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GESTÃO

- Folhas das Aulas Teóricas –

Prof. João Oliveira Soares

- 2021/22 –
© João Oliveira Soares

2
ÍNDICE

Capítulo Página

1. Introdução - cultura, ética e estrutura das organizações............................................... 5


2. A informação financeira................................................................................................17
3. Projetos de Investimento: introdução ao cálculo financeiro ....................................... 41
4. Projetos de Investimento: análise da rentabilidade......................................................56
5. Gestão Estratégica e Marketing.....................................................................................79

3
4
Capítulo 1. Introdução - cultura, ética e estrutura das organizações

1.1. Gestão, organizações, cultura e ética

A origem latina da palavra Gestão – gestiōne – remete-nos para a ação de dirigir, para uma
atividade que visa, com os recursos disponíveis, definir um rumo, uma orientação em direção
um destino previamente fixado. Se pensarmos também na forma como correntemente
falamos de assuntos como a gestão da nossa carreira, a gestão do tempo disponível, a gestão
das poupanças ou de uma carteira de títulos financeiros, havemos de reconhecer naquela
definição de Gestão os aspetos comuns a estas nossas diferentes atividades. Há metas e
objetivos que são estabelecidos, há a identificação dos recursos disponíveis – tempo,
dinheiro, o que seja – e gerir significa procurar seguir um rumo, o melhor possível, em direção
a essas metas e objetivos. Se esse rumo não é devidamente planeado e organizado, se é
sobretudo reativo ao que os acontecimentos vão sugerindo, pode-se então dizer que se
navega à vista, não da melhor forma face aos objetivos inicialmente definidos. Ora, o estudo
das modernas técnicas de Gestão visa justamente evitar isso.

Indo agora de uma definição de âmbito mais geral para um quadro mais limitado das
empresas ou organizações, encontramos definições de Gestão como a de Daft 1, que a
identifica como sendo um processo que visa atingir metas ou objetivos de uma forma
eficiente e eficaz, compreendendo quatro funções nesse caminho:

• Planeamento – função que contempla a definição de metas e objetivos, a seleção dos


recursos necessários, e a calendarização das diferentes tarefas ou ações;
• Organização – refere-se à implementação de uma estrutura adequada dentro das
empresas ou organizações. Essa estrutura envolverá a departamentalização, por
agregação das atividades e tarefas, e a necessária definição de uma hierarquia e linhas
de comando e controlo desde o topo até à base;

1
Daft, Richard L. (2018), “Management”, 13th. edition, Cengage Learning.

5
• Liderança – a função que respeita à direção e motivação dos recursos humanos, à
criação de um espírito de corpo e de uma cultura identitária da própria organização.
• Controlo – monitorização da atividade da empresa ou organização. Focar-nos-emos,
neste livro, sobretudo em técnicas e modelos de informação na área financeira,
essenciais ao controlo da rentabilidade e património das organizações.

Esta separação em quatro funções não é, por sua vez, inteiramente original. Já Fayol (1841-
1925), engenheiro de minas e pioneiro na teoria da ciência da Administração e Gestão de
Empresas, se refere sequencialmente às funções de Planeamento, Organização, Comando,
Coordenação e Controlo2, as quais, diríamos, terão que ser ajustadas aos objetivos dos
diferentes tipos de organizações. Podemos pensar na especificidade das empresas privadas,
que visam essencialmente o lucro e a criação de valor para os detentores do seu capital, não
devendo negligenciar os interesses de quem com elas se relaciona – os designados
stakeholders – trabalhadores, fornecedores, clientes, etc. Outro grande tipo de organizações
é o que compreende as entidades públicas (escolas, universidades, hospitais), cujos objetivos
passam a ser primordialmente a prossecução do serviço público e os benefícios para a
sociedade no seu conjunto. Em terceiro lugar, mencionem-se as entidades sem fins lucrativos
e do setor social, organizações que embora devendo assegurar a sua sustentabilidade
financeira, são focadas sobretudo no altruísmo e nos benefícios comuns. É o caso de muitas
Fundações ou Organizações Não Governamentais.

A gestão de empresas (ou de organizações, em geral) necessita, por sua vez, de atores que a
executem. Esses atores, os gestores a diversos níveis de responsabilidade e decisão, devem
reunir múltiplas competências, que podemos agrupar em três grandes tipos:

• Competências conceptuais – que implicam uma aptidão para pensar largo, pensar a
organização como um todo, no estado atual e no longo prazo. São sobretudo
necessárias aos gestores de topo;

2
Fayol, H. (2018), “Administração Industrial e Geral”, Edições Sílabo. A versão original em francês
intitula-se "Administration Industrielle et Generale - Prevoyance, Organisation, Commandement,
Controle”.

6
• Competências Relacionais – que implicam saber coordenar e gerir equipas de
colaboradores, estabelecer ligações interpessoais, delegar, e saber motivar. São
importantes a todos os níveis, mas mais identificadas com os gestores de topo e
intermédios, ao nível dos departamentos ou divisões;
• Competências técnicas – aptidões desenvolvidas com o ensino formal, nas
universidades ou escolas profissionais, bem como com a formação e práticas
profissionais. Devem estar presentes nos designados gestores de linha, desde o nível
mais baixo da hierarquia, bem como nos técnicos em geral.

A ação dos gestores vai progressivamente moldando a cultura das organizações, tornando-as
diferenciadas entre si, quer em termos visíveis (um símbolo – uma maçã trincada, três letras,
...; uma praxe – académica, militar, ... ), quer em termos invisíveis, de valores identitários (a
história da empresa, o líder fundador carismático, o país ou região de origem), e é essencial a
gestão ser exercida com valores e princípios morais: respeitar o ambiente, os consumidores,
promover a participação dos colaboradores na vida da organização, respeitar as leis laborais,
ser leal para com os concorrentes, ser verdadeiro na informação financeira ao público em
geral, e ao Estado em particular, partilhar responsabilidades e delegar poderes. A adoção de
princípios como estes, parcial ou total, insere-se naquilo que na gestão moderna se considera
ser uma responsabilidade perante a sociedade.

Por sua vez, é justo reconhecer que a tentativa de aumentar a eficiência das organizações
pode por vezes colidir com esta postura ética e de responsabilidade social. Num livro muito
interessante, Tong (2020)3, Vice-Presidente do World Wildlife Canada, dá exemplos deste
conflito quando refere, por exemplo, o manual publicado nos anos 1960 pela Associação de
Sistemas e Procedimentos da América, que procurava definir os tempos “normais” dos
procedimentos administrativos com o seguinte detalhe: “Abrir e fechar gaveta de ficheiro,
sem seleção = 0,04 minutos; secretária, abrir gaveta do meio = 0,26 minutos; fechar gaveta
do meio = 0,27 minutos; ... sentar na cadeira = 0,033 minutos; virar na cadeira com rodas =
0,009 minutos...”.

3
Tong, Ziya (2020), “Tudo o que Não Vemos”, Editora Lua de Papel, Alfragide, pp. 197 e seguintes.

7
Nos nossos dias, com o progresso tecnológico, como refere a autora, os operários das fábricas
e escritórios são vigiados e cronometrados para avaliar a produtividade. No caso da Pegatron,
fornecedor chinês da Apple, o dia de trabalho estende-se por 12 horas com meros 90 minutos
de interrupções possíveis para refeições e idas à casa de banho. Em armazéns da Amazon no
Reino Unido, uma investigação mostrou que 74% dos trabalhadores tinham medo de ir à casa
de banho para não prejudicar a produtividade e a sua avaliação, havendo trabalhadores a
urinar em garrafas. No caso da indústria aviária nos Estados Unidos da América, são relatados
casos de trabalhadores a suar fraldas para evitar interrupções para ir à casa de banho. Enfim,
exemplos de abuso dos direitos dos trabalhadores e da sua condição de seres humanos, em
benefício de uma metrologia da eficiência e da competição pelo lucro como objetivo único.

Reforcemos, pois, a ideia acima: a Responsabilidade Social e a Ética são elementos que
devem integrar a cultura da empresa ou organização e devem fazer parte da comunicação
das mesmas. Vejam-se de seguida três exemplos de grandes grupos empresariais e a forma
como eles definem os elementos primordiais da sua cultura de empresa e do que entendem
dever integrar a sua ética de conduta.

– Cultura de empresa e ética de conduta –


Exemplos de três grupos portugueses:

Grupo SONAE4:
“Somos um grupo multinacional com raízes sólidas e uma ambição de progresso
permanente. A nossa cultura, a nossa maneira de ser e de estar nos negócios é o
elo que nos mantém unidos e nos torna especiais, em qualquer negócio ou
geografia.
Ao conjunto de valores e princípios que orientam a nossa forma de estar na vida e
nos negócios, chamamos À NOSSA MANEIRA:
• Confiança e Integridade

4
Sonae (2020), Sonae - cultura. Disponível em https://www.sonae.pt/pt/sonae/cultura/ (Acesso em
6.10. 2020).

8
• As Pessoas no centro do nosso sucesso
• Ambição
• Inovação
• Responsabilidade Corporativa
• Frugalidade e Eficiência
• Cooperação e Independência “

Grupo JERÓNIMO MARTINS5:


“No Grupo Jerónimo Martins, procuramos gerir de forma equilibrada a relação
entre a necessária prosperidade económica e o contributo activo para o
desenvolvimento social e a preservação ambiental nas regiões onde marcamos
presença.
Assumimos cinco pilares transversais e presentes na cultura do Grupo Jerónimo
Martins:
1. Promover a Saúde pela Alimentação
2.Respeitar o Ambiente
3. Comprar com Responsabilidade
4. Apoiar as Comunidades Envolventes
5. Ser um Empregador de Referência.”

