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CONDIÇÕES DE TRABALHO DE PARTEIRAS TRADICIONAIS:

ALGUMAS CARACTERÍSTICAS NO CONTEXTO DOMICILIAR RURAL

WORKING CONDITIONS OF TRADITIONAL BIRTH ATTENDANTS:


SOME CHARACTERISTICS AT HOME AND RURAL CONTEXT

Lucineid-e Frota Bessa*

B E S S A . L.F. C o n d i ç õ e s d e t r a b a l h o d e p a r t e i r a s t r a d i c i o n a i s : a l g u m a s c a r a c t e r í s t i c a s n o c o n t e x t o d o m i c i l i a r rural. R e v . E s c . E n f . U S P ,
v.33, n.3, p.250-4, set. 1999.

RESUMO

Este é um- estudo de abordagem qualitativa e dialética, que tem como objetivo an-alisar as condições de trabalho da
porteira tradicional, numa perspectiva de trabalho reprodutivo e, portanto, desvalorizado economicamente. A análise
foi construída, lendo como categoria central o trabalho à partir de pressupostos marxista e feminista. Os resultados
obtidos nos permitem afirmar que as parteiras realizam seu trabalho em precárias condições materiais, financeiras,
relativas ao transporte e ao acesso e, ainda, ao ambiente de trabalho. A análise dessa prática nos proporcionou
apresentar uma discussão em torno de algumas características do trabalho da parleira tradicional, o qual se caracteriza
como trabalho reprodutivo, desvalorizado economicamente, informal, autônomo e eminentemente feminino.
Se configura, ainda, como uma prática social de saúde popular legitimada pela comunidade. Na prática obstétrica
domiciliar rural evidenciamos relações desiguais, à medida que homens e mulheres realizam atividades diferentes
numa mesma ocupação, cabendo às mulheres as tarefas que reproduzem o papel feminino.

U N I T E R M O S : Parteira leiga. Trabalho feminino. Condições de trabalho.

ABSTRACT

This is a study of qualitative and- dialectical approach, which subject is to analize the working conditions of the
traditional birth attendants, in a reproductive perspective of work, and for this reason, economically undervalued.
The analysis has been constructed having as central category the work, under marxisl and feminist premises. Obtained
results permit, us to state these traditional birth attendants do their work in material and financial poor conditions,
related to transportation, access, and still, working enviroment. The analysis of this practice has given us a possibility
to present a discussion on some trails of the traditional birth- attendant's work, which is characterized as a reproductive
work, economically undervalued, autonomous and eminently feminine. It still configures as a social practice of
popular health, legitimated by the community. In the rural domestic obstetrics practice, unequal relations were in
evidence since men and women play different roles in the same occupation, being women's responsability the
reproduction of the feminine role.

UNITERMS: Midwaves. Practical. Women working. Working conditions.

INTRODUÇÃO

O i n t e r e s s e por i n v e s t i g a r a s condições de da M u l h e r - U F B A e pela p r á t i c a profissional


t r a b a l h o d a s p a r t e i r a s t r a d i c i o n a i s o c o r r e u em e n q u a n t o enfermeira e professora da área de saúde
decorrência de uma antiga inquietude, relacionada da mulher.
com as políticas de s a ú d e que não privilegiam a Por outro lado, e n t e n d e m o s que a definição de
população r u r a l , principalmente, no campo da saúde um problema de pesquisa tem relação com a história
reprodutiva. Essa escolha fortaleceu-se pela nossa de vida e identidade da pesquisadora e orientadora,
vinculação ao GEM- Grupo de Estudos sobre S a ú d e com o contexto histórico e social em que vivem.

