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É essencial que as disposições da resolução sejam ajustadas, principalmente, para que garantam todos os direitos das partes
envolvidas, a fim de que se tenha uma regulação concisa e que esteja de acordo com as normas e princípios basilares do processo
civil e do processo administrativo brasileiro.
quarta-feira, 1 de setembro de 2021
Atualizado às 08:17
Em 28/5/21, a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) publicou consulta pública sobre sua norma de fiscalização
para regulamentação das sanções administrativas a serem aplicadas aos agentes de tratamento de dados pessoais, previstas
no artigo 52 e seguintes da lei 13.709/18 (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais - LGPD).
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Resolução de fiscalização da ANPD: aplicação de sanções e a segurança jurídica 23/08/2023 16:19
A Autoridade divulgou que o objetivo do normativo é alcançar maior conformidade no cenário regulatório atinente à proteção
de dados para os regulados, bem como aplicar sanções quando necessário. Para tanto, teria seguido a lógica da regulação
responsiva, isto é, adotado mecanismos de incentivos positivos e negativos, desde o monitoramento, a orientação, a
prevenção e aplicação das sanções, de acordo com
Compartilhar 0 a gravidade das infrações à LGPD.
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Porém, submetida à consulta pública, o cenário acabou se mostrando diverso daquele aparentemente pretendido pela ANPD,
tendo a norma chamado a atenção dos seus futuros regulados em pontos bastante relevantes, especialmente no que diz
respeito ao processo administrativo sancionador, previsto no título III da futura resolução.
O título apresenta diversos pontos potencialmente problemáticos, que serão analisados neste artigo. Para a efetiva
concretização da proteção de dados, é necessário que tais questões sejam corretamente avaliadas e revistas.
O ato administrativo instaurador do procedimento sancionador deve estar revestido de todos os requisitos legais para que haja
o devido direito à defesa e ao contraditório, com a especificação da conduta que levou à sua instauração, assim como a
indicação dos dispositivos legais violados. Esses relevantes pontos não restaram adequadamente previstos no artigo 42 da
Resolução, necessitando a norma de ajustes a fim de regular a necessidade de fundamentação das razões pelas quais a
ANPD decidiu instaurar o processo sancionador.
A necessária fundamentação do ato também deve estar prevista no artigo 48 da norma, que trata sobre o incidente de
avocação, isto é, situação excepcional que determina o prosseguimento do processo sancionador contrariamente à indicação
original de arquivamento, de forma a garantir ao autuado a possibilidade de apresentação de suas razões para o arquivamento
do processo.
Da mesma forma, o artigo 43 da Resolução, ao não prever a recorribilidade do despacho instaurador do processo, também
causa danos ao exercício do contraditório e da ampla defesa. Nesse caso, há que se levar em consideração que, com o
aumento da importância da proteção de dados atualmente, a mera instauração do processo administrativo sancionador
configura um risco reputacional ao autuado. Assim, a inexistência de previsões de meios para recorrer do despacho é uma
omissão da Resolução que não pode se manter.
Além disso, é essencial que o auto de infração, ato administrativo que inicia e delimita o objeto do procedimento sancionador,
descreva a conduta supostamente violadora, os indícios de prova que indiquem a violação, assim como os dispositivos legais
em que é enquadrada a conduta e a indicação da possibilidade da celebração de termo de ajustamento de conduta. Caso o
auto de infração não inclua tais descrições, estará revestido de nulidade e, além disso, trará dificuldades para o devido
cumprimento do contraditório e da ampla defesa.
A resolução editada pela ANPD também traz insegurança jurídica com relação ao arrependimento, à reparação de danos e à
forma do termo de ajustamento de conduta a ser realizado entre o autuado e a ANPD.
Apesar de prever o arrependimento como forma de correção voluntária de danos e consequente arquivamento do processo
administrativo, não há na Resolução qualquer especificação sobre como deve ser feita a correção ou a reparação de danos.
É necessário que conste do despacho instaurador do processo administrativo sancionador (artigo 43 da Resolução) a forma ou
medida a ser adotada pelo agente autuado para a reparação dos danos, trazendo clareza ao agente autuado acerca da
medida que a ANPD entende como suficiente para corrigir o ilícito e consequentemente arquivar o processo. Tal questão é,
inclusive, de grande relevância sob o enfoque do Código de Processo Civil (CPC), que valoriza meios alternativos de solução
de controvérsias e busca evitar lides desnecessárias.
Na mesma linha, o Termo de Ajustamento de Conduta também deve ter seu panorama geral traçado pela Resolução, de
modo que sejam especificados requisitos mínimos à sua lavratura, a fim de guiar as partes e garantir maior previsibilidade,
inclusive evitando novos processos acerca da matéria acordada. Como comparativo, observa-se que o General Data
Protection Regulation (GDPR), em seu artigo 47.2, traz diretrizes dos requisitos para os acordos entre a autoridade de
fiscalização e o autuado - os chamados binding corporate agreements.
De acordo com o artigo 53 da Resolução, a fase de instrução terá início com a expedição de intimação ao agente de
tratamento, sendo indicado o prazo de dez dias para a apresentação de defesa. No entanto, não há qualquer informação sobre
a contagem de prazo no caso de o procedimento envolver mais de um agente de tratamento autuado, como ocorre na
dinâmica do CPC, em seu artigo 229, por exemplo. Considerando que o prazo em dobro pode ser importante para casos em
que controlador e operador estejam envolvidos no mesmo procedimento, seria necessária a inclusão, no artigo 7o da
Resolução, de previsão expressa quanto à contagem de prazo para procedimentos que envolvam mais de um autuado.