Grupo VISABEIRA6:
“Somos cerca de 9.500 pessoas espalhadas pelo mundo que, com paixão, lealdade
e compromisso com os resultados, constroem um Grupo cada vez maior.
Na sua atuação, o Grupo assume como valores fundamentais a criatividade, a
inovação, a competitividade, o dinamismo e a ambição.
Assumir o cumprimento legal, o respeito pelo próximo, pelo meio ambiente e pela
sociedade, como forma de alavancar o sucesso, é a prática que deve pautar o dia-
a-dia de cada um de nós.

5
Jerónimo Martins (2020), Grupo Jerónimo Martins – Código de conduta. Disponível em
https://www.jeronimomartins.com/wp-content/uploads/01-DOCUMENTS/Responsibility/Code-of-
Conduct/CodigoConduta_PT.pdf. (Acesso 6.10.2020)
6
Visabeira (2020), Grupo Visabeira – Código de conduta. Disponível em:
https://grupovisabeira.com/assets/codigo-de-conduta.pdf (Acesso 6.10.2020)

9
É conduta esperada de todos a manutenção de uma postura de saber ouvir e
considerar novas ideias, opiniões distintas e colaborar para um processo global de
melhoria contínua.”

1.2. Estrutura das Organizações

Há distintas formas jurídicas para a constituição de uma empresa em Portugal7. Em primeiro


lugar, há que atender ao facto de a empresa ser detida por um único indivíduo (Empresas
Singulares) ou por vários (Empresas Coletivas).

As Empresas Singulares assumem a forma de Empresário em Nome Individual,


Estabelecimento Individual de Responsabilidade Limitada, ou Sociedade Unipessoal por
Quotas. A diferença mais substancial está entre o primeiro tipo e os outros dois, já que ao
contrário destes, para o Empresário em Nome Individual não há separação entre o património
pessoal e o património da empresa, considerando-se os bens do empreendedor como afetos
à exploração da atividade económica, sendo a responsabilidade consequentemente ilimitada.
Assim, em caso de falência, o empresário responde pelas dívidas da empresa com todos os
bens que integram o seu património pessoal, ao contrário das outras duas formas jurídicas
em que a responsabilidade está limitada ao capital da empresa.

Quanto às Empresas Coletivas, podem-se constituir como Sociedades em Nome Coletivo


(não exigem um montante mínimo obrigatório para o capital social e os sócios respondem
ilimitadamente pelas obrigações sociais da empresa, nomeadamente em caso de falência);
Sociedades por Quotas (a responsabilidade dos sócios é limitada ao capital social e apenas o
património da sociedade responde perante os credores pelas dívidas da sociedade);
Sociedades Anónimas ( em 2020 o Capital Social deve ser de pelo menos de 50.000 €, que
será dividido por ações de igual valor nominal, sendo a responsabilidade dos acionistas
limitada ao valor das ações que subscreveram); Sociedades em Comandita (nestas sociedades

7
ePortugal (2020), Portal de Serviços públicos do Governo de Portugal. Disponível em
https://eportugal.gov.pt/inicio/espaco-empresa/guia-a-a-z/cid-2-faseneg-0-escolher-a-forma-
juridica-da-empresa (Acesso 6.10.2020)

10
existem dois tipos de sócios, os sócios comanditários e os comanditados. Os primeiros têm
responsabilidade limitada, respondendo apenas pelo valor da sua entrada de capital; os
sócios comanditados gerem e trabalham na empresa e têm responsabilidade ilimitada, ou
seja, respondem pelas dívidas da sociedade, ilimitada e solidariamente entre si);
Cooperativas (a cooperativa é uma pessoa coletiva sem fins lucrativos com capital e
composição variável, que visa satisfazer necessidades e aspirações económicas, sociais ou
culturais dos seus membros); e Associações (conjunto de pessoas que se reúne com objetivos
e interesses comuns). Dentro destas seis formas jurídicas, podem-se considerar mais
relevantes em termos de número de empresas as Sociedades por Quotas e Anónima.

Simultaneamente, e independentemente da sua forma jurídica, é de referir que as empresas


e organizações se encontram estruturadas internamente segundo diferentes tipos. Estes tipos
refletem a forma como as diferentes tarefas estão agrupadas em departamentos ou serviços
(departamentalização), qual a cadeia de comando desde a administração até à base, com
mais ou menos níveis hierárquicos, e qual o grau de centralização das decisões e o número
médio de colaboradores diretamente dependentes de cada chefia – a amplitude de controlo.
Estas diferentes características dão origem a estruturas mais planas, com menos níveis
hierárquicos e comunicação mais fácil entre a base e o topo, ou mais verticais e mecanicistas,
nomeadamente em estruturas industriais mais clássicas, onde a especialização das tarefas e
a responsabilização a diferentes níveis são mais acentuadas. A sua representação gráfica
intitula-se Organograma.

Um dos tipos mais frequentes de estrutura organizacional é o (vertical) funcional, que se


pode observar na Figura 1.1. A sua característica principal é que a base da
departamentalização de que falámos anteriormente é, desde o topo, a agregação por funções
– Recursos Humanos, Contabilidade e Finanças, Marketing e Vendas, Produção e Operação,
etc. Depois, nos níveis inferiores haverá divisões dentro de cada área funcional de acordo com
as especificidades da organização. Na figura 1.2 pode encontrar-se um exemplo concreto
desta estrutura correspondente ao grupo Sogrape Vinhos8, que é responsável por um

8
Sogrape Vinhos (2020), Sogrape Vinhos – Organização. Disponível em:
https://www.sograpevinhos.com/sogrape/organizacao (Acesso 6.10.2020).

11
considerável volume de exportações no sector vinícola português. Como vantagem das
estruturas de tipo funcional podemos apontar uma maior especialização dos trabalhadores
em departamentos de razoável dimensão, sendo uma desvantagem possível a deficiente
comunicação entre esses departamentos.

Figura 1.1 – Estrutura Funcional

Figura 1.2 – Estrutura organizacional da Sogrape Vinhos

12
Quando, por razões de natureza geográfica, operando em diferentes países ou continentes,
ou por se tratar de um grupo económico que dispõe de distintas áreas de negócio ou
produtos, seja necessária uma estrutura mais segmentada, mais adaptada a cada uma dessas
divisões, mesmo com a desvantagem de ter que duplicar recursos, com repetidos
departamentos funcionais (financeiro, comercial, recursos humanos, etc.), a opção costuma
ser a de uma estrutura divisional (fig. 1.3). É o caso, por exemplo do organigrama do Grupo
TAP (fig.1.4) 9; ou do Montepio Geral Associação Mutualista (Fig. 1.5) 10, onde se destaca no
topo a instituição bancária Caixa Económica Montepio Geral.

Figura 1.3 – Estrutura Divisional

Figura 1.4 – (Macro-) Estrutura organizacional do Grupo TAP

9
TAP – Transportes Aéreos Portugueses, SGPS, S.A. (2019), Relatório de Gestão e Contas
Consolidadas 2019
10
Associação Mutualista Montepio (2017), relatório e Contas 2017

13
Figura 1.5 – Estrutura organizacional do Montepio Geral Associação Mutualista

Uma procura de conciliar uma dependência hierárquica funcional com uma dependência
divisional resulta numa estrutura do tipo matricial (fig. 1.6). Esta estrutura beneficia a
interdisciplinaridade, mas pode ocasionar conflitos de comando. Imaginemo-nos, por
exemplo, no pequeno círculo figura 1.6, temos uma dependência relativamente à direção do
departamento financeiro e simultaneamente à divisão 1. Um exemplo caraterístico da
estrutura matricial encontra-se na maioria das faculdades e institutos universitários, com os
docentes a dependerem das direções das escolas e dos departamentos académicos,
enquanto estão simultaneamente sujeitos à coordenação das direções dos cursos que
lecionam.

14
Figura 1.6 – Estrutura Matricial

Finalmente, apresentam-se dois outros tipos nas figuras 1.7 e 1.8. O primeiro refere--se a uma
estrutura de trabalho organizada em equipas, um caso que ocorre em diversas situações em
que as empresas nomeiam grupos de trabalho encarregues, por exemplo, de conceber e
desenvolver novos produtos. Nesse caso é frequente afetar às equipas elementos de
diferentes competências, focados nesse objetivo específico, e podendo coexistir com uma
estrutura mais tradicional no resto da empresa. Quanto à estrutura da figura 1.8, reproduz
uma possível organização em rede, com uma empresa-mãe no núcleo central, a qual adquire
serviços correspondentes às tradicionais funções internas da empresa a fornecedores
especializados tipicamente externos. Designa-se esta aquisição em inglês por outsourcing. A
principal vantagem deste tipo de estrutura é a poupança nos custos de estrutura internos, a
qual deve ser contrabalançada com a maior dificuldade de coordenação e o risco relacionado
com a dependência de fornecimentos externos.

