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CADERNOS DE PSICOLOGIA JURÍDICA

Associação Brasileira de Psicologia Jurídica

Volume 8

NECESSIDADES E DESAFIOS
EM PSICOLOGIA JURÍDICA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA JURÍDICA
CADERNOS DE PSICOLOGIA JURÍDICA
Associação Brasileira de Psicologia Jurídica

Volume 8

NECESSIDADES E DESAFIOS
EM PSICOLOGIA JURÍDICA

NATAL - RN
2022

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA JURÍDICA
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Psicologia Jurídica.

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9.610, de 19/02/1998.

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ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE e João Carlos Alchieri.
PSICOLOGIA JURÍDICA Projeto gráfico e capa: Judson Oliveira.
contato@abpj.org.br Diagramação: Alessandra Trindade.
www.abpj.org.br Fotografia da capa: Umberto Nicoletti (CC BYSA 2.0)

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOLOGIA JURÍDICA

João Carlos Alchieri


Presidente Diretor financeiro

Lívia Sacramento Cândida Helena Lopes Alves


Vice-presidente Diretor científico

Diretor administrativo Representação regional sul

Comissão Editorial da Cadernos de Psicologia Jurídica


Profa. Dra. Cândida Helena Lopes Alves (Editor Chefe e Diretor Científico da ABPJ 2019-2021)
Prof. Dr. João Carlos Alchieri (UFRN - Brasil)
Profa. Dra. Carmen Walentina Amorim Gaudencio Bezerra (UFPB - Brasil)
Prof. Dr. Pedro Fernando Santos Silva da Cunha (UFP – Portugal)
Prof. Dr. Sebastián Urquijo (UNMDP - Argentina)

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte

A849c Associação Brasileira de Psicologia Jurídica


Necessidades e desafios em Psicologia Jurídica [Recursos
Eletrônico]. / Associação Brasileira de Psicologia Jurídica. – Natal:
ABPJ, 2022.
155 p. – (Cadernos de Psicologia Jurídica ; v. 8)

ISBN 978-65-995712-2-0

1. Direito. 2. Psicologia Jurídica. 3. Prática Jurídica. I. Título.


CDU: 340.6
Sumário

Apresentação ...................................................................... 3
Cândida Helena Lopes Alves
João Carlos Alchieri

A formação ao longo da vida: uma visão jurídico-


pedagógica: .......................................................................... 4
Carlos Teixeira Alves
Maria da Piedade Gonçalves Lopes Alves

Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito


judicial em trabalho-saúde? ............................................. 23
Bruno Chapadeiro Ribeiro

Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia


Jurídica brasileira ............................................................. 44
João Carlos Alchieri

Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia:


uma análise crítica e comparativa dos conceitos na
literatura científica ............................................................ 62
Jadson Ramos e Sousa Santos
Tayane Carolina Santos Sousa

A proteção da criança, do castigo ao crime: Breves


Considerações .................................................................... 87
Carlos Manuel Vieira de Matos Barros de Abreu

Atuação da perícia psicológica no contexto criminal ... 103


Gládys Tinoco Corrêa
Lycia Helena Santos Coimbra
Rita de Cássia Ellen Silva Serra
Cândida Helena Lopes Alves

Trabalhadoras da Saúde Vulneráveis a Transtornos


Depressivos: assédio moral, nexo causal e a perícia
psicológica na justiça do trabalho ................................... 119
Kátia S. Bezerra Brasileiro
Laura Pedrosa Caldas
Anna Pessôa

Violência psicológica contra a mulher e as articulações


com a questão de saúde pública .................................... 148
Francisca Morais da Silveira
Taíse de Cássia Garros
Aluizio Torres Costa Neto
Cândida Helena Lopes Alves

Sobre os autores ............................................................. 166


Apresentação

A Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ)


lança no ano de seu 25º. Aniversário o oitavo volume da
coleção Cadernos de Psicologia Jurídica. Trata-se de uma
publicação seriada voltada a atualização profissional cuja
temática Necessidades e Desafios em Psicologia Jurídica, é
dirigida ao intuito de atualizar e instrumentalizar os
conhecimentos técnicos e científicos da área. A ABPJ, mantem
assim o compromisso, assumido nas anteriores gestões, de
atualização, empoderamento dos profissionais e o
desenvolvimento da ciência psicológica.

Desejamos a todos uma ótima leitura!

Cândida Helena Lopes Alves


João Carlos Alchieri
A formação ao longo da vida:
Uma Visão jurídico-pedagógica

Carlos Teixeira Alves


Maria da Piedade Gonçalves Lopes Alves

Introdução

A formação profissional é uma preocupação sentida


pelos trabalhadores, empresários, governantes, académicos de
diferentes áreas e pela opinião pública mais atenta aos
assuntos de ordem política, económica e social. Uma formação
de qualidade, é indutora de um aumento da produtividade.
Isto é, potencia o aumento de riqueza criada por cada hora de
trabalho, a par de outros indicadores inerentes ao clima
organizacional, a uma melhor compreensão da cultura da
organização, melhor higiene e segurança no trabalho e menor
conflitualidade laboral.
Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

A formação é sinónimo de conhecimento. A inicial


proporciona a abertura de uma porta de natureza profissional,
a contínua representa a reciclagem, a atualização, a
comparabilidade com outras experiências, metodologias e
tecnologias. É, muitas vezes, um fator de diferenciação que
confere ao trabalhador um nível de empregabilidade acrescida
e à empresa a posse de um ativo raro e, por isso difícil de
imitar. Segundo o provérbio popular o saber não ocupa lugar.
Ao longo deste trabalho procurámos analisar o ensino
formal e o currículo oculto, a formação profissional, assim
como a importância da O.I.T., numa perspetiva pedagógica e
jurídica. O enquadramento de ordem pedagógica é
incontornável, a ele estão associados aspetos de ordem
estratégica, métodos e técnicas de ensino, a compreensão dos
objetivos, gestão da formação, interpretação do contexto
económico, social, político e cultural. Por outro lado, a
dimensão jurídica é igualmente indispensável. O sentido de
vida em comum num mundo de organizações exige um
sistema de normas jurídicas que regulam as condutas e
estabelecem os direitos e as obrigações, tendo sempre
presente que aprender é um verbo com futuro.

O ensino formal e o currículo oculto

A abordagem da escola como objeto de estudo implica,


compreender a sua história e a sua natureza institucional.
Segundo Magalhães (2004, p. 62) “À noção de instituição
corresponde uma memória, um historicismo, um processo
histórico, uma tradição, em permanente atualização –
totalidades em organização”.

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

Para o Mundo Ocidental, por razões históricas, a


matriz fundadora da escola nasce, afirma-se e desenvolve-se
na Europa. A Antiguidade Greco-Romana deu-nos alguns
alicerces que permitiram os passos seguintes. Com a Idade
Média, multiplicam-se os mosteiros, os conventos, as igrejas
e, à sombra das comunidades religiosas, formam-se pontos de
luz – as escolas.
Com as descobertas marítimas, nas quais os
portugueses desempenharam um papel decisivo, seguido da
colonização europeia de outros continentes, assistiu-se a um
progressivo replicar dos conceitos, modelos, formatos
pedagógicos, enquadramentos políticos, administrativos e
jurídicos noutras latitudes. Primeiro, muito assente numa
componente religiosa em que se destaca o incansável trabalho
dos jesuítas. Depois, foi ganhando forma o peso do Estado,
assim como uma mudança de ordem política, económica,
social e cultural que conduziu a uma maior intervenção dos
poderes públicos no que concerne à abertura, manutenção e
regulação das escolas, por forma a constituir um sistema
educativo que favorece a liberdade de ensinar e de aprender
num ambiente de coexistência do ensino público, privado –
confessional ou não e cooperativo.
O currículo prende-se com a produção, organização e
registo de saberes escolares. No currículo oculto inscrevem-se
as atitudes e valores que são transmitidos através das relações
sociais sem que estejam implícitas no currículo formal. Para
Silva e Tomas, (2010, p. 78) “O currículo oculto é constituído
por todos aqueles aspetos do ambiente escolar que, sem fazer
parte do currículo oficial, explicito, contribuem de forma
implícita, para aprendizagens sociais relevante”. Assim,

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

importa ter presente que é através da construção das


dinâmicas curriculares que se define o perfil do profissional
que se deseja formar ao considerar os objetivos educacionais
em sintonia com os objetivos do individuo e da sociedade.
Currículo tem a sua origem no latim curriculum e tem
como significado o percurso ao longo da carreira. Trata-se,
pois, de uma sequência de conteúdos, definidos socialmente;
prende-se, também, com os conhecimentos que facilitam a
inserção do educando no mercado de trabalho. De acordo com
Britto e Purificação (2017), o currículo é composto por uma
série de subsistemas ou práticas diversas, entre as quais se
encontra a prática pedagógica desenvolvida pelas instituições
escolares que designamos como ensino.
No relatório para a UNESCO, coordenado por Jacques
Delors para a educação no século XXI, apresentam-se quatro
pilares – a saber: Aprender a conhecer, aprender a fazer,
aprender a viver juntos e aprender a ser.
a) Aprender a conhecer - prende-se com a aquisição de
conhecimento, isto é, sobre os processos cognitivos, para
os quais é indispensável a figura do professor ou
formador que ao usar competências científicas, técnicas e
pedagógicas apoia com as metodologias adequadas o
duplo objetivo da especialização e da abertura à cultura
geral;
b) Aprender a fazer – consiste, em boa medida em aplicar,
na prática, os conhecimentos teóricos e, ainda, saber
comunicar, bem como, interpretar e selecionar a
informação de que dispõe;
c) Aprender a viver com os outros – situa-se no domínio dos
valores, das atitudes, da gestão de conflitos, do

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

preconceito e das rivalidades. A História ensina-nos que o


Homem tende a temer o desconhecido e a aceitar o
semelhante. É, pois, um grande desafio;
d) Aprender a ser – A educação deve ter como finalidade o
desenvolvimento do individuo “espirito e corpo,
sensibilidade, sentido estético, responsabilidade pessoal
e espiritualidade”.

A educação do futuro confronta-se com mudanças,


incertezas, alterações tecnológicas, pelo que se verificam
algumas lacunas, cujo preenchimento exigem, segundo Morin
(2011), sete saberes:
1. As cegueiras do conhecimento: o erro e a ilusão;
2. Os princípios do conhecimento pertinente,
3. Ensinar a condição humana;
4. Ensinar a identidade terrena,
5. Enfrentar as incertezas,
6. Ensinar a compreensão; e
7. A ética do género humano

No primeiro caso, o conhecimento é uma tradução. A


tentar reconstruir a realidade, por não ser inteiramente
fidedigno, torna-se vulnerável ao erro.
O segundo princípio, relativo ao conhecimento pertinente,
lida com a dificuldade metodológica do ensino disciplinar que
trata do fragmento e não do todo, aponta como exemplo
paradigmático a economia e as suas múltiplas perspetivas.
O terceiro considera a identidade humana como
indecifrável ao analisar o homem em sociedade.

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

O quarto, ensinar a identidade terrena, implica consciência


antropológica reconhecer a unidade na diversidade, o valor da
ecologia e a dimensão espiritual do Homem.
O quinto, enfrentar as incertezas, supõe que a História não
constitui uma evolução linear, porque o conhecimento é a
navegação num oceano de incertezas, entre arquipélagos de
certezas, pelo que se exige estratégia temperada pela
prudência e pela audácia.
O sexto, ensinar a compreensão, é fundamental para a
humanidade, sem ela não se vencerão os obstáculos da
indiferença, do egocentrismo, do etnocentrismo, e do
sociocentrismo.
Finalmente, o sétimo – a ética do género humano, implica
a humanização da humanidade, isto é, obedecer à vida, guiar
a vida na aceção de Kant: “A finitude geográfica da nossa terra
impõe aos seus habitantes o princípio da hospitalidade
universal, que reconhece ao outro o direito de não ser tratado
como inimigo.”
As novas tecnologias têm transformado os sistemas
produtivos através da automação e digitalização de processos,
produtos e modelos de negócio, bem como, a sua difusão na
sociedade, provocando alterações que colocam novos desafios
à economia, à educação e a outras áreas de algum modo
influenciadas por esta temática. Esta revolução tecnológica
está a modificar a forma como se trabalha, como se vive, com
alterações na dinâmica das relações sociais que implicam uma
adequação dos sistemas educativos (SCHWAB, 2016; SCHWAB;
DAVIS, 2018; RUBMANN et al., 2015).
A indústria 4.0, designada como a Quarta Revolução
Industrial, assenta num conjunto de transformações nos

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

modelos de produção com base em tecnologias disruptivas


nos sistremas da indústria tradicional com o desenvolvimento
da internet e da inteligência artificial. Para Kagermann,
Wahlster e Helbig, (2013, apud SILVA; OLAVE, 2020, p. 86)

A compreensão disseminada da indústria 4.0 está ligada ao


desenvolvimento de redes de trabalho na forma de Sistemas
Ciber-Fisicos (CPS). No ambiente produtivo, esses sistemas
compreendem máquinas inteligentes, sistemas de
armazenamento e equipamento de produção com capacidade
para trocar informações de maneira autónoma, gerenciando os
fluxos produtivos independentemente. Os produtos inteligentes
armazenam seu próprio histórico produtivo, status e rotas
alternativas de produção, podendo ser facilmente localizados
(SILVA; OLAVE, 2020, p. 86)

De acordo com Rubmann et al. (2015), a indústria 4.0


assenta em nove pilares tecnológicos: Big data e Analytics,
Robôs autónomos, Simulação, Internet das coisas,
Cibersegurança, Integração de sistemas, Nuvem, Fabricação
aditiva e Realidade aumentada. Estas tecnologias já são uma
realidade em alguns sistemas de produção. A sua ampliação é
um convite a uma proximidade acrescida entre a academia e a
indústria, através da formação de quadros qualificados e da
investigação aplicada, no sentido de gerar conhecimento,
aprendizagem e inovação.
A incorporação das tecnologias digitais no processo de
ensino – aprendizagem, conduz ao conceito de Educação 4.0
que acentua o papel do professor como facilitador e orientador
e que coloca o aluno no centro deste processo. Ao mesmo
tempo, a era da imagem torna ainda mais premente a
necessidade de que este processo seja atrativo, reforçando
sempre que possível, a relação entre a teoria e a prática.
A modalidade de Educação à Distância tem
experimentado um progresso paralelo ao das tecnologias da

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

informação e comunicação. Com o aparecimento da pandemia


da Covid 19, no princípio do ano de 2020, assistiu-se a uma
aceleração desta modalidade, por forma a garantir a
continuidade do processo de ensino – aprendizagem em todos
os níveis de ensino e, em dezenas de países. Os processos de
ensino tradicional supõem que os alunos e os professores se
encontrem no mesmo espaço e ao mesmo tempo, o que não
acontece na Educação à Distância, pelo que se exige ao
estudante uma disciplina considerável, como assinala
(GARCIA, CARVALHO JUNIOR, 2015).
Estas novas formas de ensinar e de aprender,
comportam a necessidade de incorporar conhecimentos de
informática, disponibilidade de equipamentos, estruturas que
garantam uma internet de qualidade e, ainda, competências
transversais, como a autonomia e o trabalho em equipa. Assim,
representam um enorme desafio para as instituições de
ensino, professores, alunos, autoridades com
responsabilidades de tutela política e administrativa, famílias,
bem como, para os pedagogos, metodólogos e gestores da
educação / formação. Gazza e Hunker (2014) descrevem com
evidência e grande objetividade a preocupação a ter com as
elevadas taxas de insucesso e abandono escolar. A qualidade
educacional exige, pois, uma avaliação da eficiência, eficácia e
efetividade dos processos educacionais e das suas instituições
na aceção de Costa et al. (2018).

A Formação Profissional

A Formação Profissional tende, naturalmente, a


privilegiar um currículo tecnicista, fortemente influenciado

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

pela necessidade de corresponder às exigências do mundo do


trabalho. O modelo tecnocrático é crítico do modelo
humanista clássico, no que concerne à abstração e à suposta
inutilidade para a vida laboral das habilidades e
conhecimentos cultivados. Na nossa opinião, é uma visão
limitada e profundamente errada. Cada formando é um ser
único que traz consigo perceções e ideias singulares. Por outro
lado, a sala de aula é um ambiente dinâmico em mudança
permanente.
A formação profissional dos nossos dias confronta-se
com exigências cada vez mais complexas. O novo cenário
económico, acelerado pela pandemia da Covid 19, em matéria
de digitalização que ampliou a necessidade do teletrabalho e
do e-comerce, a par da inteligência artificial e da robótica,
prometem um mundo diferente que ameaça deixar nas suas
margens aqueles que não se adaptarem ao uso das novas
tecnologias.
A formação que capacita para o trabalho, por forma a
integrar os jovens no mercado de trabalho formal, sobretudo
a juventude socialmente mais vulnerável, tem sido uma
preocupação comum aos governos, organizações
internacionais com o foco nesta matéria, assim como
sindicatos, confederações patronais e dirigentes escolares.
Esta inclusão, contribui para diminuir as desigualdades
sociais, ajudando não raras vezes a escapar à criminalidade, à
pobreza e à exclusão social.
De uma conceção voltada quase exclusivamente para a
aprendizagem do saber fazer, passou-se para outra dimensão
que considera o jovem trabalhador como um profissional em
desenvolvimento que deve aceder a uma educação que inclua

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

a sua formação humana e cívica, na perspetiva da formação do


Homem, do Cidadão e do Trabalhador.
Por norma, os jovens mais pobres entram no mercado
de trabalho mais cedo e em piores condições, com uma
precariedade que pode ser entendida de duas formas: “Trata-
se tanto da tendência a estar nas piores ocupações no mercado
de trabalho, quanto ter a pior remuneração e relações de
trabalho instáveis comparados aos adultos em ocupações
semelhantes.” (PICANÇO, 2015, p. 571).
Com a sucessão de crises económicas, a economia das
duas primeiras décadas do século XXI cresceu, sobretudo nos
países europeus, de forma anémica. Por outro lado, a
democratização do ensino acrescentou uma maior dificuldade
através das leis da oferta e da procura em encontrar a
compatibilidade entre a formação realizada e os empregos
disponíveis, dando por isso, lugar à frustração das
expetativas. Não obstante, contínua válida a noção da
educação enquanto elevador social. As estatísticas fornecem
evidências que permitem concluir que a taxa de
empregabilidade é mais elevada nos licenciados e, as suas
remunerações são mais elevadas do que os que têm apenas o
ensino secundário.
A formação deve incluir a teoria e a prática, assim
como um contacto com o “Mundo do Trabalho”, na perspetiva
de que “o direito à profissionalização, prioritário para
adolescentes e jovens e essencial para adultos e pessoas com
deficiência, assume relevância estratégica no momento em
que se vivencia a chamada sociedade do conhecimento”
(FONSECA, 2015, p. 96).

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

Gomes et al. (2018) validaram um instrumento de


avaliação da efetividade da formação profissional, oferecida
em cursos de Educação à Distância com uma interessante
abordagem no que concerne ao desenvolvimento de
habilidades, atitudes e motivação. A utilização da técnica
Delphi, demonstrou ser igualmente aplicável no formato on-
line, imprimindo por esta via, maior rapidez ao processo. A
inclusão de análises estatísticas permitirá uma melhor
compreensão da medida da efetividade de um determinado
curso.
A atividade docente, na formação profissional, deve
privilegiar a mediação que conduza os formandos ao
desenvolvimento das competências necessárias à sua atuação
profissional numa lógica que não se esgota na aquisição das
habilidades necessárias ao preenchimento de um determinado
posto de trabalho. Por outro lado, o formando é o centro do
processo de ensino-aprendizagem. Se a formação for boa para
ele, certamente, também o será para as empresas e para
sociedade.
De acordo com a Constituição da República
Portuguesa, o Estado deve promover a execução de políticas
de pleno emprego (artigo 58º) e, ao mesmo tempo, apoiar
empresas geradoras de emprego no que concerne à política
industrial (artigo 100º), proteger os jovens no acesso ao
primeiro emprego e à Segurança Social (artigo 70º), bem como
apoiar os que se encontram em situação de desemprego
involuntário (artigo 59º e 63º).
O Estado português ratificou há meio século a
Convenção nº 88 relativa à organização do serviço de emprego,
através do Decreto-Lei nº 147/72 de 24 de maio e,

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

posteriormente, a nº 122 pelo Decreto-Lei nº 54/80, de 31 de


julho decorrentes das responsabilidades assumidas no âmbito
da Organização Internacional do Trabalho. Neste contexto,
compete-lhe:
a) Manter um serviço público de emprego, tendente a
assegurar o pleno emprego;
b) Promover o pleno emprego, produtivo e livremente
escolhido;
c) Consultar os representantes dos empregadores e
dos trabalhadores, quanto á política de emprego.
Sem prejuízo do exposto, importa ter em consideração
a Carta Social Europeia, ratificada pelo Decreto – Lei nº 54 – A
/2001, de 17 de outubro que se espelha no Decreto-Lei nº
13/2015, de 26 de janeiro, ao estabelecer os seguintes
objetivos para apolítica de emprego:
a) Melhorar o mercado de trabalho através do
ajustamento entre a oferta e a procura;
b) Promover a qualificação e a reconversão
profissional, contribuindo para competitividade
das empresas e da economia;
c) Apoiar o empreendedorismo e a criação de postos
de trabalho;
d) Reduzir as assimetrias regionais de emprego;
e) Promover a inserção dos jovens na vida ativa;
f) Promover a permanência dos trabalhadores mais
velhos no mercado de trabalho;
g) Promover a inserção socioprofissional das pessoas
com deficiência;
h) Promover a inserção de grupos mais
desfavorecidos em atividades dirigidas a

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

necessidades socias não satisfeitas pelo normal


funcionamento do mercado, através do mercado
social de emprego e das instituições da economia
social;
i) Atuar preventivamente sobre o desemprego;
j) Promover a adaptabilidade dos trabalhadores face
às transformações organizativas, tecnológicas e de
processo de trabalho das empresas;
k) Facilitar a mobilidade profissional e geográfica dos
trabalhadores no território nacional, na União
Europeia e países terceiros;
l) Promover a conciliação da atividade profissional
com a vida familiar;
m) Promover a igualdade de género no acesso e
condições do mercado de trabalho;
n) Assegurar a eficácia da proteção social em situação
de desemprego.
De acordo com a legislação do trabalho, a formação
profissional é um dever do empregador e do trabalhador. O
primeiro, deve proporcioná-la e o segundo deve participar nela
ativamente ao nível de pelo menos, quarenta horas por ano em
Portugal, nos termos do Decreto – Lei nº 93/2019, de 4 de
setembro.
As áreas da formação contínua devem ser escolhidas
por acordo entre as partes. Na ausência deste, a decisão cabe
à entidade empregadora. O Regulamento do Formando
estabelece os direitos e os deveres do formando, através de
um contrato de formação, ao abrigo do Decreto-Lei nº 242/88,
de 7 de junho. Por outro lado, o Despacho nº 500/2022 regula
o modelo de financiamento do IEFP – Instituto de Emprego e

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Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

Formação Profissional (em Portugal), das entidades


formadoras externas certificadas que desenvolvem cursos de
aprendizagem.
Todas as empresas devem dar 40h de formação
contínua por ano a, pelo menos, 10% dos seus trabalhadores.
Se o trabalhador tiver um contrato a termo igual ou superior a
3 meses, o número de horas de formação/ ano é proporcional
à duração do contrato nesse ano. As horas de formação são
remuneradas como horas normais de trabalho.
Se a formação for dada durante as folgas, o trabalhador
recebe até 2h o valor normal; além disso, as horas são pagas
segundo as regras do trabalho suplementar, tendo ainda
direito a um dia de descanso remunerado a ser gozado nos 3
dias seguintes. O empregador tem, ainda, a obrigação de
suportar as despesas do trabalhador, designadamente, as de
deslocação.
O estudante-trabalhador pode usar as 40h anuais para
frequentar o curso.

A importância da O.I.T.

A Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.),


criada em 1919, é responsável pela formulação e aplicação das
normas internacionais do trabalho, sendo a única agência das
Nações Unidas com uma estrutura tripartida, composta por
organizações de empregadores e de trabalhadores.
O.I.T. Objetivos estratégicos:
a) Liberdade sindical e direito de negociação coletiva;
b) Eliminação de todas a s formas de trabalho forçado;
c) Abolição do trabalho infantil;

17
Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

d) Eliminação de todas a s formas de discriminação em


matéria de emprego.
Em 1975 a OIT, através da recomendação nº 150,
considerava que a formação profissional visa identificar e
desenvolver aptidões humanas, tendo em vista uma vida ativa
produtiva e satisfatória e, em ligação com diversas formas de
educação, melhorar as faculdades dos indivíduos e o meio
social e de influenciarem estes, individual ou coletivamente.
O Decreto nº 62/80 de 2 de agosto, ratifica a Convenção nº
142, adotada pela O.I.T. em 23 de junho de 1975, relativa ao
papel da orientação e de formação profissional na valorização
dos recursos humanos.
Recomendações da O.I.T., ao longo dos anos,
• 1937 Recomendação nº 56 – sobre ensino profissional
para a indústria da construção;
• 1939 - Recomendação nº 57 sobre formação
profissional;
• 1939 - Recomendação nº 60 sobre aprendizagem;
• 1949 - Recomendação nº 87 sobre orientação
profissional;
• 1950 - Recomendação nº 88 sobre formação
profissional dos adultos incluindo os deficientes.

Código do Trabalho: Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro

O Código do Trabalho aborda detalhadamente, na


secção II, a formação profissional da seguinte forma:
a) Objetivos da formação profissional,
b) Formação contínua;

18
Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

c) Crédito de horas e subsídio para formação


contínua;
d) Efeito da cessação do contrato de trabalho no
direito a formação.
No que concerne ao teletrabalho, a maior parte das
cláusulas dos contratos têm a sua fonte no Código do
Trabalho, designadamente nos artigos 165º a 171º, mas há
convenções com soluções diferentes:
a) Atribuem o direito de preferência para exercer
funções em regime de teletrabalho a trabalhadores
portadores de deficiência, doença crónica ou que
tenham a seu cargo filhos até 12 anos de idade ou
familiares portadores de deficiência ou doença
crónica. É o caso da SCML – Santa casa da
Misericórdia de Lisboa e de outros.
b) A cessação do acordo que titula o regime de
prestação de teletrabalho subordinado, pode
ocorrer por decisão de qualquer das partes durante
os primeiros 30 dias da sua execução, tendo o
trabalhador o direito de regressar ao posto que
ocupava ou, na sua falta, ao exercício de funções
equiparadas às que vinha desenvolvendo.
Um trabalhador por conta de outrem que se encontre em
layoff tem direito a:
a) Receber um ordenado mensal, por parte da entidade
empregadora, igual a dois terços do salário normal
ilíquido, garantindo que este não é inferior ao
ordenado mínimo, não podendo ultrapassar três vezes
à RMMG - remuneração mínima mensal garantida;

19
Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

b) Caso a remuneração seja inferior à RMMG (trabalho


parcial) o valor a receber deve manter-se;
c) Mantém o direito às regalias sociais e às prestações da
Segurança Social;
d) Pode exercer outra atividade remunerada fora da
empresa;
e) Tem direito aos subsídios de Natal e de férias por
inteiro.
Em caso de isolamento profilático, mediante declaração
emitida pela Autoridade de Saúde, o trabalhador tem direito
ao pagamento de um subsídio equivalente ao subsídio de
doença correspondente a 100% da sua remuneração de
referência durante esse período – 14 dias. Tem ainda direito a
faltar ao trabalho para assistência ao filho ou neto, com faltas
justificadas até ao limite de 14 dias, com direito a receber o
subsídio.

Conclusão

O custo da ignorância ultrapassa significativamente o


custo da formação. Num mundo que enfrenta os desafios das
alterações climáticas, das vagas de imigração económica, da
fome, das carências energéticas e alimentares, num ambiente
de acentuada revolução tecnológica, tem de ser grande a
ambição em matéria de conhecimento. Trata-se, obviamente,
de uma responsabilidade dos Estados, através das suas
autoridades ao nível dos governos centrais, regionais e locais.
As empresas têm, naturalmente, o direito e o dever de
participar ativamente neste processo. Mas, o primeiro
responsável é cada um dos indivíduos na sua dimensão de
Homem / Mulher, cidadã(o) e trabalhador(a).