* P r o f e s s o r a A s s i s t e n t e d o D e p a r t a m e n t o d e C i ê n c i a s d a S a ú d e da U F A C - U n i v e r s i d a d e F e d e r a l d o A c r e . M e s t r e e m E n f e r m a g e m
pela U F B A .
Sendo assim, procuramos na pesquisa, respostas teórico. A luz das concepções de trabalho produtivo,
para nossas indagações. reprodutivo, gênero e condição feminina, o estudo
A p a r t i r desse olhar, p e n e t r a m o s na foi c o n s t r u í d o . Os p r e s s u p o s t o s dos d o c u m e n t o s
intimidade do trabalho das p a r t e i r a s , atividade que oficiais de s a ú d e e as contribuições de pesquisadores
acompanha a história da própria h u m a n i d a d e e, (pie se dedicaram ao estudo das práticas sociais de
particularmente, a história da mulher. Por muitos s a ú d e também foram facilitadores da análise.
milênios foi considerada uma prática eminentemente O universo empírico para o desenvolvimento
feminina, t r a d i c i o n a l m e n t e realizada pelas dessa pesquisa foi a zona r u r a l dos municípios de
mulheres, e somente a p a r t i r do século XIX. com a Rio Branco, Bujari e Porto Acre, r e p r e s e n t a d a por
criação das escolas de medicina no B r a s i l , essa ramais, colônias e seringais, terminologias utilizadas
prática foi incorporada pelos médicos. para designar localidades rurais.
As f a l h a s no s i s t e m a de s a ú d e e a s As localidades r u r a i s e s t u d a d a s estão situadas
desigualdades sociais e regionais p r e s e n t e s no E s t a d o do A c r e e foram s e l e c i o n a d a s
principalmente nas zonas rurais, possibilitam, ainda considerando-se a facilidade de acesso ao local, a
no século presente, a atuação das p a r t e i r a s . distância e, ainda, ter n e s s a s localidades p a r t e i r a s
Embora a assistência institucional ao parlo se q u e f a z i a m p a r t e do c a d a s t r o r e a l i z a d o p e l a
constitua num direito já assegurado, boa p a r l e das pesquisadora.
mulheres não tem acesso real a esse benefício. Sendo Ao l o d o foram estudadas ll(onze)
assim, a comunidade r u r a l , vivendo em condições comunidades r u r a i s e e n t r e v i s t a d a s 20(vinte)
de total isolamento, utiliza o trabalho da part cira p a r t e i r a s , as q u a i s , e s t a v a m s i t u a d a s em dois
não apenas para resolver problemas de saúde, mas grupos:
também, como alternativa para resolver alguns dos a) p a r t e i r a s / a g c n t c do s a ú d e ; 1

problemas sócio-econômicos. 2
b) p a r t e i r a s .
Por outro lado, a m u l h e r p a r t e i r a , como dona
A coleta procedeu-se no período de março a
de casa e como trabalhadora, passa pela dificuldade
junho de 1996 e a técnica utilizada foi a entrevista
de conciliar as responsabilidades domésticas no lar
semi e s t r u t u r a d a , realizada com apoio de gravações
e fora dele. já que tanto no mundo privado da família
e anotações em diário de campo.
como no mundo trabalho, ela a s s u m e as tarefas
domésticas e as relacionadas com o cuidado.
Considerando toda a problemática que envolve
o trabalho da parteira, decidimos realizar a presente AS PESSOAS ESTUDADAS
pesquisa, procurando identificar, no contexto rural,
as c o n d i ç õ e s de t r a b a l h o d a s p a r t e i r a s e a s As p a r t e i r a s t r a d i c i o n a i s i n v e s t i g a d a s
características deste. possuem idades que v a r i a m e n t r e 36 a 82 anos,
Partimos da hipótese de que o t r a b a l h o da caracterizando-se, p o r t a n t o , em m u l h e r e s de média
p a r t e i r a p o s s u i c a r a c t e r í s t i c a s s e m e l h a n t e s ao e avançada idade, prevalecendo a faixa etária que
trabalho doméstico e a p r e s e n t a , portanto, aspectos c o n c e n t r o u - s e na escala de 51 a 55 a n o s . Essa
similares ao trabalho denominado de reprodutivo. p r e d o m i n â n c i a está c o n d i z e n t e com a l i t e r a t u r a
p e r t i n e n t e , conforme T A R G I N O (1992). BRASIL
Nesse sentido, este é um estudo de abordagem
(1994) e ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE
qualitativa e dialética, que tem como objetivo analisar
(1992).
as condições de trabalho da parteira tradicional, numa
perspectiva de trabalho reprodutivo. O n ú m e r o médio de filhos que as p a r t e i r a s
tiveram (09) g u a r d a relação com a experiência de
vida dessas m u l h e r e s com a p a r t u r i ç ã o . a qual é
outorgada pela sua auto-observação em parir e pelos
TRAJETÓRIA METODOLÓGICA p a r t o s que realizam nas filhas, netas, noras,
vizinh as.
Para atingir o objetivo proposto A participação de dois homens parteiros nesta
fundamentamos a investigação nas abordagens pesquisa não altera o perfil sexual das pessoas que
marxista e feminista, as quais serviram de suporte realizam o p a r t o no domicílio, caracterizado como