15
Figura 1.7 – Estrutura (de Trabalho) em Equipa

Figura 1.8 – Estrutura em Rede

16
Capítulo 2. A informação financeira

2.1 A organização da informação financeira: O papel da Contabilidade; Introdução aos


principais mapas e conceitos

Este capítulo visa introduzir de forma breve alguns conceitos no domínio das contas (da
Contabilidade) das empresas e da análise que é possível fazer a partir das mesmas, num
processo estruturado para medir e transmitir informação sobre o património e os resultados
das empresas e das organizações em geral, incluindo os sectores público e social sem fins
lucrativos. Para tal, a Contabilidade rege-se por normas estandardizadas segundo convenções
de âmbito nacional e internacional, visando tornar transparente a sua leitura e interpretação
por parte dos investidores, do Fisco, e dos órgãos reguladores externos como o banco central
e a comissão do mercado de valores mobiliários.

É usual subdividir a contabilidade em dois ramos — Contabilidade Geral e Analítica — que


correspondem à especialização que abaixo se enuncia.

• Contabilidade Geral (Financeira ou Externa)

É virada para o exterior da organização. Gera informação para os elementos externos à


empresa ou instituição (clientes, fornecedores, sócios, bancos, etc.). Segue as normas
internacionais de contabilidade emitidas pelo IASB (International Accounting Standards
Board) e, no caso português, adotadas pela União Europeia, concretizando-se no SNC
(Sistema de Normalização Contabilística)11, onde se estabelece nomeadamente o código das

11
Ministério das Finanças e da Administração Pública (2016), Decreto-Lei nº 98/2015 de 2 de Junho,
consultável em http://www.cnc.min-financas.pt/snc2016.html; Portaria nr. 218 de 23 de julho,
consultável em http://www.cnc.min-
financas.pt/pdf/SNC/2016/Portaria_218_2015_23Jul_CContas.pdf ; Portaria nr. 220 de 24 de julho,
consultável em em http://www.cnc.min-
financas.pt/pdf/SNC/2016/Portaria_220_2015_24Jul_DF.pdf

17
contas para classificação dos diversos lançamentos contabilísticos e a formatação dos
principais Modelos de Demonstrações Financeiras (MDF).

• Contabilidade Analítica (de Gestão, de Custos ou Interna)

É virada essencialmente para o interior da organização, gerando informação específica para


apoio à decisão dos gestores da empresa. Nesse sentido, é mais desagregada do que a
Contabilidade Geral, permitindo apurar, por exemplo, resultados por produtos, regiões,
mercados ou atividades. Dessa análise, e de acordo com o prazo temporal escolhido, a gestão
poderá concluir sobre quais os segmentos mais lucrativos e aqueles que nitidamente
apresentam desvios em termos de custos ou receitas orçamentadas.

Iremos concentrar a nossa atenção na Contabilidade Geral, começando por pela noção de
património em termos pessoais e organizacionais e detendo-nos depois sobre os principais
mapas contabilísticos.

• Contabilidade Pessoal: um exemplo

Imagine que é dono do seguinte:

§ Uma casa que vale 250 000 €


§ Um carro que vale 20.000 €
§ Depósitos bancários e dinheiro na carteira totalizando 30 000 €

Estes são os seus bens : 300 000 euros.

Se, para além disso, lhe deverem 100 000 euros, o conjunto do seu Património Ativo (Bens
e Direitos) é de 400 000 euros. E se dever, por exemplo, ao banco 150 000 euros, este é o seu
Património Passivo, são as suas obrigações. Finalmente, o seu Património Líquido, será a
diferença entre bens e direitos, por um lado, e obrigações, por outro. Será no montante de
250 000 euros (ver esquema na fig. 2.1).

18
Figura 2.1 — Património Líquido

• Contabilidade Geral: um exemplo

Passemos agora do âmbito pessoal para o empresarial, imaginando como calcular o


património líquido de uma nova empresa com as seguintes ocorrências:

a) Dois sócios criam uma empresa tendo realizado em capital 20 000 €;


b) A empresa compra, a pronto pagamento, computadores no valor de 5 000 €;
c) A empresa faz uma prestação de serviço e recebe dos clientes 10 000 €
d) A empresa pede um empréstimo bancário no valor de 5 000 €
e) A empresa paga salários no montante de 2 000 €

Na Tabela 2.1 representamos essas ocorrências, sendo que adaptamos a designação à


contabilidade empresarial. Assim, património líquido é substituído por capital próprio,
património ativo e património passivo designam-se simplificadamente por ativo e passivo, e
o mapa geral onde fazemos os registos corresponde na sua organização ao de um balanço,
sendo que num balanço não aparecem obviamente as ocorrências discriminadas mas sim os
saldos das contas. Outro aspeto importante a reter é que os lançamentos que fazemos
obedecem à Equação fundamental da contabilidade – ATIVO = PASSIVO + CAPITAL PRÓPRIO

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– e cada ocorrência (ou transação) dá origem a, pelo menos, duas alterações (ou registos) do
mesmo sinal em lados opostos do balanço (vide alíneas a, c, d, e, na tabela 2.1) ou a duas
alterações de sinal contrário se no mesmo lado (alínea b). Esta técnica é designada por
princípio da dupla entrada ou Método das Partidas Dobradas, apresentado originalmente
por Luca Pacioli, monge e matemático italiano que viveu entre 1445 e 1517 e chegou a ser
professor de Leonardo da Vinci, no seu livro "Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni
et Proportionalità" (1494).

Tabela 2.1 — Exemplo de ocorrências/transações e o seu registo no Balanço

Cap. Próprio + Passivo (Património


# Ativo (Bens e Direitos)
Líquido + Obrigações)

a) Depósitos Bancários + 20 000 Capital Próprio


b) Depósitos (computadores) - 5 000 a) Capital + 20 000
b) Ativo fixo (computadores) + 5 000 c) Resultado Líquido + 10 000
c) Depósitos (receb. de clientes) + 10 000 e) Resultado Líquido - 1 000
d) Depósitos (emprést. obtido) + 5 000 Passivo
e) Depósitos (renda) - 1 000 d) Financiam. Obtidos + 5 000

Ativo 34 000 Cap. Próprio + Passivo = 34 000

Em síntese, as alterações patrimoniais são causadas por ocorrências ou transações que


implicam pelo menos dois registos – DUPLA ENTRADA. Se existirem:

• Alterações em dois elementos do ativo, ou do passivo, ou em dois elementos do capital


próprio, uma terá sinal + e a outra terá sinal – ;
• Alterações num elemento do ativo por contrapartida de um elemento do capital próprio
ou do passivo, ambas terão sinal idêntico;
• Alterações num elemento do capital próprio por contrapartida de um elemento do
passivo, uma terá sinal + e a outra terá sinal – .

20
2.2 Os principais mapas contabilísticos

De entre os modelos de demonstrações financeiras publicados pelas empresas destacam-se


o Balanço e a Demonstração de Resultados, aos quais se poderá associar a Demonstração de
Fluxos de Caixa. Vejamo-los um a um.

Balanço

O Balanço é uma fotografia num dado momento (final do ano, do semestre ou do trimestre,
por exemplo) da situação patrimonial da empresa, como aliás vimos no ponto anterior.

Do lado esquerdo, do ativo, registam-se as aplicações de fundos em bens ou direitos a


receber. Inclui nomeadamente ativos fixos tangíveis (edifícios, equipamentos, etc.),
propriedades de investimento, ativos intangíveis (marcas e patentes), inventários, dívidas de
terceiros (vide clientes) e valores monetários (dinheiro, depósitos, títulos financeiros).

Do lado direito registam-se as origens dos fundos, por contrapartida das aplicações relatadas
no lado esquerdo. Subdividem-se, como também vimos anteriormente, em rubricas do capital
próprio (também designado situação líquida ou património líquido) e do passivo (que
também poderemos designar por capital alheio). Sempre que o ativo é menor do que o
passivo considera-se que a empresa ou organização se encontra em falência técnica, visto
que uma eventual alienação dos bens do ativo, mais o recebimento das dívidas de terceiros
aí registadas, mais o saldo de caixa, depósitos bancários e títulos financeiros, tudo isso não
cobriria o valor das responsabilidades registadas no passivo.

O Balanço em esquema, só com as grandes rubricas, pode ser visto na figura 2.2. As
designações corrente e não corrente referem-se a um prazo até ou superior a um ano, no que
diz respeito à sua possível transformação em dinheiro ou à sua exigibilidade de pagamento.
Por sua vez, é de reparar que as rubricas do lado do ativo se apresentam, de cima para baixo,
por uma ordem de liquidez (i.e., de facilidade em converter em dinheiro) crescente, enquanto

21
as rubricas do passivo se apresentam, de cima para baixo, por uma ordem de exigibilidade
crescente.