20
Capítulo 1 – A formação ao longo da vida
uma visão jurídico pedagógica

Os fundamentos religiosos de natureza judaico –


cristã, a sabedoria da Antiguidade Greco-Latina e a Magna
Carta da Inglaterra de 1215, formataram a Sociedade Ocidental
a que pertencemos. Assim, a liberdade é um valor fundamental
que exige responsabilidade. Nestes termos, aprender é um
direito e um dever. Na certeza de que aprender é um verbo
com futuro.

REFERÊNCIAS

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Um repensar. Curitiba: IBPEX, 2017.

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22
Quem pode ser, a que(m) serve e o que
busca o perito judicial em trabalho-
saúde?

Bruno Chapadeiro Ribeiro

Quem pode ser perito na seara trabalhista?

Qual a possibilidade da atuação de outros profissionais


da saúde não-médicos como peritos na Justiça do Trabalho? O
artigo 8º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) indica o
Código do Processo Civil (CPC) como sua fonte subsidiária
quando necessário. No art. 149 há a seguinte redação:

Art. 149. São auxiliares da Justiça, além de outros cujas


atribuições sejam determinadas pelas normas de
organização judiciária, o escrivão, o chefe de secretaria,
o oficial de justiça, o perito, o depositário, o
administrador, o intérprete, o tradutor, o mediador, o
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

conciliador judicial, o partidor, o distribuidor, o


contabilista e o regulador de avarias.

Contudo, a Lei nº 12.842/2013 do “Ato Médico” diz em


seu Art. 4º, inciso XII que, dentre as “atividades privativas do
médico”, está a realização de perícia médica. Em contrapartida,
o art. 156 do CPC aponta que o juiz será assistido por perito
quando a prova do fato depender de conhecimento técnico e
científico, e enfatiza no § 5º que “na localidade onde não
houver inscrito no cadastro disponibilizado pelo tribunal, a
nomeação do perito é de livre escolha pelo juiz e deverá recair
sobre profissional ou órgão técnico ou científico
comprovadamente detentor do conhecimento necessário à
realização da perícia”. Nesse sentido, Mendanha (2015) expõe
que há um “empate” no critério hierárquico das leis, cabendo
ao magistrado avaliar qual destas se faz a de maior
especificidade para o assunto em tela, a saber “perícia
judicial”. O que Wandelli (2018) discorda alegando que, como
o CPC regula o processo, ele prevalece e, portanto, não há
“empate”.
A Resolução 233/2016 do CNJ vem aprofundar a
questão sobre a formação e competências necessárias a um
perito judicial quando dispõe:

Art. 6º É vedada a nomeação de profissional ou de órgão


que não esteja regularmente cadastrado, com exceção do
disposto no art. 156, § 5º, do Código de Processo Civil.
Parágrafo único. O perito consensual, indicado pelas
partes, na forma do art. 471 do CPC, fica sujeito às
mesmas normas e deve reunir as mesmas qualificações
exigidas do perito judicial. Art. 10. Para prestação dos
serviços de que trata esta Resolução, será nomeado
profissional ou órgão detentor de conhecimento
necessário à realização da perícia regularmente

24
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

cadastrado e habilitado, nos termos do art. 8º desta


Resolução.

Assim, apesar do vigor da lei do “Ato Médico”, ainda é


bastante comum em vários lugares do Brasil a presença de
profissionais de outras áreas da saúde realizando perícias
judiciais em matéria, que em tese, deveriam ser atos privativos
dos médicos, como por exemplo as perícias em que se apura
nexo (con)causal de doenças relacionadas ao trabalho. Para
Silva (2014) nem o médico - nem mesmo o médico do trabalho
- não tem assegurada por lei a exclusividade de realização de
perícia judicial em casos de adoecimentos no trabalho. Ou
seja, mesmo a Lei nº 12.842/2013 referente ao "Ato Médico"
não muda nada a esse respeito no entendimento do autor.
Mendanha (2015) considera que, de forma legítima,
por outro lado os próprios médicos renunciam à atividade
pericial devida à baixa remuneração, de modo tal que,
atualmente há uma grande dificuldade dos magistrados em
conseguir nomear médicos para atuar como peritos devido,
dentre outros fatores, a estes baixos honorários pagos, aliados
à demora no recebimento destes o que faz com que o
desestimulo e desinteresse médicos sejam aparentes.
Entretanto, mesmo que os magistrados sejam sensíveis
aos baixos valores pagos no fazer pericial, a todos os
profissionais que executam e não somente aos médicos, ao
mesmo tempo que não têm autonomia legislativa e
orçamentária para mudar esse cenário, precisam fazer a Justiça
andar. Aplica-se então, uma adequação do “princípio da
reserva do possível” no que tange a estes pagamentos dos
honorários periciais.
Assim, Silva (2014) defende que a perícia em trabalho-

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

saúde deva ser multiprofissional, jamais realizada por um


único profissional - ainda que médico -, sob pena de se ter
apenas a visão de uma parte do problema, de acordo com o
conhecimento técnico específico do profissional designado
como perito. Daí que, para o autor (2014), tão ou mais
importante do que diagnosticar a doença elencada na
Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID) é
verificar em que medida a organização do trabalho, em seus
múltiplos aspectos - físico, químico, biológico, ergonômico e
psicossocial -, contribuiu para o desfecho do resultado. Desse
modo, sugere a importância de se utilizar nas perícias em
trabalho-saúde não somente a CID, mas também a
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e
Saúde (CIF). O autor ressalta ainda que tão importante quanto
a boa anamnese do trabalhador é também a anamnese do
ambiente laboral em que este inseria-se.
Deste modo, diversas são as opções de formas de
realização de uma perícia em trabalho-saúde que considerem
o trabalhador em sua subjetividade e objetividade, como um
ser inserido em um meio, tendo com esse uma relação dialética
e de potência de saber e agir sobre sua realidade. Ainda que
não tenhamos uma padronização das etapas periciais, como
também não o temos da elaboração do laudo pericial, por se
tratar de uma matéria complexa que envolve,
incontestavelmente, conhecimento de inúmeras áreas
especializadas em Saúde do Trabalhador, estamos de acordo
com Silva (2014) quando esse enfatiza que a perícia em
trabalho-saúde deveria ser feita por dois, três ou mais
profissionais, cada qual em sua área de atuação, tal como versa
o art. 475 do CPC que diz que, tratando-se de perícia complexa

26
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

que abranja mais de uma área de conhecimento especializado,


o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais
de um assistente técnico.
O autor prossegue enfatizando que o importante é que
não se perpetue a exclusividade da realização de perícia
judicial por médico, tampouco por médico do trabalho, nesses
casos. O médico, como perito, tem o dever de ir ao local de
trabalho por força da Resolução CFM n. 1.488/98. Ainda que o
Art. 2º e o Art. 10º desta resolução, exijam a vistoria do local
de trabalho e o estudo da organização do trabalho, com a
identificação dos riscos a que estava exposto o trabalhador
periciado, muitos médicos se recusam a cumprir essa
determinação, o que, para o autor, torna-se motivo suficiente
para a anulação de um laudo pericial.
Rovinski (2008) elucida que a atividade do psicólogo na
função de perito judicial também fica legitimada através de
seu órgão de classe, no caso, o Conselho Federal de Psicologia
(CFP). No Decreto nº 53.464/1964 que regulamenta a Lei
4.119/1963, responsável pela criação da referida profissão no
Brasil, já se previa, entre outras situações a realização de
perícias e emissão de pareceres sobre a matéria de Psicologia.
Igualmente em 1992, o CFP remeteu ao Ministério do Trabalho
e Emprego (MTe) uma descrição mais completa das atividades
que caracterizam o trabalho do psicólogo no Brasil, entre as
quais se destaca, o item 5, que versa sobre “a atuação como
perito judicial nas varas cíveis, criminais, justiça do trabalho,
da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos,
pareceres e perícias a serem anexados aos processos” (CFP,
2003).
Portanto, ganha força o CPC quando deixa aberta a

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

possibilidade de que o perito judicial seja de livre escolha do


juiz, enquanto um profissional legalmente habilitado e
cadastrado nos tribunais trabalhistas, e que proporcione à
justiça, um laudo minucioso e completo quanto às condições
do estado de saúde do trabalhador, minimamente
evidenciando nos casos de adoecimentos relacionados ao
trabalho, o dano, o nexo, a incapacidade e o prognóstico. Não
devendo então ter esse profissional, seu laudo invalidado ou
sua nomeação impugnada somente por não se tratar de
profissional médico. Isso é claro, delinear-se-á a partir do
entendimento de cada magistrado sobre a questão e o grau de
compreensão do mesmo sobre as hierarquizações (verticais ou
horizontais) dentro das ciências da saúde, contudo, há
material jurídico que endosse o ora disposto.
Na França, por exemplo como já demonstramos
(RIBEIRO, 2018) mesmo que o título de perito seja um título
protegido, reservado aos peritos judiciais, de fato, qualquer
pessoa que tenha uma competência específica pode ser
designada como perito: um juiz pode designar a pessoa de sua
escolha. É um princípio, mas, além disso, existem regras,
costumes e hábitos, pois, os tribunais franceses possuem listas
de peritos nos níveis regionais e nacional de que se utilizam
em que, para que o perito se inscreva nessas listas, basta que
solicitem à Suprema Corte de seu local de residência.
A autoridade judicial pode assim escolher um perito
que não esteja inscrito em nenhuma lista. Este profissional
será então obrigado a prestar juramento por escrito antes de
proceder à perícia. Na medida em que um perito compõe uma
lista, entende-se que ele já realizou devidamente um
juramento para realizar sua tarefa com todo o rigor e

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

independência necessários. Tal fato deve ser considerado


pelas partes interessadas como garantia de competência.
Assim o artigo 157 do Código do processo penal
francês bem define a qualidade e a escolha do/da perito(a):

Art. 157 - Os peritos são escolhidos entre as pessoas


físicas ou jurídicas que figuram em uma lista nacional
estabelecida pelo gabinete da Suprema Corte, ou em
uma das listas elaboradas pelas cortes de apelação, o
procurador geral dito.
Os procedimentos de cadastro e exclusão das listas são
fixados por decreto do Conselho de Estado.
Em casos excepcionais, as jurisdições podem, por
decisão fundamentada, escolher os peritos que não
aparecem em nenhuma destas listas.

Contudo, o perito médico, ou psicólogo, ou


fisioterapeuta, ou terapeuta ocupacional etc. não incluído em
uma lista tem as mesmas garantias na medida em que devem
igualmente seguir e respeitar um código deontológico
específico como também realizar um juramento que consagre
a prática de sua profissão.
No Código do processo civil francês (arts. 249, 256 e
263), o perito é finalmente aquele que esclarece de maneira
técnica por constatação, consulta ou perícia, o juiz:

Art. 249 - O juiz pode cobrar a pessoa que ele indicou


para fazer as constatações. O constatante não deve dar
nenhuma opinião sobre as consequências de fato ou de
lei que possam resultar. Art. 256 - Quando uma questão
puramente técnica não exige investigações complexas, o
juiz pode incumbir qualquer pessoa a lhe fornecer uma
simples consulta sem comprometimentos. Art. 263 – A
perícia só se efetua no caso de constatações ou
consultas que não forem suficientes para esclarecer o
juiz.

Enfim, no entendimento de Sapanet et al. (2016), na

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

França, médicos não especialistas, se tiverem conhecimento


médico-legal confirmado por um diploma específico, podem
realizar uma experiência, sobre a matéria que for. Na mesma
linha, o psicólogo, o fisioterapeuta, o terapeuta ocupacional
etc. se tiverem igualmente conhecimentos médico-legais,
podem realizar perícias em território francês.

Perícias Judiciais em Saúde Mental Relacionada ao Trabalho


(SMRT)

No caso específico das perícias em Saúde Mental


Relacionada ao Trabalho (SMRT), tem-se o entendimento de
que a perícia é um modo de se fornecer provas para o juízo
que analisa um caso concreto. Ela difere-se de outros meios de
prova, principalmente por ser uma prova produzida por um
especialista. Geralmente são solicitadas perícias sobre
decorrências psicológicas de acidentes, doenças relacionadas
ao trabalho, nos casos em que há necessidade de afastamento
temporário, aposentadoria ou que comprovem qualquer tipo
de sofrimento psicológico relacionado ao trabalho (CRUZ;
MACIEL, 2005). Ou seja, em relação a definição de perícia em
SMRT, pode-se dizer que esta é uma apreciação dos fatos
procedida por um especialista na área em questão.

Numa concepção genérica, podemos dizer que a perícia


é o ‘exame de situações ou fatos relacionados a coisas e
pessoas, praticado por especialista na matéria que lhe é
submetida, com o objetivo de elucidar determinados
aspectos técnico’ [...] À medida que é realizada por um
expert, são utilizados conhecimentos científicos para
explicar as causas de um fato (ROVINSKI, 2008).

Nestes casos de perícias em SMRT, segundo

30
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

Evangelista (2000) a participação de um profissional psi tem se


centralizado na infortunística, onde sua tarefa tem sido
fortemente marcada pela avaliação do dano psíquico
(perturbação patológica da personalidade ou agravamento de
desequilíbrios pré-existentes) através de ações ordinárias de
indenização por danos morais, estabelecendo o nexo
(con)causal entre o conflito e distúrbios de natureza
essencialmente psicológica na vida do trabalhador em sua
conexão com o meio ambiente de trabalho.
A perícia em casos de SMRT tem se composta
basicamente por entrevistas com o trabalhador, busca de um
diagnóstico por meio de exame clínico e visita ao ambiente de
trabalho. Tais práticas, contudo têm se mostrado insuficientes
para a arguição do nexo (con)causal e a indicação de novas
metodologias vem sendo estudadas.
No sentido de ir além do modelo tradicional
biomédico/psiquiátrico das perícias em SMRT, Lima (2005) por
exemplo, propõe cinco passos para a execução de uma perícia
na área que efetivamente dê elementos para uma investigação
de qualidade por parte do perito, quais sejam: (1) Verificar
evidências epidemiológicas e pareá-las com achados
estatísticos; (2) Permitir que o trabalhador traga dados
referentes a sua história, a sua ontogênese, indicando
inclusive, como ele entende sua patologia; (3) Verificar como
se compreende ergonomicamente o trabalho real (não o
prescrito), para isso é necessário proceder uma longa visita ao
local de trabalho; (4) Grifar os mediadores entre a situação
experienciada e o adoecimento; (5) Preencher as lacunas
restantes com exames médicos e psicológicos.
Para Jacques (2007) faz-se necessário o

31
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

estabelecimento do diagnóstico por meio de uma Anamnese


Ocupacional, a qual deveria considerar, como itens básicos: (1)
as atividades laborais; (2) os relacionamentos interpessoais
nestas circunstâncias; (3) o domínio que o trabalhador possui
das atividades que deve desempenhar; (4) as condições físicas
em que o trabalho é desempenhado e; (5) o modo como o
trabalho se organiza, ou seja, turnos, escalas, horários,
duração das jornadas. A autora coloca ainda, como itens
complementares a serem considerados: (6) a identificação de
cobranças psicoafetivas, mentais e físicas; (7) como os
trabalhadores estimam os riscos; (8) formular a história clínica
do trabalhador pareando com sua história de trabalho; (9) entre
outros. Estes dados devem ser coletados por meio de
entrevistas com o trabalhador, seus colegas de trabalho, seus
familiares e observação do local de trabalho. Testes
psicológicos e físicos devem ser aplicados quando da
necessidade de aferição de função específica, como atenção ou
memória.
Martins Júnior (2011) propõe que a avaliação deva ser
feita por meio de observação direta da atividade laboral e
entrevistas semiestruturadas. No método proposto pelo autor,
as principais técnicas utilizadas se dão pela observação do
trabalho (atividade de trabalho) e a ação conversacional por
meio da realização de entrevistas semiestruturadas com uma
série de perguntas preestabelecidas, às quais se acrescentam
verbalizações espontâneas e provocadas do entrevistado
(ações conversacionais), estruturando-se o entendimento da
situação de trabalho que se tornou cenário do acidente.
Utilizado como instrumento na saúde coletiva, porém
que pode vir a ser adaptado à perícia em SMRT como método e

32
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

técnica, o dispositivo História Vital do Trabalho (HVT)


proposto por Suaya (2010) demonstra com evidências
empíricas que o "recordar catártico" que afeta o trabalhador se
liga a um "outrora" (eventos traumáticos puxados pela
memória do trabalhador) que o faz reconhecer-se como sujeito
trabalhador socialmente produtivo dotado de potência
criadora. Aplicando-se as etapas da dinâmica do HVT para as
perícias, a adequação do instrumento se daria da seguinte
forma: (1) apresentação da proposta e exploração das
expectativas a respeito do encontro entre perito(a) e
trabalhador(a); (2) e (3) relato da trajetória laboral; (4) e (5)
atualização do perfil de interesses, habilidades e destrezas
implementando estratégias próprias do processo de
orientação vocacional e ocupacional; (6) heteroavaliação, de
forma que a imagem social é avaliada por meio de uma
apresentação por escrito do periciando acerca de suas
particularidades, inclinações, habilidades e destrezas. Procede
a leitura e comentários visando o contraste entre a
autoimagem e a imagem transmitida de forma que emirja um
novo posicionamento subjetivo: reconhecimento e
apropriação da identidade do sujeito produtivo; (7)
autoavaliação escrita e construção do projeto futuro
evidenciando coincidências e discrepâncias entre a
autoimagem e a imagem obtida na heteroavaliação e; (8)
avaliação interativa em entrevista individual-oral entre perito
e periciando (trabalhador) seguida de fechamento do encontro.
Maeno (2011) afirma que, quando se trata de
transtornos psíquicos, mais difícil e complexo se torna o
processo de investigação dos aspectos que contribuem para o
adoecimento. Na visão da autora, a (con)causa da linguagem

33
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

jurídica pode ser facilmente compreendida dentro do


raciocínio do bom médico, que inclui a multicausalidade na
origem e agravamento de várias doenças. A autora em questão
ainda expõe que, além das discussões conceituais,
frequentemente, ao se analisar laudos periciais em SMRT,
percebe-se que carecem de informações, revisão ampla de
literatura, argumentos e justificativas. Ou seja, deveriam dar
subsídios técnicos para o julgamento dos casos, mas com
frequência não o fazem.
E prossegue, ancorando-se em Galucci Neto e Marchetti
(2007, apud MAENO, 2011) ao dizer que para os não
especializados psi, situação da maioria dos peritos, pode
ocorrer uma confusão entre simulação (atuação com motivos
conscientes) e manifestações somatoformes e dissociativas,
denominações nosológicas atuais do anteriormente conhecido
comportamento histérico, termo famoso e mal compreendido,
para o qual se admite a participação de mecanismos
psicológicos inconscientes.
De acordo com Abreu (2005), na maioria das vezes, o
nexo (con)causal é reconhecido com base na probabilidade, em
que é aferido através da descrição da doença, pois, conforme
aponta Oliveira (2008), nem a ciência jurídica ou as da saúde
trabalham com exatidão rigorosa dos fatos como ocorre nos
domínios das ciências exatas.
Verificar, portanto, a existência de nexo (con)causal
entre a patologia mental apresentada pelo trabalhador e o
trabalho que este desempenhava é um dos principais
objetivos, se não o objetivo maior da perícia judicial na seara
trabalhista em se tratando de SMRT. Entretanto, reforça-se que
a comprovação deste liame que une a conduta do trabalhador

34
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

e de seu empregador e a patologia mental apresentada nem


sempre é de fácil comprovação podendo inclusive resultar em
sanções ao perito judicial. O art. 158 do CPC, por exemplo, diz
que o perito que, por dolo ou culpa, prestar informações
inverídicas responderá pelos prejuízos que causar à parte e
ficará inabilitado para atuar em outras perícias no prazo de
dois a cinco anos, independentemente das demais sanções
previstas em lei, devendo o juiz comunicar o fato ao
respectivo órgão de classe para adoção das medidas que
entender cabíveis.
Assim, no que diz respeito às etapas da perícia judicial
em SMRT para averiguação de nexo (con)causal entre trabalho
e adoecimento mental, pode-se contemplar entrevistas e
avaliações que sejam capazes de demonstrar se as condições
psicológicas do trabalhador se alteraram após o(s) evento(s)
traumático(s) e se essa alteração foi fruto de um evento em si,
ou de um conjunto de eventos numa dinâmica global de
processo de trabalho, e quais suas decorrências,
configurando-se a existência, ou não, de nexo (con)causal.
Entende-se, portanto, que a qualificação do perito, com olhar
habilitado para as questões atuais em Saúde do Trabalhador,
para além da exposição de sua especialidade, seja parte
essencial para tal evidenciação. Reforça-se que ainda assim há
uma constante insuficiência no que tangem às falhas da
formação fragmentada destes profissionais, com lacunas
epistêmicas que os fazem partir do modelo biomédico,
centrados no corpo e na doença e não na realidade vivida pela
pessoa examinada, qual seja, o ambiente de trabalho. Pautam-
se, então, no uso ideológico de uma retórica técnica calcada
em suposta autonomia do trabalho para defender um ponto de

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

vista preexistente, que zela, às vezes, por interesses diretos


de fins econômicos, e por outras, simula uma neutralidade
onde há, na verdade, um conhecimento orientado por um
pertencimento de classe social.
Berlinguer (1988) aponta que o ponto fundamental
reside em que, se faz necessário agir contra as doenças e não
contra o doente. Tratar da doença em cada doente. Somente os
doentes. Pois, mesmo que a saúde seja um bem coletivo, que
diz respeito a toda a sociedade, não anula as características
individuais e subjetivas da doença. Pelo contrário, para o
autor, a dimensão social dos fenômenos de saúde/doença é o
somatório, a síntese das necessidades, exigências e condições
particulares de cada homem e mulher. Assim, o trabalhador
adoecido, é, antes de tudo, uma pessoa que necessita de
atenções particulares e de tratamento.
Para o autor em questão, a pessoa que sofre
mentalmente não é de fato alguém que tenha culpa para ser
punida com a negligência ou com a penitência. Entretanto o
sofrimento nem sempre é dor. A doença é constantemente
perda do poder físico ou mental, relativos à dignidade humana,
ao invés de capacidade física, fato que se traduz na prepotência
dos sadios, e que acentua a desigualdade social. Assim, doença
a nosso ver é sofrimento. Não é culpa, nem privilégio.

A matéria do assédio moral em perícias judiciais


trabalhistas

Minardi (2010) nos expõe que o entendimento


equivocado do fenômeno do assédio moral por parte de
advogados e assistentes técnicos tem levado a uma avalanche

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

de casos à Justiça do Trabalho, geralmente representando, em


verdade, hipóteses de dano psíquico isolado (ato único), ou
mero desgosto e “corpo mole” do trabalhador ou da
trabalhadora com ordens cobradas de forma mais acintosa,
ocasionando numa banalização deste fenômeno. Tais casos de
assédio moral, por exemplo, exigem do perito a compreensão
de um estilo de agressão que é justamente variável de acordo
com os meios socioculturais e setores profissionais segundo
Hirigoyen (2010).
É nesse sentido que o pode judiciário vem tentando
encontrar definições para fenômenos tais como o assédio
moral e suas consequências decorrentes na saúde mental do
trabalhador assediados, livres o quanto possível de qualquer
subjetividade e descontextualizado do conflito capital-
trabalho para que sejam classificados penalmente como
processos violentos e de forma a incorporar tal entendimento
à norma. Freitas, Heloani & Barreto (2011) veem que falar das
consequências de um assédio moral na saúde mental do(a)
trabalhador(a) assediado implica pensar nos danos psíquicos
que podem apresentar-se como angústia e ansiedade,
transtornando a existência pois, o que se visa é atingir o outro,
desestabilizá-lo, explorando sua psicologia, com intenção
claramente perversa. Minardi (2010) aponta que a doutrina
jurídica e a literatura médica apresentam vários prejuízos à
pessoa agredida. Ferreira (2004) frisa que as consequências
geradas pelo assédio moral não se limitam à saúde do
trabalhador vitimizado. Segundo a autora, os resultados
atingem também a esfera social da vida do empregado, além
das consequências econômicas do fenômeno sobre o
empregado, a empresa e sociedade.

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Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

Ou seja, o olhar biomédico por si, não é capaz de


evidenciar o nexo (con)causal entre o fenômeno do assédio
moral e possíveis consequências psíquicas na saúde mental do
trabalhador assediado. Para se compreender fenômeno tão
complexo e que abrange diversas instâncias, somente
considerando a categoria processo de trabalho, bem como as
formas de ser da gestão capitalista intraempresas pautada no
primado do econômico é que um perito poderá discorrer sobre
a existência de nexo ou não.
Gaulejac (2007) por exemplo, nos diz que, quando o
assédio, o estresse, a depressão ou mesmo o sofrimento
psíquico se desenvolve, é a própria gestão da organização, seja
ela pública ou privada, que deve ser questionada pois, na
maioria dos casos, a agressão psicológica pode não ser
dirigido somente a uma pessoa em particular, mas toda uma
situação conjuntural. Ou seja, uma organização pode pôr em
ação práticas gerenciais que favorecem o assédio, as relações
de violência, de exclusão, de ostracismo.

Considerações finais

Freitas, Heloani e Barreto (2011) atentam que a maior


dificuldade no que concerne a uma penalização jurídica em
casos de abuso por parte da gestão do trabalho se dá
justamente por sua "invisibilidade" e, portanto, o alto grau de
subjetividade envolvido na questão obscurecendo a obtenção
do nexo (con)causal. Porém, alguns países já se encontram em
maior avanço no que tange criação de leis visando uma
criminalização da prática de assédio moral no trabalho por
exemplo. É o caso de Portugal, Itália, Suíça, Bélgica, Chile,

38
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

Uruguai, Noruega e França.


Neste último, por exemplo, tanto o assédio moral
quanto o sexual são enquadrados no Código do Trabalho.
Essas duas formas de assédio dão lugar a um contencioso
abundante nas jurisdições do país. De acordo com o artigo L.
1152-1 do Código do Trabalho francês: "nenhum trabalhador
deve ser submetido a atos repetidos de assédio moral que
tenham por objeto ou por efeito uma deterioração de suas
condições de trabalho susceptíveis de afetar os seus direitos e
dignidade, de alterar sua saúde física ou mental ou prejudicar
seu futuro profissional". Também por aplicação do Código do
Trabalho francês:

"nenhum trabalhador deve ser submetido a: 1º atos de


assédio sexual, consistindo em observações ou
comportamentos sexuais repetitivos que constituam
numa violação de sua dignidade por causa do seu
caráter degradante ou humilhante, ou contra uma
situação intimidante, hostil ou ofensiva; 2º atos
assimilados ao assédio sexual, consistindo em qualquer
forma de pressão grave, mesmo não repetida, exercida
para o propósito real ou aparente de obter um ato de
natureza sexual, que seja para procurar o benefício do
perpetrador dos fatos ou em benefício de um terceiro"
(Código do Trabalho, art. 1153-1).

Assim, o Código do Trabalho francês proíbe que um


trabalhador, uma pessoa em formação ou mesmo um
estagiário seja sancionado, demitido ou sujeito a medidas
discriminatórias, diretas ou indiretas, particularmente nas
áreas de remuneração, treinamento, reclassificação,
colocação, qualificação, classificação, avanço profissional,
transferência ou renovação do contrato por sofrer ou recusar-
se a sofrer repetidos atos de assédio moral ou por ter
testemunhado tais atos ou relatando-os (art. L. 1152-2). O

39
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

mesmo acontece com o assédio sexual (art. L. 1153-2 e art. L.


