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Caso Clínico:
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Caso Clínico:
MEDICAMENTOS EM USO: Losartan 100mg/dia, Metoprolol 100mg/dia,
Espironolactona 25mg/dia, Furosemida 40 mg de manhã e 20mg a tarde (Dose da
tarde introduzida há 1 mês devido a K sérico 5,5), Atorvastatina 40mg/dia,
Metformina 1500mg/dia, Gliclazida 60mg 2x/dia
AO EXAME:
Vigil, corado. Sem edemas
-RCR em 2T, TEC < 2seg, PA: 120X70mmHg, FC 66 bpm
-Eupneico, MV presentes, sem RA
-Abdome sem alterações
EXAMES LABORATORIAIS:
Hb 13,1 g/dL.
HbA1C: 6,4%. Nega episódios de hipoglicemias (<70)
LDL: 66 mg/dL
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A/C: 440 mg/g
PERGUNTA 1: Em relação ao tratamento do diabetes,
esse paciente está no alvo terapêutico de controle
glicêmico?
Resposta: Sim. A HbA1C é o parâmetro de escolha para monitorização do con-
trole glicêmico. É confiável nesse caso (não há anemia, DRC 3B sem uso de agen-
tes estimuladores da eritropoiese). Embora esteja com valor < 6,5%, o paciente
não tem apresentado episódios de hipoglicemia, tem elevada expectativa de vida,
comorbidades bem controladas e capacidade de reconhecer e reverter episódios
de hipoglicemia. Apenas precisamos reforçar o cuidado nesse caso devido ao uso
de sulfonilureia (risco de hipoglicemia) e beta-bloqueadores (podem mascarar os
sintomas de hipoglicemia).
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Justificativa: A avaliação do controle glicêmico pode ser feita por meio da
mensuração da hemoglobina glicada (HbA1C) ou pela glicemia capilar, sendo a
HbA1C o parâmetro utilizado pelos grandes ensaios clínicos e apresenta forte valor
preditivo para as complicações do diabetes.
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O valor de HbA1C se correlaciona com a glicemia dos últimos 3 meses. Deve ser
dosada ao menos semestralmente em pacientes estáveis, e para aqueles em
ajuste de medicamentos ao menos trimestralmente.
Entretanto, algumas situações que reduzem a meia-vida das hemácias podem
levar a discrepâncias entre a HbA1C e os valores de glicemia, tais como anemias
hemolíticas, transfusão sanguínea recente, DRC e uso de agentes estimuladores
da eritropoiese. Além disso, é importante saber qual método laboratorial é utiliza-
do para determinação da HbA1C, uma vez que a eletroforese em gel ágar superes-
tima a dosagem da HbA1C na presença de valores elevados de ureia.
O uso da glicemia capilar tem papel relevante principalmente quando há frequen-
tes oscilações da glicemia, maior risco de hipoglicemia, nos pacientes em uso de
insulina e nas situações em que a HbA1C é menos confiável.
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Causas de inacurácia na dosagem da HbA1C na DRC
Alvo de HbA1C
KDIGO 2020: faixa ideal que varia de < 6,5% até < 8,0%, determinando o
melhor alvo conforme características individuais de cada paciente (1C).
ADA 2021: para a maioria dos adultos < 7,0% sem hipoglicemia. Em alguns
casos, desde que haja segurança, é aceitável alvos terapêuticos inferiores
a 7,0%. Para pacientes com baixa expectativa de vida, ou nos quais o
controle mais intensivo pode ser mais prejudicial do que benéfico,
tolera-se um alvo menos intensivo (< 8,0%).
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< 6,5% HbA1C <8,0%
DRC E1 Estágio DRC DRC E5
Ausentes/Poucas Complicações Macrovasculares Presentes/Graves
Poucas Comorbidades Muitas
Longa Expectativa de Vida Curta
Elevada Capacidade de detecção de Hipoglicemia Baixa
Disponíveis Recursos p/ tratamento de Hipoglicemia Escassos
Baixo Risco de Hipoglicemia com o TTO Alto
Figura 1. Alvo de HbA1C
Alvo de Glicemia
Jejum: 70-130 mg/dL
Pós-prandial: < 180 mg/dL
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PERGUNTA 2: Como você avalia o tratamento
do diabetes desse paciente em relação ao
esquema hipoglicemiante?