Note-se também que os ativos não correntes são registados pelo seu valor líquido, deduzindo
aos valores de aquisição, produção ou reavaliação desses ativos as
depreciações/amortizações acumuladas e as perdas por imparidade acumuladas até à data
do balanço. O que são estas depreciações e amortizações? Trata-se, no caso das
depreciações, da contabilização durante um período contabilístico da quebra do valor das
propriedades de investimento, dos ativos biológicos não consumíveis e dos ativos fixos
tangíveis; no caso das amortizações a quebra do valor refere-se a ativos fixos intangíveis
(p.ex. software). São ambas consideradas um gasto do período na Demonstração de
Resultados, correspondendo usualmente a uma fração do valor dos ativos proporcional à sua
duração média expectável estipulada legalmente12. Por exemplo, um computador tem uma
taxa de 33,33%, deprecia-se em 3 anos; um automóvel tem uma taxa de 25%, deprecia-se em
4 anos; um software tem uma taxa de amortização de 33,33%, amortiza-se em 3 anos 13. As
depreciações e amortizações acumuladas são obviamente os valores somados (acumulados)
das depreciações e amortizações à data do Balanço (= soma das depreciações e amortizações
do exercício constantes das sucessivas Demonstrações de Resultados até essa data).
Subtraídas aos valores de aquisição, produção ou reavaliação desses ativos dão origem aos
valores dos ativos que aparecem registados no Balanço em cada período.

Repare-se ainda que o capital próprio corresponde ao capital subscrito pelos sócios ou
acionistas, a que se somam resultados presentes (resultado líquido do período) ou passados
(reservas, lucros que os sócios ou acionistas decidiram que ficariam na empresa; resultados
transitados, resultados anteriores que ainda não foram objeto dessa decisão ou constituíram
prejuízos). Conforme referido anteriormente, uma apresentação mais detalhada do balanço
e dos restantes mapas encontra-se na Portaria nº 220/2015 de 24 julho (http://www.cnc.min-
financas.pt/pdf/SNC/2016/Portaria_220_2015_24Jul_DF.pdf).

12
Estamos a referir-nos ao método mais usual de quotas constantes, ou método de linha reta, mas é
possível utilizar um método de quotas decrescentes.
13
Ver tabela de depreciações e amortizações em: Ministério das Finanças e da Administração Pública
(2009), Decreto Regulamentar nº 25/2009 de 14 de setembro, consultável em
https://dre.pt/application/conteudo/489774.

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ATIVO CAPITAL PRÓPRIO

Ativo não corrente Capital subscrito


Ativos fixos tangíveis Reservas Legais
Propriedades de Investimento Outras Reservas
Ativos intangíveis Resultados transitados
Participações financeiras Resultado Líquido do Período
... ...
Total do Capital Próprio

PASSIVO
Ativo corrente Passivo não corrente
Inventários Financiamentos obtidos
Clientes ...
Outros créditos a receber Passivo corrente
Outros ativos financeiros Fornecedores
Caixa e depósitos bancários Estado e outros entes públicos
... Financiamentos obtidos
...
Total do Passivo

Total do Ativo Total Capital Próprio e Passivo

Figura 2.2 — Balanço (grandes rubricas)

Demonstração de Fluxos de Caixa

A Demonstração dos Fluxos de Caixa é o documento financeiro que mostra o saldo inicial e as
variações da caixa ou tesouraria da empresa, sendo o saldo final registado no lado do Ativo
do balanço. As rubricas de recebimentos e pagamentos deste mapa apresentam-se
discriminadas respetivamente por atividades operacionais, de investimento e de
financiamento. Na figura 2.3 apresentam-se as principais rubricas deste mapa, tendo
novamente como fonte o decreto-lei acima referido:

23
DEMONSTRAÇÃO DE FLUXOS DE CAIXA

Fluxos de caixa das atividades operacionais


Recebimento de clientes
- Pagamentos a fornecedores
-Pagamentos ao pessoal
-Pagamentos/recebimentos de IRC
....
Sub-total (1)
Fluxos de caixa das atividades de investimento
Recebimentos de ativos fixos tangíveis
Recebimentos de ativos fixos intangíveis
Recebimentos de investimentos financeiros
- Pagamentos de ativos fixos tangíveis
- Pagamentos de ativos fixos intangíveis
- Pagamentos de investimentos financeiros
...
Sub-total (2)
Fluxos de caixa das atividades de financiamento
Recebimentos de financiamentos obtidos
Recebimentos de realizações de capital
-Pagamentos de financiamentos obtidos
-Pagamentos de juros e gastos similares
-Pagamentos de dividendos
....
Sub-total (3)
Variação de caixa e seus equivalentes(1+2+3)
Caixa e seus equivalentes no início do período
Caixa e seus equivalentes no fim do período

Figura 2.3 — Demonstração de Fluxos de Caixa

Num exemplo mais simples, pode-se simular a variação da caixa de uma empresa no ano de
2014 (valores em milhares de euros):

Saldo de caixa no início de 2014 = saldo de caixa no fim de 2013 = + 80


Recebimento de dívida de clientes no ano = +20
Venda, no valor de 700, com recebimento a pronto pagamento de 400 = +400

24
Recebimento de clientes = +200
Pagamento de salários = -500
Pagamento a fornecedores = - 10
Compra de máquina para a produção; apenas 10% do valor pago este ano = -100
Contração de empréstimo bancário = +300
Reembolso (pagamento) de parte de empréstimo bancário contraído anteriormente)= -50
Pagamento de juros referente aos empréstimos bancários = -10
Distribuição de dividendos pelos acionistas = -30
Saldo da conta caixa no final do ano de 2014 = +1000 – 700 = + 300

Demonstração de Resultados

A Demonstração de Resultados é um mapa que exprime para um dado período de tempo a


diferença entre os fluxos de rendimentos de, p. ex., vendas de produtos ou mercadorias, ou
serviços prestados, e os diferentes tipos de gastos (matéria-prima, energia, gastos de
distribuição, gastos com vencimentos do pessoal, juros, etc.). Essa diferença dá lugar ao
designado resultado antes de impostos, após o que se calcula o imposto a pagar (em Portugal,
o imposto é o IRC — Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas) e, finalmente, o
resultado líquido do período, cujo valor também encontramos no lado direito do Balanço, no
Capital Próprio. Importa sublinhar que, ao contrário do Balanço, a Demonstração de
Resultados não fornece uma fotografia num dado dia de tudo o que se passou para trás.
Antes exprime a variação ocorrida num período. Não remete, pois, para a noção de stock,
como o Balanço, mas de fluxo.

Para além disso, a Demonstração de Resultados também não se orienta pelo tempo da
Demonstração de Fluxos de Caixa, mas pelo tempo económico. Pode, por exemplo, ter-se
registado uma venda com a emissão da respetiva fatura. O tempo económico a que essa
transação diz respeito é o do período ou exercício em que se facultou o bem ou serviço ao
cliente, independentemente de ele ter pago a pronto pagamento ou não. Assim, aquela
ocorrência dará origem a:

i) um aumento da dívida de clientes no lado esquerdo (ativo corrente) do Balanço;

25
ii) ao registo da venda na Demonstração de Resultados, com consequente aumento do
resultado líquido do período e consequente aumento no capital próprio, no lado direito do
Balanço;
iii) a uma diminuição do inventário, no lado esquerdo do Balanço, pelo custo do que foi
vendido;
iv) ao registo desse mesmo custo (negativo) , que será subtraído na Demonstração de
Resultados, com a consequente diminuição do resultado no capital próprio, no lado direito
do Balanço.

Posteriormente, no período ou exercício14 em que o cliente vier a pagar, faz-se:

i’) a anulação da dívida do cliente no lado esquerdo do balanço (ativo corrente);


ii’) por contrapartida, o aumento da caixa, também no lado esquerdo do balanço (ativo).

É nessa altura que o recebimento será registado na Demonstração de Fluxos de Caixa. A


diferença entre os dois tempos considerados, correspondente a uma ótica de caixa e outra
de exercício, é realçada na figura 2.4:

Figura 2.4 — Relação entre documentos financeiros — Ótica de exercício vs. ótica de caixa

14
Usamos alternativamente a período (período de tempo) a designação de exercício contabilístico (p. ex.:
exercício de 1 janeiro 2010 a 31 dezembro 2010)

26
Quanto ao mapa com a Demonstração de Resultados, importa ainda realçar que ocorrem
usualmente dois tipos de apresentações, diferindo no essencial quanto à agregação da parte
dos gastos. Vejam-se para isso as figuras 5 e 6. É comum a ambas a separação entre
rendimentos e gastos de cariz operacional, que dão lugar ao resultado operacional — em
inglês, EBIT: Earnings Before Interests and taxes — e encargos e rendimentos provenientes
de financiamento ou aplicações financeiras, donde se calcula o resultado financeiro. Ambos
somados, tem-se o resultado antes de impostos já falado.