1153-3). O empregador deve tomar todas as providências
necessárias para evitar atos de assédio moral e sexual. O
código trabalhista francês exige que se apliquem sanções a
qualquer empregado que tenha se envolvido em assédio.
O empregador francês está vinculado aos seus
trabalhadores por uma obrigação de seguridade de resultado
em relação à proteção da saúde e segurança destes, em
particular em matéria de assédio moral, e a ausência de culpa
por sua parte não pode exonerá-lo de sua responsabilidade.
Sua responsabilidade é comprometida mesmo quando ele não
for o autor dos atos.
No contexto brasileiro, Tercioti (2013) relata que, por
exemplo, a prática do assédio moral é passível de punição
apenas em algumas leis estaduais e municipais de forma tal
que não há uma legislação que ampare os servidores públicos
federais e mesmo os trabalhadores da iniciativa privada. A
autora prossegue apontando que, para além da falta de
regulamentação, os diferentes regimes trabalhistas que
vigoram em nosso país tornam-se um agravante nessa questão
haja visto que iremos lidar com trabalhadores sob regime
celetista, outros estatutários, sem falar nos trabalhadores de
contratos parciais, temporários, PJ's, uberizados etc. Se se faz
dificultosa o enquadramento de tais categorias para fins
previdenciários em nosso país, o que dirá quanto a legislações
específicas que protejam o trabalhador de um assédio moral
e/ou outras violências psicológicas em seus contextos
laborais.
Contudo, mesmo que haja leis nacionais que vedem a
prática de violências psicológicas no trabalho promovendo o

40
Capítulo 2 – Quem pode ser, a que(m) serve e o que busca o perito judicial
em trabalho-saúde?

desgaste dos trabalhadores, ou ainda se tornem jurisprudência


para se prever sanções disciplinares, tal fato não assegura que
a prática de tais violências, tais como o exemplo do assédio
moral que nos utilizamos, será impedida ou mesmo extinta,
devido às subnotificações, ou mesmo pela falta de fiscalização
ou inoperância burocrática do Estado na apuração dos fatos.
Afinal, a violência, em suas diversas faces, é da essência do
sistema do capital.
Gaulejac (2007) aponta que o reconhecimento legal da
violência é sim de um progresso notável, no entanto, uma lei
tende a focar em comportamentos singulares e em
procedimentos perversos que certamente existem e que
convém condenar. Todavia, ao fazê-lo, oculta também as
causas profundas das referidas violências contribuindo para a
individualização do problema e minimizando as
consequências na saúde mental ocasionada por pressões que
estão em curso no mundo do trabalho atual.

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43
Aspectos históricos e desafios futuros
na Psicologia Jurídica brasileira

João Carlos Alchieri

Breve contexto histórico e de desenvolvimento da ABPJ

Tratar de explanar sobre o contexto histórico da


Associação Brasileira de Psicologia Jurídica - ABPJ é um tanto
restrito, pois pouco se encontra escrito e, parte das
lembranças seguem de transmissão oral no testemunho de
alguns sobre momentos específicos. Contudo, sabe-se que a
Psicologia Jurídica, enquanto campo de atuação,
conhecimento e de pesquisa, era já exercida no Brasil antes da
regulamentação da profissão de Psicólogo na década de
sessenta (Lago et all, 2009). Tais ações eram alguns dos marcos
que possibilitaram a inserção oficial dos profissionais nas
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

instituições jurídicas, enquanto necessidade social da época.


Todavia somente pode-se identificar na década de 1990
apenas as evidências de movimentos profissionais, no sentido
de auto-organização técnico cientifica quanto a constituição
de uma associação de âmbito nacional. Cabe considerar que na
América Latina se manifestava uma crescente necessidade de
organização institucional, de empoderamento social e a
criação da Associação Ibero-americana de Psicologia Jurídica
(AIPJ) na Argentina, e penso que este ponto pode ter sido um
aspecto determinante para a mobilização no Brasil de um
movimento de semelhante interesse.
Como dinâmica pode ser identificado condições
propícias de organização de uma entidade em 1992, por meio
do trabalho de um grupo de psicólogos do Sistema
Penitenciário de São Paulo em relação ao CRP 06 diante de
discussões temáticas, integrando profissionais que atuavam
nas Varas de Família e da Infância e Juventude. Estes colegas
propuseram participação junto a IV Conferência Europeia de
Psicologia e Lei (Barcelona, 1994), e em seu retorno voltaram
com informações de como o campo Jurídico e Forense estava
organizado na Europa. Em 1995, o número de interessados na
área já era maior e assim, a possibilidade de participar no I
Congresso Ibero-americano de Psicologia Jurídica (Chile,1995)
congregou esforços e resultados de forma a que colegas como
Fátima França e Rosalice Lopes, representantes da Secretaria
de Administração Penitenciária, Dayse César Franco Bernardi
do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo participaram no
evento do Chile. Agregaram ações e esforços para promover
proposta de sediar um Congresso similar no Brasil, e ainda no
evento Fátima França eleita representante do Brasil junto a

45
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

AIPJ. Uma nova comissão foi constituída para preparar o III


Congresso Ibero-americano de Psicologia Jurídica, com
Margarida Calligaris Mamede, Cláudia Anaf, Dayse César
Franco Bernardi, Rosalice Lopes, Fátima França, Fernanda Lou
Sans Magano e Magda Melão e recebendo apoio do Sindicato
dos Psicólogos de São Paulo. Tais esforços elevaram o
interesse de colegas e instituições e assim, diversos eventos
no Brasil em 1996 e 1997 foram realizados, denominados
como encontros nacionais nos estados de São Paulo, Rio
Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia (ABPJ, 2022).
O mais importante foi gradativa constituição e
organização de esforços que se ampliou por meio de
representações regionais até que surgiu uma Comissão
Organizadora do Congresso, constando de 15 psicólogos
brasileiros a participarem do II Congresso Ibero-americano de
Psicologia Jurídica em Cuba, onde a colega Dayse César Franco
Bernardi foi eleita representante da AIPJ no Brasil, garantindo
desta maneira de forma efetiva a possibilidade do país de
sediar o congresso internacional. Neste ponto da história o
professor Domingos Barreto (UFBA) realizou a proposição de
criação da ABPJ – por meio da ata de fundação em 15 de março
de 1997. Foram então convidados psicólogos com experiencia,
interesse e dedicação no contexto jurídico, para comporem
uma diretoria, as colegas Dayse César Franco Bernardi e Anna
Christina Motta Pacheco Cardoso de Mello, Sônia Liane R.
Rovinski, Leila Maria Torraca de Brito, Helena Ribeiro e Maria
Teresa Claro Gonzaga (ABPJ, 2022).
O ano de 1998 iniciou com a plena atuação da ABPJ que
ingressava junto ao Fórum de Entidades Nacionais da
Psicologia Brasileira no Conselho Federal de Psicologia

46
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

assumindo uma postura institucional importante no contexto


nacional. E em 1999 a entidade realizou, em conjunto com a
Universidade Presbiteriana Mackenzie, o III Congresso Ibero-
americano de Psicologia Jurídica, com a proposição da colega
Tânia Vaisberg, do IP da USP representante do Brasil na AIPJ.
Cabe salientar que o evento contou com decisivo apoio do
Conselho Federal de Psicologia, da Secretaria da Administração
Penitenciária de São Paulo, do Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo, da Universidade Estadual de Maringá, dentre outras
organizações na sua realização. O evento reuniu centenas de
profissionais da área da Psicologia Jurídica do Brasil e de
outros países, principalmente da América Latina, sendo o
primeiro livro da ABPJ publicado.
Mas no novo milênio a ABPJ não conseguiu manter o
ritmo até então observado nos últimos anos, e do ponto de
vista institucional foi insipiente apresentando a necessidade
de ser amparada frente ao Fórum de Entidade pela psicóloga
Fátima França, que também manteve o compromisso de sua
representação em diversos eventos no país. Em tentativa de
manter a coesão do grupo e otimizar ações foi criada uma lista
de discussão na internet, onde psicólogos interessados
mantiveram-se em comunicação. Neste momento mais uma
vez o Conselho Federal de Psicologia foi providencial ao
propor e criar em 2008 o Grupo Gestor Intermediário, para
mobilizar a categoria em torno da Psicologia Jurídica e
reorganizar a ABPJ, com apoio dos colegas Álvaro Junior,
Fátima França, Luis Fernando Galvão, Odilza Lines, Rodrigo
Oliveira, Rosalice Lopes, Sonia Liane R. Rovinski e Valdirene
Daufemback (ABPJ, 2022).

47
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

Dez anos depois do evento da AIPJ, em 2009, a ABPJ


realizou em Porto Alegre o I Simpósio Sul brasileiro de
Psicologia Jurídica, e lançamento da nova diretoria, cujos
objetivos contemplavam reorganizar administrativamente a
entidade, fomentar laços institucionais com o Sistema
Conselhos, com o Conselho Federal de Psicologia e o Fórum de
Entidades Nacionais de Psicologia do Brasil (FENPB),
reconquistar um espaço de representatividade institucional
dos psicólogos jurídicos do Brasil. Finalizando gestão de 2009
a 2011 realizou-se o I Congresso Brasileiro de Psicologia
Jurídica (2011), com 600 participantes, onde foram
desenvolvidas atividades em temáticas diversas como sistema
prisional, mediação, adoção, violência doméstica, disputa de
guarda, escuta de crianças, elaboração de documentos e ética
que permitiram discussões científicas relevantes e
enriquecedoras para a pesquisa e formação profissional em
Psicologia Jurídica.
Nas demais diretorias da entidade observou-se
escassos registros de documentos administrativos para
identificar e caracterizar com detalhamento as conquistas e
constituições dos grupos da diretoria, comissões fiscais,
participações e grupos de trabalho.
A diretoria para o biênio 2013-2015 apresentou a
manutenção das condições administrativas, fiscais e da
realização do I Congresso Internacional de Psicologia de
Jurídica na cidade de João Pessoa (2015). A gestão de 2015-
2017 realizou o I Congresso Internacional do Nordeste de
Psicologia Jurídica em Salvador (2016) e II Congresso
Internacional de Psicologia Jurídica (2017) em Belém.

48
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

A gestão de 2017-2019 por sua vez, desenvolveu


aspectos administrativos, otimizou o site, a prestação de
contas, o balanço fiscal dentre outras atividades, visando a
configuração e a atualização institucional da entidade. No site
passou a ter compativel a constituição da personalidade
jurídica, além de nova marca da instituição congruente com os
preceitos organizativos de uma entidade não comercial.
Promoveu ações de cooperação institucionais de caráter
técnico junto da Red Iberamericana de Asociaciones Nacionales
de Psicologia Jurídica y Forense além de colaborar com grupo
internacional da American Psychological Association (APA)
sobre terrorismo, com Sociedade Brasileira de Psicologia, e
no Fórum de Entidades Nacionais da Psicologia Brasileira
FENPB do Conselho Federal de Psicologia. Realizou-se o I
Encontro Maranhense de Psicologia Jurídica e Direitos
Humanos e instituiu-se os CADERNOS DE PSICOLOGIA
JURIDICA, uma coletânea de livros eletrônicos.
As gestões de 2019 a 2021 e 2021 a 2023
fundamentaram ainda mais as relações interinstitucionais
nacionais e internacionais, realizando a publicação oito
volumes dos Cadernos de Psicologia Jurídica, do Dicionário de
Termos Psicológicos para Processos Periciais, além do
lançamento da Revista de Psicologia Jurídica e Forense.
Participou ativamente em eventos nacionais e internacionais,
de representações em instituições como Observatório de
Psicologia da América Latina, Associacion latino-americana de
Psicologia Jurídica y Forense, Instituto IBERCRIMA, e a
participação de diversos eventos internos e externos de alta
qualidade na área.

49
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

Desafios futuros

Todas as instituições apresentam um ciclo de


atividade relacionado não somente com o macro contexto, mas
também aos distintos âmbitos em que a sociedade solicita
atividades profissionais. Desta forma nem mesmo a ABPJ pode
com os seus 25 anos deixar de experienciar fases consoantes
ao zeitgeist da sociedade brasileira, das necessidades de
renovações legais e das suas práticas profissionais. Mas é
possível identificar e caracterizar as fases observadas com as
temáticas que os eventos científicos expressavam, pois como
anteriormente foi destacado, as antigas gestões deixaram
documentação escassa o que não permite outros dados de
análise.
Observando os primeiros eventos, cuja presença foi
institucionalmente passiva, caracterizada pelo seguimento ao
cenário e contextos internacionais, como em Cuba e Barcelona,
verifica-se a necessidade de reconhecimento da atividade do
profissional no contexto jurídico. Em diversos eventos a
temática dirigia-se a constituição da identidade do psicólogo
jurídico, discutindo os aspectos normativos, técnicos, de
condições profissionais, legais e até mesmo de representação
social do profissional. Contudo, na medida que o processo de
constituição institucional ganhava força e representatividade
profissional no Brasil, os pontos de atenção dos temas nos
eventos constituíam-se na atividade do profissional psicólogo
jurídico e as possíveis limitações de sua atuação no âmbito
jurídico. Em alguns eventos gravitaram neste ponto e figuras
nacionais e internacionais amparam os fundamentos teóricos
da ação profissional, o que competia, a quem competia o que

50
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

e o contexto jurídico, era a tônica que consolidava um dos


aspectos identitários do profissional nestes momentos.
De igual forma pode se verificar também que os
desafios da sociedade brasileira agiram como aglutinadores de
temáticas nos eventos por vezes em discussões polarizadas,
para em outros momentos, a percepção do desenvolvimento e
renovações legais caracterizarem emblemáticos debates, como
por exemplo na temática de Depoimento sem danos.
Especificamente neste ponto, verificou-se que a temática
discursiva saiu de uma retorica para relacionar a prática
profissional, contextualizada e amparada com evidências
científicas da atuação do psicólogo. A constância dos eventos
pode ofertar temáticas relacionadas a temas como
competência, expertise, bases teóricas e técnicas de atividades
do profissional.
A cooperação e o desenvolvimento técnico-científico
da ABPJ também se evidencia como relacionada ao contexto
interinstitucional, com participação em entidades cientificas
como a Sociedade Brasileira de Psicologia, Sociedade Brasileira
de Neuropsicologia, Associacion Latino-americana de
psicologia jurídica y forense, American Psychological
Association, Instituto Iberoamericano de Criminología Aplicada
e Observatorio de la Psicología en América Latina. Nestas se
ampliaram a necessidade de discussão e representação de
aspectos de desenvolvimento da expertise profissional, como
tema de relevância no contexto internacional. Este é o ponto
que caracteriza o cenário técnico na atualidade, os esforços da
gestão para o desenvolvimento de processo qualificadores da
competência profissional e, cuja repercussão pelas

51
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

consequências da pandemia COVID tem seu precipitador no


atual momento.

Desafios frente a Pandemia e suas consequências

As atividades do profissional no âmbito jurídico,


diante da pandemia, evidenciam consequências nos vínculos,
ações cotidianas e do impacto na prática de diversas ações
profissionais (ALCHIERI, 2021). Estima-se que a pandemia de
COVID-19 poderá acelerar um processo de modificações no
trabalho, mudanças que já vinham sendo observadas e
determinam-se com base na conformação de do padrão de
produção, como a Indústria 4.0. Este padrão se manifesta em
alterações profundas na forma de produzir e no uso do
ambiente de trabalho.
Segundo o World Economic Fórum (WEF) de 2018, até
2022 as habilidades necessárias para executar a maioria das
atividades profissionais terá mudado significativamente,
estimando-se que até 54% de todos os funcionários
necessitarão de reavaliação e renovação de suas competências.
Isso é verificado tanto nas demandas decorrentes de ações
cada vez mais qualificadas como no trabalho tradicional, na
mobilização dos novos conhecimentos adquire caráter
estratégico para as organizações, seus respectivos países e,
também, nos próprios trabalhadores.
A Psicologia Jurídica enquanto campo de
conhecimento e de pesquisa, tem igualmente vivenciado
consequências diretas e indiretas em suas atividades devido a
pandemia. Desde a declaração da Organização Mundial da
Saúde (OMS) de 2020 sobre a pandemia Coronavírus SARS-

52
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

CoV2 (COVID–19), medidas urgentes e eficientes foram


tomadas para proteger os direitos humanos em todos os
momentos, tais quais a Resolução 1/2020 da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (COMISSÃO
INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS [CIDH], 2020). A
mesma questão não é diferente do trabalho da Psicologia
Jurídica e no mundo, e especialmente no contexto da América
Latina.
O exercício profissional no âmbito jurídico e forense é
fundamentado por critérios de científicos e de pressupostos
legais, que traduz as adversidades do contexto laboral, não
apenas ao uso ou escolha de uma técnica ou instrumento que
atenda normas, mas no conjunto de operações e análises
realizadas ao longo do processo pericial. Entidades
profissionais observam os pontos de revisão de
procedimentos, processos técnico científicos para
desenvolver ações profissionais com o mesmo rigor científico
e qualidade, a fim de garantir um pleno exercício profissional
(American Psychological Association [APA], 2020; International
Labour Organization [ILO], 2020; Organização Mundial da
Saúde [OMS], 2019).
A Psicologia Jurídica em seu papel de intervenção, nas
diferentes áreas da administração da justiça, e considerando o
contingenciamento da pandemia, tem desafio de desenvolver
processos que atendam à ajustem necessidade atual,
cumprindo as normas de ciência e as diretrizes legais de cada
país. O exercício profissional a partir sobre dos princípios da
ética, da ciência e da justiça é embasado, em diferentes áreas
e contextos da psicologia jurídica, em atividade
essencialmente presenciais. Com o contingenciamento social

53
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

da pandemia, essa situação provocou mudanças


caracterizando como imperativo o fornecimento de diretrizes
e recomendações para a prática/avaliação de especialistas no
campo da Psicologia Jurídica, especialmente, ao exercício
profissional de qualidade.
Diversas atividades foram caracterizadas por
entidades como American Psychological Association (APA,
2020), Asociacion Latinoamericana de Psicologia Juridica y
Forense (ALPJF, 2021), International Test Comission (ITC,
2014), Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ, 2021)
e Asociacion Argentina de Estudio e Investigacion em
Psicodiagnostico (ADEIP, 2015), sensíveis as contingências
atuais, e desta forma, preconizaram instruções técnicas
quanto ao manejo de instrumentos psicológicos,
procedimentos de atendimento em variados contextos
(entrevistas, coleta de dados e intervenções). Cabe as
instituições, ao aproximar o término da pandemia, repensar os
procedimentos técnicos e metodológicos em sua eficiência e
efetividade, de forma a garantir, não somente em nova
emergência sanitária instrumentais adequados, mas ampliar
sobremaneira a qualidade destes na atualidade.

Desafio da Certificação Profissional

O desafio da área jurídica é operar com critérios


científicos os princípios legais, no conjunto de operações e
análises realizadas ao longo do processo. É essencial rever os
fenômenos psicológicos em comparação as normas e
requisitos de aplicabilidade a cenários, fenômenos ou
contextos menos tradicionais, de modo que adaptações

54
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

metodológicas em consonância com princípios técnicos,


jurídicos e éticos relevantes possam ser caracterizadas.
Igualmente importante é identificar linhas de investigações
que possam contribuir para essas questões e que não podem
ser respondidas a partir do estágio atual do conhecimento no
atual momento. A necessidade expressa está em amparar no
desenvolvimento técnico científico o tema relevante da prática
psicológica, de forma a concentrar e fomentar discussões para
orientar, informar e empoderar profissionais nos diversos
âmbitos e temas do trabalho psicológico, além de elaborar
material de subsídio técnico científico de suporte aos
profissionais.
A ABPJ busca agora, acompanhando o cenário
institucional internacional de valorização da qualificação
profissional, implementar ações de qualificação de
competências por meio da elaboração de proposta de
certificação de competência profissional. Assim, visando
caracterizar com denodo os critérios técnicos científicos e a
qualificação de seus membros, apresenta elementos que
podem subsidiar o desenvolvimento e qualificação técnico-
profissional, a importância dos aspectos teóricos,
metodológicos e de evidências no contexto internacional,
integrando assim saberes institucionais.
Apresentam-se alguns pontos de atenção relativos a
temática da certificação profissional, caracterizando aspectos
institucionais, normativos institucionais e as diretrizes de
atuação profissional, por associações técnico cientificas.
Igualmente aborda-se também a necessidade de atualização de
normativas e políticas de processo técnico científico, como a
certificação profissional e seus desdobramentos e desafios,

55
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

para os profissionais. Tais aspectos vale reforçar, são atuais e


relevantes em diversos países e instituições técnico cientificas
latino-americanas, mantendo a base de integração e
representação interinstitucional internacional.
É importante destacar que a Psicologia Jurídica em seu
papel de intervenção, assim como a Avaliação Psicológica
Forense, em suas distintas áreas de expressão na
administração da justiça, e considerando o contingenciamento
laboral e social da pandemia, deparou-se com o desafio de
desenvolver processos metodológicos que pudessem atender
à necessidade social, cumprindo as normas técnico cientificas
de ciência e as diretrizes legais.
O exercício profissional é fundamentado e orientado,
a partir sobre dos princípios da ética, da ciência e da justiça e,
embasado em processos de intervenção, em diferentes áreas e
contextos da psicologia jurídica, atividades até então,
essencialmente presenciais. As evidências internacionais
demonstram a necessidade de uma exigência técnico cientifica
constante como fundamento no exercício profissional do
psicólogo. A continua atualização cientifica é respaldada em
base legal, por sua vez, as entidades técnicas discutem há
décadas a possibilidade de identificação das competências e
habilidades no exercício profissional.
Entidades científicas, técnicas e profissionais voltam-
se para revisão de procedimentos e processos de atividades
técnico cientificas em seu trabalho para desenvolver ações
com o mesmo rigor científico e qualidade, a fim de garantir o
exercício profissional (ALCHIERI et al., 2022). No contexto
internacional ibero-americano, algumas instituições estão
atentas as necessidades constantes de atualização de

56
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

profissionais, sem perder foco quanto as dificuldades de


implementar processos certificadores para este objetivo. Na
Ibero américa a Asociación Latino-americana de psicologia
Jurídica y Forense, a Red Ibero-americana de Entidades de
Psicologia Jurídica e a Associação Brasileira de Psicologia
Jurídica são exemplos de entidades que somam esforços em
cooperações técnicas voltadas ao aperfeiçoamento
profissional e a qualificação do trabalho do psicólogo na área
jurídica.
Como principal ênfase destaca-se aqui a identificação
dos elementos de caracterização da certificação técnico
cientifica e os obstáculos administrativos e legais a ela
relacionada. Trata-se de identificar, descrever e caracterizar
elementos que subsidiam o processo de certificação técnico-
profissional quanto aos aspectos teóricos, metodológicos e do
cenário nacional, visando integração com demais instituições
da área, no Brasil como no exterior. No contexto jurídico,
especificamente operado por critérios da ciência psicológica e
dos pressupostos legais, o problema não se refere apenas ao
uso ou escolha de uma técnica ou instrumento que atenda a
determinadas normativas, mas também ao conjunto de
operações e análises realizadas ao longo do processo pericial.
Implicitamente ao fazer psicológico num processo avaliativo
pericial encontram-se representados aspectos como aceitação
das tarefas, planejamento, desenvolvimento e análise dos
dados obtidos, registro em relatórios, a defesa oral, bem como
a salvaguarda do material coletado, são aspectos a serem
atualizados, frente as necessidades que a emergência sanitária
apresenta hoje de forma a salvaguardar os direitos dos
participantes.

57
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

A necessidade de implementação de processo de


certificação ampara-se na ampla discussão entre os membros
de entidades técnico cientificas, no estabelecimento de
indicadores e qualificadores profissionais, identificação de
elementos impactantes e de restrição na atividade
profissional, na elaboração de métricas de valores aos itens
definidos anteriormente e na identificação de processos de
acompanhamento e verificação de efetividade. É de
fundamental importância a ideia de manutenção constante por
parte do profissional, o seguimento da atuação profissional,
especialmente a possibilidade de elaboração de sistema de
redefiniçao e qualificação profissional, de forma a incrementar
e fomentar desenvolvimento profissional.
Com a identificação de competências, habilidades e
desenvolvimento de indicadores, critérios visando
parametrizar um processo constante de acompanhamento e
qualificação técnico científica, precisam ser acompanhados.
Na sequência vislumbra-se a apropriação da temática pelos
associados para com a ideia continua e constante de
desenvolvimento técnico, visando sensibilizar na sua
implementação o contexto institucional, ao mesmo tempo que
empodera o profissional quanto o gerenciamento de um
processo de auto qualificação.
A Associação Brasileira de Psicologia Jurídica como as
demais instituições científicas e profissionais, com
profissionais na atuação no campo jurídico, tem como objetivo
fundamental a promoção do desenvolvimento da área Jurídica,
por meio do incentivo à pesquisa, da formação continuada, da
comunicação de ações e da avaliação da qualidade dos
serviços profissionais dos psicólogos no campo jurídico.

58
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

A busca por implementar e desenvolver uma política


de incentivo a qualificação técnico cientifica iniciou na ABPJ
com a constituição e publicação dos Cadernos de Psicologia
Jurídica em 2017, caracterizando um veículo e atualização ao
afiliado. Assume ainda o desafio, na publicação da Revista
Psicologia Jurídica e Forense, de consolidar propostas de
transmissão de ideias e práticas profissionais, integrando e
interligando profissionais em um país de dimensões
continentais, ao mesmo tempo que almeja ser agente
internacional neste intercambio de práticas profissionais.
Assim, ao possibilitar a elaboração, difusão e
discussões de atividades realizadas pelos associados em
diversos contextos, cria-se espaço de apresentação,
aprendizagem de práticas e ações realizadas, de psicólogos a
psicólogos, do Brasil ou exterior, para que possam
fundamentar demais atividades, ao mesmo tempo sem custo
ou ônus individual, enquanto se prospera a ABPJ enquanto
entidade científica plena e atuante.

REFERÊNCIAS

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contexto legal e forense frente as consequências da Pandemia
SARS-CoV2 (COVID – 19). In: ALCHIERI, J. C.; ALVES, C. H. L.;
BRANCO, T. C. (Org.) Práticas e contextos em Psicologia
Jurídica . São Luiz: ABPJ. 2021. Cap. 1, p. 2-7. Disponível em:
https://bit.ly/abpj-caderno-5.

ALCHIERI, J. C. SALAS, W.M. E VÁSQUEZ, J.C.T. Psicologia


jurídica na América Latina: seus desafios e necessidades. In:
ALCHIERI, J. C.; ALVES, C. H. L.; BRANCO, T. C. (Org.) Desafios
do Psicólogo em Psicologia Jurídica. São Luiz: ABPJ, 2021.
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caderno-7.

AMERICAN PSYCHOLOGICAL ASSOCIATION.


Teleneuropsychology: new resources for your practice,

59
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

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successfully providing neuropsychology services via
telehealth. Washigton: APA, 2020. Disponível em:
https://www.apaservices.org/practice/reimbursement/health-
codes/testing/teleneuropsychology-resources.

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PSICODIAGNOSTICO. Consideraciones sobre el uso de los
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Coronavirus - Respostas de la Seguridad Social. [s. l.]: AISS,
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http://www.abpj.org.br/historico.php

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1/2020. Washington: CIDH. Disponível em:
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on the Security of Tests, Examinations, and Other
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https://www.intestcom.org/files/guideline_test_security_span
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LAGO, V. D. M. et al. Um breve histórico da psicologia jurídica


no Brasil e seus campos de atuação. Estudos de psicologia,
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de la OIT y el COVID-19. Preguntas- frecuentes. Disposiciones
fundamentales de las normas internacionales del trabajo
pertinentes en el contexto del brote de COVID-19. Genebra:
OIT, 2020. Disponível em:
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por Coronavirus (COVID-19): orientaciones para el público,
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Genebra: WHO. Disponível em:
https://www.who.int/es/emergencies/diseases/novelcoronavi
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ECONÓMICOS. Coronavirus: la economía mundial en riesgo.
Paris: OECD, 2020. Disponível em:

60
Capítulo 3 – Aspectos históricos e desafios futuros na Psicologia Jurídica
Brasileira

http://www.oecd.org/perspectivas-%20economicas/marzo-
2020/.

61
Transtorno de personalidade
antissocial e psicopatia:
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na
literatura científica

Jadson Ramos e Sousa Santos


Tayane Carolina Santos Sousa

Introdução

Em Saúde Mental e Psicopatologia, o Transtorno de


Personalidade Antissocial (TPAS) é compreendido entre os
transtornos de personalidade, que se caracterizam por
fomentar nas pessoas modos de interação disfuncionais e
pouco adaptativos a nível afetivo, social e profissional
(SOARES, 2010). Dessa forma, o indivíduo que vivencia tais
transtornos tem percepções incongruentes sobre si e suas
relações interpessoais.
Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM-5) (APA, 2014, p. 659), o TPAS
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

caracteriza-se por grosso modo apresentar um “[...] padrão


difuso de desconsideração e violação dos direitos de outras
pessoas que ocorre desde os 15 anos de idade [...]”. Dentre as
manifestações de personalidade e comportamentais
relacionadas a este transtorno, é possível mencionar
dificuldade de adaptação às normas sociais, tendência à
manipulação de informações e pessoas, ausência de
sentimento de culpa e irascibilidade.
A psicopatia é um transtorno muito associado ao TPAS
na literatura científica, sendo definida como um transtorno
que afeta as relações interpessoais, a afetividade e se
configura principalmente por um padrão de comportamentos
que denotam menosprezo pelos direitos dos outros (NUNES,
2011). O presente trabalho avaliou cinco estudos de revisão a
fim de compreender as percepções sobre o conceito de
psicopatia; o conceito de TPAS; e se há delimitação clara entre
ambos.