Resposta: Embora o esquema esteja atingindo o alvo terapêutico de contro-
le glicêmico, lembrando que nosso paciente tem DM2 + doença aterosclerótica es-
tabelecida + IC FE reduzida + DRC 3B A3, a melhor associação para ele seria metfor-
mina + inibidor de SGLT2.
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Além da intolerância gastrointestinal (efeito adverso mais frequente), devemos
estar atentos a deficiência de vitamina B12 associada a redução na sua absorção
em usuários crônicos da metformina (mais de 4 anos) e ajuste na sua dose confor-
me redução da TFG.
KDIGO 2020:
- Nós recomendamos tratar com metformina pacientes com DM2, DRC e
TFG ≥ 30ml/min/1,73m2 (1B).
- Nós recomendamos tratar com iSGLT2 pacientes com DM2, DRC e TFG ≥
30ml/min/1,73m2, independente do grau de albuminúria (1A).
ADA 2021:
- Metformina como primeira-linha de tratamento para DM2.
- Para pacientes com doença aterosclerótica manifesta: preferir associa-
ção com iSGLT2 ou análogo de GLP-1.
- Para pacientes com IC (particularmente se FE ≤ 45%) ou com DRC e albu-
minúria: preferir associação com iSGLT2.
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Atividade Física
Terapia de Dieta
estilo de vida Perda de Peso
Elegibilidade Resultado
Estudo (Ano) N Intervenção Evento Adverso
(Conforme TFG) (Desfecho 1º)
Empagliflozina RR 0,86
EMPA-REG (2015) 7020 TFG ≥ 30 Infecção Genital
10 ou 25mg (0,74 - 0,99)
Desfecho Renal**
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Observações:
* Embora os primeiros estudos tenham sido desenhados para avaliar des-
fecho cardiovascular composto, na análise dos desfechos secundários
destacava o impacto do iSGLT2 em reduzir hospitalizações por IC e pro-
gressão da DRC.
** Desfecho primário: entrar em terapia renal substitutiva ou progredir
DRC (CREDENCE: dobrar creatinina; DAPA-CKD: queda ≥ 50% da TFG) ou
morte de causa renal ou cardiovascular.
*** DAPA-CKD: incluiu 32,5% dos pacientes sem DM. Excluiu DRC por Lúpus
Eritematoso Sistêmico, Vasculite, Glomerulopatias em uso de imunossu-
pressores nos últimos 6 meses e Doença Renal Policística Autossômica
Dominante.
**** DAPA-HF: incluiu pacientes com IC com FE ≤ 40%, CF NYHA II, III ou IV
e NT-BNP elevado.
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PERGUNTA 3: Há alguma contraindicação ao uso do
iSGLT2? No momento da sua introdução, quais são os
cuidados e orientações que devem ser adotados?
Resposta: Não há contraindicação para o uso nesse paciente. Contudo,
alguns ajustes na prescrição podem ser realizados para minimizarmos efeitos ad-
versos. Como o paciente apresenta-se euvolêmico (em uso de diurético com dose
aumentada recentemente por hipercalemia) e normotenso, considerando o
efeito natriurético e potencial risco de depleção volêmica do iSGLT2, sugerimos
início do iSGLT2 em menor dose aprovada e redução da dose da furosemida, orien-
tando peso diário e sinais/sintomas de retenção hidrossalina e hipotensão.
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Quanto ao controle glicêmico, embora saibamos que o risco de hipoglicemia com
o uso do iSGLT2 seja baixo, como nosso paciente vem em uso de sulfonilureia e
apresenta já HbA1C abaixo do menor alvo terapêutico (< 6,5%), sugerimos suspen-
são da gliclazida.
Sugerimos retorno ambulatorial em 2-4 semanas para reavaliação da função
renal, tolerância a medicação e efeitos adversos.
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Orientações gerais para o paciente:
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Justificativa: A única contraindicação para introdução do iSGLT2 ainda é a
baixa TFG. A TFG limítrofe recomendada pelas diretrizes para o início da droga é de
30ml/min/1,73m2. Contudo, é importante ressaltar que o estudo DAPA-CKD mos-
trou eficácia e segurança do uso da dapagliflozina em pacientes com TFG ≥ 25ml/-
min/1,73m2. Dessa forma, é provável que esse ponto de corte seja revisado. É fun-
damental também ressaltar que o iSGLT2 é uma classe de hipoglicemiante con-
traindicada para pacientes com DM1 devido a falta de estudos mostrando segu-
rança, e ao maior risco de cetoacidose diabética.