A g e n t e s de S a ú d e c o n t r a t a d o s p e l a S e c r e t a r i a E s t a d u a l d e S a ú d e • S E S A C R E . q u e a l é m d e s u a s a t i v i d a d e s , r e a l i z a m o p a r t o no
domicílio rural, por s o l i c i t a ç ã o da própria c o m u n i d a d e . Nilo s e t r a t a do a g e n t e d e S a ú d e v i n c u l a d o s ao P A C S - P r o g r a m a d e
Agentes Comunitários de Saúde.
M u l h e r e s ou h o m e n s q u e . por t r a d i ç ã o , r e a l i z a m o p a r l o n o d o m i c í l i o r u r a l . P o p u l a r m e n t e silo c o n h e c i d a s c o m o p a r t e i r a l e i g a ,
curiosa, m a d r i n h a , e n t r e o u t r a s d e n o m i n a ç õ e s , q u e v a r i a m a d e p e n d e r da c u l t u r a local.
e m i n e n t e m e n t e fominino. A p r e d o m i n â n c i a da familiares e ao recém-nascido, caracterizando-se
mulher auxiliando uma o u t r a no momento do parto, como t r a b a l h o reprodutivo. O trabalho da parteira
está associada â fatores c u l t u r a i s que d e t e r m i n a m se diferencia do t r a b a l h o denominado de produtivo,
regras de comportamentos e concepções acerca da porque não está associado à criação da mais valia,
moralidade e dos bons costumes. Esses fatores estão ao v a l o r de m e r c a d o r i a , v a l o r de t r o c a p r e -
e n r a i z a d o s na h i s t ó r i a da m u l h e r , a q u a l tem determinado. A modalidade de pagamento, como
moldado e d e t e r m i n a d o o perfil feminino o o da forma de retribuição ao seu trabalho, é estabelecida
ocupação de p a r t e i r a s . O q u a n t i t a t i v o de m u l h e r e s segundo as possibilidades das m u l h e r e s assistidas
na ocupação de p a r t e i r a s tradicionais está vinculado, e, s e n d o a s s i m , s u a p r á t i c a n ã o i m p l i c a em
sobretudo, com a própria identidade das p a r t e i r a s e p a g a m e n t o por serviços p r e s t a d o s . Possui caráter
das mulheres assistidas serem mães. h u m a n o o s o c i a l , e n f a t i z a d o por e l e m e n t o s de
Como se pode perceber, a maioria das p a r t e i r a s natureza afetiva, tais como amor, caridade, bondade,
não tinha escolaridade, realidade que condiz com o solidariedade.
contexto em que elas vivem, r e p r e s e n t a d a por uma A análise foi construída tendo como categoria
qualidade de vida r u r a l subdesenvolvida, onde central o t r a b a l h o . Os elementos que perpassam o
predominam precários níveis de educação. t r a b a l h o da p a r t e i r a , e que r e t r a t a m as
Das p a r t e i r a s relacionadas, a p e n a s 2 (duas) características e as condições em que o mesmo se
afirmaram ter realizado t r e i n a m e n t o s específicos desenvolvo, serviram de suporte para a construção
para p a r t e i r a s , embora não soubessem informar o d a s s u b c a t e g o r i a s e m p í r i c a s : o trabalho da
ano em q u e o fizeram nem as i n s t i t u i ç õ e s q u e parteira tradicional e assistência ao parto; o
promoveram tais cursos. Elas d e m o n s t r a v a m trabalho da parteira tradicional e condição
d i f i c u l d a d e s p a r a i d e n t i f i c a r d a t a s , n o m e s de feminina; o trabalho da parteira tradicional e
pessoas, instituições o não a p r e s e n t a v a m reprodução de relações desiguais; o trabalho
documentos que comprovassem participação nesses da parteira tradicional e legitimidade social;
treinamentos. E n t r e as justificativas apontadas para o trabalho da parteira tradicional e práticas
não apresentá-los apareceram: constantes m u d a n ç a s terapêuticas populares na assistência ao parto.
