Jessica Fontes Brito. R.A 158.080 - Curso de pedagogia, noturno.
Resenha: Avaliação educacional: caminhando pela contramão
FREITAS, L. C. et al. Avaliação
Educacional: caminhando pela contramão. Rio de Janeiro: Vozes,2009.
Temos observado por parte de muitas redes públicas em São Paulo a
tentativa de formatar a escola para que essa realize cada vez mais operações de ordem burocrática, sistematizações e a aplicação de conteúdos e avaliações, processo que transfere o domínio da reflexão, do planejamento e das avaliações para outrem, quando esses deveriam pertencer ao corpo de profissionais que compõem a escola. Desse modo, constrói-se uma escola sustentada por um projeto neoliberal ao invés de uma escola participativa, democrática. Considerando esse problema, elenco a obra de Freitas — professor titular da faculdade de educação da Unicamp — que intitula essa resenha como fundamental para refletirmos acerca da avaliação nas escolas. Freitas apresenta três níveis de avaliação integrados entre si, a saber; da aprendizagem, institucional e de redes de ensino. Nos três primeiros capítulos são apresentados cada um dos níveis, enquanto no quarto encontram-se as considerações finais. O autor inicia o primeiro capítulo citando que um dos equívocos dos manuais de didática é assentar a avaliação como uma atividade que ocorre ao final de um processo, de maneira formal. Segundo essa visão linear, em um primeiro momento ocorre a aprendizagem enquanto em um segundo, sua verificação. Corroborando com Freitas, compreendo que tal perspectiva não permite que a organização do trabalho pedagógico seja concebida de forma dialética. Segundo o autor há uma natureza dinâmica e contraditória das categorias que permite organizar o processo de ensino-aprendizagem em núcleos que interligam-se: objetivos-avaliação e conteúdo-método. Os objetivos da escola e os objetivos pedagógicos alicerçam a construção da avaliação da aprendizagem, no entanto, Freitas adverte que os objetivos pedagógicos têm encoberto os objetivos da escola. O projeto político-pedagógico bem como as práticas pedagógicas da escola devem ser questionados para que fiquem nítidas as funções do eixo objetivos- avaliação, do contrário corre-se o risco de transformar o domínio dos conteúdos em uma arma para obter vantagem em uma vida cada vez mais competitiva, ou seja de instrumentalizá-lo e torná-lo o único objetivo da escola. Partindo dessa leitura podemos compreender a importância do projeto político pedagógico se constituir a partir de um processo democrático de decisões, como elemento que busca instaurar uma forma de organização do trabalho pedagógico que supere os conflitos, buscando eliminar as relações competitivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do mando impessoal e racionalizado da burocracia que tem permeado as relações no interior da escola, diminuindo assim os efeitos fragmentários da divisão do trabalho que reforça as diferenças e hierarquiza os poderes de decisão. Portanto, é preciso entender conforme Freitas, que o projeto político-pedagógico da escola é que dará as indicações necessárias à organização do trabalho pedagógico, que inclui o trabalho do professor na dinâmica interna da sala de aula e consequentemente a organização da avaliação do ensino-aprendizagem. Guardando essa afirmação o autor faz um movimento importante no texto ao ressaltar que a transmissão do conhecimento não é o único objetivo da escola. Planejadamente ou não, a escola é um espaço formativo, uma vez que os estudantes desenvolvem atitudes e valores a partir das relações sociais nela vivenciadas. Freitas trata desse tema afirmando que observar esse aspecto é importante para que o nosso conceito de avaliação seja ampliado e não se reduza a uma questão meramente técnica. Devemos ainda considerar que no plano da avaliação formal estão as técnicas e procedimentos palpáveis de avaliação com as provas enquanto no plano da avaliação informal, estão os juízos de valor invisíveis e que acabam por influenciar os resultados das avaliações finais e são construídos pelos professores e alunos nas interações diárias. Tais interações integram as decisões metodológicas que os professores implementam em sala de aula. No segundo capítulo do livro, Freitas enfatiza que as atuais políticas públicas têm-se preocupado mais com a figura do professor do que com o conjunto dos atores da escola. Tal situação explicita a ideia de que a mudança da “cultura” dos professores modificaria a escola, essa mudança seria oportunizada através de formações continuadas, porém, segundo o autor, redes públicas que apostaram neste caminho, queixam-se de não ter havido repasse suficiente das melhorias nas condições de trabalho (inclusive salariais) para a universalização da qualidade do desempenho dos estudantes e que os níveis de reprovação continuam altos, fato que a nossa sociedade como um todo assiste. Não é difícil constatar que sem o conjunto da escola tendo que ser necessariamente reflexivo, a