Metodologia

O presente trabalho consiste em uma revisão narrativa


da literatura científica (ROTHER, 2007). As perguntas que
nortearam a pesquisa foram: a) Quais são as percepções sobre
os conceitos de TPAS e Psicopatia na literatura científica
recente? b) Os conceitos têm uma delimitação clara entre si? c)
E, caso não haja, quais são as implicações dessa indefinição
conceitual nos estudos conduzidos sobre e/ou a partir dessa
temática?
Para a coleta de dados foram pesquisadas durante o
mês de dezembro de 2018 publicações no idioma português

63
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

indexadas em bancos de dados eletrônicos, a saber: Literatura


Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) e
Scientific Electronic Library Online (SciELO). Foram
empregados os descritores “transtorno de personalidade
antissocial” e “psicopatia” em ambos os bancos de dados, a
priori, sem delimitar um intervalo temporal. Foi obtido o total
de 49 resultados através dessa pesquisa.
Posteriormente, com o objetivo de avaliar os conceitos
encontrados na literatura científica nos últimos 10 anos,
delimitou-se o período entre 2009 e 2018. Em relação ao tipo
de publicação, somente os que se encaixavam na categoria de
artigo científico e com texto completo disponível foram
considerados. Ao final desse processo, foram obtidos 12
(doze) resultados do LILACS e 1 (um) resultado do SciELO.
Após as etapas descritas, foram aplicados os seguintes
critérios de inclusão: 1) Possuir os termos “transtorno de
personalidade antissocial” e “psicopatia” no corpo do
trabalho; 2) Ser um estudo de revisão de literatura ou ensaio;
3) Haver no máximo um artigo por mesmo(s) autor(es) – nesse
caso, o artigo mais antigo foi selecionado. O critério de
exclusão foi possuir os termos “transtorno de personalidade
antissocial” e “psicopatia” somente nas referências
bibliográficas.
Dos 13 artigos encontrados, 5 atenderam aos critérios
de inclusão e foram selecionados para a síntese descritiva
localizada na seção “Resultados” do estudo. Os oito artigos
que não atenderam aos critérios foram descartados. A seção
“Discussão” propõe uma análise crítica da síntese descritiva
desenvolvida nos resultados e utilizou publicações
complementares às que constam na seção “Resultados”, com o

64
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

propósito de explorar outros horizontes sobre o tema


abordado.

Síntese descritiva das publicações selecionadas sobre a


percepção dos conceitos de TPAS e Psicopatia

Analisando os artigos selecionados buscou-se


identificar em cada um deles: a compreensão sobre o conceito
de TPAS; a compreensão sobre o conceito de Psicopatia; qual a
relação estabelecida entre os transtornos (se são iguais,
diferentes, correlatos etc.). Foram selecionados alguns
excertos dos artigos que ratificam a posição dos autores em
relação às questões acima para discussão posterior. Eles estão
dispostos a seguir por subtópicos evidenciados pelo título.

A suplência perversa em sujeitos psicóticos como uma


possível chave de leitura da psicopatia

Para Santos (2014, p. 68), entende-se que TPAS e


Psicopatia sejam transtornos equiparáveis, como observado a
seguir:

A psicopatia, ou Transtorno de Personalidade


Antissocial, tal como foi reclassificada pelo DSM e pelo
CID-10, circula pelo discurso da mídia e pelo imaginário
popular sem que se saiba muito sobre o seu estatuto,
sua causalidade e sobre as possibilidades de tratamento.

Santos (2014, p. 68) evoca o conceito nosológico de


TPAS segundo o DSM-IV TR para descrevê-lo, afirmando que o
TPAS possui como qualidade fundamental “um padrão global
de desrespeito e violação dos direitos alheios, que se
manifesta na infância ou no começo da adolescência e

65
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

continua na vida adulta”. O estudo segue discutindo sobre


TPAS/Psicopatia a partir de uma visão psicanalítica,
asseverando que o transtorno não seria privativo à estrutura
neurótica, psicótica, tampouco perversa, mas avalia que o
diagnóstico de psicopatia é uma tentativa de estabilização
psicótica com sintomas perversos (SANTOS, 2014).
Adicionalmente, a autora critica a associação imediata
feita entre assassinos em série com a psicopatia/TPAS,
argumentando que há uma série de possibilidades
diagnósticas que podem dizer sobre esse mesmo fenômeno.
Santos (2014, p. 77) reforça a ideia do cuidado com o
diagnóstico de psicopatia dizendo que “existe em certas
configurações psicóticas uma ‘conivência com atos
sadomasoquistas extremos’, o que, não raro, engendra
diagnósticos equivocados, como o de psicopatia”. O
pensamento da autora, portanto, problematiza a associação do
transtorno com a violência, sem identificar uma diferença
qualitativa entre as nomenclaturas dos transtornos.

De H. Cleckley ao DSM-IV-TR: a evolução do conceito de


psicopatia rumo à medicalização da delinquência

Henriques (2009) propõe uma exploração da origem,


evolução e entendimento dos conceitos de TPAS e Psicopatia,
à época da publicação do artigo. De acordo com o autor,
inicialmente, o termo psicopatia era utilizado na literatura
médica para designar o portador de qualquer transtorno
mental, não havendo relação com o TPAS e/ou a personalidade
antissocial.

66
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

O autor contextualiza que a partir do século 19 na


Alemanha a psicopatia começa a ser compreendida como um
construto diferente dos demais transtornos mentais,
compreensão solidificada posteriormente por autores como
Kraepelin, Birnbaum, Gruhle e Schneider. Embora no início do
século 20 Kretschmer tenha concluído que a personalidade
psicopática seria uma manifestação branda da loucura, essa
conceituação não foi a que prevaleceu como pode ser
constatado a partir de Hervey Milton Cleckley (1988, apud
HENRIQUES, 2009).
Henriques (2009) menciona Cleckley como o estudioso
que fundamentou o conceito de psicopatia muito prevalente
até hoje. A obra de Cleckley, com destaque para The Mask of
Sanity (primeira edição de 1941), evoca a psicopatia como “[...]
uma forma de doença mental, porém, sem os típicos sintomas
das psicoses, o que conferiria ao psicopata uma aparência de
normalidade” (CLECKLEY, 1988 apud HENRIQUES, 2009, p.
289).
O autor prossegue explicando a personalidade e
comportamento do psicopata segundo Cleckley (1988, apud
HENRIQUES, 2009): indivíduo que causa uma boa impressão
social inicial, embora longitudinalmente demonstre
irresponsabilidade e desconsideração por convenções;
raciocínio bem articulado; egocentrismo, afetividade limitada;
sentimento de culpa e remorso prejudicados; comportamento
sexual desviantes.
Henriques (2009) explora a visão psicanalítica sobre a
psicopatia em paralelo com o que ele denomina de nosografia

67
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

psiquiátrica1 de inspiração positivista, situando da seguinte


forma a psicopatia na teoria psicanalítica: “Nesse sentido, a
nosografia psicanalítica2 pressupõe uma unidade
psicopatológica fundamental entre a psicopatia e as parafilias
em torno da ‘estrutura perversa’, sendo a diferença entre
ambas quantitativa” (HENRIQUES, 2009, p. 294). Desse modo,
enquanto a nosografia psicanalítica compreenderia a
psicopatia de maneira estrutural, discursiva e a partir da
escuta clínica do sujeito, a nosografia psiquiátrica implicaria
em uma espécie de reducionismo conceitual, banalizando-o e
correlacionando-o ao comportamento social desviante da lei,
o que por sua vez corroboraria para a
“patologização/medicalização dessas práticas desviantes”
(HENRIQUES, 2009, p.295).
Acerca da relação entre a psicopatia e o TPAS,
Henriques (2009) afirma que nos manuais diagnósticos
contemporâneos, os dois se equivalem. No entanto, essa
equivalência não é uma unanimidade. Henriques (2009),
citando Hare (1996) – um dos estudiosos mais importantes da
psicopatia e criador da Hare Psychopathy Checklist-Revised
(PCL-R), escala que avalia traços de personalidade psicopática,
menciona que há discordâncias sobre serem equiparados, pois
os manuais diagnósticos focam excessivamente nos aspectos
observáveis do transtorno, enquanto a avaliação da psicopatia
requer identificação de traços da personalidade do indivíduo.
A psicopatia seria então uma manifestação agravada do TPAS
(HARE, 1996 apud HENRIQUES, 2009).

1
Diz respeito à descrição e explicação de transtornos mentais na Psiquiatria.
2
Descrição e explicação de transtornos mentais a partir da perspectiva da
Psicanálise.

68
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

Henriques (2009) problematiza o diagnóstico de TPAS


a partir do CID-10 e DSM-IV-TR, que segundo o autor, têm
tipologias essencialmente negativas sobre o transtorno. A
principal crítica feita é que os manuais diagnósticos listam
anomalias comportamentais como sintomas da
psicopatia/TPAS. Henriques (2009) finaliza com alguns
questionamentos acerca das possíveis consequências dessa
postura taxativa em relação ao transtorno:

À guisa de conclusão, resta-nos questionar se a


psicopatia, enquanto categoria psiquiátrica do DSM, não
acabaria por se aplicar sobretudo aos delinquentes e
criminosos? Em caso afirmativo, o que justificaria esta
expansão da psiquiatria norte-americana rumo ao
normal, a não ser o controle dessas pessoas pelo viés da
medicina, por meio de uma gestão dos fatores de risco
populacionais? (HENRIQUES, 2009, p. 299).

Fatores de risco envolvidos no desenvolvimento da


psicopatia: uma atualização

Destarte, Natrielli Filho, Enokibara e Szczerbacki


(2012, p. 9) concebem que o próprio conceito de transtorno de
personalidade ainda se encontra sob processo de
reformulações nos manuais diagnósticos de psiquiatria, bem
como asseveram que “os termos ‘psicopatia’ e ‘psicopatas’
seriam utilizados no trabalho referindo-se ao TPAS por serem
termos equivalentes na literatura”. No entanto, os autores
admitem que o desenvolvimento da personalidade é um tema
complexo com inúmeras variáveis biopsicossociais, portanto
definir a psicopatia e sua etiologia ainda não é completamente
possível.
Natrielli Filho, Enokibara e Szczerbacki (2012, p. 9)
conceituam o TPAS como “[...] um padrão persistente e

69
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

inflexível de comportamentos disfuncionais que


comprometem o funcionamento e adaptação do indivíduo,
causam sofrimento subjetivo e atinge aqueles que com ele
convivem”. Embora os autores tenham equiparado o TPAS à
psicopatia, eles entendem que, atualmente, a psicopatia
apresenta critérios diagnósticos mais amplos do que os
preconizados nos manuais diagnósticos. Portanto, Cleckley
(1955, apud NATRIELLI FILHO; ENOKIBARA; SZCZERBACKI,
2012, p. 9) é evocado para listar as características mais
comuns do psicopata:

[...] encanto superficial e boa inteligência; ausência de


delírios e outros sinais de alterações do pensamento;
ausência de manifestações “neuróticas”;
irresponsabilidade; mentira e falta de sinceridade; falta
de remorso ou vergonha; comportamento antissocial
sem constrangimento aparente; senso crítico falho e
deficiência na capacidade de aprender pela experiência;
egocentrismo patológico e incapacidade de amar;
pobreza geral de reações afetivas; indiferença em
relações interpessoais gerais; dificuldade em seguir
qualquer plano de vida (NATRIELLI FILHO; ENOKIBARA;
SZCZERBACKI, 2012, p. 9).

O trabalho segue discutindo alguns fatores de risco


para o desenvolvimento do TPAS/psicopatia, a saber: fatores
neurobiológicos; aspectos psicossociais; comorbidades com
outros transtornos mentais. A ideia defendida é que a
literatura científica sobre o(a) TPAS/psicopatia tem
demonstrado alguns elementos em comum entre os indivíduos
diagnosticados com o transtorno, e que a prevenção pode
atenuar os riscos de desenvolvimento de uma personalidade
antissocial, pois os portadores do transtorno ainda se
encontram muito associados à prática de infrações, crimes e

70
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

recidiva no sistema prisional (NATRIELLI FILHO; ENOKIBARA;


SZCZERBACKI, 2012).

Psicopatia em homens e mulheres

Gomes e Almeida (2010) entendem que a psicopatia é


um transtorno mental que abrange desvios de caráter que
estão associados à manifestação de comportamentos
antissociais. No tocante ao perfil do indivíduo portador da
personalidade psicopática, Gomes e Almeida (2010) comentam
que os psicopatas manifestariam pobreza afetiva,
comportamento socialmente inadequado, ausência de empatia
e remorso, egocentrismo, juízo crítico fraco, impulsividade
exacerbada, prejuízos severos na capacidade de sentir
emoções. Por conta disso, a psicopatia constituiria um fator de
risco para atos infracionais e crimes.
Gomes e Almeida (2010, p. 14) fazem uma comparação
entre a psicopatia e o TPAS, trazendo o seguinte entendimento
sobre os transtornos:

Existem outros transtornos, com características


bastante semelhantes às da psicopatia, que também são
conhecidos, tais como o transtorno de personalidade
antissocial (TPAS) e a sociopatia. Embora compartilhem
da maioria dos sintomas, a psicopatia apresenta,
segundo Hare (1991), características que não estão
presentes nos antissociais e sociopatas. Em
contrapartida, a APA (2002) classifica o transtorno de
personalidade antissocial como sendo igual à psicopatia
e à sociopatia. Deste modo, o TPAS, a psicopatia e a
sociopatia não são categorias distintas, mas sim
categorias sobrepostas e complementares (SHINE, 2000).
Portanto, é possível inferir que todos os psicopatas
devem ser considerados antissociais e sociopatas, mas
destes nem todos podem ser considerados psicopatas
(GOMES; ALMEIDA, 2010, p. 14).

71
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

Gomes e Almeida (2010) tratam sobre a dificuldade de


se diagnosticar precisamente a psicopatia pois,
diferentemente dos transtornos psicóticos, os psicopatas
muitas vezes apresentam comportamento e relações
interpessoais aparentemente normais, que podem passar
despercebidos por pessoas que não sejam do convívio íntimo
e notem algumas ações que levantem suspeitas sobre a
sanidade mental do psicopata.
As autoras complementam que há graduações dentro
do diagnóstico de psicopatia, pois há indivíduos que
apresentam somente comportamento social desviante sem
atos infracionais de maior periculosidade, como há indivíduos
que se tornam assassinos em série, que são a variação mais
violenta do transtorno e mais facilmente identificável. Para
Gomes e Almeida (2010), a etiologia da psicopatia ainda é um
campo de estudo em aberto, no entanto, admitem que há
fatores biopsicossociais que podem exercer influência no
desenvolvimento do transtorno.

Psicopatia: o construto e sua avaliação

Hauck Filho, Teixeira e Dias (2009), citando Hare e


Neumann (2008), iniciam o artigo reconhecendo que embora
haja controvérsia acerca da psicopatia, o conceito tem sido
usado para abranger categorias de manifestações
comportamentais e afetivas socialmente desviantes por
diferentes áreas: medicina, psicologia, ciências jurídicas e
pelo senso comum. Inicialmente, a psicopatia era um
transtorno majoritariamente associado às populações
carcerárias e manicômios judiciários, porém, o entendimento

72
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

atual é que a psicopatia é um transtorno que pode estar


presente em qualquer indivíduo (HAUCK FILHO; TEIXEIRA;
DIAS, 2009).
Hauck Filho, Teixeira e Dias (2009) resgatam o
histórico do conceito de psicopatia ao retratar que o
transtorno surgiu no contexto da medicina legal, quando os
profissionais se depararam com criminosos de violência
acentuada, porém sem nenhum traço psicótico. Esse mesmo
perfil comportamental violento sem psicose inspirou o
psiquiatra francês Philippe Pinel (1801/2007, apud HAUCK
FILHO; TEIXEIRA; DIAS, 2009) a criar o termo “mania sem
delírio”, reforçando o fato que os indivíduos tinham ciência da
natureza de seus atos.
O artigo ressalta a importância de avaliar aspectos
comportamentais, interpessoais, afetivos e traços de
personalidade para identificar o diagnóstico de psicopatia em
uma pessoa, e utiliza a mesma definição da personalidade
psicopática de Cleckley (1955) supracitada neste trabalho. Em
relação à diferença entre a psicopatia e o TPAS, o diagnóstico
de TPAS teria sido uma tentativa de operacionalização dos
manuais psiquiátricos acerca do conceito de psicopatia, mas
esses manuais teriam focado excessivamente nas
manifestações comportamentais da psicopatia,
negligenciando os aspectos subjacentes da personalidade,
relações interpessoais e afetividade (HAUCK FILHO; TEIXEIRA;
DIAS, 2009).
Além dessas incongruências, Hauck Filho, Teixeira e
Dias (2009) apontam que hoje o TPAS é diagnosticado de
maneira categórica – critérios diagnósticos são avaliados e,
havendo um determinado número de critérios identificados, o

73
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

indivíduo é portador do transtorno – enquanto a psicopatia é


avaliada de maneira dimensional pelos instrumentos
apropriados – em um continuum, os indivíduos manifestariam
mais (ou menos) características do transtorno na escala de
intensidade.
Por conta das diferenças listadas, para os autores,
estas não se equivalem. Embora possa existir uma
“sobreposição” entre elas, o TPAS seria “mais abrangente e
poderia incluir ou não a psicopatia como co-morbidade”.
Segundo eles, as diferenças entre as categorias poderiam ser
também estruturais, visto que “implicam diferentes modos de
processar informações de cunho emocional” (HAUCK FILHO;
TEIXEIRA; DIAS, 2009, p. 341).

Psicopatia: reflexões sobre o conceito

É possível constatar que os trabalhos que foram


analisados têm concepções que apresentam certa
convergência sobre o que seria a psicopatia. Tal qual traz
Henriques (2009), com Cleckley e sua obra The Mask of Sanity
que parece ter sido um marco revolucionário no
desenvolvimento do conceito de psicopatia, que pode ser
então compreendida como uma perturbação da personalidade
que apresenta características como: charme superficial, bom
nível de inteligência, afetividade e emotividade prejudicadas,
egocentrismo acentuado, não confiabilidade, padrões de
comportamento socialmente desviantes (CLECKLEY, 1988
apud HENRIQUES, 2009).
Todos os autores associam em algum nível a
psicopatia à manifestação de comportamentos que podem ser

74
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

enquadrados como atos infracionais e crimes de maior


periculosidade. Natrielli Filho, Enokibara e Szczerbacki (2012)
entendem a psicopatia como um claro fator de risco para a
criminalidade, porém Henriques (2009) questiona se o
diagnóstico de psicopatia não apresentaria uma aplicação
acentuada a populações em litígio com a justiça, bem como
indaga se não há um esforço do Estado em tentar controlar
fenômenos sociais indesejáveis penalmente juntando as
ciências jurídicas com a psiquiatria.
Gomes e Almeida (2010) e Hauck Filho, Teixeira e Dias
(2009) possuem posicionamento semelhante sobre a
associação da psicopatia à violência e criminalidade. Gomes e
Almeida (2010) admitem que embora haja o tipo de psicopata
inclinado para crimes de maior periculosidade, há também
indivíduos que portam o transtorno que estariam muito mais
relacionados à atos infracionais leves e manifestações sociais
desviantes.
Hauck Filho, Teixeira e Dias (2009) argumentam que
embora as populações carcerárias e de manicômios judiciais
tenham sido o público-alvo para pesquisas e desenvolvimento
do conceito de psicopatia, hoje entende-se que o transtorno
pode ser identificado na população em geral, desde que as
medidas psicométricas foquem em avaliar traços de
personalidade, relações interpessoais e afetividade mais que
no comportamento. Santos (2014) se contrapõe à associação
imediata entre o diagnóstico de psicopatia em assassinos em
série, abrindo a possibilidade para o estudo de outros
transtornos ligados ao fenômeno.
A relação da psicopatia com a criminalidade é
particularmente intrigante porque o transtorno não é um mero

75
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

conceito abstrato sem consequências práticas, ele pode ter


implicações diversas nas vidas das pessoas diagnosticadas e
suas famílias frente à justiça e aos profissionais da saúde
mental. Silva (2016), por exemplo, entende que a psicopatia é
um transtorno não-refratário e cujos indivíduos são
intratáveis, por não terem possibilidade de se submeter às
convenções e regras sociais, justamente por apresentarem
prejuízo/ausência de juízo crítico.
Considerada um transtorno da personalidade, a APA
(2014) reforça o caráter crônico da psicopatia por se enquadrar
nessa categoria de transtorno. Ou seja, um indivíduo portador
do transtorno carrega um diagnóstico extremamente
estigmatizante perante a sociedade, o sistema de justiça e as
ciências da saúde. Kiehl e Hoffman (2011) apontam o
questionamento feito por autores críticos do conceito de
psicopatia: seria a psicopatia um transtorno mental de fato ou
tão somente um recurso apelativo das áreas forenses
disfarçados de conhecimento psiquiátrico? Os autores
mencionam ainda a preocupação com o real poder preditivo
de instrumentos que mensuram a psicopatia em jovens e sobre
o excesso de rotulação negativa de pessoas frente à justiça
(KIEHL; HOFFMAN, 2011).
Embora Kiehl e Hoffman (2011) façam o alerta, eles
ainda acreditam que a psicopatia é um construto aferível pelos
instrumentos adequados e que o transtorno, apesar de
controverso, é producente para avaliar fenômenos da
personalidade antissocial. A contribuição que Hauck Filho,
Teixeira e Dias (2009) fazem sobre avaliar com igual
importância traços de personalidade, afetividade, relações
interpessoais e comportamento antissocial talvez seja o

76
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

caminho para entender a psicopatia para além da associação à


criminalidade, comumente feita tanto pela mídia, senso
comum por vezes até mesmo em instituições de justiça e
científicas.
Santos (2014) afirma que a psicopatia está situada em
algum lugar entre as estruturas neurótica, psicótica e perversa.
A autora entende que a psicopatia seria uma tentativa de
estabilização psicótica com sintomas perversos. Apesar da
psicanálise – abordagem da autora – ter uma compreensão
sobre o psiquismo humano muito particular à psiquiatria e até
mesmo da psicologia, Santos (2014) lança mão de uma
possibilidade que não fora explorada pelos demais artigos
analisados: do funcionamento psíquico do psicopata ter
características psicóticas. Henriques (2009) chega a mencionar
que o termo “psicopata” já serviu para designar qualquer
pessoa que apresentasse um transtorno mental, mas
eventualmente converge em direção à Natrielli Filho,
Enokibara e Szczerbacki (2012), Gomes e Almeida (2010), e
Hauck Filho, Teixeira e Dias (2009) ao reconhecer que o
psicopata difere dos psicóticos por apresentar ciência sobre o
teor de suas ações, embora apresente prejuízos na empatia,
afetividade e autoavaliação crítica.
A visão de Santos (2014) provoca uma reflexão
pertinente: os estudos e pesquisas sobre a psicopatia não
estariam excessivamente normatizados teoricamente pela
psiquiatria? A psicanálise e outras teorias psicológicas podem
conceber ideias sobre a psicopatia que ainda não foram
suficientemente exploradas. Afinal de contas, as definições de
Cleckley (apud HENRIQUES, 2009) sobre a psicopatia já têm

77
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

décadas e há poucas atualizações conceituais sobre o


transtorno desde então.

Transtorno de personalidade antissocial: um conceito dos


manuais diagnósticos

O conceito/termo de TPAS é bem menos explorado nas


publicações analisadas do que o conceito de psicopatia. Esse
tópico se limitará a discorrer, na medida do possível, sobre o
TPAS isoladamente a partir das publicações analisadas,
salvando a discussão sobre a comparação entre os conceitos
para o tópico seguinte.
Santos (2014) evoca o DSM-IV-TR para conceituar o
TPAS. O TPAS seria então “[...] um padrão global de desrespeito
e violação dos direitos alheios, que se manifesta na infância
ou no começo da adolescência e continua na vida adulta” (APA,
2000 apud SANTOS, 2014, p. 68). Santos (2014), citando a APA
(2000), lista ainda os sete critérios diagnósticos para
identificar o TPAS em uma pessoa, complementando que o
manual requer que no mínimo três das sete características
estejam presentes no indivíduo, além de ser maior de idade e
ter apresentado sinais de transtorno de conduta até os quinze
anos de idade. É outro ponto crucial que o comportamento
antissocial não se dê durante o curso de esquizofrenia com
episódio maníaco.
Henriques (2009) se limita a fazer a mesma avaliação
operacional seguindo o mesmo manual diagnóstico,
ressalvando que a construção do diagnóstico de TPAS baseia-
se na teoria de Cleckley. Natrielli Filho, Enokibara e
Szczerbacki (2012), apesar de também reforçar o exposto

78
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

acima, discorrem sobre fatores de risco para o


desenvolvimento do TPAS, listando uma série de
características neurobiológicas e psicossociais associadas ao
transtorno em estudos conduzidos com populações variadas,
além de outros transtornos que surgem como comorbidades.
Gomes e Almeida (2010) e Hauck Filho, Teixeira e Dias (2009)
se focam em delimitar o TPAS da psicopatia, avalizando o que
os manuais diagnósticos caracterizam como TPAS. No entanto,
Henriques (2009) e Hauck Filho, Teixeira e Dias (2009)
argumentam que os critérios diagnósticos do TPAS nos
manuais voltam a atenção excessivamente para aspectos
comportamentais antissociais – que seriam mais facilmente
observáveis, deixando de lado características subjacentes da
personalidade.
No geral, os autores têm uma visão uniformizada sobre
o que seria o TPAS, visão essa que confere fielmente com os
manuais diagnósticos em saúde mental que utilizaram em seus
estudos, em concordância até mesmo com a versão mais
atualizada do DSM (APA, 2014), manual que serve de referência
para este presente estudo. Porém, este estudo se deparou com
um problema do qual pretendeu tratar: a indefinição na
literatura científica entre o TPAS e a psicopatia – que será
desenvolvido a seguir.

A indefinição conceitual entre TPAS e psicopatia

Os artigos analisados demonstraram que há uma


incongruência teórica acerca dos conceitos de TPAS e
psicopatia. Embora a quantidade de artigos selecionados para
análise nesse estudo não venha a configurar uma amostra

79
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

representativa do número de estudos que são publicados com


essa temática, acredita-se que já é um indício que a questão
não é pacificada na literatura científica.
Entre os artigos analisados, identificou-se que Santos
(2014) e Natrielli Filho, Enokibara e Szczerbacki (2012)
entendem que TPAS e psicopatia se trata do mesmo construto.
Durante todo o curso dos estudos desses autores, eles utilizam
os termos para se referirem aos mesmos sinais e sintomas
indiscriminadamente, como meros sinônimos.
Henriques (2009, p. 293) não é conclusivo em seu
posicionamento sobre a delimitação entre os conceitos, ele
afirma que “Nas nosografias psiquiátricas atuais, CID-10 e
DSM-IV-TR, a psicopatia agrupa-se entre os transtornos da
personalidade, sendo denominada ‘transtorno da
personalidade antissocial’”. No entanto, Henriques (2009) cita
Hare (1996), que é contra a ideia de equivalência entre TPAS e
psicopatia, apontando que a psicopatia é um agravamento do
TPAS. O autor também trabalha a visão psicanalítica sobre os
conceitos em questão, o que sugere que o autor tenha uma
postura crítica e exploratória sobre os transtornos,
manifestando preocupação com os possíveis efeitos dos
estigmas negativos que os indivíduos que são diagnosticados
como portadores podem sofrer.
Gomes e Almeida (2010) compreendem que apesar do
TPAS e da psicopatia compartilharem da descrição de vários
sintomas, os dois transtornos não se equivalem. Citando Hare
(1991), Gomes e Almeida (2010) afirmam que apesar da APA
(2002, apud GOMES; ALMEIDA, 1991) equiparar os conceitos, a
psicopatia tem características que não estão presentes no
TPAS, concluindo que os transtornos estariam em categorias

80
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

sobrepostas e que é possível inferir que todo psicopata é


também portador do TPAS, mas nem todo portador do TPAS
pode ser considerado um psicopata.
Tal ideia é similar à do trabalho de Hauck Filho,
Teixeira e Dias (2009). Esses autores são categóricos ao
delimitar os conceitos de TPAS e psicopatia, estabelecendo o
segundo como um caso agravado do primeiro, conforme
apresentado nos resultados. Ainda, os autores adicionam
outra suposta diferença entre os dois termos: a psicopatia não
consta como um transtorno diagnóstico reconhecido em
manuais, enquanto o TPAS o é.
Como pode ser observado, dos cinco trabalhos
analisados, há pelo menos duas visões diferentes sobre a
delimitação entre os conceitos de TPAS e psicopatia (e um
trabalho sem posicionamento definido). Acredita-se que essa
indefinição em relação à delimitação entre os conceitos pode
ter os seguintes efeitos: influenciar diagnósticos imprecisos;
condução de estudos com dados enviesados e/ou
inconsistentes; confundir o público em geral sobre a definição
dos transtornos.
Os dois primeiros efeitos estão intimamente
correlacionados. Se não há uma definição sobre a relação entre
os conceitos nos estudos e pesquisas científicas, os
profissionais da saúde que os operacionalizam através de
diagnósticos clínicos podem incorrer na mesma situação.
Aparentemente, não há maneira inconteste de determinar um
diagnóstico dessa natureza, pois as divergências são muitas:
há estudos (e manuais diagnósticos psiquiátricos) que
consideram TPAS e psicopatia o mesmo transtorno, como há
estudos de diversas autoridades científicas sobre o tema que

81
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

consideram TPAS e psicopatia como transtornos correlatos. Há


também divergências se a psicopatia deve ser diagnosticada
de maneira categorial ou dimensional (HAUCK FILHO;
TEIXEIRA; DIAS, 2012).
O DSM, ferramenta utilizada para auxiliar no
diagnóstico de transtornos mentais, oferece critérios
categoriais facilmente observáveis através do TPAS, que para
o DSM V equivaleria à psicopatia (APA, 2014), mas para Hauck
Filho, Teixeira e Dias (2009), o DSM inaugura uma nova
taxonomia sobre o construto.
Nas pesquisas científicas, pode ocorrer o fenômeno de
dados serem atribuídos de diferentes maneiras aos
transtornos, a priori duas aqui identificáveis: pesquisas que
produzem dados compreendendo que TPAS e psicopatia se
trata do mesmo transtorno; pesquisas que produzem dados
compreendendo que TPAS e psicopatia são transtornos
diferentes. Isso constitui um fator que deve ser considerado
por um pesquisador ao estudar dados envolvendo essa
temática, pois a abordagem teórica de um trabalho afeta
significativamente a produção de resultados.