de domicílios e tê-los g u a r d a d o em casa de filhos(as) Os resultados obtidos nos permitem afirmar,
ou p a r e n t e s (pio na prática obstétrica domiciliar, as p a r t e i r a s
r e p r o d u z e m o p a p e l f e m i n i n o , como se pode
verificar no relato abaixo.
LOCALIDADES ESTUDADAS "Depois que. o menino nasce, corto o
umbigo, ajeito a criança- bem ajeitadinha
com os paninhos que tem. Se for de noite,
As l o c a l i d a d e s v i s i t a d a s apresentam
faço um caldinho da caridade, que outra
características s e m e l h a n t e s , relativas ás condições
coisa não tem. Quando o dia amanhece,
de acesso, tipo de t r a n s p o r t e , iluminação o infra
mato a galinha, boto no fogo, pego
e s t r u t u r a s a n i t á r i a , por sinal, b a s t a n t e precárias.
aquelas roupas sujas do parto e vou
O acesso ó difícil no i n v e r n o , s e n d o a i n d a m a i s
lavar. Depois estendo tudo para secar e
dificultado por acasião do verão.
vou cuidar do almoço da mulher. Faço
A maioria d a s l o c a l i d a d e s e s t u d a d a s não um pirão escaldado do caldo da galinha
possui i l u m i n a ç ã o p ú b l i c a , s e n d o a i l u m i n a ç ã o e dou para a mulher almoçar...na hora
g a r a n t i d a p o r i n t e r m é d i o de l a m p a r i n a s e de dormir, fico com o bebê. Quando
candeeiros. As "porongas", espécie de luminária quo chora, levanto e vou fazer um chá de
funciona â querosene, proporciona a iluminação dos alfazema. Eu durmo com a criança
p e r c u r s o s no p e r í o d o n o t u r n o . E l a s s ã o porque a bichinha fica gelada, são
t r a n s p o r t a d a s fixadas á cabeça das p a r t e i r a s , poucos paninhos". ( P. eut. N° 5).
promovendo um g r a n d e clarão n a s m a t a s .
F a l a n d o dos p a p é i s d e s e m p e n h a d o s pela
m u l h e r na família e i d e n t i d a d e feminina,
BRUSCHINI: SARTI (1992) afirmam que o próprio
ANÁLISE E DISCUSSÃO processo de socialização encarregou-se de fazer com
que as m u l h e r e s assumissem as responsabilidades
A a n á l i s e dos d i s c u r s o s d a s p a r t e i r a s pelos a f a z e r e s d o m é s t i c o s como s u a s . Essa
confirmou a hipótese levantada na pesquisa, de (pie constatação é reafirmada por FERREIRA (1994). A
o t r a b a l h o de p a r t o realizado no domicílio r u r a l referida a u t o r a , e s t u d a n d o a m u l h e r e os serviços
determina, âs m u l h e r e s p a r t e i r a s , a realização de do s a ú d e em u n i d a d e s básicas de Salvador - BA,
outras atividades domésticas dirigidas á parturiente, afirma que as p r ó p r i a s m u l h e r e s não reconhecem
as a t i v i d a d e s como t r a b a l h o , reflexo de uma A dureza do trabalho, as longas caminhadas,
ideologia que se construiu em torno da mulher, as privações e as dificuldades relatadas pelas
responsabilizando-a pelas tarefas manuais, cuidado p a r t e i r a s com r e l a ç ã o à f a l t a de material,
com a casa, filhos e marido. Essa questão, a nosso t r e i n a m e n t o , t r a n s p o r t e , a c e s s o dificultado e
ver, tem favorecido a desvalorização econômica a m b i e n t e de t r a b a l h o p r e c á r i o r e p r e s e n t a m
atribuída pelo Estado e pelas próprias mulheres condições desfavoráveis ao bom desempenho de suas
rurais, ao trabalho desenvolvido pelas parteiras. funções; além disso, favorecem a diminuição da
Por outro lado, o fato das mulheres assumirem capacidade física e psíquica das p a r t e i r a s . As
