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Macunaíma: a representação da antropofagia no filme de Joaquim

Pedro de Andrade
Antonio do Nascimento Junior,
Filipe Joshua dos Santos Milla, Kauany Zantut

O filme de 1969 dirigido por Joaquim Pedro de Andrade - adaptação da obra


homônima de Mário de Andrade - foi lançado em um contexto conturbado, menos de
um ano após a instauração do Ato Institucional n.º 05, ao mesmo tempo em que, como
movimento organizado, acabara de acontecer o movimento do Tropicalismo, um
movimento de ruptura que seguia muito próximo às ideias modernistas.
“Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.”1

No decorrer do filme, vemos a jornada de Macunaíma, “o herói sem nenhum


caráter”, no filme nascido já grande, interpretado por Grande Otelo, tem seu nascimento
comemorado por seus irmãos, que o erguem e celebram. Desde cedo já é retratado como
um parasita, aproveitando tudo que não vem de si, o que pode ser interpretado como
uma alusão à ideia de antropofagia do movimento modernista. Essa ideia está presente
durante todo o filme de diversas maneiras, seja nas cores em tela no início e no fim do
filme – a cor vermelha vibrante no início que já dá indícios da cena final do filme (o
sangue vermelho pulsante cobrindo sua jaqueta verde), apresenta a ideia de um ciclo,
em que se repetem os padrões de deglutição de obras presente na primeira fase do
Modernismo brasileiro – ou na morte de Macunaíma pela sereia Uiara, preconizando o
conceito de Macunaíma ser devorado por sua própria terra.
Em análise ao contexto histórico, pode ser correlato a obra de Manuel Bandeira,
Libertinagem (1930), que exemplifica e discorre à cerca da Antropofagia, o consumo de
obras estrangeiras para o processo de criação de obras que representassem o Brasil;
apresentando oposição às formas predominantemente usadas no Brasil entre o período
de transição dos séculos XIX e XX. Os 38 poemas da coletânea fogem do uso de
métricas e formas fixas apresentando textos curtos, rompendo o poético tradicional com
o uso do lirismo para falar de cotidiano brasileiro, seja em português ou em outros
idiomas.
Advindo de uma obra de Hélio Oiticica, Tropicália (1967), é delineado o
conceito do movimento homônimo que evidencia a cultura brasileira e seus referenciais
– estrangeiros – no centro da discussão sobre a indústria cultural, ao mesmo tempo
incorporava-se fortemente as influências da Bossa Nova.
“Sobre a cabeça, os aviões

Sob os meus pés, os caminhões

Aponta contra os chapadões

Meu nariz”²

1
Trecho do Manifesto Antropófago, publicado em 1928 por Oswald de Andrade
² Tropicália, música de Caetano Veloso, lançada em 1968.
Conforme dito pelo próprio Joaquim Pedro de Andrade “Macunaíma mostra que
o balão inchado e colorido do tropicalismo estava furado mesmo e tinha que se esvaziar,
do mesmo jeito que Macunaíma, personagem, festeja muito, mas acaba sendo comido
pelo Brasil”. Sob essa perspectiva, é possível comparar o personagem a uma
representação da Tropicália, visto que ele – ainda que um pícaro, malandro – continua
sendo ingênuo, cedendo às suas vontades e, assim, sucumbindo perante Uiara.
Em retorno aos simbolismos das ideias antropofágicas, é possível estabelecer um
paralelo entre as ideias modernistas e as vestimentas dos personagens, como apontado
por Randal Johnson, a presença de suas roupas e objetos ocidentalizados em meio a uma
tribo supostamente isolada, como a de Macunaíma, sugere a devoração de seus donos
originais. Junto à isso, há a presença do personagem Venceslau Pietro Pietra – gigante
Piaimã comedor de gente – e sua família, que em dado momento da história tenta
devorar Macunaíma, que acaba escapando. Ao fim do filme, tentando recuperar a pedra
Muiraquitã, Macunaíma é convidado a um jantar na casa do gigante, onde encontra uma
piscina cheia de cadáveres, da qual escapa por pouco, logo após enganando Venceslau e
o empurrando para a piscina.
Em suma, apesar de Joaquim Pedro de Andrade ser contrário à “onda
tropicalista”, como chama em uma entrevista Affonso Beato, podemos perceber as
ideias do movimento presentes em seu longa-metragem. Não obstante, também
podemos correlacionar diversas partes do filme com o movimento modernista e, mais
especificamente, com o movimento antropofágico de Oswald de Andrade, assim
tornando o filme Macunaíma uma síntese de tais movimentos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Andrade, Oswald de. Manifesto Antropófago. In: Revista de Antropofagia.


Reedição da Revista Literária publicada em São Paulo – 1ª e 2ª dentições – 1928- 1929.
São Paulo: CLY, 1976. p. 1.
Veloso, Caetano. Tropicália. Rio de Janeiro: Philips Records. 1968
HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Macunaíma: da literatura ao cinema. Rio
de Janeiro: J. Olympio: Empresa Brasileira de Filmes, 1978.
JOHNSON, Randal. Literatura e cinema: Macunaíma do Modernismo na
literatura ao Cinema Novo. São Paulo: T. ª Queiroz, 1982.

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