Por sua vez, dentro dos resultados operacionais, vemos que a fig. 2.5 agrega os gastos quanto
à sua natureza (custo das matérias primas, das mercadorias, gastos com pessoal,
fornecimentos e serviços externos à empresa, etc.), enquanto a fig. 2.6 os agrega de acordo
com as funções dentro da empresa (custo das vendas e dos serviços prestados,
correspondentes ao custo de produção de produtos industriais ou de serviços, ou ao valor de
compra da mercadoria numa empresa comercial; gastos de distribuição; gastos
administrativos; de investigação e desenvolvimento; e outros).
Rendimentos e Gastos
Vendas e serviços prestados
Rendimentos

Subsídios à exploração
Variação nos inventários da produção
Trabalhos p/ a própria entidade
Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas
Gastos

Fornecimentos e Serviços Externos


Gastos com pessoal
Outros rendimentos
Outros gastos
EBITDA - Resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos
Gastos /reversões de depreciação
EBIT - Resultado Operacional (antes de gastos de financiamento e impostos)
Juros e Rendimentos similares obtidos
Juros e Gastos similares suportados
EBT - Resultado antes de impostos
Imposto sobre o rendimento do período
Net Income - Resultado Líquido do Período

Figura 2.5 — Demonstração de Resultados por naturezas

27
RUBRICAS
Vendas e serviços prestados
Custo das Vendas e dos serviços prestados
Resultado bruto
Outros rendimentos
Gastos de distribuição
Gastos administrativos
Gastos de Investigação e desenvolvimento
Outros gastos operacionais

Resultado Operacional (Resultado antes de gastos de financiamento e impostos -


EBIT)
Gastos de financiamento líquido
Resultado antes de impostos
Imposto sobre o rendimento do período
Resultado Líquido do Período

Figura 2.6— Demonstração de Resultados por funções

A diferença entre esses dois modelos de Demonstração de Resultados decorre ainda de outra
característica. Enquanto na Demonstração de Resultados por funções o custo das vendas se
refere logo ao custo das unidades de produto vendidas, na Demonstração de Resultados por
naturezas o custo é o das unidades produzidas no período, e o mesmo é depois deduzido do
custo das novas unidades em inventário, fabricadas mas não vendidas — Variação nos
Inventários da Produção (ver fig. 2.5). Vejamos a diferença com um exemplo:

Uma empresa tem de inventário inicial 100 000 €. Nesse ano fabrica 1 000 unidades de um
produto, que vende por 120 € a unidade, tendo um custo unitário de fabrico de 80 €.
Admitindo que só vende 600 unidades, tem vendas no valor de 600 x 120€ = 72 000 €, um
aumento de inventário de 400 x 80 € = 32 000 €. Por sua vez, o custo das vendas será de 600
x 80 € = 48 000 € e os gastos totais de fabrico serão de 1 000 x 80 € = 80 000 € (40 000 € de
matéria prima; 30 000 € de gastos com o pessoal relativos a mão-de-obra direta; 10 000 € de

28
custos indiretos de fabrico: 5 000 em fornecimentos e serviços externos e 5 000 em
depreciações).

Temos ainda :
Gastos administrativos e de distribuição = 20 000 € ( = 10 000 de gastos de pessoal, 5 000 de
depreciações/amortizações e 5 000 de f.s.e.)
Gastos de financiamento líquidos (= juros suportados – juros obtidos) = 10 000 €

As duas demonstrações de resultados, seriam:

Demonstração de resultados por funções :


Vendas = 72 000
Custo das Vendas = - 48 000
Resultado Bruto = 24 000
Gastos administrativos e de distribuição = - 20 000
Resultado Operacional = 4 000
Gastos de financiamento líquidos - 10 000
Resultado Antes de Impostos - 6 000

Demonstração de resultados por naturezas :


Vendas = 72 000
Variação nos Inventários da Produção = 32 000
Custo das mercadorias vendidas e das matérias consumidas = - 40 000
Fornecimentos e Serviços Externos (F.S.E) = - 10 000
Gastos com o Pessoal = - 40 000
Depreciações / amortizações = - 10 000
Resultado Operacional = 4 000
Juros suportados – juros obtidos = - 10 000
Resultado Antes de Impostos = -6 000

29
2.3 Análise financeira: os principais rácios financeiros

Quando queremos analisar as demonstrações financeiras de uma dada empresa ou


organização fazemos usualmente duas coisas: uma é analisar a sua evolução no tempo; a
outra é comparar os valores obtidos com valores de referência, em particular, os valores
médios ou medianos das empresas do mesmo setor de atividade. Para isso, e como valores
absolutos podem levar a comparações desajustadas entre organizações de dimensão distinta,
procede-se à relativização dos valores, expressando-os sob a forma de quocientes ou rácios.
Os rácios financeiros são assim indicadores que evidenciam uma relação entre elementos das
demonstrações financeiras (balanço e demonstração de resultados, nomeadamente),
procurando apurar da sua solidez financeira e do seu grau de desempenho.

Para efeitos comparativos, há bases de dados internacionais que proporcionam uma análise
da situação financeira das empresas nas diferentes economias nacionais, a partir de
estatísticas agregadas de rácios financeiros. A nível europeu, por exemplo, temos a base de
dados designada Bank for the Accounts of Companies Harmonised (BACH), criada sob a égide
do Banco de França e do European Committee of Central Balance-Sheet Data Offices
(ECCBSO)15, um organismo que reúne vários bancos centrais europeus. Esta base de dados
tem dado origem a vários estudos numa ótica setorial ou nacional16. A um nível mais micro,
discriminando a informação ao nível das empresas, temos outras bases de dados, usualmente
disponibilizadas de forma paga, nomeadamente a base de dados Sabi – Sistema de Análisis

15
Veja-se: Banque de France and ECCBSO (2019), BACH: USER GUIDE, consultável em
https://www.bach.banque-france.fr/?lang=en.

16
Veja-se, por exemplo:
SOARES (J.O.), PINA (J.P.): «Macro-Regions, Countries and Financial Ratios: A Comparative Study in the
Euro Area (2000-2009)», Revista Portuguesa de Estudos Regionais, 45 (1), 83-92, 2017.
http://www.apdr.pt/siterper/numeros/RPER45/45.5.pdf

SOARES (J.O.), PINA (J.P.): «Credit risk assessment and the information content of financial ratios: a
multi- country perspective», Wseas Transactions on Business and Economics, 11, 175-187, 2014.
http://www.wseas.org/multimedia/journals/economics/2014/a305707-099.pdf

30
de Balances Ibéricos 17, a Informa D&B, associada à empresa Dun & Bradstreet, e as bases de
dados das centrais de balanços dos bancos, para uso próprio.

No presente capítulo, limitaremos a nossa análise a um conjunto selecionado de rácios, de


entre a variedade que é possível encontrar naquelas bases de dados e na literatura financeira.
Não abordaremos também aqui indicadores extra-financeiros, nomeadamente no domínio
do ambiente e das relações humanas. Assim, vamo-nos concentrar em quatro áreas, partindo
de um balanço e de uma demonstração de resultados ilustrativos (ver figuras 2.7 e 2.8):

ATIVO € CAPITAL PRÓPRIO E PASSIVO €


Ativo não corrente
Investimentos: Capital Próprio:
Ativo Fixo Tangível 1 200 000 Capital 1 300 000
Ativo Intangível 600 000 Reservas 13 145
Financeiros 0 Resultados Transitados -72 000
Ativo Corrente Result. Líquido Período 829 510
Inventários 400 000 Total Capital Próprio 2 070 655
Clientes 250 000
Depósitos à ordem 285 000 Passivo não corrente 599 790
Outros depósitos bancários 100 340 Passivo Corrente:
Fornecedores 150 000
Outras contas a pagar 14 895
Total Passivo 764 685
Total do Ativo 2 835 340 Total Cap. próprio e passivo 2 835 340

Figura 2.7— Exemplo de Balanço para cálculo dos rácios

17
Para um estudo com empresas portuguesas e espanholas, a partir da base de dados SABI, veja-se:
Soares J.O., Pina J.P., González M. (2011), “Lessons from the Performance of the Largest Companies
of Portugal and Spain (2002-2006)”, in N. Mastorakis, V. Mladenov, J. Savkovic-Stevanovic (eds.),
Recent Researches in Sociology, Financing, Environment and Health Sciences, pp. 127-131, WSEAS
Press, ISBN: 978-960-474-287-5.

31
Demonstração de Resultados €
Vendas e serviços prestados 14 367 000
- Custo das vendas e serviços prestados -8 620 200
Resultado Bruto 5 746 800
Outros rendimentos 32 540
- Gastos de distribuição -2 235 500
- Gastos administrativos -2 140 430
- Outros gastos operacionais -134 060
Resultado Operacional 1 269 350
- Gastos líquidos de financiamento -163 337
Resultado antes de impostos 1 106 013
- Imposto sobre o rendimento do período -276 503
Resultado Líquido do Período 829 510

Figura 2.8— Exemplo de Demonstração de Resultados para cálculo dos rácios

i) Rácios de rentabilidade

Estes rácios evidenciam a rentabilidade da empresa em função, por exemplo, do seu capital
próprio, do seu ativo ou das vendas.