O artigo 54 da Resolução, por sua vez, prevê a possibilidade de a ANPD admitir "novas provas" ao processo após a lavratura do
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Resolução de fiscalização da ANPD: aplicação de sanções e a segurança jurídica 23/08/2023 16:19
auto de infração ou após o prazo de defesa. Esse artigo claramente não atende ao princípio da não surpresa no CPC, e pode
revelar-se como fator de insegurança jurídica, uma vez que possibilita que o autuado seja surpreendido pela produção de
novas provas e realização de diligências pela ANPD, as quais poderão ser utilizadas como fundamento decisório. Deve a
norma resguardar o direito do autuado de ser sempre intimado a se manifestar sobre provas e diligências realizadas e juntadas
aos autos após o prazo de defesa.
(iv) Da defesa
O artigo 57 da Resolução possibilita o indeferimento do pedido de produção de provas. No entanto, é primordial que esse
artigo preveja a necessidade de fundamentação da decisão que indefere provas, bem como o cabimento de recurso, a fim de
garantir os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa.
No caso de se entender ser incabível um recurso específico contra tal indeferimento, a questão não deve ser abarcada pela
preclusão, devendo ser passível de reapreciação como preliminar de eventual recurso administrativo contra decisão de
mérito, nos moldes do artigo 1.009, § 1º, do CPC.
Ponto que também chamou a atenção na Resolução é o tratamento dado à prova pericial e ao processo de escolha de peritos.
O artigo 58, inciso II, da Resolução regula que "o interessado poderá formular quesitos suplementares e requerer esclarecimentos
ao perito". Este é um exemplo da necessidade de harmonização dos termos da Resolução, pois o uso indistinto de
"interessado" causa problemas na compreensão do comando legal, já que esta terminologia não se contrasta com o "terceiro
interessado".
Adicionalmente, não estão expressamente previstos na resolução o momento e o prazo para formulação desses quesitos e
esclarecimentos. Tais questões remetem ao amplo debate que se formou no âmbito do artigo 469 do Código de Processo
Civil, cujo objeto era justamente a necessidade de segurança jurídica e a ausência de previsibilidade nos termos da redação
do artigo. Além disso, busca-se garantir que o agente de tratamento tenha direito à apresentação de quesitos, em momento
útil e adequado no curso do processo.
Também se verifica que a norma não prevê quaisquer critérios para nomeação dos peritos. A resolução sequer determina
quais as hipóteses que ensejarão cada um dos casos expressos no inciso III, do seu artigo 58. Essa determinação é
fundamental para o bom exercício do contraditório. Ademais, em casos de divergência entre os interesses das partes, de
quem é a responsabilidade por tomar a decisão acerca do perito a assumir o encargo?
Outra questão controversa na Resolução diz respeito à apresentação de fatos novos, que está limitada ao momento entre a
defesa e a instrução. Além de não restar clara a oportunidade para sua apresentação, já que a defesa, conforme previsto na
norma, é parte da instrução, e considerando que fatos novos são aqueles que não existiam ou dos quais a parte não tinha
ciência até o momento de sua manifestação, restringir o momento de sua apresentação - impossível no processo civil - viola a
ampla defesa, pois limita as alegações do autuado e pode, inclusive, interferir na decisão final da ANPD.
A LGPD determina, em seu artigo 53, que a ANPD definirá as metodologias que orientarão o cálculo do valor-base das
sanções de multa. Todavia, a resolução é omissa nesse ponto. Além disso, os parâmetros para aplicação de multas previstos
na LGPD não parecem atentar para o fato de que o agente de tratamento pode ser, ainda que em casos mais excepcionais,
uma pessoa natural. Mostra-se relevante que a norma fiscalizatória aborde de maneira expressa tais pontos, para que os
autuados tenham ao menos uma previsão de sua exposição financeira no momento em que recebem o auto de infração, e
não sejam surpreendidos com multas exorbitantes e desproporcionais.
Por fim, e talvez um dos pontos mais críticos da resolução, diz respeito à previsão do § 1º, do artigo 70, da Resolução. Isso
porque, de acordo com o referido dispositivo, da apreciação do recurso pode "decorrer gravame à situação do recorrente", ou
seja, pode haver uma reforma que piore a situação do recorrente. Tal previsão configura grave ilegalidade na Resolução, em
clara afronta ao princípio da vedação a reformatio in pejus, aplicável tanto ao processo civil, como ao processo administrativo. É
evidente a necessidade de supressão do referido parágrafo da norma.
(vi) Conclusão
É possível verificar que a Resolução possui diversas disposições controversas, que devem ser revistas antes de sua entrada
em vigor. Como hoje se apresenta, a norma pode gerar insegurança por parte dos regulados, além de tornar desafiadora sua
futura implementação.
Considerando a extrema importância da proteção de dados, bem como a necessidade da correta e transparente
regulamentação do processo sancionador em caso de violação às normas impostas pela LGPD, é essencial que as
disposições da resolução sejam ajustadas, principalmente, para que garantam todos os direitos das partes envolvidas, a fim de
que se tenha uma regulação concisa e que esteja de acordo com as normas e princípios basilares do processo civil e do
processo administrativo brasileiro, a exemplo da ampla defesa, contraditório e proibição da reformatio in pejus.
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*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou
negócio específico.
Beatriz Pyrrho
Associada de Pinheiro Neto Advogados. Pós-graduada pela PUC-Rio. Especialista em Propriedade
Intelectual e Tecnologia.
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