as a t i v i d a d e s d o m é s t i c a s como s u a s e s t á referidas condições adversas expressam, também,
condicionado à fatores culturais que, ainda hoje, uma condição de vida margeada por sentimentos de
concorrem para reter a m u l h e r no lar e para medo, incerteza, insegurança e tensões.
c o n d i c i o n á - l a à s i t u a ç ã o de r e p r o d u t o r a e Sentimentos ambivalentes, tais como medo e
responsável pelos filhos. coragem, alegria e tristeza, sofrimento e prazer,
A pesquisa demonstrou ainda, que o trabalho apareceram por diversas vezes nos discursos das
da parteira reforça a s u b o r d i n a ç ã o e s u b m i s s ã o entrevistadas. Através dos sentimentos negativos,
f e m i n i n a , à medida em que se evidenciam, numa demonstraram ter consciência dos riscos de vida a
mesma ocupação, tarefas d i f e r e n c i a d a s e n t r e que a mulher e o recém-nascido estão sujeitos,
mulheres e homens, como veremos a seguir. quando um parto se realiza no domicílio rural. Elas
têm consciência de que sen conhecimento
" Eu não faço esse serviço de casa, eu técnico limitado dificulta a sua atuação, e
dou toda a assistência no parto, e aí a d e s t e m o d o , a p r e s e n t a r a m e x p e c t a t i v a s frente
parteira que está comigo faz um caldo, a treinamentos.
dá uma massagem, faz um chá, e eu fico
Os sentimentos positivos, entre eles, alegria e
lá até a mulher ganhar menino. Depois,
satisfação, estão relacionados com o êxito no trabalho
o parto fica por conta da parteira. Esse
e, desta forma, significam reconhecimento, status e
negócio de dar banho em menino, serviço
valor social.
de casa/ Isso não é. coisa pra homem". (
P. ent, n" 09). Esses sentimentos contraditórios ocorrem em
decorrência das precárias condições de trabalho da
Como observamos, há uma relação desigual p a r t e i r a . S e por um l a d o s e u t r a b a l h o g e r a
entre homens e mulheres, determinando à mulher s e n t i m e n t o s de solidariedade, amor, carinho e
parteira um estatuto de dependência e submissão bondade, porque oportuniza "a vida", por outro
em relação aos homens parteiros. l a d o , c o n v i v e m com f e n ô m e n o s t a i s como
As a t i v i d a d e s d o m é s t i c a s r e a l i z a d a s por desigualdade social e morte.
ocasião da assistência ao parto, só foram percebidas Sua prática se configura como uma prática
como atividades realizadas por pessoas do sexo p o p u l a r , r e c o n h e c i d a e r e s p e i t a d a pela sua
feminino, predominância esta que tem raízes na comunidade. Ela se concretiza através das orações, do
história da mulher, uma história marcada por uso de plantas medicinais, de superstições e de
episódios que envolvem subordinação, submissão, simpatias. Embora e s s a s práticas não sejam de
exploração e discriminação. Sobre essa questão, credibilidade de todas as parteiras, a fé é incorporada
CARVALHO NETO (1991, p.l) assim se posiciona: como regra e parâmetro para que o trabalho de parto
aconteça sem maiores problemas, independentemente
"Em verdade, a mulher tem sido
da religião a que pertencem. No trato com as mulheres,
secularmente discriminada. Ora presa
apresentam senso de responsabilidade, respeito,
às tarefas domésticas, nas funções de
n e c e s s i d a d e de maiores c o n h e c i m e n t o s sobre a
esposa-mãe, divorciada de um mundo
assistência ao parto e solidariedade.
convertido em espaço dos homens, ora
inferiorizada por uma inserção menos
valorizada no mercado de trabalho".
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Verificamos, ainda, que as condições de trabalho