Considerações finais

Todos os trabalhos analisados conseguiram conceituar


de maneira concisa e semelhante a psicopatia, tanto para
apoiar o uso do conceito em larga escala, como para criticar
algumas possíveis consequências sociais que o diagnóstico
pode provocar. Os trabalhos também conseguiram conceituar
de maneira convergente o TPAS, muito embora todos tenham
usado como fonte a conceituação do DSM-V (APA, 2014),

82
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

sugerindo que a psicopatia ainda é um conceito que provoca


maior interesse de investigação e pesquisa que o TPAS.
Observou-se, sobretudo, que a nosografia psiquiátrica exerce
uma influência significativa na construção e desenvolvimento
de ambos os conceitos, suscitando a necessidade de o
fenômeno ser avaliado por diferentes perspectivas e
abordagens científicas para que, possivelmente, novos
horizontes possam ser explorados sobre o tema.
Constatou-se que há ausência de delimitação clara
entre psicopatia e TPAS nos trabalhos analisados. As causas de
tal fenômeno são complexas de definir. Uma mera divergência
teórica? Há pesquisadores que simplesmente fazem uma
correlação entre os transtornos seguindo os manuais
diagnósticos? Uma supervalorização do conceito de
psicopatia, já tão famigerado na comunidade científica,
sistema judicial e senso comum? São alguns questionamentos
hipotéticos que requerem futuras pesquisas para que possam
ser explorados.
Conclui-se que os diagnósticos de psicopatia/TPAS
ainda são muito associados ao comportamento criminoso e
violento, provocando estigmatizações sociais negativas em
grupos de pessoas que possam portar o transtorno. A falta de
clareza sobre a relação entre os transtornos pode influenciar
diagnósticos imprecisos, que colocam em xeque pessoas
frente ao sistema de justiça e a própria ideia de ressocialização
que é atrelado à questão da imputabilidade, bem como pode
estar enviesando dados em pesquisas que por falta de
consenso sobre o vínculo entre os transtornos, atribuem
informações de maneiras divergentes entre os estudos
envolvendo os mesmos conceitos.

83
Capítulo 4 – Transtorno de personalidade antissocial e psicopatia
Uma análise crítica e comparativa dos conceitos na literatura científica

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86
A proteção da criança, do castigo ao
crime:
Breves considerações

Carlos Manuel Vieira de Matos Barros de Abreu

“O principal objetivo da educação é criar


pessoas capazes de fazer coisas novas e
não simplesmente repetir o que outras
gerações fizeram.”
Jean Piaget

Um caminho até à proteção (quase) plena – breve nota


histórica em Portugal

A educação da criança tem vindo ao longo dos séculos


a sofrer transformações, procura-se cada vez mais preparar
melhor as nossas crianças para o seu futuro. Surgem novas
conceções de educação, alteram-se os padrões da sociedade e
a cada ano que passa a concretização da educação de uma
criança altera-se. Nos tempos que correm o problema da
proteção da criança, no seio da educação, ganha mais relevo
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

uma vez que há uma crescente preocupação com o bem-estar


físico e psicológico da criança e o que há uns anos seria um
processo educacional típico, hoje pode já não ser visto assim.
Vamos então tratar neste texto, o problema de quando o
castigo físico se transforma em crime e se, desta forma, este
se encontra proibido no ordenamento jurídico português.
A primeira vez que a proteção tem relevo no direito foi
pela mão do Imperador Constantino através de uma lei que
visava punir o infanticídio (Magalhães, 2010). A proteção legal
da criança ficou praticamente esquecida nos meandros do
direito até ao séc. XX, de assinalar que até esta data o ponto
que consideramos mais marcante é o desenvolvimento do
sentimento de infância na idade moderna (Martins, 2008). O
séc. XX marca, então, uma viragem no que diz respeito à
proteção legal da criança uma vez que, nasce uma nova forma
de olhar, estudar, educar e cuidar a criança, sendo este século
apelidado por Ellen Key o “século da criança” (Martins, 2008).
A expressão “Direitos da Criança” aparece com a Declaração de
Genebra de 1924. Note-se que não é, ainda, com a Declaração
de Genebra que a criança aparece como sujeito de direitos uma
vez que a criança aparece como objeto de proteção (Martins,
2008), tal só veio a acontecer com a Convenção para os
Direitos da Criança adotada pela Assembleia Geral das Nações
Unidas em 1989, onde foram reconhecidas as necessidades de
proteção especiais e tutela jurídica adequada da criança
(Ribeiro, 2009) anos mais tarde da criação da UNICEF (1947) e
da aprovação da Declaração Universal dos Direitos do Homem
(1948).
Em Portugal, já o Código Civil de 1867, no seu artigo
141º, salvaguardava a hipótese de punição do abuso do poder

88
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

paternal. Também o mesmo admitiu a possibilidade de


repreender e corrigir, mas apenas aos tutores, não existindo
disposição que concedesse tal hipótese aos pais (Duarte,
1994).
O Código Civil de 1966 revela o poder paternal como o
cuidado da pessoa do filho no sentido da sua proteção e
promoção do seu desenvolvimento integral determinando, no
artigo 1874º, que pais e filhos devem-se mutuamente respeito,
auxílio e assistência e que compete aos pais, no interesse do
filho, velar pela segurança e saúde destes, prover o seu sustento
e dirigir a sua educação (artigo 1879º).
Com a Constituição da República Portuguesa (CRP) de
1976 os ventos dos novos tempos sopraram também nas velas
do Direito da Família, com o artigo 36º nº 3 da CRP a consagrar
o princípio da igualdade entre os cônjuges e o artigo 69º da
CRP destinado à “infância”.
No Código Penal (CP), só em 1982 foram
criminalizados os “maus tratos” e foi preservado o requisito
de “malvadez ou egoísmo” provindo do anterior CP (Carvalho).
Em 1995, o âmbito da norma é alargado aos maus tratos
psíquicos e o mencionado requisito é excluído da redação do
artigo 152º. Em 2000, destaque para a consagração da
proibição de contacto como pena assessória. A última
alteração nesta matéria dá-se em 2007 com a autonomização
do crime de maus tratos e consequente criação de três tipos
legais de crime, a violência doméstica (artigo 152º CP), maus-
tratos (artigo 152º-A CP) e violação das regras de segurança
(artigo 152º-B CP), reforçando, desta forma, a tutela da
proteção das crianças revelando um enorme progresso
civilizacional. Destaque também para a especial proteção da

89
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

criança, nos crimes sexuais (artigo 163º a 177º do CP), no crime


de sequestro (artigo 158º nº 2 al. e) CP), no crime de tráfico de
pessoas (artigo 160º CP) e no crime de rapto (artigo 161º nº 2
al. a) CP).
Para além da acabada de referir, proteção penal, a
criança encontra-se protegida no Ordenamento Jurídico
Português, pela Lei da Proteção de testemunhas – Lei 93/99,
pela Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Risco – Lei
147/99, pelo Regime Aplicável à Proteção das Vítimas de
Violência Doméstica e, mais recentemente, visando a
transposição da Diretiva da União Europeia 2012/29, a Lei
130/2015, destacando a criança como vítima especialmente
vulnerável.

Do “poder paternal” até ao “poder-dever” de educar

A matriz educacional das crianças tem vindo a alterar-


se ao longo dos tempos tal como acontece com a figura da
criança no Direito internacional e português. O que em tempos
seria considerado uma atitude meramente educativa como
“bater com o cinto no filho por este se recusar obedecer a uma
ordem do pai”, hoje, com o natural desenvolvimento da
sociedade, já não pode ser visto dessa forma. O mesmo
acontece com as responsabilidades parentais. Outrora vistas
como um poder sobre os filhos, até estes atingirem a
maioridade, ou seja, o dito “poder paternal” (Martins, 2008),
hoje a responsabilidade parental é um verdadeiro poder-dever
(COELHO; OLIVEIRA, 2008). A abrangência do conceito de
responsabilidade parental vem no art. 1878º do Código Civil
que diz o seguinte, “compete aos pais, no interesse dos filhos,

90
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento,


dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e
administrar os seus bens”. A problemática em apreço está
ligada ao poder-dever de dirigir a sua educação, que vem ainda
referido no art. 1885º do Código Civil.
Mas o que constitui então verdadeiramente o poder-
dever de educar? A esta pergunta encontramos resposta na
formulação de Lima e Varela (1995), educar é preparar o menor
para a autonomia, para a independência para a vida numa
sociedade civilizada, que tem regras necessárias de conduta
individual e social. Ao poder-dever de educar e dentro da
problemática que estamos a tratar no presente texto, está
inerente a existência (ou não) de um poder de corrigir a criança
como concretização do poder dever de educar.
O Código Civil de 1966, como já referimos, previa
expressamente o poder de correção no artigo 1884º,
permitindo a aplicação de castigos corporais de forma
moderada com vista a corrigir comportamentos inadequados
do filho; no entanto, com a reforma de 1977, na sequência da
revolução, este “poder” desapareceu no texto da norma, não
estando, agora, nada indicado sobre a sua proibição ou
abrangência, nomeadamente se neste “poder” cabem os ditos
“castigos corporais”, existindo nesta matéria uma zona muito
cinzenta sobre as quais irão ser tecidas algumas
considerações.
No Brasil os maus tratos também são objeto de
preocupação. Já em 1990, o Estatuto da Criança e do
Adolescente, no artigo 5º, assegura que “Nenhuma criança ou
adolescente será objeto de qualquer forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão,

91
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

punido na forma de lei qualquer atentado, por ação ou


omissão, aos direitos fundamentais” (BRASIL, 1990).

A proteção da criança no Código Penal português – Em


especial o artigo 152º e 152º-A

Hoje no Código Penal português os artigos que versam


sobre a violência contra a criança são especialmente os art.
152º e 152º-A, relativos, respetivamente aos crimes de
violência doméstica e maus tratos. Em comum, estes artigos,
têm a proteção dos mesmos bens jurídicos encontrando-nos
aqui na linha de pensamento de Pinto de Albuquerque que
refere como bens jurídicos, nestes artigos, protegidos, a
integridade física e psíquica, a liberdade, a autodeterminação
sexual e a honra (2010), afastamo-nos, assim, das correntes
que defendem que o bem-jurídico aqui protegido é a dignidade
da pessoa humana (DIAS, 2007), uma vez que a dignidade da
pessoa humana é a base de todo ordenamento jurídico
português e é, ainda, a fonte ética do próprio sistema de
direitos fundamentais (MIRANDA, 2016).
Assim, o que distingue o artigo 152º do artigo 152º-A
é que este último, exige que a vítima esteja ao cuidado, à
guarda ou sob a responsabilidade da direção ou educação do
agente ou ainda que trabalhe ao serviço do agente, sem que
haja, entre o agente e a vítima uma relação de coabitação, caso
contrário, o ato será reconduzido ao crime de violência
doméstica do 152º (CARVALHO, 2012). O mesmo autor
considera, ainda, que a diferença entre estes artigos está no
objetivo de cada artigo, enquanto que o artigo 152º-A está
vocacionado para circunstâncias de maus tratos que ocorrem

92
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

em “escolas, hospitais, creches ou infantários, lares de idosos,


instituições ou famílias de acolhimento de crianças” ou “na
empresa” e ainda para as circunstâncias em que o agente tome
conta “espontânea e gratuitamente” de “pessoas
particularmente indefesas”, no fundo, está vocacionado para
situações que ocorrem em ambiente institucional.
Em comum, os crimes previstos nestes artigos, têm o
facto de serem crimes preterintencionais (CARVALHO, 2012),
isto é, um crime agravado pelo resultado em que o resultado
assume uma conduta mais grave do que a conduta dolosa, mas
sem que tal seja pretendido pelo agente. O mesmo autor
defende que “o poder/dever de educação-correção dos pais
(…) pode justificar certos castigos corporais ou privações da
liberdade; mas tais castigos têm de ser (…) necessários,
adequados, proporcionais e razoáveis” (p.142), para ele os
castigos graves nunca poderão ser justificados “mesmo que
tenha sido aplicado com intenção educativa” (p.143).
Corroboramos a opinião do autor quando evidencia a
necessidade de verificação de certos pressupostos, para que
os castigos corporais sejam considerados legítimos; pois,
mesmo que estes castigos sejam aplicados com um objetivo
educativo, isso não impede que sejam considerados crime,
admitindo, contudo, que o poder-dever de correção-educação
dos pais pode justificar certos castigos, desde que adequados,
proporcionais e razoáveis.
De referir que, estes crimes, também se encontram no
problema da necessidade (ou não) de reiteração para que o tipo
legal de crime esteja preenchido. Se até 2007 o problema
levantava muitas questões na doutrina e na jurisprudência, a
reforma, do Código Penal, de 2007 veio clarificar, ao

93
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

acrescentar, no texto do artigo 152º e 152º-A, “de modo


reiterado ou não”. No entanto, neste ponto, entramos em linha
com o pensamento de Carvalho (2012) no que respeita a ações
que revistam um carater pouco grave, uma vez, que
consideramos que só se forem praticadas de forma reiterada é
que poderão encaixar num destes tipos legais de crime, pois
de outra forma, isoladamente, não preencheriam nenhum
destes tipos legais de crime. O mesmo autor chama, neste
âmbito, a atenção para a necessidade de respeitar o princípio
da necessidade penal. Será necessário que uma determinada
ação ou ações reiteradas maltratantes têm que ser suficientes
para lesar o bem jurídico protegido nos artigos 152º e 152º-A
(BRANDÃO, 2010).

Castigos Corporais – uma (im)possibilidade?

Importa, feita uma breve apreciação do artigo 152º e


do 152º-A do Código Penal, saber qual o lugar dos castigos
corporais face às disposições penais que acabámos de referir.
Temos necessariamente de expor uma definição de castigos
corporais, assim consideramos castigos corporais, “uma
prática (por ação ou omissão), que tem usualmente como
objetivo promover a correção, punindo ou reprimindo a
indisciplina ou uma conduta que se considere incorreta, no
sentido de induzir uma mudança de atitude ou
comportamento” (RIBEIRO; WILSON; MAGALHÃES, 2011).
A questão que se impõe levantar é, constituirá, o
castigo corporal, uma conduta proibida no ordenamento
jurídico português? Esta será a questão central do presente

94
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

texto e a sua resposta está longe de ser pacífica, confrontando-


se, neste aspeto, diversas teorias.
Autores como Sottomayor (2007) defende que se trata
de uma conduta proibida uma vez que caso assim não fosse
estaria a abrir-se um precedente para que as crianças se
tornassem num grupo da sociedade que poderia ser agredido
sem existir uma punição para o agente agressor, descartando
desta forma a possibilidade do direito de educar dos pais
abranger a possibilidade de agredir ou ofender a integridade
física e psíquica e a liberdade. A mesma autora refere ainda
que não há no ordenamento jurídico português qualquer
preceito que abra a porta a esta possibilidade. Apenas
admitindo o uso da força para afastar a criança de um perigo
(SOTTOMAYOR, 2004).
Outra teoria, mas no sentido de uma resposta negativa
a esta questão, é a teoria da adequação social de Wezel (Faria,
2006) que refere que ações que se constituíram historicamente
na ordem ético-social serão socialmente adequadas e por isso
nunca poderão ser enquadradas num tipo legal de crime,
apesar de formalmente preencherem um tipo legal de crime
(DIAS, 2007).
Uma outra via para responder à questão levantada será a
exclusão da ilicitude decorrente do princípio da unidade da
ordem jurídica (artigo 31º do Código Penal), uma vez que é a
partir deste que são fundamentadas as causas de justificação
(COSTA, 2017).
A ideia presente na exclusão da ilicitude é atribuir
consequências à ponderação de interesses reconhecendo que
o tipo legal de crime não esgota o juízo de ilicitude (COSTA,
2017). O resultado da ideia de justificação será que o facto

95
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

aparentemente ilícito será, na realidade, lícito. Precisamente


uma concretização do que acabámos de referir é o exercício de
um direito como uma causa de justificação, nesta situação é a
própria lei que isenta o agente da responsabilidade criminal
(COSTA, 2017). Aqui entra o direito de correção dos pais e
tutores perante os filhos, nas palavras de Costa (p. 320), “se
assim não fosse, cada “palmada” que estes dessem numa
criança no sentido da sua correção e educação seria
considerada, nos termos dos artigos 143º e s. do CP, uma
ofensa à integridade física (...) este direito terá de ser exercido
de forma proporcional à sua finalidade (...) se se aceitasse o
exercício ilimitado deste direito, a correção que passasse da
mera “palmada” à “tareia” teria ainda de se considerar lícita
(...) exige-se que o direito de correção obedeça a critérios de
finalidade educativa, proporcionalidade e necessidade”.
Dias (2007) avança, para que a justificação ocorra no
âmbito do castigo, com 3 condições, a finalidade educativa,
proporcionalidade, critério e moderação e ainda que não
atente é dignidade do menor. Madeira (2014) vai mais longe ao
afirmar que “a ideia de que o uso de ofensas corporais leves
na educação das crianças é para o seu bem, deve merecer
tolerância zero” (p. 18) uma vez que esta prática perpetua a
violência e transmite às crianças que “a violência é uma forma
viável de fazer valer a nossa posição, quando, de facto, mais
não representa do que perda de controlo” (p. 19).
Segundo Soares e Mendes (2017) as crianças e
adolescente que convivem em ambientes conflitantes e que
sofrem agressões físicas, emocionais e/ou sociais na infância
estão mais propensos a fazer o uso de drogas e a
desenvolverem comportamentos agressivos.

96
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

Conclusão

Face ao acabado de expor, parece-nos que esta será a


teoria que melhor responde à questão levantada. Quanto aos
autores que referimos serem favoráveis à proibição de
aplicação de castigos, entendemos que colocam a situação em
extremos, uma vez que nunca poderá existir uma liberdade
total de ofender ou agredir a criança, algo que estes autores
admitem que será aberto com a admissão da aplicação de
castigos corporais às crianças. Estes autores referem também
que no ordenamento jurídico português não há nenhum
preceito que preveja esta possibilidade; no entanto, utilizando
o mesmo argumento ad contrario, também não há nenhum
preceito que proíba os castigos corporais.
No que concerne à teoria da adequação social de
Wezel, a aplicação desta teoria à questão levantada pelo
castigo não colhe a nossa concordância tendo em conta as
conceções sociais hoje dominantes, como refere Dias (2007),
esta teoria pode abrir a possibilidade de se ir “longe de mais”.
Desta forma, consideramos que a melhor reposta à
nossa questão central será a possibilidade de exclusão da
ilicitude, pois esta será a que melhor aplica um juízo de
equilíbrio entre a árdua, necessária e gratificante tarefa de
educar e o respeito pela lei e pela dignidade da criança. No
entanto, há que estabelecer ainda algumas considerações a ter
em conta para o recurso à exclusão da ilicitude.
A primeira é relativa à legitimidade da aplicação do
castigo. De imediato entendemos que quem terá legitimidade
será o titular do poder-dever de educar a criança - como

97
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

estabelece Dias (2007), uma das condições para a exclusão da


ilicitude da aplicação do castigo é a finalidade educativa - que,
naturalmente, serão os pais. A questão da legitimidade carece
de alguns esclarecimentos quando estão em causa tutores e
terceiros que participem na educação das crianças (como por
exemplo, avós e babbysitters).
Quanto aos tutores, pensemos nas crianças
institucionalizadas em que o exercício deste poder-dever é
confiado ao diretor da instituição por força do artigo 1907º,
1935º e 1962º do Código Civil, consideramos nestes casos que
o exercício do poder-dever pelo tutor tem, por força dos
artigos supra mencionados, um âmbito mais reduzido do que
o exercício por parte dos pais e por esta razão e pela
interferência na integridade da criança que o castigo físico
tem, está fora do âmbito do exercício do poder-dever de
educar que é confiado ao tutor. A acrescentar a isto,
consideramos que a institucionalização reveste um caráter
excecional no percurso educacional e familiar da criança e que
só por si perturba o bem-estar da criança, servindo nestas
situações, os castigos físicos apenas para acentuar esta
perturbação não contribuindo para a educação da criança
(SOTTOMAYOR, 2007).
Na situação da aplicação por parte de terceiros
consideramos ser possível mas apenas quando haja uma
autorização expressa por parte dos pais, titulares do poder-
dever de educar a criança para a aplicação do direito de
correção (FARIA, 2005) – no que diz respeito aos professores,
também eles atores na educação das crianças, encontra-se
expressamente proibido no Decreto-Lei nº 270/98 a
possibilidade e aplicação de castigos – há, aqui, que distinguir

98
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

a situação dos avós, que pela sua relação afetiva profunda


(Leandro, 1988), reconhecida até pela jurisprudência
portuguesa (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 3 de
março de 1998), poderá existir um consentimento presumido
dos pais para a aplicação dos castigos; no entanto, pela
complexidade que este constituirá nestes casos, remetemos
para uma análise que deverá ser casuística mas sem excluir a
possibilidade da existência de consentimento presumido nesta
matéria (FARIA, 2013).
Outra nota é a possibilidade da aplicação da exclusão
da ilicitude no que diz respeito a outros castigos,
nomeadamente aqueles que atentem contra a liberdade da
criança, pensemos, por exemplo, na proibição do filho sair de
casa, para ir brincar com os amigos, uma vez que terá um teste
na manhã seguinte e para o qual ainda não estudou
(CARVALHO, 2012).
Por fim, para a exclusão da ilicitude poder operar na
plenitude é necessário um juízo de proporcionalidade
rigoroso. Assim, e dividindo o princípio da proporcionalidade
em três vertentes fundamentais, adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido estrito (CANOTILHO, 2018),
entendemos que o castigo terá de ser: adequado ao fim, ou
seja, a aplicação do castigo será apropriada à finalidade de
educar a criança, necessário, ou seja, não haveria outra forma
menos lesiva e por fim o castigo, face à pretensão educativa e
através de um juízo de ponderação, irá ser vantajoso (ainda
que não no imediato) para a criança. Confirmada a
proporcionalidade será então possível excluir a ilicitude do ato
que constitui o castigo físico.

99
Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

Em suma, consideramos então possível a aplicação de


castigos físicos, mas operando a exclusão da ilicitude,
salvaguardando que os rigorosos requisitos, que
mencionámos, não permitem excluir a ilicitude de todo e
qualquer tipo de castigo, assumindo aqui a proporcionalidade
como fator chave para a descodificação desta questão.
Consideramos que a criança terá, imperativamente, de
ser protegida legalmente e socialmente e também,
constituindo igualmente uma forma de proteção, preparada
para os, cada vez mais difíceis, desafios do seu futuro.
Estamos cientes e reforçamos que as vias repressivas devem
ser o último recurso para a educação das crianças.
Infelizmente, a violência infantil é uma realidade
preocupante para a sociedade atual, pois pode suscitar
problemas de grande magnitude nas crianças e adolescentes
além de consequências que, geralmente, se estendem à vida
adulta. Por isso, é evidente que há uma necessidade coletiva
de atuação da sociedade e de distintos profissionais para a
efetiva prevenção da violência contra crianças e adolescentes.

“Todas as pessoas grandes foram um dia crianças,


mas poucas pessoas se lembram disso”
Antoine Saint-Exupéry, o Principezinho.

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luz da Constituição da república e da Convenção Europeia
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Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

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Capítulo 5 – A proteção da criança, do castigo ao crime
Breves considerações

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A propósito do acórdão do STJ de 05-04-2006. Coimbra:
Coimbra Editora, 2007.

102
Atuação da perícia psicológica no
contexto criminal

Gládys Tinoco Corrêa


Lycia Helena Santos Coimbra
Rita de Cássia Ellen Silva Serra
Cândida Helena Lopes Alves

Introdução

A avaliação psicológica, processo pelo qual através de


um método sistemático busca-se obter informações a respeito
de aspectos do funcionamento psicológico de um indivíduo,
encontra-se presente em diferentes campos de atuação do
psicólogo (PRIMI, 2018). Dessa maneira, insere-se também no
campo da Psicologia Forense, sendo conhecida mais
comumente por perícia psicológica forense. A perícia
psicológica se diferencia de outros tipos de avaliação
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

psicológica pelo fato do seu objetivo ser subsidiar decisões


judiciais (JUNG, 2014).
De acordo com Marques e Oliveira (2017),
historicamente as primeiras atividades da Psicologia no
âmbito judicial estão relacionadas a condução de perícias
psicológicas para subsídio de decisões judiciais. Por essa
razão, a associação entre a Psicologia e o Direito através da
prática pericial ou atividades relacionadas a esta, como a
avaliação psicológica e a elaboração de laudos, parece ser hoje
tão consolidada que as atribuições do perito em matéria
psicológica podem ser até assumidas, de modo equivocado,
como a totalidade ou conjunto das ações concernentes a
função que o psicólogo teria a desempenhar neste campo
(SOARES; THERENSE, 2017).
Na compreensão da dinâmica do crime, a perícia
psicológica é uma das etapas mais importantes para apoiar o
poder judiciário, na busca de evidências que subsidiem a
ocorrência das demandas. Ou seja, a perícia é realizada por
meio do trabalho de psicólogos, a fim de determinar as
evidências que auxiliarão no processo investigativo (DA LUZ
PELISOLI; DELL'AGLIO, 2021).
Assim, se constitui em uma forma de entender as
condições psíquicas dos envolvidos. Incluindo entrevistas
estruturadas e semiestruturadas, seleções, aplicações e
investigações do passado e presente do sujeito e a testagem
dos fatos ocorrido sem consonância com a necessidade e
questões levantadas em cada processo (MARTINS MANRIQUE,
2021).