• Rentabilidade do Capital Próprio (RCP) = Resultado Líquido / Capital Próprio

Este rácio dá uma ideia da rentabilidade do capital investido pelos sócios ou acionistas da
empresa, dividindo o Resultado Líquido do Período pelo Capital Próprio. Querendo ser muito
rigorosos, e um vez que o Resultado Líquido (RL) do ano t incorpora o Capital Próprio (CP) do
ano t, pode-se dividir o RLt+1 por CPt. No caso do presente exemplo, o valor obtido é de RCP =
829 510 / 2 070 655 = 40,06 %, o que evidencia uma excelente rentabilidade. Acrescente-se,
por fim, a designação em inglês para este rácio – ROE (Return on Equity).

• Rentabilidade do Ativo (RA) = Resultado Líquido do Período / Ativo

Mede a rentabilidade face ao Ativo detido pela empresa, ignorando, de certa forma, o peso
do Passivo, ou da Dívida, no financiamento do Ativo. Querendo comparar entre empresas de
países sujeitos a diferentes cargas fiscais, pode considerar-se no numerador o Resultado

32
Antes de Imposto. A sua designação em inglês é ROA ( Return on Assets). No nosso caso, o
valor é de ROA = 829 510 / 2 835 340 = 29,26 %.

• Rentabilidade (Operacional) das Vendas (ROV) = Resultado Operacional / Vendas


Neste caso omitimos o impacto na rentabilidade dos custos de financiamento. Assim,
dividimos diretamente o Resultado Operacional pelas Vendas:
ROV = 1 269 350 / 14 367 000 = 8,84%.

ii) Rácios de solvabilidade

A solvabilidade refere-se à capacidade que a empresa ou organização tem de responder aos


seus compromissos financeiros, de pagar as suas dívidas, independentemente do prazo
considerado. Assim, compara o capital próprio da empresa, o seu património líquido, com as
responsabilidades registadas no passivo, ou com a totalidade do ativo. Os dois rácios
usualmente calculados são pois relativamente redundantes, dada a equação fundamental da
contabilidade já estudada atrás: Ativo = Capital Próprio + Passivo. São eles:

• Solvabilidade Total ou Autonomia Financeira (AF) = Capital Próprio / Ativo

Um valor prudencial para este rácio, usado habitualmente, aponta para valores acima de 1/3.
No nosso exemplo, temos AF = 2 070 655 / 2 835 340 = 73,03%, o que supera bem aquele
valor e pode ser lido como os ativos da empresa serem financiados nessa percentagem pelos
capitais dos sócios ou acionistas.

• Solvabilidade reduzida (SR) = Capital Próprio / Passivo

Uma solvabilidade total de 33% implicaria uma solvabilidade reduzida de 50%, uma vez que
A=CP+P (ex: 3=1+2). No nosso exemplo, SR = 2 070 655/764 685 = 270,8 %, um valor
claramente confortável.

33
Há autores que privilegiam a formulação do rácio acima sem incluir o passivo de curto prazo.
Nesse caso, temos em alternativa: Capital Próprio / Passivo não corrente. Acrescente-se que
os autores de língua inglesa privilegiam a análise através dos designados rácios de
endividamento, complementares aos de solvabilidade. Assim, no numerador ter-se-á o
passivo em vez do capital próprio18 .

iii) Rácios de liquidez

É possível ter uma dívida de liquidação urgente, de curto prazo, ou, pelo contrário, o prazo de
pagamento ser mais dilatado. Assim, temos que olhar não só para o grau de endividamento
ou solvabilidade, mas para a urgência dos pagamentos e a nossa capacidade de gerar dinheiro
para tal. Queremos analisar o que designamos por rácios de liquidez, que indicam a
capacidade de a empresa satisfazer os seus compromissos financeiros de curto prazo. Para
isso, encontramos três rácios possíveis, do mais geral ao mais restrito:

• Liquidez geral = Ativo corrente / Passivo Corrente


No nosso exemplo: Liquidez geral = (400 000 + 250 000 + 285 000 + 100 340) / (150 000 +
14 895) = 6,28. É um valor alto, diríamos que algo acima de 1 seria razoável, sendo o resto dos
recursos investido a um prazo mais longo, com maior rentabilidade. Em alternativa ao rácio
de liquidez geral, é possível calcular o Fundo de Maneio = Ativo corrente – Passivo corrente.
Obviamente que quando o rácio de liquidez geral é superior a 1, o fundo de maneio é superior
a 0.

• Liquidez reduzida = (Ativo corrente – Inventário) / Passivo Corrente


No nosso exemplo: Liquidez reduzida = (250 000 + 285 000 + 100 340) / (150 000 + 14 895) =
3,85. É um indicador mais prudente que o anterior, assumindo que o inventário pode não ser
vendido ou transformado no prazo de um ano.

18
Veja-se, p. ex: Brealey R., Allen F, and Myers, S. (2017), “Principles of Corporate Finance”, 12ª Ed.,
McGraw-Hill International Edition.

34
• Liquidez imediata = (Ativo corrente – Inventário - Clientes) / Passivo Corrente
No nosso exemplo: Liquidez imediata = (285 000 + 100 340) / (150 000 + 14 895) = 2,34. É um
indicador mais prudente ainda, assumindo que também os clientes se podem atrasar a pagar.
Contamos só com os meios financeiros líquidos, caixa e depósitos bancários, nomeadamente.

iii) Rácios de atividade ou funcionamento

A liquidez de uma empresa está associada ao que se costuma designar pelo seu ciclo de caixa.
Se as empresas receberem com uma frequência elevada dos seus clientes e tiverem prazos
mais dilatados para pagar as suas dívidas, é natural que enfrentem menos dificuldades de
liquidez. Para proceder a essa análise, destacam-se três rácios:

• Prazo Médio de Recebimentos (em dias) = Clientes / Vendas x 365

No nosso exemplo: 250 000 / 14 367 000 x 365 = 6,35 dias. Este é um valor baixo na vida
empresarial, embora, por exemplo, um supermercado receba de muitos dos seus clientes a
pronto pagamento, ou seja, a zero dias. Caso se queira apresentar o rácio em meses, o
resultado do quociente clientes/vendas deve ser multiplicado por 12 em vez de 365. O mesmo
acontecerá com os dois rácios seguintes. Acrescente-se que, para fazer sentido dizer que os
clientes pagam em média 6,35 dias após a venda (digamos que o recibo é emitido em média
6,35 dias após a fatura de venda), é necessário admitir que as vendas decorrem ao mesmo
ritmo durante o ano, de forma linear. O mesmo se passa com os dois rácios seguintes.

• Prazo Médio de Pagamentos (em dias) = Fornecedores / Compras x 365

No nosso exemplo: 150 000 / 3 500 000 x 365 = 15,64 dias. A empresa paga aos fornecedores
15,64 dias após a compra. No caso de uma empresa comercial, trata-se de compra de
mercadorias para revenda, e os fornecedores são-no de mercadorias. No caso de uma
empresa industrial é natural que o rácio se reporte à aquisição de matéria-prima e as compras
e os fornecedores o sejam dessa matéria-prima. Em qualquer das situações, o valor das

35
compras tem que ser obtido autonomamente, uma vez que não vem na demonstração de
resultados nem no balanço.

• Rotação de Inventário = Custo das Vendas / Inventário médio no ano

No nosso exemplo só temos dados do inventário de fim do ano, donde vamos admitir que
este valor é próximo do inventário médio ao longo do ano. Assim, o rácio será 8 620 200 /
400 000 = 21,55. Isto significa que o inventário roda 21,55 vezes durante o ano, o que
corresponde a um período médio em inventário de cerca de 17 dias (365/21,55 = 16,94).
Também aqui podemos estar a falar, como é mais habitual, de produto acabado ou
mercadoria, ou podemos calcular o rácio só relativamente às matérias-primas incorporadas
na produção. Entende-se a importância deste rácio na análise da liquidez uma vez que quanto
mais rodarem os inventários mais vezes termos oportunidade de cobrar pelas nossas vendas
ou produções que lhe estarão com certeza associadas.

2.4 Análise Custo-Volume-Resultado

A última secção deste capítulo é dedicada à classificação dos custos em fixos ou variáveis, em
função da variação da quantidade produzida. Para tal, podemos apresentar uma terceira
representação da Demonstração de Resultados, que não consta do Sistema de Normalização
Contabilística (SNC), mas é construída como uma ferramenta de apoio à gestão. Chamemos-
-lhe Demonstração de Resultados por margem de contribuição (fig.2.9):

36
Rendimentos (vendas e serviços prestados)
- Custos Variáveis
= Margem de Contribuição
- Custos Fixos

= Resultado Operacional (antes de gastos de financiamento e


impostos)
- Gastos de financiamento líquido
= Resultado antes de impostos
- Imposto sobre o rendimento do período
= Resultado Líquido do Período

Figura 2.9— Demonstração de Resultados por margem de contribuição

Com a classificação de custos em fixos e variáveis, admitamos algumas hipóteses


simplificadoras no modelo que vamos apresentar:

H1. Não há variação de existências, tudo o que é produzido, é vendido;

H2. Os custos variáveis mudam proporcionalmente às quantidades. Significa isto, por


exemplo, que se a empresa comprar mais quantidades de matéria-prima para aumentar a
produção, não vai obter descontos de quantidade nas compras aos seus fornecedores de
matéria-prima. Também, se produzir mais, não vai obter economias de escala que lhe
permitam, por ganhos de eficiência, reduzir o custo variável unitário de produção com o
aumento da quantidade produzida e vendida. O custo variável unitário – cvu – é constante; o
custo fixo unitário – cfu = CF/Q – diminui com a quantidade produzida, já que o Custo Fixo
Total – CF – é constante, fixo, no quadro do intervalo de produção em que nos situamos em
termos de decisão. É claro que no longo prazo será possível imaginar um aumento de
capacidade por multiplicação das unidades produtivas e aí só haverá custos variáveis. Não é
esse o prazo desta análise;

H3. A empresa não faz descontos no preço de venda por aumentar a quantidade vendida. O
preço unitário – p – mantém-se, é constante. Há só um produto e esse produto é vendido
sempre ao mesmo preço unitário, qualquer que seja a quantidade vendida. É claro que, tal

37
como para as outras hipóteses, seria possível relaxar estas restrições, mas vamo-nos
concentrar neste modelo simplificado19.