das parteiras são determinadas pelos problemas Por n ã o v i s u a l i z a r m o s , a t é o p r e s e n t e
decorrentes das condições sócio-econômicas e culturais, m o m e n t o , c o m p r o m e t i m e n t o político com essa
sobretudo, da deficiência do serviço de saúde local, que camada pobre da população, aqui constituída pelas
não está estruturado para atender a população rural, m u l h e r e s r u r a i s , e a i n d a , por r e c o n h e c e r m o s
nem organizado para apoiar o trabalho que as socialmente a importância do trabalho das parteiras
parteiras desenvolvem, Elas realizam o parto no no âmbito rural, consideramos a ocupação de
domicílio por uma necessidade social. parteiras tradicionais uma prática social necessária.
Vale destacar, que embora a g e s t a ç ã o se REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
constitua em um estado fisiológico, existem riscos
de óbito e complicações, aos quais tanto a mãe como B R A S I L . M i n i s t é r i o da S a ú d e . S e c r e t a r i a d e A s s i s t ê n c i a à S a ú d e .
o feto estão expostos. D e p a r t a m e n t o de Promoçflo e Assistência à Saúde.
Coordenaçflo Materno Infantil. D i r e t r i z e s b á s i c a s de
Deste modo, é importante ressaltar que a a s s i s t ê n c i a ao parto d o m i c i l i a r por parteiras
ausência de serviços de referência, para a parteira t r a d i c i o n a i s : P r o g r a m a d e A s s i s t ê n c i a I n t e g r a l à S a ú d e da
e n c a m i n h a r as g e s t a n t e s ou p a r t u r i e n t e s que Mulher. Brasília, 1994.
apresentem riscos, também se constitui em fator de
B R U S C H I N I . C ; S A R T I , C. I T r a n s a l e g a l . S a o P a u l o , E C U S ,
preocupação, já que dificulta a atuação das mulheres
1992. ( T e x t o d e a p o i o ) .
que realizam partos nas zonas rurais, bem como,
coloca em risco a vida das parturientes que têm o CARVALHO NETO. J.F.de. A c o n d i ç ã o da m u l h e r policial
parto distante dos serviços especializados. c i v i l : u m e s t u d o s o b r e a m u l h e r i n s e r i d a no a p a r e l h o policial,
1 9 9 1 . 105 p . D i s s e r t a ç ã o ( M e s t r a d o ) . F a c u l d a d e d e Filosofia
Este fato caracteriza a omissão do Estado na e C i ê n c i a s H u m a n a s , U n i v e r s i d a d e F e d e r a l da B a h i a .
prestação da assistência materna rural e, ainda, a
falha do sistema de saúde, já que o direito à saúde é F E R R E I R A , S.L. A m u l h e r e o s s e r v i ç o s p ú b l i c o s d e s a ú d e :
garantido constitucionalmente. a n á l i s e d o p r o c e s s o s d e t r a b a l h o e m u n i d a d e s b á s i c a s de
Saivador-BA. Ribeirão P r e t o 1994. 207 p. T e s e (Doutorado).
Estamos conscientes de que o conhecimento E s c o l a d e E n f e r m a g e m d e R i b e i r ã o P r e t o , U n i v e r s i d a d e de
da situação configurada não necessariamente gera Sao Paulo.
c o m p r o m e t i m e n t o s , e que e s t e s d e p e n d e m de
vontade e decisão política dos gestores dos serviços ORGANIZAÇÃO M U N D I A L D E S A Ú D E . P a r t e i r a s l e i g a s : uma
d e c l a r a ç ã o c o n j u n t a . O M S / F N N A P / U N I C E F . G e n e b r a , 1992.
de saúde e da população feminina, para modificar a
realidade existente. TARGINO. R.B. V i s ã o s ó c i o - a n t r o p o l ó g i c a da p a r t e i r a
c u r i o s a : dimensões política-educativa-terapêutica: rezas,
r i t o s , e r v a s . Rio d e J a n e i r o , C u l t u r a M é d i c a , 1 9 9 2 .

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