro. Como exemplo, em janeiro de 1952, a SALIC,
em conjunto com o Banco Hipotecário Lar Brasileiro e o Instituto Larragoiti,
publicou o livro “Artes Plásticas no Brasil”, cujo conteúdo foi assinado por nomes
ilustres, tais como, Rodrigo Mello Franco de Andrade, Cecília Meireles, Frederico

61
A exposição foi noticiada em vários jornais, dentre eles, o Correio da Manhã (RJ), ano 1949,
edição 17219, disponível em:
http://memoria.bn.br/DocReader/Hotpage/HotpageBN.aspx?bib=089842_05&pagfis=47111&url=http
://memoria.bn.br/docreader# - acesso em set. 2017.
Barata e outros. Além dessa obra, a empresa também apoiou a publicação dos
livros “Roberto Burle Marx: um retrato”, de Laurence Fleming (1996), “Arte
brasileira: do modernismo à contemporaneidade vista através do acervo da Sul
América”, de Frederico Morais (1995) e “Acervo do Grupo Sul América de
Seguros: artistas brasileiros”, de Walmir Ayala (1975). 62

Mesmo com a inflação em crescimento na década de 1950, que nos anos


posteriores iria se agravar, a empresa familiar continuou investindo no setor
imobiliário e em outros negócios. Como exemplo, no ano de 1951, são iniciadas
as obras do Hospital Sul América - atual Hospital da Lagoa -, projeto do arquiteto
Oscar Niemeyer e Hélio Uchôa (COSTEIRA, 2018),63 e as obras de construção
de mais um pavimento da sede de São Paulo.64 Além disso, estavam em
andamento as obras das sedes de
Figura 21 – Edifício Sul América de
Guayaquil, no Equador65 e da expansão Fortaleza.

da sede na capital carioca. No mesmo


ano, a empresa inaugurou a sede da Sul
América em Salvador, já mencionada, e 61
contratou o projeto arquitetônico para a
sede de Quito.67

Em 1952, estavam em andamento as


obras da sede de Fortaleza - inaugurada
no ano seguinte -,68 de Florianópolis,
Belém e Manaus, além da sede no Peru,
em Chiclayo. Nesse mesmo ano, a
empresa, em condomínio com a Sul
América Capitalização S.A, a Sul

Fonte – Karine de Arimateia/Nov. 2014


62
Ambas as publicações integram o acervo Sul América.
63
Elza Costeira indica o início das obras em 1952, as quais ficaram sob a responsabilidade da
Companhia Pederneiras (COSTEIRA, 2018)..
64
http://www.niemeyer.org.br/obras?page=8 – acesso em set. 2017
65
Inaugurado em 27 de outubro de 1951. Revista Sul América/nº 127, Ano 33, p. 30/ fev. e mar. 1952.
67
Revista Sul América/nº 124, Ano 32, p. 26/ abril. a jun. 1951.
68
Revista Sul América/nº 131, Ano 34, p. 26/ jan. a mar. 1953.
América Terrestres, Marítimos e Acidentes e o Banco Hipotecário Lar Brasileiro
S.A.69 adquiriram um terreno na área central de Goiânia para a construção da
sede dos seus escritórios.70 Em Campos, São Paulo, outro edifício foi adquirido
pela Sul América para adaptação de sua sede.71

As sedes de Quito, no Equador, e de Chiclayo, no Peru, foram inauguradas em


1953. Nesse mesmo ano estavam em vias de conclusão as sedes de
Florianópolis, Belém e Manaus.72

Já no ano de 1954, a empresa possuía sede própria nas seguintes cidades: Rio
de Janeiro (Rua Ouvidor, nº 64); Manaus (Praça 15 de Novembro, esquina com
Av. Sete de Setembro); Belém (Rua 15 de Novembro, esquina com Travessa
Frutuoso Guimarães); Fortaleza (Praça do Ferreira); Recife (Praça da
Independência, esquina com Av. Dantas Barreto); Salvador (Rua Chile, nº 18);
62 Belo Horizonte (Av. Afonso Pena, nº 941); São Paulo (Rua Boa Vista, nº 293);
Curitiba (Rua 15 de Novembro, nº 608); Porto Alegre (Rua dos Andradas; nº 1351,
esquina com Borges de Medeiros); Niterói (Av. Visconde do Rio Branco, nº 429);
Juiz de Fora (Rua Halfeld, nº 692); Campos dos Goytacases (Boulevard
Francisco de Paula Carneiro, nº28),73 além das sedes no exterior (Madri,
Barcelona, Sevilha, Lima, Chiclayo, Arequipa, Piura, Guayaquil, Quito).74

Tais expansões refletiam, na época, a representatividade da empresa no


mercado de seguros no Brasil, cenário que seria alterado na década seguinte,
com o conturbado contexto econômico decorrente da alta da inflação, conforme
será relatado adiante.

69
Fundado com a participação das três empresas do grupo, conforme será relatado.
70
Não há registros sobre a construção da sede nesta cidade nos periódicos seguintes.
71
Revista Sul América/nº 131, Ano 34, p. 26/ jan. a mar. 1953.
72
Revista Sul América/nº 135, Ano 35, p. ?/ jan. a mar. 1954.
73
Edificação não identificada no espaço urbano atual.
74
Revista Sul América/nº 135, Ano 35, p. contracapa/ jan. a mar. 1954.
A REESTRUTURAÇÃO DA EMPRESA

Em decorrência da crise brasileira gerada pela alta inflacionária, o então


presidente da SALIC, Sr. Antônio Larragoiti Júnior, neto do fundador, decidiu
reorganizar drasticamente a estrutura da empresa, centralizando os serviços na
matriz do Rio de Janeiro, com a finalidade de reduzir as despesas fixas que
aumentavam vertiginosamente. Criou-se, desse modo, na década de 1960, a
SULAMEC, empresa de processamento de dados que acelerou os processos
administrativos, permitindo, paulatinamente, que algumas sucursais distribuídas
pelo país fossem fechadas e os respectivos edifícios vendidos, garantindo a
estabilidade da empresa até o Golpe Militar de 1964, quando medidas
econômicas baixaram a inflação, repercutindo, favoravelmente, no ramo dos
seguros de vida. No ano de 1970, a empresa se resumiu a sete circunscrições
que cobriam os estados brasileiros, além da sucursais no Peru, Equador,
República Dominicana, Cuba e Espanha. No Chile e na Argentina a empresa
associou-se à Sud America. 63

A nova estruturação gerou a fusão das três empresas (SULACAP, SALIC E


SATMA) em apenas uma, a Sul América Seguros. Posteriormente, foram
iniciadas relações de associações com outros grupos empresariais, como o
Bradesco (década de 1970) e o Unibanco (década de 1980), as quais permitiram
a adaptação da empresa às demandas econômicas vigentes mas que também
acarretaram na perda de identidade da reconhecida empresa familiar.

Vencida a crise, a década de 1970 marcou um novo período de atuação do grupo.


Em São Paulo, por exemplo, as novas instalações da Sul América foram
transferidas para um novo edifício, na Avenida Paulista nº 2000, denominado Ed.
Raul Telles Rudge,75 em homenagem ao ex-presidente e funcionário que atuou
na empresa por quarenta anos.76 A inauguração da nova sede, no dia 19 de julho
de 1979, foi acompanhada por uma exposição de arte de trinta e quatro quadros

75
Autoria do projeto não identificada.
76
Não foi possível identificar o arquiteto responsável por este projeto.
Figura 22 – Edifício Raul Telles Rudge do acervo da empresa, mostra que
- sede São Paulo - 1979.
percorreu, posteriormente, as sedes de
Florianópolis, Porto Alegre, Fortaleza e
Brasília.77

A inauguração da nova sede na Avenida


Paulista, que na década de 1970 já se
distinguia como um dos principais
centros de negócios da cidade, indica
que a empresa, apesar de toda a
reestruturação e fechamento de
sucursais, não perdeu a tradição em se
destacar nas principais áreas urbanas
das cidades e de apoiar e divulgar a arte
brasileira. Tampouco a empresa deixou
de se estabelecer em edifícios cuja a
64
Fonte: Google Sreet View – jul. 2017 arquitetura se destacava no cenário das
grandes metrópoles.

Mesmo com as constantes alterações na sociedade, a Sul América não deixou


de ampliar os seus negócios e, em 1987, iniciou as operações de previdência
privada, constituindo, para tanto, a Sul América Previdência Privada S.A. A
empresa, inicialmente uma sociedade exclusivamente familiar, transforma-se,
portanto, em sociedade de capital aberto, com mais de 600 acionistas.

A Sul América adentrou o século 21 com a decisão de construir uma nova sede
no Complexo Rio Cidade Nova, estrategicamente na Rua Beatriz Larragoiti
Lucas, nome atribuído à bisneta do fundador e também diretora da empresa após
o afastamento do pai. Portanto, até a construção desse edifício, a Sul América
funcionou, no Rio de Janeiro, na primeira sede construída, na Rua do Ouvidor.

77
Revista Sul América/nº 14, p. 5/ set. a nov. 1979.
Em 2013, mudanças relevantes ocorreram na composição societária, com
aumento significativo da participação, por parte da família Larragoiti, na holding
Sulasapar, que passou a ser a controladora do grupo.

No ano de 2015, as instalações da Sul América de São Paulo são transferidas


para um novo edifício no Bairro Pinheiros, o TEOEMP, projeto do escritório Aflalo
e Gasperini.79 Independente da falta de confirmação de que este edifício foi
construído a pedido da empresa para abrigar sua sede,80 percebe-se, analisando
os aspectos formais da obra, a mesma tendência da empresa, verificada em
épocas anteriores, em se instalar em
Figura 23 – TEOEMP – Largo da
edifícios com destaque no contexto da Batata / Aflalo/Gasperini arquitetos

arquitetura vertical vigente.

Na década de 1930/1940, suas sedes eram


aquelas mais altas e de maior evidência no
espaço urbano ainda predominantemente
horizontal e com resquícios do passado
65
colonial. Eram também as que possuíam as
tecnologias mais avançadas do mercado,
tanto em relação aos sistemas prediais
quanto aos materiais e técnicas
construtivas. Seus aspectos formais iam de
encontro à tradição arquitetônica, que ainda
se impunha nas pranchetas dos arquitetos
e, ao mesmo tempo, caminhavam para a Fonte –
https://www.skyscrapercity.com –
racionalidade de ornamentos. Já na década acesso em nov. 2020
de 1970, percebe-se, pela rápida análise do
edifício Raul Telles da Av. Paulista, desprovido da solução tripartida e estrutura

79
Fonte: https://www.revistaapolice.com.br/2015/12/sulamerica-inaugura-nova-sede-em-sao-paulo/-
acesso em ago. 2018.
80
Alguns noticiários apontam que o edifício foi construído pela empresa em comemoração aos 120
anos de sua existência, ver: https://www.revistaapolice.com.br/2015/12/sulamerica-inaugura-nova-
sede-em-sao-paulo/- acesso em ago. 2018. Outros apontam que a empresa ocupa apenas o nono
andar deste edifício (http://jrscomunicacao.com/2018/02/07/sulamerica-reforca-atuacao-em-sao-
paulo-com-novo-endereco/ - acesso em ago. 2018), sem dados complementares. O site do escritório
de arquitetura responsável pelo projeto não informa dados do cliente.
aparente preenchida pelos vidros espelhados, que a transição da tradição para a
modernidade arquitetônica, aparentemente, havia sido concluída. Na atualidade,
o destaque no espaço urbano das principais capitais brasileiras são as torres
totalmente revestidas em panos de vidro, sem nenhum tipo de estrutura aparente
e sem qualquer relação com o contexto urbano, como é o edifício TEOEMP. Aqui
não se questiona se essa arquitetura é boa ou ruim, mas o que importa é que
algumas considerações sobre este invólucro de vidro já despontam na
historiografia. Vale a referência do arquiteto Flávio de Carsalade:

Estamos acostumados, nas últimas décadas, a assistir ao


peso do que nada significa, à despersonalização de uma
Arquitetura, aos edifícios-caixotes que, embora muitas vezes
de vidro, continuam pesados por não terem nada a dizer. A
leveza da Arquitetura está na harmonia com que se insere na
paisagem e com a suavidade que toca os nossos olhos, a
leveza da Arquitetura está na sua forma de alçar vôo, mas
com raízes profundas no solo em que se instala.
(CARSALADE, 2001, p.94)

E do arquiteto Felipe Rodrigues (2018):

66 Mas, faz algum tempo que os edifícios comerciais haviam


deixado de ser objeto de interesse coletivo, do cidadão
comum e até do especialista. Desde que as vidraçarias
assumiram o papel do embelezamento – de embrulhar em
celofane multicolorido a maior metragem quadrada que a
legislação permitisse – o papel do arquiteto nestes
empreendimentos foi minimizado a validar as plantas e pôr o
laço no embrulho; um chanfro ali, uma curvinha aqui, e de raio
curto, para que não se perca a rentabilidade da laje. Nem
mesmo escritórios de arquitetura tradicionais neste programa,
como Botti Rubin ou Aflalo e Gaperini – com arquitetos, filhos
de arquiteto, netos de arquiteto – com décadas acumuladas
de experiência, parecem ter tido algum crédito com seus
velhos clientes investidores para algo novo, que não seja um
esqueleto otimizado, revestido - como suavizaria Paulo
Mendes da Rocha - em "cristal". Conforme esse tema foi
ficando maçante restou apenas o interesse das revistas
especializadas, que têm como principais anunciantes os
fornecedores destes produtos semindustrializados e
semitecnológicos, vendidos em grandes metragens para
encapar edifícios sem arquitetura. (RODRIGUES, 2018, p.?)
Retomando o tema da diversidade de negócios da empresa, faz-se oportuno
registrar que o grupo Sul América incluiu uma importante instituição que
promoveu, no período estudado, a construção de edificações emblemáticas no
território brasileiro, contribuindo para o processo de verticalização das principais
cidades. Trata-se do Banco Hipotecário Lar Brasileiro S.A. (BHLB), fundado em
19 de agosto 1925, com a participação das três empresas do grupo, cujo objetivo
era financiar a construção habitacional no Brasil em um tempo de aumento
populacional nas grandes cidades, sobretudo na capital paulista, em função do
crescente processo migratório. O foco central do novo Banco convergia para os
empréstimos hipotecários, o que era raro naquele período,83 permitindo aos seus
clientes a aquisição da tão desejada casa própria. A liquidez dos depósitos dos
correntistas possibilitou, ademais, que o banco investisse na construção de
diversos conjuntos habitacionais e residências familiares os quais, apesar de
destinados às classes mais baixas, eram dotados de qualidade formal e
construtiva considerável (BEDOLINI, 2014). A alta da inflação instalada na
década de 1960 gerou sérios problemas relativos à liquidez de capital do Banco
e pôs fim à experiência das instituições hipotecárias brasileiras. Desse modo, o 67

BHLB foi vendido para o banco norte americano Chase Manhattan, venda
consolidada com a transferência de grande parte do capital da família Larragoiti
para essa instituição, que, paulatinamente, deixou de ser um banco hipotecário
para se tornar um banco comercial, mas que continuou a financiar moradias por
mais alguns anos, até a reforma bancária de 1964, promovida pelo governo
federal, que excluiu este tipo de investimento privado do setor imobiliário
(BEDOLINI, 2014).

Sobre os edifícios projetados pelo BHLB, discorreu Alessandra Bedolini (2014):


O BHLB costumava escolher criteriosamente os profissionais
aos quais encomenda os projetos. Na maioria dos casos os
projetos arquitetônicos, elaborados por arquitetos de renome,
eram detalhados e padronizados por funcionários do próprio
Banco, que dispunha de um Setor de Engenharia. A
possibilidade de oferecer arquiteturas de autoria e de

83
Segundo Alessandra Bedolini (2014, p.15), “Atuavam neste setor algumas Caixas Estaduais, como
as Caixas Econômicas de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas a BHLB [Banco Hipotecário Lar
Brasileiro] era a instituição de detinha o maior poder de ação.”
qualidade constituía mais um atrativo para o mercado
imobiliário (BEDOLINI, 2014, p.19).

A dissertação de mestrado estruturada por Alessandra Bedolini, intitulada “Banco


Hipotecário Lar Brasileiro, S. A.: análise das realizações no Estado de São Paulo
1941-1965”, traz uma relação de obras produzidas pelo Banco e revela, por meio
de suas análises, que a instituição adotou, em larga escala, a partir de 1940, o
uso da linguagem arquitetônica moderna, em detrimento da linguagem
tradicional, período que, de certa forma, coincide com a “aceitação” da arquitetura
vertical e de suas novas tipologias funcionais, como por exemplo, o edifício
residencial e o empresarial

Em suma, por meio do exposto, percebe-se que o potencial empresarial da Sul


América a partir do seu campo de atuação, tanto no Brasil como no exterior,
representado pelos seus três braços empresariais, SATMA, SULACAP e SALIC,
contribuiu consideravelmente para o progresso da urbanização nessas cidades,
para o incentivo à verticalização da arquitetura, para a geração de empregos e
para o desenvolvimento cultural e artístico do país; considerando-se, nesse
68
processo, um acúmulo de capital simbólico e representativo, por meio da imagem
da empresa propiciada pela arquitetura.
69

1.2. CONCEPÇÕES TEÓRICAS / A HISTORIOGRAFIA REFERENTE À


PRODUÇÃO DA ARQUITETURA BRASILEIRA DA PRIMEIRA METADE
DO SÉCULO 20 E SUAS BASES
70

Figura 24 – Capa do livro Brazil Builds – Fonte: Acervo Andrey Schlee/publicado


por Danilo Matoso - Disponível em. https://mdc.arq.br/2015/02/25/antonio-garcia-
moya-um-arquiteto-da-semana-de-22-parte-2/200-2/ - acesso em nov. 2020
O objetivo deste texto é selecionar, de acordo com os critérios estabelecidos
adiante, parte da historiografia referente à produção da arquitetura brasileira da
primeira metade do século 20, de forma a compor o material de análise do estudo.
Conforme a metodologia adotada, o levantamento desse material, assim como o
estudo das novas demandas da sociedade e da nova tipologia funcional (o
edifício vertical empresarial e de uso misto), além da pesquisa relativa à empresa
Sul América e à autoria dos projetos de suas sedes são elementos que, juntos,
compõem a hipótese de que tais instrumentos, se relacionados, são capazes de
interpretar a arquitetura sob vários aspectos e, especificamente, entender qual o
lugar da arquitetura produzida pelo arquiteto Roberto Capello no cenário
conformado entre as décadas de 1930 a 1950. Entretanto, discorrer sobre a teoria
relacionada à produção arquitetônica no Brasil do período proposto parece tarefa
arriscada, visto que se aproxima de uma tentativa de sintetizar a literatura
construída, que é vasta e heterogênea em suas interpretações.

Antes da exposição que se pretende realizar, é oportuno ressaltar que o recorte


temporal proposto neste capítulo é relativamente mais amplo que aquele 71
referente ao período de produção dos projetos arquitetônicos e da construção
das sedes de empresa Sul América. A ampliação do recorte tem como objetivo
abranger o período imediatamente anterior ao início da produção da arquitetura
dita moderna no Brasil, período que, de certa forma, delineou o campo para as
primeiras discussões sobre o tema, comumente tratadas na historiografia
referente. Como o período coincide com a construção dessa arquitetura nomeada
também de racionalista, inevitável será discorrer sobre o assunto, sem a intenção
de debatê-lo em demasia. Desse modo, a arquitetura moderna será tratada de
acordo com a proposta de Sarah Williams Goldhagen (2005), que a define como
um discurso no seu sentido próprio e não como o resultado de um discurso. Será
útil, a partir deste ponto, destinar alguns parágrafos à conceituação proposta pela
autora.
ARQUITETURA MODERNA COMO UM DISCURSO

Sarah Goldahgen, em seu artigo intitulado “Something to Talk About Modernism,


Discourse, Style” (2005), propõe um caminho para situar a arquitetura moderna
em um lugar mais propício do que comumente tem sido feito, de modo a evitar
reduzi-la a um único aspecto, ou a evitar discuti-la apenas como um estilo ou
como um movimento historicamente delimitado e vinculado a uma ou outra
ideologia política e social, ou, ainda, como meramente uma determinação de ser
moderno. Para tal feito, Goldahgen propõe o modernismo como o próprio
discurso e não como o resultado do discurso. Sua abordagem parte do
entendimento do termo discurso como uma expressão de pensamentos sobre um
sujeito ou um conjunto de sujeitos, pensamentos esses conduzidos por um grupo
selecionado de pessoas – acompanhado, normalmente, por instituições sociais -
o qual tem a fala destinada a uma dada comunidade de destinatários “como uma
72
assertiva hipotética intrínseca, submetida para esta comunidade com a
esperança de ‘discursivamente testar sua chamada para a universalidade’”84
(GOLDAHGEN, 2005, p.159). Neste caso, edifícios ou projetos modernistas,
planos urbanos, manifestos ou outras contribuições (que são as propriedades do
discurso) oferecem proposições (verdadeiras ou hipotéticas) para uma certa
comunidade de destinatários (historiadores, críticos, arquitetos, urbanistas,
curadores, etc) com objetivo de testar a validez das propostas, que tomadas em
conjunto formam uma série relacionada de discussões e debates ou questões
mais ou menos autônomas.

Para a autora, os debates autônomos têm uma lógica dirigida pelos seus próprios
princípios internos que são adaptados em vários contextos, moldando suas
características locais ou até suas manifestações estilísticas próprias. Um dos
exemplos de debates autônomos citados por Sarah são as questões referentes
as escolas Bauhaus e VkhUTEMAS:85 ambas tinham foco essencialmente

84
“[…] as an intrinsically hypothetical assertion, and is submitted to this community with the hope of
‘discursively testing its claim to universality’.” (GOLDAHGEN, 2005, p.159)
85
VkhUTEMAS, Ateliês Superiores Técnicos-Artísticos Estatais foi uma escola de artes fundada em
1920 em Moscou, considerada berço da vanguarda soviética.
autônomos, apesar de coerentes em um conjunto de questões, as quais
centravam-se nas discussões acerca das obrigações sociais, mas com precisões
distintas ou opostas (a escola alemã engajou-se em produzir arte para os estetas
e a russa em fazer arte utilizável); a identidade das duas é muito próxima e
debatida por muitos pesquisadores como posição e oposição. De certa forma, os
debates iniciais da arquitetura moderna - nos anos 1920 - giraram sempre em
torno das mesmas questões, tais como a adequação do papel da
tecnologia/descobrimento científico na vida moderna; a possibilidade da
arquitetura servir como agente para as mudanças sociais; a maneira como a
arquitetura poderia/devia abraçar a agenda política; o papel que a tradição
arquitetônica poderia desempenhar na arquitetura moderna; dentre outras. Para
discutir tais questões, segundo Goldhagen, não é suficiente pensar o modernismo
como um grupo de formas, ou como um estilo, ou como outra característica
isolada. Diante de tal insuficiência, a autora propõe o modernismo como um
discurso e invoca um “conceito familiar” para explicar a sua ideia, qual seja, o de
pensar o modernismo como uma conferência profissional, um seminário, no qual
há um amplo número de pesquisadores unidos e interessados pelas ideias dos 73

outros, que debatem uma série de discussões em um “grupo fechado de questões


identificáveis”, nos quais os indivíduos reagem em combate ou em sintonia a
outros e cujos tópicos das sessões são determinados por pessoas de liderança
ou posições intelectuais. O resultado dessa trama são forças identificáveis em
pensamento e prática, conflitos e nascimentos de escolas ou instituições de forma
a pressionar as reivindicações.

Feito este paralelo, a autora prossegue que,

Como os debates nas conferências profissionais, o discurso


do modernismo em arquitetura abrangeu uma ampla gama de
respostas, com participantes situando-se e refinando
posições passadas, e reformulando o discurso central em
resposta social, cultural, política, econômica, tecnológica e
outros desenvolvimentos extrínsecos para, mas sempre
penetrando em, no seu permeável ainda discurso altamente
articulado. (GOLDHAGEN, 2005, p.161, tradução minha)86.

86
“Like the debates at profissional conferences, the discourse of modernism in architecture spawed a
wide range of responses, with participants situating themselves and refining past positions, and
Modernismo em arquitetura, portanto, gerou muitos movimentos e tensões, ou
seja, não limitou-se a um movimento, e foi sempre influenciado e moldado por um
fenômeno externo a ele, divergente em cada época, como, por exemplo: anos
1920 - por interesses econômicos do novo capitalismo, clima político das
agitações sociais, desenvolvimento científico, clima cultural; anos 1930 – por
conflitos entre os nazistas, fascistas e o sistema democrático, depressão mundial,
florescimento de identidades regionais; e assim por diante.

Desse modo, na história do modernismo em arquitetura, cada fenômeno externo


ajudou a moldar a estrutura interna do seu discurso, o qual, para a autora, se
enquadra em quatro dimensões relacionadas, a saber, a dimensão cultural, a
política, a social e a dimensão formal, explicadas e relacionadas com a
arquitetura, separadamente. A dimensão formal seria o meio de comunicação da
arquitetura, nas palavras da autora,
74
o que uma linguagem arquitetônica pode e não pode
transmitir, e que tipo de linguagem melhor instancia tanto as
condições da modernidade como um todo quanto as posições
do indivíduo em cada uma das outras três dimensões.
(GOLDHAGEN, 2005, p. 162, tradução minha)87

As indagações dos pesquisadores estruturadas nestas quatro dimensões


geraram e regeneraram o discurso do modernismo, conforme o mundo mudava.
E conclui: “Modernismo em arquitetura foi e é um debate em andamento” (2005,
p. 163).88

Toda a narrativa de Goldahagen tem como objetivo a tentativa de interromper o


tratamento do modernismo como um paradigma estilístico que, segundo ela, é
derivado da codificação do movimento a partir das discussões dos CIAMs
(Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna). O próprio termo paradigma
fornece a percepção de um padrão aceito e, ao mesmo tempo, restringe o campo

reframing the discourse’s central questions in response to social, cultural, political, economic,
technological, and other developments extrinsic to, but ever penetrating into, its permeable yet highly
articulate boundaries.” (GOLDAHGEN, 2005, p.161)
87
“[...] – what an architectural language can and cannot convey, and what sort of language best
instantiates both the conditions of modernity as a whole and the individual’s positions on each of the
other three dimensions. “(GOLDAHGEN , 2005, p. 162)
88
Modernism in architecture was and is an ongoing conversation […] . “(GOLDAHGEN , 2005, p. 163)
de visão para problemas de elaboração e crítica, além de abrir amplos espaços
conceituais que demandam refinamentos. É como se o fenômeno, adotado como
um paradigma, não demandasse explicações. E, assim, conceitos estilísticos
podem mascarar demandas divergentes.

O que se extrai do caminho proposto por Goldahgen, e que pode ser útil para
esta pesquisa, é a irrelevância em se tentar situar formalmente as sedes
produzidas por Roberto Capello em um contexto de produção da arquitetura
comumente debatida pela historiografia como moderna, pois a análise isolada da
dimensão formal não é capaz de explicar a arquitetura como um discurso
complexo como ele o é. Tampouco é produtivo - e sequer resultaria em uma
conclusão satisfatória - tentar relacioná-las, por exemplo, com a produção das
escolas comumente denominadas de carioca ou paulista, que dominaram o
debate da historiografia da segunda metade do século 20; não descartando a
relevância do papel destes estados como formadores, por assim dizer, de um
grupo de liderança, como nas conferências profissionais – usando da
exemplificação da autora -, que são fundamentais para conduzir os debates. É 75
certo também, que no período da construção das sedes das empresas nas
capitais dos principais estados brasileiros, cada contexto era dotado de sua
própria dinâmica no que diz respeito aos fatores que ajudaram a construir o
campo arquitetônico, tais como a migração interna dos profissionais, a fundação
das escolas de arquitetura, o desenvolvimento econômico, social e outros, que
são, sem dúvidas, agentes externos que moldaram um campo particular e
diferenciado em cada estado. Diante disso, seria útil para a construção e revisão
do campo da arquitetura brasileira do século 20 se as futuras pesquisas
propusessem tratar os estudos destes fenômenos externos que moldaram a
arquitetura em cada estado, no lugar de tentar relacionar a arquitetura local com
os edifícios canônicos, produzidos, principalmente, nos estados de São Paulo e
do Rio de Janeiro.

A despeito dessas considerações, não é dispensável o entendimento sobre a


historiografia da arquitetura brasileira do período proposto, ou seja, da primeira
metade do século 20, assunto que será tratado a seguir.
A PRODUÇÃO HISTORIOGRÁFICA DA ARQUITETURA
BRASILEIRA REFERENTE À PRIMEIRA METADE DO SÉCULO
20

Até 1940, escassas eram as publicações com narrativas mais amplas sobre a
arquitetura brasileira, quando, em 1943, é lançado o livro “Brazil Builds:
architecture new and old – 1652-1942”, de Philip Goodwin que, segundo Nivaldo
Andrade Junior, foi a “primeira publicação a coletar e apresentar, de forma
sistemática, a produção arquitetônica moderna brasileira” (2019, p. 80, v.1). A
despeito da ênfase dada à arquitetura moderna, foram relacionadas obras desde
o período da colonização até o ano de 1942. Conforme amplamente relatado na
historiografia, o livro retrata a exposição da arquitetura brasileira no MoMa
(Museum of Modern Art) de Nova York em 1942, viabilizada por esta instituição
e pelo American Institute of Architects (AIA), no âmbito da política da boa
vizinhança entre Brasil e Estados Unidos.

76 Já na década de 1950, os poucos intelectuais brasileiros que deixaram seus


registros sobre a produção da arquitetura nacional tentaram levantar, sobretudo,
suas principais características formais, sempre fundamentadas na produção
europeia/americana. Uma das obras que se tornou referência para a historiografia
brasileira no período foi o livro publicado por Henrique Mindlin, em 1956, intitulado
“Modern architecture in Brazil”.

Para Vilanova Artigas, a tarefa de produzir uma crítica sistematizada naquele


período era considerada árdua, tendo em vista que a arquitetura moderna estava
em pleno desenvolvimento, sendo necessário um distanciamento no tempo para
uma análise mais embasada:

Embora não estejamos em condições de realizar um balanço


da arquitetura do Brasil na etapa atual por se tratar de um
processo ainda em pleno desenvolvimento, tornam-se,
contudo, possíveis algumas constatações fundamentais que
podem nos aproximar do conhecimento de algumas de suas
principais características e podem facilitar a nossa apreciação
crítica. (ARTIGAS, 1955, in 1981, p. 16).
Ainda na década de 1950, alguns teóricos estrangeiros também se esforçaram
para a construção de uma crítica mais homogênea da arquitetura internacional,
como forma, segundo Artigas, “de reunir em um só corpo as miríades de Escolas
e Tendências que caracterizaram a estética do primeiro pós-guerra” (ARTIGAS,
1952, in1981, p.63) - o que para Goldahgen (2005), em uma perspectiva atual, é
tarefa impossível. Nesse contexto, em decorrência da recepção alcançada pelo
Brazil Builds, a produção brasileira foi inserida em algumas análises desses
pesquisadores, como foi o caso de Stamo Papadaki (1950)89, Siegfried Giedion
(1954); Bruno Zevi (1954); Henry-Russell Hitchcock (1955), e também em
periódicos estrangeiros, como em The Studio (1943); The Architectural Review
(1944), L’Architecture d’Aujourd’hui (1947, 1952), Aujourd’hui, Art et Architecture
(1964), Zodiac (1960), dentre outros (CAPELLO, 2011). Na maioria das
publicações prevaleceram as tendências de publicações do tipo catalográficas,
com a apresentação das obras brasileiras consideradas modernas pela
roupagem construída pelas ideologias dos mestres Le Corbusier, Mies van der
Rohe, Walter Gropius e Frank Lloyd Wrigth.
77
Entre as décadas de 1960 e 1970, a despeito da continuidade do debate sobre a
produção da arquitetura no país - conduzido, em sua maioria, pelos próprios
produtores da arquitetura -, nenhuma publicação sistematizada sobre o assunto
se destacou, talvez por causa do período conturbado decorrente da ditadura que,
de certa forma, conduziu a polarização das posições referentes ao assunto e,
consequentemente, gerou um estado de indecisão entre os pensadores, uma
espécie de limbo momentâneo.

Se o tempo passado entre as primeiras publicações e a estagnação do período


entre 1960 e 1970 foi suficiente ou não para o início da construção de uma crítica
especializada, o certo é que, na década de 1980, alguns autores iniciaram
estudos sistemáticos que resultaram na publicação de livros, os quais se
tornaram canônicos para o aprofundamento sobre a arquitetura moderna
brasileira, como o livro “Arquitetura Contemporânea no Brasil” (1981), resultado

89
O livro “The Work of Oscar Niemeyer”, com prefácio de Lucio Costa, apesar de tratar dos trabalhos
do arquiteto, abria o caminho para o registro da produção brasileira.
da tese do francês Yves Bruand. Grande parte dos estudos decorreu do
fortalecimento dos cursos de pós-graduação e do fomento da pesquisa
acadêmica no Brasil através das agências financiadoras (CAPES e CNPq) e, de
certa forma, do movimento mais eficaz de interação entre os pesquisadores da
área. Dentre as publicações que se destacaram, estão “Arquitetura Moderna
Brasileira” (1982), da dupla Sylvia Ficher e Marlene Milan Acayaba; “Arquiteturas
no Brasil 1900-1990” (1998), de Hugo Segawa; além de uma quantidade
significativa de capítulos de livros, teses, dissertações e artigos sobre o assunto,
muitos deles divulgados pelas revistas brasileiras de arquitetura, tanto de
produção independente, como as revistas Projeto e AU (Arquitetura e
Urbanismo), quanto pelas próprias revistas vinculadas aos cursos de pós-
graduação. Estes estudos irão produzir, de certa forma, uma nova leitura sobre o
legado da arquitetura reconhecida como moderna e abrir novos caminhos para
novas narrativas na historiografia da arquitetura brasileira. Com o crescimento
das pesquisas decorrentes dos cursos de pós-graduação, percebe-se que a
tradição de publicações do tipo catálogos, com a demonstração e análises das
78 principais obras representativas do que se considerava moderno no Brasil, dão
lugar a uma narrativa própria, sistemática e mais detalhada. Nesta linha, nas
décadas de 1980 e 1990, destacam-se o livro de Sylvia Ficher e Marlene Milan
Acayaba (1982), o qual incorpora os anos 1970 e os desdobramentos regionais,
o livro “Le Corbusier e o Brasil”, de Cecília Rodrigues dos Santos e Margareth da
Silva Pereira, de 1987, e o próprio livro de Segawa (1998).

Um dos fatores que contribuiu para que grande parte das publicações
registrassem predominantemente as obras dos arquitetos do Rio de Janeiro e
São Paulo foi, sobretudo, o papel de centralidade dessas cidades na formação
dos arquitetos brasileiros até a década de 1950 (SEGAWA, 2014), essencial na
fundamentação no processo de constituição do campo arquitetônico.

É oportuno anotar em sequência, o momento em que os cursos de arquitetura


foram criados nas capitais dos demais estados, uma vez que tal fato também
contribuiu para a formação do campo arquitetônico e da historiografia referente,
visto que o processo foi acompanhado de deslocamentos de professores - até
então atuantes nas centralidades - para lecionarem nesses cursos, gerando a
troca ou transculturação de ideias. Não é pretensão identificar se nestes cursos
houve algum debate em torno das discussões sobre a modernidade na
arquitetura, como aconteceu, por exemplo, na Escola Nacional de Belas Artes do
Rio de Janeiro, e sim registrar e revelar como ocorreu a fundação dessas
graduações, identificando um dos marcos na construção do corpo profissional em
cada estado. Ressalta-se que, as análises aqui apresentadas referem-se apenas
aos cursos nos estados onde as sedes da Sul América foram construídas a partir
dos projetos do arquiteto Roberto Capello.

A grande maioria dos cursos de arquitetura foram implantados no contexto da


reforma de ensino decretada por Getúlio Vargas em 1931, que previu a criação
de um sistema universitário federal e a regulamentação das profissões. O decreto
nº 23.569, de 1933, estabeleceu, especificamente, a regulamentação do
exercício das profissões de engenheiro, arquiteto e geógrafo, que até então eram
regimentadas por cada estado brasileiro (ABREU FILHO, 2006).

Pode-se afirmar que a criação dos cursos, escolas ou faculdades de arquitetura


79
no Brasil ocorre, em grande parte, num período curto de tempo - certamente pelo
incentivo do decreto supracitado - concentrando-se, com raras exceções, na
primeira metade do século 20, como será relatado a seguir. Discorrer sobre o
significado desses termos (curso, escola, faculdade) e suas implicações na
estrutura curricular das graduações, além da amplitude do tema, ultrapassa o
objetivo aqui proposto. O que é oportuno mencionar é que há uma variação nas
origens dos cursos de arquitetura no Brasil, que decorrem, ora dos ensinamentos
artísticos, ora das especialidades em engenharia, ambos de matrizes francesas
advindas do sistema beaux-arts e do sistema politécnico90, modelos escolásticos

90
A Politécnica de São Paulo, por exemplo, adotava, em seu primeiro regulamento (1894), uma
estrutura didática em que os alunos poderiam escolher entre os cursos de engenharia civil, industrial
e agrônomo. Em seu segundo regulamento (1899) os alunos tinham a opção de decidir, além dos
primeiros, pelo curso de engenheiro-arquiteto, institucionalizando-se, desse modo, o ensino da
arquitetura no estado. Este regulamento baseava-se no ensino da politécnica germânica, compreendo
um curso fundamental (dividido em curso preliminar e curso geral) e os cursos especiais, a saber,
engenheiro civil, arquiteto, industrial e agrônomo, estrutura que perdurou por trinta anos, mas que
sofreu diversas alterações ao longo das décadas. Sobre as origens e trajetória da Escola Politécnica
de São Paulo, em 1894, ver Ficher, 2005.
implementados em um período em que a técnica e a arte passaram a constituir
duas atividades distintas (BENÉVOLO, 2014).

A primeira escola de arquitetura fundada no Brasil desvinculada de outras


instituições (Belas Artes ou Engenharia) foi a Escola de Arquitetura de Belo
Horizonte (EABH), criada em 1930, a partir da atuação de um grupo liderado pelo
arquiteto Luiz Signorelli91, que assumiu a primeira direção do curso (RIBEIRO,
2016). Na ocasião de sua fundação, os egressos recebiam o título de engenheiro-
arquiteto, status que perdurou até a década de 199092. Sobre o contexto da
fundação da escola, destacou Patrícia Ribeiro (2016):

Belo Horizonte passava pelo mesmo processo de indefinição


da estruturação de um novo caminho para a arquitetura.
Havia um descontentamento com a continuidade da
80 arquitetura neoclássica deixada pela Comissão Construtora e
implantada até aqueles dias. Essa procura e incerteza
estavam presentes também nos caminhos dos arquitetos que
ali foram na década de 20; a mesma dúvida sobre qual seria
a arquitetura verdadeiramente brasileira, como aconteceu na
Semana de 22. [...]. Para os arquitetos Signorelli e Berti,
inseridos no espírito da época, essa arquitetura nova estava
vislumbrada no Art Decô. Basicamente a esses dois
arquitetos foram relacionadas as obras edificadas em Belo
Horizonte e denominadas de “estilo cubista” ou “pó de pedra”,
que é o nome dado à argamassa de cimento com lâminas de
mica. (RIBEIRO, 2016, p.6-7)

Percebe-se que as dúvidas sobre o rumo da arquitetura estavam presentes


também no contexto da capital mineira. Porém, eram apenas discussões que não
se refletiam na arquitetura produzida até o período de fundação da Escola de
Arquitetura. A EABH foi a única escola a oferecer o curso de arquitetura na capital
mineira até o ano de 1979, quando, em 28 de agosto do mesmo ano foi assinado

91
Luiz Signorelli (Cristina-MG, 1896 – Belo Horizonte/MG, 1964) formou-se na Escola Nacional de
Belas Artes do Rio de Janeiro em 1925 e mudou-se para Belo Horizonte, onde assinou os projetos
para o Automóvel Clube de Minas Gerais (1927/1929), a sede da Secretaria de Estado de Agricultura,
Pecuária e Abastecimento (IEPHA); a sede da Prefeitura Municipal, a sede da Secretaria de Estado
e Segurança Pública (1926/1930), Clube Belo Horizonte (1926/1930), Hotel Sul Americano (1928),
Edifício da Alfândega (1926/1929) e várias residências particulares (IEPHA/MG, 1997) . A despeito
de sua representatividade em relação ao contexto edilício de Belo Horizonte da primeira metade do
século 20, o arquiteto carece de estudos relativos à sua trajetória e obra produzida.
92
Não há registros seguros sobre a data e portaria de alteração deste título do egresso. A data é
provável e foi levantada após lançar a dúvida para vários egressos. De toda forma, é fato que o título
em duplicidade findou-se após a promulgação da lei de criação do Conselho de Arquitetura e
Urbanismo (CAU), Lei número 12378/2010.
o decreto presidencial (Decreto nº 83.903, do Conselho Federal de Educação)
que autorizou o funcionamento do curso particular de Arquitetura e Urbanismo do
Instituto Metodista Izabela Hendrix, implantado em 198093.

No estado do Paraná, antes da criação do primeiro curso de arquitetura, a


produção edilícia do estado ficava a cargo de outros profissionais (projetistas,
engenheiros) ou de arquitetos residentes ou formados em outros estados.
(VIDIGAL, 2004). O primeiro curso de Arquitetura do estado foi delineado em
1962, em Curitiba, a partir do curso de Engenharia da Universidade Federal, essa
fundada em 19 de dezembro de 1912 (BERRIEL e SUZUKI, 2012). Para a
estruturação do curso de Arquitetura, a Escola de Engenharia compôs uma
comissão formada por engenheiros - presidida pelo engenheiro Rubens Meister
- além de dois arquitetos e professores da Escola de Arquitetura de Belo
Horizonte, José Marcos Loureiro Prado e Armando Strambi. Já no ano de 1965,
a Escola de Engenharia implantou outros departamentos e contratou novos
arquitetos de outros estados, sobre os quais discorreu Emerson Vidigal:

Do Rio de Janeiro vieram para cá os arquitetos: Cyro Llydio


81
Correa Lyra, Almir Fernandes e Marlene Fernandes;
Fernando Carneiro era Curitibano, residia na cidade e
também formado na FNARJ; todos estes criaram o
departamento de teoria e história da arquitetura. Da capital
paulista vieram: Luiz Forte Neto e Roberto Luiz Gandolfi,
contemporâneos de figuras de destaque da chamada ‘Escola
Paulista’, como Paulo Mendes da Rocha. Depois veio ainda
Joel Ramalho, todos ex-alunos do Mackenzie e assumindo as
cadeiras de composição. José Genoíno, piauiense formado
no Rio de Janeiro irá trabalhar na UFPR, junto à prefeitura do
Centro Politécnico. Elgson Ribeiro Gomes era engenheiro
formado no Paraná e residia em Curitiba, além de ter se
formado em arquitetura pelo Mackenzie. Além dos
professores de Minas Gerais citados anteriormente [José
Marcos Loureiro Prado e Armando Strambi], também do Rio
Grande do Sul veio o arquiteto gaúcho Léo Grossman que se
tornou professor de projeto. (VIDIGAL, 2004, p. 61).

A reforma universitária de 1969 incluiu a criação do Setor de Tecnologia da


Universidade Federal do Paraná (UFPR), momento em que a Escola de
Engenharia é transformada em Curso de Engenharia e o curso de Arquitetura é

93
http://izabelahendrix.edu.br/arquitetura-e-urbanismo/historico - acesso em mai. 2020.
desligado dessa Escola e ambos são vinculados ao novo Setor de Tecnologia,
situação que ainda permanece. Na década de 1970, são criados o Colegiado do
Curso de Arquitetura e Urbanismo (1972) e o Departamento de Arquitetura e
Urbanismo (1973) (CHIESA, 2001). Percebe-se, que a criação do curso de
Arquitetura na capital do Paraná implicou na transferência de um número
considerável de profissionais de outras capitais para atuarem como docentes,
onde muitos se instalaram definitivamente.

Nota-se que a constituição do campo da arquitetura em Curitiba foi tardia em


relação a outras capitais, acontecendo no momento em que a arquitetura
moderna já atingia seu reconhecimento mundial (ou maturidade, conforme
preferem alguns autores). Conforme visto, a produção projetual anterior à
formação do Curso de Arquitetura ficava a cargo de engenheiros, projetistas ou
de arquitetos de outros estados, mas isto não significava a ausência de um
princípio estruturador do campo arquitetônico. Sabe-se, porém, que na década
de 1970, a cidade de Curitiba passou por uma intensa atividade econômica que
refletiu no aumento da demanda por projetos arquitetônicos, além disso, os
82
arquitetos paranaenses de destacaram sobremaneira em concursos nacionais e,
desse modo, ganharam ampla visibilidade. Soma-se a isso, o destaque no setor
de planejamento urbano em decorrência da administração municipal do arquiteto
Jaime Lerner. Diante desses fatos, o campo da arquitetura curitibana ampliou-se
e notabilizou-se no cenário brasileiro.

Já no Estado do Rio Grande do Sul, o primeiro curso de arquitetura foi


disponibilizado com a criação da primeira Escola de Engenharia no ano de 1897,
em Porto Alegre. Sobre os cursos que essa escola pretendia oferecer, discorreu
Bruno Mello (2016):

O ensino estava dividido ‘em cinco cursos independentes: os


de agrimensura, de estradas, de hydraulica, de architectura e
de eletro technica’ (Escola de Engenharia, 1899: 28). Estes
‘cursos independentes’ tinham três anos de duração. Cada
ano com um conjunto de aulas (disciplinas, diríamos hoje).
(MELLO, 2016, p. 4).

A despeito da existência do curso de arquitetura, seus egressos recebiam apenas


a titulação de engenheiros (MELLO, 2016). No ano de 1907, esse curso é extinto,
permanecendo apenas as graduações em engenharia civil (onde conteúdos
sobre arquitetura eram ministrados), engenheira agrônoma e o curso de
veterinária. Em meados de 1940, a mesma Escola de Engenharia criou o curso
para formação de engenheiros-arquitetos, cujas atividades foram iniciadas
mesmo antes da autorização para o seu funcionamento, o que ocorreu em maio
de 1946, por meio do Decreto nº 21.221/46. A sua oficialização ocorreu em julho
do mesmo ano, por meio do Decreto nº 2.027/46, documento oficial que
estabeleceu o curso de engenheiros-arquitetos como um dos cinco mantidos pela
instituição (MELLO, 2016).

Um ano após a extinção do primeiro curso de arquitetura da Escola de


Engenharia, ou seja, em 1908, o Instituto de Belas Artes do Rio Grande do Sul é
fundado de forma autônoma (MELLO, 2016). Conforme seu estatuto, o Instituto
seria composto por duas escolas, a Escola de Conservatório e Música e a Escola
de Artes, a qual abrangeria, dentre outras formações, o curso de arquitetura.
Segundo Mello (2016), a despeito da referência do curso de arquitetura no
estatuto, ele não foi ministrado nos primeiros anos e os estatutos posteriores 83
(1922, 1927 e 1934) “denotam a hesitação do Instituto no que tange a presença
do ensino da arquitetura. Esta dimensão ora comparece no texto, ora não.”
(MELLO, 2016, p. 6). Com a fundação da Universidade de Porto Alegre, em 1934,
tanto o Instituto de Belas Artes como a Escola de Engenharia são integrados à
sua estrutura e o curso de arquitetura entra na pauta dos administradores, sendo
aprovado quase dez anos depois, em reunião do Conselho Técnico
Administrativo (1942). Desse modo, em 26 de novembro de 1945, o Decreto
Federal nº 19.991 autorizou o estabelecimento do Curso de Arquitetura vinculado
ao Instituto de Belas Artes (MELLO, 2016). Percebe-se, neste ponto, a existência
simultânea de dois cursos em Porto Alegre que permitiam a atuação da profissão,
o de engenheiro-arquiteto formado pela Escola de Engenharia e o de arquiteto
graduado pelo Instituto de Belas Artes. Na década de 1950, após um longo
embate entre os dois “lados” (decorrentes da disputa pelo campo profissional,
que até então era dominado pelos engenheiros), os dois cursos são unidos para
a criação da Faculdade de Arquitetura. Para a efetivação da fusão, foi instituída
uma comissão composta pelos arquitetos Demétrio Ribeiro, Ernani Dias Corrêa,
pelos engenheiros Fernando de Azevedo Moura, João Baptista Pianca, Lelis
Espartel e Duilio Bernardi, presidida por Leovegildo Paiva, então professor da
Escola de Engenharia (MELLO, 2016). Sobre o contexto em que o curso foi
criado, discorre Abreu Filho (2006):

A idéia da criação de um curso de arquitetura no estado,


lançada pelo diretor do Instituto de Belas Artes Tasso Corrêa
em 1944, insere-se nesse debate, num momento
especialmente crítico. Justamente quando a chamada
arquitetura moderna brasileira tornava-se hegemônica
nacionalmente, e amplamente reconhecida
internacionalmente, encontrava forte resistência em Porto
Alegre, sobretudo na corporação dos engenheiros, gerando
sentimentos de atraso e marginalização por uma parte do
meio cultural e artístico local. (ABREU FILHO, 2006, p. 200).

Já na região Nordeste, a vinculação dos cursos de arquitetura em relação à


engenharia ou belas artes é variada. Em Salvador, o primeiro curso de Arquitetura
84 foi organizado em 1877, concomitantemente com a fundação da Academia de
Belas Artes (posteriormente Escola de Belas Artes – EBA-BA), a qual foi
implantada a partir do projeto liderado pelo pintor Miguel Navarro y Cañizares.94
Desde sua inauguração até o início do século 20 poucos arquitetos se graduaram
e a frequência não se alterou muito até o final da década de 1940 (ANDRADE
JUNIOR, 2019).

O curso sofreu diversas reorganizações em sua estrutura até o seu


reconhecimento nacional em 1937, conduzido pelas mãos do arquiteto José
Nivaldo de Alieno e do professor Oseas dos Santos, então diretor da Escola de
Belas Artes. A federalização do curso deu-se no ano 195095 (ANDRADE JUNIOR,
2019), quando a Escola já estava vinculada à Universidade de Bahia, por meio
da emenda n° 21, do Projeto de Lei de n° 494, o qual assegurou o arquiteto o
direito de sua atuação. No ano de 1959, o curso desvinculou-se da Escola de

94
Miguel Navarro y Cañizares foi um pintor espanhol, natural de Valência, que fixou residência em
Salvador no final do século 19, quando passou a lecionar no Liceu de Artes e Ofícios da Bahia,
implantando as graduações do ensino do desenho e pintura. Cañizares foi também responsável pela
elaboração do projeto para a criação da Academia de Belas Artes da Bahia, encaminhado para a
apreciação do Governo da Província, provavelmente, em 1877, mais tarde denominada Escola de
Belas Artes. (SILVA, 2005).
95
O histórico disponibilizado no site da FAUFBA informa que a federalização aconteceu em 1949.
(Ver: https://arquitetura.ufba.br/pt-br/historico - acesso em mai. 2020).
Belas Artes. Sobre a formulação da estrutura curricular do curso, informa o site
da Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia (FAUFBA):

O curriculum do curso de arquitetura se formulou, tendo como


base os conceitos do arquiteto Lúcio Costa e os princípios
estabelecidos, no Congresso da União Internacional de
Arquitetos, realizado em Lisboa no ano de 1959: ‘Desenvolver
a sensibilidade plástica, a noção do espaço, a imaginação, a
memória visual, o sentido do homem e do caráter’. (FAUFBA
– extraído de: https://arquitetura.ufba.br/pt-br/historico -
acesso em mai. 2020)

Até a federalização do curso, o corpo docente era composto, em grande parte,


por profissionais de outras áreas. Os únicos professores arquitetos, até 1950,
eram formados na própria instituição, a saber, Antônio Pereira Navarro de
Andrade, Carlos Sepúlveda e Walter Veloso Gordilho. (ANDRADE JUNIOR,
2019). Sobre o cenário profissional, Andrade Junior discorreu que, “no final da
década de 1940 não existiam mais do que 25 ou 30 arquitetos em todo o estado
da Bahia, quase todos empreiteiros de obras ou funcionários públicos.” (2019, p.
14, v.2)
85
Entretanto, esta situação de “lacuna na formação de arquitetos até a
reformulação do curso e sua desvinculação da EBA” (ANDRADE JUNIOR, 2019,
p. 167, v. 2), foi, de certa forma, suprida com a criação do Escritório de
Planejamento Urbano da Cidade de Salvador (Epucs) que, nas palavras de
Andrade Junior, “[...] funcionou como uma verdadeira escola, na qual se formou
uma geração de jovens profissionais que teriam grande destaque nos campos da
arquitetura e urbanismos baianos ao longo de décadas seguintes [...]”.
(ANDRADE JUNIOR, 2019, p. 167, v.2).

Na capital Pernambucana, a Escola de Belas Artes (EBAP) foi fundada em 1932,


seguindo os parâmetros da ENBA do Rio de Janeiro, oferecendo, primeiramente,
os cursos de arquitetura, pintura e escultura e, mais tarde, os cursos de música
e arte dramática.

Segundo Sonia Marques Barreto (1996), a especificidade da EBAP consistiu na


aceitação “das idéias modernas em arquitetura e na ausência ou omissão de
grupos organizados de resistência, defensores dos cânones tradicionais” (1996,
p.?), referindo-se às reações já conhecidas da ENBA do Rio de Janeiro. Esta
especificidade, segundo a autora, decorreu da influência dos professores
fundadores, muitos deles formados no Rio de Janeiro, como o engenheiro
Joaquim Cardozo, o qual manteve contato com o movimento de arte moderna
carioca e que, de volta ao Recife, compartilhou esses ideais com os personagens
ligados à cena cultural local, antenados com os acontecimentos modernizantes
europeus. Barreto (1996) informou que dos trinta e quatro fundadores da EBAP,
apenas um deles era arquiteto, formado em São Paulo, sem o identificar.

Ao mesmo tempo em que Barreto defendeu a “ausência de grupos de


resistência,” comentou o contexto social e político em que ocorreu a estruturação
do curso de Arquitetura na EBAP, revelando que Luiz Nunes, egresso da ENBA,
e líder da greve em prol da modernização dessa escola - o qual tinha aportado
em Recife para atuar na Diretoria de Arquitetura e Urbanismo (DAU) do governo
- , foi indicado para compor o corpo docente da escola, o que não se efetivou,
uma vez que sua figura estava “demais associada à gestão de Carlos Lima e as
relações da EBAP com o governo do estado de Pernambuco tornavam-se
86
bastante delicadas”, e foi considerado “mal visto, acusado até de esquerdista [....].
Para uma escola como a EBAP, que buscava o seu reconhecimento oficial, ato
que dependia de favores da esfera estadual, a contratação de um arquiteto a
serviço de um governo ‘esquerdista’ poderia, então, ser pouco recomendável”
(BARRETO, 1996, p.?). Como não seria este fato uma confirmação da existência
de grupos de resistência?

Independente desta dúvida, Joaquim Cardozo, um dos fundadores do curso,


mantinha contato estreito com Nunes. Seu trabalho no setor público de Recife,
mesmo que realizado em um curto espaço de tempo, foi fundamental para a
composição do discurso arquitetônico da capital pernambucana, conforme
registrou Barreto (1996),

Porém, mesmo fora da escola, Nunes influenciou o meio


cultural, o que associado aos demais fatores assinalados –
herança dos grupos intelectuais locais, ausência de
intelectuais tradicionais significativos, especificidade do
governo Carlos Lima, entre outros – propiciou, para o curso
de arquitetura da EBAP, uma boa receptividade às idéias
modernas. (BARRETO, 1996, p.?)

Em 1946, a Escola de Belas Artes foi agregada à Universidade Federal de


Pernambuco (UFPE) (SILVA, 2004), pela ação do professor Joaquim Amazonas,
então reitor, e, em 1945, sua federalização foi efetivada, o que permitiu à
Instituição expedir diplomas válidos em todo território nacional. No final da
década de 1950, o curso desvinculou-se da Escola e se integrou a Faculdade de
Arquitetura de Pernambuco, sob a liderança de Evaldo Bezerra Coutinho, que se
tornou diretor da UFPE.

O primeiro curso de arquitetura do estado do Ceará foi estabelecido no ano de


1964, sob a gestão do então - e primeiro - Reitor da Universidade Federal do
Ceará (UFC), Sr. Antônio Martins Filho (LIMA, 2014), o qual encomendou sua
organização a alguns professores da Escola de Engenharia, dentre eles José
Liberal de Castro (1926), Neudson Braga (1935), José Armando Farias (1927-
1974) e Ivan Britto (1928) (DIÓGENES e PAIVA, 2011), responsáveis pela
criação de um curso independente, inteiramente desvinculado de qualquer outra
87
instituição. Esses professores, que ficaram a cargo da empreitada, eram
arquitetos cearenses, formados nas escolas do Rio de Janeiro ou do Recife,96 e
que após a graduação retornaram para a terra natal onde foram responsáveis,
juntamente com outros profissionais, pela construção do campo da arquitetura no
Estado, por meio tanto da atuação profissional como do ensino docente.

Para o cargo de direção do curso, a equipe convidou o arquiteto carioca Hélio de


Queiroz Duarte (1906-1989), cuja trajetória profissional foi construída, sobretudo,
nas cidades do Rio de Janeiro, onde se formou; Salvador, quando foi aprovado
no concurso do Banco Hipotecário Lar Brasileiro e passou a lecionar na Escola
de Belas Artes; e em São Paulo, na posição de arquiteto-gerente da filial
paulistana da Companhia Brasileira Imobiliária de Construções e professor na

96
José Liberal de Castro migrou para o Rio de Janeiro no ano de 1944, onde cursou Arquitetura.
(PAIVA e DIÓGENES, 2014) Neudson Braga formou-se na Faculdade Nacional de Arquitetura da
Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro (BRAGA, OLIVEIRA e RIBEIRO, 2014); Ivan Britto e
graduou-se em Recife no ano de 1955 (LIMA, 2014), José Armando Farias também graduou-se em
Recife, fazendo parte da primeira turma (1948) da Escola de Arquitetura de Pernambuco (PAIVA e
DIÓGENES, 2014)
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo - FAUUSP
- ; e, pouco depois, em 1950, na Escola de Engenharia de São Carlos (LESSA,
2016). Porém, em Fortaleza, o arquiteto permaneceu apenas um ano. Todos os
arquitetos envolvidos na criação do curso na capital cearense também integraram
o Departamento de Obras da UFC, onde projetaram os edifícios para a expansão
do campus universitário. Este conjunto de acontecimentos desenhou o campo
propício para a construção dos ideais modernizantes em Fortaleza.

Nota-se, em suma, que a base de constituição dos primeiros cursos de


arquitetura nesses estados era variada, ora decorrente das escolas de
engenharia (Paraná, Rio Grande do Sul), ora da Belas Artes (Bahia,
Pernambuco), ora compostos de forma independente (Minas Gerais e Ceará).
Observa-se, ainda, a participação de arquitetos provenientes de outros estados
para a organização dos cursos ou mesmo para atuar como professores (Ceará,
Bahia, Paraná) e, ainda, a utilização do estatuto da ENBA do Rio de Janeiro como
base exemplar. Tais fatores, certamente, contribuíram para a conformação do
campo da arquitetura nesses estados e para a estruturação de uma historiografia
88
mais abrangente.

Retomando a temática da historiografia, após a década de 1990, poucos autores


trataram da matéria de uma forma tão abrangente e circunstanciada como
Segawa o fez, e o que se produziu – não diminuindo a importância de tais
trabalhos - ou foram estudos monográficos sobre obras canônicas ou sobre
arquitetos protagonistas da cena moderna de outrora, situando-os no contexto já
amplamente estudado, ou até mesmo, em publicações do tipo coletâneas como,
por exemplo, a organizada por Abílio Guerra (2010), ou, mais recente, estudos
de períodos específicos, como foi o caso da publicação de Maria Alice Junqueira
Bastos e Ruth Verde Zein, em “Brasil: Arquiteturas após 1950”, de 2011. Faz-se
oportuno destacar também as produções resultantes dos encontros, congressos,
seminários referentes ao campo, tal como o Docomomo Brasil.

O que se percebe, portanto, é que estamos vivenciando um momento de


expansão e, porque não, de ampliação da historiografia da arquitetura brasileira
referente ao século 20. O caminho iniciado por Segawa, primeiramente em
relação à proposta de discorrer sobre o quadro da arquitetura brasileira,97 sem a
pretensão de classificá-la ou estilizá-la, vinculando a arquitetura a fenômenos
mais amplos como a modernidade social e urbana e, posteriormente, levantando
a questão das várias modernidades brasileiras, incentivou novos pesquisadores
a tentar outras abordagens, de forma a levar em conta os fenômenos externos
(ao discurso) e próprios a cada estado brasileiro, os quais moldaram uma
arquitetura particular e diferenciada daquela produzida pelas denominadas
escolas carioca e paulista. É o caso da recente publicação de Nivaldo Vieira de
Andrade Junior (2019), fruto de sua tese de doutoramento defendida em 2012 no
Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal da Bahia (PPG-AU/URFBA), intitulada “Coleção Arquitetura Moderna na
Bahia (1947-1951),” composta por cinco volumes.

Apresentado o resumo da historiografia sobre a arquitetura brasileira produzida


até a atualidade e, diante do amplo acervo literário que interpreta e/ou cataloga
a produção do período, como selecionar os conteúdos para esta tese? Qual
critério adotar para as escolhas e posterior análise que se pretende realizar para 89
a composição do material de estudo? Diante do exposto, o livro de Segawa
parece ser o mais indicado, em função da amplitude do período trabalhado pelo
autor, sem limitar-se à produção reconhecida como moderna, na tentativa de
apresentar o quadro da arquitetura brasileira, o qual estamos buscando
reconhecer de forma a situar as sedes produzidas por Roberto Capello. Também
pode servir como guia para a seleção ora pretendida o estudo sobre as
interpretações da arquitetura brasileira, apresentado por Sonia Marques e Guilah
Naslavsky (2001), que diz:

(...) pode-se dizer, grosso modo, que, sobretudo nas


publicações estrangeiras e particularmente nas européias,
até o momento, uma interpretação predomine: aquela que
propõe a História da arquitetura moderna, no Brasil, em três
etapas. A primeira, de construção, é seguida da fase carioca,
esta a quintessência da nossa arquitetura (2) onde Lúcio
Costa desempenha papel crucial, tanto na articulação
internacional, junto a Le Corbusier e ao Congressos
Internacionais de Arquitetura Moderna - CIAM, quanto no

97
Assim como tentou Nestor Goulart em seu livro Quadro da Arquitetura do Brasil (1970), a despeito
das particularidades intrínsecas ao período.
Brasil, na relação entre paulistas e cariocas (3). Tudo mais,
na terceira etapa, seriam desdobramentos.

Numa outra perspectiva, situam-se narrativas proponentes da


existência de várias modernidades. Relacionadas
frequentemente com uma sensibilidade (4) embora não
apenas com ela (5) advogam contribuições européias
diversas na constituição de nossa modernidade, dando-lhes
legitimidade a todas.

A interpretação predominantemente periodizada da arquitetura moderna é


frequente não só nas publicações estrangeiras. Carlos Eduardo Comas, em seu
texto “Arquitetura Moderna 1930 a 1960”, que compõe um dos capítulos do livro
“Arquitetura Brasil 500 anos” (2002-V.2), classifica o recorte proposto no título em
cinco partes, a saber, Incubação (1930-1936); Emergência (1936-1945);
Consolidação (1946-1950); Hegemonia (1950-1955) e Mutação (1955-1960).

Ao mesmo tempo, nas publicações mais recentes, nota-se uma inquietude em


relação à hegemonia da produção arquitetônica carioca e paulista no que tange
à arquitetura moderna, decorrente, ao que tudo indica, da abordagem tratada por
Segawa.
90

Assim, deve-se considerar que nem toda expressão arquitetônica do período


configura-se como um simples desdobramento dos movimentos desenrolados
nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro (MARQUES e NASLAVSKY), mas
certamente sofreu forte influência em função da pauta do discurso nesses
contextos. A perspectiva das várias modernidades, adotada também por Hugo
Segawa (2014), autor que defende que a visão totalizadora da produção pode
apagar as diferenças, exaltar as formas dominadoras e dissimular a diversidade
é a que melhor se encaixa na proposta aqui pretendida. Entretanto, e se
considerarmos a perspectiva de Goldahgen (2005), até a questão das várias
modernidades não satisfaz o entendimento da arquitetura moderna produzida em
contextos tão diversificados como aconteceu em nosso país, mas na falta de
estudos que sistematizaram esta produção a partir desta visão, as várias
modernidades são as que mais se aproximam da questão aqui discutida.

Nas principais capitais brasileiras, nota-se, preliminarmente, no período do


recorte estudado, uma atuação impactante de arquitetos locais – sejam daqueles
que retornaram para suas cidades natal depois de finalizados seus cursos de
graduação no Rio de Janeiro, São Paulo ou no exterior, ou daqueles que se
mudaram (brasileiros ou estrangeiros) para estas cidades em decorrência de
ofertas de empregos - os quais, antenados com os acontecimentos nacionais,
influenciados, sobretudo, pela visita de Le Corbusier e, posteriormente, pelo
projeto do Ministério de Educação e Saúde (MES), produziram, inevitavelmente,
uma arquitetura particular, consolidada a partir das especificidades locais de
cunho cultural, político econômico e social.

91
ANTES DE TUDO, UMA TENSÃO

Os discursos arquitetônicos em torno de uma incipiente racionalidade ou sobre a


questão dos rumos da arquitetura - em voga na Europa e Estados Unidos no
final do século 19 - foram transmitidos para o campo arquitetônico brasileiro,
sobretudo, pelos periódicos internacionais assinados pelos profissionais da área
ou pelos arquitetos estrangeiros que aqui se instalaram ou mesmo por aqueles
que retornaram ao país após completar os estudos no exterior. Entretanto, esses
discursos tomaram forma apenas na década de 1920 (SEGAWA, 2014), quando
o neocolonial se despontou como expressão da nacionalidade então pretendida,
resultando em uma tensão entre as correntes em voga, incluindo aquela que
defendia a manutenção da tradição clássica.

92 Em terras estrangeiras, os embates (que obviamente decorriam de fenômenos


diferenciados) iniciaram-se com os movimentos de vanguarda do final do século
19 e início do 20 e refletiram-se também nas exposições internacionais, como
aconteceu na Exposição Mundial de Chicago (World’s Columbian Exposition),98
celebrada em 1893, com a debandada dos arquitetos da Escola de Chicago - com
exceção de Louis Sullivan - para o lado clássico, em apoio ao desenho das
estruturas em estilo romano (ARTIGAS, 1957).

Os debates correntes - que se manifestaram, indubitavelmente, nos artefatos


arquitetônicos e no próprio discurso interno da arquitetura - podem ser
relacionados ao fenômeno de hibridização cultural, o qual expressa que os
processos de encontro, contato, interação e troca exercem forte influência na
inovação do campo referente, neste caso, na arquitetura. O assunto é tratado por
Peter Burke (2003) nas poucas páginas do seu livro intitulado “Hibridismo

98
A World’s Columbian Exposition foi planejada para comemorar a primeira viagem de Cristóvão
Colombo à América em 1492, e demonstraria o potencial da indústria americana. Para tal feito,
elegeram o arquiteto Daniel Burnham como o responsável por conduzir o plano, o qual formou uma
equipe de outros arquitetos americanos para produzir os projetos dos edifícios. Sobre a proposta de
Brunham, registrou Luke Fiederer: “Seus esforços individuais estavam unidos por um mandato
estilístico: ao invés dos pavilhões de metal e vidro que caracterizaram as Feiras Mundiais desde o
Crystal Palace, esta nova exposição assumiria a aparência de uma ‘cidade sonhadora’ real e
permanentemente realizada no estilo de Beaux Arts.” (FIEDERER, 2017).
Cultural, ” no qual discorre sobre cinco temas (objetos, termos, situações, reações
e resultados) de forma a explicar, panoramicamente, o fenômeno.

Em relação ao estudo da variedade dos objetos, ao trabalhar os artefatos


híbridos, Burke pronuncia-se sobre a arquitetura, a qual, segundo o autor,
proporcionou muitos desses artefatos ao longo de sua história, combinados por
elementos de diferentes culturas. A interação cultural, que promove a hibridização
dos artefatos, é discutida sob vários aspectos pelos pesquisadores da área, que
utilizam, para tanto, uma diversidade de termos para explicar os fenômenos em
campos específicos, tais como a imitação criativa; apropriação; empréstimo
cultural; aculturação/assimilação/transculturação; transferência; troca cultural;
acomodação; sincretismo; fusão; hibridismo; ecótipo, dentre outros. Para Burke,
o termo ecótipo - cunhado pelos botânicos (assim como hibridismo) para se referir
a uma variedade de planta que se adapta a um lugar pela seleção natural - é
um dos menos conhecidos na análise da mudança cultural. Sobre este termo, -
útil para discorrermos sobre os embates discursivos no campo da arquitetura no
período em análise - discorre o autor: 93

A existência de ecótipos sugere que precisamos tomar


consciência de forças centrífugas assim como de forças
centrípetas. Como a história das linguagens e dos dialetos, a
história da cultura em geral pode ser vista como uma luta
entre as duas forças. Às vezes uma tendência predomina,
às vezes a outra, mas elas alcançam um certo equilíbrio ao
longo do prazo (BURKE, 2003, p. 54, grifo meu).

Para o autor, todos os termos auxiliam na resolução de problemas mas criam,


contudo, seus próprios problemas, já que alguns tem a “desvantagem de parecer
excluir o agente individual” - como hibridismo, sincretismo e mistura - , outros dão
“maior ênfase ao agente humano e à criatividade” - tais como apropriação e
acomodação, assim como a tradução cultural. Essa (a tradução cultural) é “usada
para descrever o mecanismo por meio do qual encontros culturais produzem
formas novas e híbridas” (BURKE, 2003, p.55), mas, ao ser utilizada, devem ser
levados em conta “os pontos de vista contrários dos doadores – ou seja, dos
indivíduos da cultura da qual um determinado item foi apropriado – e dos
receptores.” (BURKE, 2003, p. 59). Sobre a quantidade e características dos
termos, Burke resume: “embora ainda existam termos e conceitos demais em
circulação para descrever e analisar os processos [...], precisamos de vários
deles para fazer justiça tanto ao agente humano [...] quanto às modificações das
quais os agentes não têm consciência [...].” Sendo assim, o termo apropriado
para a análise depende de situações variáveis, contextos e locais onde os
encontros culturais acontecem, “distinguindo entre encontros de iguais e de
desiguais, por exemplo, entre tradições de apropriação e resistência, e entre
locais de encontro, da metrópole à fronteira. ” (BURKE, 2003, p. 63).

No contexto brasileiro em que a arquitetura certamente sofreu influência de


externos, pode-se considerar, grosso modo, que os imigrantes eram os
emprestadores de sua cultura, em função da ausência de uma cultura da
arquitetura própria e fortalecida naquele período inicial de influências externas.
Na verdade, a arquitetura do final do século 19 era severamente criticada,
conforme apontou Segawa: “No final do século 19, o Brasil não se ufanava de
sua arquitetura. E denegria seus antecedentes. ” (SEGAWA, 2014, p. 29). Mesmo
com o discurso neocolonial da década de 1920, a situação não era em pé de
igualdade, destacando-se, portanto, as particularidades trazidas e emprestadas
94
pelos imigrantes ou pelas revistas e livros.

Para Burke, há locais que são apropriados e favoráveis às trocas culturais, como,
por exemplo, as metrópoles, as fronteiras e as áreas portuárias, onde a interação
entre pessoas de diferentes culturas é propiciada. Apesar da tendência dessas
pessoas se isolarem em grupos, as interações são inevitáveis, tanto dentro da
cultura como entre culturas. A troca, portanto, é uma consequência dos
encontros, a qual têm várias consequências e reações como aceitação, rejeição,
segregação e adaptação. Em nosso país, pode-se dizer que a aceitação do
estrangeiro foi mais ou menos imposta, a começar pelo próprio processo
colonizador, e mais adiante, no que tange às artes e arquitetura, pelas ações
promovidas pela Missão Francesa, mesmo com a forte resistência dos técnicos
locais, e assim por diante.

Mas a troca cultural não é sempre um reflexo de tolerância e mente aberta, a


resistência também é um fator a ser levado em conta em vários contextos, visto
que “as culturas são heterogêneas e que diferentes grupos podem reagir de
modos muito diversos aos encontros culturais.” (BURKE, 2003, p. 85). A
adaptação é, muitas vezes, uma reação comum nos encontros culturais e pode
ser analisada “como um movimento duplo de des-contextualização e re-
contextualização, retirando um item de seu local de origem e modificando-o de
forma a que se encaixe em seu novo ambiente” (BURKE, 2003, p. 91). A
‘tropicalização’ debatida por Gilberto Freyre, e citada por Burke, é um caso de
adaptação. Neste ponto, vale transcrever a exemplificação do autor:

A tropicalização no sentido literal ocorre quando as roupas ou


as casas que foram planejadas para países frios são
modificadas para serem exportadas para países quentes. Um
exemplo famoso, mas controvertido, é a arquitetura de Lúcio
Costa e Oscar Niemeyer, algumas vezes descrita como uma
bem-sucedida adaptação das ideias e dos designs de Le
Corbusier ao meio ambiente brasileiro, e outras vezes
criticada sob o pretexto de que o processo de adaptação não
foi longe o suficiente. (BURKE, 2013, p. 92)

Segundo Burke, alguns estudos sobre hibridização, muitas vezes, valorizam as


tendências e ignoram os indivíduos, os quais são fator chave para o entendimento
do fenômeno. Ao revermos a historiografia da arquitetura brasileira, comentada 95
anteriormente, percebe-se que, por muito tempo, os historiadores trataram a
arquitetura moderna de forma generalizada, enfatizando as obras
representativas, sem levar em conta, na maioria das ocorrências, a trajetória e
influência adquirida no campo da projetação pelos profissionais que as criaram.
Por isso, é importante destacar que os trabalhos monográficos de arquitetos, que
tem crescido a partir do final século 20, são extremamente relevantes para a
análise do campo da arquitetura brasileira. O tratamento generalizado sobre a
arquitetura, que dispensa a ênfase no profissional, pode ser percebido em muitas
obras publicadas, principalmente naquelas com perfil catalográfico. A despeito de
sua importância no que tange ao registro de obras, tais estudos deixam dúvidas
em relação à produção catalogada quando o trabalho não é sistematizado de
forma a esclarecer o critério do inventário.

Como exemplo, pode-se citar, dentre muitos, o livro “Arquitetura Modernista em


Porto Alegre – entre 1930 e 1945”, de Günter Weimer (1998) - prefaciado por
Hugo Segawa e resultante do trabalho de inventário incentivado pelo Núcleo
DOCOMOMO Brasil. A despeito de sua importância como registro da produção
arquitetônica do período proposto e da tentativa de explicar o contexto político e
social de forma a relacioná-lo com a produção registrada, o texto sequer aborda
aspectos mais esclarecedores sobre os personagens principais da produção
arquitetônica levantada. Destacou-se, no decorrer da leitura do livro, o inventário
de várias obras de autoria do arquiteto João Antônio Monteiro Neto (1893 - 1956),
a maioria delas residências projetadas no início da década de 1930, importantes

Figura 25 – Residência Manglio Agrifolio/arquiteto João


artefatos arquitetônicos
Antônio Monteiro Neto/construída em 1931/Porto cujas formas são, por
Alegre/RS.
exemplo, muito similares
às das casas
modernistas de Gregori
Warchavchik, além de
contemporânea a elas,
96 mas que foram
descartadas (ou pouco
referenciadas) pela
historiografia da
arquitetura brasileira do

Fonte – Arquivo Público de Porto Alegre/extraído de


período.99 A
Pereira (2003). exemplaridade dos
projetos de Monteiro Neto foi trabalhada na dissertação de mestrado defendida
por Cristiano Zluhan Pereira em 2013,100 mas ainda segue desconhecida no
contexto geral da historiografia sobre a arquitetura brasileira.