Para mais, em termos de custos variáveis de produção, é vulgar considerar as matérias-


primas, os gastos com a mão-de-obra-direta, e os custos indiretos de fabrico variáveis como,
por exemplo, a energia. Nos gastos administrativos variáveis podem-se imaginar gastos
associados com a faturação e cobrança dos valores de vendas; sendo que, na distribuição e
comercialização, tudo o que sejam remunerações em função das vendas ou gastos com a
distribuição dos produtos serão no essencial variáveis. Em contrapartida, depreciações e
amortizações, gastos gerais de estrutura, e rendas de equipamento ou de edifícios, por
exemplo, tenderão a ser essencialmente fixos.

O nosso objetivo vai ser determinar a quantidade a vender para atingir, pelo menos, o lucro
operacional – L – igual a zero. Esse ponto designar-se-á por Ponto Crítico (Break Even Point)
das Vendas, podendo ser calculado em quantidade (unidades físicas):

• Lucro operacional = 0 => p x Q - CV - CF = 0


• => p x Q – cvu x Q - CF = 0
• => (p – cvu) x Q - CF = 0
• => mcu x Q
• => Qc = CF /mcu (2.1)

Com

• mcu = p - cvu
• Q - Quantidades produzidas e vendidas
• Qc - Quantidade crítica a partir da qual há lucro operacional
• p - Preço de venda unitário

19
Para um estudo mais desenvolvido deste modelo aconselha-se a consulta de Horngren C., Datar S.
e Rajan, M. (2015), “Cost Accounting – A Managerial Emphasis”, 15ª edição, capítulo 3, Pearson
Education Limited.

38
• cvu -Custo variável unitário (constante)
• mcu - Margem de contribuição unitária
• CF - Total dos Custos Fixos
• CV - Total dos Custos Variáveis

O Ponto Crítico pode também ser calculado em valor (unidades monetárias), a Receita Crítica
– Rc:

• Rc = ( CF /mcu ) x p = CF / (mcu/p) = CF / mcu% (2.2)

Ambos se podem ilustrar graficamente na figura 2.10:

Resta acrescentar que, caso se fixe a quantidade como um dado, é possível usar a fórmula do
ponto crítico para determinar alternativamente o preço crítico (pc), ou seja, o preço mínimo
a praticar para se cobrirem os custos operacionais e se atingir o lucro operacional nulo:

39
• pc = cvu + cfu (2.3)

Vejamos um exemplo de aplicação:

Problema 2.1:

Uma empresa portuguesa pensa dedicar-se à produção de drones para diversão, estimando
que o seu custo se situe em termos fixos, por ano, no valor de 150 000 euros. Por sua vez,
cada unidade produzida deverá implicar um custo variável de 240 euros.
a) Assumindo que será possível vender cada drone por 500 euros, qual o número de drones
correspondentes ao ponto crítico?
b) Noutro sentido, admitindo que a quantidade de 300 unidades é uma boa estimativa do
possível número de drones a vender por ano, qual deverá ser o preço unitário a praticar por
forma a que empresa não tenha prejuízo com este novo negócio?

Resposta:

a) Qc = CF /mcu = 150 000 / (500-240) = 576,92 ≈ 577 drones.

b) pc = cvu + cfu = 240 + 150 000 / 300 = 740 euros.

40
Capítulo 3. Projetos de Investimento: introdução ao cálculo
financeiro

3.1 A dimensão temporal e o cálculo financeiro

3.1.1 Investimento e despesa corrente.

Um investimento é uma aplicação de recursos feita com vista a obter retorno(s) no futuro,
por contraposição a uma despesa corrente que se confina ao momento em que ocorre. Pode-
-se investir, por exemplo, comprando ações de uma empresa para vir a receber dividendos,
lucros distribuídos aos acionistas, assim como mais-valias resultantes da valorização da sua
cotação, caso se vendam mais tarde as ações a um preço superior ao que se comprou. Um
investimento deste tipo é um investimento financeiro, em ativos financeiros, direitos
económicos referentes à posse de parte do capital de uma empresa. Pode-se investir, por
outro lado, em ativos reais — fábricas, equipamentos, edifícios, inventário, etc. — os quais
são normalmente objeto de um planeamento e estudo prévio na forma de projeto de
investimento, no qual se procura avaliar se a afetação de recursos (R), feita inicialmente, é
capaz de vir a gerar uma sucessão de benefícios líquidos (B) que excedam esse investimento
inicial:

-R–R–R+B+B+B+…+B (3.1)

Para essa avaliação põe-se a questão de saber como obter esses recursos, ou seja, como
financiar o projeto, com recursos a capital próprio ou alheio, e de saber como prever os
benefícios e custos futuros, estimando até que ponto o projeto parece alinhado com as
competências da empresa e com a sua capacidade competitiva no quadro do mercado ou
mercados em que se insere. A incerteza das previsões e a escolha entre alternativas de
investimento são aliás aspetos que suscitam o recurso a modelos da análise de decisão e risco,
donde ser verdade que, mesmo numa ótica estritamente empresarial, os conhecimentos
utilizados na análise de projetos de investimento extravasam muitas vezes os aspetos
meramente financeiros e obrigam a entrar noutros domínios da Gestão.

41
Paralelamente, pode-se também querer analisar projetos da iniciativa do Estado ou que,
sendo privados, produzem benefícios e custos que extravasam a própria empresa,
contribuindo para o bem-estar económico da região ou do país onde se inserem. Nesse caso,
os benefícios (B) poderão ser marcadamente não monetários. Por exemplo, nos domínios da
qualidade de vida — investimentos em acessibilidades, infraestruturas e cultura; do ambiente
— investimentos em despoluição ou redução da emissão de gases nocivos; ou social —
investimentos de apoio social como lares para idosos e cantinas sociais.

3.1.2 O valor temporal do dinheiro e os juros

Voltemos agora à equação (3.1) e deixemos de lado a análise económico-social para nos
concentrarmos no domínio financeiro, em que os recursos R e os benefícios B representam
dinheiro, fluxos financeiros negativos ou positivos, que tradicionalmente designamos em
inglês por cash flows (negativos, representados por CF- ou C-; positivos, representados por
CF+ ou C+).

Idealmente, estaremos interessados em investir em projetos em que a soma dos CF- seja
inferior à soma dos CF+. O problema, contudo, é que não podemos adicionar fluxos
financeiros ou monetários em diferentes momentos de tempo, porque, por exemplo, não é
indiferente dispor hoje de 1 000 € ou ter esse montante somente daqui a um ano.

Na verdade, mesmo que os preços não se alterassem no futuro, não houvesse inflação, o facto
de não se poder dispor do dinheiro no imediato leva a que as opções de consumo fiquem
diminuídas. Para além disso, poder-se-ia sempre aplicar os 1 000€ num depósito bancário ou
noutra aplicação financeira, arrecadando juros desse investimento. Ora, para saber como
lidar com juros e somar ou comparar fluxos financeiros em diferentes momentos de tempo
temos que atender a alguns princípios do chamado Cálculo Financeiro.

42
3.1.3 Capitalização e atualização. Juros simples e compostos

Comecemos por supor que temos os 1 000€ hoje, no ano 0, e vamos a um banco depositá-los
podendo auferir de um juro de 5% ao ano. Ao fim de um ano temos o valor C1:

C1 = 1 000 € x (1+ 0,05)1 = 1 050 €

Por sua vez, se os juros continuarem na conta a prazo e também puderem render juros no
futuro, temos:

C2 = 1 000 € x (1+ 0,05) x (1+ 0,05) = 1 000 x 1,052 = 1 102,5 €

Este é um esquema de capitalização e o regime de juros respetivo designa-se por regime de


juros compostos. Caso os juros não acumulassem ao capital, mas fossem levantados todos os
anos da conta a prazo, estaríamos perante um esquema de juros simples (Fig. 3.1):

Juros compostos:

1 Período 0 2 3 … n
Fluxos -1 000 € 0 0 0 … 1 000 (1+0,05)n
Fórmula -C0 0 0 0 … C0 (1+j)n

Juros simples:

1 Período 0 2 3 … n
Fluxos -1 000 € +50 € +50 € +50 € … + 1 050 €
Fórmula -C0 j × C0 j × C0 j × C0 … j C0 + C0= (1+j) C0

Figura 3.1 Juros simples e compostos

O processo de capitalização permite por usa vez chegar, de forma inversa, à noção de
atualização, em que se faz o cálculo do valor atual ou presente de dinheiro a receber no
futuro, sendo a respetiva taxa designada por taxa de atualização.