104
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

Relação histórica: Psicologia e justiça

Direito e Psicologia possuem em comum o mesmo


objeto, isto é, o comportamento humano. O direitose
caracteriza pelo conjunto de regras que busca regular esse
comportamento, balizando condutas, por meio das Leis, bem
como de maneiras de solucionar conflitos. Já a psicologiavisaa
compreensãodeste mesmo comportamento,buscando
compreender as relações e priorizando a amenização do
sofrimento psíquico (SACRAMENTO, 2019). Por essa
razão,essas duas áreas são consideradas ciências irmãs, por
mais que possuam bases teóricas contemporâneas
diferenciadas(DE OLIVEIRA et al., 2017).
A aproximação entre essas duas áreas se iniciouno
século XVIII, estando a Psicologia ainda ligada à Psiquiatria,
limitada aos estudos do diagnóstico da patologização,
direcionada para a aplicação e a construção pontual de
avaliações psicológicas e periciais, assim como para a
elaboração de pareceres psicológicos (SACRAMENTO, 2019).
Todavia, foi a partir do século XIX, na Europa, que a união entre
esses dois campos começava a se consolidar, trazendo consigo
a “Psicologia do testemunho”, a qual, no primeiro momento,
dominou a área com os estudos detalhados dos processos e
com a verificação da veracidade dos relatos apresentados ao
júri (AFONSO; SENRA, 2014).
A interface entre Psicologia e Direito originou a
chamada Psicologia Jurídica, definida como a ciência que
estuda e investiga os comportamentos dos indivíduos, o
contexto social, bem como a aplicação das normas legais que
os rodeiam. Por conseguinte, o conhecimento desse campo

105
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

associado ao meio jurídico, permite uma atuação prática para


além de uma interpretação puramente burocrática dos
aspectos da realidade, característica do Direito, de modo a
humanizá-lo (SACRAMENTO, 2019).
Como aponta Rocha (2021), definir o início da
Psicologia Jurídica no Brasil não é uma tarefa simples, em
razão de não haver uma única demarcação histórica que
determine esse momento. O percurso da atuação de psicólogos
brasileiros no campo da Psicologia Jurídica ocorreu de forma
gradual e lenta, muitas vezes de modo informal, através de
trabalhos voluntários. As primeiras demandas à Psicologia
Jurídica foram estabelecidas pelo Direito e em alguns casos
fizeram difundir práticas de controle social que pertenciam
estritamente à Justiça (VASCONCELLOS, 2017).
Contudo, Soares e Cardoso (2016) destacam que a
inserção da Psicologia no campo do Direito se consolidou a
partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, o qual prevê a
existência de uma equipe multidisciplinar no âmbito jurídico
para o atendimento dessa população. O reconhecimento do
profissional de Psicologia para integrar os serviços auxiliares
de suporte ao juízo da infância e juventude foi considerado
um marco de consolidação da prática interdisciplinar nessa
seara. Diante do exposto, observa-se um histórico inicial da
aproximação da Psicologia e do Direito vinculado a questões
envolvendo crime, como também os direitos da criança e do
adolescente (ROCHA, 2021).
Atualmente, o papel do psicólogo vem crescendo,
alcançando maior importância e reconhecimento, no contexto
jurídico brasileiro. Além da responsabilidade pela perícia
psicológica, cabe ao profissional de psicologia a terapêutica

106
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

das vítimas e agressores, dentre outras funções (PINHEIRO,


2019). Gracioli e Palumbo (2020) corroboram com este dado ao
afirmar que nos últimos dez anos a busca pelo trabalho do
psicólogo em áreas como Direito da Família e Direito do
Trabalho vem ganhando força. Sendo o Direito de Família o
campo que a Psicologia jurídica mais tem atuado.
Apesar de a Psicologia vir conquistando seu espaço no
âmbito jurídico, esforços ainda devem ser empreendidos a fim
de que a prática do psicólogo não se limite a um instrumento
jurídico para extração da verdade dos fatos. Para que sua
atuação não seja descompromissada com o contexto histórico
e social de produção das subjetividades, desconsiderando os
princípios éticos que regem sua atividade profissional
(SOARES; CARDOSO, 2016). Como destaca Souza neto (2018), a
Psicologia Jurídica é uma ciênciaque possui substratos
suficientes para construir seu próprio espaço dentro das
ciências jurídicas, não devendo servir exclusivamente as
expectativas do Poder Judiciário como uma ciência meramente
auxiliar.
A presença da psicologia no âmbito jurídico permite
ainda que seja considerada a subjetividade dos indivíduos
envolvidos no processo judicial (MARQUES; DE SOUZA
OLIVEIRA, 2017). Passa-se a ser levado em conta todo o
contexto em que aquele sujeito está inserido e os reflexos de
uma decisão jurídica para a sua vida no futuro. Compreende-
se que sem a atividade do psicólogo dificilmente essa
subjetividade chegaria aos autos processuais (ROVINSKI;
CRUZ, 2017).

107
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

Aplicações e implicações da perícia psicológica no contexto


criminal

Na compreensão da dinâmica do crime, a perícia


psicológica é uma das etapas mais importantes para apoiar o
poder judiciário, na busca de evidências que subsidiem a
ocorrência das demandas. Ou seja, a perícia é realizada por
meio do trabalho de psicólogos, a fim de determinar as
evidências que auxiliarão no processo investigativo. Assim, se
constitui em uma forma de entender as condições psíquicas
dos envolvidos. Incluindo entrevistas estruturadas e
semiestruturadas, seleções, aplicações e investigações do
passado e presente do sujeito e a testagem dos fatos ocorrido
sem consonância com a necessidade e questões levantadas em
cada processo (MARTINS MANRIQUE, 2021).
Tal avaliação deve ser realizada em um ambiente
neutro, seguro e confiável, por profissionais bem treinados.
Para uma melhor compreensão da atuação do psicólogo em
processos judiciais, faz-se necessário a produção de um
relatório, que conste as decorrências psíquicas, conclusões
confiáveis, de acordo com os relatos, comportamento e
manifestações, por meio dos instrumentos utilizados no
decorrer do processo realizado pelo psicólogo. Portanto, uma
avaliação adequada contribuirá para o encaminhamento de
uma intervenção adequada, por parte do Judiciário (SANTOS,
2021).
Proveniente dos conhecimentos da Psicologia e do
Direito, o conceito de dano psicológico pode ser observado
sob essas duas perspectivas, mas compartilham o interesse
semelhante no que diz respeito ao comportamento humano

108
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

em situações específicas. O termo que caracteriza o dano


provém do latim damnu e “significa ofensa pessoal, prejuízo
moral, prejuízo material causado a alguém pela deterioração
ou inutilização de seus bens; ou, ainda, estrago, deterioração,
danificação” (CRUZ, et. al., 2022).
Para a Psicologia, o conceito de dano psicológico se
refere a uma deterioração de funções psicológicas e a
demonstração de suas expressões comportamentais, advindos
de resultados referentes a uma ou várias experiências
traumáticas e/ou eventos identificados como críticos, os quais
promoveram alterações diretas para o desequilíbrio emocional
do sujeito, no que diz respeito a autonomia e a capacidade
de controlar a manifestação de sintomas de transtornos
mentais e do comportamento. Em termos jurídicos, o dano
psicológico é resultado de uma ação deliberada e/ou culposa
de uma pessoa, sob determinadas circunstâncias, e que traz
para a vítima tanto prejuízos morais quanto materiais, diante
da limitação de suas atividades habituais diárias, sociais ou no
ambiente de trabalho (FAIZIBAIOFF; CURY, 2021).
Desse modo, a caracterização do dano psicológico, são
geralmente baseadas em provas técnicas elaboradas pelo
psicólogo perito, bem como suas consequências nos processos
judiciais. Do ponto de vista jurídico, o conteúdo dos
argumentos de acusação e defesa e das decisões judiciais são
possíveis afirmar que, muitos casos são influenciados pelo
campo da saúde mental, por conceitos, teorias e pesquisas
empíricas psicológicas (CRUZ, et. al., 2022).
No ano de 2019, foi estruturado o Protocolo Brasileiro
de Entrevista Forense (PBEF), o qual trata-se de um método de
entrevista forense semiestruturado, de forma flexível e

109
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

manejo adaptável ao nível do desenvolvimento dos sujeitos


envolvidos. Devendo ser conduzido por profissionais
treinados especificamente para a busca de evidências de
situações de violência (sejam eles vítimas ou testemunhas da
violência); são empregadas técnicas derivadas do
conhecimento teórico e empírico de acordo com o
funcionamento da memória e a dinâmica da violência ocorrida
(UNICEF, 2020; DA LUZ PELISOLI; DELL'AGLIO, 2021).
Assim, o PBEF é composto por duas etapas: a primeira
é preparatória para a abordagem das possíveis alegações e a
segunda possui foco na abordagem não indutiva das alegações
de violência. Este Protocolo é uma tradução adaptada para o
contexto brasileiro do Protocolo de Entrevista Forense do
National Children’s Advocacy Center (NCAC), uma instituição
localizada no Alabama, Estados Unidos (UNICEF, 2020).
À vista disso, as principais fontes teóricas e empíricas
da perícia psicológica são as contribuições técnicas e
científicas oriundas das seguintes áreas do conhecimento
psicológico: Avaliação Psicológica, com seus conceitos,
métodos e recursos instrumentais utilizados para mensurar
características psicológicas, especialmente quando
relacionados ao contexto jurídico; Psicologia Jurídica e suas
respectivas contribuições teóricas-metodológicas sobre a
atuação do psicólogo no contexto jurídico/forense e suas
peculiaridades técnicas de investigação pericial (DE
MESQUITA; CERQUEIRA, 2022).
Além dessas, para o trabalho pericial do psicólogo são
importantes às fontes referentes aos: marcos legais
(legislações específicas, resoluções e códigos normativos e
ético-profissional); e a jurisprudência (decisões judiciais

110
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

consolidadas em tribunais superiores) as quais tratam as


competências e os limites do trabalho do perito, assim como
dos fatos jurídicos e as decisões judiciais em que houve a
elaboração e identificação de prova pericial psicológica;
códigos de saúde (CID, DSM, CIF), que auxiliam diretamente
na classificação, especificação e validação de critérios
clínicos para a configuração de dano psicológico dos casos
avaliados (SANTOS, 2021).

A importância da perícia psicológica na tomada de decisão


judicial

A inclusão da psicologia forense nos processos


judiciais se deu a partir necessidade legais de atestar a
veracidade de um testemunho, de analisar a capacidade
psicológica de familiares em casos de disputa de guarda, bem
como, avaliar se o sujeito possui ou não algum distúrbio que
o impossibilite de responsabilizar-se pelo ato que cometido.
Dessa forma, a avaliação psicológica foi adentrada em causas
penais com a finalidade de periciar, e se posicionar em
questões relacionadas ao Direito de Família, ao Juizado da
Infância e Juventude, ao Direito Civil, ao Direito Penal e ao
Direito do Trabalho (SANTOS, 2021).
Sendo assim, a demanda dessa prática profissional
permite com que a avaliação psicológica seja precedida por um
treinamento especializado a nível de graduação em Psicologia.
Visto que, essa prática foi regulamentada por uma Lei Federal
de 1962, a qual relata que “Constitui função exclusiva do
Psicólogo a utilização de técnicas psicológicas com os
seguintes objetivos: a) diagnóstico psicológico; b) orientação e

111
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

seleção profissional; c) orientação psicopedagógica; d) solução


de problemas de ajustamento”, assim como determina que “É
de dever do Psicólogo a colaboração em assuntos psicológicos
associados a outras ciências” (PRIMI, 2018 p. 88).
Contudo, em termos genéricos, visualiza-se que a
perícia psicológica deverá integrar um plano mais amplo e
holístico composta por índole psicológica, médica, social e
judicial, de modo a produzir respostas à complexidade do
fenómeno e consequente avaliação (Ribeiro & Peixoto, 2010).
No que se refere às decisões tomadas ao longo das diversas
etapas processuais são relevantes para fins judiciais, não
apenas por atuarem como dissuasoras de futuras ofensas e
ofensores, mas também porque são mensageiros significativos
para o meio social sobre a intolerância em relação a um
suposto crime (LEWIS; KLETTKE; DAY, 2014).
Neste contexto, a investigação sobre a tomada de
decisão judicial é essencial para obter uma compreensão sobre
os fatos, aprimorando o processo decisório, para contribuir na
promoção decisória sobre informações sustentadas por parte
dos envolvidos judicialmente, bem como para uma revisão de
procedimentos e leis (SACAU; CASTRO-RODRIGUES, 2011).
No entanto, é possível afirmar que, em muitos casos, o
conteúdo dos argumentos relacionadas às decisões judiciais
são influenciados por um estudo técnico com base em
conceitos, teorias e pesquisas empíricas psicológicas ou do
campo da saúde mental, em geral (ESPINOSA, 2016).Embora a
sociedade e instituições ignoram as atribuições realizadas
pelo perito psicólogo nos processos judiciais, as
informações técnicas se fazem importantes à compreensão
dos casos judicializados, pois sem uma devida análise, pode

112
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

acabar prejudicando os aspectos psicológicos envolvidos na


decisão judicial (NONIS, 2017).
Desse modo, a carência de evidências psicológicas
periciais, sejam no campo civil ou criminal, podem afetar na
suficiência de validação técnica para a investigação de
situações ou eventos traumáticos em que há indício de
prejuízo psicológico associado. Esse ponto torna-se
especialmente importante nos casos de crianças e
adolescentes e, mesmo adultos, que apresentam limitações
significativas na qualidade de vida, em função do dano
psicológico (MACIEL; CRUZ, 2017). No âmbito criminal, o abuso
psíquico contempla a definição de trauma em decorrência de
uma conduta de um ou mais atos de violência (SANTOS, 2020).
No que concerne ao trauma na medicina é designado
através de lesões, ferimentos, cortes e queimaduras. Ademais,
no contexto forense, muitas vezes, não há provas físicas ou
biológicas do ato de violência (HOHENDORFF; HABIGZANG,
2014). Nessa perspectiva, ao avaliar o prejuízo psicológico,
deve-se distinguir o trauma psicológico relacionado a atos de
violência do estresse da rotina diária, em prol de sua
intensidade, contexto e frequência (ESBEC; ECHEBURÚA, 2016).
Portanto, é de fundamental importância compreender
que a atuação do perito psicólogo no processo pericial afeta a
vida do periciado e no seu entorno. É satisfatório que o
psicólogo reconheça a extensão da autonomia que lhe é dado
em participar de processos periciais ao produzir seus
respectivos documentos psicológicos. Dessa forma, é
necessário adotar uma postura responsável e ética, assim
como obter evidências plausíveis e consistentes ao
entendimento dos aspectos psicológicos envolvidos no litígio

113
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

judicial, que são compromissos imprescindíveis à


consolidação de direitos e garantias dos envolvidos (CRUZ, et.
al., 2022).

Considerações finais

A perícia psicológica é destacada como


modalidade de avaliação psicológica que compõem um
processo de investigação técnico-científica em busca de
evidências em torno de eventos ou problemas que necessitam
de uma interpretação específica em termos psicológicos.
Contudo, se faz presente práticas contemporâneas onde
colocam a prova da administração judicial e deliberação de
mecanismos indenizatórios, e compensatórios às vítimas de
qualquer dano seja físico ou psíquico.
Desse modo, a perícia sob os danos psicológicos
no processo judicial reflete a necessidade de identificar
mudanças significativas na personalidade, no comportamento
e no funcionamento global da vítima, que comprometem o
tônus cognitivo e comportamental em diferentes nuances da
vida. Esse tipo de investigação ao dano psicológico busca
verificar três pontos essenciais: 1 - o comprometimento
comportamental no quesito funcional; 2 - as alterações
clinicamente significativas que interferem em maior ou menor
grau a adaptação da vítima para as diversas áreas de sua vida
(pessoal, social, familiar ou de trabalho); 3 - à estabilização
desse conjunto funcional, que permeiam as sequelas
psicológicas.
Sendo assim, é importante salientar que através
da perícia psicológica, voltada à avaliação do prejuízo, as

114
Capítulo 6 – Atuação da perícia psicológica no contexto criminal

autoridades judiciais podem adquirir maiores informações


sobre os casos e as repercussões psicológicas dos prejuízos
decorrentes, visto que a evidência pericial, realizada pelo
psicólogo perito, tem como influenciar na convicção do
julgador e, assim, direcionar na compreensão do caso e na
decisão judicial.

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118
Trabalhadoras da Saúde Vulneráveis a
Transtornos Depressivos:
assédio moral, nexo causal e a perícia psicológica na
justiça do trabalho

Kátia S. Bezerra Brasileiro


Laura Pedrosa Caldas
Anna Pessôa

Introdução

O trabalho, inerente à condição humana, é dinâmico,


complexo e singular. A ênfase nesta pesquisa são mulheres
profissionais de saúde, que constróem e reconstróem sentidos
em sua história, com significância subjetiva, tendo em vista
múltiplos papéis assumidos: a maternidade, os cuidados com
a dinâmica familiar, a responsabilidade com a manutenção
doméstica, os compromissos com relações afetivas e
matrimoniais.
Em tese, o trabalho propicia a obtenção de recursos à
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

manutenção do obreiro e sua família; é fonte de prazer,


orgulho e realização, principalmente quando o trabalhador
encontra identificação com seu ofício (ALBORNOZ, 1994;
CALDAS, 2007, 2016, 2020, 2021).
Enquanto as profissões na área de saúde exigem
dedicação em tempo integral e uma jornada plenamente útil,
ao coletivo de trabalhadores resta encontrar alternativas para
se adaptar, para enfrentar o desamparo, as dificuldades e,
principalmente, não adoecer. Do contrário, corre o risco de
aumentar o absenteísmo e tornar-se vulnerável a um trabalho
ainda mais precarizado ou mesmo ao desemprego. (ALVEZ;
GODOY; SANTANA, 2006).
Considerando os diagnósticos de adoecimento em
mulheres trabalhadoras, profissionais de saúde, os
transtornos mentais são as psicopatologias prevalentes e em
períodos mais prolongados de absenteísmo-doenças. Os
transtornos mais frequentes são: depressivos, ansiosos,
estressores e adaptativos. Este estudo verticaliza sobre os
sintomas depressivos da amostra pesquisada (CALDAS, 2016,
2017, 2018, 2020, 2021; OMS, 2003).
A questão norteadora deste artigo é: quais estratégias
diagnósticas e interventivas são exitosas para lidar com a
depressão e outros TMC em trabalhadoras da saúde? Para
responder essa problemática, é objetivo geral identificar
sintomas embasados em protocolos de transtornos
depressivos, com recorte de gênero, cujo nexo causal são
fenômenos de violências e o contexto de trabalho. E
específicos: demonstrar riscos psicossociais e violências no
trabalho na área da saúde; indicar especificadores prevalentes
no diagnóstico de transtornos depressivos; identificar

120
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

estratégias preventivas, diagnósticas e interventivas, visando


à melhoria das condições do trabalho feminino na saúde; e
descrever a perícia psicológica na Justiça do Trabalho.
Justifica-se essa revisão da literatura pela prevalência
da depressão em mulheres, somada ao nexo de causalidade do
contexto de trabalho de profissionais da saúde. Além disso,
são escassos estudos científico, considerando a ambiência
laboral multidisciplinar em saúde. É relevante identificar
estratégias de diagnóstico e de intervenção nos riscos
psicossociais que possam contribuir no enfrentamento e na
redução de sintomas de transtornos depressivos nessas
trabalhadoras e impactos em sua produtividade.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que a
depressão é a quarta maior causa de afastamento do trabalho
no mundo e prevê que até 2020 ocupará o segundo lugar. No
entanto, esses dados ainda não são confirmados na correlação
trabalho e a depressão em trabalhadoras na saúde. É provavél
que, interligadas com o luto, o medo, a solidão e outras razões,
a pandemia por COVID-19 possa confundir essa relação de
nexo causal.

Violências no Trabalho

A violência (lato sensu) tem muitas faces. É um


fenômeno determinado por causas distintas de exclusão,
perpassada por imposições socioculturais. Possui significados
e sentidos distintos, inclusive, de bravura. Pode ser
relacionada a formas de poder, à coação com objetivo de impor
a subserviência e a servidão. Embasa formas de inclusão
perversa por meio do preconceito, da culpa, do medo,

121
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

provocando em sua essência a perda da honra, da dignidade,


sugere Sawaia (2004).
O medo, a violência e o poder estão justapostos. O
poder abusivo representa modelos de apropriação indevida do
outro, cedendo espaço à violência. Esta, por sua vez, origina o
medo, favorecendo a estruturas de dominação, a espaços de
rendição, cooptação, submissão (SAWAIA, 2004; BARRETO,
2000).
Dentre as diversas formas de violências no trabalho,
este artigo dá ênfase ao assédio moral, considerando o recorte
de gênero. Justifica-se essa verticalização por serem as
mulheres trabalhadores o número maior de vítimas de
violências, uma vez que as diferenças entre homens e
mulheres são convertidas em desigualdades em diversos
viéses.
O assédio moral é identificado por atos e condutas
abusivas que atingem a dignidade, a integridade física e/ou
psíquica do trabalhador e seu principal elemento é, por certo,
a repetição e a sistematização dessa violência, independentes
da intencionalidade alegada pelo algoz. São ações (e até
omissões) de cunho aético, imoral, que colocam em perigo não
só a vítima, mas todos que convivem nesse ambiente de
trabalho danoso (HIRIGOYEN, 2002; CALDAS, 2007, 2018).
Os tipos consolidados de assédio moral são: vertical
descendente, praticado pelo gestor formal contra um
subordinado ou minorias; vertical ascendente, mais raro, do
subordinado contra seu gestor; horizontal, ocorre entre pares
de mesmo nível hierárquico; e misto, quando pares e/ou
gestores reproduzem a violência (HIRIGOYEN, 2002; BARRETO,
2003; CALDAS, 2007).

122
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Existe ainda o assédio moral organizacional, cujo


modus operandi é a gestão por stress, pela injúria e pelo medo.
Suas políticas tendem a favorecer e reproduzir diversas
formas de violências, destacando práticas “motivacionais”,
flexibilização de horário como estratégia de aumento da
produtividade, concentração de poder e mecanismos de
controle e gestão abusiva do coletivo, com discrimnação
explícita de figuras de diversidade, a exemplo de negros,
pessoas com orientação sexual homoafetiva, aposentáveis e,
destacadamente, mulheres (SOBOLL, 2008).
Nesse espaço laboral, é comum práticas
estigmatizantes. A comunicação institucional é inadequada e
estimula a retenção de informações. A gestão abusiva estimula
a competitividade, a exclusão e o isolamento social. O assédio
organizacional induz ao erro trabalhadores que se pretende
demitir ou provoca pedidos de demissão.
As violências repercutem indeléveis em riscos
psicossociais, podem provocar sofrimento, adoecimento
psíquico e até suicídio no trabalho. Portanto, faz-se necessário
investimentos no diagnóstico e medidas interventivas nos
fenômenos que podem precipitar transtornos psíquicos em
trabalhadoras da saúde, cujo nexo de (con)causalidade é o
próprio ambiente e interações socioprofissionais. Nessa
direção, a Saúde Mental & Trabalho, em suas distintas
abordagens, contribuem para compreender e minimizar tais
riscos e o absenteísmo-doença (CALDAS, 2016, 2017, 2018,
2020; DEJOURS; BLEGUER, 2016; BRICEÑO, 2009; CALDAS;
CALDAS; CASTRO, 2017; REIS, 2010; RUIZ; ARAUJO, 2012).

123
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Saúde mental & Trabalho

Para compreender a dinâmica entre a saúde mental e o


contexto laboral, as Clínicas do Trabalho vêm propondo
estratégias diagnósticas e interventivas, baseadas em
metodologias distintas. Destacam-se: Psicossociologia do
Trabalho, Clínica da Atividade, Psicodinâmica do Trabalho e
Ergologia. Convergem na promoção da saúde mental dos
trabalhadores (BENDASSOLLI, 2014, 2014; SOBOLL, 2004).
O termo ‘risco’, numa perspectiva das ciências
humanas e segundo Becker e Oliveira (2008), é socializado a
partir da ideia de sociedade de risco na pós-modernidade,
correlacionado aos aspectos psicossociais emergentes. Passa
pela possibilidade de controle do futuro, ou do fator com
probabilidade de ocorrência, ou seja, um risco (psicossocial)
iminente e, portanto, pode sofrer intervenções preventivas
(CALDAS; CALDAS; CASTRO, 2017; BRICEÑO, 2009; REIS;
FERNANDES; GOMES, 2010; RUIZ; ARAÚJO, 2012).
Entre os conceitos de riscos psicossociais, o foco se
mantém e se manifesta a organização do trabalho, as
condições, as relações socioprofissionais e o modo de gestão.
É a estimativa de ocorrer um evento que provoque danos ou
agravos à saúde mental, baseando-se em probabilísticas
evidenciadas em fatos passados. Trata de fatores
organizacionais inadequados, exigências e características do
trabalho que funcionam como estressores, cujos recursos
individuais e do coletivo são insuficientes para seu
enfrentamento, podendo afetar a saúde física e psicossocial
(ZANELLI; GUIMARÃES, 2006 in BORGES; SILVA, 2014)

124
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Os estudos sobre a cultura organizacional apontam


inúmeros riscos psicossociais que podem tornar o coletivo de
trabalhadores vulneráveis a danos à saúde, principalmente de
ordem psíquica. Embora não seja possível protocolar fatores
de subjetividade no e do trabalho, reconhecer os riscos
epidemiológicos psicossociais pode contribuir na prevenção e
até na redução dos TMC&T (ZANELLI, 2014).
A abordagem da Psicodinâmica do Trabalho diferencia
os componentes do contexto de trabalho, proposto por
Dejours (1998/1999/2003/2004) e Dejours, Aboucheli e Jayet
(2010) em três componentes distintos. A organização de
trabalho é constituída pelos elementos prescritos e
previamente identificados na modelagem de cada cargo, e
inclui: a divisão e características da tarefa, a produtividade
esperada, as regras formais e informais, as normas e medidas
de controle, a pressão, a jornada, o ritmo e o tempo, dentre
outros.
Integram as Condições de Trabalho: o ambiente físico,
os instrumentos e os equipamentos laborais, o mobiliário e a
matéria-prima. Já as relações socioprofissionais, intraequipes,
entre áreas e setores e demais públicos que interagem com a
organização. São estabelecidas em diversas formas de
interação; sejam respaldadas na hierarquização e no poder
formal, presentes no lócus de produção; sejam nas coalizões
informais e na contracultura organizacional.
Caldas et al. (2017) e Caldas (2019) porpõe parâmetros
de diagnóstico e de intervenção sistêmica, em nível individual,
orgaizacional e o cenário mais amplo que extrapola a
organizacional. A autora sugere que do trabalhador deve
considerar “requisitos de personalidade, da história de vida,

125
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

das relações sociais, da dinâmica familiar, aspectos de


vulnerabilidade à saúde e fatores pessoais que entrelaçam com
os aspectos objetivos e subjetivos do trabalho em cada
trabalhador” (CALDAS et al., 2017, p. 47).
No segundo nível, a autora sugere,

avaliar a organização em sua integralidade: a estrutura,


as relações sociais no trabalho, suas políticas e
estratégias organizacionais; assim como aspectos
subjetivos, abstratos, simbólicos e outros requeisitos
que sustentam sua cultura (...) fatores de riscos
psicossociais numa perspectiva sistêmica, considerando
as redes de poder (instituída e informal) e suas
consequências (CALDAS et al., 2017, p. 48).

E no nível mais abrangente, a autora propõe “ampliar


o diagnóstico para o cenário macro político e econômico, além
do organizacional, levando em conta o seu segmento, o meio
ambiente e seu stakeholder, ou seja, partes interessadas e
parceiras” (CALDAS et al., 2017).
E em sua proposta interventiva sistêmica, a autora
utiliza estratégias socioeducativas, psicossociais e,
eventualmente, psicoterapêutica, destacadamente nos casos
de assédio moral.
As abordagens em Saúde Mental & Trabalho convergem
no diagnóstico e intervenções nos riscos psicossociais
individuais e no coletivo de trabalhadores, cujas evidências
são os danos e os agravos aos TMC&T.
Desses adoecimentos, este estudo verticaliza sobre
sinais e sintomas do protocolo de transtornos depressivos de
trabalhadoras de saúde, ou seja, propor cuidados de
cuidadoras.

126
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Transtorno Depressivo

A depressão é um transtorno de humor que acomete


com frequência o ser humano. Das queixas que se enquadram
no protocolo de transtornos depressivos, de acordo com a CID-
10 (OMS, 2003) e o DSM-5 (APA, 2014), são prevalentes: humor
deprimido; redução do interesse e do prazer em realizar
atividades; perda ou ganho significativo de peso (sem dieta);
insônia ou hipersonia, agitação ou retardo psicomotor, fadiga
e comprometimento da energia vital; autopercepção de
inutilidade, culpa excessiva, sofrimento clinicamente
significativo e prejuízos socioprofissionais e na dinâmica
familiar; e redução da atenção concentrada, prejuízos na
capacidade lógica, racional, capacidade reduzida para pensar
e tomar decisões, pensamentos recorrentes de morte, ideação
e tentativa de suicídio.
Conhecida como ‘mal do século’, a depressão ocorre
em profissionais de saúde, independentemente de gênero,
pois
é sabido que o estresse e excessivas demandas psíquicas
e emocionais às quais os profissionais de saúde são
submetidos diariamente têm principal relevância para o
desenvolvimento de doenças psiquiátricas relacionadas
ao ambiente de trabalho, bem como a rotina hospitalar
e, muitas vezes, à faltade apoio psicológico para tais
indivíduos dentro dos seus locais de trabalho (GOMES et
al, 2015, p. 123).