Ao discorrer sobre os resultados das interações culturais, Burke comenta que


todas as formas culturais são mais ou menos híbridas - “em nosso mundo,
nenhuma cultura é uma ilha” (BURKE, 2003, p.101) - e enfatiza que “somos todos
imigrantes” (p. 107). É claro, para Burke, que o hibridismo é um processo, não

99
Segawa, utilizando-se da obra de Weimer, citou João Antônio Monteiro no subcapítulo “À margem
do modernismo engajado”, sem, no entanto, ilustrar exemplos de sua arquitetura. (2014, p.18).
100
PEREIRA, Cristiano Zluhan. Entre Textos e Projetos. O arquiteto João Antônio Monteiro Neto em
Porto Alegre. (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura, Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2013.
um estado. Nesta perspectiva, a arquitetura sempre se renova, não havendo um
fim determinado que possa classificá-la em períodos ou características formais,
como muitos estudos têm feito. No entanto, também parece evidente que as
discussões e debates acerca dos aspectos formais da arquitetura brasileira do
início do século 20, a despeito da sua insuficiência para a identificação da
totalidade do campo arquitetônico, pelo menos ajudaram a construir o sistema
cultural relativo, o qual ainda está em processo, assim como está em processo a
própria historiografia referente.

Essas discussões que marcaram o início do século 20 foram levantadas com


base em referências diversas, sempre articuladas com a questão da
modernidade, em um contexto brasileiro marcadamente subdesenvolvido,
composto, contudo, por uma parte da sociedade que desejava essa modernidade
e outra parte que apresentava resistências às inovações. Dentre essas
referências, há o debate em torno dos desafios impostos aos arquitetos na
escolha entre a técnica e a linguagem, ou à própria linguagem no sentido de
identificar qual a mais adequada para representar a nacionalidade então 97
pretendida. Em relação ao desenvolvimento tecnológico e sua relação com as
transformações na sociedade que refletiram na cultura arquitetônica, Segawa
(2014) identificou que essas preocupações já eram latentes no final do século 19,
ao analisar o artigo do engenheiro civil Bernardo Ribeiro de Freitas, publicado em
1888, sob o título de “A Arquitetura Moderna”, o qual, inclusive, já destacava a
divisão do discurso arquitetônico em algumas correntes, dentre elas a
racionalista.

A linguagem arquitetônica associada ao discurso da nacionalidade foi


amplamente tratada pela historiografia referente. Ana M. G. Albano Amora (2006)
discorreu sobre esta relação em sua tese de doutoramento intitulada “O Nacional
e o Moderno – arquitetura e saúde no Estado Novo nas cidades Catarinenses”
(2006). Para a autora, o ambiente cultural do Rio de Janeiro, no início do século
20, foi favorável para a disseminação do ideário moderno na arquitetura e
destacou a Escola Nacional de Belas Artes como o principal reduto dos debates
e polêmicas travados no período, principalmente em relação ao episódio entre os
“neocoloniais” e “modernos”, ou entre os “acadêmicos” e “modernos.

Entretanto, a discussão sobre a nacionalidade, ou mais especificamente o que


seria uma arquitetura brasileira moderna, veio antes da instalação do governo de
Vargas (SEGAWA, 1998), a despeito do discurso, neste campo, centrar-se na
questão do estilo, o qual era apropriado para o período vigente. E mais ainda, o
que alimentou o discurso da nacionalidade, certamente foi o período que
antecedeu a proclamação da República, e, se retrocedermos um pouco mais de
forma a construir a base do sentimento que o construiu, adentraremos outros
campos que fogem ao nosso escopo, visto que o movimento que culminou na
nova república tem raízes mais profundas.

Segundo Segawa (2014), a conferência de Ricardo Severo pronunciada em 1914


na Escola Politécnica de São Paulo, sob o título “A Arte Tradicional no Brasil,”
marcaria o início da inserção do discurso neocolonial no debate sobre a
modernização da arquitetura. A despeito da ausência de reflexos imediatos nesse
98 campo (SEGAWA, 2014), a propagação de suas ideias chegou na Escola
Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro pelas mãos de José Mariano Filho
(1881-1946), responsável, inclusive, pela denominação neocolonial ao
movimento (MARIANO FILHO, 1926, apud SEGAWA, 2014). O discurso
repercutiu além da Escola e resultou em uma série de obras baseadas na
arquitetura tradicional brasileira, muitas delas construídas pelo poder público do
Rio de Janeiro, tendo seu auge na década de 1920 (SEGAWA, 2014) e
disseminando, posteriormente, em outros estados brasileiros, gerando
discussões no campo arquitetônico e revelando os opositores e defensores ao
novo movimento. Os defensores tinham uma fala repleta de ideais
modernizadores, mas, segundo Segawa, “afigurou-se como uma variação do
ecletismo no que busca eleger um ‘estilo’ mais adequado para o fim que se tinha
em vista, num contexto ainda de desconcertantes dilemas sobre a nova
arquitetura do século 20” (SEGAWA, 2014, p.39).

Os debates adentraram as décadas seguintes ao apogeu do movimento


neocolonial. Os textos de Vilanova Artigas auxiliam na construção do cenário
crítico à medida que desvelam as discussões em curso. Em um desses registros,
Artigas comentou como a nova arquitetura era rechaçada e vinculada a
expressões ideológicas:

A classe dominante brasileira assimilou e o Lucio Costa fez


referências, várias vezes, a respeito disso dizendo que a
arquitetura moderna, na década de 20, era considerada como
obra de comunistas e de judeus. A intenção era clara:
denunciar o surgimento da arquitetura moderna, a arquitetura
racionalista, como comunista e judaica. O art déco no Brasil,
e particularmente em São Paulo, foi assimilado como uma
posição intermediária, capaz de substituir o moderno
racionalista, por causa de seus aspectos isolados, por uma
arquitetura plausível. [...] Um homem que defendia o art déco
como sendo a arquitetura moderna era meu professor Prestes
Maia, que dizia: ‘Você faz o moderno alemão ou o moderno
francês.’ (ARTIGAS, 1984, in 2004, p. 176)

A influência dessa relação da arquitetura com ideologias políticas também veio


do exterior, onde em alguns países a nova linguagem foi taxada de comunista até
a crise americana de 1929, quando, a partir daí, a burguesia não mais conseguiu
equilibrar-se para dar continuidade aos ataques.
99
José Mariano Filho, em sua defesa do neocolonial, transferia para seus textos
esses ataques frequentes no exterior, traduzindo apenas os preconceitos
vinculados à nova arquitetura, descartando todo a base de sua discussão que a
fez tomar corpo. Esses preconceitos atravessaram a década de 1920 e
adentraram o período do Estado Novo, o qual, centralizador, intervencionista e
nacionalista, abraçou a roupagem revolucionária que a nova arquitetura
transmitia, para a construção de uma identidade nacional. Mas esta relação do
Estado Novo com a nova arquitetura não era tão direta e, muitas vezes, foi tema
de debates posteriores para a verificação de sua veracidade. Como exemplo,
Amora (2006) registra em sua tese: “[...] podemos afirmar que a estética gerada
sob essa perspectiva conservadora não foi de cunho modernista stricto sensu.
[...] ou seja, flertava com aquele modernismo, mas não aderia por completo aos
seus princípios.” (AMORA, 2006, p?)
A proposta de construção da imagem de um Brasil moderno, delineada pelo
Estado Novo, não se refletiu apenas na arquitetura, conforme discorreu a mesma
autora (2006):

[...] a construção de uma imagem de Brasil moderno esteve


impregnada de representações do que seria o nacional, com
o par conceitual moderno e nacional sendo expresso não só
nos produtos criados pelo Governo para difundir suas idéias,
mas também emergindo dentro dos campos profissionais
como temática nas discussões. Na arquitetura, manifestou-se
esteticamente a partir da elaboração de proposições do que
seria uma arquitetura brasileira. (AMORA, 2006, p.?)

A questão da nacionalidade, iniciada antes disso, como visto, toma relevância no


período do Estado Novo, talvez em decorrência dos melhores recursos para sua
divulgação. Pode-se dizer, grosso modo, que este discurso nacionalista não
findou-se nesse governo, tampouco com os posteriores, tornando-se parte da
cultura brasileira. Debates atuais em diversos campos envolvem, como antes -
porém com uma nova roupagem - a necessidade da decolinização (ou
descolonização), assim como foi a tentativa de afirmação da identidade brasileira.
100 Em outras palavras, esse discurso, como tal, ainda é vigente, modificado, na
atualidade, pelos seus fenômenos externos. Porém, o que se verifica na
atualidade, é que o campo arquitetônico não se insere neste discurso atual, e
provavelmente há razões para isso, as quais certamente precisam ser
analisadas. Quem, ou quais influenciadores, ou melhor dizendo, influencers, da
atualidade, inserem a arquitetura em seus discursos sobre a identidade
brasileira? Por que a arquitetura deixou de ser pauta dos discursos sobre a
sociedade ou sobre o futuro do país?

Em um cenário mais adiante ao Estado Novo, especificamente no segundo pós-


guerra, a política da boa vizinhança estabelecida com os Estados Unidos
possibilitou a divulgação da produção da arquitetura brasileira que, a partir daí,
tomou grandes proporções, passando a ser celebrada pelos brasileiros a tal ponto
que sua linguagem foi disseminada e utilizada até mesmo pelos não arquitetos,
conforme defende Fernando Luiz Lara (2018), ao trabalhar a excepcionalidade
da arquitetura moderna brasileira. À propósito, muitas excepcionalidades foram
tratadas ao longo das décadas posteriores, tais como a genialidade de Niemeyer,
a plasticidade exuberante, o rigor tectônico paulista e outros (LARA, 2018).

Considerando, de uma forma geral, os embates travados entre os tradicionalistas


e os racionalistas, e levando em conta essas excepcionalidades, o que muitos
autores concluíram é que a arquitetura moderna venceu, conforme registrou
Artigas:

Contrariando o pensamento e as tendências de um pequeno


grupo que ainda se apega ao ecletismo arquitetônico, a
grande maioria de nossa intelectualidade logo compreendeu
que os projetos dos arquitetos brasileiros revelam sempre o
desejo ardente de encontrar uma solução técnica e artística
adequada aos problemas da construção do Brasil. (ARTIGAS,
1955, in1981, p. 16-17)

Em outro texto,101 o autor indicou que o Movimento Moderno foi legítimo e


representou a base da arquitetura brasileira, na medida em que ele “exprimiu o
desejo do progresso contido na nacionalidade, o desejo de romper com as
amarras do nosso passado de país semifeudal e agrícola. ” (ARTIGAS, 1959 in
1981, p. 30) 101

Lauro Cavalcanti discorreu sobre o assunto - o embate, a tensão, e o vencimento


do grupo moderno -, em “As preocupações do Belo: arquitetura moderna
brasileira dos anos 30/40” (1995). O autor relatou a disputa entre as três correntes
arquitetônicas, formadas pelos modernos, neocoloniais e acadêmicos, utilizando-
se do conceito de campo proposto por Pierre Bourdieu (2010), destacando-se a
vitória dos modernos por terem acumulado maior capital simbólico ao ganhar o
apoio do Estado. Para Bourdieu (2010), a constituição de um campo tem como
fundamental a sua análise histórica, em que o campo é um lugar de disputa entre
grupos de interesse pelo seu domínio, e o que permite a cada grupo a impor suas
ideologias é a acumulação de capital simbólico, que não se refere apenas a bens
materiais, mas a uma lista de ações ou atributos que, acumulados, formam o
poder simbólico, o “poder invisível” (BOURDIEU, 2010, p.8).

101
Decorrente da aula inaugural ministrada na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul em 1959 (ARTIGAS, 1959 in 1981).
Andrade Junior (2019) comentou sobre a análise de Cavalcanti e registrou que o
autor, ao discorrer sobre o tema, ratificou o discurso hegemônico da arquitetura
moderna brasileira, que incomoda atualmente grande parte dos pesquisadores.
Nas palavras de Andrade Junior:

Ao ratificar esse discurso hegemônico, o próprio livro/tese de


Cavalcanti atua como uma instância de legitimação, na
medida em que, não obstante tenha subtítulo ‘arquitetura
brasileira dos anos 30/40’, corresponde a uma análise da
arquitetura moderna produzida naquele período pelos
arquitetos cariocas do grupo liderado por Lucio Costa e Oscar
Niemeyer. Ademais, quando Cavalcanti apresenta as três
frentes através das quais os ‘modernos’ teriam vencido, entre
as décadas de 1940 e 1950, a batalha contra as demais
correntes, ele ignora que, embora a ditadura de Getúlio
Vargas tenha viabilizado e financiado importantes obras
públicas vinculadas à arquitetura moderna, esta não chegou
a ser uma corrente absolutamente hegemônica no período.
(Grifo nosso)

Se, no campo da preservação do patrimônio no Brasil, os


arquitetos defensores do moderno já tinham se afirmado
desde a criação do SPHAN, em 1937, no que diz respeito à
construção de novos edifícios, seja pelo poder público, seja
102 pela elite econômica, a arquitetura moderna só se tornou
absolutamente hegemônica e difundida no Brasil a partir da
década de 1950, culminando com a inauguração de Brasília
em 1960. (ANDRADE JUNIOR, 2019, p. 69-70)

Andrade Junior ainda completou que a análise de Cavalcanti deixou de


considerar uma “quarta frente”, que inegavelmente contribuiu para a vitória dos
modernos na disputa pelo campo arquitetônico, a saber, a historiografia da
arquitetura moderna brasileira, a qual, seus autores “terminaram por contribuir
significativamente, enquanto instâncias de legitimação, para a acumulação de
capital simbólico por parte dos ‘arquitetos modernos’ ”(ANDRADE JUNIOR, 2019,
p 71).

De fato, a constatação de Artigas de que a arquitetura moderna venceu se deu


apenas em 1955, conforme passagem acima, quando a produção brasileira
passou a ser amplamente divulgada, conforme grande parte da historiografia
defende. Em sua aula inaugural ministrada na Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), no ano de
1959, intitulada Arquitetura e Cultura Nacionais, Artigas volta a reforçar o
reconhecimento da arquitetura moderna brasileira, inclusive internacionalmente:

A contribuição dos arquitetos brasileiros ao acervo da cultura


nacional é conhecida e amplamente respeitada. A arquitetura
brasileira desfruta, dentro e fora das fronteiras de nossa
pátria, de invejável prestígio. Mas seria um grave erro
considerá-la como um fato isolado, único, desacompanhado
no evoluir da cultura nacional. Ainda há pouco, certo órgão da
imprensa brasileira definia o Brasil, em manchete, como o
país do ‘Samba, Café e Arquitetura’. Vejo nessa intuição o
intuito malicioso de fazer acreditar ainda hoje que o nosso
país é uma terra estranha, curiosa e indefinível, desordenada
e injustificável [...]. Na realidade, o sucesso obtido pela
Arquitetura Brasileira, simplesmente reflete, no seu campo
específico, o esforço que há muito empregamos [...].
(ARTIGAS, 1959 in 1981, p. 25)

Nesse caso não se trata da afirmação de uma hegemonia, mas sim de uma
contribuição da arquitetura na afirmação da nacionalidade. Hegemonia ou não,
sabe-se que a partir da década de 1950 a tensão entre as correntes praticamente
se esgota, e a arquitetura moderna, ou de linguagem racionalista, ou
progressista, sobressai-se no contexto edilício, passando, inclusive, a ser 103
repetida na autoconstrução (LARA, 2018).
AS VÁRIAS MODERNIDADES

Diante da ampla historiografia sobre a arquitetura brasileira que contribuiu para o


entendimento da disciplina, destaca-se, como apresentado, a obra de Hugo
Segawa, intitulada “Arquiteturas no Brasil 1900-1990”, originalmente publicada
em 1998, como uma das poucas obras que concorreu para a divulgação das
outras modernidades. A despeito da metodologia adotada pelo autor ter sido
obliterada em algumas publicações de peso nas décadas seguintes (ANDRADE
JUNIOR, 2019), ao menos serviu para enfatizar a existência de outras
representações arquitetônicas além daquelas produzidas no Rio de Janeiro e São
Paulo, auxiliando novos estudos sobre a arquitetura moderna em outros estados,
por meio de dissertações, teses e artigos afins. Conforme já referenciado, o
simples reconhecimento da existência de outras modernidades se não é
suficiente para entender o campo arquitetônico ao menos destaca a sua
importância para a construção da disciplina.
104
A ampla diversidade da produção arquitetônica na primeira metade do século 20
constitui uma das grandes dificuldades conceituais da arquitetura moderna
brasileira. Mais uma vez, ressalta-se que não é suficiente para o seu
entendimento relacionar esta arquitetura apenas com as obras ou com arquitetos
que são unanimidades no campo, sendo necessário um estudo das produções
nas principais capitais brasileiras, onde o movimento claramente se manifestou,
cada qual com sua dinâmica própria no que diz respeito aos fatores que ajudaram
a construir os artefatos arquitetônicos, tais como os arquitetos locais ou
imigrantes, o ensino da arquitetura, bem como o contexto socioeconômico.
Mesmo se os estudos necessários fossem concluídos, o trabalho para relacioná-
los de forma a elucidar o campo da arquitetura brasileira seria verdadeiramente
árduo. O que mais se aproxima, portanto, de uma tentativa de abranger a maior
parte possível das manifestações no Brasil foi, ao meu ver, a obra de Segawa.

.
A pesquisa de Hugo Segawa baseou-se nos diversos matizes que contribuíram
para a construção dos processos constitutivos da arquitetura brasileira no período
de 1900 a 1990, os quais resultaram, segundo sua hipótese, em modernidades
distintas. Essas várias modernidades serão aqui relembradas até a década de
1950, tendo em vista o recorte temporal definido previamente para este estudo.
Como o próprio autor esclarece, ao trabalhar com processos, ele deixa de
contemplar uma “cartografia” ampla da produção arquitetônica, mas ressalta que
o entendimento desses processos pode servir de base para a inserção de outros
personagens em pesquisas posteriores, como é o caso desta tese. Para Segawa,
todas as modernidades, ou vertentes, são demonstrações de renovação da
arquitetura (2014).

Ao analisar as “várias modernidades praticadas no Brasil,” Segawa as intitula


como “Modernismo Programático”, “Modernidade Pragmática” e “Modernidade
Corrente” (SEGAWA, 2014).

O Modernismo Programático é representado por duas fases, uma iconoclasta


105
(1917-1924), em que a modernidade era alcançada com a oposição aos
acadêmicos, ou seja, representava a tensão incipiente (já discutida), e outra
nacionalista (1924-1929), em que a modernidade deveria ter motes baseados na
cultura brasileira, ideia difundida pelo Manifesto Pau-Brasil de Oswald de
Andrade (1890-1954). Tradição e modernidade conjugados pertencia ao discurso
também dos neocoloniais que, para o autor, conforme visto, representava nada
mais que uma variação do ecletismo, de forma que o debate arquitetônico não
acompanhava o discurso literário ou pictórico, bem mais intenso nesta fase.
Assim, a modernidade da arquitetura baseada nas vanguardas europeias, pela
falta de representações construídas, descompassou o discurso das demais
áreas, até que, em 1925, alguns artigos começaram a ser publicados, passando
a iluminar o novo caminho, sem, no entanto, alterá-lo de imediato, tais como os
textos de Rino Levi (1901-1965) e do imigrante Gregori Warchavchik (1896-
1972).

A mudança parece despontar, segundo o autor, com as primeiras casas


construídas por Warchavchik, inspiradas nas ideias europeias e, a partir daí as
correntes se dividem, mantendo em comum o discurso nacionalista e o propósito
de renovação arquitetônica. A primeira visita de Le Corbusier ao Brasil, em 1929,
certamente motivou a alteração do cenário.

A Modernidade Pragmática, periodizada entre 1922 a 1943 abrange, para


Segawa, várias vertentes, mesmo que opostas em seus tratamentos formais.
Inclui nesta Modernidade desde as primeiras obras de Warchavchik, como a
referência que faltava para a visão modernista da arquitetura nos moldes das
vanguardas europeias, principalmente as preconizadas por Le Corbusier, que
tanto fazia falta nos discursos dos progressistas, até às manifestações filiadas ao
Art Déco, ao ecletismo e ao Deutscher Werkbund. Todas as expressões são
resultantes das influências modernizantes dos Estados Unidos e da Europa,
trazidas por imigrantes ou por arquitetos brasileiros formados nesses territórios,
incluindo, de certa forma, o processo de verticalização na produção da arquitetura
nas principais capitais brasileiras. Percebe-se, neste contexto, que os projetos de
Roberto Capello para a empresa Sul América podem estar compreendidos nesta
“modernidade”, por estarem “à margem do modernismo engajado” (SEGAWA,
106
2014, p. 55), mas tal fato não exclui o seu caráter simbólico da arquitetura como
objeto de propaganda da empresa.

Parece evidente que, nesse contexto, as expressões que mais se antagonizavam


eram aquelas identificadas como neocoloniais, ou ao “gênero Perret”, associada
ao arquiteto franco-belga Auguste Perret (1874-1954), e o moderno à Le
Corbusier. Perret, pioneiro no uso do concreto armado, foi associado ao Art Déco,
pela influência de suas ideias em relação ao novo material na Exposition
Internationale des Arts Décoratifs de 1925. É importante destacar aqui uma
observação de Segawa sobre a relevância da contribuição italiana para o
desenvolvimento da técnica do concreto armado ainda na década de 1920, em
conjunto com um novo tratamento formal geometrizado, cujas influências no
Brasil foram deixadas de lado em detrimento da influência do Déco francês, fato
que deve ser revisto, conforme proposição do autor, tendo em vista o grande fluxo
de imigrantes italianos no Brasil, ainda no século 19. O Déco, para o autor, é
considerado mais uma manifestação decorativa do que construtiva, porém, após
afirmar tal comentário, tece uma sequência de edifícios construídos no Brasil,
principalmente os primeiros edifícios em altura, que ele considera filiados a este
gosto francês ou o moderno perretiano e, poucas vezes, ao racionalismo italiano.

As vertentes racionalistas, com edifícios dotados de linhas geometrizantes,


encontraram seu lugar na arquitetura pública com a política de Vargas, que
adotou os conceitos de funcionalidade, eficiência e economia na arquitetura
(SEGAWA, 2014, p. 66), cujos resultados foram severamente atacados por José
Mariano Filho. Tais soluções, de baixo custo, foram utilizadas nas novas escolas,
repartições públicas, sedes dos Correios e Telégrafos e de outras instituições. A
iniciativa privada também seguiu o mesmo caminho, verticalizando as primeiras
cidades brasileiras com esta linguagem e, nesse contexto, Segawa menciona a
empresa Sul América, ilustra a sede construída na capital mineira, confere-lhe
autoria a Roberto Capello, e relaciona outras sedes construídas em algumas
capitais brasileiras sem mencionar autoria dos projetos:

No setor empresarial, a Sulamérica Capitalização (Sulacap) –


empresa de investimentos – foi uma grande empreendedora
de edifícios comerciais de alto padrão e arquitetura de ponta,
com linhas modernas. São demonstrações dessa iniciativa 107
vários arranha-céus projetados na segunda metade dos anos
1930 no Rio de Janeiro, em São Paulo, Santos, Salvador,
Belo Horizonte e Porto Alegre, empregando profissionais do
Rio de Janeiro para projetá-los. (SEGAWA, 2014, p. 72)

Nesse contexto, arquitetos que antes se associaram ao gosto Déco, ou que se


indignaram contra a inovação provada pela agitação do racionalismo, alteram
suas preferências formais e, assim, o país é construído tanto com as referências
arquitetônicas propostas por Le Corbusier, quanto pelo moderno Perretiano e por
uma arquitetura monumental moderna, inspirada “nos arquétipos clássicos”, e
que alteraram a fisionomia das principais cidades brasileiras.

Ao tecer comentários sobre essa arquitetura monumental, Segawa volta a ilustrar


outro edifício da empresa, desta vez o SULACAP de Porto Alegre, o qual confere
autoria a Arnaldo Gladosch, o que que será contestado no decorrer desta tese.
Segue a passagem do autor:

Gladosch, nesse sentido, foi um arquiteto que projetou


edifícios que bem representam um conceito de implantação
de grandes obras na paisagem urbana das cidades
ordenadas aos moldes à Agache: o edifício Sulacap em Porto
Alegre (projetado em 1938, concluído em 1949) é um
paradigma de boa qualidade da arquitetura para fins
comerciais e residenciais desse período. (SEGAWA, 2014, p.
76)

Já a Modernidade Corrente, periodizada entre 1929 e 1945, refere-se à


construção histórica proveniente das influências de Le Corbusier que resultaram
no projeto e obra do icônico Ministério da Educação e Saúde; à reformulação
inovadora do ensino na Escola Nacional de Belas Artes implantada no curto
período de gestão de Lucio Costa; à construção do conjunto arquitetônico da
Pampulha, à exposição Brazil Builds em Nova York e a outros acontecimentos;
período que movimentou os arquitetos na discussão da arquitetura internacional.
Os capítulos seguintes tratam-se da afirmação da escola carioca e de uma
hegemonia após a Segunda Guerra – já amplamente levantada pela historiografia
- quando a repercussão nacional da arquitetura moderna brasileira foi legitimada
e apropriada pela população. Os demais capítulos referem-se à produção após
1950.

108 A proposta apresentada por Segawa, como mencionado, auxilia no entendimento


da produção arquitetônica e revela outras modernidades até então obliteradas
pela historiografia. Porém, se considerarmos a perspectiva delineada por Sarah
Goldahgen, da arquitetura moderna como um discurso que abrangeu uma ampla
gama de respostas, “[...] com participantes situando-se e refinando posições
passadas, e reformulando o discurso central em resposta social, cultural, política,
econômica, tecnológica e outros desenvolvimentos extrínsecos
[...]”(GOLDAHGEN, 2005, p.161, grifo nosso), tenho a percepção de que a
separação da arquitetura brasileira em várias modernidades distintas pode
acabar desviando, no futuro, o seu discurso central - ou o seu refinamento - , qual
seja, a busca de uma nova arquitetura que representasse os novos tempos, a
qual, não necessariamente, resultaria em uma linguagem formal homogênea,
além dessa separação obscurecer a leitura das articulações inerentes a este
discurso. É certo que, como um discurso orientado, o resultado são forças
identificáveis de pensamento e prática, conflitos, nascimento de escolas,
instituições, assim como aconteceu na primeira metade do século 20, quando as
tensões e debates circulavam em torno das mesmas questões, mas que geraram
movimentos autônomos e, consequentemente, formas estéticas diferenciadas.

Trata-se, indubitavelmente, de um período histórico da arquitetura brasileira


dotado de artefatos que idealizavam a modernidade e, como mencionado,
independentemente do resultado formal. Para entender esse período histórico da
arquitetura brasileira ou ampliar o seu debate para a sua compreensão seria
fundamental, diante das considerações de Goldahgen (2005), identificar essas
forças de pensamento e práticas, conflitos, nascimentos de escolas e instituições
manifestadas nos estados brasileiros, ou seja, em ambientes específicos,102 e
relacioná-las entre elas e com o discurso central, qual seja, o da modernidade.
Algumas dessas forças se sobressaem, outras morrem, outras renascem, e
nesse processo a cultura arquitetônica e urbanística vai se conformando na
história e materializando-se em artefatos. Valorizar algumas dessas forças em
detrimento de outras é resultado da imposição das ideologias dos pesquisadores,
ou seja, daqueles responsáveis pela construção da historiografia. Sobre essa
tendência, discorreu Amora (2006): 109

A essa tendência a valorizar uma determinada produção


arquitetônica em detrimento de outras, podemos adicionar a
existência de uma predisposição de se fazer a história
privilegiando os autores de projetos excepcionais, legando ao
esquecimento a grande maioria dos arquitetos, que, no
anonimato, tiveram um papel relevante na construção da
paisagem das cidades brasileiras na primeira metade do
século XX. (AMORA, 2006, p?)

Ou seja, reforça-se, no entendimento da história da arquitetura brasileira, a


importância de ampliar os estudos relativos aos arquitetos responsáveis pela
construção desses objetos arquitetônicos, e que conduziram movimentos
resultantes deste discurso central. Não há que se discutir que foram esses
arquitetos (brasileiros ou imigrantes) os principais receptores e doadores das
informações discutidas na Europa e que alimentaram o discurso da modernidade
brasileira, primeiramente, no próprio local, tendo em vista a dinâmica econômica,

102
Assim como fez Andrade Junior em seu livro e Melissa Laus Mattos em sua tese defendida
recentemente no Proarq, intitulada “Ecos da Modernidade no Alto Uruguai Gaúcho: o caso de
Erechim” (2020)
social e política propícia nessas capitais, e, posteriormente em outros estados
brasileiros, seja através do ensino (quando muitos deslocaram-se para outras
capitais para lecionarem nas novas graduações em arquitetura, carregando a
experiência das escolas de São Paulo e Rio de Janeiro) ou para atuarem em
órgãos públicos ou em empresas privadas. Desse modo, esses arquitetos
conformam, sem dúvida, o núcleo divergente da arquitetura, ou como propõe
Goldahgen (2005), o grupo selecionado de pessoas responsáveis por conduzir o
discurso a uma comunidade de destinatários, de forma a testar a sua
universalidade. Os objetos são parte das propriedades resultantes do discurso,
os quais, juntamente como outros aspectos que o conformaram, produziram
séries de discussões mais ou menos autônomas e que devem ser estudadas e
relacionadas para iluminar o campo.

Diante dos fatos, examinar as obras arquitetônicas é examinar parte das


propriedades desse discurso, pois elas revelam aspectos fundamentais do
campo da arquitetura. Porém, apenas sua análise não é suficiente para o
110
entendimento. O processo é amplo e demorado. O entendimento de Amora, em
sua tese, de que esse período da arquitetura brasileira ainda está em construção,
assemelha-se ao discurso de Goldahgen (2005), já citado, aqui novamente
transcrito: “Modernismo em arquitetura foi e é um debate em andamento”. (2005,
p. 163, tradução minha). 103

103
Modernism in architecture was and is an ongoing conversation […]. “ (GOLDAHGEN , 2005, p. 163)
111

1.3. AS DEMANDAS SOCIAIS BRASILEIRAS NA PRIMEIRA METADE


DO SÉCULO 20 E O TIPO ARQUITETÔNICO EMPRESARIAL
VERTICAL
112

Figura 26 – Edifício SULACAP de Porto Alegre / Fonte: acervo pessoal da autora.


A arquitetura e o urbanismo são o reflexo fiel de uma
sociedade; os edifícios são os documentos mais reveladores.
LE CORBUSIER, 1946.

Dando prosseguimento à estruturação metodológica definida para esta pesquisa,


apresentarei, a seguir, outra entidade responsável pela delimitação ou
diferenciação dos objetos de análise, para o posterior estudo de suas relações.
Trata-se, portanto, de avaliar as demandas sociais que contribuíram para a
delinear o processo de construção do novo tipo arquitetônico vertical e
empresarial.

O período de recorte da pesquisa, ou seja, as décadas de 1930 a 1950, é


caracterizado, no Brasil, por um conjunto de alterações econômicas, sociais e
tecnológicas, que indubitavelmente refletiram no campo da arquitetura. As novas
demandas sociais e as novas formas de construir, decorrentes desses processos,
modificaram, sobremaneira, a paisagem das áreas centrais das principais
cidades brasileiras, caracterizadas, até então, pelas estruturas arquitetônicas
produzidas desde os primórdios da composição urbana desses sítios. Os novos
edifícios em altura, de uso misto ou uso único, erguidos, inicialmente, nas áreas 113
centrais, passaram a simbolizar a inovação no modo coletivo de morar ou de
trabalhar do brasileiro e a representar as novas tipologias arquitetônicas, formal
e funcional, no contexto da modernidade pretendida pela sociedade.

Nos primeiros anos do regime republicano, entre a última década do século 19 e


a década de 1930, o cenário socioeconômico em construção refletia o desejo de
modernidade e de progresso do país que, aos poucos, transformaram as capitais
dos estados brasileiros, principalmente as suas áreas centrais, em decorrência
das reformas urbanísticas implantadas no período higienista. Os antecedentes
dessas transformações podem ser melhor compreendidos pela vasta e rica
literatura brasileira referente aos aspectos sobre a formação do Brasil
contemporâneo. Diversos autores, como Caio Prado Junior, Celso Furtado e
Sérgio Buarque de Holanda se empenharam em estudos para a análise dos
fatores socioeconômicos que marcaram a história até o início da República e que
foram responsáveis, sobretudo, pela composição da cultura brasileira.
Independente das críticas construídas posteriormente sobre as obras desses
autores, seus estudos são bases fundamentais para o entendimento do processo
de construção da sociedade brasileira.

A despeito de sua importância, não cabe aqui discutir de forma abrangente os


fatores relativos ao período colonial e imperial apontados por esses autores,
porém é oportuna a abordagem relativa aos principais aspectos socioeconômicos
que marcaram o despertar do século 20 e as décadas seguintes, vistos que esses
aspectos foram os propulsores do desenvolvimento urbano, o qual a arquitetura
tem papel fundamental.

114
ASPECTOS GERAIS SOBRE A ECONOMIA NO INÍCIO DA
REPÚBLICA

Já é fato reconhecido que a produção cafeeira no Brasil representou, no final do


século 19 e início do século 20, o principal motor para o desenvolvimento da
economia do país, cuja exportação foi responsável pelo acúmulo do capital até a
crise de 1929, quando ocorreu o colapso econômico que abalou os principais
países importadores do produto. Sobre o sistema de produção antes da crise,
destaca Celso Furtado: “As condições excepcionais que oferecia o Brasil para
essa cultura valeram aos empresários brasileiros a oportunidade de controlar três
quartas partes da oferta mundial desse produto” (2006, p.252). O semimonopólio
brasileiro, recorrendo à expressão de Furtado, encontrou um cenário externo
propício, resultante da elevação de renda dos países importadores com o
crescente processo de industrialização e que refletiu no aumento de capital dos
empresários brasileiros.

Soma-se ao acúmulo de capital interno decorrente da exportação do café a 115

entrada de capital privado estrangeiro no Brasil nos últimos anos da década de


1930, além dos empréstimos destinados a financiar a produção do grão, fruto da
mencionada política de “valorização” do produto (FURTADO, 2006).
Independentemente do que viria com a depressão de 1929, as condições deste
período impulsionaram o desenvolvimento urbano das principais cidades
brasileiras, principalmente daquelas que agrupavam a produção.

Furtado explicou claramente como a política de valorização do café implantada


pela equipe econômica brasileira surtiu efeitos positivos - mesmo que
inconscientemente planejada - nos anos que se seguiram à crise mundial;
conforme apontou o autor: “Praticou-se no Brasil, inconscientemente, uma
política anticíclica de maior amplitude que a que se tenha sequer preconizado em
qualquer dos países industrializados” (2006, p. 272). Não cabe aqui detalhar esta
dinâmica econômica, sendo suficiente apontar que resultou no fomento da renda
nacional brasileira, aquecendo o mercado interno e permitindo o deslocamento
do centro dinâmico cafeeiro para outros estados brasileiros, que se destacaram
pela produção de outros produtos agrícolas e por uma indústria capaz de atender
ao mercado interno no período da crise financeira, abalado pela diminuição da
quantidade dos produtos importados.

A preponderância do setor ligado ao mercado interno favoreceu a acumulação de


capital, o qual pôde ser investido em outros ramos de atividades nos demais
estados brasileiros e alavancar a produção industrial. Portanto, o fator dinâmico
da economia nos anos seguintes passa a ser o mercado interno, que atrairia mais
capital em função da reversão no setor de exportação, dinamizando, portanto, a
industrialização interna. Sobre este ponto, ressalta Furtado:

Assim, como a segunda metade do século XIX se caracteriza


pela transformação de uma economia escravista de grandes
plantações em um sistema econômico baseado no trabalho
assalariado, a primeira metade do século XX está marcada
pela progressiva emergência de um sistema cujo principal
centro dinâmico é o mercado interno. [...] O processo de
industrialização começou no Brasil concomitantemente em
quase todas as regiões. [...] A industrialização vem sempre
acompanhada de rápida urbanização, que só pode se efetivar
se o setor agrícola responde com uma oferta adequada de
116 alimentos (FURTADO, 2006, p. 323, 329 e 333).

Dessa forma, o ciclo econômico brasileiro é delineado, permitindo o


desenvolvimento do país em meados do século 20. Conforme destaca o autor, o
fenômeno de desenvolvimento industrial é acompanhado, naturalmente, pelo
desenvolvimento urbano e, deste modo, as principais capitais dos estados
brasileiros passaram a usufruir dos resultados econômicos positivos, que
refletiram no processo de urbanização e na construção civil, fatores que aqui
interessam.

Pode-se afirmar que até a década de 1930, as principais cidades brasileiras que
se beneficiaram dos recursos decorrentes do processo de industrialização
apresentaram uma forma de habitação constituída desde a segunda metade do
século 19, resultado de investimentos imobiliários tímidos, viabilizados,
sobretudo, pelos grandes empresários, mais caracterizados como uma forma
conveniente de aplicação do excedente de sua produção em outras áreas do que
como um investimento no setor da construção civil. Desse modo, a produção
imobiliária derivou-se, sobretudo, de outras atividades econômicas, como foi o
caso da empresa Sul América no início da década de 1930, quando as primeiras
sedes foram construídas. O excedente financeiro do principal negócio da
empresa, o de seguros, foi aplicado na construção de edifícios em altura, os
quais, em sua maioria, destinados ao uso misto, geravam rendas provenientes
dos alugueis das unidades – e não da venda - como forma de garantir a
imprevisível oscilação da economia.

O setor imobiliário intensificou-se de maneira e em tempo distintos nas principais


capitais brasileiras, mas é reconhecido o seu crescimento na década de 1940,
com o aumento do número de construtoras privadas. O período marca, portanto,
uma transição da tipologia construtiva, quando os tímidos edifícios de três ou
quatro pavimentos foram substituídos, paulatinamente, por edificações cada vez
mais altas e com linguagem arquitetônica diferenciada, reflexo do desejo de
modernidade da incipiente sociedade burguesa brasileira. Em São Paulo, por
exemplo, o investimento no mercado imobiliário veio acontecer progressivamente
e pode-se dizer que se profissionalizou na década de 1940 (ANITELLI e
TRAMONTANO, 2012). 117

Entretanto, é fato que as legislações edilícias conduziram a diferenciação dos


tipos em cada cidade. O processo inicial de verticalização da cidade do Rio de
Janeiro, por exemplo, tinha o caráter predominantemente residencial, enquanto
em São Paulo e, na maioria das principais cidades brasileiras, destacava-se o
tipo funcional empresarial (NUNES, 2008).

Detalhar como este crescimento aconteceu individualmente nas cidades não


constitui o foco deste texto. Importa como uma parcela da sociedade, ávida por
mudanças, respondeu aos novos processos de industrialização e urbanização
pelos quais o Brasil estava passando. A verticalização que se verificou no
exterior, em decorrência da invenção do elevador e do desenvolvimento das
técnicas construtivas, refletiu, inegavelmente, em terras latinas. Os profissionais
da área da construção, provenientes de outros países e que aqui se instalaram,
tiveram importante papel na transferência do saber dos novos processos de
projeto e construção de edifícios em altura.
Um novo status social se instalara: o morar em apartamentos. O novo tipo
arquitetônico aparentava, a princípio, assustador, mas o glamour dos padrões
construtivos, associado à euforia do progresso, sobressaiu-se e venceu.
Conforme a industrialização avançava, a nova elite, proveniente sobretudo das
atividades comerciais, bancárias e industriais, impunha seus novos valores,
quase sempre associados aos cenários europeus e americanos, impulsionando
o novo tipo arquitetônico em altura, residencial e empresarial, e, posteriormente,
a expansão urbana.

O mercado imobiliário, que até então focava-se em construções de edifícios para


aluguel, começa a se estabelecer com o foco em venda de unidades. Apesar do
desempenho tímido no período anterior, essa atividade foi normatizada apenas
na década de 1960, com a promulgação da Lei Federal nº 4.591/64, que
regulamentou os condomínios em edificações e as incorporações imobiliárias,
disciplinando uma atividade que já ocorria há mais de 20 anos (ANITELLI e
TRAMONTANO, 2012).

118
Nesse período, os investimentos no setor imobiliário se intensificaram,
demandando, naturalmente, a profissionalização na área. Vale notar que foi na
década de 1960 que a empresa Sul América iniciou a venda das unidades dos
seus edifícios sedes, que até então eram alugadas a terceiros, mantendo, no
entanto, a sua parte que servia para o funcionamento das sucursais.
AS NOVAS TIPOLOGIAS ARQUITETÔNICAS

As tipologias arquitetônicas decorrem das alterações das atividades humanas,


em um processo contínuo que abarca, sobretudo, as novas descobertas no
campo da técnica da construção. Desse modo, para apreendermos a questão da
tipologia de edifícios verticais em altura é importante voltarmos às atividades da
sociedade urbana de um dado período.

Inicialmente construídos para servir de agrupamento de escritórios, o tipo vertical


respondeu às necessidades do cidadão e passou a abrigar também unidades
residenciais, ou muitas vezes, as duas atividades. Contudo, quando o tipo vertical
de escritórios começou a ser construído? A literatura específica (PEVSNER,
1980; DUFFY, 1980) remonta sua origem à atividade administrativa na época da
Antiguidade e Idade Média, mas não é propósito deste capítulo relatar os
pormenores desta evolução, sendo suficiente a abordagem a partir do
Renascimento.
119
O primeiro tratado que aponta os edifícios administrativos foi redigido pelo
arquiteto Francesco di Giorgio, que o intitulou Casa degli officiali. A despeito de
sua redação datar do século 15, foi apenas no século 16 que se ergueu o primeiro
edifício para tal fim, o Palazzo degli Ufizzi, em Florença, pelas mãos do arquiteto
Giorgio Vasari, contratado pela família Médici. Nicolaus Pevsner apresenta outros
edifícios de escritórios do século 16 em diante em seu livro A History of Building
Types (1980), especificamente no capítulo Warehouses and Office Buildings.

O contexto da Revolução industrial no século 18 conduziu a um aumento e


consequente especialização das atividades administrativas, gerando novos tipos
arquitetônicos para suprir as necessidades em curso. Pevsner (1980) apresentou
dois grupos desta tipologia na cidade de Londres do século 19: aquele construído
por uma única corporação, o edifício corporativo, e outro que agrupava diversas
empresas, o edifício comercial. Anteriormente a estas construções de finalidade
única, os escritórios para transações comerciais ou de qualquer tipo eram
localizados nas próprias residências ou palácios. Os novos edifícios, seguindo a
linguagem do período de revivals na construção, tinham sempre aspectos formais
clássicos. Segundo os estudos de Amanda Félix sobre o período,

[...] boa parte dos edifícios caracterizavam-se como um bloco


único de até 5 pavimentos, composto por um pavimento
térreo com pé-direito elevado e uma entrada principal, por
pavimentos tipo que ganhavam espaço interno conforme a
localização do pavimento – em função da redução da largura
das paredes de alvenaria autoportantes nos andares mais
altos – e, por fim, de uma fachada clássica na qual se
evidenciava a base (térreo), o fuste (pavimentos tipos) e o
capitel (andar do coroamento). (FÉLIX, 2006, p. 30),

Para Ceça Guimaraens (2002), a arquitetura vertical, ou a torre, antes das


cidades modernas, simbolizavam o poder civil ou militar. Palácios, catedrais,
pirâmides e zigurates se impunham no cenário, identificando a supremacia do
proprietário. Como visto, as construções mais representativas e mais altas a partir
do século 15 também simbolizavam o poder, sobretudo o poder institucional.

Já no século 19, as novas ferramentas utilizadas no campo administrativo, como


120 o telefone e máquina de escrever, além do descobrimento da energia elétrica,
fomentaram ainda mais as atividades relativas e promoveram novas formas de
trabalho, em um ambiente cada vez mais urbanizado. Concomitante a essas
inovações, a técnica construtiva evoluiu com a oferta de novos materiais de
construção até que, em 1853, o elevador é inventado por Elisha Graves Otis.
Com essas transformações, o tipo arquitetônico de edifícios verticais de
escritórios modifica-se em altura e também em relação à forma, tanto externa
quanto internamente, gerando relevantes impactos no espaço urbano.

Na cena arquitetônica internacional, a Escola de Chicago (1875-1910) progredia,


inaugurando a supremacia dos edifícios em altura, seu principal legado duradouro
(DEMPSEY, 2003). Os responsáveis foram um grupo de arquitetos e engenheiros
atuantes na cidade de Chicago, tais como Louis Sullivan (1856-1924), Dankmar
Adler (1844-1900), Willian Le Baron Jenney (1832-1907), Daniel H. Burnham
(1846-1912), dentre outros. Jenney produziu, em 1883, o primeiro edifício
corporativo do mundo sustentado por estrutura de ferro e aço111 e camuflada

111
Estruturas de ferro forjado também eram utilizadas, porém as de ferro e aço eram mais resistentes
ao calor. (DEMPSEY, 2003, p. 23)
pelas alvenarias, o Home Insurance, (FIGURAS 27 e 28), demolido em 1931
(DEMPSEY, 2003). O cliente, a Home Insurance Company, pertencia ao ramo
dos maiores serviços em ascensão nos EUA, o de seguridade, negócio em que,
pouco tempo depois, a empresa Sul América iria dedicar-se.

Figuras 27 e 28 - Home Insurance Building (1883-5)/Chicago/Willian Le Baron Jenney. À


esquerda, planta do oitavo andar.

121

Fonte – Disponível em: < https://www.urbanremainschicago.com/news-and-


events/2019/07/15/seldom-seen-photographic-images-of-the-home-insurance-building-
shortly-before-its-untimely-demolition/> Acesso em abr. 2020.

Nesse período de produção latente de arranha-céus em Chicago, a


ornamentação era amplamente utilizada, principalmente por Sullivan. A estrutura
em ferro e aço permitia a construção de edificações menos compactas, além de
possibilitar uma construção mais rápida e limpa, propósito almejado tendo em
vista o desejo de recuperar Chicago depois do Grande Incêndio de 1871.

A partir do século 20, o tipo arquitetônico foi, sucessivamente, tomando várias


formas, até chegar na torre espelhada dos tempos atuais, protagonista da corrida
das metrópoles rumo aos céus (ARANTES, 2011). Não restam dúvidas, portanto,
que a terra natal do arranha-céu é os Estados Unidos da América.112

112
Otília Arantes informa que no período de 1890 e 1908 foram construídos em Nova York 306
arranha-céus (ARANTES, 2011, p.40).
No intervalo entre a torre de solução tripartida clássica e a torre futurista, o edifício
evolui para um bloco único de formas retilíneas e desprovido de ornamentação,
de acordo com a técnica mais adequada à vida moderna. Em cada país,
desenvolvimento distintos, em tempos distintos, decorrente de movimentos em
defesa de novas linguagens arquitetônicas. Entretanto, é fato que a proposta dos
“Cinco pontos para uma nova arquitetura”, publicado por Le Corbusier em 1923,
influenciou mundialmente a projetação dos arquitetos e deixou legados
substanciais no que tange, sobretudo, aos edifícios verticais.

Por outro lado, os movimentos arquitetônicos manifestados principalmente na


Europa e EUA contribuíram para o estabelecimento da base para a construção
dos edifícios verticais no Brasil, os quais seguiram tanto as linhas corbusianas
quanto outras manifestações. Desse modo, os edifícios verticais, edifícios em
altura ou arranha-céus – de acordo com as diversas denominações para este tipo
122 arquitetônico - construídos nesse período e no contexto de crescimento urbano
brasileiro podem ser vistos como elementos representativos do alinhamento da
cultura arquitetônica brasileira à modernidade.

Como visto, este tipo arquitetônico sempre simbolizou o poder de alguma forma.
Para Carol Willis (1995) o arranha-céu é símbolo do capitalismo industrial (apud
GUIMARAENS, 2002),113 e na atualidade o que está em jogo é a potencialidade
econômica dos países e das corporações, com a disputa de quem possui o maior
arranha-céu do planeta. No topo do ranking está a Torre Burj Khalifa, em Dubai,
nos Emirados Árabes Unidos, com oitocentos e vinte e oito metros de altura.114
Para Lucio Costa “o mito e o poder sempre estiveram na origem das grandes
realizações de sentido arquitetônico. [...] A realização arquitetônica é assim a
expressão palpável desse conteúdo ideológico no seu mais amplo sentido”
(COSTA, 2011, p.25)

113 Guimaraens (2002) apresenta um capítulo intitulado Edifício Alto: o que é?, onde faz comentários
de diversos estudos sobre o arranha-céu, dentre eles o de Carol Willis, intitulado, Form Follows
finance: skycrapers and Skylines in New York and Chicago. Nova York: Princeton Architectural Press,
1995.
114
Disponível em: http://www.emporis.com/statistics/worlds-tallest-buildings - acesso em 14 jun.
2019. Acesso em mai. 2020.
De fato, as relações de poder são inerentes às sociedades ocidentais. Na
atualidade, “a ambição pela magnitude”, utilizando as palavras de Otília Arantes
(2011, p.44), estrangula a cidade e o habitante. A especulação imobiliária cresce
e cada espaço é disputado em valores. O arranha-céu, atual símbolo do poder
econômico, cada dia mais aproxima-se do céu, que é o limite (ARANTES, 2011)
e estrangula a terra. Deus parece mesmo ser alcançável. E o Inferno é a cidade.

Edifícios verticais, edifícios em altura ou arranha-céus, o termo não importa neste


estudo, visto que o conceito da arquitetura vertical adquire um componente
simbólico, semântico e estético, numa época em que o espaço urbano importava,
e era integralizado com a arquitetura. O que se produz hoje em termos de
edifícios verticais? Caixas envidraçadas que refletem outras caixas envidraçadas,
criando um labirinto urbano, aonde ninguém sabe para aonde ir? Caixas
envidraçadas com estruturas cada vez mais resistentes contra o calor excessivo,
frio excessivo, violência? Percebe-se, portanto, que são as demandas impostas
pela sociedade, os valores estéticos em voga e o desenvolvimento da técnica
construtiva que determinam as diferenciações dos tipos arquitetônicos. 123
124
CAPÍTULO 02
A trajetória profissional do
arquiteto Roberto Capello
125
126

Figura 29 – Roberto Capello / Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello.


A proposta deste texto não é relatar o percurso de vida do profissional Roberto
Capello uma vez que a abordagem biográfica não integra a estratégia
metodológica desta pesquisa. O objetivo mais amplo é compreender as
influências que Capello sofreu no campo da projetação,115 que inevitavelmente
foram utilizadas na elaboração dos projetos dos edifícios em análise. Mas a
abordagem não invalida o uso do material biográfico, aliás, ele foi imprescindível,
visto que as referências sobre Capello nas publicações disponíveis eram
escassas e insuficientes para compreender sua trajetória profissional. Até o início
desta pesquisa, eram obscuras informações tais como sua nacionalidade,
formação, a data e os motivos que o fizeram migrar para o Brasil e outros dados
relevantes para fundamentar o objetivo traçado. Tais elementos foram
conquistados no decorrer da investigação e o material reunido servirá, tanto para
nortear esta pesquisa, de forma a referenciar o profissional no tempo e no lugar,
quanto para futuras investigações no campo arquitetônico.

A despeito do foco deste estudo centrar-se na capacidade de expressão do objeto


arquitetônico, é relevante a análise das documentações deste profissional. Ana 127
M. G. Albano Amora (2011) revela a dificuldade enfrentada no levantamento da
documentação de arquitetos pouco reconhecidos e ressalta a importância de
estudos que revelem suas trajetórias e modos de criação, tendo em vista suas
contribuições para a produção do espaço construído. Ao fazer esta contribuição,
o arquiteto, segundo a autora, “está difundindo ideias e valores, dentro de
condições particulares, tanto técnicas, como de assimilação dos conteúdos
estéticos pela sociedade” (AMORA, 2011, p.1); condições imprescindíveis para a
análise que se pretende realizar.

115 Segundo Bourdieu em A Ilusão Biográfica, “[...] não podemos compreender uma trajetória (isto é,

o envelhecimento social que, embora o acompanhe de forma inevitável é independente do


envelhecimento biológico), sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do
campo no qual ela se desenrolou e, logo, o conjunto de relações objetivas que uniram o agente
considerado – pelo menos em certos números de estados pertinentes – ao conjunto dos outros
agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo espaço dos possíveis.” (In:
AMADO e FERREIRA, 2006, p.190)
INDÍCIOS

A busca de dados sobre Roberto Capello foi realizada, inicialmente, em


publicações que o referenciavam. O que há disponível resume-se em conferir-
lhe a autoria dos projetos de alguns dos edifícios sede da empresa Sul América,
por meio de breves citações. Dessa pesquisa, foram levantadas as seguintes
referências, que serviram de base para, sobretudo, analisar as relações
profissionais de Capello no Brasil:

Roger Pamponet e José Sánchez (2016), ao traçarem o panorama da obra do


engenheiro Emílio Henrique Baumgart em artigo publicado no IX Congresso
Brasileiro de Pontes e Estruturas, apresentaram a seguinte citação: “Em 1938
com o Arq. Roberto Capello fez o cálculo do edifício Salic (1938) de Porto Alegre”
(2016, p.4). São conhecidas as estreitas relações profissionais que Baumgart
mantinha com os arquitetos da cena moderna, assinando obras emblemáticas
junto a Eduardo Reidy, Oscar Niemeyer, Lucio Costa, e outros, fato, que a
128
princípio, sugeriu a vinculação de Capello com os arquitetos reconhecidos na
época como progressistas.

Já Roberto Segre (1998), em artigo publicado sobre o centenário de Belo


Horizonte, traz a seguinte descrição sobre o Conjunto Arquitetônico
SULACAP/Sul América dessa cidade:

Uma obra mestra do proto-modernismo latino-americano e


obviada nas histórias da arquitetura da região é o conjunto de
comércio e escritórios SULACAP-Sudameris (SIC), realizado
em 1941 pelo arquiteto Roberto Capello. Nela se mostra uma
articulação entre arquitetura e cidade comparada só com o
conjunto Simón Bolívar de Cipriano Domingues, construído
em Caracas uma década depois. (SEGRE, 1998, p. 9, grifo
meu).

A exemplaridade da obra deixada em Belo Horizonte fez com que o nome de


Roberto Capello se espalhasse em inúmeros artigos e livros, entretanto nenhum
deles sequer mencionou alguma informação relevante sobre a trajetória
profissional do arquiteto.
Nivaldo Vieira de Andrade Júnior, Maria Rosa Carvalho e Raquel Neimann da
Cunha Freire, ao descreverem sobre o inventário da arquitetura moderna na
Bahia, apontaram Roberto Capello entre os arquitetos e projetistas com obras
mais significativas na Bahia:

Foram levantadas as obras mais significativas dos mais


importantes arquitetos e projetistas modernos atuantes na
Bahia a partir da década de 1930, como Alexander Buddeüs,
Roberto Capello, Hélio Duarte, Paulo Antunes Ribeiro, Lev
Smarcevski, Antônio Rebouças, Diógenes Rebouças, José
Bina Fonyat Filho, Lina Bo Bardi, João Filgueiras Lima (Lelé),
Assis Reis, Gilberbet Chaves, Paulo Ormindo de Azevedo e
Pasqualino Magnavita. (ANDRADE JUNIOR et al, 2009, p. 13,
grifo meu).

Carlos Finochio (2011), em artigo sobre a trajetória da arquitetura e urbanismo


da cidade de Santos, citou o edifício SULACAP e conferiu a autoria do projeto
arquitetônico a Roberto Capello:

Em 1936, foi erguido o edifício mais alto da cidade de Santos,


edifício SULACAP, com seus 10 andares, situado na Rua XV
de Novembro, 41. Um prédio comercial, de linhas suaves com
elementos inclinados na fachada para a captação de 129
luminosidade zenital por uma clarabóia no seu topo.
Construído pela Sul América Capitalização S/A., projeto do
arquiteto Roberto Capello, o moderno edifício já possuía ar
condicionado central. Todo o material de acabamento foi
importado, inclusive os elevadores ingleses e os mármores
de Carrara. (FINOCHIO, 2011, p. 6, grifo meu).

Ana Paula Canez, em sua tese de doutorado sobre Arnaldo Gladosch, registrou
que os edifícios SULACAP e Sul América de Porto Alegre “foram projetados por
Arnaldo Gladosch no escritório técnico de Roberto Capello” (CANEZ, 2006, p.
27).

Carina Cardoso, em sua dissertação de mestrado sobre o tema da verticalização


da cidade de Juiz de Fora, discorreu sobre o edifício SULACAP, construído na
Rua Halfeld:

A construção de seis pavimentos [...] era o edifício Sulacap, à


época, o mais alto prédio de Juiz de Fora. Projetado pelo
engenheiro Roberto Capello, em seu pavimento térreo
localizavam-se lojas e o escritório da empresa, no segundo e
terceiro pavimentos, escritórios, e nos demais, apartamentos.
(CARDOSO, 2015, p. 79, grifo meu).
Em artigo publicado sobre a transformação urbana do Recife, Fernando Diniz
Moreira (2016) indicou a presença do edifício SULACAP e analisou a obra:

Este jogo entre côncavo e convexo também está presente na


entrada oposta da avenida, nos edifícios Sulacap e Santo
Albino. Projetado pelo arquiteto Roberto Capello do Rio de
Janeiro, o Sulacap posiciona-se ao lado da Igreja Matriz de
Santo Antonio, que tinha dominado o skyline da área até seu
vizinho surgir anunciando os novos tempos. (MOREIRA,
2016, p. 305, grifo meu).

Analisadas essas referências e, na ausência de dados biográficos que pudessem


auxiliar na tentativa da construção do percurso profissional do arquiteto Roberto
Capello, outras fontes de pesquisas foram consultadas. Nesta busca, o acervo
da Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional serviu para constatar as inúmeras
viagens realizadas pelo arquiteto pelo Brasil, em visita aos locais onde as sedes
130
das empresas seriam construídas ou encontravam-se em construção, assim
como outros dados que possibilitaram localizar seus descendentes, em especial
sua filha Carla Capello, que gentilmente concedeu entrevista e mostrou o acervo
pessoal deixado pelo pai.120 O arquivo da empresa Sul América também foi
pesquisado com o objetivo de levantar as peças gráficas dos projetos de
arquitetura dos edifícios - doados pela filha à empresa – as quais não foram
localizadas. A despeito da inexistência dos projetos arquitetônicos, o acervo,
composto pelo material dos extintos Museu Sul América e Biblioteca, que
funcionaram no prédio da Rua da Quitanda, no Rio de Janeiro, até a transferência
da sede para a nova edificação,121 tornou-se um material importante e essencial
para a análise, uma vez que foram encontradas as revistas publicadas pela Sul
América, cuja leitura comprovou a existência de outras sedes de autoria do

120
Carla Capello - neta do engenheiro Ludgero W. Dolabella que integrou a equipe de planejamento
de Belo Horizonte - concedeu gentilmente entrevista em sua residência na cidade do Rio de Janeiro,
em maio de 2016, e disponibilizou todo o acervo particular do pai, no qual constam desenhos, pinturas,
fotografias e o diploma de formação em engenharia na Politécnica de Turim. Ao questionar a
existência de projetos, Carla informou que doou todo o acervo para o Museu Sul América que, na
ocasião, funcionava no prédio da Rua da Quitanda
121
A nova sede foi construída na Rua Beatriz Larragoiti Lucas, 121, Rio de Janeiro. Com a mudança
de endereço da sede, todo o acervo foi transferido para uma empresa de logística no interior do estado
do Rio de Janeiro, que ficou responsável por sua guarda. A existência deste acervo foi informada pelo
diretor de Marketing Corporativo da Empresa Sul América, Sr. Zeca Vieira, que disponibilizou,
inicialmente, uma listagem detalhada de todo o material existente, da qual foi selecionado o conteúdo
a ser pesquisado. Com isto, a empresa transportou o material previamente selecionado para a sede
do Rio de Janeiro, onde a pesquisa foi realizada.
arquiteto e não mencionadas na literatura, como as de Curitiba, Florianópolis e
Fortaleza.

Houve, também, a tentativa de captar a substância do pensamento de Capello


verificando a existência de textos, artigos, entrevistas ou outras escritas de sua
autoria, mas o acervo pessoal não incluía tais dados. A pesquisa em outras fontes
resultou na descoberta de um artigo de sua autoria, publicado em 1936 na
Revista Arquitetura e Urbanismo, além de uma entrevista concedida para o Jornal
o Dia, na ocasião da inauguração da sede Sul América de Curitiba, documentos
que possibilitam iluminar parcialmente o seu modo de projetação e sua
sensibilidade perante a produção arquitetônica do período.

Em relação à entrevista publicada no Jornal O Dia, Capello indicou a preferência


de uso de materiais locais em seus projetos:

Por princípio e mesmo em harmonia com as tradições da


Companhia, em qualquer parte onde erguemos uma
construção, como aqui, são meticulosamente estudados os
recursos regionais que permitissem na obra o maximo
aproveitamento das reservas naturaes do Estado. 131
Infelizmente, no tocante por exemplo ao serviço de
marmoraria, tivemos que sacrificar a nossa intenção. De
facto, não se ignora que no Brasil existem talvez as jazidas
do marmore mais formoso do mundo, assim outras riquezas
incomparaveis, como no Paraná o marmore de Castro.
Todavia, a applicação desse material praticamente ainda não
está na altura de satisfazer as necessidades de uma
construcção de vulto, por isso que os processos de
industrialização não offerecem a facilidade requerida, isto é,
o marmore está lá na serra e para aproveita-lo não constamos
ainda com meios que nos façam chegar até aqui como
desejamos [...]. A pedra da fachada, denominada Travestino
(SIC) Romano é conhecida pelos architectos como recurso de
embellezamento original pelo contraste que oferece: na sua
caprichosa irregularidade ve-se ainda vivo o trabalho da
propria natureza [...]. Na fachada onde procuramos obedecer
o estylo da época, foi empregado areia natural de Caxambu,
Estado de Minas, pela razão de termos concluido que a areia
desta zona contem certos saes que dão em resultado
manchas que compromentem a côr como foi observado pela
própria Cia. Constructora Nacional [...]. Se por um lado, no
tocante a marmoraria, a fachada e a areia não conseguimos
aproveitar o recurso local, isso não impediu que deixassemos
de empregar material paranaense. E, foi na madeira que
encontramos os meios mais surprehendentes para
corporificar nossos objectivos. (O IMPONENTE...1936, p.8)
O artigo da Revista Arquitetura e Urbanismo, sob o título de “O Copacabana
Palace Hotel”, discorreu sobre o projeto original do edifício, de autoria de Joseph
Gire, que em 1936 já havia sofrido modificações em decorrência de reformas,
como a inclusão de uma piscina, intervenção resultante do projeto elaborado pelo
engenheiro Cezar Mello Cunha. Capello, de certa forma, defendeu a arquitetura
do hotel, aparentemente rechaçada por não ser “moderna”:

Finalmente, aprendemos que a boa arquitetura, ou para


melhor dizer, a arquitetura não depende das fórmas
aparentes externas. O Hotel Copacabana, é de ‘estilo’ Luiz
XVI. Que importa? Ao lado das construções ditas modernas,
levantadas posteriormente, mas que de modernas não têm
nada, pois não apresentam as soluções técnicas que
constituem o fundamento da arquitetura contemporânea – o
Copacabana Palace Hotel resiste vitoriosamente à ação
corrosiva do tempo. Ao lado delas êle é moderníssimo.
(CAPELLO, 1936, p. 17).

Nota-se, em suas palavras, parte da discussão sobre arquitetura moderna à

132 época: a arquitetura, para ser moderna, deveria empregar as técnicas


contemporâneas em formas tradicionais ou arquitetura deveria exprimir, o
progresso técnico da época em formas inovadoras?

Sobre esta questão, vale evocar o pensamento do arquiteto mexicano Juan


O’Gorman (1905-1982), pronunciado em uma conferência no ano de 1933 na
Sociedade dos Arquitetos Mexicanos (SAM), que se aproxima da opinião de
Capello expressa do artigo supracitado:

Por isso, senhores, a arquitetura que uns chamam de


funcional ou racional e outros alemã, sueca, internacional ou
moderna, produzindo confusões com tantos nomes, a
chamaremos ‘arquitetura técnica’, com o objetivo de defini-la
melhor, entendendo claramente que sua finalidade é a de ser
útil ao homem de uma maneira direta e precisa.
(O’GORMAN, 1933, in MALUENDA, 2016, p. 43, tradução
minha). 123

O acervo pessoal de Roberto Capello, guardado por sua filha Carla, é composto
por perspectivas de projetos, trabalhos acadêmicos, pinturas e desenhos de sua

123
“Por eso, señores, a la arquitectura que unos llaman funcional o racional y otros alemana, sueca,
internacional o moderna, produciendo confusiones com tanto nombre, la llamaremos ‘arquitetctura
técnica’, con el objeto de definirla mejor, entendiendo claramente que su finalidad es la de ser útil al
hombre de una manera directa y precisa.” (O’GORMAN, 1933, in MALUENDA, 2016, p. 43).
autoria, fotografias de obras construídas, além do Diploma de Graduação em
engenharia na Politecnico di Torino, documento que direcionou a pesquisa sobre
a existência do arquivo do aluno nessa instituição, o que foi realizado por meio
de contato via e-mail ao Archivio Storico del Politecnico di Torino. A instituição
respondeu prontamente aos questionamentos encaminhados, além de enviar
documentos complementares relativos ao aluno.124 De posse de todos os dados
levantados, foi possível construir parte de sua trajetória, tanto acadêmica como
profissional, conforme será relatado a seguir.

Figuras 30 e 31 – Aquarelas produzidas por Roberto Capello.

133

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello.

124
O contato com a Politecnico di Torino foi realizado via e-mail, em agosto de 2020, que direcionou
o pedido ao Arquivo Histórico da Politecnico. Enrica Bodrato, arquivista responsável, respondeu
prontamente o contato e encaminhou o Fascicoli studenti, Libri matricola e Diplomi de Roberto
Capello.
CUNEO, PISA, TURIM E BRASIL

Roberto Capello (1901-1985) nasceu em 28 de outubro de 1901, em Cuneo,


comuna italiana da região de Piemonte, e migrou para o Brasil após 1925, ano
em que seu diploma em engenharia na Politecnico di Torino foi expedido.126 Tudo
indica que o arquiteto veio de mudança para o Rio de Janeiro já com o emprego
garantido na Sul América,127 onde coordenou o Departamento de Propriedades e

Figura 32 – Documento de identificação Hypotecas - sediado, na ocasião, na


do aluno enviado pelo Archivio Storico
del Politecnico di Torino.
capital brasileira -, com a
responsabilidade de execução dos
projetos arquitetônicos das sedes do
grupo da empresa, conforme já
mencionado.

134 A análise dos registros acadêmicos de


Capello disponibilizados pelo Archivio
Storico del Politecnico di Torino
resultaram em novas informações sobre o
arquiteto, tal como a sua transferência da
Università di Pisa para a Politecnico di
Torino no ano de 1920, quando se
matriculou no curso de engenharia
mecânica. Posteriormente, transferiu-se
para o curso de engenharia civil, no qual
graduou-se no ano de 1925. A análise do
histórico escolar (Fascicoli studenti)
Fonte: Archivio Storico del Politecnico permitiu verificar as disciplinas cursadas
di Torino
por Capello, no transcorrer do curso. O
registro iniciou-se no Ano II, no qual consta as seguintes anotações: Disegno

126
Data de nascimento e formatura confirmada no Diploma de Formatura. Acervo pessoal de Roberto
Capello. O falecimento foi publicado no Jornal do Brasil, de 06/07/1985, 1º caderno, página 14.
127
Segundo Carla Capello, sua avó paterna possuía relações como o Sr. Larragoitti, então presidente
da Sul América, fato que garantiu o emprego de Capello na empresa.
d’Órnato, Disegno d’Architett, Geometria Descrittiva, Chimica Generale,
Fisica Sperimentale, e Meccanica Razionale. No ano Ano III, Capello concluiu as
disciplinas: Scienza Costruzioni, Meccanica aplicata, Quimica applicata,
Mineralogia, Disegno de macchine e outras relacionadas com o curso de
engenharia mecânica. Já no Ano IV, cursado em 1923, constam: Termotecnica,
Idraulica, Architettura, Macchine termiche, Geometria prat. e Geodesia, Principi
di eletrotécnica. No último ano - Ano V – foram anotadas: Teoria dei Ponti,
Costruz. Strad. e Idraul. Elettrotecnica, Architettura Tecnica, Economia Rur. Ed.
Estimo., Ferrovie, Ingegneria Sanitaria, Materie Legali. Nota-se, que a grade
curricular apresentava disciplinas associadas diretamente à arquitetura em todos
os anos. O acervo pessoal de Capello continha algumas atividades desenvolvidas
para a disciplina Architettura do IV ano, acompanhadas do memorial descritivo
do projeto, cujo texto permite entender parcialmente o seu modo de projetação
extraído da aprendizagem. Na proposta para o desenvolvimento de um Piccolo
albergo di Montagna,128 Capello escreveu:

Seção Arquitetura – IVº Ano – II Tema.


135
Pequeno Hotel em Montagna

Este hotel de Montagna é destinado a hospedar 40 pessoas


além do proprietário e o pessoal de serviço - a localização
escolhida tem uma altitude de 1200 metros em relação ao
nível do mar – Há disponível um amplo terreno plano ao norte
de uma montanha coberta por uma densa floresta de
pinheiros – antes se estende por uma ampla pradaria com
pequeno declive [...].

Por volta do meio-dia, ao oeste, você tem os melhores pontos


de vista do panorama alpino.

O Hotel é destinado a hospedar uma clientela sofisticada e


rica que sai de férias no verão e no inverno para excursões
aos altos picos circundantes.

Construções, portanto, feitas sem pompa, mas confortáveis e


dotadas de uma simplicidade elegante. Serão evitados

128
Trata-se provavelmente da Comuna taliana da região do Trentino-Alto Ádige, província de Bolzano,
com cerca de 1.482 habitantes ou de qualquer terreno em lugar montanhoso.
edifícios muito altos e
Figura 33 – hotel em Montagna tentará se adaptar o edifício
à paisagem da montanha.
Serão evitados telhados
muito complicados, não
adequados para montanhas
altas.

O térreo terá uma sala de


reuniões, uma sala de
leitura, uma mesa de bilhar,
com grandes lareiras que
possam ser acesas em caso
de mal tempo - um local
para a direção – serviços de
banheiros – WC.

Uma pequena galeria


aberta, mas que possa ser
fechada com vitrais de
Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello correr em caso de mal
tempo.

Figura 34 – hotel em Montagna/ pavimento térreo

136

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello


Um particular cuidado será tomado na organização da sala de
almoço e em uma outra saleta de almoço, a cozinha, de modo
a evitar a propagação do odor da comida por todo o hotel.
Vamos, portanto, tentar separar um pouco estes ambientes.

O hotel deverá constituir de quartos com banheiros como é


requerido pela clientela, com o quarto disposto de modo a
formar até mesmo um pequeno apartamento um tanto isolado
para famílias de viajantes. Serão propostos quartos isolados
para aqueles excursionistas de passagem e que precisam
sair muito cedo pela manhã sem atrapalhar o sono dos
veranistas – local para guias, carregadores, etc.

Também será estudado um sistema de aquecimento para


poder ser utilizado no inverno para aqueles esportistas de
inverno; a planta deverá ser elaborada de modo que possa
funcionar até o aquecimento em apenas uma parte do hotel.

Finalmente deverá se estabelecer uma ampla e adequada


garagem para carros, com casas contíguas para os
mecânicos e a adaptação do terreno envolvente ao hotel
formando um parque rústico, com locais de encontro
adequados. (Acervo pessoal de Roberto Capello, tradução
minha).129

O acervo pessoal de Capello contém, ainda, outras perspectivas de edificações


as quais, ou eram produtos das disciplinas de arquitetura ou eram projetos para 137
clientes reais, visto que os desenhos indicam tanto as vias de localização (em
italiano) como também o nome do cliente. Se esta última hipótese for verdadeira,

129
Sezione Architettura - IVº Anno – II Tema. Piccolo albergo di Montagna. Questo albergo di Montagna è destinato
ad capitare circa 40 persone oltre al proprietário ed al personale di servizio – L’ubicazio ne acelta è ad um’altezzaq di
1200 metri sul livello del mare – Si há a disposizione um largo terreno abastanza pianeggiante riparato al nprd da um
monte coperto da una folte pineta – d’innanzi si stende una larga prateria com leggero declivio [...]. Verso mezzogiorno
e ponente el hanno i migliori punti di vista sul panorama alpino circontante. L’albergo è destinato ad capitare un clientela
acelta e ricca che si reca in villeggiatura l’estante per um soggiorno, l’ inverno per escursioni sulle alte vette circostanti.
Costruzioni quindi fatte senza afarzo, ma cômoda ed informata ad uma signorile semplicità – Si eviteranno i faboricati
tropo alti a si cercherà di adattare l’edificio al paesaggio montano. Non si impiegheranno materiali trippo difficili aversi,
o poco adatti al clima, usando di preferenza la pietra vista ed il legno che si trovano abbondanti dal sito. – Si esiteranno
pur le construzio ni di tetti tropo complicati, no adatti all’alta Montagna. Il fabbricato a piano terreno avrà una sala di
ritrovo al la – uma sala di lettura e di scrittura – uma sala com bigliardo - com grandi camini che si possa accendere in
daso di maltempo – un locale per la Direzione – servizio di gabinetti di toeletta – W.C. acc. Una o più gallerie aperte –
ma che si possa chiudere com vetrate acorrevoli per il caso di maltempo. Particolare cura si avrà nel disporre la sala
da pranzo ed um altra saleta da pranzo, le cucine in modo da evitarei l propagarsi degli odori dele vivande in tutto
l’albergo – Si cercherà quindi appartare alquanto questi ambienti. L’albergo dovrà costituirsi camere da letto con
gabinetto da bagno como è richiesto dalla clientela, con le camere disposte in modo da poter formare anche qualche
piccolo apartamento alquanto isolati per famiglie di villeggianti. Si provvederà ancora di stabiliere camere alquanto
appartate per quegli escursionisti di passagio che dovendo partire ad ora assai mattutine disturberebbero il sonno dei
villeggianti – locali per le guide, portatori, acc. So provvederà purê allo studio di un adatto sistema di riscaldamento per
poter aprire l’albergo l’inverno per gli sport invernali; e l’impianto dovrà farsi in modo che possa funzionare anche
riscaldando solo una parte dell’albergo. Infine dovrà stabilirsi um’ampia e adatta rimessa per le automobili con annesse
abitazioni per i meccanici e l’adattamento del terreno circonstante all’albergo formando un parco rustico, com adatti siti
di ritrovo. (Memorial descritivo do projeto para um Hotel – datilografado - Acervo pessoal do autor).
extrai-se uma possível atuação de Capello no mercado de projetos arquitetônicos
em Turim, antes de sua transferência para o Brasil.

Figura 35 – Perspectiva de uma edificação


vertical em Torino.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto


Capello

138

Figura 36 – Perspectiva de uma residência em Torino.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello


Notam-se, nesses dois últimos desenhos (FIGURAS 35 e 36), vários aspectos
formais da arquitetura acadêmica, como a rígida simetria, uso de telhados
aparentes, ritmo nas aberturas, como também é perceptível uma economia no
uso ornamentação das fachadas. Já no desenho do Hotel em Motagna, é clara a
utilização do emprego de linguagem baseada nos estilos de catálogos
amplamente divulgados no século 19, neste caso, de um estilo mais apropriado
a climas de regiões montanhosas do norte da Itália.

A hipótese de que Capello atuou no mercado de projetos arquitetônicos em Turim


antes da sua transferência para o Brasil não pode ser confirmada. Fato é que ele
se graduou em engenharia no ano de 1925 e a primeira passagem pelo Brasil,
encontrada no Jornal Correio da Manhã do Rio de Janeiro, data de agosto de
1929, conforme a publicação:

Além do senador Irineu Machado, chegaram pelo “Giulio


Cesare” os srs. deputados Mauricio de Medeiros, engenheiro
Roberto Capello, Otto Goiny, Eduardo Isnardi, Oscar Visconti
e Robert de Billy.