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Os efeitos adversos mais importantes são infecção genital, cetoacidose e risco de de-
pleção volêmica associada à injúria renal aguda. Em apenas um dos estudos, foi evi-
denciado maior incidência de amputações de extremidades e fraturas ósseas.Diante
de pacientes com risco elevado dessas complicações (ex: infecções genituriná-
rias de repetição ou portador de úlcera de extremidades ativa) é fundamental
que seja ponderado o risco e benefício do uso do iSGLT2. A decisão será feita
caso a caso, considerando também a opinião do paciente. Uma vez decidido
introduzir a medicação, deve-se estar atento à necessidade de ajuste de drogas
anti-hipertensivas, hipoglicemiantes e diuréticas.
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Fluxograma para prevenção de eventos adversos ao introduzir o iSGLT2
Hipotensão/Hipovolemia Normotensão/Normovolemia
SIM NÃO
Não iniciar iSGLT2. Corrigir Iniciar iSGLT2 na menor Uso de Insulina ou Hipoglicemias
distúrbios. Reduzir dose de dose aprovada e aumentar Sulfonilureia? frequentes?
diuréticos e/ou anti- conforme tolerância.
hipertensivos.
SIM SIM
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conforme tolerância.
monitorização.
PERGUNTA 4: Paciente retorna após 4 semanas do
ajuste das medicações conforme recomendado. Sem
queixas. Nega sintomas de hipotensão. Nega hipoglice-
mias. Peso estável.
Ao exame: PA: 120x70mmHg.
Creatinina 2,32mg/dL. A/C 150mg/g. HbA1C 6,5%.
Qual a sua conduta?
Resposta: Não há necessidade de suspensão da droga pela elevação da crea-
tinina. Os iSLGT2 causam uma modesta redução na TFG inicialmente. Trata-se de
um evento hemodinâmico parcialmente reversível. O benefício a longo prazo na
preservação da função renal acontece independente dessa discreta piora inicial,
não havendo, portanto, justificativa para sua suspensão.
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No nosso caso houve aumento de 15% do valor basal da creatinina sérica.
Embora não haja descrito na literatura um ponto de corte de piora da TFG a partir do
qual devemos reconsiderar a manutenção da droga, considerando que esse aumento
da creatinina está relacionado a um processo hemodinâmico assim como ocorre com
a introdução do iECA ou BRA, acreditamos que em situações com elevações acima de
30% da creatinina basal, precisamos repensar a estratégia.
É fundamental sempre os cuidados com ajustes de anti-hipertensivos, diuréticos e
hipoglicemiantes, conforme já dito acima.
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nhecido feedback tubuloglomerular.
O mecanismo envolve liberação de ATP que induz consequente liberação de adenosina
que, por sua vez, se liga aos receptores presentes na arteríola aferente levando a sua
vasoconstricção. Além do mais, ocorre concomitante inibição local do SRAA, levando a
vasodilatação na arteríola eferente.
Dessa forma, o iSGLT2 reduz a pressão intraglomerular (bloqueando o mecanismo
compensatório de hiperfiltração dos néfrons), o que se manifesta clinicamente por
meio da queda da TFG e proteinúria.
0-
-1 -
-2 -
Taxa de Filtração Glomerular estimada
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TFGe
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0 2 4 8 12 16 20 24 28 32 36
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Dapaglifozina Meses após Randomização
Placebo
PERGUNTA 5: Paciente em seguimento no seu con-
sultório nos próximos 4 anos, evoluindo com piora
progressiva da função renal no último ano.
Trouxe na consulta passada exames com Creatinina
3,05 mg/dL. Retorna com Creatinina 3,12 mg/dL
(TFGe 21ml/min/1,73m2).
Qual a sua conduta em relação ao iSGLT2: suspende
ou mantém?
Resposta: Mantém.
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Justificativa: Embora não haja embasamento para introdução do iSGLT2 com
TFGe < 25ml/min/1,73m2, os dois estudos que avaliaram desfechos renais (CREDENCE e
DAPA-CKD) mantinham a medicação mesmo com o progredir da perda de função renal
até início de diálise ou transplante renal.
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