É ainda relevante identificar e intervir em situações do


trabalho que possam precipitar, dentre outros adoecimentos,
a depressão. Transtorno que, por sua subjetividade, é
confundido com falta de comprometimento laboral de
profissionais de saúde. E, mesmo com diagnóstico, as

127
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

instituições nem sempre oferecem tratamento psicoterápico e


psiquiátrico adequados.
Os danos, no entanto, não se restringem à
trabalhadora deprimida. As instituições de saúde não saem
ilesas, pois os agravos de TMC impedem essas profissionais
de desempenharem suas funções com produtividade,
atendendo as demandas de cuidados em saúde assistencial.
Vários são os fatores que contribuem para o
desencadeamento de transtornos mentais e comportamentais
em profissionais de saúde, podendo estar relacionados a
aspectos subjetivos e objetivos que interferem no
desempenho laboral. A literatura pesquisada identifica, dentre
as queixas subjetivas: conflitos nas relações
socioprofissionais, rigidez hierárquica, abuso de poder,
desrespeito à singularidade de cada profissional, assédios
moral e sexual e violência doméstica.
Quanto às queixas objetivas sugeridas nos dados
documentais, destacam-se: a precariedade das condições de
trabalho, escassez de materiais e instrumentos, carência de
recursos financeiros, redução do quadro técnico,
transferências não negociadas de setores ou unidades, perda
de funções e gratificações, baixa remuneração, exigência de
mais de um vínculo empregatício, dentre outros.
Essas condições subjetivas e objetivas exigem
mecanismos defensivos inconscientes individuais e
estratégias de mobilização coletiva que, fracassando, podem
gerar danos e agravos à saúde psíquica, ressaltando o
transtorno de depressão, cujo nexo (con)causal é o trabalho
das profissionais de saúde.
Os danos psicossociais prevalentes, apontados nas

128
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

pesquisas identificadas, são: falta de ânimo e/ou motivação,


tristeza, insônia, comprometimento da autoestima, conflitos
de ordem pessoal e/ou familiar, dentre outros fatores que
sobrecarregam sua capacidade física e mental. Esses dados são
reforçados em pesquisas sobre o transtorno depressivo em
categorias profissionais da saúde. (SILVA et al, 2010; RIOS,
BARBOSA; BELASCO, 2010; SCHMIDT; DANTAS; MARZIALE,
2011; GOMES; OLIVEIRA, 2013; ARAGÃO et al, 2014; OLIVEIRA;
MAZZAIA; MARCOLAN, 2015; SILVA et al, 2015)
Além disso, é importante pontuar que o assédio moral
é uma das situações de violência contra a mulher trabalhadora
de saúde. Andrade e Assis (2018), apontam que as relações de
poder e o aspecto de gênero imbricados na hierarquia do
contexto de trabalho expõem as trabalhadoras a situações de
humilhação, constrangimento e intimidação, podendo causar
sérias sequelas na vida dessas profissionais. Essas autoras
destacam o relato de profissionais de saúde, assediadas por
médicos, que desencadearam um quadro depressivo.
(HIRIGOYEN,2002; CALDAS, 2007, 2008; BARRETO, 2002)
As pesquisas de Bittar e Kohlsdorf (2017) apontam
uma correlação positiva entre violências contra a mulher e
episódios de ansiedade e depressão, dentre outros tipos de
adoecimentos mentais e/ou psicossomáticos. Com
trabalhadoras de saúde não é diferente. Uma pesquisa
realizada no Rio de Janeiro por Xavier et al (2008) mostrou que
16,2% de trabalhadoras de saúde sofre ou já sofreu algum tipo
de violência e destaca os assédios moral e sexual no trabalho.
Em contrapartida, há saídas para essas situações de
vulnerabilidade de trabalhadoras, com ênfase nas categorias
profissionais da saúde, que podem contribuir para melhor

129
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

desempenho laboral. Dentre eles, o apoio institucional, um


espaço de escuta, relações socioprofissionais saudáveis,
independente de hierarquia, são algumas dessas ações
interventivas nos riscos psicossociais dessas mulheres.
Porém, a realidade das unidades de saúde, em geral,
vai na contra-mão dessas boas práticas. É relevante, portante,
recomendar o acompanhamento dessas profissionais e
promover o cuidado de quem cuida da saúde da população em
geral. Na maioria das vezes, essa busca por suporte e
compreensão da subjetividade dos TMC são complexas. É
importante garantir o sigilo dos diagnósticos e das causas de
adoecimento, tendo em vista o preconceito e o estigma que
envolvem as doenças mentais e algumas profissionais não
querem ser reconhecidas.
A pressão e a exaustão emocional provenientes do
contexto laboral são graves e comprometem os indicadores de
risco de suicídio. Esses dados críticos são confirmados nos
estudos de Simon e Lumry (1968), Meleiro (1998), Center et al.
(2003), Schernhammer e Colditz (2004) e sinalizam que a taxa
de suicídio entre profissionais e estudantes de medicina é
superior à média de suicídios na população em geral.

A perícia psicológica na justiça do trabalho

Embora o adoecimento psíquico tenha aspecto


subjetivo e quase sempre está relacionado à estrutura de
personalidade do trabalhador e o vínculo que este estabelece
com o labor, é relevante considerar que a precarização do
trabalho costuma gerar danos morais e provocar um conjunto
de sintomas compatíveis com transtornos mentais e

130
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

comportamentais.
Quando não é possível encontrar saídas na
organização para resgatar a saúde mental de seus
trabalhadores, quase sempre, após desvincular-se o contrato
de trabalho, é na Justiça do Trabalho que se vai encontrar
alternativas para reclamar o direito de indenização pelos
danos à saúde, inclusive psíquica.
Segundo Caldas (2021, p. 337):

quando restam dúvidas sobre danos morais, agravos à


saúde mental e o nexo causal do trabalho, o magistrado
vai buscar na perícia o embasamento técnico para sua
tomada de decisão (...) é relevante destacar que as
habilidades clínicas (do psicólogo) não são suficientes
para dar conta dos comportamentos do trabalhador
diante dos fenômenos organizacionais e dos riscos
psicossociais. Ressaltata-se que sao escassas as
pesquisas sobre a prática psicológica pericial na Justiça
do Trabalho (CALDAS, 2021, p. 336).

As pesquisas de Muller, Cruz e Bartilotti (2017 in Cruz,


207) apontam uma revisão documental de sentença e
apelações na Justiça do Trabalho acerca dos transtornos
mentais e comportamentais relacionados ao trabalho e à
confirmação do nexo causal laboral. Em 1.637 deicsões,
apenas 172 foram subsidiadas pela perícia psicológica, nos 24
Tribunais Regionais do Trabalho.
Trata-se de uma área da perícia psicológica emergente
e exige do psicólogo algumas competências específicas, ou
seja, conhecimento técnico, habilidade ou experiência e
conduta ética ao realizar o encargo.
Segundo Caldas (2021), demanda da área clínica a
demarcação da abordagem clínica com a qual se identifica,
permitindo uma visão de mundo, motivações, apropriação de

131
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

fatos e significado, principalmente. Da Psicologia da Saúde,


permite subsidiar a hipótese diagnóstica, as prevalências por
categoria profissional. Da Psicologia do Trabalho, por sua vez,
requer avaliar os riscos psicossociais, cultura, clima e
comportamento organizacional, dados do absenteísmo por
doenças do Grupo F (CID-10), contexto do trabalho,
considerando as condições e organização do trabalho, relações
socioprofissiononais e modo de gestão.
Ainda segundo a autora

é embasado da Psicologia Jurídica o papel do psicólogo


perito e do assistente técnico, os aspectos legais do rito
pericial e outras da Psicologia ao Sistema Jurídico, além
do Direito, principalmente do Trabalho e Processual do
Traballho (...) Os resultados da perícia não resultam de
especulações empíricas, vai atender a comoção social e
são demonstrados em documentos psicológicos
(CALDAS, 2021, P. 353).

Portanto, é necessário adquirir competências em


diversas áreas da Psicologia e do Direito para atender a
demanda pericial psicológica em questões de saúde mental de
trabalhadores – atividade ainda carente de profissionais.

Metodologia

Para responder aos objetivos desta pesquisa, realizou-


se a uma revisão sistemática, incluindo livros, artigos
científicos e documentos em meio digital, sobre a temática da
depressão em mulheres profissionais de saúde. A amostra
documental tem recorte temporal delimitado entre 2007 e
2020. O método de pesquisa adotado é exploratório-descritivo
e os critérios de inclusão foram: artigos íntegros obre

132
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

adoecimento psíquico em trabalhadoras, publicados no


período definido, encontrados em Revistas de Saúde. Quanto
aos critérios de exclusão: pesquisas com perodicidade distinta
à definida, realizadas em instituições estrangeiras,
incompletas, abordadas como subtema ou tema indireto ao
objetivo proposto.
Os títulos foram identificados em buscas na base de
dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Bireme,
Medline, Pubmed, Scielo e Lilac (Biblioteca Virtual de Saúde.
Utilizou-se os seguintes descritores: riscos psicossociais;
TMC&T; saúde mental e trabalho; gênero e trabalho; e
trabalhadoras da saúde "depressão", "profissional(is) de saúde"
e similares, identificando 225 artigos, dos quais 25 atendem
aos objetivos deste artigo.
Além da referência identificada para fundamentar as
palavras-chaves, o quadro 01, adiante, apresenta os artigos
utilizados, contendo o título, autores e ano de publicação, em
ordem crescente do ano de publicação.

Nº Título Autores Ano


Contexto hospitalar público e privado: impacto
1 no adoecimento mental de trabalhadores da
Santos et al. 2017
saúde

Fatores associados à depressão relacionada ao Manetti e


2
trabalho de enfermagem Marziale 2007

O sofrimento psicológico dos profissionais de


3
saúde na atenção ao paciente de câncer Silva 2009

Ansiedade e Depressão em Residentes em


4
Radiologia e Diagnóstico por Imagem Silva et al. 2010

Avaliação de qualidade de vida e depressão de Rios, Barbosa e


5
técnicos e auxiliares de enfermagem Belasco 2010

133
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Ansiedade e depressão entre profissionais de Schmidt, Dantas


6
enfermagem que atuam em blocos cirúrgicos e Marziale 2011

Adoecimento psíquico de trabalhadores de


7
unidades de terapia intensiva Monteiro et al 2013

Depressão, ansiedade e suporte social em


8
profissionais de enfermagem Gomes e Oliveira 2013

Ocorrência de sintomas depressivos em médicos


9 Aragão et al.
que trabalham no Programa de Saúde da Família 2014

Sintomas de depressão e fatores intervenientes


Oliveira, Mazzaia
10 entre enfermeiros de serviço hospitalar de
e Marcolan 2015
emergência
Condições de trabalho e transtornos mentais
Braga, Carvalho e
11 comuns em trabalhadores da rede básica de 2010
Binder
saúde de Botucatu (SP).
Motivos atribuídos por profissionais de uma
Abreu, Gonçalves 2014
12 Unidade de Terapia Intensiva para ausência ao
e Simões
trabalho
Tendência temporal de afastamento do trabalho
Falavigna e
13 por transtornos mentais e comportamentais em 2013
Carlotto
enfermeiros
Absenteísmo dos trabalhadores de enfermagem
14 em um hospital universitário do Estado de Ferreira et al 2011
Pernambuco

Absenteísmo entre trabalhadores de enfermagem


15 Magalhães et al 2011
no contexto hospitalar

Cargas de trabalho, processos de desgaste e


16 Mininel et al 2013
absenteísmo-doença em enfermagem

Depressão e risco de suicídio entre profissionais


17 Silva et al 2015
de Enfermagem: revisão integrativa

Impacto econômico do absenteísmo de


18 enfermagem por doença em um hospital Pinheiro 2012
universitário do Rio de Janeiro- RJ
Interfaces LER/saúde mental: a experiência de
Salerno, Silvestre
19 um centro de referência em saúde do trabalhador 2011
e Sabino
do Estado de SP
Cargas e desgastes de trabalho vivenciados entre
20 trabalhadores de saúde em um hospital de Santana et al 2013
ensino.
Intervenções de grupo para sobrecarga de Santos, Sousa,
21 cuidadores de pacientes com demência: uma Brasil e Dourado 2011
revisão sistemática.

134
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Intervenção Psicossocial Sistêmica: modelo e


Caldas, Caldas e
22 parâmetros em casos de assédio moral no 2008
Castro in Soboll
trabalho
A saúde mental por um fio de alta tensão:
modelo de intervenção sistêmico como proposta
23 Caldas 2016
de gestão do absenteísmo em empresa do setor
elétrico (Tese de Doutorado)
A perícia psicológica em trabalhadores: práticas Caldas in Freitas,
24 emergentes e limites éticos no cenário da Fernandez e 2021
pandemia por COVID-19 Conforti

Muller, Cruz e
25 Perícia Psicológica na Justiça do Trabalho 2017
Bartilotti

Quadro 01 - Lista de artigos científicos selecionados para análise, contendo


título, autores e ano de publicação.

A análise dos artigos seguiu um roteiro pré-


estabelecido, elaborado de acordo com os objetivos desta
pesquisa, considerando questões estratégicas que auxiliam na
construção de um resumo das informações do texto. Esse
roteiro de análise documental contempla estudos com
profissionais de saúde, respondendo aos objetivos, a
metodologia, os TMC&T e, dentre elas, a depressão, além das
estratégias de diagnóstico e de intervenção identificadas nas
pesquisas.

Resultados e discussão

Os artigos identificados demonstram riscos


psicossociais e violências no trabalho na área da saúde,
destacadamente com mulheres trabalhadoras. Os estudos
apontam: precarização do contexto de trabalho, sendo ainda
mais grave hospitais públicos, condições de conforto para os
plantonistas, baixa segurança contra riscos à saúde, ausência
de benefícios, equipamentos e materiais sem qualidade,
sobrecarga de trabalho e salário inadequado,

135
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

comprometimento de vínculos afetivos com o trabalho.


Apontam ainda que devido ao ambiente de trabalho
fisicamente e psicologicamente desgastante, trazem falas
como: “somos encarregados de atender diariamente milhares
de brasileiros sem ter recursos humanos suficientes”.
Sinalizam atendimento ineficaz, profissionais
sobregarregados, pois a maioria precisa de mais de um vínculo
de trabalho para se sustentar.
Queixam-se da necessidade de esforços físicos e de
exposição a riscos químicos, radiações e contaminações
biológicas, ambiente de trabalho insalubre e horários rígidos
que provocam alto índice de rotatividade. O trabalho noturno
é descrito em alguns estudos como um fator alto de risco.
Há ainda questões de desconfortos e até mesmo de
violências, principalmente conflitos com supervisores,
ausência na participação na gestão e na elaboração de tarefas;
relação rígida de subordinação e hierarquização, rigidez
institucional, falta de autonomia e a ausência de suporte
social. Outro risco psicossocial expresso refere à crise ética
entre seus valores pessoais e questões do trabalho.
Contudo, as pesquisas analisadas não apontam
subsídios para classificar violências, destacadamente assédio
moral, pois restam elementos que permitam um diagnóstico,
apesar de alguns estudos relatarem essa violência. É inerente
ao trabalho a assistencia à saúde e ainda assim há adoecimento
das trabalhadoras. Destaca-se nesse contexto a proximidade
com temas relacionados à morte e a dificuldade de lidar com
ela, provocando um processo contínuo de luto.
Sobre o segundo objetivo específico estabelecido, os
artigos pesquisados apontam como sintomas compatíveis com

136
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

transtornos depressivos, considerando o recorte de gênero:


sofrimento psíquico; sobrecarga emocional; sentimento de
fracasso, culpa, impotência, desamparo, medo, desespero e
pânico; agressividade. Sinalizam stress em nível de exaustão
(Síndrome de Bunourt), ideação suicida, medo de cometer erro,
consumo exacerbado de álcool e outras drogas.
Silva (2009, p. 08), em suas palavras: "pelo dever do
ofício, estará lidando constantemente com a angústia
fundamental e inarredável da precariedade do existir
humano". Há relatos de danos sociais, destacando: contato
social, isolamento da família e conflitos nas relações
matrimoniais e com os filhos. Assim como danos físicos, tais
como: privação de sono, hábitos alimentares inadequados,
constipação e problemas cardiovasculares.
Não há neutralidade na atuação dos profissionais de
saúde, principalmente aqueles que lidam com a morte
iminente. Prevê-se dificuldades geradas pelo sofrimento
emocional na relação com o paciente, que podem interferir na
vida pessoal. São fontes de frustrações a ausência de
reconhecimento ou de realização profissional que geram
vivências no trabalho. Quando os mecanismos defensivos para
lidar com o medo de falhar e com o sofrimento, podem
acarretar em prejuízos na saúde dessas profisisonais.
Os achados na revisão bibliográfica reforçam os
estudos de Caldas, Dejours, Zanelli, Gina, Soboll, dentre outros
estudiosos que os recursos individuais, quando falham, quase
nunca dão conta das violências e das precarizações do
contexto de trabalho. Em alguns casos mais graves, é possível
ainda o risco de suicídio.
O terceiro objetivo prosposto refere às estratégias

137
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

preventivas, diagnósticas e interventivas de riscos


psicossociais na prática profissional de trabalhadoras da
saúde. Dessas, as pesquisas apontam: promoção, proteção e
recuperação da saúde, ações de qualidade de vida, suporte
psicossocial, atividades físicas e ginástica laboral, respeito e
incentivo ao lazer, repouso, horários de alimentação, sono,
contato social e familiar.
Embora extrapole os limites propostos nos objetivos,
esta pesquisa identificou procedimentos de avaliação
psicológica que subsidiaram o diagnóstico de transtornos
depressivos e outros transtornos em trabalhadores da saúde.
São instrumentos de manuseio exclusivo dos psicólogos.
Dentre eles, destaca-se: Escala Hospitalar de Ansiedade e
Depressão (HADS), WHOQOL-BREF (Qualidade de Vida),
percepção de níveis de ansiedade e depressão (BDI), Escala de
Percepção de Suporte Social (EPSS), Inventário de Depressão
de Beck (IDB), escalas de avaliação para depressão de Hamilton
(HAM-D) e Montgomery-Asberg (MADRS).
O quarto e último objetivo versa sobre a demonstração
do dano à saúde mental por meio da perícia psicológica.
Quando os agravos apontam um comprometimento psíquico
relacionado ao trabalho, quase sempre o trabalhador precisa
recorrer à Justiça do Trabalho para garantir alguma idenização
em razão dos danos cujo nexo de causalidade é o trabalho. As
pesquisas de Caldas e de Muller, Cruz e Bartilotti (2017)
apontam uma área de atuação aos psicólogos ainda emergente,
que demanda competências da Psicologia Clínica, do Trabalho,
da Saúde e Jurídica.

Considerações finais

138
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

Pelas discussões apresentadas durante este trabalho


é possível afirmar que sim, o contexto de trabalho, ou seja,
as relações socioprofissionais, o modo de gestão, condições
e organização de trabalho adoecem, e não é diferente com
mulheres trabalhadoras de categorias profissionais de saúde.
Nesse momento de pandemia por COVID-19, os
transtornos mentais e comportamentais são ainda mais
emergentes, tendo em vista o luto, a solidão e o medo diante
de mais de seiscentos e sessenta mil mortes, no Brasil.
É inerente às profissões de saúde o cuidado e o
impacto diante do adoecimento e da morte de pacientes.
Transversa a questão de gênero, pois as habilidades que
essas profissões exigem são mais frenquentes em mulheres.
Assim como é mais recorrente transtornos depressivos na
população feminina.
Desse modo, ao mesmo tempo em que os
profissionais da linha de frente de saúde estão sendo ainda
mais demandados com a pandemia, é relevante atentar aos
riscos psicossociais do contexto de trabalho dessas
trabalhadoras, considerando as questões de gênero e as
demandas que extrapolam a ambiência laboral, muitas vezes
com mais de um vínculo empregatício. É relevante
verticalizar sobre as vivências de sofrimento que, por sua
intensidade e sistemática, podem repercutir em
adoecimentos, destacamente os transtornos depressivos,
cujo nexo de causalidade são violências no trabalho,
principalmente o assédio moral.
Embasado nos resultados de revisão bibliográfica,
foram identificadas estratégias diagnósticas e interventivas

139
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

exitosas para lidar com a depressão e outros transtornos


mentais e comportamentais em trabalhadoras da saúde,
respondendo à questão que norteou este estudo.
Este artigo contribuiu sugerindo oportunidades de
melhoria em contexto de trabalho em saúde, destacamente
diante da pandemia por COVID-19 e seus impactos em
trabalhadoras que atuam na linha de frente, atendendo a
população contaminada pelo vírus. É relavante também por
descrever sintomas de transtornos depressivos e os danos
físicos e psicossociais em razão de questões éticas e de
violências laborais, que podem e precisam urgentemente
serem evitadas.
Promoveu ainda reflexões sobre a relação
trabalhadora x trabalho em saúde e a preservação da saúde
mental, denotando relevante o binôminio saúde-doença
numa perspectiva sistêmica, demonstrando que essa
realidade afeta e é afetada também pela história, pela
personalidade e pelo estilo de vida de cada trabalhadora,
além dos contextos macro da organização e aqueles que a
extrapolam, a exemplo de um cenário pandêmico. Contribuiu
ainda por apresentar fatores preditores de riscos
psicossociais e demonstrar a importância de intervenções
que possam minimizar danos que trapolam trabalhadores e
atinge a sociedade.
Algumas limitações são identificadas, não obstante
as contribuições desta pesquisa documental. Dentre elas,
demonstrar elementos que identifiquem violências
específicas do trabalho, inclusive o assédio moral. Portanto,
o desafio proposto nesta revisão literária não foi cumprido
em sua integralidade, uma vez que as pesquisas não

140
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

aprofundam sobre esses dados.


Foram identificados instrumentos de avaliação
psicológica, de manuseio exclusivo dos profissionais de
Psicologia, extrapolando os objetivos deste artigo e
trouxeram elementos para o diagnóstico de TMC, com ênfase
na depressão: Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão
(HADS), WHOQOL-BREF (Qualidade de Vida), percepção de
níveis de ansiedade e depressão (BDI), Escala de Percepção de
Suporte Social (EPSS), Inventário de Depressão de Beck (IDB),
escalas de avaliação para depressão de Hamilton (HAM-D) e
Montgomery-Asberg (MADRS).
Sugere-se como tema para novas pesquisas
estratégias defensivas, individuais e coletivas, utilizadas
pelas trabalhadoras em saúde, para lidar com o sofrimento
psíquico na relação com o paciente e diante da morte, tendo
em vista que não há neutralidade na atuação dos
profissionais de saúde, principalmente aqueles que lidam
com o luto iminente. Outra temática para novas pesquisas é
identificar entre trabalhadoras da saúde, a categoria com
maiores danos psícossociais. Outro tema é o comparativo do
adoecimento entre mulheres e homens e questões
relacionadas à gênero, inclusive com outras categorias
profissionais.
Urgem pesquisas sobre as repercussões da pandemia
por COVID-19 os TMC prevalentes em trabalhadoras da saúde
e propostas de cuidado das cuidadoras que estão na linha de
frente, inclusive considerando suas perdas e lutos pessoais.
Mesmo sem ações institucionais que atendam
demandas do coletivo de trabalhadores da saúde, é possível
delinear estratégias que possibilitem um espaço de

141
Capítulo 7 – Trabalhadores da saúde vulneráveis a
transtornos depressivos

acolhimento e suporte emocional para esses profissionais,


com vistas a promover qualidade de vida e a prevenir o
adoecimento mental. Incentivar a fala e garantir o sigilo
podem acolher e minimizar sofrimento psíquico,
desmotivação, conflitos nas relações socioprofissionais e
outros fenômenos.
Concluiu-se que o transtorno depressivo e outros
TMC, embora iminente em razão da própria característica de
acolhimento às pessoas adoecidas ou mesmo em risco de
morte, podem ser minimizados com ações que identifiquem
riscos psicossociais restrito do contexto de trabalho e com o
investimento na promoção de ambiente de trabalho saudável,
visando tratar e prevenir casos do transtorno depressivo.

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147
Violência psicológica contra a mulher
e as articulações com a questão de
saúde pública

Francisca Morais da Silveira


Taíse de Cássia Garros
Aluizio Torres Costa Neto
Cândida Helena Lopes Alves

Introdução

Neste capítulo de livro enfatiza-se reflexões através de


dados publicados sobre violência doméstica, em especial a
violência psicológica A abordagem está estruturada em duas
grandes partes. A primeira parte, relacionando a violência em
si como um fenômeno de natureza precipuamente social,
abordando a Lei Maria da Penha, além de itens: sobre aspectos
gerais da violência, como sua natureza e conceituação. Em
seguida aborda-se, de forma sistemática e objetiva, uma
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

reflexão sobre as graves consequenciais da violência


psicológica sobre a ótica de vários pesquisadores.
E notório que a violência psicológica contra a mulher
é um fenômeno mundial que gera grandes impactos na vida
pessoal e familiar da vítima, principalmente em sua saúde. O
objetivo deste estudo foi averiguar publicações que explicitam
a violência psicológica como uma questão de saúde pública,
ressaltando os dispositivos de atendimento para as mulheres
vítimas desse tipo de violência. Para que este objetivo fosse
atendido, buscou-se a investigação de pesquisadores atuais,
de forma que foram utilizados os métodos de abordagem
dedutiva e de procedimento para à análise bibliográfica, sendo
uma pesquisa qualitativa.
A violência é um fenômeno que atinge diversas áreas
da sociedade, recaindo sobre mulheres de todas as estruturas
sociais e culturais. Quando a violência atinge as mulheres, é
chamada de violência de gênero (SIQUEIRA et al., 2018). De
acordo com Saffioti (2001, p. 115), “violência de gênero é o
conceito mais amplo, abrangendo vítimas como mulheres,
crianças e adolescentes de ambos os sexos”. Assim, a violência
contra a mulher está relacionada com a simetria nas relações
afetivas e de poder entre homem e mulher, induzindo a
violência silenciosa, sendo reconhecida como uma questão
privada. (SIQUEIRA et al., 2018).
Pesquisas apontam que a violência contra a mulher
provoca muitas sequelas na vida das vítimas, tanto físicas
como mentalmente, em virtude disso, é considerado como
uma questão de saúde pública. (ROMAGNALI; ABREL; SILVEIRA,
2013; GADONI-COSTA; ZUCATTI; DELL’AGLIO, 2013). Dentre os
tipos de violência está a psicológica. A violência psicológica

149
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

pode ser definida como “qualquer conduta que lhe cause dano
emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique
e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou
controlar suas ações” (BRASIL, 2006, não p.).
De acordo com Hirigoyen (2006, p. 28) a violência
psicológica é: “uma série de atitudes e de expressões que
visam a aviltar ou negar a maneira de ser de uma outra
pessoa”. Esse mesmo autor dispõe de algumas características
distintas desse tipo de violência que são: (1) controle; (2)
isolamento; (3) ciúme patológico; (4) assédio; (5) aviltamento;
(6) humilhação; (7) intimidação; (8) indiferença às demandas
afetivas (9) ameaças. Entre os fatores está a falta de diálogo,
sendo substituído por palavras e gestos ofensivos.
A violência psicológica afeta diretamente a saúde e o
bem estar da mulher, levando a pensamentos distorcidos na
construção de crenças de desvalor e autodepreciação.
(FONSECA; RIBEIRO; LEAL, 2012). A literatura apresenta uma
diversidade de estudos sobre as sequelas que uma prática de
violência psicológica pode deixar, a maioria deles ressaltam
que esses atos podem levar a uma série de transtornos
mentais, como depressão, ansiedade, sentimento de culpa e,
em seu estado mais grave, levar a pessoa ao suicídio (SANTOS
et al., 2018). A esse respeito, os pesquisadores Fonseca,
Ribeiro e Leal (2012) enfatizam em seu estudo que em 2003 a
OPAS - Organização Pan-Americana de Saúde -, assinalam que
as pessoas que sofrem violência psicológica tendem a
apresentar maior propensão ao uso de álcool, drogas, estresse
pós-traumático, depressão, ansiedade, fobias, pânico e baixa-
autoestima. (FONSECA; RIBEIRO; LEAL, 2012).