O grande transatlantico da Navegazione Generale Italiana 139


procedeu de Genevo, tendo realizado optima e rapidíssima
viagem e conduz para mais de 1.200 passageiros, sendo a
maioria, porém, com destino a Buenos Aires. (PRELADOS...,
1929, p.6)

Entretanto, não se comprovou se essa foi a sua primeira visita ao Brasil ou se o


seu estabelecimento de fato, mas sabe-se que, em 1931, ele retorna à Itália, para
visitar seu país natal ou para concluir definitivamente sua mudança:

- Embarcaram no ‘Giulio Cesare’, que partiu para Genova e


escalas, as seguintes pessoas:

Tano Ugo, Dr. Roberto Capelo, D. Elisabeth Cerruti, [...].


(VIAJANTES. 1931, p. 11)

Seu nome volta a aparecer nos jornais no ano de 1933130 e, no ano de 1935,
Capello já possuía a carteira profissional de engenheiro expedida pelo então
Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura da Quinta Região do Rio de

130
Conforme noticiário no Jornal do Commercio, 19 de janeiro de 1933, p.8, edição 00016, nas
doações para a Ordem Internacional Theosofica de Serviço, Secção Brasileira, consta o nome de
Roberto Capello.
Janeiro,131 registro que o possibilitou dar início ao projeto de construção da sede
em Curitiba, iniciada em 1935, primeira sede de tantas outras que viriam a ser
assinadas por Capello no Brasil.

Na década de 1930, o registro das carteiras profissionais do Conselho Regional


de Engenharia era emitido pelo Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio e
publicadas no Diário Oficial da União (DOU). Na edição de junho de 1935, consta
o nome de Roberto Capello com o registro de engenheiro civil nº 1.145. Naquela
época, alguns profissionais detinham o título de engenheiro-arquiteto, como pode
ser comprovado na descrição de outras carteiras publicadas no DOU, entretanto,
Roberto Capello possuía, no Brasil, até esta data, um único título, o de
engenheiro. Já na edição do Jornal do Brasil de 17 de junho de 1936,132 a Diretoria
de Engenharia publicou o Boletim nº 129, com a relação dos “arquitetos-
construtores, construtores e arquitetos, registrados nesta Diretoria como
licenciados em 1936” e o nome de Roberto Capello apareceu na lista dos
140
“Arquitetos Diplomados”. Como o trâmite aconteceu não cabe aqui a discussão.
Fato é que a partir daí todas as notícias nos jornais da época, com raras
exceções, tratavam Capello como arquiteto.

Posteriormente, seu nome apareceu como membro do Instituto de Arquitetos do


Brasil (IAB), compondo a lista de assinaturas do Movimento Renovador do IAB
na publicação do “Manifesto aos Arquitetos”,133 junto com outros nomes como o
de Archimedes Memória (1893-1960). Tal carta era uma resposta à outra carta
manifesto,134 assinada por um grupo contrário ao Movimento Renovador, do qual
faziam parte Lucio Costa (1902-1998), Oscar Niemeyer (1907-2012), Carlos Leão
(1906-1983) e outros arquitetos. O conteúdo revelou que os dois grupos
discutiam as alterações do estatuto do IAB - de orientação claramente moderna
e identificada com a 'escola carioca' -, às vésperas das eleições dos seus
conselhos diretores e fiscais, e sinalizou os conflitos ideológicos entre as duas

131
DOU (Diário Oficial da União), de junho de 1935.
132
Jornal do Brasil, 17 jul. 1936, p. 31.
133
Correio da Manhã, 15 jul. 1949, p.7.
134
Correio da manhã 10 jul. 1949, p. 8.
partes, já discutidos nesta pesquisa. É oportuno transcrever um fragmento da
carta assinada pelo Movimento Renovador, o qual vinculou o grupo opositor a
ideais políticos, como citado anteriormente:

É sabido, e de sua culposa indiferença se penitencia a grande


maioria da classe, que após anos de fidelidade a seus
elevados propósitos, um grupo mais ousado vem tentando
afastar o I.A.B. das suas normas tradicionais, ingressando
indevidamente no campo das atividades político-partidárias,
de tal forma, que hoje é, infelizmente, a nossa sociedade de
classe apontada com núcleo de extremistas. [...] Assim é que
se projetou uma reforma de estatutos desconhecida da
própria Assembléia. [...] O intêresse de que novos ‘estatutos’
rejam as eleições reside no fato de permitir interpretação
sofística, que atribui, também aos sócios dos Departamentos
Estaduais, o direito de votar para o Conselho Diretor do I.A.B.
do Rio, o que é não se nos afigura razoável. (Correio da
Manhã, 15 jul. 1949, p.7, grifo meu)

A composição de Capello no grupo do Archimedes Memória permitiu iluminar


parte das relações profissionais do arquiteto no Rio de Janeiro. Archimedes foi
personagem central de alguns episódios da disputa entre os arquitetos ditos
acadêmicos e os modernos nos anos 1930, tais como a concorrência pela 141
diretoria da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA) e o concurso do Ministério
de Educação e Saúde (mês). Suas inúmeras obras revelavam a preferência do
arquiteto pela linguagem tradicionalista, amplamente atacada pelo grupo mais
ousado que se identificava com os ideais corbusianos. Era o grupo tradicionalista
que Capello apoiava. Ele e diversos arquitetos imigrantes,135 o que contradiz, de
certa forma, a avaliação preliminar sobre as relações profissionais de Capello
com os arquitetos nomeados como progressistas.

135 Dentre eles: Geza Heller (Hungria/1902 - Passa Quatro, MG/1992); Robert Russell Prentice (Fife

/1883 – Eastbourne/1960), Camillo Michalka (Viena/1921 - Teresópolis /2012); Adolfo Morales de los
Rios Filho (San Sebastian/1887 - São Pedro da Aldeia, RJ/1973) e outros.
CONTEXTO DE FORMAÇÃO

Por outro lado, no contexto da formação acadêmica de Roberto Capello na Itália,


os debates entre a arquitetura tradicional e a racional também adentravam o
discurso do campo arquitetônico italiano, mas de maneira totalmente diferenciada
do caso brasileiro em decorrência dos fatores internos diferenciados.

Na Itália, a marcha fascista a Roma delineara o ambiente em que se instaurou


novos olhares em todos os campos das artes, registrados em manifestos, artigos
e exposições. Especialmente em relação à arquitetura, o debate entre o
racionalismo e a boa ordem da tradição tornou-se o mote no decorrer dos anos
do estabelecimento do regime político. As ideologias futuristas anteriores a este
debate não ficaram esquecidas, e de certa forma contribuíram para a construção
das discussões posteriores, cujas relações são complexas, conforme defende
grande parte da historiografia.

142 Capello graduou-se no período após a primeira guerra, caracterizado por um


momento de busca por uma ocupação profissional em todos os campos,
intensificado pelo esvaziamento do serviço militar. Os anos que se seguiram
foram de crise econômica e hesitação em relação ao futuro. No campo das artes
e da arquitetura, o cenário de incertezas promovia deslocamentos de ideais, no
sentido de que algo precisava ser feito e, assim, a proposta de grande impacto
era a de renovação (GREGOTTI, 1969).

Contudo, as primeiras intenções de mudanças estavam inseridas, com raras


exceções, no campo tradicionalista, influenciado, sobretudo, por Gustavo
Giovannoni, e se moveram lentamente até 1925. O movimento dos “900” na
pintura aspirava este ideal, baseando-se na veia clássica para a recuperação da
tradição, opondo-se, desse modo, ao vanguardismo europeu. Apoiado por
Mussolini, o movimento buscava representar a identidade da cultura nacional,
contida nas ideias de propaganda política do regime (GREGOTTI, 1969). Essa
tendência também era verificada, no mesmo período, na arquitetura, cujas
influências decorreram, como a maioria da historiografia aponta, da experiência
austríaca sob a figura de Adolf Loos.

Figura 37 – Palazzo Civita/Milão– Gigiotti Zanini / Entre os propagadores desse


1932-34
movimento estavam, sobretudo,
aqueles dissidentes das
concepções dos arquitetos
atuantes no final do século 19 e,
neste plano, destacaram-se:
Giovanni Muzio (1893-1982) - cuja
obra mais emblemática desta
influência é a residência da Via
Moscova, em Milão, projetada no
Fonte: <http://ffmaam.it/collezione.php?id=5726- início da década de 1920;
Gabriele-Basilico&nogallery=true> acesso em out.
2020 Giuseppe De Finetti (1892-1952),
com sua casa Meridiana, também em Milão, de 1925; Gigiotti Zanini (1893-1962),
autor do projeto o Palazzo Civita, também na capital da Lombardia. Sobre esta 143
renovação, discorreu Vitorio Gregotti:

Tanto o movimento dos 900, como o neobarroco romano, se


apresentam, então, como vanguarda moderada e por alguns
anos disputaram com o racionalismo nascente o título da
renovação da cultura arquitetônica da Itália. (GREGOTTI,
1969, p.13, tradução minha). 136

Na esfera racionalista, destacou-se o Gruppo 7, criado em 1926 pelos arquitetos


Sebastiano Larco, Guido Frette, Carlo Rava, Luigi Figini, Gino Pollini, Giuseppe
Terragni e Adalberto Libera, ambos da Politécnica de Milão. A partir daí os
debates em torno dos dois polos se tornaram mais acirrados, mas de curta
duração. No ano de 1928, foi inaugurada em Roma, com o apoio do Sindicato
Nacional Fascista dos Arquitetos, a primeira exposição do MIAR (Movimento
Italiano para a Arquitetura Racional),137 que contou com a participação do Gruppo

136 Tanto el movimento del ‛900ʼ, como el neobarroco, romano se presentan entonces como
vanguardia moderada y por algunos años disputarán con el racionalismo naciente el título de la
renovación de la cultura arquitectónica em Italia (GREGOTTI, 1969, p.13)
137A mostra aconteceu na Galeria d’Arte di Roma, auspiciada pelo fascismo e de organização
confiada a Pietro Maria Bardi. (TENTORI, 2000, p. 50)
Figura 38 – Edifício de apartamentos Novocomun - 7, entabulando uma onda de
Giuseppe Terragni / 1929
polêmicas e de opiniões
opostas entre os dois eixos
(TOGNON, 2000).

Como expressão desses


ideais, no ano de 1929,
Giuseppe Terragni (1904-
1943) projetou o edifício de
apartamentos Novocomun,
uma das mais emblemáticas
Fonte –
<http://www.antithesi.info/0newf/leggitxt.asp?ID=5866> obras do racionalismo
Acesso em out. 2020.
138
italiano. No ano seguinte,
139
144 em 1930, Marcelo Piacentini publicou Architettura d’oggi, que apesar do culto
ao antigo, à beleza e a chamada boa ordem da tradição, expôs e diagnosticou o
cenário no período, classificando-o como um momento de transformação, de
transição entre o clássico e à arquitetura “de planos nus, ritmos inventados, perfis
fantasiosos [...]”. (PIACENTINI, apud TOGNON, 2000, p.26).140 O arquiteto,
formado em um ambiente notadamente tradicional, foi frequentemente taxado
como o defensor oficial da boa arquitetura clássica, não obstante a historiografia
qualificá-lo como o mediador oficial entre as tendências arquitetônicas do período
(TAFURI e DAL COL, 1978).

É provável que este julgamento a Piacentini tenha raízes nos efeitos da


conturbada exposição de 1931, a segunda mostra do MIAR, organizada na
Galeria d’Arte di Roma, dirigida por Pietro Maria Bardi, cujo excesso de
provocação aos acadêmicos141 gerou uma espécie de censura prévia por parte

138 Gregotti identifica Pietro Lingeri como coautor do projeto (1969, p. 14).
139 Para um panorama da obra de Piacentini, ver Marcos Tognon (2000).
140 Architettura d´oggi, p. 17, citado por Tognon (2000).
141 A exibição da Tavolo degli Orrori foi exposta no espaço de recepção da mostra no dia da sua

inauguração e foi temporariamente retirada após sua exibição em decorrência da polêmica gerada. A
colagem reproduzia alguns exemplares da arquitetura acadêmica, numa espécie de ato provocativo.
A atribuição da obra foi dada a Pietro Maria Bardi e também a Giuseppe Pagano. Francesco Tentori
(2000) suspeita também de Carlo Belli como terceiro autor.
do Sindicato dos Arquitetos, que até então apoiava a busca de uma arquitetura
racional e fascista (TENTORI, 2000). A mostra não era homogênea em relação
às propostas racionalistas e, depois dela, o grupo dos defensores dos ideais
ortodoxos, do qual fazia parte Piacentini, tornou-se mais forte. Marcos Tognon
resumiu o ambiente em curso:

Encontraremos ao lado dos muitos jovens racionalistas, neste


movimento nem sempre equilibrado nas propostas, na
assimilação de princípios e na capacidade projetual, tantos
outros jovens, no papel de críticos e jornalistas, detentores de
bom e otimista caráter fascista, compondo, por fim, um
somatório, um feixe de forças para a renovação da arquitetura
italiana. Giuseppe Pagano, Edoardo Persico, Pietro Maria
Bardi, Carlo Belli, Vigílio Marchi, Lionello Venturi, Giulio Carlo
Argan, Carlo Ludovico Ragghianti, Raffaelo Giolli, Plinio
Marconi, Roberto Papini serão algumas das novas
assinaturas (TOGNON, 2000, p. 27).

Não se trata aqui de posicionar os ideais de Roberto Capello frente a estes


movimentos e sim iluminar o ambiente do período da sua formação, no qual,
inegavelmente, o arquiteto sofreu influência. Até porque o contexto conturbando
e discrepante que caracterizou o período - como revelado acima por Marcos 145
Tognon (2000) e também por Vitorio Gretotti (1969) - dificulta tal posicionamento.
Aqueles que lutavam por uma arquitetura inovadora, ora produziam resultados
arquitetônicos carregados da tradição, ora desprovidos dela, tal como Edoardo
Persico (1900-1936) demonstrou em seu vestíbulo da Trienal de 1936.

Gregotti não nega também a existência de uma zona intermediária entre os dois
ideais, assim como levanta a posição ambígua da relação entre os racionalistas
com o fascismo. Este cenário, do mesmo modo, é revelado por Manfredo Tafuri
e Francesco Dal Col (1978):

[...] durante os anos vinte, as buscas arquitetônicas foram um


tanto contraditórias, pelas quais, mais além se sua poética, é
muito difícil isolar os dados estruturais, captar o complexo e
sutil vínculo que há entre o pluralismo formal e a política
cultural oficial. Enquanto o fascismo – mediante um reforçado
aparato estatal – se encarrega das transformações sociais e
econômicas produzidas pelo desenvolvimento industrial e a
reconversão pós-bélica, a mediação intelectual na cidade não
transpõe as colunas de Hércules de adesões ou rechaços,
puramente formais, a tais processos [...] a polêmica
arquitetônica vive no interior de um espaço próprio e
autônomo. (TAFURI e DAL COL,1978, p. 281, tradução
minha).142

Porém, Gregotti registrou uma onda europeia em oposição à arquitetura racional


após 1936, que se estendeu até a Itália, simbolizada pela VII Trienal, quando o
regime se estabeleceu abertamente contra os grupos mais reacionários, ou seja,
contra aqueles que defendiam a nova arquitetura. Com a morte súbita de Edoardo
Persico nesse ano, somada ao posicionamento mais agressivo do regime,
intensificam-se as críticas em relação ao racionalismo. Para Gregotti, a derrota
do racionalismo na Itália foi simbolizada pela Exposição Universal de Roma
(EUR) em 1942, com um resultado “desastrosamente monumental no desenho
artístico e muito corrupto no plano da arquitetura”. (GREGOTTI, 1969, p. 36,
tradução minha).143 Os momentos posteriores são de perseguição por parte do
regime aos principais defensores do racionalismo, resultando, inclusive, na prisão
146 de alguns deles em campos alemães, de onde nunca saíram.144 Sobre esse
assunto, discorreu Francesco Tentori:

Certamente a derrota geral da arquitetura racionalista na Itália


tem suas causas mais profundas na involução cultural e
política do fascismo (e também, como se dirá mais adiante,
no fato de que, a partir da guerra da Etiópia, o fascismo
descobre outros instrumentos de “propaganda”, como o
cinema e o rádio). Mas isso não diminui o fato de que a
unidade das artes que faltava nos anos Trinta italianos deva-
se a contradições intrínsecas entre as várias disciplinas
artísticas, mas também, de modo especial, ao
posicionamento hermético dos arquitetos racionalistas.
(TENTORI, 2000, p. 48)

142 [...] durante los años veinte, las búsquedas arquitectónicas fueron um tanto contradictorias; por lo
cual, más allá de su poética, es muy difícil aislar los datos estructurales, captar el complejo e sutil
vínculo que hay entre el 'pluralismo formal’ e la politica cultural oficial. Mientras el fascismo – mediante
um reforzado aparato estatal – se encarga de las trasnformaciones sociales y económicas producidas
por el desarrollo industrial y la reconversión posbélica, la mediatización intelectual em la ciudad no
transpone las columnas de Hércules de adhesiones o rechazos, puramente formales, a tales
procesos. [...] la polémica arquitectónica vive en el interior de um espacio proprio e autónomo
143
“[...] El resultado fue desastrosamente monumental en el dibujo artístico y muy corruptor em el
plano de la arquitectura.” (GREGOTTI, 1969, p. 36.)
144
Como aconteceu com Raffaele Giolli, Gianluigi Banfi e Giuseppe Pagano. (GREGOTTI, 1969).
Com o afastamento de tempo ideal para a formulação da crítica, Vitorio Gregotti
resumiu, ao final da década de 1960,145 o ambiente arquitetônico do período:

Creio que a experiência da arquitetura italiana tem algumas


características específicas que podem ser úteis para a cultura
internacional: a primeira é a dialética sobre as noções de
história e tradição que alimentou toda a arquitetura italiana
[...]. A segunda característica é o debate constante entre
ideologia e linguagem [...]. A terceira característica nasce
como uma consequência das duas primeiras e consiste no
estado de constante ambiguidade, seja como complexidade
de significado, seja como ineficácia para resolver os
problemas. Esta ambiguidade constitui a base da linguagem
expressiva da arquitetura italiana mais interessante
(GREGOTTI, 1969, p.7).146

A despeito da impossibilidade de estabelecer a posição de Capello entre os eixos


de discussão no contexto da produção arquitetônica, a sua negação ao regime
fascista foi um fator revelado por sua filha Carla, que indicou ter sido essa a
principal causa de sua migração para Brasil. Pode-se acrescentar a esse fator o
conturbado ambiente do entre guerras, que seria acompanhado de crise
econômica e falta de oportunidade profissional, e a chance de um emprego
147
garantido em uma empresa em plena ascensão no Brasil, a Sul América. Seu

repúdio ao governo de Mussolini pôde ser confirmado por meio da publicação


no Jornal O Dia, do Paraná, em 1943, a qual registra a sua participação no Comitê
dos Italianos Livres do Brasil, de caráter antifascista:

Rio, 28, (A.N.) – Os Italianos livres do Brasil, pelo comité que


lidera no Rio, constituído pelos senhores Guili Perreno,
Roberto Cápello (sic), Serigi Bagliolo, [...] enviaram hoje ao
Conde Sforza, que é o autêntico líder de todos os italianos
anti-fascistas na América e no mundo, o seguinte telegrama:
“Conde Sforza, como representante da nova Italia
democrática a qual ressurgirá livre e respeitada. Reiteramos

145
Publicação original em inglês, Editora George Braziller; 1968. A edição em espanhol foi publicada
em 1969, pela editora Blume, em Barcelona.
146
“Yo creo que la experiência de la arquitectura italiana tiene algunas características específicas que
pueden ser provechosas a la cultura internacional: la primera es la dialéctica sobre las nociones de
historia y de tradición que ha alimentado toda la arquitectura italiana [...]. La segunda característica
es el debate constante entre ideologia y lenguage [...]. La terceira característica nace como uma
consequencia de las dos primeras y consiste em el estado de constante ambigüedad, sea como
complejidad de significado, sea como ineficácia para resolver los problemas. Esta ambigüedad
constituye la base del linguaje expressivo de la arquitectura italiana más interessante.” (GREGOTTI,
1969, p.7)
a necessidade de independencia da Italia e da eliminação de
todos os cumplices do fascismo. Confiamos em sua ação
para a consecução dos ideais comuns. (LIDER..., 1943, p.1)

No Brasil, Roberto Capello também era consultado para discorrer sobre o


ambiente fascista na Itália e seus desdobramentos, como a queda de Mussolini:

DIÁRIO DA NOITE ouviu três líderes italianos anti-fascistas


sobre os acontecimentos politicos que atualmente veem se
sucedendo em sua patria e os futuros que possam surgir,
segundo os fatos do momento ou em evidencia. Sobre os
ideais que animaram todos os italianos dignos da hora
presente, foram categoricos: expulsar os invasores alemães
e restaurar o regime democratico.

São eles o professor Luigi Bogliolo e os engenheiros Roberto


Capello e Luigi Ferrero. (QUAL É O RUMO..., 1943, p.4).

Sabe-se que as ideologias da cultura de vanguarda italiana estabeleceram


dialética com os ideais do regime fascista e, com demasiada frequência, a
autonomia cultural reivindicada pelos intelectuais coincidiu com o apoio da

148 política que, apesar da defesa da nova arquitetura racionalista, abominavam


totalmente a sua relação com as propostas de Mussolini (TAFURI e DAL COL,
1978). Porém, não se pode afirmar que todos aqueles tradicionalistas apoiavam
também o regime.

Da mesma forma, sabe-se que nos primórdios da instalação do regime, muitos


dos que viriam a ser antifascistas com a queda de Mussolini ou com a
aproximação dela, no decorrer da Segunda Guerra, eram filiados ao Partido
Nacional Fascista (PNF) e acreditavam naqueles ideais que prometiam um país
melhor para todos. É neste caso que os historiadores colocam Pietro Maria Bardi,
crítico atuante nos primeiros anos do regime, principalmente no campo da
arquitetura, assumindo papel fundamental na divulgação e defesa da renovação
da disciplina. Bardi se inscrevera em 1926 no PNF (TENTORI, 2000). Leitor
assíduo de artes e arquitetura, interessava-se, do mesmo modo, por política e
contribuiu para inúmeros periódicos italianos147 antes de sua migração para o
Brasil, após o declínio do regime. Não se atesta, com estes escritos, que Bardi

147 Revista di Bergamo (Gionarle de Bergamo), Popolo di Bergamo, Secolo, Indipendente, Quadrante,

Corriere dela Sera, Belvedere, Meridiano di Roma, Il Vetro, Lo Stile. (TENTORI, 2000)
defendia piamente, nos primórdios, o regime, e há passagens no livro de Tentori
(2000) que transparece o seu desejo de independência nas opiniões. Sobre a
conferência entre o rei e Mussolini, em 29 de outubro de 1922, que o tornou Duce,
Bardi diz ter recebido ordens para a feitura de uma edição no Giornali de Bergamo
exaltando aquele acontecimento, mas, ao contrário, o fez da maneira que ele
achava mais apropriado.148 Entretanto, é fato que dirigiu uma galeria pública, a
Galleria d’Arte di Roma, patrocinada pelo Sindicato Nacional Fascista de Belas
Artes (TENTORI, 2000).149 Nos atos de promoção da arte italiana, em novembro
de 1929, organizou a mostra em sua galeria dos seis pintores de Turim, sendo
um deles, Edoardo Persico, judeu e perseguido pela posição antifascista.

É, portanto, por volta de 1930, que Bardi intensifica a defesa em favor da


arquitetura racionalista, em confrontos com os acadêmicos, dentre eles Marcelo
Piacentini (TENTORI, 2000), talvez pela censura aplicada em Tavolo degli Orrori.
As amizades com arquitetos racionalistas, italianos e estrangeiros,
independentemente de partido ou raça, intensificaram esta promoção. Ao mesmo
tempo em que apoiava os Novecentistas, favorecidos pelo regime, Bardi era 149
ríspido, no campo da arquitetura, a qualquer linguagem não racional. Tornou-se,
por assim dizer, perturbador da ordem pública artística. Os Novecentistas, no
entanto, permanecerão ligados à Piacentini e a outros defensores da linguagem
tradicional (TENTORI, 2000, p. 43).

Percebe-se, com estas passagens, a ambiguidade ideológica do período. Como,


desse modo, avaliar as influências de Roberto Capello? Seu artigo, já citado,
sobre o Hotel Copacabana, demonstrou o seu favoritismo em relação à boa

148 A publicação sobre o acontecimento do então diretor do Giornali de Bergamo não agradara aos
fascistas “que cortam a barba do diretor e o obrigam a ingerir óleo de rícino” (TENTORI, 2000, p. 25).
Este acontecimento não agradara também a Bardi, que por isso não acatou as ordens de ressaltar o
novo Duce, fato que antecedeu o fechamento do jornal. Bardi, por não ter acatado as ordens, foi
atingido a ponto de ir para o hospital.
149 Em uma carta de Bardi a Mussolini, para a prestação de contas da galeria, também informa as

intenções de modernizá-la: “Há na Itália, hoje em dia, uma arte moderna em ascensão, valores de
primeiro plano, uma ordem artística sindical notável; com esta Galeria nós poderemos colocar à vista
tudo aquilo que existe vivo, tentar uma exportação de massa da nossa arte, [...] nós poderemos fazer
alguma coisa de original, de fascista e de frutígero para a arte italiana.” E despede-se: “Com devoção
fascista, P. M. Bardi”. (BARDI, apud TENTORI, 2000, p. 49). O que demonstra que, pelo menos
nesse período, mostras de arte e arquitetura racional foram expostas na galeria patrocinada pelo
fascismo.
arquitetura, independente de estilos ou causas. Para ele, qualquer [boa]
arquitetura era moderna para a época. Era este, o seu verdadeiro pensamento?
Ou estava apenas praticando o bom coleguismo, já que Joseph Gire participara
do icônico projeto da primeira sede da Sul América no Rio de Janeiro, em parceria
com Robert Prentice? Uma análise do perfil do corpo docente da Politécnica de
Turim, bem como dos alunos egressos do curso de arquitetura, pode ser um
caminho para iluminar melhor as suas influências, o que poderá ser feito em uma
etapa posterior a esta tese.

Sabe‐se, preliminarmente, que os arquitetos de Turim tinham uma postura mais


firme em relação às posições ideológicas em curso. Segundo Vitorio Gregotti:

Turim ocupava uma posição especial na geografia cultural da


Itália: é a cidade do crítico como menos prejuízos da arte
150 moderna daqueles tempos, Lionelo Venturi; é a cidade da
resistência ideológica ao fascismo nas personalidades de
Antonio Gramsci e Piero Gobetti. Da cultura turinesa provém
os críticos mais agudos e mais polêmicos defensores da
arquitetura moderna italiana, o napolitano Edoardo Persico e
Giuseppe Pagano, de Trieste. Turim, ademais, é a cidade
italiana que tem uma tradição cultural mais ligada ao nível
europeu. Em Turim se formou, em 1929, o grupo dos 6: são
pintores que sob a influencia de Persico propõem uma
posição abertamente europeia em oposição radical com os
princípios do grupo dos 900 de Milão. Entre seus membros
está Enrico Paulucci, Carlo Levi, Francesco Mesuno, Giorgio
Chessa, Nicola Galante e Jessie Boswell. Por este caminho,
os 6 chegaram ao racionalismo.150 (GREGOTTI, 1969, p.16,
tradução minha).

Não há como negar que Roberto Capello formou-se nesse contexto e absorveu
as concepções que se propagavam com as posições dos profissionais recém-
formados. O Politecnico di Torino formava profissionais atuantes no campo da
arquitetura racionalista, tais como Ettores Sottssas (1917-2007), austríaco de

150
Turín ocupa una posición especial en la geografia cultural de Italia: es la ciudade del crítico con
menos prejuicios del arte moderno de aquellos tempos, Lionelo Venturi; es la ciudade de la resistencia
ideológica al fascismo en las personalidades de Antonio Gramsci y Piero Gobetti. De la cultura
turinesa provienen el crítico más agudo y el más polémico defensor de la arquitectura moderna
italiana, el napolitano Edoardo Persico y Giuseppe Pagano, de Trieste. Turín, además, es la ciudade
italiana que tiene uma tradición cultural más ligada al nivel europeo. En Turín se formó em 1928 el
grupo de los “6”: son pintores que bajo la influencia de Persico proponen una posición abiertamente
europea en oposición radical con los principios del grupo del “900” de Milán. Entre sus membros se
cuenta Enrico Paulucci, Carlo Levi, Francesco Mesuno, Giorgio Chessa, Nicola Galante y Jessie
Boswell. Por este caminho los “6” llegaron al racionalismo. (GREGOTTI, 1969, p.16)
nascimento e turinense de formação, Umberto Cuzzi (1891-1973) e Giuseppe
Pagano (1896-1945). Lionello Venturi ocupava a cadeira da disciplina história da
arte no Politecnico e junto com Piero Gobetti e Antonio Gramsci, também
residentes em Turim, formavam a expressiva resistência ideológica ao fascismo.
Em 1928, foi inaugurada a exposição de Turim em comemoração ao Decênio da
Vitória, abrindo espaço para essa nova geração de arquitetos e pintores: Ettores
Pittini, Paolo Prona, Ettore Sottssas e Gino Levi Montalcini, Giorgio Chessa e
Umberto Cuzzi, Alberto Sartoris (1901-1998) e Pagano (GREGOTTI, 1969).
Mesmo com a formação em engenharia, é possível que Capello não tenha
deixado de absorver os pensamentos destes críticos. Umberto Cuzzi, por
exemplo, formou-se também em engenharia em 1921, porém iniciou sua carreira
em um escritório de arquitetura em Gorizia até 1927.151

Apesar do seu estabelecimento no Brasil após sua formação acadêmica, seu


vínculo com o país natal não se rompeu em definitivo. Ao contrário, Capello
esteve sempre integrando comitês ou tornando-se acionista de empresas
italianas.152 Em 1944, registrou-se sua participação no Comitê Italiano de Socorro 151
às Vítimas da Guerra, com a função de secretário. Em 1949, tornou-se membro
da diretoria do Centro Cultural Brasil Itália, assumindo o cargo de primeiro
tesoureiro.153

Roberto Capello, após o período necessário para o seu estabelecimento definitivo


no Rio de Janeiro, passou a residir na edificação projetada por ele, na Rua Adolfo
Luiz, nº 880, na Gávea, que ainda remanesce no espaço urbano carioca de
crescente transformação. Sobre a residência, Carla Capello mencionou que o

151
Fonte: http://www.treccani.it/enciclopedia/umberto-cuzzi_(Dizionario-Biografico)/ - acesso em jan.
2018.
152
No Diário Oficial, de agosto de 1959, consta a informação que Capello era acionista da empresa
SIDEMA S.A. Comercial Importadora, sendo eleito, nesta sessão registrada, ao cargo de diretor
gerente.
153
Jornal do Commercio, de 19 de janeiro de 1933, p.8, edição 00016, Rio de Janeiro. “A Ordem
Teosófica de Serviço, fundada por Annie Besant em 1908, ainda mantém o objetivo delineado na
ocasião de sua instituição: [...] organizar-se ao longo de várias linhas de serviço, para promoverem
ativamente o primeiro objetivo da Sociedade: Formar um núcleo da fraternidade universal sem
distinção de raça, credo, sexo, casta ou cor.” (Fonte:
http://international.theoservice.org/members/running/TOS%20Principles%20of%20Organisation-
Portuguese.pdf – acesso em 3 de ago. 2018).
projeto paisagístico foi elaborado por Burle Marx, com quem Capello mantinha
relações profissionais e de amizade. Infelizmente, o acervo particular foi
parcialmente perdido, incluindo o projeto dessa residência, porém, conforme
mencionado, restam alguns desenhos de projetos, fotografias e aquarelas. A
análise dos aspectos formais das perspectivas deixadas por Capello,
apresentadas anteriormente, e das sedes da Sul América produzidas pelo
arquiteto no Brasil, revelam uma aproximação, no que diz respeito ao modo de
tratamento das fachadas, tanto dos ideais propagados pelos arquitetos
racionalistas italianos, representados pela simplicidade dos volumes, linhas retas,
economia de ornamentação, quanto daqueles defendidos pelos arquitetos ditos
tradicionais, cuja monumentalidade e simetria clássica destacam-se. Talvez
Capello fosse um dos profissionais com posição na zona intermediária, porém é
inegável o desejo de renovação, presente em todos os eixos de discussão.

152
AS AUTORIAS DOS PROJETOS ARQUITETÔNICOS

Na tentativa de verificar a participação do arquiteto Roberto Capello nos projetos


da empresa antes da sede de Curitiba, inaugurada em 1936, constatou-se que a
filial de São Paulo foi inaugurada em 1928, antes, portanto, da primeira passagem
de Capello pelo Brasil, conforme revelaram os registros encontrados. Ademais,
Tiago Franco (2009), em seu estudo sobre as obras de Jacques Pilon (1905-
1962), discorreu sobre o edifício SULACAP da capital paulista e atribuiu-lhe
autoria a Robert Prentice, com a participação de Pilon. Como não houve nenhum
registro de outro projeto entre a construção da sede de São Paulo (1928) e a de
Curitiba (1936), essa informação levantou a hipótese de que a sede da capital do
Paraná foi realmente o primeiro projeto elaborado pelo arquiteto para a empresa
A partir daí seu nome aparece como responsável técnico por quase todos os
projetos subsequentes ao de Curitiba, até o ano de 1948, com exceção do projeto
Figura 39 – Perspectiva do projeto da sede Sul da sede SULACAP de Niterói (1948),
América de Curitiba
de autoria de Robert Prentice. 153

As viagens para Curitiba foram


registradas nos principais jornais
cariocas e também do sul do país.
Em uma época em que a aviação
comercial estava em seus
primórdios, era comum a notícia de
passageiros que viajavam pelo ar.
Conforme já indicado, esses
registros, como o relatado a seguir,
possibilitaram relacionar Roberto
Capello à empresa Sul América e
levantar outras edificações
projetadas por ele, que inicialmente
não faziam parte desta pesquisa,
Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello
como a própria sede de Curitiba:
Procedente do Rio da Prata, com as escalas de costume
pelos portos do Sul, deu entrada ontem, às 15:30 horas no
aeroporto da Ponta do Calabouço, o hidro-avião de carreira
da Panair, trazendo os seguintes passageiros para esta
Capital: [...] de Paranaguá, Dr. Roberto Capello [...].(OS QUE
VIAJAM...1935, p. 8). 154

Com relação às sedes de Porto Alegre, conforme já mencionado, Ana Paula


Canez registrou que ambos os edifícios “foram projetados por Arnaldo Gladosch
no escritório técnico de Roberto Capello” (CANEZ, 2006, p. 27). Esta informação
preliminar levantou dúvidas sobre a autoria de Capello em relação às duas sedes
da capital gaúcha e, ainda mais, se cabia ou não a análise dos edifícios neste
trabalho. A própria autora, ao consultar o projeto arquitetônico do Sul América,
informou que no carimbo das pranchas constava apenas o nome de Roberto
Capello, porém concluiu sobre a autoria de Gladosch em decorrência de uma
citação na tese de doutoramento de Naura Helena Naumann Machado, de 1998,
especificamente:

154 Notícia em jornal da época associa ao nome de Gladosch


aquele do arquiteto Roberto Capello do Rio de Janeiro.
Efetivamente, tal como no Ed. SUL AMÉRICA, o projeto
dessa edificação (SULACAP) ocorre sob a responsabilidade
de Gladosch e através daquele escritório. (MACHADO, 1998,
p. 327, apud CANEZ, 2006).

Segue a passagem de Canez sobre sua conclusão:

Essa observação [a citada por Machado] parece solucionar a


dúvida surgida quanto à autoria do edifício Sul América,
embora, nas pranchas do projeto arquitetônico arquivadas na
Prefeitura de Porto Alegre, consultadas, digitalizadas e
redesenhadas para servir aos propósitos do trabalho aqui
apresentado, conste apenas o carimbo do escritório referido
e a assinatura do engenheiro Roberto Capello. As dúvidas
relativas à autoria do edifício foram dirimidas por Nara
Machado, que apontou os caminhos que ela já havia trilhado
em sua tese de doutorado referida anteriormente (CANEZ,
2006, p. 52, grifo meu).

O mesmo acontece com o edifício SULACAP, porém, sobre sua autoria, Canez
sequer levantou dúvidas. Para afirmar tão seguramente a autoria de Gladosch,
Canez, em seu texto introdutório, elencou uma ampla bibliografia consultada que

154
Paranaguá era a cidade mais próxima de Curitiba para o pouso de hidro-avião. Pelo que se pode
apurar, o arquiteto viajou para este destino nos anos 1935, 1936, 1938.
afirmou tal fato. Dentre elas, destaca-se a obra de Alberto Xavier e Ivan
Mizoguchi, intitulada “Arquitetura Moderna de Porto Alegre”, publicada em 1987,
além “Arquiteturas no Brasil: 1900-1990” de Hugo Segawa (2014) e outros, como
será relatado na análise sobre as sedes de Porto Alegre.

Talvez o livro publicado pelo prefeito José Loureiro da Silva, intitulado “Um Plano
de Urbanização” (1943), seja o responsável pelas conclusões sobre a autoria de
Gladosch por parte dos autores utilizados por Canez. O documento, que detalha
o plano urbanístico desenvolvido por Gladosch naquela década, continha a
perspectiva do SULACAP, sem crédito ao autor do projeto (ABREU FILHO,
2006). Tratando-se de um documento que discutia o Plano Diretor de Arnaldo
Gladosch, o qual apresentava a perspectiva do projeto, como não lhe atribuir a
autoria?

Não é de se estranhar que com tantas fontes afirmando a autoria de Gladosch


para ambas as sedes que Canez sequer tenha duvidado da informação.
Entretanto, a reunião de alguns episódios, tais como, as notícias de viagens de
155
Capello para Porto Alegre nos anos 1936, 1940 e 1949; a existência do
“Departamento de Propriedades e Hypotecas” no ano de 1935; a informação
sobre a assinatura de Capello no projeto do Sul América (citado por CANEZ,
2006); a autoria dos projetos das sedes em outras capitais; além da notícia sobre
a inauguração do edifício SULACAP publicada no Jornal do Dia de Porto Alegre,
possibilitou a inferência sobre a participação direta de Roberto Capello nos
projetos, mas tal conclusão não impede o questionamento por parte de novas
pesquisas. Segue abaixo o trecho deste noticiário que aponta Capello como
coautor do projeto do SULACAP:

Nossa reportagem pôude apurar que viajaram no


‘Constallation’, além do vice-presidente do Sulacap, Sr.
Antônio S. de Larragoiti Junior e exma esposa, mais as
seguintes pessoas: [...] drs. Arnaldo Gladosch e Roberto
Capello, arquitetos do edifício Sulacap de Pôrto Alegre, e
muitos outros diretores, gerentes de sucursais [...].
(SERÃO...,1949, p.3, grifo meu).
Figura 40 – Perspectiva do Edifício do Figura 41: Edifício Sul
SULACAP/Porto Alegre. América/Porto Alegre.

Fonte: Revista Notícias do Sulacap, ano 6, maio


de 1942, número 69.
Fonte: Disponível em:
https://lista.mercadolivre.com.br-
acesso 16 mar. 2020.

No final da década de 1930, os jornais registraram viagens de Capello para Belo


Horizonte, provavelmente para dar início aos projetos das sedes nessa cidade:
156
Pela Panair viajaram: [...] de Bello Horizonte, Joseph Arcelus,
Roberto Capello [...].(OS QUE VIAJAM...1937, p.12)

Pelo avião ‘Electra’, da linha mineira da Panair do Brasil,


viajaram hontem os seguintes passageiros: do Rio de Janeiro
para Bello Horizonte: dr. Alcindo Vieira, Joaquim Tavares
Coelho Filho, Roberto Capello e Julian Angel Villareal
[...].(VIAJANTES, 1938, p.12)

Em Belo Horizonte, assim como em Recife e Salvador, as duas sedes foram


construídas (SULACAP/Sul América), entretanto, na capital mineira, ambas
foram erguidas em um único lote, formando um conjunto arquitetônico singular,
já bastante referenciado na literatura.
Figura 42 – Maquete do conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América de Belo
Horizonte.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello

Figura 43 – Roberto Capello na inauguração do Conjunto 157


Arquitetônico SULACAP/Sul América de Belo Horizonte em 1947

Fonte: Arquivo Histórico da UFJF – Extraído de Bernardo Vieira,


2006.
As viagens para Salvador, onde as duas sedes foram construídas, também foram
registradas nos noticiários:

- Pelo hidro-avião da linha internacional da Pan American


Airways, parte hoje, às 6 horas, do Aeroporto Santos Dumont:
[...] para a cidade de Salvador, Alceu Reveilleau, dr. Roberto
Capello e B. F. Weaver [...]. (VIAJANTES, 1939, p. 9)168

Figura 44 – Perspectiva do projeto do Figura 45 – Sul América de


edifício SULACAP de Salvador Salvador.

158

Fonte: Acervo pessoal de Roberto


Capello
Fonte: Rodrigo
Baeta/nov.2020

Além da existência de perspectivas dos projetos de Salvador no acervo pessoal


de Roberto Capello, a autoria foi confirmada pela ampla bibliografia referente –
Andrade Junior (2019), Dossiê de Tombamento Municipal do SULACAP e
Revistas Sul América.

168
Outras notas mostram que Capello visitou Salvador em 1944 (Jornal A Manhã, Rio de Janeiro, 23
de julho de 1944, p. 6, edição 00906) e 1948 (Diário de Notícias, 23 de outubro de 1948, p. 3, segunda
seção, edição)
Vários foram os registros de viagem para a capital pernambucana, onde também
as duas sedes foram construídas, em lotes diferentes, localizados no entorno da
mesma praça, a Praça da Independência.

Procedente do Norte, chegou hontem, às 15 horas, ao


aeroporto da Ponta do Calabouço, um hydroavião
‘Commodore’ da Panair, trazendo os seguintes passageiros
para esta capital: [...] de Recife, Dr. Roberto Capello [...].
(VIAJANTES, 1936, p. 9)169

Figura 46 – Perspectiva do projeto do


edifício Sul América de Recife. Figura 47 – Perspectiva do projeto do
edifício SULACAP de Recife.

159

Fonte: Acervo pessoal de Roberto


Capello

Fonte: Revista Notícias de Sulacap –


edição nov. 1940

A análise das datas de elaboração dos projetos, registradas tanto em jornais


como no periódico da empresa e em bibliografia referenciada, concluiu que o
arquiteto desenvolveu concomitantemente dois ou mais projetos, como o das
sedes Sul América de Curitiba e de Recife, ambos projetados ao longo de 1935
e 1936. Já nos anos de 1937, 1938 e 1939, há registros da elaboração do projeto
da sede Sul América de Porto Alegre e, provavelmente, das sedes de Santos e

169
Há registros de viagens para Recife nos anos de 1935, 1936, 1937.
Juiz de Fora. Os demais projetos foram todos elaborados na década de 1940,
com maior espaçamento de tempo do que verificado na década de 1930.
Figura 48 –SULACAP de
O projeto da sede SULACAP de
Santos/SP - cidade em que a empresa já
atuava desde o início da década de 1930
- foi elaborado entre 1937 e 1939, uma
vez que a Revista Sul América/nº 68, de
1936, informou que nesse ano a empresa
ainda não tinha sede própria e em 1939 a
perspectiva do projeto do edifício foi
publicada na edição de 26 de janeiro do
Jornal A Tribuna, conforme será visto na
análise do edifício. Quanto à confirmação
da autoria, a análise dos projetos originais
permitiu a verificação da assinatura de
Fonte: Macuco News. Disponível em: < Roberto Capello nas pranchas.
160 http://docplayer.com.br/25609672-De-
bonde-um-passeio-no-tempo.html>
Acesso em 10 fev. 2020/modificada pela Figura 49: Perspectiva do projeto do
autora SULACAP de Juiz de Fora
Assim como em Santos, a empresa
também já atuava na cidade de Juiz
de Fora desde a década de 1930,
conforme informou a Revista Sul
América nº 68, de 1936. Já a
perspectiva do projeto foi publicada na
edição de 12 de setembro de 1938 do
jornal Diário Mercantil, em anúncio
sobre o lançamento da pedra
fundamental da construção do edifício
SULACAP na cidade. A despeito da
Fonte: Jornal Diário Mercantil, de 12 de
ausência do projeto arquitetônico setembro de 1938 – Arquivo DIPAC/Prefeitura
Municipal de Juiz de Fora.
original nos arquivos da Prefeitura
Municipal, o nome de Capello apareceu como autor do projeto tanto do Dossiê
de Tombamento municipal do edifício, quanto, conforme mencionado, na
dissertação de mestrado de Carina Cardoso (2015).

O projeto arquitetônico do edifício Sul América de Fortaleza encontrava-se em


execução no ano de 1946, conforme publicação na Revista Sul América n°
104/105, de junho no mesmo ano. Já a obra foi concluída apenas na década
seguinte, conforme notícia publicada em janeiro de 1953, no jornal cearense O
Povo (BORGES, 2006). A despeito de sua representatividade no espaço urbano
da área central de Fortaleza, o edifício é pouco referenciado na literatura, e
quando é citado não há qualquer informação sobre a autoria do projeto, tampouco
uma suposição de autoria. Por exemplo, Maria Santana Borges, em sua

Figura 50: Sul América de Fortaleza/década de dissertação de mestrado


1950.
defendida em 2006, analisou
alguns edifícios construídos a
partir da década de 1930 na área
central de Fortaleza, dentre eles
o Sul América. O edifício é 161
estudado por Borges em seus
aspectos históricos, formais e
funcionais, assim como são
apresentadas as plantas dos
pavimentos, mas a autora
sequer levanta uma hipótese de
autoria do projeto. De forma a
verificar se o projeto deste
edifício foi também executado
por Capello, consultei os
arquivos da Prefeitura Municipal
de Fortaleza, mas nenhum
Fonte: Arquivo Nirez, extraído de Borges (2006) registro sobre o projeto foi
encontrado.170 Também não

170
Segundo a correspondência oficial enviada pela coordenadoria de Licenciamento (COL/SEUMA) em resposta ao
pedido de consulta aos arquivos do projeto arquitetônico – ver anexo inserido na análise do edifício.
foram encontrados registros de viagens de Capello para Fortaleza no período de
1930 a 1950, fato que contribuiu para aumentar a dúvida sobre a autoria do
projeto. Entretanto, se na década de 1940 Roberto Capello ainda atuava na
empresa elaborando os projetos para as sedes de Porto Alegre e Salvador, além
da informação de que no ano de 1946 o projeto de Fortaleza estava em
andamento, não há, até o momento, motivo claro que impeça de atribuir-lhe a
autoria do projeto dessa sede, até que novas pesquisas venham indicar o
contrário.

A mesma dúvida foi levantada com relação às sedes de Florianópolis e Manaus.


A reportagem na Revista Sul América n° 104/105, de junho de 1946, que indicou
o andamento do projeto arquitetônico da sede de Fortaleza, também noticiou a
execução dos projetos da sede de Florianópolis e a aquisição de um terreno nas
proximidades da Praça 15 de Novembro, em Manaus, para a construção da sede
do estado do Amazonas, conforme passagem abaixo:

162 Estão sendo concluidos os planos dos edifícios para as


Sucursais do Ceará e Santa Catarina, em Fortaleza e
Florianópolis, cujas obras pretendemos iniciar no corrente
ano.

[...]

Foi ainda adquirido o prédio da Avenida Sete de Setembro,


esquina da Praça 15 de Novembro, em Manáus, destinado à
Sucursal do Amazonas. (Revista Sul América, n° 104/105, de
junho de 1946, p.27)

A elaboração do projeto de Florianópolis foi precedida da compra, no ano de


1943, de dois edifícios contíguos na área central da capital catarinense,
especificamente na Avenida 15 de Novembro, entre as ruas Visconde de Ouro
Preto e Padre Miguelino, segundo a notícia na Revista Sul América n°96/97, de
1944. Já no ano de 1952, o periódico da empresa171 noticiou o andamento da
obra da sede de Florianópolis, como também das obras de Fortaleza, Belém e
Manaus, e a sede no Peru, em Chiclayo.

171 Revista Sul América/nº 131, Ano 34, p. 26/ jan. a mar. 1953.
Com esses dados em mãos partiu-se para a confirmação da existência do edifício
no espaço urbano atual de Florianópolis. A pesquisa foi iniciada pela localização
do terreno indicada na Revista, mas nenhum edifício no referido endereço ou nem
mesmo nas proximidades possuía características formais similares às demais
sedes da empresa. Em seguida, realizou-se a busca em relação a alguma
referência à sede da empresa na capital, primeiramente em trabalhos
acadêmicos e, posteriormente, na Hemeroteca Digital Catarinense,172 que
resultou no levantamento de em um artigo,173 uma tese174 e um livro175, os quais,
Figura 51: Praça XV de Novembro em no entanto, não indicavam
Florianópolis com destaque para a sede Sul
América em destaque. qualquer localização ou imagem
do edifício. A dúvida foi relatada,
via e-mail, ao professor
Reinaldo Lindolfo Lohn,
integrante do Departamento de
História da Universidade do
Estado de Santa Catarina e
autor do artigo “Limites da 163

utopia: cidade e modernização


no Brasil desenvolvimentista
(Florianópolis, década de
1950)”, que confirmou a
existência do edifício na Rua
dos Ilhéus com Praça XV de
novembro, e enviou,
Fonte: Desconhecida. Encaminhada via e-mail
por Reinaldo Lindolfo Lohn

172
http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br/oestadofpolis/estadof1955.html.
173
Artigo intitulado “Limites da utopia: cidade e modernização no Brasil desenvolvimentista
(Florianópolis, década de 1950)”, de Reinaldo Lindolfo Lohn, publicado na Revista Brasileira de
História, vol.27 no.53 São Paulo Jan./June 2007, disponível em:
<https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-01882007000100013>
174
Tese intitulada “Aparência e Poder: Novas Sociabilidades Urbanas, em Florianópolis, de 1950 a
1970”, defendida por Mara Rúbia Sant´anna na Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 2005,
disponível em:
<https://lume.ufrgs.br/bitstream/handle/10183/4593/000502539.pdf?sequence=1&isAllowed=y>
175
Livro intitulado “UFSC 50 anos: trajetórias e desafios”, organizado por Roselane Neckel e Alita
Diana Corrêa Küchler, publicado em 2010 pela Universidade Federal de Santa Catarina.
gentilmente, fotografias antiga e recente da edificação.

Figura 52 – Sul América de Florianópolis.

Figura 53 – Sul América de


Florianópolis/década de 1960.

Fonte – Fonte: Desconhecida. Encaminhada via e-


https://ndonline.com.br/joinville/coluna/marcos
164 -cardoso/predio-do-antigo-besc-poderia-
mail por Reinaldo Lindolfo Lohn/modificada.
sediar-o-centro-cultural-banco-do-brasil-de-
florianopolisHorizonte. Acesso em jul. 2018

Segundo informações de Reinado Lohn, o edifício foi inaugurado no final de 1955,


mas não há referências sobre a autoria do projeto. Já na década de 1960, sediou
a agência do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), situação que perdurou
até no ano de 2004, quando a agência foi incorporada pelo Banco do Brasil.

Pela análise das imagens, nota-se que o edifício, ao contrário das demais sedes,
é uma obra tímida no contexto urbano, com baixa altimetria, mas ao mesmo
tempo percebe-se os mesmos recursos formais adotados nas demais sedes.
Considerando que na década de 1950, quando o edifício foi construído, a
empresa já estava caminhando com o processo de redução dos seus
investimentos no setor imobiliário, pode-se levantar a hipótese de uma possível
alteração no projeto arquitetônico. Conforme mencionado, o edifício é pouco
referenciado na literatura, e, apesar das tentativas realizadas, o projeto
arquitetônico original não foi encontrado, tampouco qualquer desenho atualizado
do edifício.

A mesma busca - no sentido de comprovar a existência dos edifícios e a autoria


de Roberto Capello - foi realizada em Manaus e Belém, já que a aquisição de
terrenos e a construção das sedes nessas cidades também foram noticiadas na
Revista. Para a sede de Manaus, a empresa adquiriu, em 1945, um edifício
localizado na Av. Sete de Setembro, esquina com Praça 15 de Novembro.176 Já
a de Belém, a mesma seria construída em terreno localizado na Rua 15 de
Novembro esquina com Travessa Frutuoso Guimarães. No ano de 1953, a
Revista informou que ambas as sedes estavam em vias de conclusão177, porém,
nenhum dos projetos foi estampado nos noticiários, como aconteceu com as
demais sedes. Fato é que no ano de 1954 a Revista informou que ambas as
sedes haviam sido concluídas. 178

Os edifícios de Manaus e Belém foram identificados por meio do Google Street


View, a partir dos endereços informados nas Revistas Sul América, e pela
165
semelhança, em alguns aspectos, com os demais edifícios. Não foi encontrada
qualquer informação que confirme essa suposição, principalmente se foram
projetados por Roberto Capello, portanto, estes dois edifícios, até o momento,
não compõem os objetos desta pesquisa. Da mesma forma, não há informações
suficientes para a análise da sede de Florianópolis. Há de se acrescentar que a
descoberta de tais sedes foi tardia, e o tempo foi insuficiente para a realização de
visitas aos locais, onde as pesquisas poderiam ser aprofundadas, como foi
realizado com todas os demais edifícios os quais, comprovadamente, tem autoria
de Roberto Capello. A partir da análise das imagens das sedes de Belém e de
Manaus levantou-se a hipótese de que para a construção dos dois edifícios
utilizou-se o mesmo projeto, com as devidas alterações da quantidade de vãos
em função das dimensões diferenciadas do terreno, conforme pode ser visto a
seguir:

176
Revista Sul América/nº 104/105, Ano 35, jan/jun. 1946.
177 Revista Sul América/nº 135, Ano 35, p. ?/ jan. a mar. 1954.
178 Revista Sul América/nº 135, Ano 35, p. contracapa/ jan. a mar. 1954.
Figura 54 – Possível sede da empresa em Figura 55 – Possível sede da empresa em
Manaus (SULACAP?). Belém (SULACAP?).

Fonte: Google Street View/acesso em nov.


Fonte: Google Street View/acesso em nov.
166 2019.
2019.
A partir da década de 1940, os registros de viagens do arquiteto foram se
tornando menos frequentes179 até que, de 1950 em diante, não há mais
informações nos periódicos sobre seus deslocamentos pelo país, tampouco
registros de novas construções nas revistas da empresa. Como já informado, a
partir dessa década, a empresa interrompeu seus investimentos imobiliários em
decorrência da crise econômica do país, que iria, num futuro bem próximo,
resultar na liquidação da maioria dos seus edifícios construídos entre 1930 e
1950.

A despeito desta pesquisa basear-se nos estudos das sedes SULACAP e Sul
América, vale mencionar que o arquiteto também produziu outros projetos para a
empresa que, conforme visto, direcionou seus investimentos para o mercado
imobiliário. Tanto o acervo do arquiteto quanto o da empresa possibilitou o
levantamento de alguns desses projetos, conforme relatado a seguir.

179
Os únicos registros de viagens publicados e encontrados nos jornais foram para Porto Alegre (1940) e para
Salvador (1944, 1946 e 1949).
Um deles, identificados no acervo pessoal, refere-se ao Edifício Zamudio,
localizado na Av. Rui Barbosa, 394, Flamengo, Rio de Janeiro. Em visita ao local,
constatou-se que o edifício construído é o mesmo representado no projeto:

Figura 56: Edifício Zamudio/RJ. Planta pavimento tipo e


perspectiva.

167

Fonte: Acervo pessoal de Roberto


Capello/modificada pela autora.
Nota-se como a solução plástica empregada pelo arquiteto para este edifício
residencial difere-se parcialmente das adotadas para as sedes das empresas,
nas quais a monumentalidade, robustez, solidez são os aspectos mais
destacados e que, de certa forma, simbolizavam a estabilidade de uma empresa
do ramo de seguros. Entretanto, é possível perceber a mesma solução tripartida
adotada em todas as sedes da empresa e o mesmo recurso plástico empregado
no edifício Sul América de Porto Alegre, como o movimento da fachada frontal
resultante da saliência da superfície central.

O edifício Zamudio foi ilustrado no Guia da Arquitetura Moderna do Rio de Janeiro


(2000), organizado por Jorge Czajkowski, em cuja ficha técnica estão registrados
o ano de construção - 1954 - o nome de Roberto Capello como autor de projeto
e o da Sul América como proprietária. Segundo a descrição conferida ao edifício:

O mais luxuoso edifício do período abordado por este guia


caracteriza-se pela sobriedade de sua arquitetura e pelo
excelente acabamento de construção. A disposição em planta
dos apartamentos, no que pese a grande frente de rua do
terreno, pouco varia em relação aos outros edifícios do
168 mesmo gênero aqui apresentados. (CZAJKOWSKI, 2000,
p.58)

No acervo consta, ainda, a perspectiva de um edifício, de tipologia provavelmente


residencial, acompanhada da fotografia da obra construída, mas sem a
assinatura do arquiteto, tampouco a indicação da localização:
Figuras 57 e 58: Edifício vertical/não identificado.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello.


Há ainda a perspectiva do projeto do edifício Itamaracá, localizado na Rua
Senador Vergueiro, nº 219, no Rio de Janeiro, essa já com a identificação de
Capello como autor do projeto e o registro de incorporação em nome da Sul
América. O projeto refere-se ao mesmo edifício existente na atualidade, no
endereço estampado no projeto. Aqui nota-se uma proposta formal totalmente
diversa das soluções adotadas nas sedes e uma aproximação dos ideais
corbusianos. Não foi possível identificar a data do projeto, tampouco a data da
construção, mas sabe-se que, na atualidade, o edifício tem uso residencial, com
apartamentos entre 70 e 90 metros quadrados.

Figura 59: Perspectiva do edifício Itamaracá, Figura 60: Edifício Itamaracá, Rua
Rua Senador Vergueiro, Rio de Janeiro. Senador Vergueiro, 219, Rio de
Janeiro/2019

169

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello. Fonte: Karine de Arimateia, 2019.


O projeto arquitetônico da sede da SATMA (Sul América Terrestre Marítima) no
Rio de Janeiro também foi elaborado por Roberto Capello. O evento de
inauguração da obra se deu em dezembro de 1949180 e, conforme já mencionado,
foi acompanhado de uma exposição sobre arte moderna, noticiada nos principais
jornais carioca.

Figura 61: Notícia da inauguração da sede SATMA no Rio de


Janeiro/ registro de autoria de Roberto Capello.

170

Fonte: O Jornal, edição n° 08927 de 5 jun. de 1949, p.2.

180 Boletim SATMA/nº24, Ano IX, p.?/dez. 1949.


No acervo de Roberto Capello consta Figura 62: Perspectiva da sede
SATMA / não identificada.
apenas uma perspectiva identificando o
projeto da sede SATMA, mas que não
corresponde ao edifício construído no Rio
de Janeiro. A ausência de anotações do
projeto não permitiu verificar a sua
localização, tampouco autoria.

A presença de desenhos no acervo do autor


não necessariamente comprova a sua
autoria, porque no conjunto de peças
gráficas identificadas também constavam
perspectivas tanto da “sede transformada”
do Rio de Janeiro, primeira reforma
executada por Robert Prentice e Joseph
Gire, quanto da “sede ampliada”, resultado Fonte: Acervo pessoal de Roberto
Capello.
também de projeto assinado por Prentice, 171
desenhos, talvez, utilizados por Capello,
como referência para os projetos das futuras
sedes.
Figura 63: Perspectiva da “sede ampliada” da Sul América no Rio de
Janeiro.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello.


Figura 64: Perspectiva da “sede
transformada” da Sul América no Rio
de Janeiro.
Vale ressaltar, neste ponto, que a despeito de
Capello ter assinado a sede da SATMA no
Rio de Janeiro, empresa que, como a
SULACAP, também constituía uma
ramificação da Sul América, tal edifício não
será aqui analisado uma vez que se trata de
uma sede única, que não se repetiu nas
demais capitais brasileiras, conforme se
verificou nas pesquisas até então realizadas.

172 Fonte: Acervo pessoal de Roberto


Capello.
CAPÍTULO 03
As sedes
173
Figura 65 – Corpo (parcial do Edifício SULACAP de Juiz de Fora/terceiro projeto de
174 Capello para a seguradora. Foto: Karine de Arimateia, Dez. 2017.
[...] pois o edifício criado pelo homem, assim como tudo o que
é criado por ele, prevalece no conjunto do ambiente com a
linguagem do autor, mas como a expressão de todo o
conhecimento artístico da época em que ele foi feito. E esse
projeto quando se cristaliza no edifício, fala para os séculos,
ele não pode jamais parar de falar. Separa-se como um livro
de seu autor, vira-se de costas para o próprio autor, passa a
ter vida própria.

Vilanova Artigas, 1961.181

[...] porque compreender a obra de arquitetura não se trata de


apanhar um edifício e dizer como ele funciona, mas sim juntar
uma meia dúzia deles e sentir o que um grupo de edifícios
dessa ordem, na paisagem, com sua linguagem, diz sore a
situação da cultura naquela condição.

Vilanova Artigas, 1961.182

Conforme a proposta metodológica adotada para esta pesquisa, a partir deste


ponto serão estudadas as entidades (ou instituições) que orientaram o sistema
de diferenciação dos objetos, ou seja, as sedes da empresa Sul América,
construídas entre 1930 e 1950 nas principais cidades brasileiras. Segundo
Waisman (1995), a leitura desses objetos e de suas relações entre as entidades
175
que os delinearam pode constituir um método eficiente para revelar o conteúdo
ideológico do saber profissional de um dado período estabelecido, além de
contribuir para a apreensão do cenário constituinte do campo de pesquisa. É o
que se pretende nesta tese.

No entanto, no entendimento de Waisman, para se “alcançar uma análise em


profundidade” ou para “atingir o próprio significado do objeto” (2013, p.115) não
são suficientes apenas o estudo das tipologias funcionais e formais. Deve-se,
para tanto, trabalhar com o máximo de elementos que conformam os objetos, tais
como, a tipologia de relação entre obra e entorno, os modos de utilização das
técnicas, e outros, como recursos para transcender o conceito superficial e rígido
do objeto por si só.

Expostas, portanto, as entidades de diferenciação, a etapa seguinte será o estudo


desses objetos propriamente ditos. Desse modo, a partir de agora, serão

181
Vilanova Artigas, 1961, p. 202.
182
Vilanova Artigas, 1961, p. 212.
analisados os edifícios segundo seus aspectos históricos, de relação com o
entorno, além dos aspectos formais e funcionais. Antes de cada análise será
exposta a ficha técnica das obras, de forma a resumir os dados do objeto
trabalhado.

O estudo histórico tem como objetivo sistematizar as informações relativas à


edificação, obtidas por meio de pesquisas arquivísticas e bibliográficas, de forma
a entendê-la e situá-la no tempo, identificando sua origem e o seu percurso ao
longo de sua existência. Esse estudo embasará o entendimento do objeto isolado
e em seu contexto urbano, bem como a formulação das posteriores análises.
Essa etapa será acompanhada de prospecções arquitetônicas e urbanísticas, as
quais objetivam fornecer informações complementares à pesquisa histórica e ao
levantamento cadastral, identificando as alterações da edificação ao longo de sua
existência, bem como as alterações no seu entorno imediato, de forma a embasar
a análise da relação do edifício com o seu entorno. O resultado da prospecção
decorre de análises comparativas entre os projetos originais da edificação,
registros fotográficos antigos e o seu aspecto atual, bem como das análises de
176
alterações da morfologia urbana imediata.

O estudo da relação do edifício com o seu entorno tem como finalidade avaliar
até que ponto as propostas projetuais do arquiteto levou em conta o espaço
imediato à construção ou como o meio ambiente influenciou na concepção dos
projetos arquitetônicos das sedes. Segundo Amora, este tipo de investigação é
fundamental para o conhecimento do edifício, “tendo-se em conta a incompletude
do estudo da arquitetura divorciada de seu ambiente e o seu entendimento como
iniciativa que visa a resolução de necessidades humanas” (AMORA, 2006, p.?)

Sobre a análise formal, antes de expressar o procedimento de estudo, vale


apresentar algumas considerações sobre o tema, de forma a elucidar o seu uso
para o entendimento dos edifícios.

Para Marina Waisman, o tema relativo à forma é polêmico e enfrenta posições


contraditórias, a ponto de uns negarem sua existência e outros considerarem o
elemento essencial da arquitetura (1985). Mas para a autora, “a forma é o
elemento da arquitetura mais obviamente expressivo da ideologia por isso se
torna o objeto obrigatório de especulações e manipulações ideológicas.”
(WAISMAN, 1985, p. 81, tradução minha).183 A forma é o aspecto linguístico
utilizado pelo arquiteto na sua concepção do objeto, o qual, muitas vezes, serviu
como pauta, para alguns autores, para a periodização da história da arquitetura,
visto que ao se pensar em um período histórico há uma apreensão direta de
alguns edifícios que reúnem aspectos formais similares. Assim o fez Pevsner, ao
estudar a arquitetura vitoriana do século 19, que segundo Waisman, foi uma
“tentativa evidentemente arriscada, ao tratar-se de uma arquitetura na qual se
combinava as mais diferentes formas estilísticas. ” (WAISMAN, 2013, p.110). A
forma como instrumento de análise também foi utilizada Heirnich Wölfflin, não
para a periodização da história da arquitetura, mas como objeto de estudo, como
forma de compreender os conceitos gerais da história da arte, especificamente
em relação aos períodos renascentistas e barrocos, apoiando-se na teoria da
pura visibilidade, dando prioridade à evolução interna dos estilos. (WAISMAN,
2013). Waisman destacou que se a análise baseada em formas pode ser pauta
(e muitas vezes é pauta preferencial) para a periodização histórica ou como 177

objeto de estudo, não significa que seja a única, sendo necessárias análises de
outros elementos que se articulam para entender a história da arquitetura. Em
outro estudo elaborado sobre a história da arquitetura argentina,184 Waisman
descartou a periodização baseada em análises formais ou tipologias estilísticas
por motivos diversos, tal como, por não serem criações próprias da cultura
estudada, portanto, dispensáveis para a compreensão da arquitetura. Desse
modo, a autora definiu tomar as tipologias funcionais como objeto historiográfico
e para definir a periodização empregou pautas fornecidas pelas “transformações
no processo de produção da arquitetura, na distribuição da população, nas
relações de dependência econômica e cultural, etc.” Entretanto, em seu – já
mencionado - livro “La Estructura Histórica del Entorno” utilizou as tipologias

183
“ la forma es el elemento da la arquitectura más obviamente expressivo de la ideologia, por lo que
se convierte em el objeto obligado de especulaciones y manipulaciones ideológicas” (WAISMAN,
1985, p. 81).
184
Publicado na revista Summa com o título Summa/História, entre 1974 e 1977, o qual resultou no
livro “Documentos para una Historia de la Arquitectura Argentina.“(1978, 1ª edição).
como instrumento para a análise historiográfica e não apenas a tipologia formal
e funcional, como também outros elementos de análises já evidenciados neste
texto.

O que a autora pretende explicar é que, para cada estudo, a definição dos
instrumentos de análise irá variar conforme o objetivo a ser desvelado. Como já
explicitado, o objetivo da análise formal como um dos instrumentos de análise
dos edifícios aqui estudados é compreender os elementos arquitetônicos
utilizados pelo arquiteto na composição de sua forma, os quais podem revelar a
expressividade do projeto arquitetônico. Mas a forma não é a única no processo
compositivo do objeto, entretanto é uma etapa crítica (ARGAN, 2000), no
processo de composição, o qual que se constitui a partir de relações entre forma,
ideologia, função, estrutura (sustentação), história. Deve-se, portanto, ser
analisada conjuntamente aos demais processos para o entendimento do fazer
arquitetônico, o qual não é um processo isolado, conforme indica Rafael Moneo:
178
A obra de arquitetura não pode ser considerada como um
feito único e isolado, singular e irrepetível, uma vez que
sabemos quanto ela está condicionada pelo mundo que a
rodeia e por sua história. Sua vida se propaga e se faz
presente em outras obras em virtude da específica condição
da arquitetura, ao implicar essa uma corrente de feitos
solidários, aos quais descreve uma mesma estrutura formal.
(MONEO, 1978, p. 209, tradução minha) 185

Por fim, a análise funcional dos edifícios servirá também para entender as
soluções projetuais do arquiteto, que permitem indicar os usos sociais do período
em que foram construídos, caracterizado, no que tange aos edifícios em análise,
por uma expressiva transformação da sociedade brasileira. Será um caminho
para demonstrar como o profissional assimilou esta mudança. Essa análise
também estará associada com as transformações urbanas verificadas na relação
do edifício com o entorno, ou no contexto urbano da cidade em que foi construído.

185
“ la obra de arquitectura no puede ser considerada como un hecho único y aislado, singular e
irrepetible, una vez que sabemos cuanto está condicionada por el mundo que le rodea y por su
historia. Su vida se propaga y se hace presente en otras obras en virtud de la específica condición de
la arquitectura, al implicar ésta una cadena de hechos solidarios a los cuales describe una misma
estructura formal. (MONEO, 1978, p. 209)
Seriam incompletos esses estudos sem o entendimento do projeto arquitetônico
de cada edifício, ou seja, sem a leitura das peças gráficas que resultaram no
objeto arquitetônico construído. Essas peças, apresentadas no último item da
análise de cada sede, foram redesenhadas a partir do projeto original, quando
disponível, ou do projeto ilustrado em outras publicações. Ressalta-se que para
todos os edifícios foi realizada a tentativa de levantamento do projeto original nos
arquivos dos órgãos municipais de aprovação de cada cidade, tentativa que nem
sempre resultou em êxito, o que será relatado oportunamente. Por exemplo, em
Salvador, onde foram construídas as duas sedes, foi possível levantar apenas o
projeto arquitetônico do SULACAP, disponibilizado no Dossiê de Tombamento
isolado do imóvel, ainda assim o documento não apresentava o projeto original,
visto que o mesmo se encontrava arquivado e em péssimas condições de
conservação, o que impedia o seu manuseio. Em relação ao edifício Sul América
dessa mesma cidade, o órgão municipal responsável informou a ausência do seu
projeto, indicando a possiblidade de sua existência em outras instituições, as
quais não responderam aos contatos realizados.
179
Em relação à ordem de apresentação das análises, tentou-se, primeiramente,
expor a sequência cronológica de elaboração dos projetos em detrimento da
inauguração das construções, com o objetivo de levantar as possíveis mudanças
do processo de projeto do arquiteto em um período de vinte anos. Entretanto,
como em algumas cidades foram construídas as duas sedes, tais como Salvador,
Porto Alegre e Recife, e não necessariamente essas duas edificações foram
projetadas ao mesmo tempo, considerou-se mais viável apresentar as análises
por cidade, porém sempre priorizando a ordem cronológica da elaboração dos
projetos. Nem sempre foi possível identificar o ano de projetação, ao contrário do
ano de inauguração, quase sempre disponibilizado tanto nas Revistas Sul
América quanto nos jornais locais.

Segue, abaixo, a ilustração dos edifícios analisados:


Figura 66: Relação dos edifícios estudados/linha do tempo.

180

Fonte: Acervo da autora.


181

3.1. CURITIBA/PR - SUL AMÉRICA


182
Figura 67: Edifício Sul América/Curitiba/PR.

Ficha técnica

Nome original: Edifício Sul América.


Nome atual: Edifício Sul América.
Endereço: Rua XV de Novembro, nº 606, Centro, Curitiba,
Paraná.
Ano do projeto: 1935.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 1936 (Revista
Sul América/nº 65, Ano 17, 1936).
Construtora: Companhia Construtora Nacional –
engenheiro responsável Odilon Mader.
Uso atual: Arquivo da 9ª Região Fiscal da Receita Federal
do Brasil.
Propriedade: Pública: Governo Federal/ Superintendência
da Receita Federal do Brasil na 9ª Região Fiscal.
Proteção/nível: Inserido na Paisagem Urbana da Rua XV
de Novembro, protegida estadualmente pelo processo nº
45/74, inscrito no Livro de Tombo 05-I, em 11 de março de
1974.
Fonte: Revista SulAmérica/nº 68, Ano 17, p.
30/out. 1936.

183
ANÁLISE HISTÓRICA186

Primeiro projeto de Roberto Capello para a empresa, a sede da Sul América em


Curitiba está localizada na Rua XV de Novembro, antiga Rua das Flores, na área
que remonta à ocupação inicial da cidade. Alargada e pavimentada na década de
1920 em função das reformas urbanísticas do período, a Rua XV de Novembro e
entorno integraram, duas décadas depois, a área de urbanização projetada por
Alfred Agache. A incompletude da execução do projeto de Agache fez com que,
na década de 1960, um novo plano de revitalização da área central fosse
implementado, destinando a Rua XV de Novembro exclusiva aos pedestres, o
que foi executado na década seguinte durante a gestão do prefeito Jaime Lerner,
configurando, portanto, a primeira promenade do Brasil. No ano de 1974, de
forma a reforçar o valor cultural da antiga Rua das Flores, o Conselho Estadual
do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná (CEPHA) criou a Paisagem Urbana
184
da Rua XV de Novembro, referente ao trecho compreendido entre a Praça Osório
até a Praça Santos Andrade, e a protegeu por meio do processo nº 45/74.
Percebe-se, portanto, que a localização da sede de Curitiba foi estratégica, assim
como aconteceria com as futuras sedes da empresa em outros estados, cujo
critério de definição dos terrenos, a princípio, baseava-se nas áreas de ocupação
inicial das capitais.

O alvará de construção do edifício foi registrado no dia 21 de fevereiro de 1935,


com 2.527m² de área total e 361m² por pavimento.187 Diante da confirmação da
data do alvará e dos registros de viagem de Capello pelo sul do país – já
mencionados –, percebe-se que o arquiteto visitou a obra logo após o início de
sua construção (junho de 1935) e no fim da obra (janeiro e março de 1936). O
evento de inauguração, em maio de 1936, foi noticiado com destaque no jornal

186
Os dados coletados para esta análise foram obtidos na ocasião da pesquisa in loco, quando se
verificou que a responsabilidade do edifício estava a cargo da Receita Federal, cujo departamento de
obras disponibilizou dados referentes ao alvará e plantas da edificação.
187
Dados fornecidos pela Seção de Obras e Serviços de Engenharia/Divisão de Programação e
Logística da Superintendência da Receita Federal do Brasil na 9ª Região Fiscal
local O Dia, incluindo a entrevista com Capello, cuja transcrição parcial é oportuna
pela menção sobre o uso dos materiais e, sobretudo, pelo modo de projetação:

Por princípio e mesmo em harmonia com as tradições da


Companhia, em qualquer parte onde erguemos uma
construção, como aqui, são meticulosamente estudados os
recursos regionais que permitissem na obra o maximo
aproveitamento das reservas naturaes do Estado.
Infelizmente, no tocante por exemplo ao serviço de
marmoraria, tivemos que sacrificar a nossa intenção. De
facto, não se ignora que no Brasil existem talvez as jazidas
do marmore mais formoso do mundo, assim outras riquezas
incomparaveis, como no Paraná o marmore de Castro.
Todavia, a applicação desse material praticamente ainda não
está na altura de satisfazer as necessidades de uma
construcção de vulto, por isso que os processos de
industrialização não offerecem a facilidade requerida, isto é,
o marmore está lá na serra e para aproveita-lo não constamos
ainda com meios que nos façam chegar até aqui como
desejamos [...]. A pedra da fachada, denominada Travestino
(SIC) Romano é conhecida pelos architectos como recurso de
embellezamento original pelo contraste que oferece: na sua
caprichosa irregularidade ve-se ainda vivo o trabalho da
propria natureza [...]. Na fachada onde procuramos obedecer
o estylo da época, foi empregado areia natural de Caxambu,
Estado de Minas, pela razão de termos concluido que a areia 185
desta zona contem certos saes que dão em resultado
manchas que compromentem a côr como foi observado pela
própria Cia. Constructora Nacional [...]. Se por um lado, no
tocante a marmoraia, a fachada e a areia não conseguimos
aproveitar o recurso local, isso não impediu que deixassemos
de empregar material paranaense. E, foi na madeira que
encontramos os meios mais surprehendentes para
corporificar nossos objectivos. (O IMPONENTE..., 1936, p.8).

Nesta mesma entrevista, Capello deixou registrado que em função da boa


qualidade da madeira local utilizada nas esquadrias e mobiliários do edifício
passaria a especificá-la nas construções das demais sedes da empresa.