possibilidade de transformação dos processos escolares fica limitada. Sendo assim, faz-se necessário compreender o papel da avaliação institucional da escola; trata-se de um processo que envolve todos os seus atores, a fim de negociar patamares adequados de aprimoramento, a partir dos problemas concretos vivenciados por ela. O apropriar-se dos problemas da escola inclui um apropriar-se para demandar do Estado as condições necessárias ao funcionamento dela, entretanto, inclui também o compromisso dos que fazem a escola com os resultados dos seus alunos, a este processo bilateral de responsabilização Freitas dá o nome de“qualidade negociada”. Mais uma vez o autor nos faz pensar sobre a importância do projeto político- pedagógico, uma vez que a referência para a avaliação institucional da escola está dada por ele. Observo que pouco tem-se discutido a respeito dos compromissos sociais e políticos em que a escola está implicada, tampouco sobre as determinações sociais onde os problemas da escola estão assentados e as consequências político-sociais que advém da execução de projetos, a exemplo de projetos de formação continuada, que sem a integração ao projeto político- pedagógico da escola elaborado pelo coletivo escolar perde o sentido. E ainda, que a falta de criticidade na abordagem dos fenômenos sociais com o aumento e aperfeiçoamento das técnicas de planificar tem inviabilizado o papel da avaliação institucional. Freitas afirma que é através dela que os dados provenientes tanto da avaliação dos alunos feita pelos professores, como da avaliação dos alunos feita pelo sistema cruzam-se. Ambas falam da verdadeira figura central da escola: os alunos. Sobre a avaliação da rede de ensino e a responsabilidade do poder público, tema do terceiro capítulo da obra, o autor destaca que as avaliações externas de larga escala podem informar sobre o funcionamento e as condições de trabalho de uma rede, porém que essas avaliações deveriam ser conduzidas pelos municípios. Sobre tal afirmação, podemos pensar que o município é de fato o ente que detém maior clareza para elaborar e analisar os resultados das avaliações à luz das realidades de cada região e em diálogo com as unidades escolares. O que notamos é que há aplicação de avaliações como o Sistema de Avaliação da Educação Básica - SAEB estritamente para medir, entretanto medir não significa avaliar. Freitas aponta que deveria existir um conselho gestor constituído pelo poder público, pais e funcionários da escola para o processo de elaboração e manutenção da avaliação, acompanhando suas etapas, sugere também a criação de uma equipe técnica para elaboração de uma matriz de referência para a produção da avaliação a ser conduzida na rede, o que parece de fato a melhor alternativa. O autor ressalta que há aspectos políticos implicados na avaliação externa das escolas. No Brasil sem dificuldades encontramos a tendência de transformar a avaliação de sistemas em um instrumento de avaliação da sala de aula e da escola, prova disso é que temos visto com estarrecimento que os resultados das avaliações externas têm fomentado a disputa entre as escolas de uma mesma rede, já que servem para compor um ranking de “melhores” e “piores” desempenhos e muitas vezes convertem-se em bonificações. Freitas alega que para monitorar as políticas públicas é necessária a avaliação de sistema, todavia, seus resultados devem retornar para a escola, para que sejam validados e utilizados para pensar possíveis melhorias (e não para criar rankings). A partir dessa avaliação institucional seria possível notar aspectos que compõem cada escola em suas particularidades e assim observar de forma ampla a composição de cada rede, configurando-a assim em um trabalho coletivo. Concluo que o livro trata da importância da avaliação recolocando as relações na escola em uma perspectiva colaborativa e de responsabilização bilateral entre poder público (avaliação de sistemas), escolas (avaliação institucional) e seus profissionais (avaliação da aprendizagem), ainda que tais processos sejam protagonizados por atores sociais diferentes. Compreendo que para que isso ocorra é necessário caminhar pela contramão, conforme o título do livro sugere e fazer frente ao projeto neoliberal para a educação que tem lançado a responsabilidade pela educação das gerações vindouras exclusivamente aos professores e conferido o fracasso escolar a eles e aos estudantes. Resistiremos a esse projeto construindo democraticamente um projeto político pedagógico ou redimensionando-o de modo que sejam refletidos e tornados claros prioritariamente os objetivos da escola, ou seja seu compromisso social e político. Freitas demonstra que dessa construção derivam os projetos, as práticas pedagógicas, a forma de lidar com os resultados das avaliações externas e internas, a decisão sobre as formas de avaliar (como e o que) e o vislumbre da importância da integração entre os três níveis de avaliação assim como suas possibilidades de articulação.