150
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

Nesse sentido, a importância de desenvolver esse tema


é porque ele tem grande relevância em nossa atualidade, pelo
fato das mulheres continuarem sofrendo com a violência
psicológica, adicionado a isso, pode-se dizer que a prática da
violência contra a mulher segue para uma problemática de
saúde pública, uma vez que esse tipo de violência ganha uma
série de proporções e gravidades emocionais, adquirindo um
caráter endêmico, cabendo ao setor de saúde pública, o
atendimento e tratamento dessas vítimas (AZAMBUJA;
NOGUEIRA, 2008; SIQUEIRA et al., 2018)
Quanto a esse último ponto, busca discorrer sobre a
violência contra a mulher como uma questão de saúde pública.
Para tanto, foi realizada uma pesquisa bibliográfica nas
plataformas acadêmicas: Scielo, Pepsi, Google acadêmico,
Portal de Periódicos Eletrônicos Puc Minas, e Portal de
Periódicos CAPes. Por ano de publicação e campo de descrição.
Buscou-se referências que contemplasse um raio de 2006 a
2021, usando os descritores: “violência psicológica” e “saúde
pública”. Tal intervalo pode ser explicado pela promulgação
da Lei Maria da Penha, marco importante que deu visibilidade
aos diversos tipos de violência sofridas pelas mulheres, dentre
elas, a violência psicológica.
Esta temática mostra-se relevante em razão da
violência psicológica ser pouco discutida no âmbito social e,
principalmente, no âmbito da saúde. (SIQUEIRA et al., 2018);
Além disso, este estudo poderá vir a contribuir na reflexão de
outros projetos que visem ajudar as pessoas e as organizações
a formularem, cada vez mais, novos dispositivos, - mais
precisamente de políticas públicas - que deem suportes às

151
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

mulheres que sofreram ou sofrem com a violência psicológica,


percebendo-a como uma questão de saúde pública.

A violência psicológica: uma questão de saúde pública

Esta afirmativa de que a violência psicologia é uma


questão de saúde publica se sustenta no sentido de que a
gravidade deste fenômeno afeta a saúde física e psicológica de
grande parte das famílias brasileira, sendo necessário uma
maior e mais eficiente atuação de equipes de atendimentos
multidisciplinares neste contexto, com a ajuda do poder
público.
A Lei Maria da Penha (11.340/2006) é uma lei que
trouxe muitas inovações no campo jurídico, sendo a terceira
lei mais completa do mundo (LINS, 2021). Surgiu a partir do
resultado de lutas feministas e grupos sociais empenhados em
garantir a segurança da mulher em âmbitos diversos. Esta Lei
trouxe inovações, dentre elas, a especificação da violência,
sendo uma delas a violência psicológica. Nos termos da Lei
11.340/2006, mais precisamente art. 7º, inciso II, a violência
psicológica que está escrita como:

qualquer conduta que lhe cause danos emocional e


diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e
perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar
ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e
decisões, mediante ameaça, constrangimento,
humilhação, manipulação, isolamento, vigilância
constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem,
violação de sua intimidade, ridicularização, exploração
e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio

152
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à


autodeterminação (BRASIL, 2006, Art. 7).

Além desse dispositivo, a Lei 14.188/2021, discorre e


tipifica a violência psicológica, colocando-a na esfera do
Código Penal, uma vez que essa violação é transpassada por
outras violências, bem como porta de entrada para provocar,
na mulher, perturbação e preju,o à sua saúde. (DIAS, 2012
apud WATSON, 2015). Observa-se que, embora a violência
psicológica seja extremamente lesiva, ainda demanda
tipificação específica. Os dispositivos não foram suficientes
para proteger a integridade e o bem estar das mulheres, uma
vez que ainda aparecem decisões incongruentes partindo da
própria esfera jurídica que, segundo Watson (2015, p. 25),
“produzem uma enorme perplexidade, na medida em que vão
de encontro ao próprio objetivo da lei, interpretando-a,
exatamente, em desfavor daquela que mereceu maior proteção
do legislador”.
De acordo com pesquisas de Silva, Coelho e Caponi
(2007), o fato dessa tipologia ter um caráter menos subjetivo
é, por vezes, negligenciada, pois, na própria mídia, as
manchetes destacam as formas de violência somente quando
essa se faz de maneira aguda, ou seja, quando existem danos
físicos, ou mesmo quando a violência atinge o ápice de sua
forma: o feminicídio. Isso ocorre quando a violência se
apresenta de forma silenciosa e sutil, decorrendo aos poucos
com seu poder nocivo, de forma a aumentar significativamente
em seu grau mais nociva, fazendo com que a própria vítima
tenha, muitas das vezes, pouca consciência de que
determinadas condutas podem ser violação de seu bem estar,

153
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

da sua integridade e, por conseguinte da sua saúde (WATSON,


2015). As autoras, Vale e Ferreira (2011) pontuam que é um
fenômeno caracterizado por injúrias e agressão gestuais,
tendo como objetivo humilhar e perturbar a vítima.
Esse tipo de agressão é intencional, assim, o agressor
se apropria de várias artimanhas para deixar mascarada às
suas atitudes, podendo deixar a mulher inconsciente do que
está acontecendo, embora as sequelas já estejam presentes.
Sendo comumente encarado como ciúmes e preocupação
excessiva para com a mulher, fazendo com que a mesma
naturalize a agressão como parte inerente de ser mulher.
(SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). A diferença entre a violência
física e a psicológica é que a última não se caracteriza por atos
físicos, mas por gestos, olhares e palavras que ferem
emocionalmente profundamente.
Destaca-se como ponto importante, que esse tipo de
violência psicológica atinge não somente a vítima, mas todos
os que ali presenciaram a situação, principalmente quando a
mesma ocorre no ambiente familiar, podendo atingir até
mesmo os filhos. Silva, Coelho e Caponi (2007, p. 98) destacam
que “os filhos que testemunham a violência psicológica entre
os pais podem passar a reproduzi-la por identificação ou
mimetismo, passando a agir de forma semelhante com a irmã,
colegas de escola e, futuramente, com a namorada e
esposa/companheira”.
No que diz respeito à mulher, ela pode sofrer, à medida
que a violência vai se consumando, uma desregulação
emocional podendo desembocar em um transtorno mais
elaborado. (ZACAN; HABIGZANG, 2018). Em concordância a
isso, Oliveira et al. (2011) discorrem em seu estudo que cerca

154
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

de 123% das mulheres diagnosticadas com depressão, têm


maiores probabilidades de já terem passado por algum
episódio de violência psicológica. Diante disso, a violência
psicológica assume uma forma "invisível'', em que a mesma
vem acoplada à violência física, entretanto, essa tipologia
pode causar agravos mais resistentes ao tempo e sequelas
mais críticas. (COLOSSI; FALCKE, 2013). Devido a sua
frequência, a pessoa violentada vai se tornando desvalorizada.
O agressor faz com que a vítima adoeça com mais facilidade,
podendo, por vezes, levar ao suicídio. Nesse mesmo sentido,
Silva, Coelho e Caponi (2007) destacam que o autor de
violência psicológica adquire uma postura, ou mesmo uma
estratégia, levando a mulher a um estado de extrema baixa
autoestima, no nível de não conseguir reagir aos insultos, não
tendo animo suficiente para reagir em sua defesa.
Adicionado a isso, Oliveira et al. (2011) destaca a forte
incidência de uso do álcool por mulheres que sofrem ou já
sofreram a violência psicológica, pontuando que o seu papel
social, bem como a sua autoestima estão extremamente
afetados. O uso de álcool é uma válvula de escape, se tornando
mais uma problemática de saúde pública, pois, o uso de bebida
alcoólica vem adjunta à violência (OLIVEIRA et al., 2011).
Partindo desse ponto, e levando em consideração que
a violência psicológica pode afetar diretamente a vida da
mulher, pode-se compreendê-la como um severo problema de
saúde pública, merecendo assim - em virtude da sua
problemática nociva-, ser discutida em vários espaços da
sociedade, para que seja possível suscitar algumas medidas
que possa favorecer a elaboração de políticas públicas
específicas de combate e deem suporte a essa forma de

155
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

violação (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007). Esse fenômeno


ganha essa dimensão, pois é corriqueiro diagnosticar
situações graves de saúde em mulheres vítimas de violência
psicológica (SILVA; COELHO; CAPONI, 2007).
Ressalta-se então, a importância desses profissionais
estarem em constantes capacitações, que facilitem a sua
atuação frente à mulher vítima de violência psicológica,
destacando a necessidade de o atendimento acontecer em uma
rede multidisciplinar. (BARP; CETOLIN, 2013). De acordo com
esses mesmos autores, as dificuldades enfrentadas pelos
profissionais de saúde para lidar com situações de violência é
a falta de linguagem e conceitos que vincule o conhecimento
médico ao de outros campos, como o social e o jurídico. Além
disso, a falta de visibilidade para esse problema provoca nos
profissionais uma ineficácia em seu atendimento, isso se faz
devido à falta de ferramentas resolutivas direcionadas para
esse fim (MARINHEIRO; VIEIRA; SOUZA, 2006).
Uma pesquisa realizada em Porto Alegre/RS, em uma
Unidade Básica de Saúde, teve o índice de 55% de mulheres
afirmando ter sofrido episódios de violência psicológica. O
estudo foi realizado com 251 mulheres, entre elas., 139
mulheres sofreram com a violência psicológica mais de uma
vez (DE JESUS; LIMA, 2018). Esses dados não revelam a
totalidade de casos, há muitas vezes, casos em que as
mulheres silenciam e permanecem na situação de violência,
podendo evoluir constantemente.
Compreende-se a violência como uma questão
endêmica por ter uma natureza contínua, sendo assim,
perdurável, razão pela qual deve ser foco constante de
discussões e embates sociais, sendo tratada como um assunto

156
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

coletivo e não de cunho privativo. À vista disso, Barp e Cetolin


(2013) destacam que o desenvolvimento de programas de
prevenção específicos para comunidade - aqui, no caso, para
mulheres expostas à violência - pode contribuir para deter a
sua evolução. Ao que diz respeito à violência psicológica, a
mesma não se difere das outras e, da mesma forma, precisa
ser analisada com conhecimentos de diversas áreas, tais como:
psicologia, educação, sociologia, criminologia, jurídica, dentre
outros campos multidisciplinares que possam contribuir para
delimitar conceitos e, o mais importante, prevenir sua
evolução (PORTO, 2008).
Quanto a prevenção, a violência doméstica deve
ocorrer antes mesmo da violência psicológica se eclodir, uma
vez que, ao iniciar-se, ela segue um processo gradativo. A esse
respeito Silva, Coelho e Caponi (2007, p. 100) destacam alguns
comportamentos que, de uma certa forma, podem ser
identificados por pessoas próximas à mulher e, até mesmo
pela própria vítima, como fatores de risco, podendo culminar
no suicídio “jamais aprova as realizações da mulher; critica-a
reiteradamente (em público); conta-lhe suas aventuras com
outras mulheres; ameaça-a com violência a ser dirigida aos
filhos; diz que fica com a mulher apenas porque ela não pode
viver sem ele; cria um ambiente de medo”.
O estudioso da área Lopes et al. (2021) destacam que,
embora os indícios sejam mais amenos no início e, somente
depois vai se agravando, é muito difícil criar dispositivos
preventivos pois o setor de saúde precisa de preparo e
regularidade para superar o misticismo que circundam no
senso comum, ainda mais quando se fala em dispositivos para

157
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

a saúde mental, tornando o discurso da mulher ainda mais


questionável nesses setores públicos.

Violência psicológica e dispositivos de saúde mental

De acordo com Soares e Lopes (2018), por a violência


ser uma questão de saúde pública, há a necessidade de criar
dispositivos de atendimento às mulheres vítimas de violência.
Essas mesmas autoras destacam que a violência tem fatores
múltiplos e, como tal, necessita de intervenções para além das
identificações ou encaminhamentos. Dessa forma, é
importante que as mulheres recebam uma escuta inclinada,
com todos os aspectos éticos e sem pré-julgamentos, isso
porque, uma das principais dificuldades da mulher é de
expressar seus sentimentos, fazendo com que, muitas das
vezes, o ciclo de agressão perdure (AGUIAR, 2018).
No que diz respeito à violência psicológica, no estudo
de Barros Siqueira et al. (2018), eles mapear a ocorrência de
violência psicológica contra a mulher na Atenção Primária de
Saúde, no município de Petrolina/PE, o estudo mostra que a
violência psicológica teve maior incidência em relação aos
outros tipos de violência, convergindo com outras pesquisas.
No entanto, embora seja uma violência com grande
prevalência, ainda é muito silenciada, precisando de uma
atenção especial e de uma rede de proteção cada vez mais
articulada (SIQUEIRA et al., 2018).
Existem alguns dispositivos que prestam atenção às
mulheres com uma perspectiva multidisciplinar, os CRAM, os
CREAS e o CAPS.

158
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

O Centro de Referência de Acolhimento e Atendimento


à Mulher (CRAM) é uma estrutura de prevenção e
enfrentamento à violência contra a mulher, fazendo parte da
Rede especializada de proteção à mulher. É um serviço público
e gratuito de prevenção e atendimento psicológico, social,
jurídico e pedagógico para mulheres que vivem em situação
de violência doméstica e familiar (SANTOS, 2021).
O Centro de Referência Especializado de Assistência
Social (CREAS) é de acordo com Incerp e Cure (2020, p. 923) “é
um dispositivo da PSE, voltado para indivíduos e famílias que
já se encontram em situação de risco pessoal ou social e que
tiveram seus direitos violados por situações de violência física
ou psicológica, abuso ou exploração sexual, abandono, uso de
substâncias psicoativas, situação de rua, trabalho infantil,
entre outras”.
O trabalho do CREAS, em relação à mulher, é prestar
serviço de atendimento às mulheres vítimas de violência
doméstica, bem como encaminhamentos para atendimentos
psicológicos.
Já o CAPS, Centro de Atenção Psicossocial é
considerado um dispositivo territorial do Sistema Único de
Saúde, que atende adultos com transtornos mentais graves e
persistentes. A atenção em saúde mental ofertada pelo CAPS
envolve acolhimento, grupos terapêuticos, grupos de trabalho
e geração de renda, acompanhamento aos familiares,
acompanhamento psiquiátrico, psicológico e social. Tem por
objetivo a promoção da cidadania, autonomia e inclusão
social, por meio da reabilitação psicossocial (CAMPOS;
MAGALHÃES; ANGULO-TUESTA, 2020).

159
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

De acordo com o estudo de Campos, Magalhães e


Angulo-Tuesta (2020), destaca que há uma influência da
violência sobre a saúde mental das mulheres. Esses mesmos
autores destacam que o serviço especializado:

coloca uma oportunidade para que os profissionais de


saúde estruturem projetos terapêuticos para superar a
violência. No entanto, essa perspectiva viabilizar-se-á na
medida em que os profissionais aperfeiçoem suas
práticas na direcionalidade de tornar visível o oculto
destas várias formas de violência, a partir de espaços
promotores de falas que encontrem eco nas ações de
proteção e empoderamento feminino (CAMPOS;
MAGALHÃES; ANGULO-TUESTA, p. 131).

Por conseguinte, é importante que nesses locais


sempre tenham espaços de escuta e fala para tornar visível as
diversas formas de violência, com a proposta de fomentar a
promoção de saúde, ações de proteção e empoderamento
feminino.

Considerações finais

Ao finalizar este capítulo considera-se que os


resultados desta investigação foram significativos ao se
verificar em vários estudos a. sinalização das violências
vivenciadas pelas mulheres como um problema de saúde
pública por diversas razões. Ao mesmo tempo estes estudos
destacam a carência de maior assistência jurídica e
psicossocial aos diversos casos, enfatizando a necessidade de
maior atuação através do poder público. As publicações atuais
enfatizam agressões mais recorrentes, demonstrando a
necessidade de aperfeiçoamento do arcabouço jurídico para a
defesa das mulheres, oferecendo maior atenção e cuidados.

160
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

Percebe-se ser necessário uma articulação, mais precisa e


comprometida com a implementação de política pública
respectiva e da refutação à lógica do poder violento no
contexto destas famílias
As notas finais desse estudo, leva-nos a perceber que
o fenômeno de violência contra a mulher é um assunto muito
corriqueiro em diversos âmbitos. No que diz respeito a
violência psicológica, por ser um tipo de violência mais
privativo, ela pode ser menos investigada e,
consequentemente, mais duradoura.
Por ter um caráter gradativo, muitas vezes a própria
mulher vítima, não se percebe dentro de uma situação de
violência. Quando isso vêm acontecer, a sua autoestima e
saúde mental já estão comprometidas, desencadeando
transtornos mentais mais elaborados como depressão e
ansiedade. Por essa razão, a violência psicológica é
considerada uma questão de saúde pública, pois inviabiliza a
mulher de manter saúde e bem estar no sentido de se defender
e proteger os filhos, que ao mesmo tempo passam a ser vítimas
da situação.
Embora as discussões e as medidas de proteção e
tratamento tenham se intensificado, a violência psicológica
contra a mulher ainda permanece como um fenômeno invisível
e subnotificado, precisando de uma rede de articulação
direcionada para a mulher e, mais especificamente para
mulheres que sofrem ou já sofreram com a violência
psicológica.
A Lei Maria da Penha teve um papel relevante ao
atender questões como à falta de garantias legais e de
impunidade ao agressor, assegurando, à mulher “todos os

161
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

direitos fundamentais da pessoa humana, garantindo-lhe as


oportunidades e facilidades para viver sem violência,
preservar sua saúde física, mental e aperfeiçoar-se moral,
intelectual e socialmente”
Entende-se que quando a Lei Maria da Penha entrou em
vigor, ocorreram inúmeras atenções ao caso, mudando a
maneira como era resolvido as questões de violência contra
a mulher no Brasil, pois não havia uma legislação específica
que regulamentasse o crime de maneira juridicamente
eficaz, segura, capaz de atingir as finalidades ambicionadas
pelas vítimas.
Destaca-se que, antes da promulgação da Lei Maria da
Penha os casos de violência contra a mulher eram tratados
pelo juizado especial criminal de pequenas causas, as penas
eram leves, convertidas em penas alternativas, como a doação
de cestas básicas ou multas. A violência contra a mulher após
a Lei é considerada crime, passível de prisão do agressor.
Este fato oferece uma maior segurança a mulher para
denunciar o agressor. .A referida Lei possibilitou investigar
casos de violência doméstica e intrafamiliar, através de
inquérito policial que são encaminhados ao Ministério
Público, sendo julgado em Juizados Especializados. Houve,
de fato evolução, mas ainda urge maior apoio multidisciplinar
dos casos.

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orientação às mulheres vítimas de violência: novas
possibilidades para atuação do profissional de Psicologia.
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165
Sobre os autores

Aluizio Torres Costa Neto


Estudante de psicologia da Universidade Federal do Maranhão
e estagiário da I Vara Espercial de Combate à Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Atualmente faz parte da
Associação Brasileira de Psicologia Jurídica.

Anna Pessôa
Especialista em Gestalt-Terapia pelo Centro Universitário Facol
(UNIFACOL). Especialista em Saúde Mental e Rede de Atenção
Psicossocial pelo Instituto de Medicina Integral Professor
Fernando Figueira (IMIP), na modalidade Residência
Multiprofissional em Saúde. Graduada em Psicologia na
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Foi pesquisadora
de iniciação científica no Núcleo Feminista de Pesquisas em
Gênero e Masculinidades (Gema/UFPE). Tem experiência
acadêmica nas áreas de gênero, sexualidade, saúde pública,
políticas públicas, saúde mental e drogas. Atualmente é
residente no Programa de Residência Multiprofissional em
Saúde da Família da Secretaria de Saúde do Recife.
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

Bruno Chapadeiro Ribeiro


Psicólogo. Professor do Departamento de Psicologia de Volta
Redonda da Universidade Federal Fluminense (VPS/UFF), Pós-
Doc em Saúde Coletiva pela Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) e Perito
Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-
9). Membro do GT “Perícia Psicológica no Trabalho” da
Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ).

Cândida Helena Lopes Alves


Graduada em Psicologia Clínica pelo Instituto Piaget (2006),
Mestrado em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de
Salamanca (2008), Mestrado em Psicologia da Saúde pela
Universidade do Algarve (2010), Doutorado em
Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca (2011), Pós
Doutorado em Saúde Mental pela Universidade Católica de
Brasília (2016). Membro do Grupo de Trabalho (GT) da Anpepp
de Avaliação Cognitiva e Neuropsicológica. Representante da
SBNP (Sociedade Brasileira de Neuropsicologia no Maranhão
desde Novembro de 2016). Professora Substituta da
Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Experiência na área
de Psicologia Clínica e Neuropsicologia Clínica.

Carlos Manuel Vieira de Matos Barros de Abreu


Graduado em Direito pela Universidade de Coimbra (2019).
Mestre em Ciências Jurídico Forenses pela Faculdade de
Direito da Universidade de Coimbra (2021).

167
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

Carlos Teixeira Alves


Bacharel em Educação pela Escola do Magistério Primário de
Chaves (1979), Licenciado em História pela Faculdade de
Letras da Universidade de Coimbra (1992), Profissionalização
para o Ensino Secundário pela Universidade Aberta (1993),
Licenciado em Administração Escolar pelo Instituto Superior
de Ciências Educativas de Odivelas (1994), Mestre em Direito
Constitucional Económico pela Faculdade de Direito da
Universidade de Salamanca (1997), Mestre em Direção de
Empresa pela Faculdade de Ciências Económicas e
Empresariais da Universidade de Salamanca (1999), Doutor em
Ciências Económicas e Empresariais pela Universidade de
Salamanca (2001), Empresário – Centro de Apoio Profissional e
Línguas, Lda. desde 1995. Professor Adjunto do ISVOUGA
(Instituto Superior de Entre Douro e Vouga) desde 2019.

Gládys Tinoco Corrêa


Graduanda do Curso de psicologia (8º periodo) Universidade
Ceuma. Membro do Grupo de Pesquisa de Neuropsicologia -
Taumed.

Francisca Morais da Silveira


Professora associada do Departamento de Psicologia da
Universidade Federal do Maranhão. Doutora e Mestre em
Psicologia pela Universidade Federal do Pará.

Jadson Ramos e Sousa Santos


Graduado em Psicologia pela Universidade Federal do
Maranhão (UFMA). Especialista em Psicologia Organizacional

168
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

pela UNIS. Especializando em avaliação psicológica pelo IPOG.


Membro do grupo de pesquisa Psicoterapias existenciais e
humanistas do CNPq. Oficial da saúde na Polícia Militar do
Maranhão (PMMA).

Kátia S. Bezerra Brasileiro


Especialista em Psicologia Organizacional e do Trabalho pelo
Instituto de Desenvolvimento Educacional (IDE). Graduada em
Psicologia Clínica pela Universidade Católica de Pernambuco
(UNICAP), psicóloga clínica, palestrante, preceptora e
facilitadora de grupos da Unidade de Apoio Psicossocial
(UNIAPS) da Secretaria de Saúde de Pernambuco. Trabalhou
como Psicóloga Clínica e Gerente dos Serviços Técnicos, em
Unidades Prisionais da Secretaria de Ressocialização de
Pernambuco (SERES), por 18 anos, além de Instrutora do Curso
de Formação da Polícia Militar de Pernambuco, no Centro de
Formação e Aperfeiçoamento de Praças (CFAP), por 03 anos.
Participou de banca examinadora de Trabalho de Conclusão de
Curso na Universidade Estácio de Sá.

Laura Pedrosa Caldas


Doutora em Psicologia Clínica nas Instituições (ênfase na
Clínica do Trabalho). Perita e Assistente Técnica Judicial.
Psicóloga de Saúde e Segurança do Trabalho
(ELETROBRAS/CHESF). Diretora de Saúde do Sindicato dos
Professores de IES particulares de Recife (SINPROES). Membro
do Grupo Interinstitucional de Trabalho Seguro (GETRIN6) do
Tribunal Regional do Trabalho (TRT6). Docente de
Graduações e Pós-graduações.

169
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

Lycia Helena Santos Coimbra


Graduada do curso de psicologia da Universidade Ceuma,
Membro do grupo de pesquisa de neuropsicologia-Taumed.

Maria da Piedade Gonçalves Lopes Alves


Bacharel em Educação pela Escola do M.P. Chaves (1979),
Graduada em Português / Francês pelo Instituto Superior de
Ciências Educativas (1992), Graduada em Administração
Escolar pelo Instituto Superior de Ciências Educativas (1994),
Mestre em Biblioteconomia e Documentação, pela Faculdade
de Tradução e Documentação da Universidade de Salamanca
(2003); Mestre em Ciências Documentas, área de
Especialização Biblioteca e Documentação, pela Universidade
do Algarve (2007); Doutorada em Ciências da Informação e
Documentação pela Universidade de Salamanca (2007); Pós-
doutora em Gestão de Recursos Humanos pela Faculdade de
Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Fernando Pessoa
(2015), Empresária – Centro de Apoio Profissional e Línguas,
Lda. desde 1995.

Rita de Cássia Ellen Silva Serra


Graduanda de psicologia no 10º período na Universidade
Ceuma. Membro do Grupo de Pesquisa de Neuropsicologia -
Taumed.

Taíse de Cássia Garros


Estudante de psicologia da Universidade Federal do Maranhão
e estagiária da I Vara Espercial de Combate à Violência

170
Capítulo 8 – Violência psicológica contra a mulher e as
articulações com a questão de saúde pública

Doméstica e Familiar Contra a Mulher. Atualmente faz parte da


Associação Brasileira de Psicologia Jurídica.

Tayane Carolina Santos Sousa


Graduada em Psicologia pela Universidade CEUMA (2020).
Graduação sanduíche pela Faculdade de Psicologia e Ciências
da Educação (FPCEUP), Universidade do Porto (Portugal, 2019).
Discente bolsista do Programa Institucional de Bolsas de
Iniciação Cientifica (PIBIC) da Universidade CEUMA (2018 à
2019). Membro do Grupo de Pesquisa em Psicologia
Organizacional, do Trabalho e Social (GPOTS, 2015 à 2018), e
do Grupo de Pesquisa em Neuropsicologia da Universidade
CEUMA (2018 à 2020). Especializanda em Saúde Mental e
Atenção Psicossocial pela Faculdade Laboro.

171
CADERNOS DE PSICOLOGIA JURÍDICA
PRÁTICAS E CONTEXTOS EM PSICOLOGIA JURÍDICA
A Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ) é uma instituição científica e
profissional com o objetivo de desenvolver pesquisas, compartilhar ideias e integrar
profissionais, fomentando as relações entre psicologia, direito, justiça e lei entre
psicólogos e profissionais do âmbito jurídico.

A ABPJ apresenta o oitavo volume da coleção CADERNOS DE PSICOLOGIA


JURÍDICA, Necessidades e Desafios em Psicologia Jurídica, uma publicação seriada
voltada a atualização profissional. Trata-se de um conjunto de temas atuais que
embasam a ação profissional em diversos âmbitos temáticas relacionadas ao contexto
da Psicologia e do Direito.

ORGANIZADORES:
Cândida Helena Lopes Alves – Graduada em Psicologia Clínica pelo Instituto Piaget
(2006), Mestrado em Neuropsicologia Clínica pela Universidade de Salamanca (2008),
Mestrado em Psicologia da Saúde pela Universidade do Algarve (2010), Doutorado em
Neuropsicologia pela Universidade de Salamanca (2011), Pós Doutorado em Saúde
Mental pela Universidade Católica de Brasília (2016). Membro do Grupo de Trabalho
(GT) da Anpepp de Avaliação Cognitiva e Neuropsicológica. Representante da SBNP
(Sociedade Brasileira de Neuropsicologia no Maranhão desde Novembro de 2016).
Professora Substituta da Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Experiência na
área de Psicologia Clínica e Neuropsicologia Clínica.

João Carlos Alchieri – Professor Titular do Departamento de Psicologia na Universidade


Federal do Rio Grande do Norte junto ao Programa de Pós-Graduação em Ciência e
Tecnologia e Inovação (UFRN). Participou em diretorias científicas e em comissões de
avaliação nacionais e internacionais. Presidente da Associação Brasileira de Psicologia
Jurídica (ABPJ 2021-2023) Diretor Nacional da Asociación Latino-Americana de
Psicología Jurídica y forense ALPJF 2020 – 2021 e Presidente de la Red
Iberoamericana de Asociaciones de Psicologia Juridica y Forense (2021- 2023)..

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA
DE PSICOLOGIA JURÍDICA

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