A edificação foi vendida para o governo federal provavelmente na década de


1960, período em que a empresa começou a se desfazer do seu patrimônio
construído. Segundo dados disponibilizados pelos membros do setor de
engenharia da Superintendência da Receita Federal do Brasil/9ª Região Fiscal -
atual responsável pelo imóvel - a edificação sediou a estrutura da Justiça Federal
e, posteriormente, do Ministério Público Federal. Atualmente, o prédio está cedido
para a Delegacia da Receita Federal de Curitiba, que o utiliza como almoxarifado.
No final de 2019, a Delegacia contratou o projeto de arquitetura para a adaptação
do espaço de forma a abrigar o Serviço de Controle e Acompanhamento
Tributário (SECAT), o qual encontra-se em fase de projeto executivo.

Conforme informações extraídas dos arquivos digitais do Instituto de Pesquisa e


Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC), o lote onde está implantado o edifício,
com Indicação Fiscal nº 12043007 e Inscrição Imobiliária nº 0110470404, possui
área de 465m² e está localizado no Setor Especial de Pedestre da Zona Central.
O Croqui Foreiro, datado de 1891, indica que a propriedade do lote pertencia, na
ocasião, ao Sr. Augusto Loureiro, o qual, provavelmente, negociou a venda com
a empresa Sul América.

186
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

As análises realizadas por meio da comparação entre o projeto arquitetônico e o


estado atual da edificação verificado in loco concluíram que, em relação à
volumetria, ao partido arquitetônico e à composição formal das fachadas do
edifício, não ocorreram alterações significativas que descaracterizassem a
proposta inicial de Roberto Capello, conforme demonstram as imagens abaixo:

Figura 69: Projeto da sede da Sul Figura 68: Estado atual da sede da Sul
América de Curitiba. América de Curitiba.

187

Fonte: Acervo pessoal Roberto Capello. Fonte:


https://asvirtudesdobemmorar.wordpre
ss.com/casas-de-madeira/. Acesso
em: maio 2020

Já o estudo sobre as alterações da Rua XV de Novembro revelou que o entorno


imediato sofreu diversas modificações desde sua ocupação inicial, como será
relatado adiante. O que interessa aqui é desvelar as modificações do espaço
urbano após a construção da sede Sul América, ou seja, após 1936, para
embasar as análises das alterações de sua relação com o entorno.
Figura 70: Palácio Avenida construído em O incipiente comércio da Rua das
substituição a uma edificação colonial.
Flores, verificado já nos primórdios de
sua ocupação, intensificou-se ao longo
dos séculos ao ponto que, no período da
construção da sede da empresa, grande
parte das edificações vizinhas já
possuía uso misto. Por volta de 1920, já
se iniciava, pontualmente, o processo
de verticalização do entorno, com a
construção do Palácio Avenida (cinco
pavimentos) e o edifício Moreira Garcez
(oito pavimentos). O Sul América, de
seis pavimentos, quando construído,
não constituía, portanto, uma novidade
no quesito altura, tampouco na tipologia
Fonte: Vald Assunção. Disponível em:
https://br.pinterest.com/pin/522980575 de uso misto, entretanto o mesmo não
480948599/ Acesso em: maio 2020
188 se pode dizer em relação à sua
linguagem formal, conforme será mostrado adiante.

Figura 71: Edifício Moreira Garcez em 1935.

Fonte: Gazeta do Povo. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-


cidadania/colunistas/nostalgia/o-icone-curitibano-3zbcgc7l8jcl1l64l2sl8tsum/Acesso
em maio 2020
Em função da sua representatividade no espaço urbano de Curitiba, a Rua XV de
Novembro esteve sempre incluída nos planejamentos de revitalização da área
central da cidade, fato que alterou sua configuração por diversas vezes. Após a
construção da sede da empresa, o que se verificou foi a intensificação da
verticalização e a sua transformação em via exclusiva para pedestres, o que
ocorreu em 1972 pelas ações do então prefeito Jaime Lerner. A proibição do
tráfego de veículos foi acompanhada pela substituição do asfalto por calçamento
em pedras portuguesas e a introdução de novos mobiliários urbanos, alterando
consideravelmente a percepção do conjunto e intensificando o seu uso cultural.
A proteção da Paisagem Urbana da Rua XV de Novembro contribuiu, de certa
forma, para que as substituições da arquitetura antiga pela nova fossem evitadas,
no entanto, a área já estava praticamente verticalizada quando o tombamento foi
efetivado, restando poucos edifícios da época da ocupação, como pode ser visto
das imagens abaixo.

Figura 72: Praça Santos Andrade em 1935, com destaque para a Rua XV de
Novembro e para o quarteirão do terreno do Sul América. 189

Fonte: Curitiba Antiga. Disponível em: https://curitibaantiga.com/categoria/Curitiba-


vista-por-fotos-a%C3%A9reas.html/ Acesso em maio 2020
Figura 73: Praça Santos Andrade em 2020, com destaque para a Rua
XV de novembro e para o edifício Sul América.

Fonte: Google Earth Pro/ Acesso em maio 2020.

A Praça General Osório, um dos limites do trecho tombado, mantém preservados


190 o seu desenho radial proposto em seu projeto e parte do conjunto arquitetônico
de características ecléticas do século 19. Da mesma forma, está a Praça Santos
Andrade, na outra extremidade do trecho protegido, que se destaca pela
presença da sede da Universidade Federal do Paraná, de linguagem neoclássica
e pelo Teatro Guaíra, projeto do engenheiro Rubens Meister, construído da
década de 1970.

As imagens a seguir demonstram a alteração do entorno imediato após a década


de 1950, quando ocorreu a intensificação da verticalização. É possível notar que,
até essa década, a verticalização iniciava-se de forma isolada no entorno, com
uma pequena concentração na Rua XV de Novembro, em decorrência da sua
particularidade de uso. A partir daí, nota-se a verticalização acelerada,
modificando completamente a paisagem urbana imediata. O Sul América, que
mantinha uma relação harmoniosa com os edifícios vizinhos, praticamente
desaparece no contexto verticalizado.
Figura 74: Praça Santos Andrade na década de 1950, com destaque para o edifício Sul América.

Figura 75: Praça Santos Andrade na década de 1990. Alteração da


paisagem urbana. Destaque para a posição do Sul América.

191

Fonte: Página da Prefeitura de Curitiba no Facebook/. Acesso em: maio


2020.
RELAÇÃO DO EDIFÍCIO COM O ENTORNO

A obra de arquitetura [...] é inseparável de seu entorno, mais


do que fisicamente – os castelos comprovam –, a relação é
conceitual: pois a arquitetura se concebe obrigatoriamente a
partir de uma localização de um terreno concreto e este
terreno e suas circunstancias constituem elementos básicos
para a conformação do programa e para o desenvolvimento
posterior da obra.”

Marina Waisman, 1985. 189

Conforme mencionado, a sede da Sul América de Curitiba pertence ao conjunto


que forma a Paisagem Urbana da Rua XV de Novembro, protegida, em 11 de
março de 1974, pelo processo estadual nº 45/74, com inscrição no livro de tombo
de nº 05. O trecho tutelado, entre a Praça Osório até a Praça Santos Andrade, é
marcado por uma diversidade de serviços e comércios e por espaços e
edificações de extrema importância cultural, arquitetônica, paisagística e histórica
192
para Curitiba, fatores que justificaram o seu tombamento como paisagem
arquitetônica.

A ocupação inicial da área protegida iniciou-se quando Paraná ainda pertencia


ao Estado de São Paulo, ou seja, anteriormente a 1853, ano do
desmembramento. Nesse período, registrou-se uma intensificação da atividade
ligada à extração da erva mate, que promoveu, de certa forma, o crescimento da
ocupação daquele núcleo inicial, nas proximidades da Rua das Flores,
denominação resultante da presença de um paisagismo natural considerável no
entorno. Com a visita de Dom Pedro, o nome foi alterado para Rua da Imperatriz
e, em sequência, para Rua XV de Novembro, o que ocorreu após a proclamação
da República. Nesse período, os sobrados de uso misto já apareciam no espaço
urbano, sem afastamentos frontais e laterais, substituindo as casas térreas e
alterando, consequentemente, o uso do entorno.

189
Tradução minha. “La obra de arquitectura [...] es inseparable de su entorno, más aún que
físicamente – lo de los castillos lo prueba – conceptualmente: pues la arquitectura se concibe
obligadamente a partir de una ubicación en un sitio concreto, y este sitio y sus circunstancias
constituyen elementos básicos para la conformación del programa y para el desarollo posterior de la
obra”. (WAISMAN, 1985, p. 83).
Figura 76: Mapa de Curitiba em 1875, com destaque para a Rua das Flores, atual Rua XV de
Novembro.

193

Fonte: DUDEQUE (1995) /extraído de FABRO, 2012 (modificado pela autora).


O aumento da população verificado no final do século 19 e início do século 20,
decorrente, sobretudo, das levas de imigração, intensificou o dinamismo e o uso
da área central, principalmente no entorno da Rua XV de Novembro, considerada,
no período, o principal ponto de comércio e lazer dos curitibanos. Ali se
concentravam lojas comerciais, instituições públicas, clubes e, também, as
residências dos comerciantes locais, já que os imigrantes ocuparam inicialmente
as áreas cultiváveis no entorno desse núcleo (PILOTTO, 2010).

Na década de 1930, o uso recreativo da região tomou outras proporções com a


inauguração dos cinemas nas proximidades e a paisagem começou a se alterar
com a construção de alguns edifícios verticais de uso misto, como o Palácio
Avenida (cinco pavimentos) e o edifício Moreira Garcez (oito pavimentos), além
da sede da Sul América, com seis pavimentos.

O terreno retangular adquirido pela empresa - com testada menor para a rua - e
de área reduzida (465m²), proveniente de alguma demolição do casario antigo,
não permitia inovações na
194 Figura 77: Vista da fachada frontal do Sul
América e edifícios adjacentes. implantação, tendo em vista a
ausência de afastamentos das
edificações vizinhas com o lote,
restando pouco do terreno para
qualquer proposta mais ousada de
integração com o entorno imediato.
A despeito disso, nota-se a intenção
de alinhamento de altimetria com
uma das edificações preexistentes
– lateral direita. Analisando o
desenho de perspectiva elaborado
por Capello para a sede, percebe-
se que a edificação na divisa
esquerda possuía altimetria menor,
posteriormente demolida para dar
lugar a um edifício com
Fonte: Karine de Arimateia /abr. 2018.
aproximadamente o dobro da altura
do Sul América, o que alterou drasticamente a harmonia entre as fachadas nesse
trecho da via.

Alguns autores defendem que o espaço urbano de Curitiba não sofreu grandes
transformações urbanas na primeira metade do século 20 (PILOTTO, 2010) e,
em relação ao centro, o que se verificou até esse período foi a intensificação do
seu uso e a expansão de sua área na direção sul e sudoeste, principalmente a
partir da Rua XV de Novembro, com construções mais altas e implantadas de
forma espaçada. Se este é um consenso, pode-se atestar que a relação do
edifício com seu entorno se manteve por algumas décadas, porém o mesmo não
pode ser afirmado para o período após 1950, quando a área central verticalizou-
se vertiginosamente com a intensificação do mercado imobiliário, ramo de
negócios que foi responsável, nas principais cidades brasileiras, pela modificação
ou produção do ambiente urbano (FELDMAN, 2005).

Já na década de 1960, com a construção do Centro Cívico em uma área contígua


ao centro em sua direção norte, novas vias foram abertas e as sedes das
195
instituições públicas, que se concentravam na área central, sobretudo na Rua
Barão do Rio Branco, foram transferidas para essa nova zona, que tornou-se foco
de investimento imobiliário. Entretanto, tal fenômeno não impediu que a área
central continuasse a se verticalizar, conforme informa Angela Pilotto:

Se, de um lado, houve a mudança do centro administrativo


para uma nova localização, ampliando a área central em
direção norte e valorizando os imóveis próximos ao Centro
Cívico; de outro, o Centro se desenvolvia plenamente, com
uma série de edifícios sendo construídos. [...] nas décadas de
1930, 40 e 50 o número de liberações para construção
(equivalente ao alvará) no Centro cresceu muito, atingindo o
auge de incremento por década entre 1950 e 1960. Com um
incremento de 383%, o Centro passa de 2.109 liberações nos
anos 1950 para 8.074 liberações nos anos 1960. Esse
número começou a decair em termos relativos após 1960,
apesar de o número absoluto ter continuado a crescer
(PILOTTO, 2010, p. 51).

Em seus estudos, Pilotto demonstra, a partir de dados relativos ao número de


alvarás para a construção de edificações em altura, que o primeiro momento da
verticalização da área central ocorreu na década de 1950. A forma de morar em
edifícios altos foi tardia em Curitiba e não se concentrou, no primeiro momento,
na área central, ao contrário do verificado em muitas capitais dos estados
brasileiros. Os edifícios verticais residenciais foram construídos, em grande parte,
nas proximidades do centro - mas não diretamente em sua área -, a partir da
expansão dos setores provenientes de planos urbanos, tais como a construção
do Centro Cívico e a implantação dos eixos estruturais (Av. Estrutural Norte e Av.
Estrutural Sul), previstos no plano de 1966 com o objetivo de implantar faixas de
adensamento em continuidade com a área central.

Figura 78: Vista aérea mostrando os dois eixos estruturais de Curitiba e seu
adensamento vertical.

196

Fonte: IPPUC – extraído de Irazabal/2013, p. 181.

Após o primeiro estágio de verticalização, o que ocorre é uma alteração da


paisagem da área central, com a construção de edifícios cada vez mais altos até
a década de 1960, quando a verticalização muda de setor, mantendo o espaço
urbano central mais ou menos consolidado. De 1950 a 1960, portanto, a relação
do edifício Sul América com o entorno se altera drasticamente, em função da
variação das altimetrias das construções e a inserção de uma nova linguagem
arquitetônica. Esse período foi seguido de um momento de estagnação até a
destinação da Rua XV de Novembro exclusivamente para uso do pedestre, na
década de 1970, quando o edifício passa a ser apreciado a partir de um novo
olhar. Conforme mencionado, a proibição do tráfego de veículos foi acompanhada
por intervenções para as melhorias urbanas, o que alterou consideravelmente o
aspecto do conjunto arquitetônico. O tombamento da paisagem urbana em 1974
evitou, de certa forma, novas alterações da morfologia da área e estagnou a
relação do edifício com seu entorno. Entretanto, nesse período, a sua integração
na paisagem já era praticamente imperceptível diante da verticalização da
década de 1950 em diante.

Figura 79: Vista aérea do trecho da Rua XV de Novembro, com destaque para a
sede do Sul América.

197

Fonte: Google Earth - Acesso em: 11 jan. 2019.


ANÁLISE FORMAL

As aparências da Arquitetura – seus aspectos visuais,


usualmente chamados de estéticos – não representam a sua
complexa totalidade. Entretanto, são as aparências que
marcam a presença do objeto arquitetônico no mundo e o
tornam conhecido, apreciado, discutido, polêmico.

Maria Lucia Malard, 2006.190

Figura 80: Fachada frontal edifício Sul


América de Curitiba.
O edifício Sul América de Curitiba,
quando construído, destacou-se pela
sua linguagem formal racionalista, em
um contexto composto, em sua
maioria, por edifícios com linguagem
eclética e neoclássica.

198 O terreno, de formato retangular, foi


totalmente ocupado pelo pavimento
térreo da edificação, sem qualquer tipo
de afastamento das construções
vizinhas. Já as plantas dos pavimentos
acima do térreo foram solucionadas
em L, e a área restante foi utilizada
para ventilação e iluminação das
Fonte: Karine de Arimateia/abr. 2018. unidades, em função da justaposição
de fachadas.

A solução tripartida é presente nesse projeto, mesmo que de maneira mais sutil
em relação às demais sedes. A base, revestida externamente por placas de
mármore, tem pé-direito duplo que abriga as lojas e suas sobrelojas. Esse
pavimento é composto por três vãos emoldurados por frisos em baixo relevo,
sendo o vão central relativo à portada principal. O corpo é resolvido por quatro

190
MALARD, Maria Lucia. As aparências em arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. P. 55.
pavimentos tipos, cada um dotado de três pares de janelas e cada par agrupado
pelo mesmo emolduramento utilizado nos vãos da base. Nota-se a preocupação
do arquiteto em alinhar a altura desse corpo com a edificação vizinha, ainda
remanescente. Já o coroamento é feito pelo último pavimento, recuado do pano
principal e composto por seis janelas, formando um conjunto emoldurado pelo
mesmo tipo de friso do corpo. Apenas a fachada frontal possui revestimento em
pó de pedra.

Figura 81: Detalhe das janelas tipo basculantes, emolduradas, duas a duas,
por frisos em baixo relevo e rasgo chanfrado.

199

Fonte: Karine de Arimateia/abr. 2018.

O volume composto pela caixa d´água e pela casa de máquinas sobressai-se da


volumetria principal, mas não é percebido pelo pedestre. A cobertura é feita por
telhas de fibrocimento, material provavelmente alterado após intervenções. O
edifício conforma-se por um prisma sólido, cuja solução em L é identificada
apenas pela vista superior, em função da ausência de afastamentos. A única
ornamentação na fachada são os frisos em baixo relevo no reboco, os quais
enquadram os vãos ou os grupos de vãos.

Os modelos das esquadrias contribuem para a composição da fachada. A portada


principal, com duas folhas de abrir, destaca-se das demais pela sua centralidade,
pelo recuo em relação ao pano da fachada e pelo trabalho em ferro fundido com
motivos geométricos em seu fechamento. Todas as janelas têm o mesmo
modelo, com o rasgo chanfrado, ou ensutado (CORONA e LEMOS, 1998), de
forma a entrar mais luminosidade e duas folhas basculantes em madeira e vidro.

Percebe-se, na solução compositiva desse projeto, uma similaridade com o


projeto da sede da Sulacap de Juiz de Fora, de caráter regular cartesiano
difundido pelo movimento moderno e, ao mesmo tempo, o esquema tripartido de
origem clássica: base, corpo e coroamento, articulando o organismo arquitetônico
em altura, além do fachadismo decorrente da ausência de afastamentos laterais
e frontal. Pode-se afirmar que tal sistema compositivo era considerado uma
novidade plástica para a cidade de Curitiba, cujas construções do período ainda
adotavam a linguagem eclética ou neoclássica, a despeito da existência isolada
de algumas edificações racionalistas, como a casa do arquiteto Frederic
Kirchgässner, projetada em 1929 e construída em 1932, considerada um dos
primeiros exemplares da arquitetura moderna de Curitiba.191 Apesar da relação –
em vários aspectos – com a capital paulista, Curitiba, na década de 1930, ainda
200 estava distante da nova arquitetura que se discutia em São Paulo e no Rio de
Janeiro.

191
A edificação foi tombada municipalmente em 26 de outubro de 1991. Disponível em:
http://www.patrimoniocultural.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=227 – Acesso
em: maio 2020.
ANÁLISE FUNCIONAL

Função é o uso social do produto arquitetônico e constitui


uma característica intrínseca e diferencial da arquitetura, uma
vez que é interna ao próprio produto, é a primeira causa de
sua constituição como tal. Mas, contemporaneamente ao seu
caráter interno e intrínseco, constitui o elo mais direto entre a
arquitetura e o meio social a que serve.

Marina Waisman, 1985.192

Figura 82: Planta pavimento térreo.


Conforme já analisado, o
edifício Sul América de
Curitiba, de uso
exclusivamente comercial,
foi construído na área de
ocupação inicial do
povoamento da cidade,
201
assim como verificado com
as demais sedes. A região
ainda representa uma das
áreas mais dinâmicas da
capital, com a concentração
Fonte: Acervo da autora/2020. dos principais comércios,
serviços, áreas de lazer e instituições públicas, apesar da existência de outros
núcleos similares em Curitiba, resultado do planejamento urbano incipiente na
capital.

Como solução projetual para o edifício, Roberto Capello elevou o hall principal
em relação ao nível do passeio possibilitando um menor movimento de terra para
a proposição de um subsolo. Este mesmo recurso foi adotado na sede de Juiz de

192
Tradução minha. “Función [...] es el uso social del produto arquitectónico y constituye uma
característica instrínseca y diferencial de la arquitectura, puesto que es interna al producto mismo, es
la causa primera de su constitución como tal. Pero contemporáneamente a su carácter interno e
intrínseco, constituye el lazo más directo entre la arquitectura y el médio social al que sirve.”
(WAISMAN, 1985, p. 83).
Fora, em função das semelhanças entre os terrenos e a ausência de
afastamentos entre as edificações vizinhas.

Em função desse desnível, o arquiteto conseguiu ventilar o subsolo por duas


janelas localizadas nas laterais da portada. No hall principal está o elevador social
e, para acesso à escada de incêndio, há outro desnível similar, de 80cm
aproximadamente, por onde também se faz o acesso ao pátio descoberto, que
está apenas poucos centímetros acima do nível da calçada.

Internamente, assim como acontece com as demais sedes, o hall tem as paredes
revestidas em mármore e um forro executado pelo rebaixamento da laje,
trabalhado por sancas de iluminação. Nesse mesmo pavimento, porém, com
acesso exclusivo pela rua e, portanto, nivelada a ela, estão duas lojas, separadas
simetricamente pela portada principal. O subsolo abriga dois depósitos e um
reservatório de água.

202 Figura 83: Forro do hall principal. Figura 84: Vão de ventilação do subsolo.

Fonte: Karine de Arimateia/abr. 2018.


Fonte: Karine de Arimateia/abr. 2018.
Figura 85: Planta primeiro pavimento. Do primeiro ao quarto
pavimento, a planta segue o
formato em L, contendo três
amplas salas na porção frontal
e três salas menores voltadas
para o fundo do lote. Cada
pavimento possui dois
banheiros que são
compartilhados entre todas as
salas do andar. Um elevador
de serviço, localizado no final
do corredor de acesso das
salas menores serve também
Fonte: Acervo da autora/2020. para todos os pavimentos. O
quinto pavimento difere-se dos demais pelo recuo frontal em relação aos demais
pavimentos.
203
PEÇAS GRÁFICAS193

As peças gráficas apresentadas a seguir foram redesenhadas a partir do arquivo


desenvolvido pela empresa Oliveira Araújo Engenharia, datado de dezembro de
2019, resultado da contratação pública pela Superintendência da Receita Federal
do Brasil na 9ª Região Fiscal, cujo objeto era a realização do levantamento da
edificação existente para posterior elaboração do projeto arquitetônico de
adequação das instalações para abrigar o Serviço de Controle e
Acompanhamento Tributário (SECAT).

204

193
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
205
206
207
208
209

3.2. RECIFE/PE –SUL AMÉRICA E SULACAP


210
Figura 86: Edifício Sul América-
Recife/década de 1940.

Ficha técnica Edifício Sul América

Nome original: Edifício Sul América.


Nome atual: Edifício Sul América.
Endereço: Praça da Independência, nº 91 (esquina
com Avenida Dantas Barreto), Bairro Santo Antônio,
Recife, Pernambuco.
Ano do projeto: 1935.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 1936
(Revista Sul América/nº 67, Ano 17, p. 30/Jul. 1936).
Construtora: ?
Uso original: Comercial (lojas no térreo e salas nos
pavimentos superiores).
Uso atual: sem uso.
Propriedade: privada/ Nacional de Hotéis LTDA.
Proteção/nível: 1997. Imóvel Especial de Preservação
(IEP) nº 58, Lei n° 16.284/1997 – municipal.

Fonte:
<https://www.facebook.com/recantigo/photos/a
.1206410226166192/2478654922275043/?typ
e=3&theater>acesso em 16 jan. 2020
211
Figura 87: Edifício SULACAP-Recife.

Ficha técnica Edifício SULACAP

Nome original: Edifício SULACAP.


Nome atual: Edifício SULACAP.
Endereço: Av. Guararapes, nº 111 (esquina com
Avenida Guararapes), Bairro Santo Antônio, Recife,
Pernambuco.
Ano do projeto: anterior a 1944
Ano de conclusão da obra/inauguração: 1944
(Boletim SATMA/nºs 21 e 22, Ano IX, p.7/mar.
1949.)
Construtora: ?
Uso original: Comercial (lojas no térreo e salas nos
pavimentos superiores).
Uso atual: uso comercial.
Propriedade: privada.
Proteção/nível: 1997. Imóvel Especial de
Preservação (IEP) nº 58, Lei n° 16.284/1997 –
Fonte:
municipal.
https://chicomiranda.wordpress.com/2012/11/19/r
ecife-fotos-e-historia/ - acesso 19 jan. 2019.
212
ANÁLISE HISTÓRICA

A empresa Sul América iniciou sua atuação na capital pernambucana por volta
de 1916, em imóveis alugados, até a construção das sedes próprias em um dos
principais centros urbanos de Recife, o Bairro Santo Antônio, especificamente no
entorno da Praça da Independência.

Os registros de viagem de Roberto Capello para a capital pernambucana no


período de 1935 a 1937, já mencionados, comprovam o início do processo
construtivo das sedes Sul América e SULACAP. Para o projeto do edifício Sul
América foram adquiridos os antigos prédios de nº 87 e 95 da antiga Rua
Segismundo Gonçalves e, para o SULACAP, o nº 21 da então Rua Laranjeiras,
ambas vias localizadas no entorno da Praça da Independência, que se destacava
no período como um dos pontos mais dinâmicos da área central da cidade. As
publicações nos periódicos da empresa confirmaram que a sede Sul América foi
inaugurada em 1936 e a SULACAP em 1944:
213
Vae assim ficar a capital de Pernambuco enriquecida com um
importante imóvel e a Sul America terá retribuido de algum
modo a confiança que aquelle povo em todos momentos
testemunhou à Companhia. [...] reproduzimos a perspectiva
do futuro edificio, como o concebeu o architecto Roberto
Capello[...].(Revista Sul América/nº 67, Ano 17, p. 30/Jul.
1936)

Em 1944 inaugurava a SULACAP o seu majestoso edifício à


Av. Guararapes, 111, para onde passou a Sucursal, que
ocupa atualmente a ala norte do 5º andar. (Boletim
SATMA/nºs 21 e 22, Ano IX, p.7/mar. 1949)

Considerado um dos primeiros edifícios verticais de escritórios de Recife, o Sul


América sediou, nas primeiras décadas de existência, além da sucursal da
empresa, o consulado dos Estados Unidos. Com a venda das propriedades da
empresa na década de 1960, o edifício foi adquirido pelas Casas José Araújo e,
posteriormente, pela Empresa Nacional de Hotéis LTDA, atual proprietária. 194

Figura 88: Edifício Sul América/1965 (à esquerda).

214

Fonte - desconhecida. Encaminhada por Hailton Soares da Silva Junior.

Em março de 2018, o edifício que estava sem uso desde 1995 foi tomado por
integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que batizaram
a ocupação com o nome da vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de
Janeiro no mesmo mês. O Movimento deixou o edifício em 06 de abril de 2019,
em decorrência da precariedade das instalações prediais.195 Durante o processo
de ocupação, a administração municipal publicou o decreto nº 31.671/2018,
prevendo a desapropriação de imóveis abandonados não ocupados, que resultou
no início de vistorias pela área central para o levantamento de edificações
abandonadas e com dívidas com a prefeitura municipal.

194 Segundo Rodrigo Cantarelli Rodrigues, em entrevista para o Jornal Diário de Pernambuco.

Disponível em: https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/vidaurbana/2018/03/ocupacao-


marielle-franco-no-centro-do-recife-e-feita-em-imovel-de-pr.html - acesso em 15 jan. 2020.
195 Disponível em: <http://marcozero.org/moradores-deixam-ocupacao-marielle-franco-no-centro-do-
recife/> - acesso em 15 jan. 2020.
O SULACAP também foi construído para receber as instalações da sucursal na
capital, ocasião em que sediou também o quartel general dos americanos no
Recife (ALVES BARTHEL, 2015). O pavimento térreo foi destinado a lojas
comerciais e os pavimentos superiores a salas, usos não alterados desde sua
construção.

Tanto o SULACAP como o Sul América foram classificados como Imóvel Especial
de Preservação (IEP) em 1997, por meio da Lei n° 16.284/1997,196 que confere
exemplaridade aos edifícios no contexto do patrimônio cultural da cidade do
Recife. Esta tutela não é acompanhada dos estudos detalhados e apropriados
para sua proteção, entretanto define algumas diretrizes para a sua salvaguarda,
bem como benefícios fiscais aos proprietários.

Figura 89: Edifício SULACAP em construção/1942. Ao fundo e à esquerda, a Igreja de


Santo Antônio.

215

Fonte:
<https://www.facebook.com/recantigo/photos/a.1206410226166192/24387143196024
37/?type=3&theater>acesso em 16 jan. 2020.

196
https://leismunicipais.com.br/a1/pe/r/recife/lei-ordinaria/1997/1628/16284/lei-ordinaria-n-16284-
1997-define-os-imoveis-especiais-de-preservacao-iep-situados-no-municipio-do-recife-estabelece-
as-condicoes-de-preservacao-assegura-compensacoes-e-estimulos-e-da-outras-providencias -
acesso em 15 jan. 2020.
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

As análises realizadas por meio da comparação entre o projeto arquitetônico e o


estado atual das edificações concluíram que em relação à volumetria, ao partido
arquitetônico e às fachadas dos edifícios não ocorreram alterações significativas
e que descaracterizassem as propostas iniciais de Roberto Capello, conforme
demonstram as imagens abaixo:

Figura 90 – Projeto da sede da Sul Figura 91 – Edifício Sul América de


América de Recife. Recife/2019.

216

Fonte - Karine de Arimateia/Jan. 2019.


Fonte - Revista Sul América/nº 67, Ano 17,
p. 31/Jul. 1936.
Figura 93 – Projeto do Edifício Figura 92 –Edifício Sulacap Recife/2019.
Sulacap/Recife.

Fonte - Revista Notícias de Fonte - Karine de Arimateia/Jan. 2019.


Sulacap/nº51, Ano 5, p.11/Nov. 1940.

217
Nota-se, apenas, uma mínima diferença entre a perspectiva do projeto do
SULACAP e o edifício construído: a ausência de uma janela no pavimento
referente ao coroamento, na fachada principal, possívelmente resultado de
intervenção posterior.

Já o estudo das imagens antigas da Praça da Independência revelou que na


ocasião da construção da primeira das duas sedes (Sul América) o entorno
imediato era composto majoritariamente por edificações de baixa altimetria,
padrão que se manteve relativamente até a década de 1950, quando o SULACAP
foi inaugurado. O conjunto arquitetônico da Praça incluía, na ocasião, os tipos
sobrados com suas janelas rasgadas e parapeitos sacados, tipologia singular
remanescente do período de ocupação da cidade pelos holandeses e
portugueses. Conforme será relatado adiante, a manutenção de tais
características não foi espontânea, de outro modo, decorreu das atuações dos
preservacionistas ao longo de aproximadamente cinquenta anos em que a área
foi objeto de estudos.
O Bairro Santo Antônio, em especial o seu principal eixo de convergência, a
Praça da Independência, passou a sofrer alterações de maior peso em sua
conformação urbana no início do século 20, 197 decorrentes da implementação de
diversos planos urbanísticos, até adquirir a configuração atual. Neste ínterim,
novas tipologias funcionais e formais passaram a compor o cenário - dividindo o
protagonismo com a igreja barroca (Igreja Santo Antônio) -; outras tipologias
desapareceram; a área da praça foi aumentada com a demolição da totalidade
de um quarteirão e novos eixos viários foram abertos. O edifício Sul América
esteve presente em grande parte deste processo de reurbanização, incluindo a
abertura da Avenida Dantas Barreto, quando o bairro Santo Antônio adquiriu
novos ares de modernidade, com a construção de edifícios em altura e de
linguagem racionalista, tipo construtivo incentivado pela nova legislação da
década de 1940.

Figura 94 – Rua Segismundo Gonçalves (1900), com destaque para o


218 quarteirão que foi demolido para a ampliação da Praça da Independência
(em vermelho) e os edifícios adquiridos para a construção do Sul América
(em azul).

Fonte - <https://
https://www.facebook.com/recantigo/photos/a.1206410226166192/246603
9240203278/?type=3&theater> Acesso 16 Jan. 2020.

197
Em 1644, ainda sob o domínio dos holandeses, a área também passou por uma remodelação
urbanística. (REYNALDO, 2017).
Figura 95 – Demolição do quarteirão para a ampliação da Praça da
Independência. À direita, edifício Sul América/1945.

Fonte - <https://
https://www.facebook.com/recantigo/photos/a.1206410226166192/25121
67758923759/?type=3&theater> Acesso 16 Jan. 2020.

Figura 96 – Entorno da Praça da Independência na década de 1950.


Edifício Sul América à esquerda e Igreja Santo Antônio à direita.

219

Fonte -
<https://www.facebook.com/recantigo/photos/a.1206410226166192/26329
31756847358/?type=3&theater> Acesso 16 Jan. 2020.

Já a construção do SULACAP iniciou-se com as transformações no Bairro Santo


Antônio quase que totalmente consolidadas - com exceção da abertura da Av.
Guararapes -, o que possivelmente justifica a proposta projetual de Capello de
promover uma perspectiva mais imponente para este edifício a partir da praça já
ampliada.
Figura 97 – Praça da Independência na década de 1960. À direita,
edifício SULACAP.

Fonte - <https://br.pinterest.com/pin/566186984381838728/>
Acesso 16 Jan. 2020.

O novo regulamento urbanístico implementado em 1946 favoreceu a construção


do tipo arquitetônico em altura, até então representado por poucos edifícios na
área do Santo Antônio. A normativa estipulou um número mínimo de oito
pavimentos para as novas construções (MOREIRA, 2016) e, a despeito da
consolidação ter sido lenta, a legislação permitiu, juntamente com o advento das
220 novas técnicas e linguagens arquitetônicas, a composição do cenário atual.

Figura 98 – Aspecto atual da Praça da Independência.

Fonte - Google Earth Pro – Acesso: 16 Jan. 2020.


RELAÇÃO DOS EDIFÍCIOS COM O ENTORNO

Há obras que constituem um acontecimento urbano originário


na constituição urbana e que permanecem e se caracterizam
no tempo, transformando a sua função ou negando a função
original até constituir um trecho da cidade, tanto que os
consideramos mais do ponto de vista tipicamente urbano do
que do ponto de vista da arquitetura. Há obras que assinalam
uma nova constituição, são o signo de novos tempos na
história urbana; elas são, na maior parte, ligadas a períodos
revolucionários, a acontecimentos decisivos no curso
histórico da cidade.

Aldo Rossi, 1966. 198

Conforme apontando, os edifícios SULACAP e Sul América de Recife foram


construídos em terrenos vizinhos, no entorno da Praça da Independência, no
Bairro Santo Antônio, região central da cidade. No ano de 1936, quando o edifício
Sul América foi inaugurado, o entorno da Praça da Independência já era
considerado um dos setores mais dinâmicos da área central e com maior
potencialidade de convergência de usuários (REYNALDO e ALVES, 2013),
características que conferiam ao espaço um congestionamento de veículos e um 221

certo desordenamento espacial.

A dinâmica desse espaço urbano também era apontada nos textos referentes à
antiga Maurícia,199 quando a área era conhecida como Praça do Polé, a qual
também foi objeto de transformações urbanísticas implementadas pelos
holandeses e continuadas, posteriormente, pelos portugueses.

Já no século 18, a Praça do Polé foi reconstruída e passou a denominar-se Praça


da União, em referência à união entre portugueses e brasileiros e,
posteriormente, com a proclamação da Independência em 1822, teve sua
denominação alterada para Praça da Independência (REYNALDO e ALVES,
2013).

198
ROSSI, 1995, p. 167
199
Maurícia foi a denominação da ilha de Antônio Vaz, que passou a ser a capital do império holandês
em 1642.
Os registros de viagens de Loius Léger Vauthier200 (1840-1846), analisados por
Amélia Reynaldo e Paulo Alves (2013), permitiram entender a configuração do
espaço urbano da Praça da Independência no final do século 19. A área
configurava-se, sobretudo, por sobrados de alturas diferenciadas, de até cinco
pavimentos, com testadas estreitas e sem afastamentos frontais e laterais,
características que imprimiam uma perspectiva diferenciada das demais regiões
adensadas da cidade. Nesse período, a cidade passava por transformações
urbanísticas implementadas pela Repartição de Obras Públicas, com a
cooperação de técnicos europeus, além da própria atuação de Vauthier
(REYNALDO e ALVES, 2013). As transformações tinham como objetivo
estruturar as áreas adensadas, instalar novos equipamentos urbanos e de
serviços, além da reconfiguração das redes viárias, ações que, somadas à
implementação de novas tipologias arquitetônicas funcionais, resultaram em uma
significativa alteração, já no século 19, do espaço urbano da área central.

222 Nesse contexto, o Bairro Santo Antônio passou por diversas transformações
urbanísticas decorrentes dos planos de expansão e melhoramentos na
infraestrutura, os quais alteraram, aos poucos, sua trama original. As reformas
radiocêntricas de 1909, que transformaram o Bairro Recife em centralidade
urbanística, refletiram diretamente na região do Santo Antônio e indicaram a
necessidade de elaboração de novos regulamentos para a área, o que foi levado
a cabo a partir de 1918. Esse plano, juntamente com o de 1919, fundamentaram-
se no plano de saneamento do engenheiro Francisco Saturnino Rodrigues de
Brito (1864-1929), de 1909, e alteraram drasticamente a trama urbana do bairro,
com a proposição de novas vias que convergiam para a Praça da Independência
e atravessavam toda a ilha no sentido norte a sul, de forma a estruturar a região
com os demais bairros. As transformações foram graduais, porém a hierarquia
espacial proposta confirmou a centralidade urbana para os bairros de Recife e
Santo Antônio nas décadas seguintes e as normativas decorrentes conduziram o

200 Engenheiro francês graduado na École des Ponts et chaussées, viveu em Pernambuco e manteve diário
pessoal, o qual foi editado pela primeira vez no Brasil em 1940 por Gilberto Freyre. (Fonte: BN Digital,
disponível em: https://bndigital.bn.gov.br/dossies/dossie-antigo/matrizes-
nacionais/construtores/louis-leger-vauthier/ acesso em out. 2020.
padrão das novas construções. Tais normativas guiaram Roberto Capello na
elaboração dos projetos do SULACAP e Sul América.

A concepção do projeto do Sul América foi embasada nas normas promulgadas


em 1919, as quais estipulavam uma altura mínima das construções das vias
resultantes da nova hierarquia espacial, favorecendo a construção dos edifícios
em altura (REYNALDO e ALVES, 2013). Já em relação ao SULACAP, em função
do escalonamento e outros aspectos de suas fachadas, é mais provável que o
arquiteto tenha seguido uma normativa posterior, conforme será relatado adiante.

A quantidade de edifícios em altura construídos nos anos seguintes à


promulgação da norma de 1919 não foi suficiente para verticalizar a região e,
nesse contexto, destacaram-se por um longo período de tempo as duas sedes
da empresa, em função da altimetria e da linguagem racionalista adotada, em
contraste com os casarios coloniais do entorno. É certo que, em 1934, o Edifício
Santo Albino, de autoria do arquiteto Heitor Maia Filho, já havia sido inaugurado
nas imediações e suas novas formas também dividiam o protagonismo com as
223
sedes da empresa e com a Igreja Santo Antônio.

O fato de que o espaço, na atualidade, contém vestígios da ocupação inicial do


território decorreu da preocupação dos legisladores em manter algumas
estruturas preexistentes, tais como as religiosas – apesar da demolição de
algumas -, e também da criação de órgãos de preservação, como a Inspetoria
Estadual de Monumentos Nacionais, instituída em 1928 – antes, portanto, da
promulgação do decreto federal nº 25/1937 - instituição que se empenhou na
valorização do centro antigo. Esta preocupação tornou-se mais evidente em
1931, com a emissão do relatório da Subcomissão de História e Tradição e
Monumentos pelo Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco,
que resultou nos primeiros tombamentos isolados de Recife (REYNALDO e
ALVES, 2013).

Em 1936, ano em que o Sul América foi inaugurado, o Clube de Engenharia de


Pernambuco - instituição criada em 1919 - estruturou um novo código de obras
que permitiu a construção de edifícios com maiores altimetrias na área central e
menores na periferia (MOREIRA, 2016). Essa normativa introduzia um novo
parâmetro urbanístico, a taxa de ocupação do lote, variável de acordo com as
quatro zonas pré-definidas.

Novas mudanças no código foram implementadas em 1937, as quais dirigiam-se


especificamente aos aspectos arquitetônicos e estéticos da futura Avenida
Guararapes, onde o SULACAP seria, futuramente, erguido. A legislação
controlava o alinhamento das fachadas dos novos edifícios, a volumetria uniforme
dos blocos e exigia uma altura mínima de oito andares, com escalonamentos nos
andares superiores, além de galerias cobertas com cinco metros de largura no
nível da rua (MOREIRA, 2016). Essas exigências podem ser lidas no edifício
SULACAP, por isso a hipótese de que Capello orientou-se nessa norma e não na
de 1919, como foi feito para o Sul América. Se essa hipótese é verdadeira, pode-
se extrair que grande parte das soluções plásticas do SULACAP decorreram da
normativa existente.

224 Figura 99 – Igreja Paraíso demolida para a abertura da Av. Guararapes. À esquerda,
edifício SULACAP.

Fonte - <https:// http://recifevestigios.com/imagens/bairro-de-santo-


antonio/#prettyPhoto/> Acesso 16 Jan. 2020.
Nos anos seguintes da promulgação desta norma, a região do Santo Antônio era
praticamente um canteiro de obras. A nova administração instituída pelo Estado
Novo empreitou a abertura da via 10 de novembro (atual Av. Guararapes), já
prevista nos planos anteriores e, para tanto, iniciou, em 1939, o processo de
demolições de vários quarteirões do entorno. Apesar da abertura da grande
avenida, a esperada verticalização não se efetivou nos anos seguintes, em
função da instabilidade econômica no período da Segunda Guerra. A construção
em altura teve impulso, de fato, após decorridos os anos de instabilidade e com
a promulgação do novo código de obras em 1946, normativa que liberou as
alturas nas principais vias, modificando mais uma vez, a configuração espacial
do Bairro Santo Antônio. A Av. Guararapes passou, então, a ser ladeada por
significativos edifícios em altura.
Figura 100 – Obras de abertura da Avenida
Em 1950, é erguida a sede do Guararapes. À esquerda, edifício
SULACAP/1945.
Banco Hipotecário Brasileiro,
também do grupo Sul América,
com vinte e dois pavimentos. A
despeito do incentivo à 225

verticalização e das propostas da


remodelação morfológica do
entorno, os planos reguladores
levavam em conta, com
frequência, a manutenção dos
edifícios excepcionais, tais como
os de uso religioso e aqueles
protegidos pelos órgãos de
preservação. É oportuno
Fonte -
mencionar que nos primeiros anos <https://www.facebook.com/recantigo/posts/2502
310036576198/> Acesso 16 Jan. 2020.
de atuação do IPHAN, o patrimônio
de Recife foi alvo de amplas discussões que resultaram em diversos
tombamentos isolados.
Figura 101 – Demolições para a abertura da A abertura da Av. Dantas Barreto
Avenida Dantas Barreto na década de
1960/Edifício Sul América em destaque. já estava prevista no plano de
1932, porém a empreitada
iniciou-se apenas a partir de 1943
e efetivou-se após transcorridas
as três fases, cada uma em
períodos distintos (PONTUAL e
PEREIRA, 2011). Para tanto,
novas demolições foram
necessárias, arrasando inúmeros
casarios e sobrados coloniais.

Os anos seguintes após a


década de 1970 foram
Fonte -
<https://chicomiranda.files.wordpress.com/2012/1 acompanhados de um
1/cm_analisepernambuco_16.jpg> Acesso 16
Jan. 2020.
adensamento da área da Praça
da Independência e do seu
226
entorno imediato, resultando no atual espaço desordenado, característica que
prejudica a leitura do conjunto urbano e arquitetônico.

Diante do exposto, percebe-se que a relação dos edifícios com o entorno alterou-
se relativamente com as transformações do espaço urbano no decorrer dos anos,
sobretudo em relação ao Sul América, já edificado antes das drásticas alterações
do entorno imediato. Construído em lote originário da urbanização colonial, em
quarteirão delimitado por vias estreitas, e inaugurado ainda quando a Praça era
conformada por uma área reduzida, sua relação com o entorno imediato altera-
se após as aberturas das vias e ampliação do espaço público. Tais modificações
destacaram ainda mais o edifício, ampliando sua visada, antes prejudicada. Em
relação ao SULACAP, já construído após a ampliação da área da Praça, a
relação com o entorno praticamente se manteve. Tais informações levantam a
hipótese de que a implantação dos edifícios Sul América e do SULACAP parece
ter sido pensada a priori destas alterações, com base nos estudos dos projetos
para as futuras modificações, elaboradas no decorrer do século 20.
Figura 102 – Avenida Dantas Barreto em 1965/Edifício Sul América à esquerda.

Fonte – Desconhecida. Disponível em < https://modulacao.wordpress.com/2017/03/06/igrejas-


e-patios-quase-virtuais-por-jose-luiz-da-mota-menezes/> Acesso 16 Nov. 2020.

Figura 103 – Vista do edifício SULACAP a partir da Praça da


Independência

227

Fonte -
<https://www.facebook.com/recantigo/photos/a.1206410226166192/2512
070895600112/?type=3&theater>- Acesso 16 Jan. 2020.
ANÁLISE FORMAL

A intenção plástica que semelhante escolha subentende é


precisamente o que distingue a arquitetura da simples
construção.

Lucio Costa, 1980. 201

Edifício Sul América

O edifício Sul América de Recife foi construído de maneira a ocupar quase que a
totalidade da área do terreno retangular. A planta segue o formato “L”, e a área
resultante desta implantação foi utilizada para ventilação e iluminação das
unidades.

A planta apresenta duas quinas chanfradas na face voltada para a Av. Dantas
Barretos, especificidade de tratamento um tanto quanto singular tendo em vista
que, na ocasião da elaboração do projeto arquitetônico, o campo de visão para o
228
terreno era limitado, feito por uma ruela Figura 104 – Perspectiva do Projeto da
sede da Sul América de Recife.
que separava o terreno do quarteirão
defronte, o qual foi demolido para dar
lugar a Av. Dantas Barreto.

A perspectiva do projeto arquitetônico


fornece indícios de que o arquiteto previu
apenas um único chanfro no encontro
das duas vias, de forma a marcar a
esquina e proporcionar uma visada
expressiva, porém irreal na ocasião em
função da limitação do campo de visão, o
que veio a se alterar apenas depois da
abertura da Av. Dantas Barreto. É
possível que Capello tivesse
conhecimento das propostas de abertura
Fonte - Revista Sul América/nº 67, Ano
201
COSTA, 2011, p. 20. 17, p. 31/Jul. 1936.
das vias, previstas nos planos urbanísticos, e que a visada em perspectiva do
edifício seria proporcionada em um futuro próximo.

Figura 105 – Sul América visto da Praça da Independência/sem data.

Fonte - Desconhecida / enviada por Hailton Soares da Silva Junior.


229

Figura 106 –Fachada da Avenida Dantas Figura 107 – Vista do Sul América a
Barreto partir da Av. Dantas Barretos com
Guararapes/2018.

Fonte: Karine de Arimateia/2018 Fonte - Karine de Arimateia/2018.


Com volumetria de sete pavimentos, o edifício era considerado na época de sua
inauguração um dos mais altos do entorno e destacava-se pela sua forma
racionalizada, em contraste com as estruturas arquitetônicas preexistentes,
muitas delas ainda do período colonial. A solução tripartida foi timidamente
resolvida, adotando para o coroamento apenas uma espécie de cornija ressaltada
dos panos das fachadas. A massa prismática pesada é neutralizada pelas linhas
horizontais em alto relevo, que conformam as estreitas marquises das janelas.

Revestidas em pó de pedra, solução de acabamento especificada pelo arquiteto


para a maioria das sedes da empresa, as seis fachadas receberam tratamentos
diferenciados: três delas foram resolvidas com aberturas ritmadas e frisos
horizontais em alto relevo. Duas outras, voltadas para o interior do quarteirão,
contêm apenas as aberturas de janelas e a última configura-se por uma empena
cega em função da ausência de afastamento com a construção vizinha. Das três
fachadas com os elementos horizontais, destacam-se apenas as voltadas para a
Praça e para a Avenida Dantas Barreto. A terceira, faz divisa com o edifício
Antônio Barbosa, construído
230 Figura 108 – Vista aproximada da fachada da
posteriormente. Nota-se, inclusive, Praça da Independência.

entre os dois edifícios, um


desalinhamento entre suas
fachadas, resultado,
provavelmente, das novas
configurações dos novos lotes
decorrentes da abertura da Dantas
Barretos.

O térreo do Sul América tem pé-


direito duplo, solução idêntica às
demais sedes, e está protegido por
uma marquise que avança e
percorre o as três fachadas mais
trabalhadas.

Fonte: Karine de Arimateia/2018


Figura 109 – Vista aproximada da fachada da Praça da Independência. Desalinhamento entre
os lotes.

Fonte: Google Earth Pro. Acesso Nov. 2020

Figura 110 – Fachada da Praça da Assim como a maioria dos edifícios


Independência
sedes da empresa, os modelos das
esquadrias contribuem para a
composição da forma. As janelas
231
têm tipologia única, com veneziana
em madeira e uma bandeira
independente, separada da janela
por dois frisos horizontais em alto
relevo, os quais fazem o papel de
sobreverga ou de uma estreita
marquise de proteção. O acesso
principal ao edifício acontece por
uma portada em ferro, na fachada
voltada para a Praça. A cobertura é
feita em laje planta, de onde ressalta

Fonte: Karine de Arimateia/2018


o volume composto pela casa de
máquinas e caixa d´água.
Edifício SULACAP

O edifício SULACAP foi Figura 111 – Vista do edifício SULACAP a partir da


Praça da Independência
construído em terreno de forma
trapezoidal, conformado pela
Avenida Dantas Barreto/Praça da
Independência, Rua Matias de
Albuquerque e pela face de divisa
com o terreno vizinho. Sua
implantação segue a forma do
terreno e a solução de criar dois
fossos de ventilação resultou na
planta em “A”.

Com volumetria resolvida com a


mesma solução tripartida
adotada nas demais sedes, o
232
edifício tem a base com pé-direito
duplo, recuado do corpo principal
de forma a compor uma galeria
coberta para pedestres. O corpo, Fonte: Karine de Arimateia/2018

com seis pavimentos, é finalizado


por cimalha em alto relevo. Já o coroamento é composto por dois pavimentos
recuados, um em relação ao outro e ambos em relação ao corpo principal, além
do volume composto pela casa de máquinas dos elevadores e pela caixa d´água.
Tal solução de escalonamento do volume decorreu, ao que tudo indica, das
prerrogativas do código de obras de 1936, alterado posteriormente em 1937, as
quais, de certa forma, contribuíram para a composição das estruturas
arquitetônicas na região do Santo Antônio (MOREIRA, 2016). Nota-se, que a
altimetria e o escalonamento do coroamento do SULACAP acompanharam as do
edifício limítrofe existente (FIGURA 112)

Figura 112 – Coroamento do edifício SULACAP a partir do Sul América

233

Fonte: Karine de Arimateia/2018.

As fachadas, revestidas em pó de pedra, foram solucionadas de forma a destacar


o pano voltado para a Praça da Independência. As laterais foram resolvidas com
as mesmas soluções de abertura e ornamentos da fachada frontal e diferem-se
em decorrência do número maior de vãos na fachada da Matias de Albuquerque.
Os ornamentos externos resumem-se a frisos em alto relevo verticais, que se
unem no último pavimento do corpo de forma a compor um enquadramento para
a última linha de janelas, formando sobrevergas.

Executadas em madeira, as janelas são do tipo guilhotina e com bandeiras.


Repete-se, abaixo de todas as janelas das fachadas mais extensas, uma espécie
de seteira horizontal que auxilia na ventilação natural das salas. Com o propósito
de marcar a fachada frontal, dotada de uma simetria clássica, as janelas centrais
são diferenciadas pela divisão tripartida decorrente da presença dos frisos
verticais. Esse eixo central de janelas prolonga-se acima do corpo, compondo o
coroamento, finalizado por platibanda composta por cornijas.

Apesar do destaque dessa fachada, a portada de acesso principal está localizada


na Av. Guararapes, com fechamento em grade de ferro fundido, trabalhado com
formas retas e curvas.

Figura 113 – Coroamento do edifício SULACAP a partir do Sul


América

234

Fonte: Karine de Arimateia/2018.

Figura 114 – Janelas da fachada frontal.

Fonte: Karine de Arimateia/2018.


ANÁLISE FUNCIONAL

Por outro lado, essas coisas deverão ser realizadas de modo


a que se tenham presentes os princípios da solidez, da
funcionalidade e da beleza.

Vitrúvio, 27 a.C.202

Conforme mencionado, no final do século 19, criou-se na área central de Recife


uma nova estrutura de transportes e saneamento, bem como ocorreu a instalação
de edifícios públicos e de estabelecimentos comerciais, fatores que reafirmaram
as centralidades dos bairros de Recife e Santo Antônio.

Ao revelar a cidade de Recife por meio de registros de viagens, fotografias


antigas, relatos protecionistas de Gilberto Freyre e outros documentos, Reynaldo
e Alves (2013) proporcionam uma visão do Bairro de Santo Antônio antes e
depois da construção dos edifícios em análise. O arquiteto Nestor de Figueiredo
também analisou exaustivamente o Bairro de Santo Antônio em 1931, em
especial o papel desempenhado pela Praça da Independência e seu problema 235
em relação à alta circulação de veículos, análises que serviram de base para as
legislações futuras. Os relatos demonstram que, em 1936, o Bairro Santo Antônio
era predominantemente comercial, apesar da existência de um pequeno porto
fluvial e algumas residências isoladas. A Rua Nova era uma das vias de tráfego
mais intensas e que interligava a região à ilha de Recife e ao Bairro Boa Vista por
meio da ponte Maurício de Nassau.

Na década de 1930, Santo Antônio caracterizava-se com um dos principais


centros geográficos da cidade, concentrando a maioria das instituições
bancárias, equipamentos públicos e religiosos, de lazer, serviços diversificados e
lugar de passagem para a área portuária da ilha de Recife e as novas áreas
residenciais. Essa dinâmica, certamente, foi fator fundamental para a escolha dos
terrenos para a construção das futuras sedes da empresa.

202
Tratado de Arquitetura/Vitrúvio; tradução, introdução e notas M. Justino Maciel. São Paulo: Martins,
2007, p. 81.
O Edifício Sul América e o SULACAP, ambos de uso comercial, foram
construídos neste contexto de transformações urbanísticas. Esta tipologia
funcional era novidade na década, tendo em vista o processo inicial de
diversificação das novas demandas da população, as quais resultaram em
edifícios aptos a suprir a nova ordem institucional.

As análises das plantas do Sul América foram prejudicadas em função da


ausência do projeto original e de qualquer registro cadastral do edifício tanto na
Prefeitura Municipal quanto na historiografia relacionada. A despeito de sua
proteção municipal, o acervo referente ao imóvel na Diretoria de Preservação do
Figura 115 – Hall do edifício Patrimônio Cultural (DPPC) de Recife
SULACAP.
continha apenas fotografias externas do
236 bem e a ficha de inventário.203 Na
ocasião da visita ao edifício o mesmo
estava isolado pela ocupação Marielle
Franco e, desse modo, não foi possível
acessá-lo.

Já em relação ao SULACAP, a despeito


da administração do condomínio
impedir o acesso ao edifício na ocasião
da visita ao local, sua a análise foi
possível graças à existência no acervo
da Prefeitura Municipal de um projeto de
Fonte: Karine de Arimateia/2018. reforma datado de 1962.

203
Em resposta ao e-mail encaminhado para a Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural de
Recife, Maria Falcão S. da Cunha, Gestora da Unidade de Documentação do Patrimônio Cultural
Material, encaminhou o material referente ao edifício, composto apenas por imagens externas. Depois
disso, foi aberto um protocolo na Prefeitura Municipal, que indicou a inexistência dos projetos originais
de ambos os edifícios, porém a existência de um projeto de reforma do SULACAP, o qual foi utilizado
para a análise e redesenho das plantas.
A análise visual decorrente da visita em campo permitiu verificar que em ambos
os edifícios o pavimento térreo é composto pelo hall de entrada de pé-direito
duplo, com paredes revestidas em mármore, além das lojas com acesso
exclusivo pelas ruas, aspectos existentes em todas as sedes estudadas.
Figura 116 – Base com pé-direito duplo do edifício Sul América e portada
principal.

Fonte: Disponível em:


https://jc.ne10.uol.com.br/canal/cidades/geral/noticia/2019/04/08/por-falta-de-estrutura-
ocupacao-marielle-franco-e-desfeita-375729.php / acesso em Nov. 2020.
237
Ademais, o SULACAP possui uma galeria para pedestres que percorre toda a
fachada da Av. Guararapes e a fachada voltada para a praça, conformada pelo
recuo do pavimento térreo em relação ao corpo principal, exigência da legislação
em vigor. Seu subsolo contém a caixa d´água e uma caixa forte, já a planta dos
pavimentos tipos foi
resolvida em forma de “A”,
com circulações verticais e
banheiros em seu centro,
onde também estão dois
vãos de iluminação, em
torno dos quais estão
distribuídas as salas, todas
com aproximadamente a
mesma metragem
quadrada.
PEÇAS GRÁFICAS204

Durante a pesquisa sobre estes edifícios, buscou-se levantar a existência dos


projetos originais ou levantamentos atualizados nos órgãos municipais
relacionados. Para tanto, o Portal da Transparência da Prefeitura Municipal de
Recife foi consultado, por meio da abertura de um protocolo (nº
2020006620071010223), o qual resultou na localização de peças gráficas apenas
do edifício SULACAP, referente à aprovação de uma reforma na década de 1960,
arquivada na Regional Centro Oeste e consultadas pessoalmente por Hailton
Soares da Silva Junior, aluno de arquitetura da Universidade Federal de Recife.
As pranchas existentes contemplavam apenas os pavimentos térreo, subsolo e
tipo, os quais foram redesenhados e seguem anexados.

238

204
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
239
240
241

3.3. JUIZ DE FORA/MG - SULACAP


242
Figura 117: Edifício SULACAP Juiz de Fora/MG-
após dezembro 1939.

Ficha técnica

Nome original: Edifício SULACAP.


Nome atual: Edifício SULACAP.
Endereço: Rua Halfeld, nºs 692 a 716, Centro,
Juiz de Fora, Minas Gerais.
Ano do projeto: Anterior a 1939.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 9 de
dezembro de 1939 (Processo de Tombamento).
Construtora: Pantaleoni Arcuri (Dossiê de
Tombamento).
Uso original: Misto (comercial e residencial).
Uso atual: Uso comercial.
Propriedade: Privada.
Proteção/nível: Municipal. Decreto nº 7623, de
20 de novembro de 2002 (Dossiê de
Tombamento).

Fonte: DIPAC/Prefeitura Municipal de Juiz de


Fora.
243
ANÁLISE HISTÓRICA

O edifício SULACAP de Juiz de Fora recebeu proteção municipal no ano de 2002,


por meio do Decreto nº 7.623/02, resultante da abertura do processo de
tombamento205 pela Divisão de Patrimônio Cultural (DIPAC), órgão então
vinculado à Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (FUNALFA). A despeito da
ausência de um dossiê de tombamento estruturado e do projeto arquitetônico
original do edifício, os documentos contidos no processo foram suficientes para
embasar grande parte das análises, apresentadas a seguir.

A empresa SULACAP iniciou sua atuação na cidade de Juiz de Fora na década


de 1930, em sala alugada na edificação nº 2.231 da Avenida Rio Branco,206 até
244 a inauguração da sede própria, o que veio a acontecer no ano de 1939. Antes
disso, em 12 de setembro de 1938, o jornal Diário Mercantil publicou o
lançamento da pedra fundamental da construção da sede, anunciando-o como o
mais alto de Juiz de Fora207 e estampando a perspectiva do projeto. A construção
do SULACAP também foi noticiada no Jornal Correio de Minas Gerais, o qual
transcreveu a entrevista realizada com o diretor da construtora e responsável
pelas obras, Sr. Raphael Arcuri, que adiantou detalhes sobre os aspectos
construtivos da obra:

Sua feição será moderníssima, simples e de perfeito


acabamento. Sua estrutura será feita de concreto armado
sobre estaqueamento, systema Franki. Systema este ainda
não conhecido em nossa cidade e que é o mais recomendado
pelos technicos por sua absoluta solidez. Sua fachada

205
Processo administrativo n° 4522/97. Os arquivos do processo de tombamento incluem um trabalho
realizado em 2015 pelos alunos de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Federal de Juiz de Fora, referente à disciplina de Projeto em Patrimônio Cultural (AUR
113). O trabalho apresentado pelas alunas Amanda de Abreu Carlos, Camilla Cristhina Muniz
Américo, Helena Gouvêa da Rocha Alves, Laura Santos Granja e Lívea Rocha Pereira contém todas
as etapas necessárias para um projeto de restauração, conforme recomenda o Manual de Elaboração
de Projetos de Preservação do Patrimônio Cultural, Caderno Técnico 1, publicado pelo Programa
Monumenta em 2005. A maioria dos dados coletados para a análise histórica foram retirados deste
trabalho de graduação, cujas fontes, muitas vezes, não são citadas.
206
Revista Sul América/nº 68, Ano 17, p. contracapa/out. 1936.
207
A notícia de que seria o mais alto do município não procedia, tendo em vista a existência do edifício
Ciampi, construído em 1930 (CARDOSO, 2015)
principal é feita de linhas verticaes e horizontaes, dando-lhe
um aspecto sombrio.

[...]

O serviço da eletricidade será o mais moderno no gênero,


tendo os inquilinos força motora e de luz. A illuminação será
technicamente distribuida, tendo serviço de telephone e radio.
O serviço de luz apresentará uma novidade para Juiz de Fora:
o de luz a minuta, que muito facilitará o transito dos senhores
hospedes. As installações de água e esgoto foram
cuidadosamente estudadas, sendo previstos encanamentos
extras para gabinetes dentários e consultórios médicos.
(PELO PROGRESSO..., 1938, p.?).

Conforme pesquisa histórica contida no processo de tombamento, o terreno


adquirido pela empresa para a construção de sua sede resultou da demolição de
três edificações na Rua Halfeld (nºs 692, 698, 704, 710), que correspondiam aos
imóveis do Cine Theatro Paz, Casa Tolma e Casa Pestana. O documento

Figura 118: Imagem das edificações demolidas para a construção do edifício


SULACAP/sem data/anterior a 1939. Em destaque: “local do edifício SULACAP
– SULA AMÉRICA CAPITALIZAÇÃO”.

245

Fonte: Acervo Humberto Ferreira/modificada pela autora. Disponível em:


http://mauricioresgatandoopassado.blogspot.com/2019/01/rua-halfeld-406-
fotografias.html. Acesso em: 17 fev. 2020
também informa que o arquiteto Roberto Capello, ao executar o projeto desta
sede, realizou mais de setenta estudos diferentes até chegar ao projeto final, com
o qual foi possível a abertura de concorrência para a contratação da construtora
responsável pela obra. Aberto o processo, oito empresas se inscreveram como
interessadas, sendo quatro delas com sede no Rio de Janeiro, três na capital
mineira e uma empresa de Juiz de Fora, a Companhia Industrial Pantaleoni
Arcuri, vencedora da disputa.

O evento de inauguração do edifício aconteceu no dia 09 de dezembro de 1939


e foi registrado na maioria dos jornais locais, tendo em vista a imponência da
construção e da nova tipologia funcional adotada, de uso misto, com
apartamentos a partir do terceiro pavimento, lojas com acesso independente no
andar térreo, e salas nos pavimentos primeiro, segundo e também no térreo, onde
a sucursal da SULACAP se instalou.208

Figura 119: Recorte do projeto paisagístico para a área


Consta também no
permeável do SULACAP, autoria Roberto Burle Marx. processo de
246
tombamento do DIPAC
uma prancha técnica
relativa ao projeto
paisagístico para a
área permeável do
terreno, assinado pelo
arquiteto Roberto Burle
Marx no ano de 1984,
nunca executado. Tal
projeto foi,
provavelmente,
Fonte: Processo de tombamento do edifício SULACAP. contratado pela
administração do

208
A informação de que a empresa ocupou a sala no andar térreo foi retirada de um texto que compõe
o processo de tombamento, o qual não é datado, tampouco possui autoria.
condomínio, tendo em vista que nessa década o edifício já tinha sido alienado a
terceiros.

O edifício SULACAP, em função das transformações de uso e ocupação


ocorridas na região central de Juiz de Fora, perdeu a tipologia funcional original
ao tornar-se totalmente comercial. Na atualidade, nos seus andares superiores,
térreo e subsolo funcionam estabelecimentos de todos os tipos, tais como
escritórios de advocacia, laboratórios, clínicas odontológicas, dentre outros. O
subsolo é reservado aos equipamentos de instalações prediais e o quinto andar
abriga o volume da caixa d´água, além de uma sala comercial.

247
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

A análise das prospecções arquitetônicas e urbanísticas foi baseada, sobretudo,


nos arquivos do DIPAC, referentes ao processo de tombamento do imóvel e nas
avaliações sobre a situação atual da edificação, realizadas durante a visita ao
local. Tais observações concluíram que, em relação ao aspecto formal da
edificação, não ocorreram alterações significativas que modificassem a proposta
inicial de Roberto Capello, com exceção da ampliação das lojas do térreo,
hipótese levantada após a leitura do desenho de implantação proposto pelo
arquiteto, conforme será relatado adiante.

Outra alteração observada diz respeito à tipologia funcional, tendo em vista a


alteração do uso misto para o uso unicamente comercial, com a saída do último
morador no ano de 2007 (DIPAC). Para a adaptação do uso comercial, alguns
apartamentos foram desmembrados e transformados em salas comerciais,
248 restando ainda, no entanto, alguns andares com a configuração original das
unidades habitacionais.

Figura 120: Edifício SULACAP em 2018. Figura 121: Perspectiva do projeto do SULACAP de
Juiz de Fora, publicada no Jornal Diário Mercantil -
1938

Fonte: Karine de Arimateia/out. 2018 Fonte: Jornal Diário Mercantil, de 12 de setembro de


1938 – Arquivo DIPAC/Prefeitura Municipal de Juiz
de Fora.
Segundo o relato oral do professor Artur Arcuri, contido na descrição histórica do
processo de tombamento, o terreno do edifício onde o SULACAP foi construído
prolongava-se até a Rua Marechal Deodoro, indicando que a implantação
ocupava apenas um quarto do lote, restando, desse modo, uma extensa área
permeável nos fundos, para a qual foi proposto o projeto paisagístico de Burle
Marx, já mencionado. Fato é que, atualmente, o terreno ocupa a metade da área
entre a Rua Halfeld e a Rua Marechal Deodoro, encontrando-se a outra metade
dividida em dois terrenos, ambos edificados.

As únicas plantas do edifício contidas no processo de tombamento foram


desenvolvidas pelos alunos do curso de graduação em Arquitetura e Urbanismo
da Universidade Federal de Juiz de Fora, em 2015, em decorrência de um
trabalho referente à disciplina de Projeto em Patrimônio Cultural. O cruzamento
da análise das plantas dos alunos com a informação do professor Artur Arcuri
levantou a hipótese sobre a possível ampliação das áreas das lojas do térreo em
direção aos fundos do lote, caracterizando uma intervenção posterior. Tal
hipótese amparou-se também nas diferenças das espessuras das alvenarias e
249
na desconexão da composição da volumetria formada pelo térreo e pavimentos
superiores, além da planta do projeto paisagístico, conforme demonstrado a
seguir:
Figuras 122 e 123: Plantas térreo e 1º pavimento do edifício SULACAP em 2015.

Fonte: DIPAC – redesenhado pela


autora / maio 2020.
Figura 124: Prancha do projeto paisagístico de Burle Marx/demostrando o
seu título.

250

Fonte: DIPAC/modificada pela autora.


Apesar da descrição do termo “RESIDÊNCIA” no projeto de Burle Marx (FIGURA
124), o qual levantou dúvidas se o objeto tratado pelo paisagista era realmente o
terreno permeável do SULACAP, o título estampando no canto superior esquerdo
da prancha, “PROJETO PARA O JARDIM DO EDIFÍCIO SULACAP EM JUIZ DE
FORA”, descartou essa suspeita.

A análise das documentações arquivadas no DIPAC revelou o cuidado da


Diretoria em relação a qualquer intervenção no imóvel, tanto interna quanto
externamente. Qualquer proposta de modificação nas salas, áreas comuns ou
fachadas do edifício são analisadas pela Divisão, que emite parecer relativo, o
que contribui para a alimentação do acervo referente ao imóvel. Registra-se que,
constantemente, a diretoria notifica o edifício quanto às necessidades de
melhorias, tais como a realizada em junho de 2007, após a emissão do
mapeamento de danos das fachadas.

Em relação às alterações do entorno da edificação, a análise levou em conta os


planos urbanísticos implantados ao longo dos anos, os quais conduziram,
inevitavelmente, às alterações na morfologia urbana das imediações. 251

O povoamento de Santo Antônio do Paraibuna, que posteriormente se tornaria a


cidade de Juiz de Fora, foi impulsionado pela proposta da estruturação de uma
via para a ligação da antiga Vila Rica com a cidade do Rio de Janeiro, que
culminou na construção, em 1835, da Estrada do Paraibuna, conduzida pelo
engenheiro alemão Henrique Halfeld. Desse modo, o aproveitamento das
margens do rio Paraibuna como eixo para as vias de transporte marcaram,
paulatinamente, as fases do processo de urbanização da ocupação do território.
O mesmo engenheiro, identificando o crescimento da região, projetou uma rota
de deslocamento norte/sul - que ficou conhecida como Rua Principal - atual Av.
Rio Branco - e definiu outras vias nas demais direções, planejando, de forma
incipiente, o crescimento do pequeno povoado que viria a ser tornar a área central
da cidade (COLCHETE FILHO et al., 2017). Em 1860, é desenhada outra planta
cadastral da cidade, dessa vez pelas mãos do engenheiro Gustavo Dodt, de
forma a registrar o desenvolvimento urbano do período.
A implantação da estrada
Figura 125: Planta de Juiz de Fora desenhada pelo
de ferro na região engenheiro Gustavo Dodt em 1860, com destaque para o
quarteirão onde viria a ser construído o edifício SULACAP
intensificou a economia
local e, consequentemente,
o crescimento populacional
e urbano. Uma nova planta
foi executada em 1881,
dessa vez pelo engenheiro
José Barbalho Uchôa, com
a identificação do número
de edificações nas
principais vias. Nesse
período, registrou-se a
primeira fase da
industrialização de Juiz de
Fora, conforme defendem
252 alguns estudos
socioeconômicos sobre o
município (RIBEIRO, 1988).
O movimento de imigração,
gerado, sobretudo, pela
política do governo imperial
de importação de mão de
obra para a substituição do
Fonte: Extraído de STEHLING, 1979.
trabalho escravo,
estimulou esse processo com a instalação de uma variedade de fábricas que
forneciam produtos não disponíveis na região. Aponta Domingos Girolett (1988)
que, em 1870, existiam em Juiz de Fora cento e noventa estabelecimentos,
dentre eles cento e setenta indústrias. Tal movimento incentivou a realização da
Exposição Industrial para a exibição da produção do município.
Figura 126: Aspecto da Rua Halfeld na década de 1870.

Fonte: Acervo do Museu Mariano Procópio – Disponível em: https://www.alamy.com/portugus-


rua-halfeld-cerca-de-1870-centro-de-juiz-de-fora-acervo-do-museu-mariano-procpio-circa-1870-
unknown-531-rua-halfeld-c-1870-image187948615.html. Acesso em: 17 fev. 2020.

No final do século 19, já havia registros de demolições nas proximidades da Rua


Direita (atual Visconde do Rio Branco), além de ações para melhoria do espaço 253
urbano, como, por exemplo, a reforma da Praça Municipal, que viria a se tornar
o Parque Halfeld (COLCHETE FILHO et al., 2017). Nesse período, registrou-se
também a instalação de estabelecimentos bancários na porção baixa da Rua
Halfeld, nas proximidades da Praça da Estação, núcleo que se intensificou como
o mais dinâmico naquele período, em contraposição com a porção oposta da via,
nas proximidades do Parque, onde se concentravam as instituições públicas.

No ano de 1888, além das melhorias de iluminação, a câmara municipal celebrou


contrato com o engenheiro José Barbosa Uchoa Cavalcanti para o
desenvolvimento da planta cadastral e topográfica do município (OLIVEIRA,
1953). Já no ano de 1892, o Plano Howyan foi elaborado com o objetivo de
planejar as obras de saneamento da cidade, documento que abarcou, ademais,
o tema da expansão urbana (TASCA, 2010).
A Resolução nº 374, de 20 de maio de 1896, forneceu normativas para o uso e a
ocupação do solo do município e legislou sobre a abertura de ruas, praças,
avenidas e, ainda, sobre as futuras construções, as quais deveriam obter licença
com a apresentação de projeto a ser construído. A altura máxima da edificação
ficou estabelecida em até uma vez e meia a largura da via, incentivando, de forma
incipiente, a verticalização nas avenidas principais. Essa normativa passou a
regular as futuras construções da cidade até a sua reformulação, que culminou
na Resolução nº 902, de 1923.

A norma de 1923 alterou as diretrizes de construções estabelecidas


anteriormente, dentre elas, a diminuição da altura mínima do pé direito exigido
para os pavimentos térreo, sobreloja e superiores.

Além dessas diretrizes, continuava-se exigindo o afastamento posterior no


terreno de, no mínimo, três metros, estabelecido na norma anterior. A diminuição
da altura mínima do pé direito exigido incentivou mais ainda a verticalização, de
tal forma que, em 1930, foi construído o primeiro edificio em altura da cidade: o
254 Ciampi. De uso habitacional, sua construção ficou a cargo da empresa local
Pantaleoni Arcuri, a mesma que viria a construir, poucos anos depois, o edifício
SULACAP.

A construção da Rodovia União Indústria facilitou o deslocamento até a capital


Rio de Janeiro, impulsionando ainda mais o desenvolvimento econômico e,
consequentemente, o aumento populacional. Diante do novo cenário, a gestão
da década de 1930 preocupou-se com as ações de reurbanização e
embelezamento urbano e promoveu a construção de praças a partir de
desapropriação de edificações, além da abertura e do calçamento de novos
arruamentos.

O Código de Obras de 1936 não inovou em relação aos parâmetros urbanísticos


que já haviam sido estabelecidos em resoluções anteriores. Já o Código de 1938
definiu o zoneamento urbano e novos regulamentos, inclusive em relação à
estética dos edifícios, mas não trabalhou sobre a expansão urbana de forma
planejada (TASCA, 2010).
Em 1949, o plano Saboya Ribeiro foi elaborado, prevendo uma grande
reformulação urbana, incluindo demolições de quarteirões e a construção de
amplas avenidas, que, apesar de não ter sido formalizado, serviu de base para
expansões futuras. O Código de 1938 permaneceu ativo até 1986, quando foi
elaborada a Legislação Urbana Básica, que passou a operar como instrumento
planejador de expansão urbana, legislação ainda vigente e principal norma de
regulação do espaço urbano da cidade de Juiz de Fora. (TASCA, 2010).

As legislações de incentivo à verticalização abriram caminho para as alterações


morfológicas no entorno da Rua Halfeld e, se não fossem as ações de proteção
ao patrimônio cultural, provavelmente não haveria vestígios da época da
ocupação da região.

Figura 127: Evolução urbana da área central de Juiz de Fora, com destaque
para o quarteirão onde foi construído o SULACAP.

255

Fonte: extraído de GERALDO, 2014.


O patrimônio cultural de Juiz de Fora é atualmente protegido pelas três esferas
de governo. Em nível municipal, a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage
(FUNALFA) foi instituída em 14 de setembro de 1978 pela Lei nº 5.471. A
gerência do patrimônio cultural fica sob a responsabilidade do Conselho
Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (COMPPAC), vinculado à
Fundação. O IEPHA/MG e o IPHAN também atuam no município respondendo
pelos bens de valor cultural em nível estadual e federal, respectivamente. A
primeira ação do IPHAN em Juiz de Fora foi incipiente, em 1939, com o
tombamento das Coleções do Museu Mariano Procópio. A partir daí, apenas em
1994 foi tombada uma nova edificação, o Cine Teatro Central, situado na Praça
João Pessoa. Em nível estadual, apenas três bens são protegidos, a saber: o
Conjunto Arquitetônico, Paisagístico e o Acervo do Museu Mariano Procópio, o
Conjunto Arquitetônico Paisagístico e o Espaço Cultural da Usina de Marmelos e
o edifício do acervo do Museu do Banco de Crédito Real de Minas Gerais, ambos
tutelados no ano de 2005.

Apesar de estabelecidas apenas na década de 1970, as ações de proteção


256
municipal serviram também para a valorização da região central como atrativo
turístico e de lazer. Diante dessa nova visão, a Rua Halfeld, no trecho entre as
avenidas Rio Branco e Getúlio Vargas, onde o SULACAP está inserido, foi
fechada para o trânsito de veículos. Como é comum acontecer com essas ações
urbanísticas sem a participação popular, a alteração foi criticada pelos
comerciantes locais que viam que o uso exclusivo de pedestres diminuiria os seus
lucros. No ano de 1987, a Rua Halfeld passou por uma nova revitalização, com
aterramento da fiação elétrica, novos revestimentos e equipamentos públicos.
Tais melhorias, ao contrário das opiniões dos lojistas locais, favoreceram a
dinâmica econômica, alterando o uso do entorno que se tornou praticamente
comercial.
RELAÇÃO DO EDIFÍCIO COM O ENTORNO

Em suma, a difusão da linguagem moderna, como na


realidade se deu, piorou de um modo geral a qualidade do
ambiente. As regras prospectivas tradicionais – os
alinhamentos dos edifícios à beira das ruas, as simetrias, as
relações entre alturas e larguras nos espaços públicos –
foram abandonadas sem serem substituídas por uma ordem
mais razoável.

Leonardo Benevolo, 2014.209

O terreno onde a sede SULACAP de Juiz de Fora foi construída, resultante da


demolição de três edificações na Rua Halfeld, ocupava todo o comprimento do
quarteirão entre a Rua Halfeld e a Marechal Deodoro, segundo fonte oral já
mencionada. Apesar da possibilidade do acesso ao edifício acontecer por duas
vias importantes da área central, Roberto Capello decidiu projetar a edificação
voltada para a Rua Halfeld, cuja diversidade de usos já era intensa na década de
1930.

Conforme explicitado, a normativa promulgada em 1923, que diminuiu a altura 257


mínima do pé direito exigido, permitiu que o edifício SULACAP fosse construído
com mais pavimentos que a maioria das construções do entorno, apesar de
seguir a altimetria do edifício existente no terreno adjacente à sua lateral
esquerda, alinhando as platibandas frontais.

Ao contrário das demais áreas centrais onde as sedes da empresa foram


construídas, a área urbana imediata ao SULACAP de Juiz de Fora não sofreu
alterações significativas em sua malha primitiva, portanto sua relação com o
entorno manteve-se praticamente inalterada. O traçado original dessa área,
desenhado pelo engenheiro Gustavo Dodt em 1860, se mantém até os dias
atuais, e as alterações urbanas se resumem às expansões a partir do núcleo
original. O mesmo não se pode afirmar em relação às estruturas arquitetônicas.
A maioria das edificações coloniais do núcleo original foram substituídas por
estruturas de linguagem eclética e, posteriormente, por edifícios em altura, até à
criação da legislação municipal de proteção ao patrimônio cultural, cujas políticas

209
BENEVOLO, Leonardo. A cidade e o Arquiteto. 3. ed. Perspectiva, 2017.
se voltaram à proteção da arquitetura que marcou a evolução do pequeno
povoado.

Figura 128: Aspecto da Rua Halfeld em 1903.

Fonte: jornal Tribuna de Minas – Disponível em:


258 https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Rua_Halfeld_%281903%29.jpg. Acesso em: 17
fev. 2020.

Figura 129: Aspecto da Rua Halfeld na década de 1970, já exclusiva para


uso de pedestres, com destaque para o edifício SULACAP à esquerda

Fonte: Acervo Simón Eugénio Sáenz Arévalo – Disponível em:


http://mauricioresgatandoopassado.blogspot.com/2019/01/rua-halfeld-406-
fotografias.html. Acesso em: 17 fev. 2020.
Quando construído, o SULACAP destacou-se no entorno pela sua altimetria e
pelos aspectos formal e funcional, características que perderam
representatividade com o início do processo de verticalização da região, por volta
da década de 1940 (CARDOSO, 2015). Até essa década, os primeiros edifícios
verticais não passavam de seis andares, quando, em 1948, foi inaugurado, na
Rua Halfeld, o edifício Baependy, primeira construção acima dessa altimetria e
de uso exclusivamente comercial. Posteriormente, em 1950, é erguido, na
Avenida Rio Branco, o edifício Primus, o primeiro em grande altura e totalmente
residencial, projetado pelo engenheiro Deusdedit Salgado de Paula, que também
assinou o projeto do Baependy (CARDOSO, 2015). Ambos os edifícios foram
construídos com propósitos racionalistas, destituídos de qualquer tipo de
ornamentação em suas fachadas. Registra-se, no período de 1938 e 1955, a
construção de 21 edifícios de apartamentos no entorno da Rua Halfeld e da
Avenida Rio Branco (CARDOSO, 2015), marcando o acelerado processo de
verticalização e a alteração da morfologia urbana das imediações do SULACAP.

259
ANÁLISE FORMAL

Esse valor comunicativo gigantesco, que a forma


arquitetônica de localizar o espaço tem, passa a dialogar com
o homem, mesmo como obra humana, e ganha
personalidade, que é imutável em relação às ideias que a
fizeram no tempo.

Vilanova Artigas, 1961.210

Construído em um terreno predominantemente retangular, com testada menor


(vinte e oito metros) voltada para Rua Halfeld, o edifício SULACAP, ao contrário
da proposta de implantação da maioria das demais sedes, não ocupou a
totalidade do terreno em decorrência na normativa urbanística vigente, que exigia
afastamentos posteriores nos terrenos edificados.

Figura 130: Fachada frontal do edifício SULACAP/Juiz de Fora.

260

Fonte: Karine de Arimateia/ maio 2018.

210
ARTIGAS, 1961, p. 193
O estudo da proposta de implantação do projeto, feito a partir da análise do
levantamento arquitetônico executado Figura 131: Detalhe do vão central do
edifício SULACAP/Juiz de Fora.
pelos alunos da UFJF, identificou uma
possível alteração no projeto original,
conforme já mencionado. Em uma
primeira análise identificou-se que a
proposta de implantação do arquiteto
seguia o formato “U”, porém a
identificação das plantas dos demais
pavimentos, em “T”, levantou a hipótese
de que o pavimento térreo teria sido
modificado com o acréscimo das lojas
em direção ao fundo do terreno; em
decorrência da desproporcionalidade
verificada no pavimento térreo em
relação aos superiores e pela diferença
de espessura das alvenarias desse 261

possível acréscimo em relação às


demais.
Fonte: Extraído de Relatório Fotográfico-
Não obstante, a implantação em “U”, Ficha M207 – Trabalho de graduação do
curso de Arquitetura e Urbanismo da
como está hoje, ou em “T”, UFJF.
hipoteticamente a original, em um
terreno retangular, gerou invariavelmente o volume que, aos olhos do espectador
na Rua Halfeld, transmite a percepção de um prisma de base retangular, uma vez
que a ausência de afastamentos entre as edificações vizinhas impede a leitura
do todo.

A solução tripartida desse edifício é resolvida unicamente com o jogo diferenciado


das aberturas e com a presença da marquise entre o pavimento térreo (com pé-
direito duplo/ exigência da normativa em vigor) e o pavimento superior a ele. O
acesso principal e central é feito por uma portada em ferro e vidro, da altura do
pé direito, e que se estende pelo corpo compondo a esquadria de iluminação da
circulação vertical, também em ferro e vidro. O corpo é constituído por quatro
pavimentos, com aberturas dispostas simetricamente em relação à esquadria
central. O modelo destas janelas é o mesmo encontrado na maioria dos edifícios
estudados, ou seja, do tipo guilhotina, originalmente em madeira e vidro e
persianas de enrolar (modelo “copacabana”). O coroamento é resolvido pela
repetição das janelas do corpo, em mesmo alinhamento, e por mais quatro
janelas sobre o vão da esquadria central, encimadas por um friso horizontal em
alto relevo, que se repete na platibanda. A edificação também possui um subsolo,
cujo pé-direito é constituído, em parte, pela elevação da laje do hall principal em
relação ao nível da calçada.

O revestimento externo é resolvido de forma similar aos demais edifícios, ou seja,


granito no pavimento térreo e pó de pedra no corpo e coroamento da fachada
frontal. A cobertura do volume predominante é resolvida em estrutura de madeira
e telha cerâmica, em sete águas, com a cumeeira principal paralela à Rua Halfeld.

O sistema estrutural, em concreto armado sobre fundação do tipo Franki, foi


detalhado na ocasião da entrevista
Figura 132: Fachada posterior do edifício
262 SULACAP/Juiz de Fora. com engenheiro da construtora,
Raphael Arcuri, ao Jornal Correio de
Minas em 1938, conforme já exposto.

Tais características formais e


aspectos construtivos revelam a
renovação projetual que seria
adotada nas principais cidades do
país nas décadas seguintes. Porém,
o projeto desse edifício,
particularmente, demonstra um maior
cuidado em relação à composição
dos elementos na fachada, cuja
simetria e imponência revelam
vestígios da arquitetura clássica,
porém com economia de
Fonte: DIPAC.
ornamentos.
ANÁLISE FUNCIONAL

Dizer que o espaço interno é a essência da arquitetura não


significa de nenhuma maneira que o valor de uma obra
arquitetônica se esgota no valor espacial. Todo edifício se
caracteriza por uma pluralidade de valores: econômicos,
sociais, técnicos, funcionais, artísticos, espaciais e
decorativos [...]. Mas a realidade do edifício é consequência
de todos estes fatores e sua história válida não pode
esquecer nenhum deles.

Bruno ZEVI, 1955.211

Conforme já analisado, o edifício SULACAP de Juiz de Fora foi construído na


área de ocupação do núcleo inicial da povoação, assim como verificado com as
demais sedes. A região ainda mantém os usos de comércio, serviços, instituições
públicas e de lazer, atrelados à sua ocupação original e modificados ao longo dos
anos com as novas demandas da sociedade, como o modo de morar em
apartamentos.

Nesse novo contexto, o SULACAP foi construído, abrigando, no seu pavimento 263
térreo, a sede da sucursal, salas comerciais no primeiro e no segundo
pavimentos212 e três apartamentos em cada pavimento superior a esses.
Conforme apontado, tal uso modificou-se paulatinamente e o edifício se tornou
exclusivamente comercial.

Internamente, o hall de acesso é elevado aproximadamente dois metros em


relação ao nível do passeio, solução que exigiu a implantação de uma escadaria
de lance único para acesso ao edifício. No hall principal estão os elevadores
sociais, as escadas de acesso aos pavimentos superior e inferior e uma sala,
originalmente ocupada pela sede da sucursal. Assim como verificado nas demais
sedes, o hall tem as paredes revestidas em mármore. Nesse mesmo pavimento,

211
Tradução minha - “Decir que el espacio interno es la esencia de la arquitectura, no significa de
ninguna manera que el valor de una obra arquitectónica se agote en el valor espacial. Todo edificio
se caracteriza por una pluralidad de valores: económicos, sociales, técnicos, funcionales, artísticos,
espaciales y decorativos [...]. Pero la realidad del edificio es consecuencia de todos estos factores, y
su historia válida no puede olvidar ninguno de ellos. (ZEVI, 1955, p. 21).
212
Dados extraídos do trabalho dos alunos de graduação, já mencionado.
Figura 133: Escadaria de acesso ao hall
com acesso exclusivo para a rua e, principal do edifício SULACAP/Juiz de Fora.

portanto, niveladas a ela, estão


quatro lojas, separadas
simetricamente em dupla pelo
acesso principal.

Os corredores de acesso às salas e


aos apartamentos são amplos, com
piso revestido em granilite e as
alvenarias, em pintura. Destaca-se
o emolduramento dos elevadores
com a mesma madeira das portas
de acesso às unidades.

O subsolo está abaixo três metros


do nível térreo e abriga a
infraestrutura do sistema predial,
Fonte: Extraído de Relatório Fotográfico-Ficha
264 bem como salas de uso do M207– Trabalho de graduação do curso de
Arquitetura e Urbanismo da UFJF.
condomínio. Do terreno vendido

Figura 134: Fachada posterior do edifício SULACAP/Juiz de Fora.

Fonte: Extraído de Relatório Fotográfico-Ficha M207– Trabalho de


graduação do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFJF.
após o parcelamento da área não edificada restou uma pequena parcela, cujo
piso atualmente encontra-se revestido em cimento.

Figura 135: Epígrafe em baixo relevo /


SULACAP/Juiz de Fora.

265

Fonte: Karine de Arimateia. Maio 2018.


PEÇAS GRÁFICAS213

As peças gráficas apresentadas a seguir foram redesenhadas especificamente


para esta pesquisa com base nos desenhos realizados em 2015 pelos alunos de
graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de
Juiz de Fora (UFRJ), referente à disciplina de Projeto em Patrimônio Cultural
(AUR 113).

266

213
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
267
268
269

3.4. PORTO ALEGRE/RS – SUL AMÉRICA E SULACAP


270
Figura 136: Edifício SULACAP/Porto
Alegre.

Ficha técnica

Nome original: Edifício SULACAP.


Nome atual: Edifício SULACAP.
Endereço: Av. Borges de Medeiros, entre a
Rua dos Andradas e Av. Salgado Filho,
Centro, Porto Alegre, RS.
Coautoria: Arnaldo Gladosch (?)
Ano do projeto: 1942 (Projeto publicado na
Revista Sul América, maio de 1942, ano VI,
nº 69).
Ano de conclusão da obra/inauguração:
1949 (Jornal do Dia, Porto Alegre, 20 de
setembro de 1949, p. 3, edição 00799).
Construtora: Azevedo Moura & Gertum
(CANEZ, 2006).
Uso original: Misto.
Uso atual: Misto

Fonte:
<https://www.flickr.com/photos/bauhausler/1876
74028/ >- acesso 16 mar. 2020. 271
Figura 137: Edifício Sul América/Porto
Alegre.

Ficha técnica

Nome original: Edifício Sul América.


”.
Nome atual: Edifício Sul América.
Endereço: Av. Borges de Medeiros, nº 417,
esquina com Rua dos Andradas, Centro, Porto
Alegre, RS.
Coautoria: Arnaldo Gladosch (?)
Ano do projeto: 1938-1940 (CANEZ, 2006)
Ano de conclusão da obra/inauguração: 29 de
outubro de 1940 (CANEZ, 2006)
Construtora: ?
Uso original: Comercial.
Uso atual: Misto (lojas no térreo e apartamentos
nos andares superiores).
Propriedade: Privada (condomínio).

Fonte: https://lista.mercadolivre.com.br-
acesso 16 mar. 2020.
272
ANÁLISE HISTÓRICA

No ano de 1928, a Revista Sul América informou em seu balanço anual a relação
compositiva do patrimônio imobiliário da empresa. Nesse documento foi
comunicado que, até aquele ano, o patrimônio era composto por quatro edifícios
localizados no Rio de Janeiro, além da sede da sucursal em São Paulo (em
construção) e o edifício da sucursal de Porto Alegre (em reforma), esse localizado
na Rua General Câmara, nº 352.214 Portanto, no ano de 1928, as únicas capitais
com sede própria da empresa eram Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo.

Figura 138 – Edificação na Rua General Câmara, nº 352 – O endereço da sede de


antiga sede da Sul América.
Porto Alegre informado no
ano de 1928 coincide,
atualmente, com o da
edificação ainda
remanescente na área
273
central da cidade, com
linguagem arquitetônica
similar à primeira sede da
Sula América construída no
Rio de Janeiro. Esse imóvel
Fonte: - https://www.sul21.com.br/cidades/2015/12/justica-
suspende-reintegracao-de-posse-da-ocupacao-lanceiros- foi adquirido posteriormente
negros/- acesso 16 out. 2020.
pelo Estado do Rio Grande
do Sul, atual proprietário, provavelmente no período da alienação do patrimônio
da empresa, na década de 1960, ou até antes, visto que a nova sede da Sul
América foi inaugurada em 1940 (CANEZ, 2006). Nos últimos anos, a edificação
permaneceu abandonada, sendo posteriormente ocupada por movimentos
sociais, até o governo decidir restaurá-la, em 2018.

Já em relação à empresa SULACAP, não há registros comprobatórios sobre o


início da sua atuação na cidade de Porto Alegre, porém, sabe-se que, em maio

214 Revista Sul América/nº 35, Ano 9, p. 11/jul. 1928.


de 1942, o projeto da nova sede foi publicado na edição da Revista Notícias do
SULACAP:

Temos o grande prazer de apresentar a todos os


Colaboradores de Sulacap, o projeto do Edifício Sulacap que
em breve se erguerá em Porto Alegre, como mais um robusto
marco da sua pujança. A fachada tem uma extensão de 82
metros, sôbre a Avenida Borges de Medeiros, e forma
esquina com a Avenida dos Andradas, antiga rua da Praia, e
a Avenida Dez de Novembro, antiga rua Andrade Neves [...].
A Pedra Fundamental deste monumento será lançada em
breve, a fim de cooperar o mais cedo possível no
embelezamento desta importante cidade. (Revista Notícias
do Sulacap, ano 6, maio de 1942, número 69.)

Ana Paula Canez (2006), em sua tese de doutoramento sobre Arnaldo Gladosch,
citou que o início de sua concepção projetual ocorreu em 1938 e que as obras
aconteceram no período de 1943 a 1949.

Fato é que, no final da década de 1940, Porto Alegre já contava com as duas
sedes próprias, uma defronte à outra, na Av. Borges de Medeiros, exatamente no
local conhecido popularmente como Esquina Democrática, cuja importância
274
histórica e cultural no espaço urbano lhe conferiu proteção municipal no ano de
1997.

Ana Paula Canez registrou que ambos os edifícios “foram projetados por Arnaldo
Gladosch no escritório técnico de Roberto Capello” (CANEZ, 2006, p. 27). Esta
informação preliminar levantou dúvidas sobre a autoria de Capello em relação às
duas sedes, e, ainda mais, se cabia ou não a análise dos edifícios neste trabalho.
A própria autora, ao consultar o projeto arquitetônico do Sul América, informou
que no carimbo das pranchas constava apenas o nome de Roberto Capello,
porém concluiu sobre a autoria de Gladosch em decorrência de uma citação na
tese de doutoramento de Naura Helena Naumann Machado, de 1998,
especificamente: “Notícia em jornal da época associa ao nome de Gladosch
aquele do arquiteto Roberto Capello do Rio de Janeiro. Efetivamente, tal como
no Ed. SUL AMÉRICA, o projeto dessa edificação (SULACAP) ocorre sob a
responsabilidade de Gladosch e através daquele escritório.” (MACHADO, 1998,
p. 327, apud CANEZ, 2006). Segue a passagem de Canez sobre sua conclusão:
Essa observação [a citada por Machado] parece solucionar a
dúvida surgida quanto à autoria do edifício Sul América,
embora, nas pranchas do projeto arquitetônico arquivadas na
Prefeitura de Porto Alegre, consultadas, digitalizadas e
redesenhadas para servir aos propósitos do trabalho aqui
apresentado, conste apenas o carimbo do escritório referido
e a assinatura do engenheiro Roberto Capello. As dúvidas
relativas à autoria do edifício foram dirimidas por Nara
Machado, que apontou os caminhos que ela já havia trilhado
em sua tese de doutorado referida anteriormente (CANEZ,
2006, p. 52, grifo meu)

Uma vez que a autora obteve acesso ao projeto original, cabe aqui questionar: o
que confirmaria oficialmente, no caso de dúvidas, a autoria de um projeto, senão
a assinatura do profissional em uma prancha técnica? Ademais, Canez sequer
mencionou como Machado concluiu tal hipótese. Diante dos fatos, e com base
na existência comprovada do Departamento de Propriedades e Hypotecas da
empresa Sul América no ano de 1935, dirigido por Roberto Capello, retifico a
informação de Canez e atribuo a coautoria da sede Sul América ao arquiteto
italiano, conforme já previamente relatado neste texto.

O mesmo acontece com o edifício SULACAP, porém, sobre sua autoria, Canez 275
sequer levantou dúvidas. Para afirmar tão seguramente a autoria de Gladosch,
Canez, em seu texto introdutório, elencou uma ampla bibliografia consultada que
afirmou tal fato. Dentre elas, destaca-se a obra de Alberto Xavier e Ivan
Mizoguchi, intitulada Arquitetura Moderna de Porto Alegre e publicada em 1987,
citada por Canez como uma importante contribuição para o registro da produção
da arquitetura moderna de Porto Alegre, conforme segue abaixo:

Outra obra importante é “Arquitetura Moderna em Porto


Alegre”, em que Xavier e Mizoguchi registram os exemplares
mais representativos da produção edificada de Porto Alegre.
[...] Os projetos estão dispostos cronologicamente, de acordo
com o ano de sua realização. Cada uma das obras
apresentadas, um total de 160, vem acompanhada por
fotografias, um breve relato, pequenas descrições referindo-
se principalmente ao contexto, programa, sítio e implantação,
seguida ainda de material gráfico, normalmente plantas e
algum corte. De autoria de Arnaldo Gladosch, encontram-se
relacionadas duas obras: o Edifício Sulacap (1938) e o
Edifício Mesbla (1944). (CANEZ, 2006, p. 51).
Ao consultar a obra de Mizoguchi e Xavier - há tempos esgotada -, percebe-se
que os autores, além de atribuírem autoria do SULACAP à Gladosch, também o
fizeram em relação ao Sul América, a despeito de Canez não mencionar este fato
em sua conclusão. Mizoguchi e Xavier também registraram a existência do
escritório técnico de Roberto Capello, já invalidada anteriormente:

Propriedade da Sul América Capitalização, este edifício


[SULACAP] foi projetado no Rio de Janeiro pelo Escritório
Técnico Roberto Capello, através do arquiteto Arnaldo
Gladosch, responsável, nesse mesmo ano de 1938, por
estudo para o Plano Diretor de Porto Alegre. Sua construção
foi iniciada em 1943 pela firma Azevedo Moura, Gertum e
ocupa parte do quarteirão da área mais central da cidade.
Compreendia originalmente escritórios e apartamentos,
ocupando estes o trecho de esquina com a avenida Salgado
Filho, marcado por sacadas, e hoje destina-se
exclusivamente por escritórios. [...] Fronteiro ao Sulacap, está
o Sulamérica, edificação de menor porte e tratamento menos
requintado, autoria também de Arnaldo Gladosch
(MIZOGUCHI e XAVIER, 1987, p. 49).

Canez também utilizou Weimer Günter como referência, em especial o livro


intitulado “Arquitetura Modernista em Porto Alegre entre 1930 e 1945”, de 1998.
276
Sobre a obra, a autora discorreu:

Vale citar, do mesmo autor [Weimer Günter], a minuciosa


pesquisa realizada, na sua maior parte, nos negativos dos
microfilmes, cedidos pela Prefeitura Municipal de Porto
Alegre, dos projetos submetidos à aprovação, em que
comparece o edifício Sulacap, acompanhado de descrição e
histórico. (CANEZ, 2006, p. 53).

Além de todas essas referências, também serviu como base para a pesquisa de
Canez o livro de Hugo Segawa:

Em ‘Arquiteturas no Brasil: 1900-1990’, um trabalho pioneiro


de visão abrangente e concisa, Segawa buscou estudar os
processos da constituição da nossa arquitetura moderna em
matizes diversos, caracterizando modernidades distintas que
intitulam os capítulos. (CANEZ, 2006, p. 53).

E nesta passagem, Canez destacou exatamente a parte do texto em que Segawa


confere autoria à Gladosch ao projeto arquitetônico do SULACAP, abaixo
transcrita:
[...] Gladosch, nesse sentido, foi um arquiteto que projetou
edifícios que bem representam um conceito de implantação
de grandes obras na paisagem urbana das cidades
ordenadas nos moldes à Agache: o edifício Sulacap em Porto
Alegre (projetado em 1938, concluído em 1949) é um
paradigma de boa qualidade da arquitetura para fins
comerciais e residenciais desse período (SEGAWA, 2014, p.
76, apud CANEZ, 2006, p.55).

Paulo Cesa Filho também contribuiu para a pesquisa de Canez com sua
dissertação intitulada “Arquitetura da Verticalidade na recém-aberta avenida
Borges de Medeiros”, defendida em 2003, na Faculdade de Arquitetura da
UFRGS. Sobre o estudo, a autora destacou:

[...] Vale também acrescentar que, na primeira parte do


trabalho, Cesa traça um panorama das transformações
sofridas pela arquitetura de Porto Alegre, inserida na ânsia
modernizadora que acometeu a cidade, principalmente no
período compreendido entre as décadas de 20 e 40,
amparado, principalmente, nos estudos precedentes de Nara
Machado. A contribuição do autor que interessa à presente
tese, entretanto, está, principalmente, no apurado
reconhecimento da técnica, da materialidade do edifício
Sulacap. (CANEZ, 2006, p.59, grifo meu)
277
Infelizmente, a dissertação de Cesa não está disponível para consulta no
repositório digital da UFRGS, tampouco em outra mídia digital, de forma que não
foi possível verificar as fontes consultadas pelo autor. Entretanto, Canez informou
uma de suas referências principais, a tese de Nara Machado, a qual conduziu a
conclusão de que Gladosch desenvolveu o projeto para o Sul América, gerando
uma circularidade nas informações relativas à autoria dos projetos, que poderia
ser interrompida por Canez na ocasião da consulta ao projeto original, quando
confirmou o nome de Capello nos carimbos das pranchas.

Canez também fez uso da tese de Silvio Belmonte de Abreu Filho, desenvolvida
concomitantemente com a sua, porém defendida antes215, autor que também
indicou a autoria de Gladosch para as sedes de Porto Alegre:

Nascido em São Paulo, Arnaldo Gladosch (1903-1954)


estudou na Alemanha, na Escola Superior Técnica da
Saxônia em Dresden, onde se diplomou como engenheiro-
arquiteto em 1926 e depois se especializou em urbanismo.

215
A tese de Abreu Filho foi publicada em julho de 2006 e a de Canez em dezembro de 2006.
Em 1927, recém formado e de volta ao Brasil, escreve para O
Jornal, do Rio de Janeiro, uma série de cinco artigos sobre
questões urbanísticas da cidade, a necessidade de um Plano
Diretor, e sobre a contratação de Agache. Dessa forma,
credencia-se para trabalhar como colaborador na equipe que
Agache monta no Rio de Janeiro, encarregando-se das áreas
industriais. Na década de 30, encontra-se estabelecido com
o Escritório Técnico Arnaldo Gladosch no Rio de Janeiro, na
Av. Rio Branco, de onde vai desenvolver os Planos para Porto
Alegre. Enquanto trabalhava nestes, contratou uma série
significativa de projetos arquitetônicos em Porto Alegre, como
os Edifícios SULACAP (1938-49), Sul América (1938-40).
(ABREU FILHO, 2006, p.122, grifo meu)

Abreu Filho, ao utilizar a palavra “contratou” (em destaque na citação), dá


margens a interpretações diversas. Entretanto, em outras tantas passagens pelo
seu texto, há a afimração da responsabilidade projetual de Gladosch para os dois
edifícios.

Não é de se estranhar que com tantas fontes afirmando a autoria de Gladosch


para ambas as sedes que Canez sequer duvidou da informação. Entretanto, a
278
reunião de alguns episódios, tais como, as notícias de viagens de Capello para
Porto Alegre nos anos 1936,216 1940217 e 1949;218 a existência do Departamento
de Propriedades e Hypotecas no ano de 1935; a informação sobre a assinatura
de Capello no projeto do Sul América (citado por CANEZ, 2006); a autoria dos
projetos das sedes em outras capitais; além da notícia sobre a inauguração do
edifício SULACAP publicada no Jornal do Dia de Porto Alegre, possibilitou a
inferência sobre a participação direta de Roberto Capello nos projetos, fato que
não impede o questionamento por parte de novas pesquisas. Segue abaixo o
trecho deste noticiário que aponta Capello como coautor do projeto do SULACAP:

Nossa reportagem pôude apurar que viajaram no


‘Constallation’, além do vice-presidente do Sulacap, Sr.
Antônio S. de Larragoiti Junior e exma esposa, mais as
seguintes pessoas: [...] drs. Arnaldo Gladosch e Roberto
Capello, arquitetos do edifício Sulacap de Pôrto Alegre, e

216
Jornal do Brasil, 5 de junho de 1936, p.2, edição 05204.
217
O Imparcial de março de 1940, p. 11, , edição 01470, Rio de Janeiro.
218
Jornal do Dia, Porto Alegre, 20 de setembro de 1949, p. 3, edição 00799.
muitos outros diretores, gerentes de sucursais [...].219 (Grifo
meu).

Ao consultarmos diretamente a tese de Abreu Filho de forma a levantar


informações sobre os planos urbanísticos de Porto Alegre, com o objetivo de
embasar os estudos da relação dos edifícios como o entorno imediato, uma
passagem em seu texto chamou a atenção. O autor, ao detalhar o Plano Diretor
de Arnaldo Gladosch, a partir da análise da publicação intitulada “Um Plano de
Urbanização” (1943), de autoria do prefeito José Loureiro da Silva, descreveu
sobre o plano do Quarteirão Masson, área em que as sedes estudadas foram
construídas:

Os estudos são denominados alternativamente como Quadra


1, denotando sua intenção de exemplaridade no tratamento
de áreas similares no Centro. Junto com os estudos, é
apresentada uma perspectiva do projeto para o Edifício
Sulacap, em execução à época na cabeça do quarteirão em
questão (Fig. Nº 92 do documento), sem crédito do autor, no
caso o mesmo Arnaldo Gladosch. (ABREU FILHO, 2006p.
132, grifo meu).

Posteriormente, Abreu Filho detalhou o plano a partir das atas do Conselho -


279
consideradas por ele como fonte mais confiável para seu estudo -, e repetiu a
informação supra:

Na Parte V [da 9ª reunião de 17 de abril de 1941] – O Plano


Definitivo (dentro do item Reloteamento), o estudo é
apresentado juntamente com outros projetos de reloteamento
referentes à abertura da Avenida Farrapos, à urbanização da
Azenha-Menino Deus-Praia de Belas, e a outros quarteirões
do centro, como o mais importante e detalhado, ali informado
como em plena execução: o chamado “quarteirão Masson”. O
projeto de reloteamento é apresentado na Fig. Nº 91, objeto
do Decreto n 294, e uma perspectiva do Edifício Sulacap na
Fig. Nº 92 do documento, como “Fachada da construção do
lote com face para a av. Borges (Edifício Sulacap)”, sem
informação de autoria de Arnaldo Gladosch ou data de
projeto. (ABREU FILHO, 2006p. 152, grifo meu).

Talvez seja o documento publicado por Loureiro Silva - “Um Plano de


Urbanização” - o responsável pelas conclusões de autoria de Gladosch por parte
dos autores citados. Se não havia crédito ao autor, mas se tratando de um

219
Jornal do Dia, Porto Alegre, 20 de setembro de 1949, p. 3, edição 00799.
documento que discutia o Plano Diretor de Arnaldo Gladosch, o qual apresentava
a perspectiva do projeto, como não atribuir-lhe a autoria?

Percebe-se, com as passagens das diversas fontes, como o nome de Capello foi
obliterado da historiografia da arquitetura da primeira metade do século 20 no
Brasil, principalmente no que diz respeito à autoria dos edifícios da empresa em
Porto Alegre.220

Figuras 139 e 140 – Construção do Edifício SULACAP/Porto Alegre.

280

Fonte: Acervo João Alberto/UniRitter – extraído de CANEZ


(2006). – Modificada pela autora.
O SULACAP, em especial, tornou-se um ícone da verticalização da Av. Borges
de Medeiros, um marco arquitetônico tanto por sua monumentalidade, quanto por
sua linguagem arquitetônica. O edifício é constantemente lembrado em
produções audiovisuais sobre a área central de Porto Alegre, tal como o curta
metragem “O Resto é Silêncio”,221 e trabalhos de fotógrafos. O mesmo não
acontece com o edifício Sul América, que segue esquecido no espaço urbano

220
As obras de Segawa e de Alberto Xavier/Ivan Misoguchi, em função de sua representatividade na
historiografia sobre a arquitetura moderna, serviram para disseminar este erro de coautoria do projeto.
Para citar alguns estudos que afirmaram a autoria única de Gladosch do projeto do SULACAP: a tese
de doutoramento defendida em 1989 na FAU-USP por Günter Weimer, intitulada “A arquitetura erudita
da imigração alemã no Rio Grande do Sul”, e a dissertação de mestrado de Paulo Cesa Filho,
intitulada “Arquitetura da Verticalidade na recém aberta avenida Borges de Medeiros”, defendida em
2003, na PROPAR-UFRGS.
221
Produzido pela Casa de Cinema de Porto Alegre, 2005, com Roteiro de Angel Palomero, com
colaboração de Ana Luiza Azevedo, Bel Merel, Janaína Fischer, Jorge Furtado e Márcio Schoenardie
e baseado na obra de Erico Verissimo.
porto-alegrense, a despeito de ter sido um dos primeiros edifícios em altura
construídos na área central.

O edifício Sul América de Porto Alegre, construído exclusivamente para o uso


comercial, foi reestruturado décadas após a sua inauguração e se tornou de uso
misto, com a manutenção das lojas do térreo e transformação das salas dos
andares superiores em unidades residenciais. A reforma foi realizada com base
no Programa de Arrendamento Residencial (PAR) da Caixa Econômica Federal
(Canez, 2006),222 que o adaptou com apartamentos de áreas variadas, incluindo
unidades de um quarto, com área aproximada de 28 a 30 metros quadrados. Foi
a partir da reforma para a modificação do seu uso que o edifício perdeu parte das
soluções plásticas propostas pelos arquitetos, em decorrência de alterações em
suas fachadas, dentre elas, a instalação de uma faixa de cerâmica na fachada
frontal do volume maior e pintura sobre o revestimento em pó de pedra (FIGURA
Figuras 142 – Edifício Sul América na década Figuras 141 – Edifício Sul América (à direita na
de 1940. imagem) na década de 1940.

281

Fonte: Fonte:
http://antigaportoalegre.no.comunidades.ne http://antigaportoalegre.no.comunidades.net/fot
t/fotos-1941-1960. Acesso Mar. 2020 os-1941-1960. Acesso Mar. 2020

222
Canez não informa a data desta modificação de uso.
148), intervenções que prejudicaram também a leitura original de volume único,
tendo em vista o destaque dado à torre maior com a instalação das cerâmicas,
conforme será visto adiante.

Figuras 143 – Notícia de inauguração do edifício SULACAP.

282

Fonte: Jornal do Dia, Porto Alegre, 20 de setembro de 1949, p. 3, edição 00799


PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

As análises do edifício SULACAP foram realizadas por meio da comparação entre


a perspectiva do projeto do edifício (publicada na Revista Notícias do Sulacap em
1942) e imagens antigas e atuais. Já em relação ao Sul América, em função da
ausência da perspectiva do projeto original, as análises foram baseadas apenas
na comparação entre imagens antigas e atuais.

Tais estudos concluíram que, no que tange à volumetria e ao partido


arquitetônico, não houve alterações significativas e que descaracterizassem a
proposta inicial dos arquitetos, com exceção da fachada do Sul América, que
sofreu alteração dos revestimentos, prejudicando a leitura do volume original,
conforme já destacado. Nota-se, também, que a perspectiva do projeto do
SULACAP apresenta nas fachadas algumas faixas de revestimento de tonalidade
mais escura, que não foram executadas ou foram alteradas, a despeito da
283
manutenção da tonalidade mais forte nos frisos em alto relevo na delimitação de
alguns pavimentos.

Figura 145 –Perspectiva do Projeto do SULACAP Figura 144 –Edifício SULACAP de


de Porto Alegre. Porto Alegre em 2018.

Fonte - Revista Notícias do Sulacap, ano 6,


maio de 1942, número 69. Fonte - Karine de Arimateia//2018.
Figura 146: Edifício Sul Figura 147: Edifício Sul América/Porto
América/Porto Alegre. Alegre.

Fonte: Fonte:
https://www.flickr.com/photos/fotosan https://www.flickr.com/photos/fotosantig
tigasrs/11017029583 - acesso 16 asrs/11017029583 - acesso 16 mar.
mar. 2020. 2020.

284
Figura 148: Edifício Sul
América/Porto Alegre/2019. Figura 149: Edifício Sul
América/Porto Alegre/2020.

Fonte: Karine de Arimateia. 2018. Fonte: Google Earth Pro. 2020.


Figura 151: Entorno imediato /Porto Alegre/década de
Em relação às modificações 1950.

do entorno imediato
verificadas da época da
construção dos edifícios até a
atualidade, pode-se concluir
que as alterações mais
significativas dizem respeito à
verticalização da região, que
ocorreu, pouco a pouco, a
partir das reformas de
urbanização da área central, Fonte: https://prati.com.br/fotosantigas/fotos-antigas-
porto-alegre - acesso em mar. 2020.
as quais devastaram
quarteirões inteiros. Como será relatado a seguir, o início do processo de
verticalização da área central de Porto Alegre se deu a partir do final da década
de 1920, com a substituição do casario antigo por edificações em maior altura e
com tecnologia construtiva mais avançada, incentivada, sobretudo, pelas novas
legislações urbanísticas e 285
Figura 150: Entorno imediato /Porto Alegre/2020.
pelo discurso de modernidade
corrente. O edifício Sul
América, primeira das duas
sedes construídas, coexistiu
por alguns anos com alguns
exemplares da arquitetura do
começo da urbanização da
cidade, destacando-se por
um período de tempo no
contexto urbano, em função
da altimetria e aspectos
Fonte: Google Earth Pro - acesso em mar. 2020.
construtivos, além da nova
tipologia de edifício empresarial. Já o SULACAP, cuja finalização da construção
se deu praticamente dez anos após o Sul América, foi erguido em um contexto
praticamente verticalizado, porém seu destaque se deu, sobretudo, pela sua
monumentalidade, evidência que se mantém até os dias atuais.
RELAÇÃO DOS EDIFÍCIOS COM O ENTORNO

As cidades precisam tanto de prédios antigos, que talvez seja


impossível obter ruas e distritos vivos sem eles.

Jane Jacobs, 1961.223

Para a construção do estudo da relação do edifício com seu entorno imediato,


utilizou-se, como fontes principais, a tese de doutoramento de Ana Paula Canez
(2006), tendo em vista a sua análise embasada sobre a construção da forma
urbanística da área central de Porto Alegre e a tese de Silvio Belmonte de Abreu
Filho (2006), que discorre sobre os planos e projetos urbanísticos para a cidade
de Porto Alegre. Como tem-se adotado nesta pesquisa, para o estudo das
relações do objeto arquitetônico com a área urbana, é fundamental compreender
como o espaço se transformou ao longo dos anos, especialmente a partir da
construção das edificações analisadas, de forma a concluir ou pelo menos
entender as alterações dessas relações, caso existam.
286
Conforme mencionado, o início do processo de verticalização da área central de
Porto Alegre se deu a partir do final da década de 1920, com a substituição do
casario antigo por edificações em maior altura e com tecnologia construtiva mais
avançada. A Lei municipal nº 180, de 14/12/1927, passou a conceder vantagens
fiscais para os incorporadores que construíssem prédios acima de seis andares,
incentivando, desse modo, a verticalização (ABREU FILHO, 2006, p.214). A nova
construção, que aos poucos substituiu as edificações de aspectos coloniais, se
erguia em lotes maiores, incorporados pelo desmembramento dos lotes
originários da ocupação, destacando-se no entorno enquanto o processo de
verticalização não avançava. Foi assim com a construção da sede da Sul
América. Nenhuma preocupação urbanística estava incorporada a essas novas
construções e o processo seguia o seu curso tendo como mote a modernização
das estruturas arquitetônicas e da cidade (CANEZ, 2006). Sobre alteração do
cenário urbano na década de 1930, discorreu Abreu Filho:

223
JACOBS, Jane. 2000.. p. 207.
[...] no início dos anos 30 a paisagem urbana começou a se
modificar, com a construção dos primeiros edifícios acima de
dez andares, como o Cine Teatro Imperial (1929) na Praça da
Alfândega e no Novo Hotel Jung (1929-32) na Praça XV de
Novembro, ambos no centro. [...] Entretanto, é a partir da
década de 50 que Porto Alegre, assim como outras capitais
brasileiras, vai conhecer um verdadeiro boom imobiliário.
(ABREU FILHO, 2006, pg. 215)

Figura 152: Cartão postal do Novo Hotel Jung /Porto Alegre.

287

Fonte:
https://www.rmgouvealeiloes.com.br/peca.asp?ID=600519&ctd=4&tot=&tip
o=23&artista=. Acesso jul. 2020

Antes disso, pode-se dizer que Porto Alegre adentrou o século 20 ainda com ares
provinciais, a despeito de uma incipiente industrialização no final do século 19,
decorrente da acumulação de capital oriunda do comércio de produtos agrícolas,
responsável pelo aumento significativo de sua população no início do novo
século. A necessidade de modernização da estrutura urbana veio em decorrência
deste novo cenário e, para isso, o governo contratou o engenheiro- arquiteto João
Moreira Maciel para compor a comissão responsável pelos melhoramentos
urbanos, então dirigida pelo engenheiro Jorge de Lossio (ABREU FILHO, 2006).
Maciel foi responsável por elaborar o Plano Geral de Melhoramentos para Porto
Alegre em 1914, o qual ficou popularmente conhecido por Plano Maciel, cujo
conteúdo incluía, dentre outras ações, o alargamento de vias e o saneamento da
orla. Segundo Abreu Filho, “o Plano orientou por várias décadas a transformação
física da cidade, mudando a face do centro, legou diretrizes seguidas pelos
planos que o sucederam, e deixou traços de grande permanência.” (2006, p.32).
Antes mesmo da implantação do Plano, a referida comissão aprovou o
“Regulamento Geral Sobre Construções”, documento que passou a exigir licença
prévia para as novas construções ou reformas e que definiu, inclusive, a altimetria
da edificação em relação à largura da via, além de proibir a construção de casas
térreas e casas de madeira nas principais vias, de forma a incentivar a
modernização da paisagem urbana. (ABREU FILHO, 2006).

O Plano Geral de 1914 foi detalhado em relatórios específicos nos quais já


apareciam relatos de obras de prolongamentos e alargamentos de vias, tais como
da Av. Borges de Medeiros, então Rua General Paranhos. O documento também
era acompanhado por plantas cadastrais, que seriam atualizadas em 1916 por
Maciel:

Figura 153: Plano Geral de Melhoramentos, 1914.

288

Fonte: Extraído de Maciel, 2006.

Como explicou Abreu Filho (2006), este Plano serviu de orientação para as
futuras intervenções das administrações seguintes, as quais continham em seus
ideais a renovação urbana e o embelezamento da cidade de Porto Alegre.
Segundo o autor,

O embelezamento envolvia a previsão de áreas verdes,


arborização urbana e jardins, mas também a introdução de
novos tipos de edifícios e o incentivo a uma nova imagem
urbana, ancorada na morfologia das novas avenidas. A
questão estética ‘tinha importância porque trabalhava com
elementos que remetiam diretamente às imagens das capitais
de reconhecida modernidade urbana” [...]. (ABREU FILHO,
2006, pg. 60, grifo meu)

Na gestão municipal de Otávio Rocha (1924-1928) foi iniciada a abertura da


Avenida Borges de Medeiros, de forma a melhorar a mobilidade entre a área
central e a zona sul. As obras, consideradas as de maior porte dessa gestão,
somente finalizaram-se na administração de Loureiro da Silva, em 1943,
conforme será relatado adiante.

A Avenida Borges de Medeiros passou a ser considerada a principal artéria de


ligação com a zona sul da cidade e símbolo da verticalização de Porto Alegre.
Apesar de consolidada anos depois do início de sua abertura, essa avenida já
era idealizada no Plano Geral de Melhoramentos de 1914, de forma a atravessar
a área central no sentido norte a sul. A verticalização iniciou-se tendo como mote
a modernidade e o futuro, com a concentração dos edifícios nestas principais
vias, alterando substancialmente o cenário da área central. Tais edifícios
289
indicavam o novo modo de vida que estava por vir, concentrando áreas
comerciais em suas bases, escritórios e apartamentos nos pavimentos
superiores, inovando o tipo misto até então ausente na capital. Canez (2006)
destacou, neste contexto, a construção dos três principais edifícios com esta nova
tipologia.

Assim foi com o Reunidos ou Vera Cruz (1938), de João


Antônio Monteiro Neto – o primeiro com mais de dez
pavimentos que foi construído na avenida e abrigava
cinemas, lojas e escritórios, localizado na esquina com a rua
Andrade Neves; o Sul América (1938-1940), de Arnaldo
Gladosch e [o edifício] Nunes Dias (1939), construído pela
firma Danhe, Conceição e Cia, de Erich Erwin Brandt [...].
(CANEZ, 2006, p. 261, grifo meu)
Figura 155 – Edifício Nunes Dias/Av. Borges de Medeiros Sucedeu a intendência de
Otávio Rocha o seu vice,
Major Alberto Bins, o qual
deu continuidade à gestão
anterior e que, dentre
outros feitos, convidou
Alfred Agache para a
elaboração do projeto para
o Parque da Várzea. Em
sua gestão, os engenheiros
Edvaldo Paiva e Ubatuba
de Farias produziram o
Plano de Avenidas,
envolvendo estudos e
Fonte:
http://urbanasvariedades.blogspot.com/2012/03/artigo-
projetos para Porto Alegre,
historia-da-arquitetura-em-porto.html. posteriormente reunidos na
290 publicação “Contribuição ao Estudo de Urbanização de Porto Alegre” (1938). A
administração seguinte, de Loureiro da Silva (1937-1943), conforme mencionado,
finalizou a Avenida Borges de Medeiros e realizou novos estudos urbanos para a
cidade, apoiados no desenvolvimento da disciplina urbanismo, mas tendo como
referência o antigo
Figura 154 – Abertura da Avenida Salgado Filho, em destaque o
edifício Sul América, a primeira das duas sedes a ser erguida. Plano de
Melhoramentos de
Maciel de 1914.
(ABREU FILHO,
2006)

Com a reforma da
área central e a
expansão urbana a
partir de 1925, houve
um incremento do
Fonte: Acervo João Alberto/UniRitter – extraído de CANEZ
(2006). – Modificada pela autora. setor imobiliário e, em
consequência, Porto Alegre adentrou a década de 1930 com outros ares
(urbanos, políticos, econômicos e sociais) e com novas demandas, dentre elas a
de ordenamento urbanístico, as quais delinearam as principais metas da gestão
municipal do período de 1937 a 1945, comandada pelo prefeito Loureiro da Silva.
Em relação aos ideais de Loureiro da Silva, comentou Abreu Filho:

Loureiro da Silva [...] não via as coisas como Bins. Decidido a


renovar a cidade e marcar época em um projeto com
pretensões políticas mais ambiciosas, Loureiro assentou sua
estratégia sobre a modernização física acelerada da capital,
na qual nem os estudos da Contribuição (modestos e
relativamente provincianos) nem os métodos da
administração anterior tinham lugar. (ABREU FILHO, 2006,
p.119)

Para tal empreitada, o prefeito convidou o arquiteto Arnaldo Gladosch para


desenvolver o Plano Diretor da cidade, além de criar o aparato necessário para
o seu desenvolvimento, tal como a instituição do Conselho Consultivo. A relação
entre Gladosch e Alfred Agache no plano de urbanização do Rio de Janeiro foi
um dos principais pontos positivos que incentivou a contratação do arquiteto pela
administração municipal. 291

Ao final do seu governo, Loureiro Silva publicou o volume intitulado “Um Plano de
Urbanização”, com o objetivo de registrar o seu legado para as gerações futuras.
Abreu Filho (2006) detalhou em sua tese a publicação, composta por cinco
partes. Na quinta parte do estudo foi apresentado o Plano Definitivo, com a
composição dos trabalhos finais necessários ao objetivo delineado, tais como a
proposta de Legislação, Zoneamento, Reloteamento e Desenvolvimento futuro
do Plano. O Zoneamento apresentava três planos de forma a definir usos, altura
dos edifícios e superfícies dos terrenos. Na proposta de Reloteamento o
Quarteirão Masson foi desenhado de forma a ocupar as áreas remanescentes da
abertura da Borges de Medeiros:

[...] são apresentados os estudos para o Quarteirão Masson


(entre as ruas da Praia e Marechal Floriano, e as novas
avenidas Borges de Medeiros e 10 de Novembro, atual
Salgado Filho), com a previsão de galerias cobertas junto à
Avenida Borges, áreas coletivas internas ao quarteirão e rua
interna, nos moldes da proposta de Agache para os
quarteirões do Castelo, no Rio de Janeiro. (ABREU FILHO,
2006, p.132)

Algumas ideias previstas para o segmento da Borges de Medeiros foram levadas


adiante nas construções posteriores, tais como a exigência de galerias de
pedestres nos novos edifícios, presentes, por exemplo, na sede da SULACAP,
cujo projeto arquitetônico foi elaborado concomitantemente com a execução do
Plano. Abreu Filho discorreu sobre a utilização parcial das diretrizes:

O edifício [SULACAP] já seguiu parcialmente as diretrizes da


Quadra 1 [Quarteirão Masson] (galerias, área interna, mas
sem rua interna, que dependeria de negociações com os
outros proprietários da quadra), e rompia o gabarito previsto
pela legislação para a Borges de Medeiros (ABREU FILHO,
2006, p.132).

Entretanto, esta informação torna-se confusa quando o autor, ao analisar as atas


do Conselho Consultivo – consideradas por ele fonte mais confiável para
fundamentar a análise do que a publicação de Loureiro Silva – descreve parte do
conteúdo da 9ª reunião do Conselho, realizada em 17 de abril de 1941:

292 A seguir foi apresentado o estudo para o reloteamento da


quadra entre a Borges de Medeiros, 10 de Novembro
(Salgado Filho), Rua dos Andradas e Marechal Floriano,
entendido como aplicação exemplar de um procedimento a
ser utilizado em outros quarteirões da área central. O estudo
aproveita a oportunidade da edificação de grande bloco para
a Sul América Capitalização (Edifício Sulacap, com projeto de
Arnaldo Gladosch, 1938) para propor uma nova morfologia de
quarteirão, com arcadas periféricas incorporadas,
impossíveis no parcelamento existente, e espaços abertos
internos às quadras, claramente inspirada no projeto de
Agache para a área da Esplanada do Castelo, no Rio de
Janeiro (ABREU FILHO, 2006, p.152).

Com esta afirmação, restou a dúvida: o SULACAP foi concebido a partir das
diretrizes parciais do Plano Diretor de Gladosch ou o SULACAP serviu para
“propor uma nova morfologia de quarteirão”? (ABREU FILHO, 2006, p.152)

Interessante notar que o Sul América, no entanto, a despeito do seu terreno


também situar-se na Borges de Medeiros, não seguiu as diretrizes, como a
exigência das galerias, uma vez que que a concepção do seu projeto
arquitetônico iniciou-se em 1938 e em 1940 a obra já estava concluída (CANEZ,
2006). Se os dois edifícios foram projetados por Gladosch, conforme Canez e
demais autores defendem, qual o motivo do arquiteto, que já previa a exigência
de tais galerias no Plano Diretor, não aplicá-las também no projeto do Sul
América? É oportuno salientar que “Um Plano de Urbanização” foi publicado
apenas em 1943, no final do mandato de Loureiro da Silva, porém Gladosch foi
contratado em 21 de dezembro de 1938 (ABREU FILHO, 2006), quando iniciou
os estudos para o planejamento urbano. A resposta para isso seria,
provavelmente, a de que o projeto do Sul América teria sido concluído antes da
contratação, mas, se fosse esse o caso, porque Gladosch seria o autor deste
edifício, uma vez que ainda não atuava em Porto Alegre, além do fato de que
Capello já estava desenvolvendo os projetos para a empresa nas outras cidades,
como contratado e responsável pelo referido Departamento?

Figura 156 – Edifício Sul América (em destaque) na década de 1940

293

Fonte: Porto Alegre Moderno/Álbum comemorativo do bicentenário de fundação


da cidade – extraído de CANEZ (2006, p. 335) – modificada pela autora.

Enquanto as primeiras edificações verticais construídas no final da década de


1920 não tinham qualquer relação com as propostas urbanísticas, as edificadas
na década de 1940 decorreram de loteamentos planejados durante o trabalho de
Gladosch na Prefeitura (CANEZ, 2006). O apogeu da verticalização da área
central de Porto Alegre se deu na década de 1940, quando as sedes da
SULACAP e Sul América foram erguidas. Ao mesmo tempo, observou-se um
crescimento urbano de forma horizontal, com o aparecimento de novos núcleos
centrais (CANEZ, 2006). A contratação do arquiteto Arnaldo Gladosch pela
administração municipal, segundo Canez (2006), contribuiu para a consolidação
da modernidade desejada, a despeito da não institucionalização completa do
Plano, conforme apontou Abreu Filho (2006), o qual apenas resultou em
legislações dispersas. Novas vias permitiram a aceleração da verticalização e o
incremento das grandes construtoras e incorporadoras imobiliárias. Destacaram-
se, na área urbana, as avenidas Borges de Medeiros e Salgado Filho, com
edifícios de apartamentos de alto padrão, espaços de comércio mais refinado e
também de atrativos culturais, características que foram se perdendo com a
expansão dos bairros a partir da década de 1960.

A descontinuidade administrativa nos anos seguintes à finalização do anteprojeto


do Plano de Gladosch, com a administração municipal passando pelas mãos de
vários prefeitos até as eleições diretas de 1947, prejudicou a conclusão e
institucionalização do Plano Diretor (ABREU FILHO, 2006). Continuaram a
orientar as regras de construção os dispositivos previstos no planejamento de
Loureiro Silva, num período em que o setor imobiliário crescia vertiginosamente,
294
principalmente na área central e a partir da década de 1950. Nessa época,
segundo Abreu Filho, “multiplicam-se os anúncios imobiliários louvando os
arranha-céus da cidade e, no decorrer desta década veremos se desenrolar entre
as empresas de construções locais uma competição virtual pela autoria do mais
alto edifício da cidade.” (ABREU FILHO, 2006, p.215). Na área central são
construídos, para citar alguns, os edifícios Presidente Antônio Carlos, com
dezesseis andares, Presidente Getúlio Vargas, com vinte e um, o Formac, com
vinte e seis pavimentos. Neste período, a linguagem corbusiana já se
despontava, em contraste com os primeiros edifícios verticais, de concepção
marcadamente tradicional, dentre eles as sedes em estudo.

Em resumo, a Av. Borges de Medeiros fazia parte das idealizações de planos


anteriores, como o Plano Geral de Melhoramentos de 1914, desenvolvido pelo
engenheiro Moreira Maciel, cujas obras começaram na década de 1920 e foram
concluídas em 1935. Porém, seu último trecho, entre a rua dos Andradas e Praça
Montevidéu, foi finalizado apenas na administração de Loureiro da Silva na
década de 1940. Dentre as áreas que conformavam esse trecho estava o
Quarteirão Masson, cujo reloteamento foi proposto por Gladosch a partir da sobra
dos terrenos resultantes da abertura da Borges de Medeiros, no qual já estavam
construídos os edifícios em análise. Dessa forma, a nova proposta de Gladosch
para os terrenos do entorno e suas diretrizes urbanísticas, apesar de não
consolidadas em um Plano Diretor instituído, modificaram drasticamente o
entorno, com o processo de verticalização que se verificou posteriormente,
amparado nas legislações e com o aquecimento do mercado imobiliário,
alterando, consideravelmente, a relação dos edifícios com o entorno imediato.

295
ANÁLISE FORMAL

A forma arquitetônica de um fenômeno é, por um lado, o modo


como as partes e os estratos estão dispostos, mas também o
poder de comunicação daquela disposição. Estes dois
aspectos estão sempre presentes, enquanto não existe objeto
sem forma, esta possui poderes de comunicação estética
dispostos em níveis muito diferenciados. Poder-se-ia chamar
forma ao primeiro aspecto e figura ao segundo. [...] É,
portanto, a partir da figura que podemos descobrir o sentido
do fenômeno e reconstruir sua totalidade, a pluralidade de
seus elementos constitutivos, de suas propostas.

Vittorio Gregotti, 1969.224

Edifício SULACAP

O edifício SULACAP de Porto Alegre foi implantado de maneira a ocupar a


totalidade do terreno existente, conformado pela metade longitudinal do
quarteirão delimitado pela Av. Borges de Medeiros, Av. Senador Salgado Filho,
296 Rua dos Andradas e Rua Mal. Floriano Peixoto, na área central da cidade. Desse
Figura 157 –SULACAP Porto Alegre. modo, a planta segue o formato
retangular do terreno, sem
afastamentos entre as construções
vizinhas e calçadas.

A planta retangular gera volumes


decompostos a partir da diferenciação
de altimetrias, conferindo uma
movimentação ao edifício que suaviza
a massa sólida e pesada gerada por
sua monumentalidade. Nota-se, que a
despeito da diferença de altura entre os
volumes, há um equilíbrio entre as
partes, permitindo a leitura conjunta do
Fonte: Karine de Arimateia/2018. edifício. Este recurso projetual e

224
(GREGOTTI, 1972, p. 27).
compositivo marcou definitivamente o espaço urbano da região central de Porto
Alegre, especificamente a área conhecida como Esquina Democrática.

A solução tripartida do conjunto é quase despercebida pelo jogo de alturas.


Tratado com quatro volumes diferenciados, três deles apresentam em comum a
mesma base e corpo, e o quarto, localizado na esquina da Av. Borges de
Medeiros com Rua dos Andradas, desprende-se do corpo principal pelo recuo de
plano em relação à Av. Borges de Medeiros.

Figuras 158 e 159– Edifício SULACAP Porto Alegre, torres próximas à


esquina da Rua dos Andradas.

297

Fonte: Karine de Arimateia/2018.

O volume mais alto, que corresponde originalmente à torre comercial, tem maior
destaque tanto pela altimetria quanto pelo coroamento tratado por uma cobertura
piramidal, composta por telhas em cobre. Adjacente a esse volume está o de
menor altura, localizado na esquina com Rua dos Andradas e resolvido por seis
pavimentos além do térreo. Pode-se ler a solução tripartida desse volume pela
base diferenciada do demais, corpo de cinco pavimentos e coroamento formado
pelo recuo do último pavimento em relação ao corpo principal. Frisos horizontais
em alto relevo finalizam o coroamento, formando uma espécie de cimalha.

Na esquina oposta está o segundo maior volume, originalmente de uso


residencial. Sua solução tripartida é composta pela base, corpo, e coroamento
composto por três pavimentos, sendo o primeiro uma extensão do corpo, sem
recuo, separado desse por frisos horizontais; o segundo recuado do primeiro, cuja
solução gera um terraço em todo o seu perímetro; e o terceiro, que abriga a caixa
d´água e casa de máquinas. Esse volume possui o corpo diferenciado dos
demais pela presença de um ressalto central em relação ao pano principal da
fachada (solução que se repete também no Sul América), composto por quatro
vãos de varanda em cada pavimento, com guarda-corpo executado em alvenaria
e argamassa trabalhada em almofadas quadrangulares em alto relevo. Esta
solução plástica também se repete na fachada voltada para a Rua Senador
Salgado Filho.

Figura 160 –SULACAP Porto Alegre/torre Figura 161 –SULACAP Porto


residencial na esquina com Av. Sen. Alegre/fachada da Av. Sen. Salgado Filho.
Salgado Filho/fachada da Av. Borges de

298

Fonte: Karine de Arimateia/2018. Fonte: Karine de Arimateia/2018.

Já o volume intermediário - entre os dois mais altos - é composto apenas por


base e corpo, ligeiramente recuados em relação aos panos dos demais volumes.
As fachadas, revestidas em pó de pedra, Figura 162 – Edifício SULACAP Porto
Alegre.
solução de proteção especificada por
Capello para a maioria das sedes da
empresa, são resolvidas com as janelas
ritmadas, emolduradas por argamassa em
alto relevo. Essas aberturas têm
esquadrias do tipo guilhotina, com
fechamento em veneziana, repetindo o
modelo “copacabana” utilizado na maioria
das sedes projetadas por Capello. As
janelas que compõem a base dos dois
volumes mais altos são diferenciadas das
demais, sendo do tipo de abrir em duas
folhas em madeira e vidro. Também são
diferenciadas as aberturas das varandas Fonte: Karine de Arimateia/2018.
do volume residencial (portas em folhas de
madeira do tipo veneziana). 299

Edifício Sul América

O edifício Sul América, assim como o seu vizinho SULACAP, ocupa a totalidade
do terreno retangular, constituído pela metade do quarteirão delimitado pelas Av.
Borges de Medeiros, Rua dos Andradas, Travessa Eng. Acilino de Carvalho e
Rua General Andrade Neves. Segundo Canez (2006), este terreno resultou da
sobra de área da abertura da Av. Borges de Medeiros.
A implantação também segue o formato do terreno e, para este edifício, o
arquiteto adotou o recurso de arredondamento da quina formada pela Borges de
Medeiros com Rua dos Andradas, solução verificada em outras sedes da
empresa, tal como nas de Santos, Salvador e Fortaleza. A volumetria é composta
por dois sólidos de alturas distintas, recurso projetual que não impedia a leitura
única do conjunto, até a última intervenção realizada no imóvel, a qual resultou
em tratamentos de revestimentos diferenciados para as duas torres, prejudicando
essa leitura.

Figura 163 –Sul América Porto O volume mais baixo tem o corpo
Alegre/volume mais baixo.
composto por cinco pavimentos e
coroamento resolvido pelo recuo do
último pavimento em relação ao corpo.
Suas fachadas foram tratadas com
frisos no sentido vertical e horizontal,
os quais emolduram as janelas. Antes
da intervenção, esses frisos horizontais
300
seguiam no volume da maior altimetria,
porém esta continuidade foi
interrompida quando a torre mais alta
recebeu revestimento cerâmico das
extremidades laterais e superior da
fachada frontal.
Fonte: extraído de Canez, 2006, p. 331
A solução tripartida do volume mais
alto é quase imperceptível. Na fachada frontal, o corpo é composto pelo avanço
da porção central em relação às suas extremidades, com exceção do último
pavimento. Essa diferenciação dos planos forma uma espécie de moldura e que,
ao mesmo tempo, compõe o coroamento. A base, comum aos dois volumes, é
revestida externamente por granito e composta por pé-direito duplo, onde estão
as lojas e sobrelojas do térreo, essas protegidas por marquise em balanço em
todo o perímetro da edificação.
Figura 165 –Sul América Porto Alegre/acesso Figuras 165 –Sul América Porto
principal. Alegre/volume mais alto

Fonte: Karine de Arimateia/2018


Fonte: Karine de Arimateia/2018 301

Figura 166 –Sul América Porto De tratamento plástico menos requintado


Alegre/volume mais baixo/vista
aproximada dos frisos da fachada.
que o SULACAP, as fachadas são
resolvidas com janelas ritmadas e com
frisos em baixo relevo nos espaçamentos
entre os vãos. O modelo único das
esquadrias segue o existente no
SULACAP, ou seja, basculantes com
venezianas de madeira.

Nota-se, em ambos os edifícios, que os


volumes mais baixos estão localizados na
esquina com a Rua dos Andradas, menos
movimentada e mais estreita, recurso
compositivo resultante provavelmente da
Fonte: Karine de Arimateia/2018 exigência urbanística de relação da
altimetria com a via.
ANÁLISE FUNCIONAL

O edifício, diz Adorno, funciona para propósitos exteriores,


dos quais retira suas leis formais. A sua “dimensão funcional”
se revela na interação como o sujeito que dele se apropria
para o uso, e com as técnicas que o solidificam.

Maria Lucia Malard, 2006.225

A área onde os edifícios SULACAP e Sul América foram construídos constituía,


desde o início da ocupação da cidade, o principal ponto de comércio e residência
da região e um dos espaços mais dinâmicos da cidade de Porto Alegre. Com o
passar dos anos, a crescente valorização da área central foi acompanhada pelo
aumento da diversidade de usos, com a instalação de sedes bancárias e outras
novas instituições que demandavam tipologia arquitetônica própria e até então
inédita, como as dos edifícios em análise.

Figura 167 – SULACAP Porto Alegre. O SULACAP destacou-se das


302 Paredes do térreo revestidas em granito.
construções de Porto Alegre pela
inovadora tecnologia das suas
instalações prediais e, sobretudo, por
sua monumentalidade, ocupando,
conforme visto, a metade de um dos
quarteirões mais dinâmicos da cidade.
Por muito tempo, o edifício foi
considerado um dos melhores da
cidade para a instalação de lojas,
escritórios e também para moradia. A
despeito da novidade em morar em
edifícios em altura, a nova tipologia
atraiu as famílias mais abastadas e
interessadas pela modernidade e

Fonte: Karine de Arimatia/2018


suntuosidade do edifício.

225
MALARD, 2006. P. 125.
.
Figura 168 – SULACAP Porto Alegre. Década de
1940/1950 (?)
De uso misto, o edifício
SULACAP representou, além da
novidade tipológica funcional,
uma nova proposta de
integração do edifício com a
cidade, ao dispor de uma galeria
para pedestres através do recuo
do pavimento térreo em relação
ao corpo principal, solução que
conformou a marquise coberta.
A decomposição do seu volume
em torres diferenciadas também
pode ser lida como um recurso
projetual inovador de integração
Fonte: https://prati.com.br/porto-alegre/porto-alegre-
avenida-borges-de-medeiros-edificio-sulacap- com o ambiente construído, 303
1947.html - Acesso nov. 2019
evitando, portanto, a massa
pesada em decorrência da sua monumentalidade. Para cada torre há um hall de
acesso. O volume residencial apresenta dois apartamentos por andar, um de três
quartos e outro mais amplo, de quatro quartos. Já nos últimos andares, em função
da área menor em relação aos pavimentos inferiores, os apartamentos são
menores, sendo um de dois e o outro de três quartos, ambos com varanda em
todo o perímetro. As demais torres são de escritórios, com configurações
espaciais diferenciadas. O edifício é dotado de subsolo e de dois amplos terraços
nas coberturas das torres menores.

O Sul América, quando construído, representou a nova tipologia de torres de


escritórios que seria replicada em grande parte da área central de Porto Alegre.
Em seu térreo, de pé direito duplo, estão as lojas com acesso exclusivo para as
vias além de dois acessos diferenciados às torres, um em cada via. Na torre mais
baixa, a circulação vertical é centralizada na planta e composta por uma escada
em semicírculo, ladeada por dois elevadores. Nos pavimentos tipos, as salas de
escritórios estão dispostas em torno da circulação vertical. Já o acesso à torre
mais alta é feito pela Av. Borges de Medeiros.

Ressalta-se que, na ocasião da visita aos edifícios, o acesso ao seu interior foi
negado. Para o entendimento de suas funcionalidades ou leitura das plantas,
buscou-se, primeiramente, na literatura existente, a publicação dos projetos.
Alberto Xavier e Ivan Mizoguchi, em sua já referenciada obra “Arquitetura
Moderna de Porto Alegre” (1987) estampou a planta do pavimento tipo do
SULACAP, entretanto, o projeto, em função de sua complexidade, não poderia
ser lido apenas por este pavimento. Já Canez, apresentou em sua tese de
doutoramento os projetos de ambos os edifícios, porém a baixa resolução das
imagens impediu tanto sua reprodução quanto sua leitura. A etapa seguinte foi a
busca nos arquivos da Prefeitura Municipal, o que foi feito por meio de abertura
de processo digital, que resultou na disponibilização das peças gráficas
digitalizadas de ambos os edifícios, tornando-se possível o redesenho e a leitura
do projeto. O acervo continha também o projeto estrutural completo do Sul
América, no qual consta o nome de Roberto Capello como autor.
304

Figura 169 – Carimbo do projeto estrutural do Sul América

Fonte: Acervo Prefeitura Municipal de Porto Alegre/EPA/CGD/DGDO/SMPG -


Acesso nov. 2020.
PEÇAS GRÁFICAS226

As peças gráficas apresentadas abaixo foram redesenhadas com base no projeto


original dos edifícios, arquivados na Prefeitura Municipal de Porto Alegre.

Edifício SULACAP

305

226
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
306
Edifício Sul América

307
308
309

3.5. SANTOS/SP - SULACAP


310
Figura 170: Edifício SULACAP de Santos.

Ficha técnica

Nome original: Edifício SULACAP.


Nome atual: Edifício SULACAP.
Endereço: Rua XV de Novembro, nº 41 (esquina
com Rua do Comércio), Centro, Santos, SP.
Ano do projeto: Anterior a 1939.
Ano de conclusão da obra/inauguração: início
da década de 1940 (Alvará de construção nº 255,
de 05/07/1941).
Construtora: ?
Uso original: Comercial (lojas no térreo e salas
nos andares superiores).
Uso atual: Uso comercial.
Propriedade: Privada.
Proteção/nível: Inserido na Área de Proteção
Cultural (APC)/Nível de Proteção 2 (NP2) – Fonte:
Mapa dos Níveis de Proteção/Prefeitura Municipal
de Santos/2008.

Fonte: Macuco News. Disponível em: <


http://docplayer.com.br/25609672-De-bonde-
um-passeio-no-tempo.html> Acesso em 10 fev. 311
2020 – modificada pela autora.
ANÁLISE HISTÓRICA

A empresa Sul América Capitalização iniciou sua atuação na cidade de Santos


na década de 1930, em sala alugada na edificação nº 10 da Rua XV de
Novembro,227 ainda existente no atual espaço urbano da área central de Santos
com a denominação Edifício Pedro Santos.

No ano de 1936, a Revista Sul América informou em sua edição de outubro que
a sucursal na cidade de Santos ainda não possuía sede própria, assim como
eram inexistentes as sedes nas cidades de Belo Horizonte, Juiz de Fora, Aracaju
e Maceió, o que contradiz a informação registrada por Carlos Finochio (2011) de
que a inauguração do edifício SULACAP de Santos data de 1936. Fato é que em
1939, o jornal A Tribuna, na edição de 26 de janeiro, publicou a notícia de que a
empresa lançaria sua pedra fundamental para a construção do edifício no dia 28
no mesmo mês, em comemoração ao centenário da cidade de Santos (FIGURA
312 171).

A leitura do projeto arquitetônico original do edifício foi possível graças à


organização do acervo da administração municipal de Santos. A análise das
pranchas originais do projeto constatou informações importantes sobre datas, e
permitiu avaliações sobre a proposta original de Roberto Capello, como será visto
adiante.

O carimbo do arquiteto em uma das pranchas é acompanhado do seguinte texto:


“corrigido, 2 de março de 1941”. Já o processo de aprovação do projeto na
Prefeitura Municipal, de nº 8.079, é datado de 01 de abril de 1941 e contém o
alvará de construção, de nº 255, datado de 05 de julho de 1941. Desse modo,
pode-se afirmar, com base nesses dados e na notícia do Jornal A Tribuna, que o
início da construção da nova sede da SULACAP na cidade de Santos ocorreu
nos primeiros anos da década de 1940. No processo também consta outros
documentos importantes relativos à construção, bem como o projeto estrutural,

227 Revista Sul América/nº 68, Ano 17, p. contracapa/out. 1936.


de autoria do engenheiro Henrique Pegado, então sócio da empresa Pegado,
Sousa & Cia. Ltda. Este projeto indica o uso de estacas Franki, mesmo sistema
adotado na fundação das outras sedes da empresa. Além dessa documentação
há um projeto de restauração do edifício, datado de 2014, de autoria do arquiteto
Sandy Bispo, o qual resume-se na proposta de substituição do revestimento
externo, substituição dos caixilhos e janelas existentes, limpeza do revestimento
externo do térreo, reconstituição e impermeabilização das lajes e empenas cegas
e reforma da cobertura. Tal projeto embasou as obras que estavam em
andamento na ocasião da visita ao local no ano de 2018, sob a responsabilidade
da empresa Engetelles, conforme placa de obra fixada na fachada.

Figura 171: Trecho do jornal A Tribuna, estampando a imagem do projeto da


sede SULACAP de Santos (em destaque).

313

Fonte: Jornal A Tribuna, edição de 26 de janeiro de 1939. Disponível em: <


https://www.novomilenio.inf.br/santos/lendasnm.htm> Acesso em 5 fev. 2020 –
modificada pela autora.
Para a construção do edifício em Santos, a empresa SULACAP adquiriu os
terrenos edificados de nºs 36 e 38 da Rua do Comércio, conforme informou o
Jornal A Tribuna:

Assim é que a Sul América Capitalização, desejando prestar


uma homenagem ao laborioso povo santista, lançará a pedra
fundamental de um majestoso edifício, que contribuirá para o
progresso da nossa cidade.

Esse edifício, que se erguerá na Rua do Comércio, onde


foram demolidos os velhos prédios ns. 36 e 38 e que terá
também fachadas para a Rua 15 de Novembro e para a Rua
Conde D'Eu, no centro comercial de nossa cidade, constituirá
mais uma das sólidas aplicações de suas reservas.

Este local, que é bem conhecido do nosso povo, como típico


de Santos antigo e que felizmente vai aos poucos
desaparecendo, terá nesse novo arranha-céu o início de uma
nova era de progresso santista.

Com a demolição do velho prédio da Repartição do


Saneamento, desaparecerá a lendária galeria pitorescamente
alcunhada pelo nosso povo de "Beco das Lágrimas", dando
lugar a que a Rua Conde D'Eu venha a ter o seu término na
Rua do Comércio, assim saneando completamente essa área
central da cidade. (A COMMEMORAÇÃO..., 1939).

Figura 172: Rua do Comércio com a placa de informação da


construção do edifício (em destaque).

314

Fonte: Foto de J. Marques Pereira, no acervo do historiador


Waldir Rueda. Disponível em: <
https://www.novomilenio.inf.br/santos/lendasnm.htm> Acesso
em 5 fev. 2020 – modificada pela autora.
A notícia indicava que a demolição dos edifícios caminhava juntamente com as
intervenções de propósitos sanitaristas, que alteraram significativamente a malha
urbana original da área central da cidade de Santos, cuja a ocupação inicial data
do século 16.

No início do século 19, a então Vila de Santos possuía pouco mais de quatro mil
habitantes (MELLO, 2008) distribuídos pelas poucas vias tortuosas que
conformavam o espaço urbano de ocupação original. Elevada à categoria de
cidade, Santos sobrevivia, inicialmente, da exportação do açúcar e,
posteriormente, do café, grão responsável diretamente pelo crescimento
econômico e consequente aumento populacional, incrementado, inclusive, pela
população de imigrantes. A inauguração da ferrovia São Paulo Railway, em 1867,
impulsionou mais ainda este crescimento e contribuiu para a constituição de um
novo cenário urbano, estruturado por novas centralidades, como as originadas
nas proximidades da estação ferroviária e na orla marítima. Em decorrência
dessa expansão, grandes vias foram implantadas, alterando a configuração do
núcleo original e contribuindo para a diversificação dos usos da região central,
315
que se tornou, no decorrer dos anos, praticamente comercial e institucional.

A ampliação do porto na década de 1890228 atraiu investidores estrangeiros e em


poucos anos formou-se uma população heterogênea, favorecendo o
cosmopolitismo da cidade de Santos, decorrentes dos encontros culturais, os
quais são comuns em áreas portuárias (BURKE, 2003). Desse modo, a
sociedade de Santos beneficiou-se mais ainda com a melhoria do porto, onde
pessoas de diferentes origens se encontraram e interagiram permitindo as
sobreposições e trocas culturais e a criação de uma nova identidade cultural.

Tal ampliação foi acompanhada de políticas de saneamento que desobstruíram


espaços congestionados, alterando o tecido urbano original. Sobre esta ação
transformadora com propósitos modernizantes e higienistas, registrou Gisele
Homem de Mello (2008):

228
Em 1886, já eram intensas as atividades portuárias em Santos. Para organizar tal crescimento, o
Governo Imperial publica o edital para a concorrência das obras portuárias, vencida pelo grupo
carioca Gaffrée, Guinle e Cia. (Bernardini, 2012)
A Companhia Docas teve papel decisivo na reconfiguração
da cidade, pois ao se apropriar da faixa da marinha, não só
aterrou, como demoliu e reconstruiu trechos inteiros da
área urbana, extrapolando os limites de sua função. Em
virtude dessas ações, vários são os exemplos de freqüentes
tensões entre a Companhia Docas e os interesses locais,
representados pela Associação Comercial.
Sistematicamente acusada de extrapolar o propósito a qual
havia sido constituída, a Companhia teve ainda ampliados
seus poderes pelo governo estadual, que lhe concedeu o
monopólio da Alfândega; a municipalidade protestou contra o
que considerou perda de autonomia e submissão aos
poderes estatais que estariam desrespeitando as tradições da
população local. No entanto, a articulação entre, de um
lado, os interesses paulistas, que representavam a
hegemonia política dos cafeicultores, e de outro, o capital
internacional, mais especificamente o inglês, que financiou
a construção das ferrovias para o escoamento da
produção do café, orientou as transformações da cidade
portuária, que incluíram políticas de saneamento e de
ampliação dos espaços: largas e retas avenidas e lugares
para a circulação foram construídos. (MELLO, 2008, p.42)

As demolições provenientes das ações da Comissão de Saneamento e da


Companhia Docas iniciaram-se em 1869 com o arrasamento das principais áreas
316 do início do povoamento, como o Outeiro de Santa Catarina (MELLO, 2008). As
consequências dos trabalhos das duas instituições foram a criação de novos
quarteirões em plano xadrez, seguindo os padrões burgueses do período e que
se repetiram em inúmeras cidades no Brasil. Em Santos, ao contrário de outras
cidades, sequer os monumentos religiosos coloniais foram poupados.

A Rua Direita, principal via do povoamento colonial, que fazia a ligação entre os
dois primeiros núcleos da povoação - Valongo e Quarteis - se manteve, porém
sofreu drásticas transformações espaciais com a substituição dos casarios e
sobrados coloniais por edificações em linguagem eclética, quando passou a
denominar-se Rua XV de Novembro, na qual, em um futuro não distante, o
edifício SULACAP viria a ser construído. Estreita e tortuosa, passou a abrigar o
principal ponto de comércio e lazer da população, sobretudo por constituir o
elemento estruturante entre os dois núcleos principais.

Finalizada a construção, a sede da SULACAP destacou-se no entorno imediato


em função de sua altimetria e linguagem formal diferenciada, dominando o
cenário urbano imediato composto, até então, praticamente por edificações de
até três pavimentos e, predominantemente, de linguagem eclética. A despeito de
sua importância no processo de verticalização de Santos, o edifício é pouco
mencionado na historiografia referente. Carlos Finochio (2011) é um dos poucos
pesquisadores que deram relativa importância ao bem em seu artigo publicado
sobre a arquitetura e urbanismo de Santos, no qual registrou, inclusive, a autoria
de Roberto Capello:

A adoção de novos estilos na arquitetura de Santos foi fruto


da capacidade dos profissionais da arquitetura no domínio do
concreto nos arranha-céus. Os chalés abrem espaço para os
"altos" edifícios que eram sinônimos de modernidade. Em
1936 (SIC), foi erguido o edifício mais alto da cidade de
Santos, edifício Sulacap, com seus 10 andares, situado na
Rua XV de Novembro, 41. Um prédio comercial, de linhas
suaves com elementos inclinados na fachada para a captação
de luminosidade zenital por uma clarabóia no seu topo.
Construído pela Sul América Capitalização S/A., projeto do
arquiteto Roberto Capello, o moderno edifício já possuía ar
condicionado central. Todo o material de acabamento foi
importado, inclusive os elevadores ingleses e os mármores
de Carrara. (FINOCHIO, 2011, p.6)

Jaqueline Fernández Alves (2012) também mencionou o edifício em seu texto 317
sobre a ausência da historiografia moderna na cidade de Santos. A autora apenas
relacionou o SULACAP em um contexto de produção da arquitetura moderna no
município. Lamenta-se, portanto, tal obliteração na historiografia da arquitetura e
urbanismo de Santos e também a ausência de tombamento isolado do imóvel.
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

A análise das prospecções arquitetônicas foi baseada na imagem da perspectiva


do projeto, disponibilizada pelo jornal A Tribuna, assim como nas fotografias
produzidas durante o reconhecimento da edificação, em 2018 e 2020. O edifício
SULACAP, que marcou a paisagem da Rua XV de Novembro na década de 1940,
não sofreu qualquer modificação significativa que alterasse a sua composição
formal proposta por Capello. A despeito da baixa resolução da imagem referente
à perspectiva do projeto, nota-se, porém, que o tratamento das fachadas com os
elementos que se sobressaem nos panos principais difere-se daquela proposta
no projeto, que indicava a presença deles em andares alternados e apenas nas
quinas da fachada da Rua do Comércio, ou seja, na fachada frontal. Outra
divergência entre o objeto proposto e o construído diz respeito ao coroamento,
que no projeto apresenta-se pouco destacado, em oposição ao que foi

318
Figura 174: Perspectiva do projeto do Figura 173: SULACAP/Santos.
SULACAP/Santos.

Fonte: Jornal A Tribuna, edição de 26 de


janeiro de 1939. Disponível em: <
https://www.novomilenio.inf.br/santos/lend Fonte: Karine de Arimateia/2018
asnm.htm> Acesso em 5 fev. 2020 –
modificada pela autora
construído: platibanda alta, coroada por uma cimalha em alto relevo e estampada
com a epígrafe do edifício.

O edifício beneficiou-se de uma restauração iniciada no ano de 2016 e que se


prolongou até 2018, por meio de projeto arquitetônico de restauração já
mencionado, que se resumiu ao tratamento do revestimento externo e das
esquadrias, conforme um noticiário digital:

Sandy Bispo [arquiteto responsável] conta como estão sendo


resolvidos esses conflitos [da restauração]. Um exemplo é o
revestimento em pastilhas: a empresa Atlas se propôs a
produzi-las nos cinco tons de bege originais. A proposta já foi
aprovada pelo Conselho de Defesa do Patrimônio cultural de
Santos (Condepasa). Já os condicionadores de ar vistos em
sua fachada devem desaparecer, sendo estudada a
instalação de um condicionador central à base de água.
Também as janelas estão sendo alvo de estudos, pois as
originais não seguem as exigências atuais de segurança: não
podem ser de madeira, nem projetadas para a área externa.
(Macuco News, 2016)

Em relação ao entorno, conforme já destacado, as alterações significativas do


espaço urbano resultaram da tentativa de resolução dos problemas gerados pelo 319
avanço econômico e consequente aumento populacional, ocasionado pela
implantação da ferrovia São Paulo Railway e ampliação da área portuária.

Para a percepção das alterações da área central, especificamente em relação ao


entorno da Rua XV de Novembro, é oportuno apresentar os planos urbanísticos
responsáveis pelas modificações da morfologia urbana. Na ausência de estudos
mais consolidados que relacionam a transformação do espaço urbano da área
central com a implantação das normas reguladoras, procurou-se montar um
panorama baseado nas pesquisas existentes.229

O primeiro Código de Posturas Municipal de Santos foi instituído em meados do


século 19, quando a então vila foi elevada à categoria de cidade. Revisado
posteriormente no ano de 1895 em decorrência das epidemias registradas,

229
Dentre os estudos existentes destacam-se: o trabalho de Marina Ferreira de Barros e José Marcos
Carriço sobre a transformação morfológica da área central, intitulado “Esvaziamento e Transformação
Morfológica da Área Central de Santos/SP: gênese e perspectivas” (2019); a a tese de Wilma
Therezinha Fernandes de Andrade, defendida em 1989 na USP sob o título “O discurso do progresso:
a evolução urbana de Santos, 1870-1930.”
sobretudo a de febre amarela, este código baseou-se no Plano de Saneamento
instituído em 1893 e determinou, dentre outros assuntos relativos às edificações
de forma a sanear a cidade, os padrões para as novas construções no espaço
urbano (DUTRA, 2007).

As crescentes epidemias preocuparam também o Estado de São Paulo, tendo


em vista a representatividade econômica do porto de Santos para o escoamento
do café. Diante deste cenário, o governo estadual interveio com o objetivo único
de controlar o surto de doenças e, para tanto, convidou o engenheiro porto-
riquenho-americano Estevan Antonio Fuertes para colaborar com soluções
higienistas para cidade. Estevan aceitou o convite e entregou o plano de
saneamento em 1895, que não continha apenas questões sanitaristas,
apresentando ao governo uma dimensão mais ampla do problema diagnosticado
e criando a base para as ações posteriores planejadas por Saturnino de Brito
(BERNADINI, 2012).

Desse modo, nos primórdios do século 20, as ações sanitaristas caminhavam


320 juntamente com intervenções urbanas. As orientações higienistas de Saturnino
de Brito para o plano de 1905 conduziram a uma relação inédita entre a
construção e o lote, além de versar sobre o alargamento de avenidas
(MAZIVIEIRO, 2013). Ações com objetivos similares já haviam sido discutidas e
implantadas anteriormente pelos legisladores, como, por exemplo, a abertura da
Avenida Conselheiro Nébias, obra datada de 1867, cujo objetivo principal era a
melhoria da estruturação viária entre a área portuária e a orla. É oportuno
ressaltar que a abertura desta avenida favoreceu o deslocamento da elite cafeeira
da área central para a orla marítima, modificando o aspecto social da região de
ocupação original, principalmente da porção norte. A intensificação de cortiços
nessa área acompanhou este processo, apesar de grande parte ter sido demolida
posteriormente pelas ações sanitaristas, atitude contestada pelo plano de Fuertes
que sugeriu, ao contrário do praticado, a criação de legislação reguladora e
educacional (BERNADINI, 2012).

Sobre as expansões urbanas, vale anotar que tal fenômeno não constituiu um
processo contínuo, tampouco concentrou-se em algum período de tempo
definido. Porém, pode-se afirmar que as ocupações do território do município
ocorreram em fases associadas a fatores diversos da ordem econômica, social e
cultural. Por exemplo, a construção da ferrovia, em 1867, favoreceu a primeira
ocupação da orla marítima pelas elites; a implantação do sistema de bondes de
tração animal em 1873 e, posteriormente, em 1909, os elétricos, impulsionou
ainda mais esta ocupação com loteamentos de novas áreas residenciais
(BARROS e CARRIÇO, 2019). Os planos de saneamento favoreceram também
este movimento, criando condições para o esvaziamento da área central em
relação ao uso residencial.

A Lei municipal nº 477, de 1910, possibilitou a verticalização da área central e a


Lei nº. 675, de 28 de julho de 1922, instituiu o primeiro Código de Obras do
Município, de forma independente do Código de Posturas, que definiu os
perímetros urbanos (DUTRA, 2007) e promoveu a alteração da imagem da cidade
de traços coloniais (MAZIVIEIRO, 2013). Um novo zoneamento foi instaurado em
1945 e, posteriormente, em 1951, o Plano Regulador da Cidade (Lei n° 1316/1
951) foi instituído, orientado em parte pelo Eng. Prestes Maia, normativa que 321
promoveu novos alargamentos de vias para solucionar o problema de
congestionamento. A partir daí, as novas legislações procuraram ampliar a
legislação anterior com base nos novos problemas diagnosticados. Por exemplo,
diante do abandono das edificações dotadas de valor arquitetônico e cultural da
área central, a prefeitura municipal implantou o projeto Alegra Centro, por meio
da Lei Complementar 470/2003, com o objetivo de revitalizar e valorizar a região
da ocupação original.

A verticalização da cidade ocorreu a partir da década de 1940, mas o foco dos


investidores imobiliários concentrou-se na orla marítima, com a construção dos
edifícios residenciais de grande altura. Em função desta especificidade e da ação
relativamente prematura e eficiente de preservação do patrimônio cultural de
Santos, a área central não sofreu o processo de verticalização tão intenso
conforme verificado nas demais cidades onde as sedes da empresa Sul América
foram construídas.
Desse modo, o SULACAP de Santos foi projetado por Capello em um contexto
bastante distinto das demais sedes, em uma área central pouco verticalizada,
cuja configuração espacial era composta, sobretudo, pelas construções do início
do seu adensamento. Sua construção foi noticiada como símbolo da chegada da
modernidade em Santos, sendo considerado o edifício mais alto do município na
ocasião, conforme informou Carlos Finochio (2011).

Da trama urbana original pouco restou em decorrência da rápida expansão


urbana da cidade a partir do século 19, que resultou em abertura de vias,
demolições de quarteirões e na implantação do traçado xadrez que orientou as
expansões seguintes. O acervo cartográfico de Santos, disponibilizado, inclusive,
online,230 é um material riquíssimo e de grande valor para a realização de um
estudo comparativo para a análise desta expansão de forma mais sistematizada,
lacuna verificada na literatura relativa ao município. A despeito das inúmeras
transformações urbanas, após a construção do SULACAP, o entorno não sofreu
mais alteração significativa em sua configuração espacial.
322

230
Para acesso à base cartográfica, ver: http://www.novomilenio.inf.br/santos/
RELAÇÃO DO EDIFÍCIO COM O ENTORNO

A experiência espacial própria da arquitetura se prolonga na


cidade, nas ruas e nas praças, nas ruelas e nos parques, nos
estádios e nos jardins, lá onde a obra do homem delimitou
vazios, quer dizer, onde criou-se espaços fechados. Se o
interior de um edifício está limitado por seis planos ( piso, teto
e quatro paredes), não significa negar a qualidade de espaço
a um vazio fechado por cinco planos no lugar de seis, como
ocorre em um pátio ou uma praça.

Bruno Zevi,1948.231

O terreno onde a sede SULACAP de Santos foi construída, resultante da


demolição de duas edificações de linguagem eclética, possui forma similar ao
terreno das sedes da mesma empresa em Recife e em Salvador, e as diferenças
formais dos edifícios mostram como o espaço urbano influenciou na concepção
dos projetos de Capello. Em Recife e Salvador, ambos os terrenos estão voltados
para amplas praças, situação que permitia um campo de visão ampliado para a
percepção dos edifícios. Já em Santos, o lote, confinado pelas ruas estreitas do
323
entorno, não apresentava, de imediato, qualquer atrativo que estimulasse a
criatividade do arquiteto. Porém, a perspectiva alcançada pela forma do edifício
e sua implantação surpreende o observador a partir da Rua XV de Novembro, em
seu trecho mais largo, conforme pode ser visto na imagem abaixo:

231
Tradução minha – “ La experiencia espacial propia de la arquitetctura tiene su prologación em la ciudad, en las
calles y en las plazas, em las callejuelas y en los parques, en los stadios y em los jardines, allí donde la obra del hombre
há delimitado ‘yacíos’, es dicir, dodnde há creado espacios cerrados. Si el interior de un edificio está limitado por seis
planos (suelo, techo u cuatro paredes), esto no significa negar la cualidad de espacio a un vacío cerrado por cinco
planos en lugar de seis, como ocurre en un patio o en una plaza.” (ZEVI, 1955, p. 20, tradução minha)
Figura 176: Cartão postal com o edifício SULACAP/Santos.

Fonte: Macuco News. Disponível em: <


http://docplayer.com.br/25609672-De-bonde-um-passeio-no-
324 tempo.html> Acesso em 10 fev. 2020

De forma similar ao que aconteceu com muitas áreas centrais das capitais
brasileiras no início do século 20, o centro de Santos sofreu drásticas
transformações que alteraram sua trama urbana original, conforme já destacado,
com demolições de quarteirões para abertura de vias, com objetivo de melhorar
o adensamento local e facilitar o escoamento para as novas áreas urbanas
residenciais. Porém, a construção tardia do SULACAP de Santos, se comparada
a outras sedes, permitiu Roberto Capello, ao projetar esse edifício, basear-se em
um entorno já em conformação, e que se manteve, sobretudo, pelas ações de
proteção dos órgãos de preservação e pelo o interesse do mercado imobiliário na
expansão urbana em direção à orla marítima, verificado a partir da década de
1930. Desse modo, após a sua inauguração, poucas edificações foram erguidas
nas imediações, permitindo o congelamento das relações do edifício com o
entorno, ao contrário do que aconteceu com a maioria das outras sedes. Na
atualidade, a área central é heterogênea em sua conformação urbana e
arquitetônica, com vestígios dos primórdios de sua ocupação e de construções
do início do século 20.
Figura 177: Área central de Santos em 1967 - Edifício SULACAP em destaque.

Fonte: <https://www.novomilenio.inf.br/santos/h0300n.htm>acesso em 04 fev. 2020

Figura 178: Área central de Santos em 2020 – À direita Edifício Itatiaia, à


esquerda Edifício SULACAP.

325

Fonte: Google Earth Pro - acesso em 04 fev. 2020

Pelas imagens aéreas apresentadas acima é possível perceber este


congelamento da imagem urbana. Nota-se, ademais um conjunto de baixa
altimetria em detrimento da verticalização comum nas áreas centrais das cidades.
O único edifício em altura construído nas imediações do SULACAP foi o edifício
Itatiaia (década de 1950), ainda remanescente. A mesma análise não pode ser
feita em outras regiões de Santos, que com a saturação do espaço em
decorrência da especulação imobiliária, verticalizaram-se vertiginosamente,
sobretudo nas regiões praianas.

O patrimônio cultural de Santos é protegido por órgãos existentes nas três esferas
de governo. As ações do IPHAN alcançaram Santos na década de 1940, fato
que, de certa forma, contribuiu para a promoção da discussão acerca do tema
naquele contexto. Em nível estadual, o Conselho de Defesa do Patrimônio
Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) foi instituído em
1968 e começou a atuar em Santos na década de 1970, porém de forma similar
às ações do IPHAN, com tombamentos de bens construídos no início da
ocupação da vila. Já a legislação municipal de preservação data de 1985, a
despeito das ações terem sido melhor conduzidas somente após a criação do
Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos (CONDEPASA), no ano
de 1989. A partir daí, diversas ações foram pensadas de forma a proteger o
326
patrimônio cultural do município, apesar de ainda restritas a edificações com
linguagem ecléticas, deixando a mercê da especulação imobiliária os
representantes de um passado mais recente. No ano de 1998, com base no
zoneamento proposto pelo Plano Diretor e pelas legislações posteriores, uma
nova política de revitalização tentou reverter este processo ao dar importância à
área central, instituindo o Programa de Revitalização e Desenvolvimento da
Região Central Histórica de Santos, denominado Alegra Centro, o qual englobou
um conjunto de instrumentos integrados com o objetivo de requalificar a área de
ocupação inicial da cidade. Ainda em vigor, as medidas do Programa têm como
foco as Áreas de Proteção Cultural (APACs),232 cujos imóveis possuem níveis de
proteção estabelecidos pelo conselho responsável. Diante desta proposta mais
abrangente, que promove áreas de proteção, as discussões podem ser
ampliadas de forma a abarcarem os tipos arquitetônicos não contemplados em
ações anteriores.

232 Estabelecidas pela Lei Complementar nº 312, de 24 de novembro de 1998 e regulamentada pelo
Decreto nº 3.582, de 30 de junho de 2000.
Diante dos fatos, nota-se que se alguma relação do edifício com o entorno se
alterou ao longo dos anos foi em consequência da melhoria do espaço urbano,
com a remoção de fiação elétrica dos postes de iluminação, instalação de novos
equipamentos públicos e, principalmente, com a implantação de trecho para
pedestres na Rua XV de Novembro, denominado pelo projeto como “calçadão
temático da rua XV de Novembro.”

327
ANÁLISE FORMAL

Espero que entendam que a arquitetura não tem nada que


ver com a invenção de formas.

Mies van der Rohe, 1950.233

Figura 179: Edifício SULACAP Santos, O edifício SULACAP de Santos,


antes da reforma.
quando construído, destacou-se no
seu contexto pela sua altimetria e
linguagem formal diferenciada dos
edifícios preexistentes. Este destaque
ainda permanece na atualidade, visto
que, conforme mencionado, a área
central de Santos não passou pelo
processo de verticalização tal como

328 verificado em outras cidades,


tampouco seu entorno sofreu
alterações significativas em relação às
estruturas arquitetônicas que
marcaram o início do seu
adensamento.

A implantação do edifício ocupa quase


que a totalidade do terreno e,

Fonte: Karine de Arimateia - 2018. consequentemente, segue sua forma,


essa sutilmente interrompida pela
proposta de um fosso de iluminação e ventilação na fachada posterior, o qual
contribuiu, também, para evitar uma empena de grandes dimensões. Nota-se,
nesse edifício, um recurso que se repete nas duas sedes de Salvador e nas sedes
Sul América de Fortaleza e Porto Alegre: o arredondamento das quinas nas
fachadas, que resultou em uma volumetria sólida e uniforme. A composição

233
In: Conversas com Mies van der Rohe. Certezas americanas. Moisés Puente (ed.) Barcelona:
Editorial Gustavo Gili, 2006.
Figura 180: Base do edifício SULACAP de
Santos, durante a reforma. volumétrica completa-se com a
utilização, em cada andar e em todas
as quinas, de um elemento que
ressalta dos panos das fachadas
frontal e laterais, identificado em
algumas descrições sobre o edifício
ora como iluminação zenital ora como
chaminés para torrefação de café.234

A solução tripartida é evidente neste


projeto. A base, revestida
externamente por placas de granito,
tem pé-direito duplo e é protegida
pela marquise arredondada. Todas
as esquadrias neste pavimento são
em ferro e protegidas por grade
trabalhada em ferro fundido. O corpo, 329
Fonte: Karine de Arimateia - 2018.
com nove pavimentos separados por

Figura 181: Base e acesso principal do edifício SULACAP de Santos, durante a


reforma.

Fonte: Karine de Arimateia - 2018.

234Laudo técnico (sem data) de autoria da Sandy Arquitetura e PMA Arquitetura, disponível na
administração do condomínio.
frisos horizontais em alto relevo, é composto por esquadrias em madeira do
modelo “copacabana”. Já o coroamento, encimalhado por frisos horizontais em
alto relevo, é resolvido por uma platibanda suficientemente alta para obstruir o
volume da caixa d’ água e da casa de máquinas.

Segundo laudo técnico que embasou a última intervenção no imóvel,235 pastilhas


de pequenas dimensões revestiam o corpo e coroamento do edifício. Esta
informação levanta a hipótese de que tal revestimento pode ter sido fruto de uma
intervenção posterior, tendo em vista a ausência deste tipo acabamento nas
demais sedes projetadas por Capello. Imagens de satélite indicam que a
cobertura do edifício, na atualidade, é praticamente ocupada por construções
irregulares. É oportuno mencionar que, em ambas as visitas ao edifício o acesso
ao seu interior foi negado pela administração.

330

235
Laudo técnico (sem data) de autoria da Sandy Arquitetura e PMA Arquitetura, disponível na
administração do condomínio.
ANÁLISE FUNCIONAL

Todo edifício se caracteriza por uma pluralidade de valores:


econômicos, sociais, técnicos, funcionais, artísticos,
espaciais e decorativos [...]. Mas a realidade do edifício é
consequência de todos estes fatores e sua história válida não
pode esquecer nenhum deles.

Bruno Zevi,1948. 236

Conforme já analisado, após a expansão dos bairros residenciais em Santos, a


área central passou a concentrar as estruturas funcionais dos principais serviços
da cidade, tais como instituições públicas, bancos, igrejas, lazer e turismo.

O edifício SULACAP foi construído nesse contexto, com uso exclusivamente


comercial, abrigando, em parte de sua estrutura, a sede da sucursal e
disponibilizando os demais espaços para aluguel, assim como foi nas outras
sedes estudadas.

As similaridades entre as 331


formas dos terrenos das
sedes da SULACAP de
Santos, Recife e Salvador
resultaram em soluções
formais e funcionais
análogas. Assim como a
sede de Recife, o acesso
principal ao edifício de
Santos é realizado pela rua
lateral, de forma a valorizar
os espaços destinados às
lojas do térreo.

236
Tradução minha – “Todo edificio se caracteriza por una pluralidad de valores: económicos,
sociales, técnicos, funcionales, artísticos, espaciales y decorativos [...]. Pero la realidad del edificio es
consecuencia de todos estos factores, y su historia válida no puede olvidar ninguno de ellos.” (ZEVI,
1955, p. 21)
O hall principal tem o piso e paredes revestidos em mármore, mesmo tratamento
utilizado nas demais sedes, porém aqui o pé-direito é simples, resultante de
Figura 182: Vista interna do hall do edifício SULACAP de Santos. intervenção
posterior. Neste
mesmo pavimento,
além do acesso ao
hall de elevadores
estão duas lojas,
ambas com
sobrelojas, uma
delas com acesso
exclusivo pela Rua
XV de Novembro e
outra, de maior
Fonte: Karine de Arimateia, 2018.
área, com acesso
para a Rua do Comércio. O subsolo abrigava originalmente a cisterna e a casa
332 de bombas.

Do primeiro ao nono pavimento, as plantas se repetem, contendo duas amplas


salas na porção frontal e seis salas menores, sendo três voltadas para cada rua
lateral (Rua XV de Novembro e Rua do Conde D´Eu), reforçando a simetria da
solução do partido arquitetônico. Cada pavimento possui dois banheiros que são
compartilhados entre todas as salas do andar, além de dois elevadores e a
escada de incêndio. Nos pavimentos tipos, nota-se a ausência de elevador de
serviço, elemento presente em grande parte das demais sedes. O décimo andar
não possui aberturas para iluminação e ventilação, uma vez que é delimitado
pelas alvenarias da platibanda cega. Neste pavimento, nota-se uma área para a
maquinaria do sistema de ar condicionado, bem como dois cômodos que dividem
o único banheiro, além do terraço descoberto com uma escada de acesso ao
último pavimento, o qual contém apenas o volume referente às caixas d´água
PEÇAS GRÁFICAS237

As peças gráficas apresentadas a seguir foram redesenhadas com base no


projeto arquitetônico original disponibilizado pela Prefeitura Municipal de Santos.

333

237
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
334
335
336
Figura 184: Planta do pavimento tipos do edifício SULACAP de Santos, projeto original.

337

Fonte: Processo relativo à construção do edifício/Prefeitura Municipal de


Santos.
Figura 185: carimbo de Roberto Capello no projeto original.

338

Fonte: Processo relativo à construção do edifício/Prefeitura Municipal de Santos.


339

3.6. BELO HORIZONTE/MG – SUL AMÉRICA E SULACAP


340
Figura 186: Conjunto Arquitetônico SULACAP/Sul América
Belo Horizonte/MG – década 1940.

Ficha técnica
Nome original: Edifícios SULACAP e Sul
América.
Nome atual: Conjunto Arquitetônico SULACAP
e Sul América.
Endereço: Avenida Afonso Pena, nº 981
(SULACAP) e nº 941 (Sul América), Centro, Belo
Horizonte, Minas Gerais.
Ano do projeto: 1942.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 1947
(inauguração).
Construtora: Companhia Industrial e
Construtora Pantaleone Arcuri /Juiz de Fora
Uso original: SULACAP (uso comercial), Sul
América (uso misto: residencial e comercial).
Uso atual: mantido conforme previsto
originalmente.
Propriedade: privada/condomínio.
Proteção/nível: 2015/municipal (Deliberação
n°37/2015), publicada no DOM (Diário Oficial do
Município) em 28 de abril de 2015.

Fonte: Acervo do condomínio SULACAP.


341
ANÁLISE HISTÓRICA

Notícias sobre a atuação da empresa Sul América em Belo Horizonte datam de


1928, conforme relação das agências distribuídas no território brasileiro,
publicada na Revista Sul América desse ano.238

Já no ano de 1938, há registros de viagens de Roberto Capello para a capital


mineira,239 como o objetivo, provavelmente, de visitar os terrenos recém
adquiridos pela empresa da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte.240

Conforme documento de compra e venda do imóvel, a Sul América adquiriu um


edifício e seu respectivo terreno na Avenida Afonso Pena, área central de Belo
Horizonte, em 04 de abril de 1938, com as seguintes características:

CARACTERÍSTICOS E CONFRONTAÇÕES: Prédio com


342 frente para a Avenida Afonso Pena, onde se acha atualmente
instalada a Diretoria Regional dos Correios e Telégrafos, e
respectivo terreno, constituído pelo quarteirão 34 da 1ª Seção
Urbana desta cidade de Belo Horizonte, Capital do Estado de
Minas Gerais, com os seguintes característicos: o prédio é de
dois pavimentos edificado ao alinhamento da Avenida Afonso
Pena e o terreno é de forma triangular, limitado pela Avenida
Afonso Pena e pelas ruas Bahia e dos Tamoios [...] (Registro
n. 8.324, Livro 3-H, Folha 59, Ficha 01F, 1º Ofício de Registro
de Notas de Belo Horizonte).

Sobre o respectivo terreno, antes mesmo da construção da Sede dos Correios,


vale ressaltar alguns aspectos de sua conformação. No plano urbanístico
elaborado por Aarão Reis para a nova capital mineira foram previstas inúmeras
áreas não edificáveis no interior da Avenida do Contorno, as quais serviriam de
espaços públicos ou praças, dentre elas as quatro áreas nas arestas do Parque
Municipal Américo Renné Giannetti. Essas áreas quadrangulares seriam
cortadas ao meio por amplas vias, resultando em duas praças triangulares em
cada uma das arestas do Parque. No caso da Praça Tiradentes, onde

238
Revista Sul América, Ano IX, n. 35, Julho 1928.
239
Jornal Diário de Notícias, ed. 03828, de 23 de julho de 1938.
240Conforme registro de compra e venda do imóvel, o terreno foi adquirido em exatamente em 05 de
abril de 1938.
futuramente seria construída a sede dos Correios e, posteriormente, os edifícios
SULACAP e Sul América, a divisão seria feita pela Avenida Afonso Pena.

Figura 187: Planta do projeto de Aarão Reis para o município de Belo Horizonte, com destaque
para a área do Parque Municipal e para as quatro praças em suas arestas. Em branco está a Praça
Tiradentes, onde futuramente seriam construídos os edifícios sedes da Sul América.

343

Fonte:
https://pt.wikipedia.org/wiki/Avenida_do_Contorno_(Belo_Horizonte)#/media/File:Planta_BH.jpg
. Acesso em 14 jan. 2017. Modificada pelos autores
A duas áreas triangulares correspondentes à Praça Tiradentes ficaram
parcialmente desocupadas até o início do século 20, quando a porção norte
(delimitada pelas ruas Tupis, Espírito Santo e Avenida Afonso Pena) passou a
ser ocupada por empresas privadas e, na porção sul, foi edificada a sede dos
Correios, imponente edifício de dois pavimentos em linguagem eclética. Desse
modo, os vazios não edificáveis referente à esta praça foram totalmente
ocupados.

Figura 188: Edificação dos Correios e Telégrafos.

344

Fonte: http://curraldelrei.blogspot.com.br/2010/06/os-quarteiroes-nao-
edificaveis-o-caso.html - acesso em 22/04/2017.

Já em 1930, com o aumento da demanda dos serviços postais, os governantes


optaram pela construção de um novo edifício para os Correios, também na Av.
Afonso Pena, deixando sem uso, portanto, o antigo edifício eclético. Contudo,
apenas no final de 1939 e início dos anos 1940 o antigo palacete dos Correios foi
demolido para a construção das torres SULACAP/Sul América.241

241 As fontes indicam que por uma “questão de falta de espaço” a Prefeitura teria decidido expandir o

prédio dos Correios. Contudo, posteriormente, a mesma recua e decide permutar o terreno por outro
localizado na própria Avenida Afonso Pena, onde antes funcionava o Congresso, conforme relatório
de 1935 do Prefeito Otacílio Negrão de Lima: “prosseguindo as negociações iniciadas, conseguimos
ver realizada a permuta do atual edifício dos Correios e Telégrafos pelo terreno ao lado do novo
Antes da demolição da sede dos Correios, o terreno foi vendido pela Prefeitura
Municipal de Belo Horizonte para a empresa Sul América com as seguintes
condições:

V - A outorgada compradora, depois de demolir o edifício


atualmente existente, poderá subdividir o respectivo terreno
existente em 03 lotes distintos, ficando entretanto obrigada a
iniciar dentro do prazo de dois anos contados da data do
recebimento do imóvel a construção de um prédio em um dos
03 lotes e poderá vender os outros 02 lotes a terceiros [...].

VII – Obriga-se mais a outorgada compradora e seus


sucessores, quando fizer a construção no lote do centro a
deixar no prolongamento do viaduto da Avenida Tocantins,
com o mesmo eixo e para livre uso de pedestres, uma
passagem ou galeria com 10,00m de largura, já projetada
pela Prefeitura, conforme planta existente da qual foram
exibidos no ato 02 exemplares que são assegurados pelas
partes contratantes e rubricados pelo Tabelião do 5° Ofício,
ficando um exemplar em poder da vendedora e outro com a
compradora. Esta galeria terá as condições de arejamento e
iluminação suficientes e deverá ser prevista no projeto de
construção de edifício que for construído no lote onde deve
ser ela aberta (grifo nosso). (Registro n. 8.324, no livro 3-H,
folhas 59/60, do 1º Ofício de Registros de Imóveis de Belo
Horizonte, grifo meu).
345

Percebe-se, portando, que a venda do terreno estava vinculada à exigência de


ocupação do espaço urbano com a construção de uma edificação após a
demolição da sede dos Correios. Além disso, a venda permitia a subdivisão do
terreno triangular em três lotes, com a exigência de manutenção de uma galeria
de 10 metros de largura, “já projetada pela Prefeitura”, alinhada ao eixo do antigo
Viaduto Tocantins, atual Viaduto de Santa Teresa. A referência “quando fizer a
construção no lote do centro” permite especular que, na ocasião da venda do lote,
já se debatia entre comprador e vendedor a construção da sede da Sul América
após a demolição do edifício eclético. Porém, ao contrário do previsto, Roberto
Capello não projetou um edifício no lote central, e sim dois edifícios, um em cada
lote das extremidades do terreno, mantendo, portanto, a área central entre as

edifício da Prefeitura, na Avenida Afonso Pena” (Fonte: Curral Del Rey.com). Assim, foi deliberado
nos derradeiros anos de 1930 que o antigo palacete dos Correios deveria ser demolido e, também,
vendido a particulares o terreno que o abrigava.
duas torres não edificada, para a qual propôs o uso de praça, sem deixar de
cumprir, portanto, com a exigência da galeria.

Figura 189: Planta do quarteirão 34, de 31 de janeiro de 1938, com os lotes 01 e 02 e com a
galeria de 10 metros especificada no registro de compra e venda. O destaque na imagem
refere-se à galeria que deveria ser mantida como eixo visual e de acesso ao viaduto da Avenida
Tocantins, atual Viaduto de Santa Teresa

346

Fonte: Prefeitura Municipal de Belo Horizonte

Para levar a cabo a construção das duas sedes foi contratada a Companhia
Industrial e Construtora Pantaleone Arcuri da cidade de Juiz de Fora, com
responsabilidade técnica a cargo do engenheiro civil Arthur Arcuri, o mesmo
profissional que conduziu as obras do SULACAP dessa cidade.

Em 1947, o conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América foi oficialmente


inaugurado, apresentando pavimentos com lojas e escritórios comerciais em
ambos os edifícios e apartamentos residenciais no Sul América.
Figura 190: Sul América/SULACAP em
construção/década de 1940.

Famílias tradicionais mineiras se


transferiram para os amplos
apartamentos do Sul América em
busca do charme que a região
apresentava, sobretudo pela
proximidade com a área verde do
Parque Municipal Américo Renné
Giannetti. Da mesma forma,
comerciantes buscaram naqueles
escritórios e lojas aumentar seus
negócios, já que a região central
condensava uma privilegiada
circulação de pessoas.
Fonte: http://curraldelrei.blogspot.com.br/2010/06/os-
quarteiroes-nao-edificaveis-o-caso.html - acesso em
nov. 2018

Figura 191: Vista do conjunto arquitetônico sem a construção da 347


edificação na área livre.

Fonte: http://curraldelrei.blogspot.com.br/2010/06/os-quarteiroes-nao-
edificaveis-o-caso.html – acesso em 18 mai. 2018
Figura 192: Inauguração das sedes noticiada no O Jornal, do Rio de Janeiro

348

Fonte: Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional- O Jornal, ed. 08403, de 20 de setembro de


1947.

A área ajardinada entre as duas torres, projetadas por Capello, ficou conhecida
popularmente como “Praça da Independência,” a qual, a despeito da propriedade
privada, passou a ser utilizada pelo público. A praça emoldurava o viaduto Santa
Teresa, reforçava o eixo visual existente e promovia um espaço de convívio no
centro da cidade, até a construção em sua área, na década de 1970, de uma
edificação de quatro pavimentos, o que anulou todas essas características.
Conforme visto, o registro de compra e venda do imóvel permitia a divisão do
terreno em três lotes e a construção, no lote central, de uma edificação, desde
que os compradores mantivessem a referida galeria. O documento tratava,
provavelmente, da construção da futura sede da Sul América porém, como o
arquiteto optou por construir nos terrenos da extremidade, a permissão do
documento foi utilizada na década de 1970, com a construção da edificação com
a devida galeria, porém Figura 193: Edificação construída entre as duas torres,
coberta (já que o texto do obstruindo o enquadramento do Viaduto Santa Teresa.

documento não impedia


tal solução), resultando
numa solução totalmente
descaracterizante da
proposta do conjunto
arquitetônico de Roberto
Capello, além de não
seguir os propósitos
iniciais da Prefeitura de 349

manter o eixo estruturante


para o viaduto. Verificou-
se, em pesquisa mais
Fonte: Karine de Arimateia/2014.
apurada, que o terreno
não foi dividido em três lotes, portanto, apesar de aprovada na Prefeitura
Municipal,242 a legalidade da construção descaracterizante pode ser questionada.

A Sul América, dando prosseguimento a proposta de liquidez do seu patrimônio


na década de 1960, vendeu, em 25 de outubro de 1966, a torre Sul América aos
senhores Benzion Levy e Isaias Idel Levy, com exceção do 3º andar, que
continuou de propriedade da empresa.243 É pertinente destacar que ficou

242
O projeto arquitetônico de nº 126, aprovado na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte em setembro
de 1971, apresenta a proposta da edificação construída entre as duas torres com a assinatura do
arquiteto Henri Friedlaender.
243 Conforme escritura pública de compra e venda, lavrada no livro n. 226, à folha 71-v, de 25/10/1966

nas notas do tabelião do 4º Ofício de Notas de Belo Horizonte, registrada sob o n. 929, no livro 4-A,
à folha 91, do 4º Ofício de Registros de Imóveis da mesma capital.
assegurado aos compradores, conforme a cláusula 20 da Convenção de
Condomínio, o direito de construção na área de 399,040m², onde estava
localizada a “praça da independência”:

Cláusula Vinte. Fica assegurado aos atuais promitentes


compradores do prédio, ora outorgantes, Benzion Levy e
Isaias Idel Levy, o direito de, a qualquer tempo, desde que
observadas as leis e posturas municipais, construírem o
Edifício que lhes aprouver, de até 3 (três) andares, na área de
399,040m² (trezentos e noventa e nove metros e quarenta
milímetros quadrados), desmembrado do terreno, como dito
no inicio da presente escritura não ultrapassando, portanto, o
2º andar da construção ora existente ou 3º pavimento. Essa
construção será feita sem dependência de manifestação de
consentimento, autorização, aviso ou notificação dos e aos
demais condôminos do Edifício SulAmérica, que a ela nada
poderão opor, devendo obedecer a um afastamento de três
(3) metros, no mínimo, entre o Edifício SulAmérica e o prédio
a ser feito.244

Vale ressaltar que a metragem especificada equivalia à metade da praça


descoberta, visto que a outra metade pertencia à torre SULACAP. De toda forma,
350 percebe-se que já era nítida a intenção dos senhores Benzion Levy e Isaias Idel
Levy de construírem na área destinada à praça, o que ocorreu de fato na década
de 1970.

O mesmo aconteceu com o SULACAP, que foi comprado pelos senhores Alair
Gonçalves Couto, Juarez Mariano Machado, Roberto Santos Laureano, com
exceção de um dos andares, o qual foi mantido em nome da empresa. A certidão
de compra e venda, além de registrar a convenção do condomínio recém
instituído, determinava as frações ideais do terreno. Sobre a parte livre do lote,
havia informação similar à contida na certidão de venda do edifício Sul América

Parágrafo terceiro: os condôminos do Edifício Sulacap


reconhecem o direito dos proprietários da parte não edificada
do lote nº 2 (dois) do quarteirão 34 (trinta e quatro), da
primeira seção urbana, e de seus herdeiros ou sucessores a
qualquer título, de construírem, nesse terreno, até a altura
que vier a ser aprovada pela Prefeitura, podendo, inclusive,
até a altura de quatro andares, unirem, na parte fronteira para
a Avenida Afonso Pena, o prédio a ser construído ao já
existente, respeitava a passagem de pedestres prevista na

244
Cláusula 20 da Convenção de Condomínio do Edifício Sulamérica. Escritura pública registrada no
livro de notas n. 229-A, às folhas 102 a 120-v, do cartório do 4º Ofício de Notas de Belo Horizonte.
escritura de fls. 1 do livro 289-c destas notas, obrigando-se
por si e sucessores, a não opor, em tempo algum, qualquer
obstáculo a esta construção [...] (Convenção do Edifício
SULACAP).

A construção do edifício na área da praça gerou polêmicas na capital mineira.


Moradores lamentaram a intervenção e nos anos seguintes lutaram pela sua
desapropriação e posterior demolição, o que nunca foi levado a cabo. Até hoje o
fato é comentado nas mídias, o que comprova que a luta pelo retorno da área
pública ainda persiste. No ano de 2019, uma campanha denominada Janela
Aberta, promovida pelo vereador Gabriel Azevedo, passou a trabalhar em prol da
desapropriação da edificação descaracterizante.245

Figura 194: Projeto Executivo de Arquitetura para a edificação entre as


torres/Pavimento Térreo. O destaque na imagem mostra a galeria exigida pela
Prefeitura Municipal no contrato de compra e venda do imóvel.
Fonte: acervo do condomínio SULACAP.

351

Fonte: acervo do condomínio SULACAP.

Em 1995, o edifício Sul América, em sua parte residencial (torre mais alta), já
estava quase totalmente ocupado por escritórios, consultórios e atividades
comerciais diversas, restando apenas alguns poucos moradores. Em notificação
aos condomínios das duas torres, a Prefeitura de Belo Horizonte exigiu a
regularização da situação de uso das edificações e a elaboração de um novo
projeto arquitetônico atualizado para o registro de todas as modificações sofridas
durante o decorrer dos anos após o documento de habite-se inicial.

245
http://www.janelaaberta.com.br/.
Provavelmente, esta exigência decorreu do tombamento do Conjunto Urbano da
Avenida Afonso Pena e Adjacências (do qual o conjunto faz parte), que acarretou
em maiores cuidados por parte da administração pública com relação a todos os
edifícios inseridos no perímetro de acautelamento.

Diante de diversos projetos apresentados pelos síndicos dos edifícios


SULACAP/Sul América com contemplação de intervenções, no ano de 2001 a
Diretoria de Patrimônio Cultural do município elaborou o anteprojeto de
restauração para o conjunto arquitetônico. Tal projeto, de autoria dos arquitetos
Carlos Henrique Bicalho e Mariana Guimarães Brandão, previa, além da
recuperação do hall dos edifícios, a restauração das fachadas, a retirada das
placas publicitárias e a colocação de novas placas com as dimensões exigidas
pelo órgão, a instalação de novos portões metálicos nas entradas das galerias e,
sobretudo, a restauração da praça ajardinada, com a demolição da edificação
descaracterizante entre as duas torres. Em dezembro de 2012, o Ministério
Público interveio por meio de requisição à Diretoria do Patrimônio Cultural para a
realização de vistoria no edifício SULACAP, a fim de avaliar o seu estado de
352
conservação, com posterior envio de laudo de constatação. Além disso, solicitou
esclarecimentos no que tange às diretrizes de proteção para o bem cultural e
eventuais medidas emergenciais para instrução de Inquérito Civil nº.
0024.03.000.127-5.

A vistoria realizada pelos técnicos da Diretoria resultou em um laudo técnico


(documento n. 0935-2012, de 21 de dezembro de 2012), o qual informava que
não só o prédio SULACAP, mas todo o conjunto arquitetônico apresentava
“péssimo estado de conservação, necessitando de obras de restauração e
reversão de intervenções descaracterizantes”. Com isso, foram realizadas
diversas reuniões e audiências ao longo de 2013 entre o Ministério Público, Corpo
de Bombeiros, síndicos e lojistas, com o objetivo de adequar as intervenções
necessárias e a conservação do conjunto SULACAP/SulAmérica.

Apesar do acordo realizado nesta reunião, partiu do edifício Sul América a


iniciativa da elaboração do Dossiê de Tombamento e do Plano de
Restauração,246 providenciando o devido protocolo dos documentos na Diretoria
de Patrimônio, os quais foram analisados pelo Conselho Deliberativo do
Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPCM-BH), resultando no tombamento
municipal isolado do Conjunto Arquitetônico, conforme reunião do Conselho
Deliberativo em 15 de abril de 2015 e Deliberação n°37/2015, publicada no DOM
(Diário Oficial do Município de Belo Horizonte) em 28 de abril de 2015.

O conjunto arquitetônico já possuía proteção municipal por fazer parte do


Conjunto Urbano da Avenida Afonso Pena e Adjacências, mas não há como
negar que o tombamento isolado lhe conferiu maior proteção ao estabelecer
diretrizes específicas, baseadas no Dossiê de Tombamento.

Dentre as diretrizes elencadas do documento de tombamento, estava a


elaboração do Plano Diretor, que por sugestão do conselheiro arquiteto Flávio
Carsalade passou a denominar-se Plano de Restauração. Diante de tais
diretrizes, a administração do Sul América elaborou seu Plano em junho de 2015.
Com a eleição do novo síndico do SULACAP, em abril de 2015, a nova
353
administração iniciou as providências para a coleta de orçamentos, cuja
contratação foi levada a cabo no segundo semestre de 2017.247

Os procedimentos tomados pela administração pública para a preservação do


conjunto arquitetônico resultaram, pelo menos, na elaboração dos planos de
restauração, documento que permite, em teoria, que as futuras intervenções
sejam embasadas em critérios adequados e aprovados pelo órgão de proteção
municipal.

É oportuno mencionar que em nenhuma das pranchas originais do projeto


arquitetônico elaborado por Capello há o desenho dos dois edifícios unidos.
Apesar da SULACAP constituir um braço da Sul América, ambas as empresas
eram pessoas jurídicas diferentes, o que provavelmente justifica as aprovações
isoladas de cada torre. Diante disso, os desenhos apresentados no decorrer do
texto ora dizem respeito ao projeto do edifício SULACAP ora do Sul América, que

246
Documento elaborado por mim e pela arquiteta Sarah Floresta.
247
Documento coordenado por mim, com a participação da estagiaria Deisiane Lagares.
dificulta, em um primeiro momento, a leitura do projeto completo, o qual poderá
ser visualizado no item Peças Gráficas.

354
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

Ao contrário das demais sedes estudadas, cujas alterações ao longo dos anos
foram pontuais e quase imperceptíveis, o conjunto arquitetônico SULACAP/Sul
América sofreu drástica descaracterização em sua proposta projetual, sobretudo
pela a construção da edificação na área livre entre as duas torres, na década de
1970. Antes disso, na década de 1960, as torres mais baixas do conjunto,
projetadas e construídas com três pavimentos acima do térreo, sofreu acréscimo
de mais um pavimento. Além disso, a torre baixa do Sul América teve área
acrescida no seu pavimento térreo, no trecho referente à face voltada para o
viaduto Santa Teresa, interrompendo a linearidade da marquise – que apesar de
não proposta no projeto em todo o perímetro conforme construído, configurou um
elemento marcante - , e também no trecho referente à esquina entre a Av. Afonso
Pena e Rua Tamoios, modificações que atentaram contra a proposta original do
tratamento plástico das fachadas. 355

Figura 195 – Vista do conjunto a partir do viaduto de Santa


Teresa/década de 1950, com destaque para os três
pavimentos acima do térreo.

Fonte: Acervo do condomínio SULACAP


Figura 196 – Maquete do conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América de Belo
Horizonte/destaque para a fachada voltada para o viaduto Santa Teresa

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello

356
Figura 197 – Vista aérea do conjunto, com destaque para os quatro pavimentos acima do
térreo e acréscimo de área do pavimento térreo da torre mais baixa do Sul América.

Fonte: Extraído do vídeo da campanha Janela Aberta. Disponível em:


http://www.janelaaberta.com.br/ - acesso em nov. 2020
A partir dos anos 1980, as duas torres sofreram inúmeras intervenções de
manutenções, muitas delas registradas nas atas das administrações, como, por
exemplo, a pintura das fachadas, intervenção que eliminou a aparência do pó de
pedra original, e o fechamento das circulações entre as duas torres com gradil de
ferro, impedindo o fluxo de pedestres no período da noite. Posteriormente, para
o edifício Sul América, houve a proposta de alteração da Convenção de
Condomínio, conferindo aos proprietários dos apartamentos a faculdade de
serem utilizados e ou destinados para fins comerciais, o que possibilitou a
alteração do uso proposto originalmente.248

Essa modificação de uso indica que, àquela altura, o centro de Belo Horizonte já
se firmava como local ideal para negócios, transformando-se, aos poucos, no
centro econômico da capital, o que fez com que cada vez mais as empresas
buscassem instalar seus escritórios naquela região.

Para o melhor entendimento das alterações dos edifícios ao longo dos anos,
segue cronologia das prospecções:
357
 Década de 1960: as torres baixas do conjunto arquitetônico são
acrescidas de mais um pavimento.
 Final de década de 1960 (edifício Sul América): construção de novas
lojas em áreas livres sob a marquise da esquina da Rua da Bahia com
Rua Tamoios (fachada voltada para o viaduto Santa Teresa) e da esquina
da Avenida Afonso Pena com Tamoios:

248 Assembleia Geral Extraordinária do Sul América, ocorrida em 30/09/1974.


Figura 198 – Planta pavimento térreo do edifício Sul América - Projeto original
arquivado da administração do condomínio, com destaque para as áreas livres,
atualmente construídas.

Fonte: Acervo do condomínio Sul América

358 Figura 199 – Planta pavimento térreo do edifício Sul América, situação atual.

Fonte: Acervo da autora/2020


 1971 - Aprovado na Prefeitura Municipal de Belo Horizonte o projeto da
construção de edificação na área livre entre as duas torres;
 Junho de 1999 (no SULACAP): remoção das persianas originais em
madeira das janelas.
 2001 (SULACAP): pintura das fachadas, sobre o pó de pedra original.
 Ao longo dos anos (edifício Sul América): fechamento das varandas
dos apartamentos, com esquadrias de ferro.

Em relação ao entorno imediato ao conjunto arquitetônico, as modificações


registradas a partir da década de 1940 (quando o edifício foi inaugurado),
referem-se, principalmente, ao aumento da verticalização, com a construção de
edifícios tanto de uso comercial quanto residencial. A partir da década de 1970,
conforme exposto, a área central de Belo Horizonte destacou-se como um núcleo
expressivo de negócios, o que resultou na busca dos moradores por novos
núcleos residenciais.

É oportuno destacar que, antes mesmo da construção das sedes da Sul América,
359
o Parque Municipal, vizinho das duas torres, vinha sofrendo sucessivas perdas
em sua área original. Tal processo iniciou-se em 1912 com a transferência de
aproximadamente 45.000m² do seu terreno para a construção da Faculdade de
Medicina e do Centro de Saúde do Estado. Na década de 1940, outra parcela foi
ocupada para a construção do Palácio das Artes (GALERA e GARCIA, 2017).
Originalmente com área de formato quadrangular e com as quatro praças em
suas arestas, o Parque consolidou-se na década de 1970 com um terço da sua
área original e destituído das áreas não edificáveis em suas arestas. Estas
alterações influenciaram, relativamente, na saída dos moradores da torre
residencial do conjunto e também de outros edifícios residenciais nas
proximidades, visto que, nesta época, a área central, em função da falta de
planejamento que orientasse o seu crescimento, passou a ter uma imagem
confusa e pouco atrativa. O corte das árvores que formavam o bulevar da Afonso
Pena, em 1963, contribuiu consideravelmente para a perda da imagem ambiental
do entorno.
Figura 200 – Entorno urbano, com destaque para o conjunto arquitetônico/década de 1940.

Fonte: Diretoria de Patrimônio Cultural de Belo Horizonte.

Figura 201 – Entorno urbano, com destaque para o conjunto


arquitetônico/1961 e a área do Parque.

360

Fonte: APCB – Coleção José Góes – Disponível em:


http://curraldelrei.blogspot.com/2012/10/os-anos-60-metropole-o-caos-e-
as.html – acesso em Nov. 2018.
Figura 202 – Bulevar da Afonso Pena – década de 1950 – em destaque o
conjunto arquitetônico.

Fonte: https://imagesvisions.blogspot.com/2015/09/a-derrubada-dos-ficus-
da-avenida-afonso.html - Acesso nov. 2020

Figura 203 – Corte das árvores da Afonso Pena – 1963 – em destaque o 361
conjunto arquitetônico.

Fonte: https://imagesvisions.blogspot.com/2015/09/a-derrubada-dos-ficus-
da-avenida-afonso.html - Acesso nov. 2020.
RELAÇÃO DO EDIFÍCIO COM O ENTORNO

Na realidade, a formação de uma paisagem urbana


significativa é a finalidade principal de uma criação urbana,
mas a consideração da paisagem existente tem importância
para qualquer arquiteto que vai projetar um edifício em um
entorno urbano.

Enrico Tedeschi, 1962.249

A arquitetura e urbanismo colonial brasileiro deixou como herança áreas públicas


normalmente vinculadas aos conjuntos religiosos ou mercados públicos. A
alteração das tipologias das praças no final do século 19, com o advento da
República, veio de encontro à modernização e revisão dos valores estéticos em
voga na Europa e, sobretudo, com o objetivo de apagar os vestígios coloniais. As
praças e edificações construídas na então inaugurada capital das Minas Gerais,
Belo Horizonte, refletiram essas mudanças desejadas. Sobre as propostas para
362 as vias públicas e praças da capital mineira, esclareceu Carlos Alberto Oliveira:

Os logradouros públicos na nova capital tinham como


referência a salubridade, a circulação e a civilidade. Um
espaço meticulosamente organizado, com praças, parques e
jardins dentro de uma área verde total que deveria ter
952.651m2, para atender a previsão de 200.000 habitantes.
Mas o anseio de modernização do estado que impulsionou a
construção da nova cidade foi um processo de modernização
adaptativa e conservadora [...].(OLIVEIRA, 2012, p. 70 )

A despeito da previsão no plano de Aarão Reis para a nova capital de mais de


900.000m² de área verde, somente 248.566m² teriam sido implementadas
(OLIVEIRA, 2012). O projeto completo para Belo Horizonte previa a execução de
24 praças, 21 avenidas e 63 ruas nos limites da seção suburbana. As praças,
comenta Oliveira (2012, p. 123), “[...] eram espaços abertos multifuncionais que
corresponderiam às diretrizes vigentes nas cidades do século XIX. Foram parte

249
Tradução minha – “En realidad, la formación de un paisaje urbano significativo es la finalidad
principal de una creación urbana, pero la consideración del paisaje existente tiene importancia para
cualquier arquitecto que deba proyectar un edificio em un entorno urbano.(TEDESCHI, 1978, p.99
de uma estratégia de criação de grandes eixos para facilitar o fluxo de pessoas,
mercadorias e veículos.”

Neste contexto, conforme mencionado, estava a previsão de quatro áreas


públicas (ou praças) nas arestas do Parque Municipal Américo Renné Giannetti,
dentre elas a Praça Tiradentes, onde futuramente seriam construídas as sedes
da Sul América. Entretanto, grande parte das áreas verdes previstas e
executadas no Plano de Aarão Reis sofreram, paulatinamente, modificações
consideráveis e de maneira mais intensa no período de 1897 a 1930, “com a
mudança morfológica e toponímica dos lugares.” (OLIVERA, 2012, p. 123).
Segundo Oliveira, tais mudanças, provenientes dos discursos modernizantes e
de embelezamento, resultaram nas constantes reformas das praças em Belo
Horizonte:

A série de transformações toponímicas ocorridas na cidade,


em suas três primeiras décadas, aponta para tensões entre
uma cultural local, com fortes vínculos com o passado
colonial, e o ideário republicano em Minas Gerais. Ruas,
avenidas e praças ganharam referências diversas em relação
à história e à geografia do país. Foram homenageados tribos
363
indígenas, bandeirantes, primeiros governadores,
inconfidentes e referências católicas. Alguns nomes foram
modificados a partir de motivos políticos específicos, como o
caso da praça Sete de Setembro que, até 1922, era
conhecida como praça Doze de Outubro. (OLIVEIRA, 2012,
p. 125)

Desse modo, em 1928, o número de praças - e também suas denominações - já


era diferente daquele levantado em registros anteriores e, principalmente, em
relação ao Plano de 1985.

As duas áreas triangulares resultantes da implantação da Av Afonso Pena na


área da Praça Tiradentes ficaram parcialmente desocupadas até o início do
século 20, quando a porção norte (delimitada pelas ruas Tupis, Espírito Santo e
Avenida Afonso Pena) passou a ser ocupada por empresas privadas e, na porção
sul, foi edificada a sede dos Correios, imponente edifício em linguagem eclética,
resultando na ocupação total dos vazios não edificáveis previstos inicialmente
como áreas ajardinadas nas arestas do parque. Já em 1930, com o aumento da
demanda dos serviços postais, os governantes optaram pela construção de um
novo edifício para os serviços dos Correios na mesma Av. Afonso Pena, deixando
sem uso, portanto, o antigo edifício. Contudo, apenas no final de 1939 e início
dos anos 1940, o antigo palacete dos Correios foi demolido para a construção
das torres SULACAP/Sul América.250

Nos anos 1930 e 1940, a intensificação do processo de industrialização na capital


mineira e o expressivo aumento populacional começaram a mudar os ares
provincianos da nova capital. Além disso, o incipiente mercado imobiliário
respondeu por uma considerável parcela nesse processo de transformação
urbana e, a falta de uma legislação orientada e fiscalizada, permitiu alterações
inadequadas nesse contexto.

Para essas análises é oportuno entender as legislações urbanísticas que


ajudaram a moldar a morfologia urbana em que as sedes da empresa foram
364 construídas, de forma a verificar as relações entre o espaço urbano e objeto
arquitetônico.

A implantação na nova cidade de Belo Horizonte precisava ser orientada de forma


a ocupar os lotes vagos de maneira dispersa, evitando a concentração em pontos
específicos e incentivando a ocupação do território vazio. Luís Mauro Passos
(1996) registrou esse processo de ocupação decorrente das primeiras diretrizes
urbanas proposta pelo Decreto nº 803 de 1885, que resultou no Regulamento de
Construções de 1901. Sobre esta norma, discorreu Passos:

O Regulamento de 1901 estabelece rigorosas normas quanto


"às condições dos prédios e suas dependências", definindo
patamares mínimos os afastamentos, áreas externas de
iluminação, dimensões dos cômodos (área e altura) e de seus
elementos construtivos (portas e janelas) em vista de suas
condições de "iluminação e arejamento", patamares estes,
sob vários aspectos, mais restritivos que os estabelecidos
pelos Regulamentos posteriores. Estas exigências refletem a

250 As fontes indicam que por uma “questão de falta de espaço” a Prefeitura teria decidido expandir o

prédio dos Correios. Contudo, posteriormente, a mesma recua e decide permutar o terreno por outro
localizado na própria Avenida Afonso Pena, onde antes funcionava o Congresso, conforme relatório
de 1935 do Prefeito Otacílio Negrão de Lima: “prosseguindo as negociações iniciadas, conseguimos
ver realizada a permuta do atual edifício dos Correios e Telégrafos pelo terreno ao lado do novo
edifício da Prefeitura, na Avenida Afonso Pena” (Curral Del Rey.com). Assim, foi deliberado nos
derradeiros anos de 1930 que o antigo palacete dos Correios deveria ser demolido e, também,
vendido a particulares o terreno que o abrigava.
preocupação higienista com a volume e a circulação de ar nos
cômodos, procurando satisfazer ambas as condições. Além
destas exigências, o Regulamento contém minuciosas
prescrições quanto aos materiais, técnicas e detalhes de
execução dos edifícios, constituindo-se num verdadeiro
manual de construção. Contudo, o que mais chama atenção
é a limitação do número de pavimentos, ou seja, da limitação
da altura do edifício, em níveis que, comparados com os
padrões habituais das construções das grandes cidades
época, se mostram bastante restritivos (PASSOS, 1996,
p.202)

Na zona urbana, por exemplo, proibia-se a construção de edificações de mais de


três pavimentos, salvo em casos especiais, mas mesmo assim o número de
pavimentos não poderia ultrapassar cinco, limitação com fortes vínculos com a
tradição europeia. A despeito disso, apenas em 1911 foi aprovado o primeiro
edifício de três pavimentos (PASSOS, 1996), fato que demonstra que a ocupação
do território era ainda lenta no começo do século 20. Em 1922, um novo
regulamento mudaria a primeira normativa: a Lei nº 226/22, de 2 outubro, que, ao
contrário da anterior, visava aumentar a densidade da zona central. Proibia-se,
por exemplo, nas vias principais, construções de apenas um pavimento, além de
365
relacionar a altimetria das construções com a largura das vias. Nas principais
vias da área central a altimetria poderia chegar até 50 pavimentos, criando as
condições básicas para o processo de verticalização da região. (PASSOS, 1996).
Na década de 1930, já se discutia a necessidade da elaboração de um plano
urbanístico para a capital, tendo em vista o crescimento desordenado,
principalmente no que diz respeito às áreas à margem da planta projetada por
Aarão Reis, além do discurso higienista e de embelezamento em voga no país.
Apesar de montada uma comissão para a discussão do tema, as ações que se
seguiram foram pontuais, e não resultaram em um documento oficial.

No ano de 1935 foram erguidos os edifícios Ibaté e a Feira Permanente que


marcaram a paisagem da área central da cidade em função da altimetria
diferenciada e, até então, inédita. Essas edificações foram construídas com base
na nova regulamentação que substituiu a de 1922, a saber, a Lei n. 363, de 4
setembro 1930. Além da diferenciação da área urbana em zonas (urbana e
suburbana), a normativa continha dispositivos semelhantes ao que Agache
propusera no Plano de Remodelação do Rio de Janeiro, com regulamentação de
perfil para as novas edificações, relativo ao alinhamento junto as vias.

Este regulamento logo foi substituído por outro, em 1933, o qual, de forma geral,
apenas alterou os parâmetros relativos à altimetria. Passos (1996), mais uma vez,
resumiu as alterações:
Figura 204: Feira de Amostras/Belo
horizonte. De modo geral idêntico ao anterior, a única
diferença deste último era justamente relativa à
questão da altura das edificações, cujos limites
são neste diferenciados segundo a "Zona
Residencial" e a "Zona Comercial" ou "Zona
Central", definidas neste regulamento de forma
semelhante ao regulamento anterior. Para a
Zona Residencial ficaram mantidas as
disposições do Regulamento de 1930; para a
Zona Comercial, foram mantidas os limites
relativos a altura junto à via, porém modificados
as restrições relativas à altura junto às divisas,
podendo o edifício ser levantado junto a estas
últimas, até a altura definida pela altura máxima
junto à via. Desta forma, abolia-se a
necessidade do afastamento lateral (desde que
366 não houvesse iluminação na fachada); além
disto, foram também atenuadas as exigências
relativas às áreas internas de iluminação.
Observamos que apesar de denominada "Zona
Comercial", não há neste regulamento nenhuma
disposição que restrinja o uso desta zona a
edifícios comerciais ou de escritórios, o que veio
a possibilitar, na década de 1940 e seguintes,
grande número de prédios de apartamentos na
Fonte – Zona Central. (PASSOS, 1996, p. 261)
https://br.pinterest.com/pin/5096105140
81308950 - acesso em nov.2020

A despeito da modificação em 1938, quando a altimetria permissiva das


construções foi elevada (e quando também foi efetivada a compra do terreno pela
empresa Sul América), provavelmente foi essa norma que norteou o projeto para
as torres SULACAP e Sul América, visto que há registros de viagens de Roberto
Capello para Belo Horizonte desde 1937. Independente das duas legislações,
Capello não se limitou a suas exigências. A conduta do profissional em
preocupar-se com a conexão da arquitetura com o entorno é evidente e pode ser
considerada bastante ética, ao determinar um espaço aberto e para uso do
público externo. É fato que a exigência da manutenção da visada do viaduto de
Santa Teresa também conduziu à concepção projetual do arquiteto, mas tal
exigência poderia resultar em diversas soluções, não necessariamente a de
melhor diálogo como o espaço urbano, como foi a definida por Capello.

No ano de 1940, uma nova legislação foi aprovada (Decreto Lei nº 84/1940), com
poucas alterações em relação à anterior. Mas neste ponto, as obras das torres já
estavam em andamento.

Pode-se aferir que as ações da gestão de Juscelino Kubitschek (1940-1945),


principalmente aquelas voltadas para a construção do conjunto arquitetônico da
Pampulha, foram responsáveis pelos novos ares modernizantes na capital
mineira. Sobre este aspecto, relatou Passos (1996):

A gestão de JK coincidiu com a definitiva modificação dos


padrões de edificação da área central, com a proliferação dos
edifícios de vários pavimentos ocorrente a partir da década
de quarenta. Este processo não coube diretamente à sua
gestão, mas somado as obras do prefeito constituiu-se em
elemento importante na caracterização da imagem da cidade
como uma grande metrópole. Além da expansão urbana
impulsionada pelas novas avenidas e bairros, os arranha- 367
céus eram outro aspecto freqüentemente evocado como
demonstração do progresso da cidade nos anos 40. Alguns
edifícios com mais de dez pavimentos já haviam sido
construídos desde a metade dos anos trinta, mas foi a partir
dos anos quarenta que se disseminaram na área central,
tanto os prédios de escritórios como de apartamentos.
(PASSOS, 1996, p. 287)

A verticalização da área central de Belo Horizonte, ao contrário do que aconteceu


em grande parte das capitais dos estados brasileiros, e em função da sua
particularidade de cidade planejada, não se impôs pela substituição das
estruturas arquitetônicas antigas. No início do século 20, como visto, a região
ainda se estruturava por muitos terrenos vazios e poucos edificados. Desse
modo, na década de 1940, quando o processo de verticalização se acelerou, os
investidores encontraram um campo propício para se construir com maior
velocidade e mais economia. Obviamente há exceções, como a demolição da
antiga sede dos Correios para a construção das torres SULACAP/Sul América.
Quando inaugurado, o conjunto arquitetônico destacou-se do seu entorno pela
sua monumentalidade, pelos aspectos formais adotados, pela total ausência de
ornamentação, além da implantação simétrica das duas torres, solução que
originou uma área pública com uma das visadas mais emblemáticas da cidade.
A área da praça agregava, acolhia, interligava e relacionava-se com o entorno
imediato. Em escala adequada, as duas torres não se impunham, tampouco se
reduziam, simplesmente se integravam ao contexto, como se dele já fizesse parte
desde o princípio.

Figura 205 – Vista do bairro Floresta para o Viaduto de Santa


Teres/década de 1950.

368

Fonte:
https://www.facebook.com/minasmemoria/photos/a.272981066227875/1010
789622447012-acesso em nov. 2020

Em seu entorno imediato, poucos eram os edifícios acima de dez pavimentos.


Dentre eles destacavam-se o Acaiaca (1943), o edifício Mariana (1940-42), e o
edifício do Banco do Brasil (1942).

Com efeito, na década de 1970, Belo Horizonte indicava um crescimento


populacional acelerado. Com um milhão de habitantes em uma área territorial
consideravelmente pequena, a cidade crescia desordenadamente rumo às
regiões norte e oeste, invadindo os municípios limítrofes. Ampliou-se a criação
de distritos industriais e a instalação de empresas multinacionais. Nesse sentido,
ocorreu uma natural saída das famílias da área central para outros bairros da
capital, ao passo que empresas vinham ocupar essa região para exercer suas
atividades comerciais. Em 1995, o edifício Sul América, originalmente de uso
misto, já estava quase que
Figura 206: Vista do conjunto a partir do Viaduto Santa
totalmente ocupado por Teresa.
escritórios, consultórios e
atividades comerciais
diversas, restando apenas
alguns poucos moradores.

A afirmação da área central


como núcleo de negócios
incentivou ainda mais as
construções destinadas a
este setor. Foi neste
contexto que a praça entre 369
as duas torres foi ocupada
por uma edificação de uso
comercial, anulando
Fonte – Lucas Durães. Disponível em:
totalmente a relação do https://guaja.cc/arquiteturas-exemplares-o-conjunto-
sulacap-sulamerica/ - acesso em nov. 2020
edifício com seu entorno,
proposta por Capello. Antes disso, a implantação das torres era facilmente
percebida pelo pedestre, tanto pela Avenida Afonso Pena quanto pelo Viaduto de
Santa Teresa. Na atualidade, apenas a partir Viaduto é possível perceber que o
conjunto foi resolvido por duas torres idênticas e simétricas. Aos poucos, a
edificação vai perdendo sua identidade.

Na atualidade, o entorno imediato do conjunto arquitetônico é marcado por uma


diversidade de serviços e comércios e por espaços e edificações de extrema
importância cultural, arquitetônica, paisagística e histórica para a capital mineira.
Dentre eles destaca-se o Parque Municipal Américo Giannetti. Não menos
importante no contexto urbano em análise é o edifício Acaiaca, localizado no
terreno de esquina entre as ruas Tamoios, Espírito Santo e a Av. Afonso Pena,
adjacente ao conjunto em análise. Inaugurado na mesma década que o
SULACAP/Sul América, marca, juntamente com esse, o início do processo de
verticalização da capital. Com
Figura 207: Edifício Acaiaca, vizinho ao
duas faces de índios
estampadas na fachada, foi
palco cultural da capital após a
sua inauguração, abrigando,
inclusive, um cinema, a TV
Itacolomi e a Faculdade de
Filosofia da UFMG. No mesmo
entorno destaca-se o Viaduto
Santa Teresa. Projeto do
engenheiro Emílio Baumgart, a
obra de arte foi construída
sobre a linha férrea em 1929,
370 interligando os bairros de
Santa Teresa e Floresta ao

Fonte - centro da capital. Símbolo da


http://bhnostalgia.blogspot.com/2014/05/edificio-
acaiaca.html - acesso nov. 2020
modernidade belorizontina, o
Viaduto, que recebeu o nome
de Artur Bernardes, surgiu como uma das grandes empreitadas em concreto
armado da época.

Por volta de 2015, uma nova centralidade artístico-cultural é formada na região,


principalmente nas proximidades da Rua Sapucaí, onde a abertura de bares e
restaurantes, além dos movimentos culturais de rua transformaram o espaço,
antes abandonado.
ANÁLISE FORMAL

A forma, ao definir o espaço, dá existência cultural ao entorno


e, desse modo, se faz possível a realização da função, a
qualifica-a e transmite seu significado.

Marina Waisman, 1985. 251

Roberto Capello adotou para o conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América de


Belo Horizonte uma linguagem formal totalmente diferenciada e inovadora para
a década de 1940, o que confere a essa obra uma exemplaridade no espaço
urbano de Belo Horizonte, conforme será justificado adiante.

A implantação foi pensada de maneira a manter uma área não edificada entre as
duas torres, a qual, apesar de privada, tornou-se de uso público. A solução da
área não edificada resultou em uma visada imperativa para o Viaduto de Santa
Teresa, bruscamente interrompida na década de 1970 com a construção de uma
edificação descaracterizante.
371
Figura 208: Vista aérea do conjunto arquitetônico - 2019.

Fonte: Extraído do vídeo da campanha Janela Aberta. Disponível em:


http://www.janelaaberta.com.br/ - acesso em nov. 2020.

251
La forma, al definir el espacio, da existencia cultural al entorno, y de ese modo hace posible la
realización de la función, la califica y transmite su significado. (WAISMAN, 1985, p. 89)
As duas edificações que compõem o conjunto apresentam volumetria e fachadas
idênticas e estão dispostas simetricamente em lotes triangulares, os quais, juntos,
formam o quarteirão edificado entre as ruas Tamoios, Bahia e Av. Afonso Pena.

Cada edifício é composto por três volumes, sendo o volume central e mais alto
um prisma regular - que confere a verticalidade ao conjunto-, constituído por
dezesseis pavimentos, com exceção dos subsolos. Os demais volumes são
idênticos, com cinco pavimentos, e estão dispostos simetricamente ao volume
mais alto em ângulo de quarenta e cinco graus. A adoção da solução de transição
de volumes mais baixos para o mais alto evitou, conforme indicou Carlos Alberto
Maciel, “a opressiva presença de um arranha-céu sobre o espaço aberto” (2006.
p. 10). As plantas dos dois edifícios, a despeito de possuírem a mesma metragem
quadrada, são diferenciadas em decorrência dos usos.

As fachadas, revestidas
Figura 209: Vista da torre Sul América
originalmente em pó de pedra, são
desprovidas de ornamentação,
372 possuem aberturas em vãos
ritmados, dispostos
harmonicamente pelos panos,
conferindo ao edifício uma
elegância cadenciada. Das quatro
fachadas que compõem cada torre
vertical, verifica-se a composição
idêntica em três delas. A quarta,
voltada para as ruas adjacentes à
avenida principal (Afonso Pena)
difere-se das demais pela presença
de vãos centrais de altura dupla em
relação às outras esquadrias, que
iluminam a escadaria de incêndio. O
coroamento é formado por dois
Fonte: Karine de Arimateia - 2018
pavimentos e tratado também com
Figura 210: Vista das marquises dos pavimentos vãos verticais de altura dupla,
térreo, que se unem nos pilares voltados para o
Viaduto Santa Teresa. porém sem vedação. Esses vãos
se repetem em todas as fachadas
e iluminam a circulação em torno
de todo o perímetro do penúltimo
pavimento.

Os modelos das esquadrias


contribuem para a composição da
forma. A tipologia é variada,
predominando o uso da madeira,
apesar da existência de portas e
janelas em ferro, como por
exemplo, a portada de acesso
principal e a de serviço.

Na torre mais alta aparecem as


Fonte: Karine de Arimateia - 2018. 373
janelas conhecidas como
“copacabana”, com sistema de guilhotina de madeira e vedação em vidro, além
da veneziana, também em madeira. Destaca-se, neste conjunto, as esquadrias
metálicas dos vãos centrais duplos que iluminam a escadaria.

O térreo de ambas as torres é protegido por marquises idênticas, que se unem


nos dois pilares que emolduram a escadaria de acesso ao Viaduto de Santa
Teresa.

Percebe-se, na composição, o caráter regular cartesiano difundido pelo


movimento moderno e, ao mesmo tempo, o esquema tripartido de origem
clássica: base, corpo e coroamento articulando o organismo arquitetônico em
altura. Essas soluções se repetem nas demais sedes projetadas por Capello,
porém, percebe-se na de Belo Horizonte uma proposta mais racionalista, sem
qualquer tipo de ornamento.
Figura 211: Vista aérea do entorno.

Fonte: Extraído do vídeo da campanha Janela Aberta. Disponível em:


http://www.janelaaberta.com.br/ - acesso em nov. 2020.

374
ANÁLISE FUNCIONAL

O espaço arquitetônico, como a concretização do espaço


existencial, pode ser considerado em três dimensões:
primeiramente, a dimensão simbólica, que é relacionada ao
universo das percepções, emoções e crenças. [...] Em
segundo lugar, a dimensão funcional (ou de uso), que se
refere ao ordenamento das coisas no espaço para o
desempenho das atividades cotidianas. [...] Finalmente, a
dimensão tecnológica, ou pragmática. [...].

Maria Lucia Malard, 2006.252

Não há dúvidas que, desde o final do século 19, na área central urbana de Belo
Horizonte criou-se uma estrutura de transportes, educação, saneamento e
assistência médica, bem como a instalação de edifícios institucionais para
abrigarem os funcionários públicos transferidos de Ouro Preto para a nova
capital, além de estabelecimentos comerciais que atraíram um contingente de
pessoas. Portanto, no começo do século 20, o município já estava em franca
expansão, passando a influenciar as outras regiões de Minas Gerais. Com um
375
crescimento vertiginoso, o que se veria, na década de 1940, era a verticalização
da área central da cidade, propiciada pelas legislações urbanísticas e pelos
investimentos no setor imobiliário, conforme já exposto.

As torres SULACAP/Sul América foram construídas da área central, nesse


contexto de verticalização, em uma das principais vias da cidade, a Av. Afonso
Pena, proposta no desenho da nova capital como o principal eixo de ligação entre
as regiões norte e sul. Com aproximadamente 4,3 km de extensão, o percurso da
Afonso Pena se inicia, ao norte, na Praça Rio Branco (próxima à Rodoviária),
atravessa a Praça Sete, a Rua da Bahia, as avenidas Brasil e Getúlio Vargas,
estendendo-se para além da Avenida do Contorno até chegar à Praça da
Bandeira, na zona sul da cidade.

Na atualidade, a Av. Afonso Pena é emoldurada pelas edificações que marcaram


a verticalização e por aquelas construídas juntamente com a urbanização da

252
MALARD, 2006. P. 125.
capital, a maioria delas em linguagem eclética e que serviram de apoio para o
sistema público. Apesar do surgimento de novos núcleos urbanos no decorrer
das décadas, a região central é ainda caracterizada por atividades comercias, de
serviços diversificados e pelo uso residencial, os quais lhe conferem vitalidade
dia e noite.

Figura 212: Circulação do penúltimo


pavimento, de pé-direito duplo, destinado O conjunto arquitetônico SULACAP/Sul
aos empregados.
América foi projetado para uso misto, o
que era novidade para a Belo Horizonte
da década de 1940, tendo em vista o
processo inicial de diversificação das
novas demandas da população e, ainda
mais, considerando que grande parte
dessa população era proveniente de
Ouro Preto, uma cidade de ares coloniais
preservadas. Para a torre Sul América, o
projeto previa uso comercial do
376
pavimento térreo ao quarto e o uso
residencial nos pavimentos superiores,
esses compostos por dois apartamentos
por andar. Os dois últimos pavimentos
eram destinados a quartos e banheiros
Fonte – Karine de Arimateia - 2018. para uso dos empregados dos
apartamentos, caracterizando uma
particularidade funcional para a época, que também se repetiu no SULACAP de
Porto Alegre. Já a torre SULACAP foi projetada para uso totalmente comercial.

A antiga área descoberta entre as duas torres era acessada tanto pela Av. Afonso
Pena quanto por uma escadaria localizada no encontro das ruas Tamoios e
Bahia. Dessa área descoberta era feito o acesso aos edifícios, por amplas
portadas, as quais marcavam os eixos de cada torre a partir do espaço aberto,
até a construção do imóvel descaracterizante, que resultou na criação de
circulações decorrentes dos afastamentos entre as edificações preexistentes e a
nova, anulando a ênfase das portadas principais. Cada torre também possuía
acessos de serviço pelas ruas adjacentes (Tamoios e Bahia), atualmente isolados
pelos condomínios por questões de segurança.

Em ambos os edifícios, o acesso aos dois subsolos, os quais servem de área de


Figura 213: Circulação entre o Sul América e a edificação
descaracterizante (em destaque)

Fonte – Karine de Arimateia – 2018


377
apoio à administração,253 é feito pelo hall de entrada principal e, antes do
isolamento, também pelas portas de serviço. O pavimento térreo é composto pelo
hall de entrada (ambos revestidos em mármore), além das lojas com acesso
exclusivo pelas ruas e pela área entre as duas torres. Cada loja possui sua
sobreloja, que conforma o pé direito duplo do hall principal. Originalmente, cada
andar comercial possuía os banheiros de uso comum, configuração ainda
preservada em alguns pavimentos, apesar dos acréscimos de instalações
sanitárias em algumas unidades.

Especificamente na torre Sul América, restam apenas três apartamentos


residenciais originais e ocupados por moradores. Os demais foram
transformados em salas comerciais ou conjunto de salas.

253
No Sul América, a casa de máquinas dos elevadores encontra-se no último subsolo, já no
SULACAP a maquinaria localiza-se no último pavimento.
No SULACAP, o uso comercial ainda se mantém, inclusive nos dois últimos
pavimentos que formam o coroamento.
Figura 214: Assinatura do arquiteto em um dos pilares de sustentação das
marquises.

Fonte – Karine de Arimateia – 2018

Figuras 215, 216 e 217: Vistas internas do apartamento original

378

Fonte – Karine de Arimateia – 2018.


PEÇAS GRÁFICAS

As peças gráficas apresentadas a seguir referem-se à situação atual das


edificações, conforme levantamento realizado nos anos de 2015 e 2018. O púnico
projeto original encontrado foi o da torre Sul América, visto que, conforme
mencionado, cada torre foi aprovada separadamente.na Prefeitura Municipal.

379
380
381
Figura 218: Planta térreo/projeto original edifício Sul américa.

382

Fonte – Arquivo do condomínio Sul américa.


383

3.7. SALVADOR/BA – SUL AMÉRICA E SULACAP


384
Figura 219: Edifício SULACAP/Salvador-
década de 1950.

Ficha técnica Edifício SULACAP

Nome original: Edifício SULACAP.


Nome atual: Edifício SULACAP.
Endereço: Av. Sete de Setembro, n° 62 - Praça
Castro Alves, Ladeira de São Bento, Salvador, BA.
Ano do projeto: Anterior a 1946.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 1946
(Revista Sul América/nº 104 e 105, Ano 27, p. 27/ jan/
jun. 1946 e Dossiê de Tombamento).
Construtora: Companhia Pederneiras S.A. (Dossiê
de Tombamento)
Uso original: Misto (lojas no térreo, apartamentos e
salas nos pavimentos superiores), conforme
descrição do edifício no lançamento da pedra
fundamental. (Revista Notícias de Sulacap/nº47).
Porém o dossiê de tombamento registra o uso original
comercial.
Uso atual: Comercial.
Propriedade: Privada (condomínio).
Proteção/nível: Estadual (Ipac). Tombamento
Provisório - Processo nº 0607080035510, de
25/08/2008.
Fonte: <
http://riopostal.com/detalhes_produto.asp?id 385
=228 >acesso em 16 fev. 2020.
Figura 220: Edifício Sul América/Salvador.

Ficha técnica Edifício Sul América

Nome original: Edifício Sul América.


Nome atual: Edifício Sul América.
Endereço: Rua Chile, nº 18, Centro, Salvador/BA.
Ano do projeto: Antes de 1950.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 23 de
agosto de 1951 (Revista Sul América/nº 127, Ano
33, p. 30/ fev. e mar. 1952).
Construtora: Construtora Paderneiras
(BIERRENBACH, 2019)
Uso original: Comercial (lojas no térreo e salas nos
pavimentos superiores).
Uso atual: Comercial.
Propriedade: Privada (condomínio).
Proteção/nível: Tombamento isolado inexistente,
porém o edifício está inserido na poligonal do
Centro Histórico de Salvador, declarado Patrimônio
Cultural da Humanidade pela Unesco em 1985.

386

Fonte: Rodrigo Baeta - Out. 2020.


ANÁLISE HISTÓRICA

A edição da Revista Sul América de outubro de 1927 registrou a existência da


sucursal da empresa Sul América Companhia Nacional de Seguros em Salvador,
no Estado da Bahia, em Figuras 221 – Palace Hotel/destaque para as
edificações vizinhas demolidas para a construção
edificação alugada na Rua Chile, do Sul América
nº 16,254 fato que certifica a
cidade de Salvador com uma das
primeiras a sediar a empresa,
além das matrizes do Rio de
Janeiro, São Paulo e Porto
Alegre. Pela localização do
imóvel onde a sucursal se
instalou, pode-se aferir que a
sede própria, inaugurada em
1951, foi construída no lugar do 387
antigo edifício alugado. A notícia
do andamento da construção da
nova sede foi publicada na
Revista da empresa referente ao
primeiro semestre de 1946,
quando também constava a
construção da sede de Niterói e a
elaboração os projetos de Fonte – http://www.salvador-antiga.com/rua-
255 chile/palace-hotel.htm - Acesso Nov. 2020
Fortaleza e Florianópolis. A
obra foi inaugurada oficialmente em 1951, conforme noticiário na Revista, que
também relatou parte dos aspectos construtivos da edificação:

Na Bahia, o Edifício Sul América foi solenemente inaugurado


em 23 de agosto de 1951. Está situado na Rua Chile, a
principal da cidade, esquina com Bonifácio Costa. Tem doze

254
Revista Sul América, ano 8, outubro de 1927, nº 32
255 Revista Sul América/nº 104 e 105, Ano 27, p. 27/ jan. a jun. 1946).
andares, com amplo subsolo, é revestido de travertino e
dotado de moderníssima instalação de ar condicionado, além
de serviço de água filtrada e gelada, dispondo ainda de três
elevadores. É, sem favor, no momento atual, um dos mais
vistosos da capital baiana. (Revista Sul América/nº 127, Ano
33, p. 30/ fev. e mar. 1952)

Já em relação às
Figura 222: Construção do edifício Sul América/Salvador.
instalações iniciais da
sucursal SULACAP na
mesma cidade, o jornal O
Imparcial anunciou em
agosto de 1935 o
estabelecimento da
empresa nas salas 4 e 5
do Edifício Monte Pio,
localizado na Rua Chile nº
388 31, portanto, nas
proximidades da sucursal
da Sul América.256 Em
Fonte: http://maisdesalvador.blogspot.com/2011/09/rua- outubro do mesmo ano, o
chile.html - acesso 19 fev. 2020.
mesmo periódico publicou
que, em comemoração aos seis anos da sucursal Bahia-Sergipe, seriam
inauguradas as novas instalações da SULACAP na Rua Conselheiro Dantas, nº
14.257 Já em novembro de 1940, a Revista da empresa publicou que a sede
estava instalada provisoriamente no edifício Bahia, na Rua Padre Vieira, nºs 11 e
13, onde permaneceu até ser construída a sede própria,258 em terreno originado
da demolição do Hotel Sul Americano, na Praça Castro Alves. A cerimônia de
lançamento da pedra fundamental para a construção do edifício ocorreu em 6 de
julho de 1940 e contou com a participação dos diretores da empresa e do Sr.
Eduardo Humitzch, representante do arquiteto responsável pelo projeto, Roberto
Capello. O discurso de inauguração feito pelo Sr. Mário Borges de Andrade

256
Jornal O Imparcial : Matutino Independente (BA) – 14 ago. 1935 – Ano XIII, edição nº 1421
257
Jornal O Imparcial : Matutino Independente (BA) – 31 out. 1935 – Ano XIII, edição nº 1498
258
Revista Notícias de Sulacap/nº51, Ano 5, p.3/Nov. 1940
Ramos, um dos diretores, apresentou aspectos sobre as antigas edificações do
terreno, bem como as características construtivas da nova sede da SULACAP:

Nesta tradicional esquina da Rua Carlos Gomes com a


vetusta ladeira de São Bento, que se está transformando na
bela Avenida 7 de Setembro, anteriormente a 1884 existia um
edificio primitivo, que mais parecia um barracão, coberto de
zinco, ao qual se dava indevidamente a denominação de
Hotel Bonnaud. Naquele ano, porém, o arrojado e benemérito
Antônio Luiz Alves aqui ergueu novo edifício, de vistosa
expressão arquitetônica para a sua época e no qual montou
o ‘Hotel Sul Americano’ cujo prédio acaba de ser demolido.
Nesse Hotel, que foi sem dúvida o primeiro hotel de classe
construído na Bahia, ainda no tempo em que os viajantes do
interior tinham o hábito de se hospedarem em residências dos
parentes e amigos, reuniam-se, não só os estrangeiros que
visitavam a Bahia, como também a elite da sociedade
bahiana. [...] O ‘Edifício Sulacap,’ que aqui ser erguerá, será
não só um garantia para os portadores dos títulos ‘Sul
América Capitalização,’ como também um monumento
arquitetônico erigido em honra ao Povo Bahiano [...]. O plano
da construção desse monumento foi precedido de estudos
sôbre o arruamento mais conveniente, de pleno acôrdo com
as autoridades municipais da cidade[...].

A base do edifício ocupará uma área de cêrca de 800 metros


quadrados, levantando-se em 15 pavimentos, e mais um 389
subsolo, com duas amplas garagens e com alojamentos que
terão a superfície total de cêrca de 6.000 metros quadrados,
divididos em lojas, escritórios e apartamentos, construídos
com os requisitos mais modernos e servidos por 4
elevadores.(grifo meu)

Sómente uma pequena parte desta tão grande área habitável


será ocupada pelos escritórios da Companhia, com o conforto
necessário ao seu pessoal. Quase todo o edifício, portanto,
será destinado à locação, como fonte de renda da aplicação
de uma parcela do Ativo da Companhia, que garante os
valores de resgate dos seus títulos. (Revista Notícias de
Sulacap/nº47, Ano 4, p.?/Jul. 1940).
Figura 223: Hotel Sul Americano (em destaque), demolido para a
construção do SULACAP.

Fonte:
<http://saosalvadordabahiadetodosossantos.blogspot.com/2015/05/edific
io-sulacap.html>acesso em 27 fev. 2020.

Figura 224: Demolição do Hotel Sul Americano para a construção do


SULACAP.

390

Fonte:
http://salvadorhistoriacidadebaixa.blogspot.com/2013/06/ladeira-de-
sao-bento-e-e-edificio.html>acesso em 27 fev. 2020.

A informação de que a construção do SULACAP se deu após a demolição do


Hotel Sul Americano também foi registrada por Andrade Junior, em sua tese de
doutoramento (2012), e no Dossiê de Tombamento do Imóvel (IPAC), documento
que também confirma a inauguração da sede no ano de 1946. O início dos
estudos para a elaboração do projeto pode ser vinculado às primeiras viagens de
Roberto Capello a Salvador, registradas nos principais jornais da cidade do Rio
de Janeiro a partir de 1939, e que se estenderam até 1948:

Pelo hidro-avião da linha internacional da Pan American


Airways, parte hoje, às 6 horas, do Aeroporto Santos Dumont:
[...] para a cidade de Salvador, Alceu Reveilleau, dr. Roberto
Capello e B. F. Weaver [...]. (Diário de Notícias, 17 de outubro
de 1939, p.9, segunda seção, edição 05207.) 259

A autoria do arquiteto Roberto Capello foi Figura 225: Edifício SULACAP em


construção.
confirmada nas inúmeras notícias
publicadas sobre a edificação nos
periódicos da empresa, apesar da
existência de relatos sobre a autoria do
arquiteto Anton Floderer e Robert
Prentice, como a publicada, por
exemplo, nas notícias da página do
Instituto do Patrimônio Artístico e
Cultural da Bahia (IPAC). Trata-se,
391
possivelmente, de um erro da matéria,
visto que o próprio Dossiê de
Tombamento260 – elaborado também
pelo IPAC - atribui a autoria do projeto
arquitetônico a Roberto Capello.261
Sabe-se que Robert Prentice assinou
algumas sedes da empresa antes da Fonte: <
https://br.pinterest.com/pin/680747299898
contratação de Capello, na década de 350175/?lp=true>acesso em 27 fev. 2020.

1930, como o SULACAP de São Paulo e

259
Outras notas registraram que Capello visitou Salvador em 1944 (Jornal A Manhã, Rio de Janeiro,
23 de julho de 1944, p. 6, edição 00906) e 1948 (Diário de Notícias, 23 de outubro de 1948, p. 3,
segunda seção, edição).
260
O Dossiê de tombamento do SULACAP foi elaborado pelo IPAC em decorrência da solicitação de
proteção do edifício encaminhada pela Universidade Católica do Salvador (UCSAL), conforme
Informação Técnica nº 037/2007, anexada ao Dossiê. Tal solicitação gerou o processo de abertura
de tombamento em 21 de agosto de 2008, conforme notificação emitida pelo IPAC, encaminhada à
administração do condomínio por meio do Ofício nº 485/2008
261
. Ver: http://www.ipac.ba.gov.br/noticias/simbolo-da-arquitetura-art-deco-em-salvador-pode-
ganhar-titulo-de-patrimonio-da-bahia - acesso em 28 fev. 2020.
de Niterói, entretanto, em relação à sede de Salvador, os registros disponíveis
confirmam a autoria única de Capello.

As atividades realizadas na ocasião do evento de inauguração também foram


registradas no Dossiê de Tombamento (2008):

Várias autoridades, civis e militares, delegações de quase


todos os Estados do Brasil e interior, alto comércio, indústria,
jornalismo, famílias, e pessoas de destaque na sociedade
estiveram presentes no evento, além do Superintendente
Geral das Agências e Chefe de Produção desta empresa
capitalizadora [...].

O programa de festividades, segundo os jornais pesquisados,


contou com uma visita à Basílica do Bonfim, passeios aos
pontos pitorescos de Salvador, um coquetel no último andar
do Edifício e também no Iate Clube, além de um ‘lauto’ jantar
na sede da Associação Atlética da Bahia. Toda a solenidade,
relatam ainda os jornais, foi filmada desde o seu início para
ser devidamente documentada e exibida no Sul e no Norte do
País. (IPAC)

Apesar da importância da empresa Sul América em detrimento das suas

392 ramificações empresarias (SULACAP, SATMA) e da monumentalidade da sua


sede na Rua Chile, foi o edifício SULACAP que ganhou maior destaque na
cidade, certamente em função da imponência do seu aspecto formal e de sua
localização privilegiada no espaço urbano, em terreno de esquina na Praça
Castro Alves, aspectos que fundamentaram sua proteção estadual pelo Instituto
do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC), o que não aconteceu com a
sede Sul América, que segue esquecida e pouco referenciada na literatura sobre
a arquitetura vertical de Salvador.
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

Para a análise das prospecções arquitetônicas dos edifícios de Salvador foram


verificadas a existência dos projetos arquitetônicos originais e de fotografias
antigas, de modo a compará-las com as imagens atualizadas, registradas durante
a pesquisa de campo. Para ambos os edifícios, não foram encontrados os
projetos arquitetônicos originais nos arquivos da Prefeitura Municipal.262
Tampouco foi possível levantar fotografias antigas referentes ao edifício Sul
América. Já em relação ao SULACAP, a existência da pespectiva original
executada por Capello, bem como as inúmeras fotografias antigas existentes do
bem, possibilitaram a análise das prosepcções, as quais concluíram que, em
relação à volumetria, ao partido arquitetônico e às fachadas não ocorreram
alterações significativas e que descaracterizassem a proposta inicial do arquiteto
ou do edifício construído, conforme demonstrado a seguir.

393
Nota-se, em relação ao SULACAP, apenas algumas diferenças entre o projeto
original e o edifício construído. A primeira discordância está nos vãos da
platibanda do coroamento, construídos em formato retangular, em oposição à
proposta projetual de janelas circulares. Outra diferença está nas sobrevergas
das janelas do coroamento, executadas com moldura em argamassa em baixo
relevo, discordante do previsto no projeto, o qual apresentava sobrevergas
independentes e em alto relevo, conforme mostrado nas imagens abaixo:

262
A pesquisa no acervo da Prefeitura Municipal de Salvador foi realizada por meio de abertura do
processo digital na SEDUR (Secretaria de Desenvolvimento e Urbanismo), nº SE 5913013000-
5879/2020, o qual resultou na seguinte resposta do órgão: “Em atenção à solicitação de consulta ao
projeto do edifício denominado sul américa, formulado pela sra. karine de arimatéia, informamos que
não constam informações no banco de dados da SEDUR, sobre a edificação objeto do estudo. Devido
à localização em área do conjunto arquitetônico, paisagístico e urbanístico do centro histórico da
cidade do salvador, tombado pelo IPHAN, sugerimos consulta a este órgão ou à Fundação Gregório
de Matos, órgão municipal de tombamento, devido ao valor cultural da edificação.” As sugestões de
pesquisas foram realizadas, porém não houve respostas dos órgaõs.
Figura 226 – Perspectiva do projeto da sede da
SULACAP de Salvador.

Fonte - Acervo pessoal de Roberto Capello.

394 Figura 227 –Fotografia da década de 1950 Figura 228 – Edifício Sulacap Salvador/2018.
Edifício Sulacap/Salvador.

Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello. Fonte - Karine de Arimateia/Jan. 2019.


Em relação às prospecções urbanísticas do entorno, a proximidade entre os dois
edifícios - ambos no entorno da Praça Castro Alves/região central alta de
Salvador - tornou-se viável a análise única das modificações no ambiente
construído, as quais, neste caso, foram verificadas a partir da época da
construção das sedes até a atualidade, tendo em vista o longo processo de
ocupação da área e suas constantes transformações urbanas.

395

De uma forma geral, pode-se concluir que as alterações mais significativas no


entorno imediato aos bens dizem respeito às demolições dos sobrados coloniais
da Praça Castro Alves e a posterior reurbanização do espaço público, além da
verticalização da Rua Chile e da Av. Sete de Setembro, aspectos que alteraram
significativamente a paisagem imediata. Na década de 1940, quando os edifícios
foram construídos, a maioria dos alargamentos das vias do entorno imediato já
havia sido concluída, de forma que a estrutura viária do entorno estava
praticamente consolidada.

A demolição dos sobrados da Praça Castro Alves transformou


consideravelmente a paisagem imediata. Na Figura 229 é possível verificar, além
dos sobrados, a existência dos bondes elétricos, uma vez que a Praça Castro
Alves era ponto de convergência para a distribuição da mobilidade para outros
bairros, uso que conferia à area uma dinâmica especial e diferenciada e que foi
praticamente encerrado na década de 1960 com a eliminação dos trilhos.

Figura 229 – Aspecto do entorno do edifício SULACAP na década de 1950.


Os sobrados à direita na imagem foram demolidos posteriormente e o
terreno foi utilizado para estacionamento.
396

Fonte: http://salvadorhistoriacidadebaixa.blogspot.com/2013/06/ladeira-de-
sao-bento-e-e-edificio.html>acesso em 27 fev. 2020.
Figura 230 – Aspecto do entorno do edifício SULACAP. Um dos
sobrados remanescentes da demolição do conjunto,
provavelmente década de 1970.

Fonte: http://classicalbuses.blogspot.com/2016/09/salvador-
praca-castro-alves-e-edificio.html>acesso em 27 fev. 2020.

A Rua Chile, além da concentração do comércio mais requintado, era


considerada, nas primeiras décadas do século 20, palco da diversidade de
manifestações da vida citadina, características que, pouco a pouco, vão se
397
perdendo. Tais transformações ocorreram a partir da década de 1950, sobretudo,
em função das alterações econômicas e sociais pelas quais Salvador passou no
período e que incentivaram as operações urbanas por parte da administração
pública. O aumento vertiginoso da população, o desenvolvimento da economia
com a descoberta do petróleo no território baiano, além da intensificação da
agricultura incrementaram novas centralidades urbanas. Desse modo, a área
central, que até então era o principal ponto comercial e de sociabilidade da
cidade, perde, aos poucos, o seu papel principal.

Na parte alta, novos edifícios verticais e de cunho institucional e empresarial são


construídos em substituição aos edifícios de linguagem eclética e colonial,
modificando a imagem urbana do entorno. As novas estruturas arquitetônicas
verticais da Rua Chile transformaram radicalmente sua configuração, obstruindo
as visadas dos edifícios remanescentes da ocupação inicial. Essas modificações
ocorreram, paulatinamente, com a substituição das estruturas arquitetônicas
antigas pelas novas, da baixa altimetria pela alta, configurando o espaço em
transformação inerente de uma cidade cujas políticas de proteção ainda não
haviam sido implementadas. Na Figura 231 percebe-se o destaque que o edifício
Sul América representava na Rua Chile antes da verticalização do entorno.
Figura 231: Rua Chile - Edifício Sul América/Salvador – em
As transformações da destaque

Praça Castro Alves do e


entorno imediato
continuaram ao longo dos
anos em decorrência dos
planos urbanísticos e das
revitalizações da área
central. A despeito disso,
no que diz respeito ao
destaque da sede
SULACAP, o edifício
continuou imponente, Fonte: http://maisdesalvador.blogspot.com/2011/09/rua-
chile.html - acesso 19 fev. 2020.
porém o mesmo não se

398 pode confirmar em relação ao Sul América, cuja existência é pouco notada na
atualidade.

Em 15 de fevereiro de 2020, é entregue à população uma nova requalificação da


Praça Castro Alves, que incluiu a substituição da pavimentação, tratamento
paisagístico, e implantação de mobiliários urbanos. Novas realidades, novas
demandas.

Figura 232: Entorno da Rua Chile e Praça Castro na atualidade/Edifício Sul América (esquerda) e
SULACAP (direita) /Salvador – em destaque.

Fonte: https://www.archdaily.com.br/br/927318/guia-de-arquitetura-de-salvador-25-lugares-para-
conhecer-na-primeira-capital-do-brasil/modificada pela autora - acesso 19 fev. 2020.
RELAÇÃO DOS EDIFÍCIOS COM O ENTORNO

[…] de lugar-onde a coisa se realiza, o espaço integra-se na


própria coisa, parte imprescindível dela.

Sylvio de Vasconcellos, 1960.263

A grande quantidade de produção literária sobre o tema das transformações


urbanas e arquitetônicas da cidade de Salvador possibilitaria avaliar a
multiplicidade de alterações que a estrutura urbana sofreu ao longo dos anos,
caso fosse este o objetivo do estudo. Porém, aqui serão tratadas as
transformações da área imediata, as quais refletem diretamente na relação das
edificações estudadas com o seu entorno.

Conforme já citado, os edifícios SULACAP e Sul América estão localizados na


zona central alta de Salvador, nas proximidades da área de ocupação inicial da
cidade, o Pelourinho, listado pela Unesco como patrimônio mundial em 1985.264

A transferência da capital para o Rio de Janeiro, em 1763, foi responsável, 399


relativamente, pela diminuição da velocidade de desenvolvimento urbano de
Salvador, conforme apontam alguns autores. Já no século 20, para o desejo de
modernização tão pretendido da sociedade e da administração pública, foram
necessárias rupturas em vários campos, como, por exemplo, no traçado
urbanístico inicial.

A administração de Joaquim Seabra, iniciada em 1912, elaborou o projeto de


saneamento para a área central cidade, o qual resultou, dentre outras
transformações, na abertura de amplas vias por meio de ações arrasadoras de
quarteirões, visando não apenas a salubridade como também o embelezamento
urbano de forma a romper com o passado colonial, ações que se repetiram nas
principais cidades brasileiras no mesmo período. As reformas urbanas iniciadas
por Seabra perduraram até a década de 1940 e também embasaram as

263
VASCONCELLOS, Sylvio. Arquitetura dois estudos. Goiânia: MEC/SESU/PIMEG-ARQ/UCG,
1983. P. 17.
264 Disponível em: http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Icomos%20salvador.pdf –
acesso em mai. 2020
discussões iniciadas na primeira Semana de Urbanismo de Salvador, em 1935,
que favoreceram a ideia de implantação de um plano diretor que orientasse as
novas construções e o desenvolvimento urbano. Tal plano veio a ser elaborado
no período de 1942 a 1947 pelo EPUCS (Escritório do Plano de Urbanismo da
Cidade do Salvador) (BRITTO, et. al., 2017), intitulado, posteriormente, Plano
Mário Leal Ferreira - em homenagem ao engenheiro sanitarista responsável – e
que orientou as diversas modificações no espaço urbano de Salvador nos anos
seguintes, até a instituição do novo plano na década de 1970. Desse modo,
ambos os edifícios sedes foram construídos com base nos parâmetros
urbanísticos do Plano Leal
Figura 233 – Planta de Salvador, 1549 – com
Ferreira.
destaque para a Rua Chile.

O Pelourinho não foi poupado das


transformações no decorrer dos
anos. No seu período áureo, entre
os séculos 15 ao 18, era ocupado
pelas residências da elite baiana,
400
porém passa a declinar-se já no
século 19, com a desocupação
desta elite que se transfere para a
região sul da cidade. No contexto
do Pelourinho destacava-se a Rua
Chile, onde o Sul América viria a
ser construído. Nomeada nos
primórdios da ocupação inicial de
Salvador como Rua Direita de
Santa Luzia (OLIVEIRA, 2008), a
Rua Chile integrava o núcleo
principal da cidade planejada, o
qual incluía também a atual Praça
Fonte: http://www.cidade- Tomé de Souza.
salvador.com/seculo16/salvador-1549.htm - Acesso
em 3 mar. 2020.
Décadas seguintes, a via passa a
denominar-se Rua Direita dos Mercadores, conforme mostra a planta de 1549,
designando o principal serviço estabelecido no local. No período imperial, a rua
passa a denominar-se Rua Direita do Palácio, em função de sua proximidade
com a sede do governo. Em termos urbanísticos, essa região pouco se alterou
até o século 19, permanecendo como núcleo principal da cidade. O aumento da
população registrado no final do século 19 e início do século 20, em decorrência,
sobretudo, das secas no interior do estado que forçaram a migração para a
capital, intensificou a piora do quadro das epidemias e mazelas da população,
urgindo a necessidade de planos higienizadores que solucionassem os
problemas. Tais epidemias, que também assolavam as principais capitais
brasileiras, foram responsáveis pela morte de funcionários da esquadra chilena
em visita pelo país no ano 1902. Tal fato alterou o nome da então Rua Direita do
Palácio para a nomenclatura atual, Rua Chile. A perda de quatro funcionários
motivou o Chile a enviar uma comissão para o transporte dos corpos, a qual foi
recebida com dias de aglomerações nas imediações da então Rua Direita do
Palácio.

401
Figura 234 – Recepção dos chilenos na Praça Municipal – ao fundo a Rua Direita do Palácio.

Fonte: Arquivo Fundação Gregório de Matos, extraído de Oliveira, 2008, p. 65


O acontecimento motivou as instituições organizadoras a promover a alteração
do nome da Rua Direita do Palácio para a Rua Chile, a partir de uma petição ao
Conselho Municipal, oficializado com a aprovação de Lei nº 577 de 17 de julho
de 1902 (OLIVEIRA, 2008).

Sobre os usos que marcavam a Rua Chile nos primórdios do século 20, escreveu
Neivalda Freitas de Oliveira:

[...] Esta era uma das ruas de maior movimento da cidade,


pois aí estavam localizados os principais cafés, lojas, casas
de chá, etc. Entretanto, consumir não era tudo. Olhar a ‘última
moda’, encontrar-se com os ‘conhecidos’, estar a vista de
outros, flertar, etc., fazia parte da sociabilidade. (OLIVEIRA,
2008, p. 28)

O que se pode notar pela avaliação da evolução das plantas da cidade é que o
espaço urbano do entorno imediato da Rua Chile e Praça Castro Alves não se
alterou ao longo do século 19 e início do século 20. Mesmo sendo uma das
principais vias de ligação do núcleo urbano e com os problemas decorrentes do
aumento da população que demandavam ações de planejamento, o entorno
402
imediato apenas veio a receber uma intervenção urbana na administração de
José Eduardo Leite de Carvalho Filho, no período de 1900 a 1903, que se limitou
em melhoramentos pontuais como a substituição da iluminação pública,
calçamento e trilhos dos bondes (OLIVEIRA, 2008). Porém o desejo de
modernidade era latente tanto por parte da população quanto dos governantes,
como pode ser comprovado pelas notícias na imprensa da época.

As modificações para a modernização da região foram então iniciadas, conforme


mencionado, pelo governador Seabra, que tinha como meta substituir a estrutura
velha, de traços coloniais, a partir de demolições de quarteirões e abertura de
vias, com objetivo tanto modernizar como higienizar a cidade. A construção da
Avenida Sete de Setembro foi de responsabilidade da esfera estadual, já as
modificações nas vias, como obras de alargamentos, ficaram a cargo da
municipalidade. Neste contexto, no governo de Júlio Viveiros Brandão (1912-
1915), a Rua Chile foi alargada em dobro (OLIVEIRA, 2008), sendo necessário,
para isso, várias desapropriações e posterior demolição das edificações de um
lado da via, encerrando muitas atividades comerciais tradicionais.
A reforma da Rua Chile foi empreendida pela Resolução Municipal nº 344, de 29
de agosto de 1912, e compreendia o trecho entre a Praça do Terreiro de Jesus
até a Praça Castro Alves (OLIVEIRA, 2008). As obras da Av. Sete de Setembro
também ocorreram neste período, com conclusão registrada já no fim do
mandado de Seabra, em 1916. A ampliação da Rua Chile não transformou seu
uso uma vez que os estabelecimentos comerciais mais requintados, casas de
chá, consultórios médicos e espaços de convivência da população em um dos
lados da via (que não foi alvo de demolições) foram mantidos. Na década de
1930, já se registravam no entorno a construção de edifícios em altura e com a
nova técnica do concreto armado, como a sede do Instituto do Cacau (1933-
1936), e a Agência dos Correios e Telégrafos (1935-1937).

A fundação da incorporadora Cia. Brasileira Imobiliária e Construções pode ser


considerada um marco na alteração Figura 235 – Planta de Salvador-
1894/destaque para a Rua Chile.
urbana de Salvador, uma vez que a
empresa foi responsável por
impulsionar a construção de 403
edificações verticais e de cunho
racionalista na área central da
cidade (OLIVEIRA, 2008).
Entretanto, mesmo com a
intensificação das construções
neste período, ainda na década de
1930 não haviam sido ocupados os
terrenos resultantes das demolições
de um lado da via (OLIVEIRA,
2008). Ao mesmo tempo em que a
construção de prédios “modernos”
era elogiada, haviam protestos
contra a demolição da arquitetura
antiga, discussão que se tornou
Fonte: http://www.cidade-
recorrente na imprensa local em salvador.com/seculo19/morales-los-
rios/carmo.htm - Acesso em 3 mar. 2020.
função dos incipientes debates em torno da defesa do patrimônio cultural
edificado.

Nos anos seguintes, o avanço tecnológico permitiu a construção de novos


ascensores para o transporte da população entre as cidades baixa e alta.
Destacou-se, dos já existentes, o Elevador Lacerda, por suas linhas retas,
tecnologia em concreto, considerado por muitos autores a primeira obra de
linguagem modernista da cidade. Tal feito aumentou ainda mais o fluxo da Rua
Chile.

Ainda na década de 1930, novas transformações urbanísticas foram


implementadas, com o mesmo objetivo de apagar o passado colonial. A Praça
Castro Alves, que antes era uma região arborizada, utilizada pela população para
uma breve parada entre turnos, tornou-se um canteiro de obras (OLIVEIRA,
2008). O terreno do antigo Teatro São João, que se tornou vago após o incêndio,
ficou desocupado até a construção, em 1936, da sede da Secretaria da
Agricultura, Indústria, Comércio, Viação e Obras Públicas (atual Palácio dos
404 Esportes). Com as duas construções erigidas - a sede do Jornal A Tarde e a
Secretaria - o acesso à Rua Chile foi emoldurado.

Figura 236 – Edificação da Secretaria (atual Palácio dos Esportes), à esquerda; e sede do
jornal A Tarde (à direita). Acesso à Rua Chile. Década de 1940.

Fonte: http://www.salvador-antiga.com/praca-castro-alves/jornal-atarde.htm- Acesso em 3


mar. 2020.

Neste período, as discussões urbanísticas estavam em pauta no país, abrindo


campo para as atividades de ampliação dos debates, tais como a Semana de
Urbanismo, evento sediado em Salvador no ano de 1935. Em 1939, a
administração municipal de Salvador enviou representantes para o Congresso de
Urbanismo no Rio de Janeiro e contratou a empresa Coimbra Bueno para o
desenvolvimento do Plano Urbanístico, entregue às autoridades em 1941,

Figura 237 – Praça Castro Alves já com a resultando na implementação do


construção do SULACAP.
EPUCS (Escritório do Plano de
Urbanismo da Cidade de Salvador), sob
a coordenação do engenheiro Mario
Leite Leal Ferreira. Sobre as políticas
do Escritório, escreveu Oliveira:

O EPUCS abarca este modelo de


ordenação e planejamento da cidade [o de
modernidade], e quer ser o normatizador do
exercício político-administrativo. A
importância deste novo modelo de
urbanismo [...] tentará modificar as
identidades urbanas que se
consubstanciavam na cidade, em especial o
Centro Velho. (OLIVEIRA, 2008, p. 205)
405
Com o falecimento de Mario Leite em
1947, Diógenes Rebouças assumiu o
escritório, cujo nome foi alterado para
Comissão do Plano de Urbanismo da
Fonte: Cidade de Salvador (CPCS).
https://www.facebook.com/FotosAntigasDe
Salvador/photos/a.486271244730689/5691
82709772875/?type=3&theater- Acesso Independente das transformações
em 3 mar. 2020.
urbanísticas ocorridas na Rua Chile e
Praça Castro Alves, até a década de 1950, a região ainda era palco de
manifestações, festejos, comércios e encontros da população, uso que se
mantém até os dias atuais, a despeito das novas centralidades da cidade.

Conforme já evidenciado anteriormente, as principais transformações das vias do


entorno e os acréscimos de outras ocorreram antes das construções dos edifícios
em análise, portanto, a relação dos edifícios com o entorno imediato modificou-
se, sobretudo, em função das substituições das estruturas arquitetônicas antigas
por outras novas e com maior altimetria. Em relação ao SULACAP, construído
Figura 238 – Praça Castro Alves década de 1990.

Fonte: https://informa1.com.br/trafego-de-veiculos-sera-modificado-no-centro-
historico-a-partir-de-segunda-22/- Acesso em 3 mar. 2020.

ainda quando a Praça Castro Alves convergia as linhas de bondes e quando


algumas estruturas do período de ocupação ainda compunham o cenário
imediato, a eliminação destas estruturas apenas salientou o destaque da sede, a
despeito da poluição visual causada pelas fiações elétricas aparentes e pelo
406
estacionamento instalado no lugar das edificações demolidas. Já no caso do Sul
América, construído em meio a um emaranhado de edificações resultantes de
vários períodos de conformação da via, fator que lhe atribuía destaque no entorno
em função de sua verticalidade, foi perdendo a sua evidência com a verticalização
das novas estruturas e, a partir daí, seguiu praticamente esquecido.
Figura 239 – Rua Chile, com destaque para o Sul América.

Fonte:
https://www.facebook.com/FotosAntigasDeSalvador/photos/a.486271244730689/56
9182709772875/?type=3&theater- Acesso em 3 mar. 2020.

Figura 240 – Rua Chile, com destaque para o Sul América em 2020. 407

Fonte: Google Earth Pro- Acesso em 3 mar. 2020.


A verticalização do entorno decorreu das legislações urbanísticas promulgadas a
partir da década de 1920. A lei nº 1.146, de 1926, foi a primeira a adotar
parâmetros restritivos em relação à altura das novas edificações. Seus artigos,
ao mesmo tempo que limitavam a altimetria em relação à largura da via, proibiam
a construção de edificações de pavimento único em vias específicas da área
central, incluindo a Rua Chile e a Av. Sete de Setembro, propondo limites
máximos para algumas delas. A legislação seguinte, Decreto Lei nº 701/48, não
regulou a altimetria, o que veio a acontecer apenas em 1966, com o Decreto Lei
nº 1855. Com esta normativa, abandona-se a definição da altura máxima em prol
da relação entre a taxa de ocupação e o coeficiente de aproveitamento. Já na Lei
nº 2403, de 1972, a área central passa a ter o coeficiente de oito e abandona-se
a tendência de não fixar a altura máxima (RAHY, 2012). Esta legislação, portanto,
moldou o cenário que atualmente insere-se ambos edifícios estudados.

408
ANÁLISE FORMAL

O processo de criar e modificar lugares para propósitos


sociais é dinâmico e dialético. As formas arquitetônicas são
moldadas na experiência vivida, seja do espaço, seja da
distância ou do tempo.

Maria Lucia Malard, 2006.265

Edifício Sul América

O edifício Sul América de Salvador foi implantado de maneira a ocupar a


totalidade do terreno existente, resultante da demolição de estruturas
Figura 241 – Sul América/Salvador preexistentes no lote. Desse modo, a
planta segue o formato retangular do
terreno, e apresenta as quatro quinas
arredondadas, a despeito da ausência
de afastamento entre uma das
edificações vizinhas, o Palace Hotel,
409
construído em 1923, portanto antes
da sede Sul América.

A solução tripartida neste edifício é


bastante acentuada. Sua base é
resolvida pelo pé-direito duplo e por
amplas aberturas de acesso
independente às lojas térreas e
destaca-se do corpo tanto pela
composição das aberturas como pelo
revestimento em mármore, finalizado
por uma espécie de cimalha tratada
com frisos horizontais em alto relevo e
Fonte – Rodrigo Baeta/2020
blocos cúbicos de argamassa. O
corpo tem seis pavimentos, sendo que o último se destaca dos demais pela

265
MALARD, Maria Lucia. As aparências em arquitetura. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2006. P. 52.
Figura 242 – Coroamento do edifício Sul
América/Salvador
presença dos mesmos frisos
horizontais tanto em sua base,
quanto em seu topo, os quais
coroam o corpo. O volume que
conforma o coroamento, recuado
do corpo nas três de suas quatro
faces, formando terraços
descobertos, é composto por três
pavimentos - sendo os dois
primeiros idênticos em tratamento
plástico e abertura de vãos e o
terceiro, de pé direito menor e
Fonte – Rodrigo Baeta/2020
com altura de vãos diferenciados
dos demais - além da platibanda
escalonada, que esconde o volume da
Figura 243 – Fachada da Rua Chile Sul
caixa d´água. América/Salvador
410
Revestidas em pó de pedra, solução de
proteção especificada por Roberto
Capello para a maioria das sedes da
empresa, as fachadas são resolvidas
com as aberturas ritmadas em planos
recuados do pano principal, conferindo-
lhe uma composição de falsos pilares
salientes, marcados ritmicamente no
corpo principal. Apenas três fachadas
são aparentes, já que a quarta está
justaposta à fachada do Palace Hotel,
cuja altimetria é alinhada ao corpo
principal do Sul América. É interessante
notar que as duas fachadas aparentes
e paralelas (Rua Chile e Rua Pau da
Bandeira) são idênticas, compostas
Fonte – Rodrigo Baeta/2020
pelo mesmo escalonamento do Figura 244 – Fachada da Rua da Ajuda/Sul
América
coroamento em relação ao corpo. O
destaque está na terceira fachada,
voltada para o afastamento entre o
Edifício Antônio Ferreira,
conformado por uma via de
pedestres, onde está o acesso
principal da sede. Desprovida do
escalonamento existente nas
demais fachadas, tal recurso
confere-lhe uma imponência em
relação às demais, e sugere que na
ocasião da projetação o arquiteto
pensou em uma possível vista
ampliada. É curioso o trabalho Fonte – Rodrigo Baeta/ 2020
executado na portada principal, com
sobreverga triangular, bem aos moldes clássicos, recurso adotado unicamente 411

nesta sede.
Figuras 245 e 246– Portada do edifício Sul América

Fonte – Rodrigo Baeta/ 2020


Edifício SULACAP
Figura 247 – Edifício SULACAP/Salvador.
O edifício SULACAP foi construído
em um terreno de forma
trapezoidal, com cerca de 900m²,
conformado pela Rua Carlos
Gomes e Av. Sete de Setembro e
pela divisa do terreno vizinho,
solução que lhe confere destaque
no entorno da Praça Castro Alves.
Da mesma forma que o Sul
América, sua implantação segue a
forma do terreno e a solução de
criar um fosso de iluminação
central resultou na planta em “A”.

Com volumetria resolvida com a


412
mesma solução clássica tripartida,
Fonte: Karine de Arimateia / mar. 2018. o edifício tem a base com pé-direito
duplo, corpo com sete pavimentos
Figuras 248 – Um dos acessos ao edifício e coroamento composto por três
SULACAP/Salvador.
pavimentos recuados, sendo os
dois primeiros em relação corpo
principal e o último em relação aos
inferiores. A composição do edifício
assemelha-se com a adotada para
o SULACAP de Recife, tendo em
vista a forma similar do terreno, a
despeito da proposta de
arredondamento das quinas
presente no volume de Salvador. A
solução de quebrar as quinas
Fonte:
https://www.instagram.com/p/BZY6mVKg conferiu certa homogeneidade e
Mce/ Acesso jul.. 2020.
continuidade das três fachadas
aparentes, eliminando a distinção entre elas, diversamente como ocorre na sede
de Recife, que apresenta destaque para a fachada voltada para a Praça da
Independência.

A base tem revestimento externo em mármore e possui amplas aberturas, com


ênfase para as três portas no eixo central da volumetria, voltadas para a Praça
Castro Alves e de acesso às antigas instalações da empresa. O acesso aos
pavimentos superiores é feito por duas portas, uma em cada via lateral, que dão
acesso ao hall central das circulações verticais.

Figuras 249 – Vista da base e oroamento do edifício SULACAP/Salvador.

413

Fonte: http://www.secom.ba.gov.br/2016/11/136061/Simbolo-da-arquitetura-Art-deco-pode-ser-
Patrimonio-da-Bahia.html- Acesso em 3 mar. 2020.

O corpo possui aberturas recuadas em relação ao pano principal, formando uma


pequena varanda, solução que enriquece a volumetria ao formar falsos pilares,
promovendo uma verticalidade em contraposição com a horizontalidade dos
frisos em alto relevo.
O primeiro escalonamento do coroamento parece compor um pavimento apenas,
em função das aberturas sem vedação. Tais aberturas, com molduras em baixo
relevo na própria argamassa, ventilam e iluminam a circulação interna em todo o
perímetro deste pavimento, bem como as janelas do pavimento superior. Esta
solução projetual é presente também nas duas sedes de Belo Horizonte
(SULACAP e Sul América). O último escalonamento corresponde a um único
pavimento, com pequenas janelas de forma quadrada, emolduradas como o
mesmo recurso adotado nos vãos inferiores. A finalização deste pano é feita com
friso horizontal em alto relevo, conformando uma espécie de cimalha, presente
também nos arremates dos demais pavimentos.
Figuras 250 – Coroamento do edifício SULACAP/Salvador.

414

Fonte: Karine de Arimateia/ mar. 2018.

Os vãos dos pavimentos tipos são originalmente em madeira, a despeito das


substituições por esquadrias em alumínio, fruto de intervenção inadequada. A
janela e a porta voltadas para a varanda são conjugadas e possuem uma espécie
de bandeira independente na mesma extensão desses vãos. Em ferro original
são as vedações das portadas de acesso ao edifício, sem qualquer ornamento.

A cobertura é feita em estrutura de madeira e telhas cerâmicas, além da claraboia


de vidro que protege e ilumina o vão central, a qual, por sua vez, ilumina as
circulações internas de acesso às salas, existentes em todo perímetro do vão. A
claraboia projeta-se sobre o vão central, o qual compõe, no térreo, um pátio
interno com pequena área permeável.

Figuras 251 – Claraboia do SULACAP/Salvador.

415

Fonte:
https://www.facebook.com/sulacap.ssa/photos/?ref=
page_internalAcesso em 3 mar. 2020.

Figuras 252 – Vão central do SULACAP/Salvador.

Fonte:
https://www.facebook.com/sulacap.ssa/photos/?ref=page_inter
nalAcesso em 3 mar. 2020.
ANÁLISE FUNCIONAL

O uso físico do edifício é o aspecto mais imediato e que mais


estudos tem originado. A ele se refere geralmente os autores
que falam de ‘função’ do edifício e até da arquitetura, e que
atribuem à palavra ‘função’ um sentido mais restrito, de
idoneidade do edifício para suas finalidades práticas de
ordem física, enquanto que na realidade a função de um
edifício abarca uma gama mais extensa de necessidades,
ainda que sempre de ordem prática.

Enrico Tedeschi, 1962. 266

Conforme destacado, a área onde os edifícios foram construídos constituía,


desde o início da ocupação da cidade, o principal ponto de comércio e de
residência da região, um dos lugares mais dinâmicos da cidade até a formação
de novas centralidades urbanas. Com o passar dos anos, com a crescente
416 valorização do espaço, houve um aumento da diversidade da região, com a
instalação de sedes bancárias e instituições públicas, as quais demandaram a
implantação de tipologias arquitetônicas próprias e até então inéditas na cidade.
Seria incomum, considerando as sedes já construídas, se a empresa de seguros
Sul América definisse outra área para a construção de suas sedes senão essa.

Infelizmente, conforme demonstrado, não foi possível ter acesso ao projeto


arquitetônico do edifício Sul América, tampouco o acesso interno à torre. Desse
modo, as análises aqui apresentadas restringiram-se ao SULACAP, cujo projeto,
atualizado, estava disponível no Dossiê de Tombamento.

O SULACAP destacou-se das construções de Salvador pela inovadora tecnologia


das suas instalações prediais, tais como o condicionamento de ar e o sistema
elétrico. Por muito tempo foi considerado um dos melhores edifícios da cidade
para a instalação de escritórios e consultórios médicos, nos seus 4.000 m²

266
Tradução minha - El uso físico del edifício es el aspecto más inmediato y que más estudios ha
originado. A él se refieren generalmente los autores que hablan de la ‘función’ del edificio, y hasta de
la arquitectura, y que atribuyen a la palabra ‘función’ un sentido más bien restringido, de idoneidad
del edificio para sus finalidades prácticas de orden físico, mientras que en realidad la función de un
edificio abarca una gama más extensa de necesidades, aunque siempre en el orden práctico.
(TEDESCHI, 1978, p.51).
aproximados de área construída, distribuídos pela base, corpo e coroamento e
subsolo. Atualmente o edifício mantém o uso comercial, com lojas no térreo e
salas nos pavimentos tipos, com áreas aproximadas e distribuídas em torno de
uma iluminação central, conformando uma espécie de átrio no pavimento térreo.
Na época da sua construção, a sede da empresa ocupou apenas um dos
pavimentos, sendo os demais destinados à locação. O discurso que marcou o
lançamento da pedra fundamental, já apresentado, relatou os aspectos
construtivos da edificação e do seu uso misto (com salas e apartamentos),
embora nenhum registro atual comente sobre a existência de apartamentos na
edificação:

A base do edifício ocupará uma área de cêrca de 800 metros


quadrados, levantando-se em 15 pavimentos, e mais um
subsolo, com duas amplas garagens e com alojamentos que
terão a superfície total de cêrca de 6.000 metros quadrados,
divididos em lojas, escritórios e apartamentos, construídos
com os requisitos mais modernos e servidos por 4
elevadores. (Revista Notícias de Sulacap/nº47, Ano 4, p.?/Jul.
1940, grifo meu)

O pavimento térreo é composto pelo hall de entrada de pé direito duplo, com 417
paredes revestidas em mármore tanto interna como externamente, além das lojas
com acesso exclusivo pelas ruas. A circulação vertical é resolvida por três
elevadores, sendo um deles de serviço, e pela escada em formato semi-circular.

Pela disposição das salas do


pavimento tipo é improvável
que ele tenha tido algum uso
residencial, pois as unidades
estão dispostas lado a lado.
Assim como os demais
edifícios da empresa, os
banheiros são comuns às
unidades e neste caso estão
localizados, simetricamente,
nas laterais do elevador de
serviço. Os pisos das áreas
comuns são em granilite e apresentam desenhos geométricos nas circulações de
acesso às unidades. A despeito das várias intervenções inadequadas, ainda há
unidades com as portas e janelas originais, em madeira maciça.

O subsolo, de pé-direito menor que o do pavimento tipo, guarda o sistema de


bombeamento hidráulico do reservatório inferior, presente na maioria das sedes
analisadas. O último pavimento, onde estão as janelas menores, contém os
reservatórios superiores e a casa de máquina dos elevadores, além de um terraço
descoberto em todo o seu perímetro, decorrente do recuo em relação ao
pavimento inferior.

418
PEÇAS GRÁFICAS267

As peças gráficas apresentadas a seguir foram redesenhadas a partir do


levantamento arquitetônico apresentado no Dossiê de Tombamento do
SULACAP, fornecido pelo IPAC, via ofício digital nº 335/2020 - IPAC/DG/GAB,
em 26 de agosto de 2020. As plantas anexadas ao Dossiê foram desenvolvidas
pelos alunos268 do Centro Universitário Jorge Amado no ano de 2014, orientados
pela professora Aline Luther. O referido Dossiê informa a existência do projeto
arquitetônico original nos arquivos da Fundação Gregório de Matos, e que não foi
anexado do volume do estudo em função do seu precário estado de conservação.
A tentativa de acesso às plantas originais foi feita a partir do encaminhamento de
um e-mail à Fundação, porém não houve resposta por parte do órgão.

419

267
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
268
Alunos: Áurea Santos, Fabiana Lisboa, Jade Furtado, Lafayette Pereira, Thais Marins, Vinicius
Barbosa, Larissa Dantas, Mariana Silva, Pedro Henrique Lopes, Vitor Rios, Alessandra Feitosa, Aline
Santana, Caio Mendes, Juliane Rodrigues Carneiro, Raquel Araujo,
420
421
422
423

3.8. FORTALEZA/CE – SUL AMÉRICA


424
Figura 253: Edifício Sul América
Fortaleza/2016.

Ficha técnica

Nome original: Edifício Sul América.


Nome atual: Edifício Sul América.
Endereço: Travessa Pará, nº 12 (esquina Rua
Floriano Peixoto), Centro, Fortaleza, Ceará.
Ano do projeto: 1942-1946.
Ano de conclusão da obra/inauguração: 1953 -
inauguração (Fonte - Revista Sul América/nº 131,
Ano 34, p. 26/ jan. a mar. 1953)
Construtora:?
Uso original: Comercial (lojas no térreo e salas nos
andares superiores).
Uso atual: uso comercial.
Propriedade: privada.
Proteção/nível: inexistente. No entanto, a Praça do
Ferreira foi considerada marco histórico pela Lei
Municipal nº 8605, de 20 de dezembro de 2001
Fonte – Karine de Arimateia/ jan.
2018

425
ANÁLISE HISTÓRICA

A empresa Sul América iniciou sua atuação no estado do Ceará no ano de 1930
em imóvel alugado, o Edifício Torres, localizado nas imediações da Praça do
Ferreira,269 até adquirir, em 1942, duas edificações contíguas na mesma praça,
precisamente na Travessa Pará, para a construção da sede própria.270 Antes da
aquisição das duas edificações, a intenção da empresa de construir a nova sede
na capital cearense foi indicada em texto publicado no Jornal Unitário, em 10 de
janeiro de 1938, o qual versava sobre o crescimento das construções na cidade:

Falemos dos grandes prédios, dos arranha-céus tipo


americano, que começam a crescer nos espaços dantes
nunca invadidos a não ser pela chaminé da Light. Temos já
alguns bons predios. O Excelsior, o Parente, o Lopes, o
Majestic, por exemplo. Ao lado desses, outros vão
aparecendo aqui ali, emprestando-nos um ar nova-
iorquino...[...]. Que mais? Passemos agora às futuras
426 construções [...]. Desde a estadia aqui do nosso distinto
conterrâneo Esperidião de Carvalho, um dos diretores da “Sul
América, que esta grande companhia de seguros pretende
construir um prédio de cerca de dez andares para servir de
sede a sucursal de Fortaleza. Sabemos que o caso ainda não
foi resolvido em virtude de não ter sido encontrado um local
conveniente nas cercanias da Praça do Ferreira. [...]. (Jornal
Unitário, em 10 de janeiro de 1938, apud BORGES, 2006)

Em 1946, há registros do andamento da construção dessa sede,271 cujas obras


se estenderam até 1952. Em janeiro de 1953, o edifício Sul América de Fortaleza
foi solenemente inaugurado, conforme informou o balanço patrimonial da
empresa, publicado na Revista Sul América:

Ficaram concluídas as obras do Edifício ‘SUL AMÉRICA” em


Fortaleza, Ceará, o qual foi solenemente inaugurado em 15
de janeiro do corrente ano, já estando ali funcionando os
escritórios da Sucursal do Ceará. (Revista Sul América/nº
131, Ano 34, p. 26/ jan. a mar. 1953, grifo meu).

269
Revista Notícias de Sulacap/nº51, Ano 5, p.3/Nov. 1940.
270
Revista Sul América/nº 131, Ano 34, p. 26/ jan. a mar. 1953.
271
Revista Sul América/nº 104 e 105, Ano 27, p. 27/ jan. a jun. 1946.
Assim como as demais sedes da empresa, o edifício da capital cearense foi
construído no principal ponto de comércio da cidade, decorrente do núcleo
original do povoamento, a Praça do Ferreira.

Registros sobre a morfologia desta área remetem à primeira metade do século


19, quando a praça era conhecida como Feira Nova ou Largo da Trincheira, e
demostram que o espaço era configurado apenas por uma área arborizada e um
poço de água que servia de apoio aos comerciantes e seus animais que
transportavam e comercializavam mercadorias provenientes do interior. Em
1840, a área passou a denominar-se Praça Dom Pedro II (BARBOSA, 2006) e,
na década de 1870, Praça do Ferreira, em homenagem ao Sr. Antônio Rodrigues
Ferreira.272 Com o decorrer dos anos, houve a intensificação da sua posição
como centro dinâmico da cidade, o que promoveu a construção de várias
estruturas urbanas e arquitetônicas em seu entorno, como os trilhos de bondes
de tração animal e quatro cafeterias (Café Elegante, Café Java, Café Iracema e
Café do Comércio), Figura 254: Praça do Ferreira na década de 1950.
Edifício Sul América e a Coluna da Hora.
inspiradas nos moldes 427
franceses.

Já no início do século 20, os


planos de embelezamento
da área urbana demoliram
as estruturas dos cafés para
a ampliação das vias do
entorno, tendo em vista a
intensificação do tráfego de
automóveis, e remodelaram
a Praça do Ferreira, com a
introdução de áreas
ajardinadas e um coreto Fonte: <http://plus.diariodonordeste.com.br/aniversario-
central. Antes disso, três de-fortaleza/infos/01/antes_depois.html>acesso em 26
jan. 2020

272
Antônio Rodrigues Ferreira, boticário, manteve um comércio na área e também presidiu por muitos
anos a câmara, trazendo melhorias para a região (BARBOSA, 2006, p, 60).
Figura 255: Edifício Sul América e o
Abrigo Central
cinemas foram inaugurados nas
imediações, a saber, Politeama, Magestic e
o Cine Moderno, intensificando ainda mais
o uso social da região. Em 1931, é
construído o primeiro edifício vertical do
entorno, o Hotel Excelsior, com linguagem
eclética (CAVALCANTE e BARROSO,
2016).

Nas décadas de 1930 e 1940, a Praça do


Ferreira recebeu duas intervenções
significativas. A primeira, em 1933, incluiu,
dentre outras alterações, a construção de
um totem de treze metros de altura,
Fonte: Fortaleza em Fotos. Disponível
em: encimado por um grande relógio, em
<http://www.fortalezaemfotos.com.br/2
014/06/a-velha-nova-praca-do- substituição ao coreto central, que ficou
ferreira.html>acesso em 28 jan. 2020
conhecido como Coluna da Hora. Foi no
428
contexto resultante dessas remodelações que Roberto Capello planejou a sede
de Fortaleza. Durante a construção do edifício, ocorreu a segunda modificação
na praça, quando foi implantado, em 1949, o centro de apoio com quiosques de
serviços, conhecido como Abrigo Central, alteração que possibilitou o retorno do
espaço como local de convivência da população.

Outra reforma empreendida no entorno aconteceu no ano de 1968, quando todos


os vestígios anteriores foram arrasados, com a demolição da Coluna e do Abrigo
Central para o aumento da área ajardinada, alterando totalmente a configuração
original da Praça do Ferreira.

O incremento da dinâmica da região central foi notado nas décadas seguintes e,


apesar da elaboração de novos planos urbanísticos para a solução dos
problemas diagnosticados, os mesmos não foram implantados, ocasionando um
abandono da área central e um consequente esvaziamento da região na década
de 1970. Neste período, a Sul América vendeu sua sede para terceiros, como
aconteceu com as demais propriedades das empresas. O edifício Sul América,
desde então, seguiu com o uso comercial administrado em condomínio.

Figura 256: Edifício Sul América e Casa Albano.


À direita, marquise do Abrigo Central – após
1953.

Fonte: <https://fotos-antigas-de-
fortaleza.webnode.com/galeria-de-fotos/>acesso
429
em 26 jan. 2020

Apesar de sua representatividade no que tange ao processo de verticalização da


área central de Fortaleza e no contexto de novas estruturas arquitetônicas com
linguagens mais racionalistas, o edifício Sul América não recebeu qualquer tipo
de proteção do órgão municipal responsável, tampouco do estadual. Não há
sequer registros relativos ao edifício nos Arquivos Municipais.273

O Sul América também é pouco referenciado na literatura, entretanto recebeu


destaque na dissertação de mestrado de Marília Santana Borges, que o incluiu
no acervo de edificações com linguagem Art Déco de Fortaleza, apresentando
sua análise arquitetônica e as plantas dos seus pavimentos, sem mencionar, no
entanto, a autoria do projeto. Segundo a autora:

O Edifício Sul América, assim como o Edifício Jangada,


resultou da ação de grandes empresas corporativas sobre o
território nacional, neste caso específico a Sul América

273
Ver documento encaminhado pela Prefeitura Municipal em resposta à consulta do projeto do
edifício em documento apresentado no item Peças Gráficas.
Capitalização, espalhando nas principais capitais brasileiras
sucursais ostentosas e que dialogavam entre si em diversos
aspectos – linguagem estética, padrão construtivo, etc. A
inauguração da nova filial de Fortaleza, anteriormente locada
em uma edificação de 3 pavimentos na Praça do Ferreira –
esquina das ruas Pedro Borges com Major Facundo - , em
uma nova edificação de doze pavimentos na mesma Praça,
mas agora em sua face Norte – na rua Pará, 12 – deu grande
visibilidade ao empreendimento, louvado em reportagem do
período.(BARBOSA, 2006, p. 174)

Figura 257: Edifício Sul América na década de 1960. Nota-


se o edifício vertical vizinho (Hotel Savanah) em
construção, após a demolição da Casa Albano.

430

Fonte: <https://fotos-antigas-de-
fortaleza.webnode.com/galeria-de-fotos/>acesso em 26 jan.
2020
PROSPECÇÕES ARQUITETÔNICAS E URBANÍSTICAS DO
ENTORNO

A análise das prospecções arquitetônicas foi baseada nas imagens antigas


levantadas no decorrer da pesquisa e na situação do imóvel, verificada em campo
no ano de 2018 e concluiu que o edifício, que marcou a paisagem da Praça do
Ferreira na década de 1950, não sofreu qualquer modificação significativa que
alterasse a proposta do arquiteto.

Figura 258: Edifício Sul América em 1950. Figura 259: Edifício Sul América em 2016.

431

Fonte:
<http://www.fortalezanobre.com.br/2012/06/in Fonte: Karine de Arimateia - jan. 2018
tendencia-municipal-o-primeiro.html>acesso
em 26 jan. 2020

Em relação ao entorno, as alterações foram significativas, porém menos drásticas


se comparadas com as áreas centrais onde os edifícios de Recife, Belo
Horizonte, São Paulo e Porto Alegre foram erguidos, até porque esses centros
receberam um volume maior de investimentos durante a primeira metade do
século 20, o que não aconteceu em Fortaleza, que se expandiu em direção à orla
marítima e em sentido sudoeste, em consequência da zona industrial.
(ANDRADE, 1999)

Para a percepção das alterações urbanísticas da área do entorno da Praça do


Ferreira é oportuno apresentar os planos reguladores que conduziram as
modificações da configuração urbana. A área da Praça recebeu sua primeira
intervenção no início do século 19, a partir da proposição do traçado regulador
em tabuleiro de xadrez elaborado pelas mãos do engenheiro Silva Paulet. Esse
traçado serviu de base para o novo planejamento desenhado em 1875, desta vez
de autoria do engenheiro Adolfo Herbster, que expandiu a área central e
implementou vias de forma a corrigir as ruas estreitas e tortuosas em setores que
não haviam sido tratados na primeira intervenção. Em 1893, o Código de Obras
foi aprovado e ditou o regulamento das novas estruturas arquitetônicas, com
exigência, por exemplo, de adoção de platibandas e janelas padronizadas para
as novas construções (BARBOSA, p. 50), como uma tentativa de alterar os
padrões e linguagens das construções.

432 No início do século 20, novas ondas de urbanização manifestaram-se nas


principais cidades do território brasileiro, porém em Fortaleza, em função da
restrição econômica do Estado, tal movimento foi menos intenso, e as ações
restringiram-se ao embelezamento de praças e de áreas livres urbanas. Em 1932,
com a elaboração da nova planta cadastral (ANDRADE, 1999), verificou-se um
crescimento em outras áreas decorrente do movimento de migração do campo
para a cidade, que se intensificou nos anos seguintes com o fenômeno da seca.
Sobre este movimento, destacou José Liberal de Castro:

A seca de 1932 é um dos marcos percebíveis nesse processo


migratório de procedência rural, data em que começa, de
modo irreversível, a ampliação material da cidade, bem como
uma total mudança comportamental da população. Inicia-se a
formação de um dos casos de microcefalia urbana dos mais
graves do país. (CASTRO, 1982, p. 9, apud, DUARTE
JUNIOR, 2018, p.26)

Neste período, já se registrava o deslocamento das habitações para outras


regiões e o incremento comercial da área central. Para normatizar as
construções, elaborou-se o Código de Obras (1932), o qual conferiu destaque
para o uso do concreto armado e delimitou a altura dos edifícios em relação à via
do terreno. Diante da restrição, os edifícios verticais poderiam atingir o máximo
de quinze pavimentos, com exceção de algumas localizações. Dois anos depois,
um novo decreto alterou parcialmente este Código ao incentivar a verticalização
da área central, exigindo o limite mínimo de dois pavimentos para as construções
nesta região. (ANDRADE, 1999).

Em 1933, a prefeitura municipal contratou o urbanista Nestor de Figueiredo


(1893-1973) para a elaboração do Plano de Remodelação e Extensão da Cidade
de Fortaleza. Figueiredo, na ocasião, também atuava na remodelação da área
central de Recife, o que justifica as similaridades entre os dois projetos, ambos
baseados nos princípios racionalistas em discussão. O plano de Figueiredo para
Fortaleza não foi executado, talvez pela envergadura das modificações propostas
que demandariam alto recurso financeiro. O Plano Diretor proposto em 1946
também não foi colocado em prática, provavelmente pelos mesmos motivos. No
ano de 1952, é atualizado o Código de Obras (DUARTE JUNIOR, 2018). A
despeito da complexidade dos problemas já verificados nos projetos anteriores, 433
decorrentes, sobretudo, do fluxo migratório que não parava de aumentar, um
novo plano foi elaborado em 1963, a partir da normativa de 1962, cujo diagnóstico
deparou-se com problemas mais intensos, porém similares aos que conduziram
os planos anteriores e, mais uma vez, também não foi colocado em prática.

Percebe-se que até a década de 1970, a configuração urbana da área central de


Fortaleza, resultante da malha xadrez implantada no século 19, praticamente não
havia se modificado. Nesta década, elaborou-se novos projetos para a solução
dos problemas provenientes da intensificação da área, tais como o Plano de
Desenvolvimento Integrado da Região Metropolitana de Fortaleza (1969-1971), o
Plano Diretor Físico (1975) e a Lei de Uso de Ocupação do Solo (1979), os quais
conduziram a descentralização a partir da proposição de implantação de novas
zonas e da verticalização de áreas específicas (BARBOSA, 2006). As novas
áreas atraíram os investimentos imobiliários, ocasionando o esvaziamento do
centro original e o consequente processo de decadência nas décadas seguintes.
O incentivo à verticalização pela norma de 1979 foi frustrado, principalmente em
função da ausência de investimentos públicos e privados na área e pela
conformação dos lotes originários da trama do século 19, com testada estreita e
área reduzida.

Em situação de abandono, o centro foi trabalhado de forma prioritária no Plano


Diretor de 1996. Esta iniciativa fez com que os setores da sociedade voltassem
os olhos para a região, resultando em reformas pontuais, tal como aconteceu com
a Praça do Ferreira, revitalizada em 1991; além da instituição de um concurso
público para a revitalização da área central, denominado Concurso Nacional de
Ideias para Embelezamento e Valorização da Área Central de Fortaleza
(BARBOSA, 2006). No ano de 2000, a Secretaria de Cultura do Estado elaborou
o projeto Fortaleza Histórica, que diagnosticou problemas e propôs a revitalização
de elementos do patrimônio arquitetônico.

Conforme apresentado, a Praça do Ferreira passou por diversas reformas, o que


confirma a sua centralidade e importância simbólica no espaço urbano para a
área central de Fortaleza. Tais modificações decorreram, sobretudo, das
434 discussões a respeito da modernização e embelezamento dos espaços urbanos,
comuns do início do Figura 260: Praça do Ferreira na década de 1940, com o Hotel
Excelsior ao fundo.
século 20, e que
alteraram grande
parte das áreas
centrais das capitais
brasileiras. A
demolição dos quatro
quiosques de cafés
para a construção de
um coreto rodeado
por áreas ajardinadas
foi acompanhada pela
ocupação do entorno
Fonte:
por novas <https://www.facebook.com/FortalezaDasAntigas/photos/a.204068
619721477/2354205724707745/?type=3&theater>acesso em 26
construções em jan. 2020
linguagem eclética. A
construção do primeiro edifício vertical em 1931 alterou significativamente a
leitura do espaço, pela sua monumentalidade e racionalidade formal. A
construção do Totem da Hora veio em seguida, no ano de 1933, e sua altimetria
e ornamentos trabalhados com linhas retas e verticais indicavam, de certa forma,
a aceitação da nova linguagem arquitetônica por parte da gestão pública. Nos
anos seguintes, novos edifícios verticais foram construídos, a saber: em 1937, o
Edifício J. Lopes (sete pavimentos); em 1940, o Edifício Diogo (nove pavimentos);
em 1948, o Edifício Jangada (BORGES, 2006).

Figura 261: Praça do Ferreira na década de 1950, com o Hotel


Excelsior e edifício Cine Luis.

435

Fonte:
<https://www.facebook.com/FortalezaDasAntigas/photos/a.204068619
721477/2222110467917272/?type=3&theater>acesso em 26 jan. 2020

Diante deste novo cenário em transformação, Roberto Capello projetou a sede


do Sul América, cuja inauguração aconteceu em 1953. Em seguida foram
construídos nas imediações os edifícios Cine São Luis (1958), o edifício Sede do
Centro dos Exportadores do Ceará (1962, projeto de Neudson Braga), edifício
Palácio Progresso (1964, projeto de José Liberal de Castro) (CAVALCANTI e
BARROSO, 2016), os quais verticalizaram ainda mais o entorno imediato.

Em 1968, uma nova empreitada pública alterou significativamente a praça com a


demolição do Totem e a reconfiguração do seu ajardinamento. A partir daí a
região é preterida, com a transferência dos investimentos públicos e imobiliários
para as novas áreas urbanas e com maior potencial turístico. Com o esgotamento
do centro, as construções em altura na área praticamente se esgotaram, a
despeito da construção, em 1978, da sede do Banco do Nordeste do Brasil e do
Edifício Raul Barbosa. Uma nova remodelação da praça, com o objetivo de
recuperar a área central, veio a acontecer apenas em 1990.
Figura 262: Praça do Ferreira na década de 1960, Edifício Sul
América em destaque.

Fonte: Arquivo Nelson Ferreira. Disponível em:


436 <http://www.fortalezaemfotos.com.br/2012/03/fortaleza-de-outrora-
12.html>acesso em 27 jan. 2020

Diante do exposto, percebe-se, como o espaço urbano imediato ao Sul América


sofreu alteração desde sua construção. O edifício foi projetado em um contexto
totalmente diferenciado do existente e que se transformou por diversas vezes ao
longo dos anos. Construído na Praça do Ferreira ainda com a presença da
Coluna da Hora, o Sul América se destacava tanto pela sua altimetria quanto por
seu tratamento formal diferenciado do conjunto eclético existente. Na atualidade,
o entorno encontra-se praticamente verticalizado, o que não impediu a
manutenção da evidência do Sul América.

As alterações pelas quais passou a Praça do Ferreira ao longo dos anos, com a
demolição das estruturas que remetiam à época de sua ocupação, são
decorrentes, sobretudo, da implementação tardia das políticas de proteção do
patrimônio cultural em todas as esferas de governo no estado do Ceará. Em
relação à proteção federal, a atuação do IPHAN, além de demorada, limitou-se,
inicialmente, a bens móveis. O primeiro tombamento federal aconteceu no ano
de 1941, que resguardou o acervo arqueológico do Museu da Escola Normal
Justiniano de Serpa. Somente na década de 1960, as estruturas arquitetônicas
começaram a receber proteção por parte desse órgão.

Na atualidade, as políticas de proteção municipal restringem-se a tombamentos


isolados, que não conformam conjuntos ou paisagens urbanas capazes de
ampliar o raio de proteção de outros bens não acautelados e de inegável
importância para o patrimônio cultural, incluindo o acervo de arquitetura
produzido no decorrer do século 20.274 O entorno da Praça do Ferreira conta com
poucas edificações protegidas, dentre elas, o Palacete Ceará e a Farmácia
Oswaldo Cruz, de linguagem eclética, ambas em nível municipal.

437

274
É digno mencionar o esforço dos pesquisadores cearenses em impulsionar a valorização da
arquitetura moderna de Fortaleza. Dentre estes estudos destacam-se: a pesquisa coordenada pelo
professor Clovis Ramiro Jucá para a produção do Inventário da Arquitetura Moderna em Fortaleza,
parceria entre o Laboratório de Estudos em Arquitetura e Urbanismo (LEAU), do Departamento de
Arquitetura e Urbanismo (DAU) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e 4ª. Superintendência
Regional IPHAN; a elaboração do "Guia da Arquitetura Moderna em Fortaleza (1960-1982)",
desenvolvido pelo Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará com
auxílio financeiro proveniente da FUNCAP (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento
Científico e Tecnológico) e a pesquisa intitulada "(Re)construção da Arquitetura Moderna em
Fortaleza: memória e modelagem digital", do Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e
Urbanização (LoCAU) e do Laboratório de Experiências Digitais (LED) do Programa de Pós-
Graduação em Arquitetura e Urbanismo e Design da UFC (PPGAU+D-UFC). (DIÓGENES, CARDOS
e PAIVA, 2015)
RELAÇÃO DO EDIFÍCIO COM O ENTORNO

A arquitetura tem um compromisso com o lugar e com o


espírito que o habita. Cabe ao arquiteto a interpretação do
lugar único, não tem mais sentido o trabalho
descontextualizado, como se o objeto arquitetônico pairasse
desvinculado do sítio ou do entorno onde se insere. Não há
mais o lote como entidade abstrata, unidade de operação fora
de qualquer vizinhança. A inserção ética na paisagem é tarefa
do arquiteto.

Flávio Carsalade, 2001.275

O terreno onde o edifício Sul América foi erguido está situado no quarteirão
formado pela Travessa Pará e pelas ruas Floriano Peixoto, São Paulo e Major
Facundo. Conforme visto, até a construção do edifício, a região da Praça do
Ferreira era considerada um dos setores mais dinâmicos da cidade de Fortaleza,
reunindo os mais importantes usos institucionais, de serviços, lazer e comércio.

Diversamente da grande maioria das áreas centrais das principais capitais


438
brasileiras no início do século 20, o centro de Fortaleza não sofreu
transformações urbanísticas suficientes para alterar sua trama original, visto que
a maioria dos planos reguladores elaborados não foram aplicados. Já a Praça do
Ferreira, ao contrário, sofreu diversas modificações no decorrer dos anos,
decorrentes de ampliações de área e reformas de embelezamento, conforme já
apresentado.

A construção tardia da sede de Fortaleza - em relação às demais sedes da


empresa - permitiu Capello basear-se em um entorno já em processo de
conformação, com a implantação das novas tipologias em altura, as quais viriam
ocupar as principais áreas dos centros urbanos brasileiros. Após a inauguração
da sede, poucas edificações foram construídas nas imediações, portanto, se não
fossem as alterações pelas quais a Praça do Ferreira sofreu ao longo dos anos,
o cenário e seus elementos constituintes utilizados por Capello para determinar
a relação do edifício com o entorno, seriam, praticamente, os mesmos. É válido
mencionar a imponência do edifício Sul América na área da Praça, o qual, em

275
CARSALADE, 2001, p. 83.
conjunto com os demais edifícios, delimita o espaço aberto e configura a imagem
da paisagem urbana imediata.

Vale ressaltar que, nos primeiros


Figura 263: Palácio Progresso, de José
anos da década de 1930, já era nítida Liberal de Castro.
em Fortaleza a tendência, nas novas
construções, do uso de uma
linguagem ainda trabalhada com
ornamentos, porém mais
racionalizada, a qual se manteve até
a década de 1960, quando os
arquitetos formados em outros
estados, principalmente no Rio de
Janeiro e Recife, retornaram à capital
cearense e começaram a empregar
os ideais corbusianos nos edifícios
em altura. Dentre eles é oportuno 439
mencionar a atuação de José Liberal
de Castro (1926-). O arquiteto
projetou no entorno da Praça do Fonte: ANDRADE, M., DIÓGENES et. al.,
1996.
Ferreira o Palácio Progresso,
inaugurado em 1964, no qual utilizou os elementos da nova linguagem difundida
sobretudo pela escola carioca (ANDRADE, 2020).

Sobre o a arquitetura produzida no período, discorreu Liberal de Castro:

Ainda em relação à arquitetura, umas poucas obras, pelo


menos até 1945, conhecem maiores cidades e constituem
tentativa, às vezes ingênua, de elaboração de um
modernismo arquitetônico local. Não há, porém, uma
preocupação permanente com as inovações, de modo que se
chega a supor que os projetistas talvez tentassem fazer o
moderno como uma variante do ecletismo, pois perambulam
concomitantemente pelo neocolonial, pelo Missões e por
outras estilizações do antigo e do moderno. (CASTRO, 1982,
p. 12, apud, DUARTE JUNIOR, 2018, p.30)
Essa situação pode ser Figura 264: Entorno da Praça do Ferreira década de 1960
(antes de 1968).
relacionada à condição da
prática profissional no
território cearense, que até a
década de 1950, ficava
praticamente a cargo de
desenhistas, sem qualquer
formação teórica. (CASTRO,
1982, apud, DUARTE
JUNIOR, 2018, p.30), até a
chegada desses arquitetos
formados em outros estados Fonte:
<https://www.moedaeselo.lel.br/peca.asp?ID=817092/>acesso
e da criação do curso de em 27 nov. 2020

Arquitetura e Urbanismo em
1964.

Dessas considerações pode-se extrair que, na atualidade, o entorno da Praça do


440
Ferreira é consolidado e heterogêneo em sua conformação, com vestígios
arquitetônicos dos princípios de sua ocupação e com construções erguidas na
primeira metade do século 20.

Figura 265: Entorno da Praça do Ferreira no século 21/ Edifício Sul


América à direita.

Fonte: Arquivo Amélia Earhart e Nely de Carvalho. Disponível em:


<https://outrosroteiros.wordpress.com/2011/12/14/hotel-excelsior-
uma-viagem-no-tempo/>acesso em 27 nov. 2020
ANÁLISE FORMAL

[...] forma é a configuração dada à matéria com a finalidade


de obter um objeto individualizado. Em oposição ao segundo,
o conteúdo, a forma de um objeto é aquilo que se apresenta
aos nossos sentidos imediatamente, antes de qualquer
reflexão que possamos ter sobre este objeto; aquilo que
podemos ver, tocar, ouvir. A forma de um edifício é, pois, sua
silhueta, sua massa, sua cor e textura, seu jogo de luzes e
sombras, a relação e disposição de seus cheios e vazios.

Silvio Colin, 2000276

Ao projetar a sede da Sul América para Fortaleza, Roberto Capello encontrou


uma área já parcialmente edificada, composta por estruturas arquitetônicas de
linguagens familiares ao seu repertório projetual, tal como o primeiro edifício
vertical de Fortaleza, o Hotel Excelsior, situado em lote de esquina conformada
pelas ruas Major Facundo e Guilherme Rocha, na Praça do Ferreira. Esse
edifício, constituído por
Figura 266: Hotel Excelsior, em 1933 (à direita)
uma massa sólida e
441
prismática, destacava-se
das construções
remanescentes do
período da conformação
do espaço urbano
imediato tanto pela sua
altimetria quanto pela
linguagem formal. A
solução tripartida é
claramente presente e
se não fossem os
Fonte: <http://www.fortalezaemfotos.com.br/2015/01/a-criacao-
guarda-corpos do-rotary-club-de-fortaleza.html>acesso em 27 jan. 2020
trabalhados em ferro e

276
COLIN, 2000, p. 51.
os balaústres torneados que compõem a ornamentação da fachada a proposta
deste hotel se aproximaria muito das sedes projetadas por Capello.

A construção do totem Coluna da Hora na área central da Praça veio em seguida


à inauguração do Hotel, e seus ornamentos trabalhados com linhas retas e
verticais indicavam a chegada da nova linguagem racionalista em discussão. Em
sequência foram inaugurados os edifícios J. Lopes, Diogo e o Jangada
(BORGES, 2006), que alteraram a paisagem urbana do entorno em função do
racionamento do uso de ornamentos e forneceram as circunstâncias espaciais
para a concepção do projeto por Capello.

O Sul América de Fortaleza foi implantado em terreno de formato retangular,


resultante de demolições dos edifícios preexistentes adquiridos pela empresa
para a construção da sede própria, neste caso, de duas edificações contíguas na
Rua Floriano Peixoto, esquina com a Rua Pará, conforme já mencionado.
Figura 267: Edifício Sul
Figura 268: Edifício Sul
América/Fortaleza. Vista da Praça do
América/Fortaleza Vista da Rua Floriano
Ferreira
442

Fonte: Karine de Arimateia- jan. 2014. Fonte: Extraído de Borges, 2006, p.178

Em decorrência da proposição de uma pequena área não edificada no lote, a


implantação da sede não seguiu totalmente a forma do terreno, apesar da sua
volumetria indicar tal proposta. O edifício apresenta a quina arredondada no
encontro das vias Pará e Floriano Peixoto, recurso também utilizado nas sedes
de Santos e Salvador, porém de forma mais sutil. A solução tripartida do volume
é consideravelmente marcante neste projeto. A base, de pé-direito duplo,
diferencia-se do corpo pelo tratamento nobre do revestimento externo, em
granito, e pelos grandes vãos de acesso às lojas térreas. O corpo, conformado
por sete pavimentos, possui revestimento em de pó-de-pedra, é destituído de
ornamentos e conformado apenas pelos vãos ritmados das janelas do tipo
basculante, guarnecidas por venezianas de madeira, seguindo o modelo
“copacabana”.

A fachada voltada para a Praça destaca-se do volume principal ao estender-se


lateralmente em direção ao edifício vizinho, formando um terraço para o nono
pavimento, como se preenchesse um afastamento não previsto no projeto.
Entretanto, sabe-se que, na ocasião da construção do edifício, já existia uma
estrutura arquitetônica adjacente, sem afastamentos laterais, de dois pavimentos,
sendo posteriormente substituída pelo Hotel Savanah, de altimetria similar ao Sul 443
América (FIGURA 256). O recurso de estender o corpo do edifício não se repetiu
na fachada lateral, provavelmente em decorrência da face menor do terreno.

O coroamento tem o volume


Figura 269: Coroamento do Edifício Sul América
tripartido, formado pelo nono
pavimento com vãos de janelas
dispostos no mesmo alinhamento
das existentes no corpo principal e
intercalados por ornamentos em
forma de losangos duplos em alto
relevo. Além desse pavimento – que
pode ser lido também como um
pavimento de transição entre o
corpo e o coroamento - há mais dois
Fonte: Karine de Arimateia - 2014.
andares recuados em relação ao
pavimento inferior, separados desse por uma marquise encimalhada, e o último
pavimento, recuado dos inferiores e conformado por vãos menores, além da
presença de uma platibanda que oculta o volume da caixa d´água. A cobertura
deste último pavimento é feita por laje plana, assim como a parte do corpo que
se estende lateralmente.

Neste edifício nota-se uma proposta diferenciada das demais sedes projetadas
anteriormente por Capello, qual seja, a de trabalhar volumetricamente o
coroamento e deixar o corpo desprovido de ornamento.

. Figura 270: Coroamento e parte do corpo do Edifício Sul América

444

Fonte: Fábio Lima/O Povo– Disponível em http://www.iabce.org.br/?view=topic&page=2064


Acesso em jun.2020
ANÁLISE FUNCIONAL

A dimensão artística da Arquitetura – aquilo que Magritte diz


evocar o mistério – está nos seus aspectos visuais, interiores
e exteriores. E esses são determinados pelas articulações
dos volumes, dos planos, das texturas, cores. Entretanto,
como se demonstrou até aqui, a Arquitetura não é só Arte. Ela
tem uma dimensão utilitária, que também foi chamada de
“funcional”, e um valor de troca, ou seja, ela é uma
mercadoria.

Maria Lucia Malard, 2006.277

Figura 271: Vista do hall principal.


A sede da Sul América de
Fortaleza foi construída no
contexto da centralidade urbana
da cidade. De uso comercial,
abrigava, em parte de sua
estrutura, a sede da sucursal e, no 445
restante, salas para locação,
seguindo o investimento
imobiliário que a empresa
praticava nos demais estados.

O pavimento térreo é composto


pelo hall de entrada de pé-direito
duplo e pelas lojas com acesso
exclusivo pelas ruas. Cada loja
possui sua sobreloja, que
Fonte: Extraído de Borges, 2006, p.178 correspondente ao pé-direito duplo
do hall principal.

277
MALARD, 2006, p. 55
Nos demais andares, as salas são distribuídas em torno da circulação vertical e
compartilham os banheiros comunitários. Tudo indica que os pavimentos tipos
eram compostos, originalmente, apenas por duas amplas salas, como ainda está
na atualidade o quarto pavimento.

Já as salas do nono andar são privilegiadas pela presença de um terraço,


decorrente do prolongamento lateral do corpo principal. O décimo pavimento,
446
recuado em relação ao andar inferior, também possui um terraço em todo o
perímetro do andar. Os dois últimos pavimentos, com pé-direito menores,
abrigam a casa de máquinas e a caixa d´água.

A edificação, assim como as demais, possui um subsolo, acessado por uma


escada a partir do térreo, que abriga depósitos.

Atualmente os andares tipos foram todos modificados, de acordo com as


demandas de cada proprietário ou inquilino, mas tais modificações não alteraram
as fachadas.
PEÇAS GRÁFICAS278

Durante a pesquisa referente à sede da Sul América em Fortaleza, buscou-se


levantar, preliminarmente, a existência dos projetos originais ou levantamentos
atualizados nos órgãos municipais relacionados. Em resposta à pesquisa, que
gerou o processo municipal n° P281406/2020, a Prefeitura de Fortaleza
encaminhou, via Correios, comunicado informando a inexistência do alvará de
construção do referido imóvel, bem como o projeto original, conforme documento
apresentado a seguir. Desse modo, outra pesquisa foi realizada, desta vez na
administração do condomínio, cujo síndico, Sr. Santiago, disponibilizou
prontamente as plantas referentes ao projeto de prevenção e combate a incêndio
do edifício, datadas de dezembro de 2018, desenhadas por Luiz Carlos. Tais
plantas serviram de referência para o redesenho das peças gráficas aqui
apresentadas, e indicam, adicionalmente, as alterações internas resultantes das
divisões originais das salas em todos os pavimentos.
447

278
Desenhos realizados por Michele Teodoro, sob a coordenação da autora.
448
449
450
451
452
453
Figura 272: Comunicado da Prefeitura Municipal de Fortaleza sobre a ausência de dados
relativos à sede Sul América.

454

Fonte: Acervo da autora/2020.


CONSIDERAÇÕES
FINAIS
455
456

Figura 273: Capa da Revista Sul América – Fonte: Acervo Sul América.
Primeiramente, é oportuno relembrar o motivo, ou o problema, que desencadeou
essa investigação: o reconhecimento da existência de outras sedes da empresa
Sul América e Sulacap em várias capitais brasileiras - além das existentes em
Belo Horizonte279 - de autoria do arquiteto Roberto Capello, nunca antes
estudadas em sua totalidade e, consequentemente, o interesse pessoal em
relação à trajetória profissional desse arquiteto até então pouco conhecido pela
historiografia e sobre o posicionamento de suas obras no contexto da produção
arquitetônica da primeira metade do século 20. Tais fatores foram suficientes para
a elaboração de estudos preliminares, os quais resultaram no projeto de pesquisa
apresentado ao PROARQ (Programa de Pós-Graduação em Arquitetura da
UFRJ) no ano de 2015. Porém, era necessário definir o método de abordagem
para atingir o objetivo geral, qual seja, investigar se o legado do arquiteto,
representado pelos projetos das sedes da empresa, era significativo a ponto de
contribuir para a apreensão do fenômeno arquitetônico brasileiro no decurso de
1930 a 1950, período em que as sedes foram projetadas e construídas.

Conforme explicitado, a abordagem de pesquisa proposta por Marina Waisman 457


em seu livro “La estrutura histórica del entorno”, publicado pela primeira vez em
1972, serviu de base para estruturar o método deste estudo. Considerando os
edifícios sedes da Sul América projetados por Roberto Capello no contexto da
produção arquitetônica no Brasil entre as décadas de 1930 a 1950 como a
unidade cultural a ser investigada, foram definidas as entidades (ou instituições)
que orientaram a diferenciação dos objetos, ou seja, dos edifícios. Desse modo,
foram estudadas as demandas sociais, econômicas e comerciais brasileiras do
início do século 20; a empresa Sul América que, ao interpretar essas novas
demandas, construiu um conjunto de edificações para sediar suas sucursais nos
centros urbanos das principais cidades do país; a crítica referente à arquitetura
brasileira do período; além da trajetória profissional do arquiteto Roberto Capello,
autor dos projetos.

279
Cabe destacar que Belo Horizonte é a cidade em que resido, e como apresentado no capítulo
introdutório, foi a partir da elaboração do dossiê de tombamento do conjunto arquitetônico
SULACAP/Sul América dessa cidade, documento cuja equipe técnica integrei, que iniciei as
pesquisas com o objetivo de identificar a existência de sedes em outros estados.
Em continuidade, os edifícios sedes da empresa foram estudados
separadamente, de forma a evidenciar os seus significados no campo
arquitetônico. Esses edifícios, considerados como documentos de pesquisa,
foram analisados em seus aspectos históricos, formais, funcionais e de relação
com o entorno.

Entende-se que, se esses documentos forem analisados no futuro por outros


pesquisadores, poderão revelar diferentes aspectos não abordados nesta
pesquisa, conforme indica Zein (2012):

Os documentos, incluindo-se as obras de arquitetura – que


são também documentos da maior importância e densidade
para nosso campo de estudos – aguardam pacientemente por
nossas reflexões. Mas jamais serão esgotados por elas: a
qualquer momento um outro olhar lhes trará nova vida. Os
mesmos documentos, iluminados por outras perguntas,
sugerirão precisões e revisões, de singelas a revolucionárias.
Mas para que isso ocorra é preciso se permitir fazer novas
perguntas. Sem dúvida sistemática não há ampliação ou
revisão de campo; mas ela só pode consistentemente ocorrer
se aceitarmos que nem tudo está claro, dito e definido. E sem
458 nos darmos ao trabalho de voltar às origens – à
documentação - e novamente interrogá-la [...]. (ZEIN, 2012,
p.?)

Neste ponto, cumpre-me esclarecer que esta pesquisa, assim como toda
investigação, é sujeita a novas intepretações e novos dados (MINAYO, 2001).
Primeiramente porque, conforme indica Zein na passagem acima, outro olhar
sobre essas obras poderá revelar revisões ou acrescentar novas narrativas. Em
segundo lugar, porque ainda há algumas sedes da empresa cujas autorias
precisam ser confirmadas, tais como as de Florianópolis, Belém e Manaus, além
das sedes construídas em alguns países da América Latina. Ademais, restou
verificar a existência de sedes nas cidades de Goiânia/GO e Campo dos
Goitacazes/RJ, visto que nas Revistas Sul América há menção sobre a aquisição
de terrenos nessas cidades para a construção dos edifícios. Outra lacuna foi a
impossibilidade de se realizar o levantamento dos projetos originais de alguns
edifícios aqui estudados, tais como as sedes Sul América de Salvador, Fortaleza
e Recife, cujas informações, se reunidas, completariam a documentação
produzida.280

Vale também ressaltar que, antes de iniciar a redação da tese, foram


despendidos quase dois anos em pesquisa de campo para o reconhecimento dos
edifícios bem como para o recolhimento de material bibliográfico, incluindo as
fontes primárias, tais como o acervo da empresa Sul América. Todas as sedes
foram visitadas pessoalmente281 para a análise de campo tanto em relação à obra
construída quanto ao contexto urbano imediato. O material recolhido em campo,
incluindo as imagens produzidas, foi organizado de forma a possibilitar sua
posterior análise. Diante da amplitude do material, não foi possível, em tempo
hábil para a banca de qualificação, analisar completamente os materiais
coletados, o que foi feito nos anos posteriores, quando as entidades de análises
e os objetos foram estruturados. Tudo isso para demonstrar que, em decorrência
da vastidão do material coletado e de sua relevância, o tempo dedicado à escrita
da tese propriamente dita foi prejudicado.

Dando prosseguimento à estrutura da pesquisa, finalizados os estudos das 459


entidades delineadas conforme a metodologia adotada, tornou-se necessário
construir a relação dos materiais analisados, posto que, segundo Waisman
(1985), apenas as análises propostas no método não são suficientes para a
investigação. Esta relação foi avaliada pontualmente no decorrer dos estudos, e
será a partir de agora compilada.

A primeira entidade de diferenciação dos objetos, ou seja, o primeiro elemento


de análise foi a empresa Sul América. Procurei entender o seu processo de
constituição no contexto econômico e social brasileiro e o motivo que levou a
empresa a construir suas sedes nas principais cidades do Brasil entre 1930 e
1950. Fundada em 1895 por Joaquim Sanchez de Larragoiti, em menos de cinco
anos de existência a empresa já possuía sucursais não só no Brasil, como

280
Vale destacar a situação adversa pela qual estamos passando com a crise sanitária que impediu
a realização das viagens agendadas para este último ano.
281
Todas as viagens foram realizadas com recursos próprios, visto que não fui contemplada com a
bolsa de estudos por não residir na cidade do Rio de Janeiro, exigência normativa do PROARQ.
também em outros países latino-americanos. Ao identificar o crescimento urbano,
industrial o portuário brasileiro, Larragoiti fundou outras duas empresas,
vinculadas à Sul América, a Sul América Terrestre Marítima (SATMA) e a Sul
América Capitalização (SULACAP), as quais possibilitaram a diversificação de
outros tipos de seguros e a ampliação dos negócios do grupo. Na década de
1920, a instalação de sucursais nas principais capitais dos estados brasileiros
possibilitou que a empresa dominasse o ramo de seguros no país. Em 1922, a
primeira sede foi construída na então capital Rio de Janeiro, a partir do projeto
arquitetônico assinado por Robert Prentice, quem, provavelmente, assinou
também o projeto da sede da Sul América na Argentina, quando começou a sua
relação com a empresa, interrompida, conforme tudo indica, pela contratação do
arquiteto italiano Roberto Capello, que passou a coordenar o “Departamento de
Propriedades e Hypothecas” no ano de 1935 e a assinar, a partir de então, todos
os projetos dos futuros edifícios.

Foi no período inicial da construção das sedes da empresa que se verificou, no


Brasil, um significativo processo de alterações econômicas, sociais e
460
tecnológicas, que indubitavelmente refletiram nas ações da empresa e também
no campo da arquitetura, alterações essas que foram interpretadas como uma
outra entidade diferenciadora dos objetos. As novas demandas sociais e as novas
tecnologias adotadas pela construção civil, decorrentes desses processos,
modificaram a paisagem das áreas centrais das principais cidades brasileiras,
caracterizadas, até então, pelas estruturas arquitetônicas produzidas desde os
primórdios da composição urbana desses sítios. Os novos edifícios em altura, de
uso misto ou uso único, erguidos num primeiro momento nas áreas centrais,
passaram a simbolizar a inovação no modo coletivo de morar ou de trabalhar do
brasileiro, bem como a representar as novas tipologias arquitetônicas, formal e
funcional, que identificaram a modernidade pretendida pela sociedade.

Até a década de 1930, as principais cidades brasileiras apresentavam uma


tipologia de habitação constituída desde a segunda metade do século 19,
resultado de investimentos imobiliários tímidos, viabilizados, sobretudo, pelas
elites, caracterizados mais como uma forma conveniente de aplicação do
excedente de sua produção agrícola do que como um investimento no setor da
construção civil. Desse modo, a produção imobiliária derivava, comumente, de
outras atividades econômicas, como foi o caso da empresa Sul América, no
período em que as primeiras sedes foram construídas. O excedente financeiro do
principal negócio da empresa, o de seguros, era aplicado na construção de
edifícios em altura, os quais, em sua maioria, era de uso misto, gerando rendas
provenientes dos alugueis das unidades - e não das vendas - como forma de
garantir a imprevisível oscilação da economia, situação que veio a se intensificar
na década de 1960.

Mesmo que o setor imobiliário tenha se intensificado de maneira e em tempo


distintos nas capitais brasileiras, é reconhecido o seu crescimento na década de
1940, com o aumento do número de construtoras privadas. O período marca,
portanto, uma transição da tipologia construtiva, quando os tímidos edifícios de
três ou quatro pavimentos passaram a ser substituídos por edificações cada vez
mais altas e com linguagem arquitetônica diferenciada, reflexo do desejo de
modernidade de parte da incipiente sociedade burguesa. E a Sul América
interpretou essas modificações em seus edifícios construídos. 461

Assim, a década de 1940 foi o período de Figura 274 – Portada do edifício Sul
América de Salvador.
maior atividade da empresa no que tange à
construção de suas sedes. Seus edifícios
eram aqueles mais altos e de maior
evidência no espaço urbano ainda
predominantemente horizontal e com
resquícios do passado colonial. Eram
também os que possuíam as tecnologias
mais avançadas do mercado, tanto em
relação aos sistemas prediais quanto aos
materiais e técnicas construtivas, porém
seus aspectos formais iam de encontro à
tradição arquitetônica, a qual ainda se
impunha nas pranchetas dos arquitetos e, ao
mesmo tempo, caminhavam para a
Fonte: Rodrigo Baeta/2020.
racionalidade de ornamentos. Verificou-se, na maioria das sedes estudadas,
solução tripartida, simetria tanto volumétrica quanto no tratamento dos espaços
internos, ausência de afastamentos em relação à calçada e, em um caso
específico, uso de elementos notadamente clássicos como na portada da sede
Sul América de Salvador, representando um forte apego ao passado, dando um
tom nostálgico à edificação.

Faz-se oportuno registrar, retomando o assunto sobre a diversidade de negócios


da empresa, que pertencia também ao grupo Sul América o Banco Hipotecário
Lar Brasileiro (BHLB), instituição que ficou responsável pela construção de
edificações emblemáticas no território brasileiro, contribuindo para o processo de
verticalização das principais cidades e para a absorção da demanda residencial
decorrente do processo migratório interno. Após anos de investimentos na
construção civil, a alta inflacionária da década de 1960 obrigou a alteração da
estrutura da empresa. Criou-se, para tanto, a SULAMEC, empresa de
processamento de dados que acelerou os processos administrativos e promoveu
a venda da maioria dos edifícios sedes construídos no país.
462

Para entender o reflexo dessas alterações econômicas, sociais e comerciais no


campo arquitetônico brasileiro, no qual as sedes da empresa estavam inseridas,
fez-se necessário entender as críticas relativas à produção arquitetônica do
período, até porque, o tema, no meu entendimento prévio, sempre foi permeado
de contradições.

Tornou-se inevitável, portanto, discorrer sobre o assunto relativo à arquitetura


produzida na primeira metade do século 20, usando como base para a
compreensão da arquitetura dita moderna o texto de Sarah Williams Goldhagen
(2005) e, para o entendimento da produção no Brasil, autores que se
empenharam em debater o assunto sob outra perspectiva, como Hugo Segawa.
O olhar de Segawa sobre o tema, em seu compêndio “Arquiteturas no Brasil-
1900-1990” (2014), serviu para enfatizar a existência de outras modernidades
além daquelas manifestadas no Rio de Janeiro e São Paulo, como reflexo e
incentivo a novos estudos. Porém, se o simples reconhecimento da existência de
outras modernidades não é suficiente para entendê-las, ao menos destaca a sua
importância para a construção do campo arquitetônico brasileiro, cuja dificuldade
de conceituação decorre, sobretudo, da ampla diversidade da arquitetura que se
produziu na primeira metade do século 20. Entretanto, apesar de ser um estudo
abrangente e genérico, a obra de Segawa é a que mais se aproxima, na
atualidade, de uma tentativa de incorporar a maior parte possível das
manifestações da modernidade em arquitetura no Brasil.

O autor dividiu a produção da arquitetura brasileira em processos, mas ao mesmo


tempo indicou uma periodização temporal para os acontecimentos e obras.282 Ao
discorrer sobre a Modernidade Pragmática, por exemplo, determinou o período
de 1922 a 1943 para explicá-la, e discorreu que, nesse recorte, estavam inseridas
várias vertentes, mesmo que opostas em seus tratamentos formais. Para o autor,
todas as expressões desse período são resultantes das influências
modernizantes dos Estados Unidos e da Europa, trazidas por imigrantes ou por
arquitetos brasileiros formados nesses territórios, incluindo, de certa forma, o
processo de verticalização na produção da arquitetura nas principais capitais
brasileiras. Mas, ao recorremos a Peter Burke, observamos que as interações 463
culturais não se dão em apenas um sentido e que as trocas e contaminações são
inevitáveis, o que pode ser notado nas outras obras produzidas por Capello, além
das sedes da empresa.

Por outro lado, percebe-se que os projetos de Roberto Capello para a empresa
Sul América poderiam estar compreendidos numa “modernidade”, mas “à
margem do modernismo engajado” (SEGAWA, 2014, p. 55), o que não exclui o
caráter simbólico da arquitetura como objeto de propaganda da empresa,
imprimindo aos edifícios robustez, confiabilidade, segurança e aceitação, por ser
uma arquitetura mais assimilável por grande parte da população. Entretanto,
ressalta-se que não foi objetivo dessa tese enquadrar os edifícios em uma
determinada categoria proposta por Segawa e sim entender o seu significado
como um conjunto produzido.

282
Ver capitulo 1, seção 1.2.
Além dessas considerações, procurou-se entender a – já amplamente discutida -
tensão entre os debates relativos à modernidade brasileira, recorrentes no início
do século 20, além de verificar o momento em que os cursos de arquitetura foram
criados nas capitais de alguns estados brasileiros de forma a revelar o período
em que foram realizados os ensinamentos nesses estados a partir da ação dos
docentes que se deslocaram de outros centros, visto que o meio acadêmico
constitui, indubitavelmente, espaço fundamental na formação dos principais
debates nos campos referentes, neste caso, o da modernidade arquitetônica.
Ressalta-se que não foi pretensão indicar a existência dessas discussões nos
estados.

Todos estes estudos, como mencionado, tinham como objetivo o entendimento


da constituição do campo arquitetônico do período enquanto as sedes da Sul
América estavam em construção. Entretanto, foi a partir da leitura do texto de
Goldhagen (2005) que o caminho para meu entendimento se tornou, pode-se
dizer, parcialmente iluminado. Dele extraí que a constituição do campo da
464 arquitetura moderna é uma obra inconclusa e, ainda, um processo em
andamento. A autora propõe um caminho para situar a arquitetura moderna em
um lugar mais propício de modo a evitar reduzi-la a um único aspecto, ou a evitar
discuti-la apenas como um estilo ou como um movimento historicamente
delimitado e vinculado a uma ou outra ideologia política e social, ou, ainda, como
meramente uma determinação de ser moderno. Para tal feito, a autora propõe o
modernismo como o próprio discurso e não como o resultado do discurso. A
abordagem desta autora parte da compreensão do termo discurso como uma
expressão de pensamentos sobre um sujeito ou um conjunto de sujeitos,
pensamentos esses conduzidos por um grupo selecionado de pessoas –
acompanhado, normalmente, por instituições sociais - e que tem a fala destinada
a uma comunidade específica de destinatários “como uma assertiva hipotética
intrínseca, submetida para esta comunidade com a esperança de
‘discursivamente testar sua chamada para a universalidade’ ” (GOLDAHGEN,
2005, p.159). Neste âmbito, os edifícios ou projetos modernos, ou outras
contribuições (que são as propriedades do discurso) oferecem proposições
(verdadeiras ou hipotéticas) para uma certa comunidade de destinatários
(historiadores, críticos, arquitetos, urbanistas, curadores, etc) com objetivo de
testar a validade das propostas, que tomadas em conjunto formam uma série
relacionada de discussões e debates ou questões mais ou menos autônomas,
com uma lógica dirigida pelos princípios internos que são adaptados em vários
contextos, moldando suas características locais ou até suas manifestações
estilísticas próprias. Modernismo283 em arquitetura, portanto, gerou muitos
movimentos e tensões, ou seja, não se limitou a um movimento, e foi sempre
influenciado e moldado por um fenômeno externo a ele, divergente em cada
época. O que se extrai do caminho proposto por Goldahgen, e que se tornou uma
ferramenta conceitual adequada para esta pesquisa, é a irrelevância em se tentar
situar formalmente as sedes produzidas por Roberto Capello em um contexto de
produção da arquitetura comumente debatida pela historiografia como moderna,
pois a análise isolada da dimensão formal não é capaz de explicar a arquitetura
brasileira como um discurso complexo como ele o é. Tampouco é produtivo - e
sequer resultaria em uma conclusão satisfatória - tentar relacioná-las, por
exemplo, com a produção das escolas carioca ou paulista (ou com outras, por
ventura, possíveis), que dominaram o debate da historiografia da segunda 465

metade do século 20; não descartando a relevância do papel destes dois estados
como formadores, por assim dizer, de um grupo de liderança.

Por outro lado, é certo também, que no período da construção das sedes das
empresas nas capitais dos principais estados brasileiros, cada contexto era
dotado de uma dinâmica própria no que diz respeito aos fatores que permearam
a construção do campo da arquitetura nesses locais, tais como: a migração
interna dos profissionais, a fundação das escolas de arquitetura, o
desenvolvimento econômico, social e outros, que são, sem dúvidas, agentes que
confluíram para moldar o campo de forma particular e diferenciado em cada
estado. Porém, relacionar os edifícios de Capello com a produção em cada
estado também não tem validade, já que sua atuação como arquiteto da empresa
e sua formação e trajetória profissional e pessoal foram os fatores, no

283 Aqui usamos o termo traduzido literalmente do inglês, e que em português o ‘ismo’ denotaria um determinado
‘estilo’. Cabe, entretanto, ressaltar que o sociólogo norte americano Michael Featherstone (1995, apud AMORA, 2006)
considera o termo ‘modernismo’ para designar a cultura da modernidade, e em consequência seus produtos culturais
como a arquitetura.
entendimento aprofundado da temática aqui abordada, que conduziram o seu
modo de projetar.

Roberto Capello era um arquiteto de formação italiana, contratado pela empresa


Sul América para a elaboração dos projetos arquitetônicos de suas sedes nas
principais cidades brasileiras. Ao que tudo indica, sua função era, unicamente, a
partir do terreno escolhido, elaborar o projeto arquitetônico de acordo com as
pautas da empresa, dentre elas o fator de uma arquitetura que representasse
essas pretensões. Ou seja, o arquiteto não estava inserido no contexto do debate
arquitetônico dos estados, tampouco parece que diferenciou seus projetos de
acordo com a produção arquitetônica preexistente nessas cidades. As variedades
formais decorreram, como se viu, dos parâmetros urbanísticos, quando esses
existiam, tais como os recuos dos coroamentos, altimetria e afastamentos e em
função da forma do terreno. No entanto é possível perceber que as últimas sedes
projetadas pelo arquiteto para a empresa, como o SULACAP de Salvador, o Sul
América de Porto Alegre e o conjunto arquitetônico de Belo Horizonte, eram
466 dotadas de um maior racionalismo arquitetônico, com o menor uso de
ornamentos, se comparadas às demais sedes.

É pertinente conferir destaque ao projeto elaborado para a cidade de Belo


Horizonte. A sua proposta de relação do edifício com espaço da cidade foi inédita,
não verificada em nenhuma outra sede. Duas torres com volumetrias compostas
e simétricas foram distribuídas no terreno de maneira a criar um espaço entre
elas, o qual se tornou de uso público. Este espaço aberto, ou praça, criava um
campo de visão para o viaduto de Santa Teresa como um recurso perspectivo,
em que o ponto de fuga único era o viaduto. É certo que a manutenção da visada
para o viaduto Santa Teresa foi uma imposição da Prefeitura Municipal,
entretanto tal imposição permitiria uma variedade de soluções projetuais, e o
arquiteto, ao que tudo indica, definiu a melhor delas, ao ampliar ou, ao enquadrar,
esta visada a partir desse espaço aberto e amplo. O recurso permitiu também, ao
observador, uma percepção mais apurada dos volumes das duas torres
simétricas, percepção essa anulada com a construção, na década de 1970, de
uma edificação na antiga praça aberta.
A construção dessas considerações somente foi possível com os estudos
individuais das obras, o que foi feito no último capítulo.284 Não haveria como
entender a representatividade desses edifícios no contexto da produção brasileira
sem o seu entendimento de fato. Mas antes desses estudos individuais, levantou-
se a dúvida: como analisar uma obra de arquitetura? Que critérios adotar para
esta análise? Há algum método disponível? É possível, a partir destes estudos,
entender os recursos projetuais de Roberto Capello? Sobre essa última dúvida,
não há como negar que o entendimento da formação do arquiteto, somado às
técnicas de construções disponíveis no período, auxiliaram na assimilação dos
recursos projetuais para as sedes, os quais estão presentes também em obras
de outros profissionais no território brasileiro, formando mais ou menos uma
cultura projetual, questionada e quebrada por uns, mas defendida e mantida por
outros. Por exemplo, nota-se um paralelismo entre as soluções projetuais de
Capello e de Prentice, assim como de outros arquitetos, mesmo os de origem
não italiana. Refiro-me a Prentice porque esse arquiteto, além de ter sido o
primeiro a contribuir para a empresa (mas mesmo nos projetos para outros
clientes a ‘aparência’ das obras - utilizando o termo de Maria Lucia Malard – era 467

muito similar) -, não era de origem italiana, ou seja, não considero,


preliminarmente, a obra de Capello enquadrada em uma vertente italiana, e sim
como uma obra resultante de todas as trocas culturais do período. Para isso
seriam necessárias novas investigações, inclusive na Itália285. Mesmo assim,
observamos uma clara sensibilidade em relação a implantação dos edifícios
dentro do contexto morfológico das cidades, não só pela imposição dos
parâmetros urbanísticos, bem como, em dotá-los de expressividade monumental
no contexto das cidades. Entretanto, como já comentado, ao analisar os outros

284
Pretende-se destacar esse conjunto de análises no produto final a ser entregue ao PROARQ como
um volume separado.
285
Considero pertinente não só estudar mais a fundo as referências da formação de Capello,
sobretudo em relação a uma sensibilidade na produção do edifício em relação ao contexto das
cidades. Nota-se que contemporâneos de Capello, arquitetos formados em Roma, como Rino Levi
(1901-1946), estudado por Renato Anelli e Abilio Guerra, e mesmo Lina Bo Bardi (1914-1992) em
Salvador, contribuíram para a produção de uma arquitetura nova na cidade antiga. Não sabemos,
entretanto, se esses conteúdos, destacados por Françoise Choay (2001), sobretudo da obra
publicada em 1913, Vecchie città ed edilizia nuova, de Gustavo Giovannoni (1873-1947), professor
na Universidade de Roma, chegaram de alguma forma a Capello. Isto, sem dúvida, é algo para se
pensar no futuro.
projetos de Capello,286 alguns aparentemente mais recentes, a gramática já não
é mesma adotada para as sedes da empresa, o que demonstra, se tivéssemos a
datação precisa das obras, a importância do papel do cliente no objeto
arquitetônico final. Em acréscimo, por esses e outros motivos, não há relevância,
para esta pesquisa, em vincular o trabalho de Capello aos trabalhos de outros
arquitetos, esta comparação não resultaria em nenhuma novidade, porque como
dito, os aspectos projetuais de um dado profissional são resultado das interações
culturais – que produzem objetos híbridos - os quais podem ser adotados ou
negados por um mesmo profissional, como pode ser o caso de Capello.

Sobre a existência de métodos disponíveis, antes da leitura da obra de Marina


Waisman, da qual, conforme mencionado, se extraiu o método desta pesquisa, o
texto de Ruth Verde Zein intitulado “Há que se ir às coisas: revendo as obras”
(2011), foi tomado, inicialmente, como referência. Em decorrência das definições
da palavra análise e para evitar equívocos, a autora propôs outro termo para o
estudo de obras, qual seja, o estudo crítico e referenciado. Para esse tipo de
468
estudo, segundo Zein, faz-se necessário justificar o motivo final do seu
reconhecimento, pois sem esse motivo não há como estudá-las e tampouco há
como estudá-las, para este fim, invocando apenas os aspectos não textuais
(desenhos, croquis, etc), sendo necessário recorrer a elementos verbais e
textuais, os quais servem de apoio aos primeiros. Esses elementos textuais
dizem respeito, também, a outras disciplinas:

Um estudo de reconhecimento crítico e referenciado de uma


obra de arquitetura não poderá deixar de realizar, à medida
em que se aprofunda, se desdobra e se completa, um sem
número de interfaces com uma ampla gama de disciplinas
paralelas e conhecimentos adjacentes, sem os quais seria
impossível qualificar e compreender corretamente a trama de
complexidade embebida no seio de qualquer obra de
arquitetura. (ZEIN, 2011, p.6)

Por exemplo, em relação aos estudos das sedes, alguns aspectos das soluções
projetuais dos edifícios só foram entendidos após o estudo das legislações
urbanísticas das cidades. Além disso, a autora completa que é impossível

286
Ver capítulo 2, páginas 167-177 desta tese.
compreender o “objeto em si”, pois o mesmo está envolto sempre em uma “aura”,
com suas camadas de significados construídas ao longo de sua existência. Por
isso a importância dos elementos textuais, que podem desvelar estes
significados.

Adiante, sem a pretensão de construir um “checklist”, a autora fornece alguns


exemplos de formas para os estudos de obras:

Embora uma obra de arquitetura não possa ser reduzida a


alguns temas mais ou menos simples [...], entretanto uma
obra de arquitetura pode ser simbolicamente comparada a um
vetor resultante da somatória geométrica das diversas forças
internas e externas que ajudam a moldar essa, e mesmo,
quaisquer outras arquiteturas. Essas forças podem ser, por
exemplo: programa a atender/geometria dos espaços; sítio
geográfico e cultural onde se situam/relação com o lugar e
com o entorno; materiais e técnicas passíveis de serem
empregados/resultados construtivos e tecnológicos;
precedentes arquitetônicos que se deseja privilegiar ou
negar/ênfases formais e construtivas que se escolhe
privilegiar... [...] E embora pareçam ser parâmetros simples,
não são – ou melhor, podem não ser. (ZEIN, 2011, p.8)
469
A despeito de todas as contribuições desse texto no que tange aos estudos
referenciados de obras arquitetônicas, decidi não empregar o termo proposto por
Zein tendo em vista que o vocábulo análise já está impregnado ao repertório da
historiografia arquitetônica.

Estas análises, em conjunto, permitiram, portanto, o entendimento dos recursos


projetuais adotados por Capello, os quais foram relacionados com outros projetos
elaborados pelo arquiteto. Além das sedes, as breves exposições das poucas
obras levantadas neste estudo – levantamento que poderia ter sido ampliado
caso fosse possível uma busca em nome do arquiteto no setor de obras da
Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro – permitiram verificar como esses poucos
projetos diferem formalmente daqueles elaboradores para as sedes, o que
demonstra, preliminarmente, o forte papel simbólico da empresa. Em um contexto
de debate entre a arquitetura tradicional e moderna, quando a mudança ainda
era temida ou resistente para grande parte da população, para uma empresa do
ramo de seguradoras, que por princípio deve transparecer segurança aos seus
clientes, nada seria mais apropriado que construir sedes com uma linguagem
ainda vinculada à tradição arquitetônica.287

Percebe-se, portanto, como essa empresa procurou afirmar-se nos espaços


urbanos das cidades, adquirindo os terrenos sempre nas áreas centrais e, mais
especificamente, em esquinas (Salvador, Fortaleza, Recife e Santos) ou em lotes
conformados pela metade de um quarteirão ou pelo quarteirão inteiro (Porto
Alegre e Belo Horizonte). Destaca-se, também, a intenção da empresa em
representar os valores nacionalistas dos anos 1930 e 1940 (AMORA, 2006) ao
buscar adquirir terrenos situados em ruas ou praças com a denominação 15 de
Novembro (Florianópolis, Manaus, Belém, Curitiba, Santos).

As soluções funcionais são repetidas em quase todas as sedes. Nos edifícios de


apartamentos, como os de Porto Alegre e Belo Horizonte, reproduziu-se a
470 proposta de implementação de dependências de empregados na cobertura,
solução que, conforme Segawa - ao descrever o pioneiro edifício de
apartamentos da Av. Angélica em São Paulo, de Julio de Abreu Junior, o qual
também continha esse recurso – era um “arranjo não usual para a época.”
(SEGAWA, 2014, p. 57).

Por fim, resta responder as perguntas iniciais propostas, as quais delinearam o


objetivo geral: o estudo destes edifícios contribuiria para a interpretação da
produção arquitetônica brasileira do período proposto? Qual o papel da
arquitetura produzida por Roberto Capello no cenário da arquitetura brasileira do
período? Quais seriam as colaborações deste estudo para o campo da teoria,
história e crítica da arquitetura?

287 Cabe mencionar o termo inércia de hábito (apud Amora, 2006), cunhado por Anthony Giddens em que se
considera a não ocorrência de uma ruptura definitiva entre a tradição e a modernidade que implicaria ora em
aproximações, ora em distanciamentos entre estes dois termos (tradição e modernidade), isto está expresso no largo
período (1930/1950) em que se utilizou tal gramática para representar a empresa. Depois disso, como relatado no
capitulo 1 e seção 1.1 (p.63-65), a empresa se renova e adere ao contemporâneo ao se adaptar a novas formas de
representação por meio da arquitetura das suas edificações, primeiro nos anos de 1970 e depois mais recentemente.
Talvez não só rompendo com a inércia de habito, mas buscando novas pautas para esta representação dos valores
empresariais.
Antes de respondê-las, vale expor uma passagem de Josep Maria Montaner
(2007):

A atividade do crítico consiste em compreender a obra para


que seu conteúdo possa ser explicado ao público. Isso não
significa que o crítico possa interpretar integralmente tudo
aquilo que compõe a complexidade da obra arquitetônica,
nem que seja capaz de esgotar os fundamentos da
capacidade criativa do arquiteto. (MONTANER, 2007, p. 10)

Logo, é certo que a densidade conceitual dessas obras poderá ser revelada sob
outros aspectos e em maior profundidade por outros pesquisadores. O
reconhecimento das obras, trabalhado nesta tese, pode ser considerado o
pontapé inicial para que novas abordagens sejam empreendidas, desse modo é
possível afirmar que o material produzido servirá, em um futuro, para o campo da
teoria, história e crítica da arquitetura em algum aspecto, e quem sabe, até para
auxiliar na interpretação da produção da arquitetura brasileira.

Ao finalizar os estudos, constatei que a pergunta norteadora da pesquisa, qual


seja, a representatividade das obras produzidas por Capello no contexto da
471
arquitetura brasileira do período, era demasiadamente simples e generalizada.
Mas, ao mesmo tempo, se essas obras não forem identificadas e estudadas
provavelmente não serão valoradas, pois independente de sua
representatividade arquitetônica, é inegável o seu papel de testemunho da
atuação de um arquiteto que, como muitos, tentaram uma vida em um país
destituído dos ares obscuros que estavam por vim na Itália e que contribuíram
para a conformação do espaço urbano das cidades brasileiras. A sua atuação na
empresa por muitos anos pode ter obliterado sua chance ou possível vontade de
produzir algo diferenciado, mas tal hipótese é um tanto quanto utópica, ou
transcendental e não cabe aqui ser colocada. Em contrapartida, este trabalho
contribui para o entendimento do edifício empresarial em altura, sua morfologia e
representatividade no contexto das cidades no Brasil.

Por outro lado, segundo Montaner, a crítica, em uma primeira definição, implica
num julgamento que consiste em uma valoração individual da obra de arquitetura,
baseada em vários conhecimentos do pesquisador (metodologia utilizada,
capacidade analítica e sintética, sensibilidade, intuição, gosto, etc). Mas a missão
do juízo por parte do crítico, no caso da arquitetura, “é estabelecido na medida
em que a obra alcança suas finalidades: funcionalidade distributiva e social,
beleza e expressão de símbolos e significados, uso adequado de materiais e das
técnicas, relação com o contexto urbano, o lugar e o meio ambiente.”
(MONTANER, 2007, p. 15). Diante dessas considerações e dos aspectos
tratados durante a análise das obras, o legado de Capello, no que tange às sedes
da empresa, é representativo e tem o seu lugar na produção arquitetônica
brasileira e na conformação das cidades em um determinado período.

Por fim, reforça-se, no entendimento da história da arquitetura brasileira, a


importância de ampliar os estudos relativos aos arquitetos responsáveis pela
construção desses artefatos arquitetônicos, e que conduziram movimentos
resultantes deste discurso central da modernidade arquitetônica.

472
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488
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Pesquisas de Campo
489
Acervo da empresa Sul América.

Acervo pessoal de Roberto Capello.

Archivio Storico del Politecnico di Torino – consulta realizada pelo funcionário,


após contato via e-mail.

Arquivo da Diretoria de Patrimônio Histórico de Belo Horizonte

Arquivo da Divisão de Patrimônio Cultural de Juiz de Fora (DIPAC);

Arquivo da Seção de Obras e Serviços de Engenharia/ Divisão de Programação


e Logística da Superintendência da Receita Federal do Brasil na 9ª Região Fiscal
em Curitiba.

Arquivo do condomínio Sul América de Belo Horizonte.

Arquivo do condomínio SULACAP de Belo Horizonte.

490 Arquivo do condomínio Sul América de Fortaleza.

Arquivo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico da Bahia

Arquivo da Regional Centro Oeste da Prefeitura Municipal de Recife.

Arquivo do Setor de Obras da Prefeitura Municipal de Santos.

Biblioteca Prof. Raffaello Berti da Escola de Arquitetura da UFMG (EA/UFMG).

Sistema de Arquivos de Porto Alegre - Siarq/POA


SIGLAS E
491

ABREVIATURAS
AIA - American Institute of Architects

APACs - Áreas de Proteção Cultural de Santos

AU – Arquitetura e Urbanismo

BESC - Banco do Estado de Santa Catarina

BHLB - Banco Hipotecário Lar Brasileiro

CDPCM-BH - Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte

CEPHA - Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico do Paraná

CIAMs - Congressos Internacionais da Arquitetura Moderna

COMPPAC - Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de Juiz


de Fora

CONDEPASA - Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Santos


CONDEPHAAT - Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico
Artístico e Turístico de Santos

CPCS - Comissão do Plano de Urbanismo da Cidade de Salvador


492
DAU - Diretoria de Arquitetura e Urbanismo

DIPAC/JF - Divisão de Patrimônio Cultural de Juiz de Fora

DOM - Diário Oficial do Município de Belo Horizonte

DOU - Diário Oficial da União

DPPC - Diretoria de Preservação do Patrimônio Cultural de Recife

EABH - Escola de Arquitetura de Belo Horizonte

EBA-BA - Escola de Belas Artes da Bahia

EBAP – Escola de Belas Artes de Pernambuco

EAU - Escritório de Engenharia, Arquitetura e Urbanismo

ENBA - Escola Nacional de Belas Artes

EUR - Exposição Universal de Roma

EABH - Escola de Arquitetura de Belo Horizonte

Epucs - Escritório do Plano de Urbanismo da Cidade do Salvador


FAUFBA – Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal da Bahia

FAUUSP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

FUNALFA - Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage

IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil

IEPHA/MG – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais

IEP - Imóvel Especial de Preservação

IPAC - Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia

IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

IPPUC - Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba

MES - Ministério de Educação e Saúde

MIAR - Movimento Italiano para a Arquitetura Racional

MoMa - Museum of Modern Art de Nova York

MTST - Movimento dos Trabalhadores Sem Teto

PAR - Programa de Arrendamento Residencial 493

Proarq - Programa de Pós-Graduação em arquitetura da UFRJ

PNF – Partido Nacional Fascista

SALIC – South America Life Insurance Company / Sul América Companhia


Nacional de Seguros de Vida

SAM - Sociedade dos Arquitetos Mexicanos

SATMA - Sul América Terrestre Marítima

SECAT Serviço de Controle e Acompanhamento Tributário

SPHAN - Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional

SULACAP - Sul América Capitalização

UFC – Universidade Federal do Ceará

UFJF – Universidade Federal de Juiz de Fora

UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais

UFPE – Universidade Federal de Pernambuco


UFPR - Universidade Federal do Paraná

UFRS - Universidade Federal do Rio Grande do Sul

494
495

IMAGENS
Figura 1– Corpo do Edifício SULACAP de Recife/segundo projeto de Capello para
a seguradora. Foto: Karine de Arimateia, Dez. 2017. ........................................ 40
Figura 2– Desenho em perspectiva da ampliação da primeira sede construída
pela empresa Sul América, no Rio de Janeiro – Fonte Revista Sul América/nº 58,
Ano XV, contracapa/Abr. 1934. .......................................................................... 42
Figura 3 – Sede da Sul América em Buenos Aires. ........................................... 44
Figura 4 – Capa da Revista Sul América/nº 08, Ano 2, 1921. ........................... 45
Figura 5 – Primeira sede (1897 a 1902) antiga Rua do Hospício, nº 31. ........... 46
Figura 6 – Sede da Rua do Ouvidor nº 66 (1902 a 1921). ................................. 46
Figura 7 - Sede de 1925 ..................................................................................... 47
Figura 8 – Sede da Rua do Ouvidor, ampliada. ................................................. 48
Figura 9: Pranchas do projeto arquitetônico da sede da SULACAP em Niterói/RJ,
com o carimbo de Robert Prentice ..................................................................... 51
Figura 10 – Sede de São Paulo publicada na Revista Sul América. ................. 53
Figura 11 – Antiga da sede SALIC de São Paulo, foto atual / cúpula em aço
removida. ............................................................................................................ 54
496 Figura 12 – Construção da sede de São Paulo / cúpula em aço. ...................... 54
Figura 13 – Projeto da sede da Sul América de Recife. .................................... 55
Figura 14 – Projeto da sede de Curitiba. ............................................................ 56
Figura 15 – Sede de Lima/Peru – atual Edifício Sudamerica. ........................... 56
Figura 16 – Edifício Sul América de Florianópolis.............................................. 58
Figura 17 – Projeto do Edifício Sulacap/Recife. ................................................. 58
Figura 18 – Edifício sede de Belo Horizonte. ..................................................... 59
Figuras 19 e 20 – Edifício sede da SATMA, Rio de Janeiro/ainda existente. .... 60
Figura 21 – Edifício Sul América de Fortaleza. .................................................. 61
Figura 22 – Edifício Raul Telles Rudge - sede São Paulo - 1979. ..................... 64
Figura 23 – TEOEMP – Largo da Batata / Aflalo/Gasperini arquitetos .............. 65
Figura 24 – Capa do livro Brazil Builds – Fonte: Acervo Andrey Schlee/publicado
por Danilo Matoso - Disponível em. https://mdc.arq.br/2015/02/25/antonio-garcia-
moya-um-arquiteto-da-semana-de-22-parte-2/200-2/ - acesso em nov. 2020 .. 70
Figura 25 – Residência Manglio Agrifolio/arquiteto João Antônio Monteiro
Neto/construída em 1931/Porto Alegre/RS. ....................................................... 96
Figura 26 – Edifício SULACAP de Porto Alegre / Fonte: acervo pessoal da autora.
...........................................................................................................................112
Figuras 27 e 28 - Home Insurance Building (1883-5)/Chicago/Willian Le Baron
Jenney. À esquerda, planta do oitavo andar.....................................................121
Figura 29 – Roberto Capello / Fonte: Acervo pessoal de Roberto Capello.
...........................................................................................................................126
Figuras 30 e 31 – Aquarelas produzidas por Roberto Capello. ........................133
Figura 32 – Documento de identificação do aluno enviado pelo Archivio Storico
del Politecnico di Torino.................................................................................134
Figura 33 – hotel em Montagna ........................................................................136
Figura 34 – hotel em Montagna/ pavimento térreo ...........................................136
Figura 35 – Perspectiva de uma edificação vertical em Torino. .......................138
Figura 36 – Perspectiva de uma residência em Torino. ...................................138
Figura 37 – Palazzo Civita/Milão– Gigiotti Zanini / 1932-34 .............................143
Figura 38 – Edifício de apartamentos Novocomun - Giuseppe Terragni / 1929
...........................................................................................................................144
Figura 39 – Perspectiva do projeto da sede Sul América de Curitiba ..............153 497

Figura 40 – Perspectiva do Edifício do SULACAP/Porto Alegre. .....................156


Figura 41: Edifício Sul América/Porto Alegre. ...................................................156
Figura 42 – Maquete do conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América de Belo
Horizonte. ..........................................................................................................157
Figura 43 – Roberto Capello na inauguração do Conjunto Arquitetônico
SULACAP/Sul América de Belo Horizonte em 1947 ........................................157
Figura 44 – Perspectiva do projeto do edifício SULACAP de Salvador............158
Figura 45 – Sul América de Salvador. ..............................................................158
Figura 46 – Perspectiva do projeto do edifício Sul América de Recife. ............159
Figura 47 – Perspectiva do projeto do edifício SULACAP de Recife................159
Figura 48 –SULACAP de Santos/SP ................................................................160
Figura 49: Perspectiva do projeto do SULACAP de Juiz de Fora ....................160
Figura 50: Sul América de Fortaleza/década de 1950. .....................................161
Figura 51: Praça XV de Novembro em Florianópolis com destaque para a sede
Sul América em destaque. ................................................................................163
Figura 52 – Sul América de Florianópolis. ........................................................164
Figura 53 – Sul América de Florianópolis/década de 1960.............................. 164
Figura 54 – Possível sede da empresa em Manaus (SULACAP?).................. 166
Figura 55 – Possível sede da empresa em Belém (SULACAP?). ................... 166
Figura 56: Edifício Zamudio/RJ. Planta pavimento tipo e perspectiva. ............ 167
Figuras 57 e 58: Edifício vertical/não identificado. ........................................... 168
Figura 59: Perspectiva do edifício Itamaracá, Rua Senador Vergueiro, Rio de
Janeiro. ............................................................................................................. 169
Figura 60: Edifício Itamaracá, Rua Senador Vergueiro, 219, Rio de Janeiro/2019.
.......................................................................................................................... 169
Figura 61: Notícia da inauguração da sede SATMA no Rio de Janeiro/ registro de
autoria de Roberto Capello. .............................................................................. 170
Figura 62: Perspectiva da sede SATMA / não identificada. ............................. 171
Figura 63: Perspectiva da “sede ampliada” da Sul América no Rio de Janeiro.
.......................................................................................................................... 171
Figura 64: Perspectiva da “sede transformada” da Sul América no Rio de Janeiro.
.......................................................................................................................... 172
498 Figura 65 – Corpo (parcial do Edifício SULACAP de Juiz de Fora/terceiro projeto
de Capello para a seguradora. Foto: Karine de Arimateia, Dez. 2017. ........... 174
Figura 66: Relação dos edifícios estudados/linha do tempo. ........................... 180
Figura 67: Edifício Sul América/Curitiba/PR. .................................................... 183
Figura 68: Estado atual da sede da Sul América de Curitiba. ......................... 187
Figura 69: Projeto da sede da Sul América de Curitiba. .................................. 187
Figura 70: Palácio Avenida construído em substituição a uma edificação colonial.
.......................................................................................................................... 188
Figura 71: Edifício Moreira Garcez em 1935. ................................................... 188
Figura 72: Praça Santos Andrade em 1935, com destaque para a Rua XV de
Novembro e para o quarteirão do terreno do Sul América............................... 189
Figura 73: Praça Santos Andrade em 2020, com destaque para a Rua XV de
novembro e para o edifício Sul América........................................................... 190
Figura 74: Praça Santos Andrade na década de 1950, com destaque para o
edifício Sul América. ......................................................................................... 191
Figura 75: Praça Santos Andrade na década de 1990. Alteração da paisagem
urbana. Destaque para a posição do Sul América. .......................................... 191
Figura 76: Mapa de Curitiba em 1875, com destaque para a Rua das Flores, atual
Rua XV de Novembro. ......................................................................................193
Figura 77: Vista da fachada frontal do Sul América e edifícios adjacentes. .....194
Figura 78: Vista aérea mostrando os dois eixos estruturais de Curitiba e seu
adensamento vertical. .......................................................................................196
Figura 79: Vista aérea do trecho da Rua XV de Novembro, com destaque para a
sede do Sul América. ........................................................................................197
Figura 80: Fachada frontal edifício Sul América de Curitiba. ............................198
Figura 81: Detalhe das janelas tipo basculantes, emolduradas, duas a duas, por
frisos em baixo relevo e rasgo chanfrado. ........................................................199
Figura 82: Planta pavimento térreo. ..................................................................201
Figura 83: Forro do hall principal.......................................................................202
Figura 84: Vão de ventilação do subsolo. .........................................................202
Figura 85: Planta primeiro pavimento. ..............................................................203
Figura 86: Edifício Sul América-Recife/década de 1940. .................................211
Figura 87: Edifício SULACAP-Recife. ...............................................................211
Figura 88: Edifício Sul América/1965 (à esquerda). .........................................214 499

Figura 89: Edifício SULACAP em construção/1942. Ao fundo e à esquerda, a


Igreja de Santo Antônio. ....................................................................................215
Figura 90 – Projeto da sede da Sul América de Recife. ...................................216
Figura 91 – Edifício Sul América de Recife/2019..............................................216
Figura 92 –Edifício Sulacap Recife/2019. .........................................................217
Figura 93 – Projeto do Edifício Sulacap/Recife.................................................217
Figura 94 – Rua Segismundo Gonçalves (1900), com destaque para o quarteirão
que foi demolido para a ampliação da Praça da Independência (em vermelho) e
os edifícios adquiridos para a construção do Sul América (em azul). ..............218
Figura 95 – Demolição do quarteirão para a ampliação da Praça da
Independência. À direita, edifício Sul América/1945. .......................................219
Figura 96 – Entorno da Praça da Independência na década de 1950. Edifício Sul
América à esquerda e Igreja Santo Antônio à direita. ......................................219
Figura 97 – Praça da Independência na década de 1960. À direita, edifício
SULACAP. .........................................................................................................220
Figura 98 – Aspecto atual da Praça da Independência. ...................................220
Figura 99 – Igreja Paraíso demolida para a abertura da Av. Guararapes. À
esquerda, edifício SULACAP. .......................................................................... 224
Figura 100 – Obras de abertura da Avenida Guararapes. À esquerda, edifício
SULACAP/1945. ............................................................................................... 225
Figura 101 – Demolições para a abertura da Avenida Dantas Barreto na década
de 1960/Edifício Sul América em destaque. .................................................... 226
Figura 102 – Avenida Dantas Barreto em 1965/Edifício Sul América à esquerda.
.......................................................................................................................... 227
Figura 103 – Vista do edifício SULACAP a partir da Praça da Independência 227
Figura 104 – Perspectiva do Projeto da sede da Sul América de Recife. ....... 228
Figura 105 – Sul América visto da Praça da Independência/sem data. .......... 229
Figura 106 –Fachada da Avenida Dantas Barreto ........................................... 229
Figura 107 – Vista do Sul América a partir da Av. Dantas Barretos com
Guararapes/2018. ............................................................................................. 229
Figura 108 – Vista aproximada da fachada da Praça da Independência. ....... 230
Figura 109 – Vista aproximada da fachada da Praça da Independência.
500 Desalinhamento entre os lotes. ........................................................................ 231
Figura 110 – Fachada da Praça da Independência ......................................... 231
Figura 111 – Vista do edifício SULACAP a partir da Praça da Independência 232
Figura 112 – Coroamento do edifício SULACAP a partir do Sul América ....... 233
Figura 113 – Coroamento do edifício SULACAP a partir do Sul América ....... 234
Figura 114 – Janelas da fachada frontal. ......................................................... 234
Figura 115 – Hall do edifício SULACAP. .......................................................... 236
Figura 116 – Base com pé-direito duplo do edifício Sul América e portada
principal. ........................................................................................................... 237
Figura 117: Edifício SULACAP Juiz de Fora/MG-após dezembro 1939. ......... 243
Figura 118: Imagem das edificações demolidas para a construção do edifício
SULACAP/sem data/anterior a 1939. Em destaque: “local do edifício SULACAP
– SULA AMÉRICA CAPITALIZAÇÃO”. ............................................................ 245
Figura 119: Recorte do projeto paisagístico para a área permeável do SULACAP,
autoria Roberto Burle Marx. ............................................................................. 246
Figura 120: Edifício SULACAP em 2018. ......................................................... 248
Figura 121: Perspectiva do projeto do SULACAP de Juiz de Fora, publicada no
Jornal Diário Mercantil -1938 ............................................................................248
Figuras 122 e 123: Plantas térreo e 1º pavimento do edifício SULACAP em 2015.
...........................................................................................................................249
Figura 124: Prancha do projeto paisagístico de Burle Marx/demostrando o seu
título. ..................................................................................................................250
Figura 125: Planta de Juiz de Fora desenhada pelo engenheiro Gustavo Dodt em
1860, com destaque para o quarteirão onde viria a ser construído o edifício
SULACAP ..........................................................................................................252
Figura 126: Aspecto da Rua Halfeld na década de 1870. ................................253
Figura 127: Evolução urbana da área central de Juiz de Fora, com destaque para
o quarteirão onde foi construído o SULACAP...................................................255
Figura 128: Aspecto da Rua Halfeld em 1903. .................................................258
Figura 129: Aspecto da Rua Halfeld na década de 1970, já exclusiva para uso de
pedestres, com destaque para o edifício SULACAP à esquerda .....................258
Figura 130: Fachada frontal do edifício SULACAP/Juiz de Fora. .....................260
Figura 131: Detalhe do vão central do edifício SULACAP/Juiz de Fora. ..........261 501

Figura 132: Fachada posterior do edifício SULACAP/Juiz de Fora. .................262


Figura 133: Escadaria de acesso ao hall principal do edifício SULACAP/Juiz de
Fora. ..................................................................................................................264
Figura 134: Fachada posterior do edifício SULACAP/Juiz de Fora. .................264
Figura 135: Epígrafe em baixo relevo / SULACAP/Juiz de Fora. .....................265
Figura 136: Edifício SULACAP/Porto Alegre. ...................................................271
Figura 137: Edifício Sul América/Porto Alegre. .................................................271
Figura 138 – Edificação na Rua General Câmara, nº 352 – antiga sede da Sul
América. ............................................................................................................273
Figuras 139 e 140 – Construção do Edifício SULACAP/Porto Alegre. .............280
Figuras 141 – Edifício Sul América (à direita na imagem) na década de 1940.
...........................................................................................................................281
Figuras 142 – Edifício Sul América na década de 1940. ..................................281
Figuras 143 – Notícia de inauguração do edifício SULACAP. ..........................282
Figura 144 –Edifício SULACAP de Porto Alegre em 2018. ..............................283
Figura 145 –Perspectiva do Projeto do SULACAP de Porto Alegre. ................283
Figura 146: Edifício Sul América/Porto Alegre. ................................................ 284
Figura 147: Edifício Sul América/Porto Alegre. ................................................ 284
Figura 148: Edifício Sul América/Porto Alegre/2019. ....................................... 284
Figura 149: Edifício Sul América/Porto Alegre/2020. ....................................... 284
Figura 150: Entorno imediato /Porto Alegre/2020. ........................................... 285
Figura 151: Entorno imediato /Porto Alegre/década de 1950. ......................... 285
Figura 152: Cartão postal do Novo Hotel Jung /Porto Alegre. ......................... 287
Figura 153: Plano Geral de Melhoramentos, 1914. ......................................... 288
Figura 154 – Abertura da Avenida Salgado Filho, em destaque o edifício Sul
América, a primeira das duas sedes a ser erguida. ......................................... 290
Figura 155 – Edifício Nunes Dias/Av. Borges de Medeiros ............................. 290
Figura 156 – Edifício Sul América (em destaque) na década de 1940 ............ 293
Figura 157 –SULACAP Porto Alegre................................................................ 296
Figuras 158 e 159– Edifício SULACAP Porto Alegre, torres próximas à esquina
da Rua dos Andradas. ...................................................................................... 297
Figura 160 –SULACAP Porto Alegre/torre residencial na esquina com Av. Sen.
502 Salgado Filho/fachada da Av. Borges de Medeiros ......................................... 298
Figura 161 –SULACAP Porto Alegre/fachada da Av. Sen. Salgado Filho. ...... 298
Figura 162 – Edifício SULACAP Porto Alegre. ................................................. 299
Figura 163 –Sul América Porto Alegre/volume mais baixo. ............................. 300
Figuras 165 –Sul América Porto Alegre/volume mais alto ............................... 301
Figura 165 –Sul América Porto Alegre/acesso principal. ................................. 301
Figura 166 –Sul América Porto Alegre/volume mais baixo/vista aproximada dos
frisos da fachada. ............................................................................................. 301
Figura 167 – SULACAP Porto Alegre. Paredes do térreo revestidas em granito.
.......................................................................................................................... 302
Figura 168 – SULACAP Porto Alegre. Década de 1940/1950 (?) ................... 303
Figura 169 – Carimbo do projeto estrutural do Sul América ............................ 304
Figura 170: Edifício SULACAP de Santos. ...................................................... 311
Figura 171: Trecho do jornal A Tribuna, estampando a imagem do projeto da sede
SULACAP de Santos (em destaque). .............................................................. 313
Figura 172: Rua do Comércio com a placa de informação da construção do
edifício (em destaque). ..................................................................................... 314
Figura 173: SULACAP/Santos. .........................................................................318
Figura 174: Perspectiva do projeto do SULACAP/Santos. ...............................318
2. Figura 175: Edifício SULACAP em 2018. .....................................319
Figura 176: Cartão postal com o edifício SULACAP/Santos. ...........................324
Figura 177: Área central de Santos em 1967 - Edifício SULACAP em destaque.
...........................................................................................................................325
Figura 178: Área central de Santos em 2020 – À direita Edifício Itatiaia, à
esquerda Edifício SULACAP. ............................................................................325
Figura 179: Edifício SULACAP Santos, antes da reforma. ...............................328
Figura 180: Base do edifício SULACAP de Santos, durante a reforma. ..........329
Figura 181: Base e acesso principal do edifício SULACAP de Santos, durante a
reforma. .............................................................................................................329
Figura 182: Vista interna do hall do edifício SULACAP de Santos. ..................332
4. Figura 183: Planta do último pavimento (cobertura) do edifício
SULACAP de Santos, projeto original. ..............................................................332
Figura 184: Planta do pavimento tipos do edifício SULACAP de Santos, projeto
original. ..............................................................................................................337 503

Figura 185: carimbo de Roberto Capello no projeto original. ...........................338


Figura 186: Conjunto Arquitetônico SULACAP/Sul América Belo Horizonte/MG –
década 1940. .....................................................................................................341
Figura 187: Planta do projeto de Aarão Reis para o município de Belo Horizonte,
com destaque para a área do Parque Municipal e para as quatro praças em suas
arestas. Em branco está a Praça Tiradentes, onde futuramente seriam
construídos os edifícios sedes da Sul América.................................................343
Figura 188: Edificação dos Correios e Telégrafos. ...........................................344
Figura 189: Planta do quarteirão 34, de 31 de janeiro de 1938, com os lotes 01 e
02 e com a galeria de 10 metros especificada no registro de compra e venda. O
destaque na imagem refere-se à galeria que deveria ser mantida como eixo visual
e de acesso ao viaduto da Avenida Tocantins, atual Viaduto de Santa Teresa
...........................................................................................................................346
Figura 190: Sul América/SULACAP em construção/década de 1940. .............347
Figura 191: Vista do conjunto arquitetônico sem a construção da edificação na
área livre. ...........................................................................................................347
Figura 192: Inauguração das sedes noticiada no O Jornal, do Rio de Janeiro 348
Figura 193: Edificação construída entre as duas torres, obstruindo o
enquadramento do Viaduto Santa Teresa. ...................................................... 349
Figura 194: Projeto Executivo de Arquitetura para a edificação entre as
torres/Pavimento Térreo. O destaque na imagem mostra a galeria exigida pela
Prefeitura Municipal no contrato de compra e venda do imóvel. ..................... 351
Figura 195 – Vista do conjunto a partir do viaduto de Santa Teresa/década de
1950, com destaque para os três pavimentos acima do térreo. ...................... 355
Figura 196 – Maquete do conjunto arquitetônico SULACAP/Sul América de Belo
Horizonte/destaque para a fachada voltada para o viaduto Santa Teresa ...... 356
Figura 197 – Vista aérea do conjunto, com destaque para os quatro pavimentos
acima do térreo e acréscimo de área do pavimento térreo da torre mais baixa do
Sul América. ..................................................................................................... 356
Figura 198 – Planta pavimento térreo do edifício Sul América - Projeto original
arquivado da administração do condomínio, com destaque para as áreas livres,
atualmente construídas. ................................................................................... 358
504 Figura 199 – Planta pavimento térreo do edifício Sul América, situação atual.358
Figura 200 – Entorno urbano, com destaque para o conjunto arquitetônico/década
de 1940. ............................................................................................................ 360
Figura 201 – Entorno urbano, com destaque para o conjunto arquitetônico/1961
e a área do Parque. .......................................................................................... 360
Figura 202 – Bulevar da Afonso Pena – década de 1950 – em destaque o conjunto
arquitetônico. .................................................................................................... 361
Figura 203 – Corte das árvores da Afonso Pena – 1963 – em destaque o conjunto
arquitetônico. .................................................................................................... 361
Figura 204: Feira de Amostras/Belo horizonte. ................................................ 366
Figura 205 – Vista do bairro Floresta para o Viaduto de Santa Teres/década de
1950. ................................................................................................................. 368
Figura 206: Vista do conjunto a partir do Viaduto Santa Teresa. .................... 369
Figura 207: Edifício Acaiaca, vizinho ao SULACAP/Sul América .................... 370
Figura 208: Vista aérea do conjunto arquitetônico - 2019................................ 371
Figura 209: Vista da torre Sul América............................................................. 372
Figura 210: Vista das marquises dos pavimentos térreo, que se unem nos pilares
voltados para o Viaduto Santa Teresa. .............................................................373
Figura 211: Vista aérea do entorno. ..................................................................374
Figura 212: Circulação do penúltimo pavimento, de pé-direito duplo, destinado
aos empregados. ...............................................................................................376
Figura 213: Circulação entre o Sul América e a edificação descaracterizante (em
destaque)...........................................................................................................377
Figura 214: Assinatura do arquiteto em um dos pilares de sustentação das
marquises. .........................................................................................................378
Figuras 215, 216 e 217: Vistas internas do apartamento original.....................378
Figura 218: Planta térreo/projeto original edifício Sul américa. ........................382
Figura 219: Edifício SULACAP/Salvador-década de 1950. ..............................385
Figura 220: Edifício Sul América/Salvador........................................................386
Figuras 221 – Palace Hotel/destaque para as edificações vizinhas demolidas para
a construção do Sul América ............................................................................387
Figura 222: Construção do edifício Sul América/Salvador. ..............................388
Figura 223: Hotel Sul Americano (em destaque), demolido para a construção do 505

SULACAP. .........................................................................................................390
Figura 224: Demolição do Hotel Sul Americano para a construção do SULACAP.
...........................................................................................................................390
Figura 225: Edifício SULACAP em construção. ................................................391
Figura 226 – Perspectiva do projeto da sede da SULACAP de Salvador. .......394
Figura 227 –Fotografia da década de 1950 Edifício Sulacap/Salvador. ...........394
Figura 228 – Edifício Sulacap Salvador/2018. ..................................................394
Figura 229 – Aspecto do entorno do edifício SULACAP na década de 1950. Os
sobrados à direita na imagem foram demolidos posteriormente e o terreno foi
utilizado para estacionamento...........................................................................396
Figura 230 – Aspecto do entorno do edifício SULACAP. Um dos sobrados
remanescentes da demolição do conjunto, provavelmente década de 1970. ..397
Figura 231: Rua Chile - Edifício Sul América/Salvador – em destaque............398
Figura 232: Entorno da Rua Chile e Praça Castro na atualidade/Edifício Sul
América (esquerda) e SULACAP (direita) /Salvador – em destaque. ..............398
Figura 233 – Planta de Salvador, 1549 – com destaque para a Rua Chile. .....400
Figura 234 – Recepção dos chilenos na Praça Municipal – ao fundo a Rua Direita
do Palácio. ........................................................................................................ 401
Figura 235 – Planta de Salvador-1894/destaque para a Rua Chile................. 403
Figura 236 – Edificação da Secretaria (atual Palácio dos Esportes), à esquerda;
e sede do jornal A Tarde (à direita). Acesso à Rua Chile. Década de 1940.... 404
Figura 237 – Praça Castro Alves já com a construção do SULACAP. .......... 405
Figura 238 – Praça Castro Alves década de 1990........................................... 406
Figura 239 – Rua Chile, com destaque para o Sul América. ........................... 407
Figura 240 – Rua Chile, com destaque para o Sul América em 2020. ............ 407
Figura 241 – Sul América/Salvador .................................................................. 409
Figura 242 – Coroamento do edifício Sul América/Salvador ........................... 410
Figura 243 – Fachada da Rua Chile Sul América/Salvador ............................. 410
Figura 244 – Fachada da Rua da Ajuda/Sul América ...................................... 411
Figuras 245 e 246– Portada do edifício Sul América ....................................... 411
Figura 247 – Edifício SULACAP/Salvador........................................................ 412
Figuras 248 – Um dos acessos ao edifício SULACAP/Salvador. .................... 412
506 Figuras 249 – Vista da base e oroamento do edifício SULACAP/Salvador. .... 413
Figuras 250 – Coroamento do edifício SULACAP/Salvador. ........................... 414
Figuras 251 – Claraboia do SULACAP/Salvador. ............................................ 415
Figuras 252 – Vão central do SULACAP/Salvador. ......................................... 415
Figura 253: Edifício Sul América Fortaleza/2016. ............................................ 425
Figura 254: Praça do Ferreira na década de 1950. Edifício Sul América e a Coluna
da Hora. ............................................................................................................ 427
Figura 255: Edifício Sul América e o Abrigo Central ........................................ 428
Figura 256: Edifício Sul América e Casa Albano. À direita, marquise do Abrigo
Central – após 1953. ........................................................................................ 429
Figura 257: Edifício Sul América na década de 1960. Nota-se o edifício vertical
vizinho (Hotel Savanah) em construção, após a demolição da Casa Albano.. 430
Figura 258: Edifício Sul América em 1950. ...................................................... 431
Figura 259: Edifício Sul América em 2016. ...................................................... 431
Figura 260: Praça do Ferreira na década de 1940, com o Hotel Excelsior ao fundo.
.......................................................................................................................... 434
Figura 261: Praça do Ferreira na década de 1950, com o Hotel Excelsior e edifício
Cine Luis............................................................................................................435
Figura 262: Praça do Ferreira na década de 1960, Edifício Sul América em
destaque. ...........................................................................................................436
Figura 263: Palácio Progresso, de José Liberal de Castro...............................439
Figura 264: Entorno da Praça do Ferreira década de 1960 (antes de 1968). ..440
Figura 265: Entorno da Praça do Ferreira no século 21/ Edifício Sul América à
direita. ................................................................................................................440
Figura 266: Hotel Excelsior, em 1933 (à direita) ...............................................441
Figura 267: Edifício Sul América/Fortaleza. Vista da Praça do Ferreira...........442
Figura 268: Edifício Sul América/Fortaleza Vista da Rua Floriano Peixoto. .....442
Figura 269: Coroamento do Edifício Sul América .............................................443
Figura 270: Coroamento e parte do corpo do Edifício Sul América..................444
Figura 271: Vista do hall principal. ....................................................................445
Figura 272: Comunicado da Prefeitura Municipal de Fortaleza sobre a ausência
de dados relativos à sede Sul América. ............................................................454
Figura 273: Capa da Revista Sul América – Fonte: Acervo Sul América. ........456 507

Figura 274 – Portada do edifício Sul América de Salvador. .............................461


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