Por exemplo, o valor atual (VA) de 1 100 € recebidos um ano depois, supondo uma taxa de
juro para aplicações semelhantes de 10% ao ano, é igual a:

43
1 100 € / (1+0,1) = 1 000 €.

E o VA de 1 210 € a receber ao fim de 2 anos é também igual a:


1 210 € / (1+0,1)2 = 1 000 €.

Podem-se então observar, na fig. 3.2, os esquemas de capitalização e atualização dos diversos
fluxos financeiros (cash flows Cj), que permitem operar em bases comparáveis, somando ou
subtraindo cash flows após conversão para o mesmo período de tempo. Estas fórmulas
pressupõem que a taxa de juro usada como taxa de atualização se mantém ao longo do
tempo. Se, por exemplo, a taxa de atualização variar entre o ano 1 e o ano 2, sendo r1= 10%
e r2= 5%, então o VA de 1 210 € recebidos no fim do ano 2 será dado por:

VA= 1 210/ [ (1 + 0,1) x (1 + 0,05)] = 1 047,62 .

Figura 3.2 Capitalização e atualização

3.1.4 Inflação. Preços constantes e correntes. Taxas nominais (a preços correntes) e reais
(a preços constantes)

No exemplo anterior, a variação das taxas de juro e de atualização ao longo do tempo poderia
ter várias razões. Alterações da política monetária, por exemplo, com o banco central a baixar

44
a taxa com que empresta dinheiro aos outros bancos, o que se repercute a jusante ao resto
da economia; uma maior ou menor concorrência no sector bancário, com os bancos a
disputarem clientes com base em diferentes taxas de juro; e alterações na taxa de variação
geral dos preços de bens e serviços, a designada taxa de inflação, com repercussão nas taxas
praticadas.

Suponhamos, assim, que se perspetiva um aumento de preços e que daqui a um ano não se
poderá comprar o mesmo que se compra hoje com, por exemplo, 1 000€. Se a taxa anual de
inflação for de 1,5%, qual o valor real desses 1 000 € obtidos daqui a um ano?

Dito de outra forma, qual o valor desse dinheiro a preços constantes (1 000€ é o valor a preços
correntes, do ano)?

A resposta é: 1 000 euros/ (1 + 0,015) = 985,22 euros, já que uma coisa que custe hoje 985,22
€ custa daqui a um ano 985,22 x 1,015 = 1 000 €.

A fórmula exata para transformar taxas de juro ou de atualização nominais em reais é a


seguinte:

1+ taxa nominal = (1 + taxa real) x (1 + taxa inflação) (3.2)

Se, por exemplo, 2% for a taxa de juro nominal (tn), a preços correntes, a taxa de juro real
(tr), dada uma inflação anual (ti) de 1,5 %, será dada por:

(1+0,02) = (1+0,015) x (1+tr) => tr = (1+tn)/(1+ti)-1 = 1,02/1,015-1= 0,492%.

Como fórmula aproximada usa-se ainda tr = tn – ti, que daria: 2% - 1,5% = 0,5%.

A fórmula aproximada só deve ser usada se a inflação for baixa, como se demonstra aqui:

1+ taxa nominal = (1 + taxa real) x (1 + taxa inflação) ó

ó 1+taxa real = (1+ taxa nominal) / (1+taxa inflação) ó

ó taxa real = (1+ taxa nominal – 1 – taxa de inflação) / (1+ taxa inflação) ó

45
ó taxa real = (taxa nominal – taxa inflação) / (1+ taxa Inflação)

e se taxa inflação ≈ 0 então,

taxa real ≈ taxa nominal – taxa inflação. (3.3)

Passando à análise de um investimento, tem-se que fluxos financeiros provenientes por


exemplo de receitas de vendas ou custos operacionais, expressos a preços constantes,
atualizam-se com taxas reais, e fluxos financeiros a preços correntes atualizam-se com taxas
nominais. Mas atenção que deflacionar é diferente de atualizar, como se vê no exemplo da
Tabela 1 referente às vendas de um projeto de investimento. Aí, a deflacionação das vendas
é feita na linha V; a atualização é feita nas linhas X e XI. A atualização dá resultados
equivalentes nestas duas linhas, pois está-se a usar, como é correto, uma taxa de atualização
nominal para valores de vendas a preços correntes (linha X) e uma taxa de atualização real
para valores de vendas deflacionados (linha XI). Por sua vez, quando nada é dito em contrário,
é assumido por defeito que se trabalha a preços correntes e consequentemente com cash
flows e taxa de atualização em valores nominais.

Tabela 3.1 Exemplo de atualização e passagem de preços correntes a preços constantes


I Ano 2015 2016 2017 2018 2019 2020

II Vendas a preços correntes 1000 1200 1500 1800 2000 3000


III ti -Taxa de Inflação 2.00% 2.00% 2.00% 2.00% 2.00%
IV Índice de preços de base 1 em 1 1,02 1,04 1,06 1,08 1,10
2015 I(t) = I(t-1) x (1+ ti)
Vendas deflacionadas – a
V 1000 1176 1442 1696 1848 2717
preços de 2015 (II / IV)
VI tn – taxa de atualização 4% 4% 4% 4% 4%
nominal
VII=(1+VI)/(1+III)-1 tr - taxa de atualização real 1,96% 1,96% 1,96% 1,96% 1,96%
VIII=IAN(t- IAN –Índice de atualização 1 1,04 1,0816 1,1249 1,1699 1,2167
1)x(1+VI) nominal -
IX = IAR(t-1) x IAR – Índice de atualização 1 1,0196 1,0396 1,06 1,0807 1,1019
(1+VII) real -
X = II / VIII Vendas atualizadas a preços 1000 1154 1387 1600 1710 2466
correntes
XI = V / IX Vendas atualizadas a preços 1000 1154 1387 1600 1710 2466
constantes

46
3.1.5 Taxas equivalentes, anuais efetivas (TAE) e anuais nominais (ou proporcionais - TAN)

Até aqui temos vindo a considerar sempre períodos anuais para os cash flows e para a taxa
de atualização. Esta é a prática comum. Mesmo que receitas ou custos tenham lugar ao longo
do ano, considera-se usualmente que ocorrem de forma concentrada no final de cada ano.
Por exemplo, se vendermos 10 000 € todos os meses assumimos que recebemos 120 000 €
no final do ano (12 x 10 000€). Contudo, é também possível trabalhar com períodos infra-
anuais, usando nesse caso na atualização dos fluxos financeiros infra-anuais uma taxa de juro
equivalente à anual.

Considerando 1 ano e k subperíodos, a equivalência de taxas é dada pela seguinte igualdade:


(1+jk)k=1+ja (3.4)

com

ja , a taxa de juro anual,


k , o numero de subperíodos no ano,
jk , taxa efetiva para o subperíodo k
Ex: k=12 e taxa mensal j12 ou jm
k=4 e taxa trimestral j4 ou jt
k=2 e taxa semestral j2 ou js

Problema 3.1:
Um empréstimo bancário paga juros à taxa de 3% ao trimestre, qual é a taxa de juro anual ja
equivalente?

Resposta:
Um ano tem 4 trimestres, logo k=4 e j4 = 3%. Se (1+j4)4=1+ja , então ja = (1+j4)4-1 = (1+0,03)4-
1 = 0,1255 = 12,55%.

47
Assim, se o empréstimo for de 1 000 €, pagar 3% x 1 000€ = 30 € todos os 3 meses é
equivalente a pagar 12,55 % x 1 000 € = 125,5 € no fim do ano, no pressuposto que os 1 030
€ obtidos no fim do 1º trimestre podiam ser aplicados a 3% ao trimestre e assim
sucessivamente até ao final do ano.

Não considerando aqui outros encargos ao banco para além dos juros, esta taxa de 12,55% é
a chamada taxa anual efetiva (TAE) equivalente à taxa trimestral de 3%. No entanto, os
bancos utilizam também a designação de taxa anual nominal (TAN), em que eventuais
pagamentos ou recebimentos infra-anuais são calculados de forma proporcional, mas não
equivalente do ponto de vista financeiro. Assim, a uma taxa anual nominal de 12%
corresponde uma taxa trimestral de 3% (ou seja, 12%/4). Outro exemplo, neste caso com
juros de 10% vencidos ao semestre, pode ser encontrado na fig. 3.3.

Figura 3.3 Capitalização e atualização

3.1.6 Anuidades e perpetuidades

Importa também falar de dois conceitos úteis quando os valores dos cash flows se repetem
iguais ao longo do tempo. Trata-se das anuidades e perpetuidades, que diferem entre si,
como o nome indica, pelo facto de a sequência de cash flows ser limitada no tempo, durar só
um certo número de períodos, ou ser infinita. Aliás, anuidade é uma designação genérica que
se aplica mesmo que a frequência dos cash flows, positivos ou negativos, não seja anual, mas
possa ser, por exemplo, mensal ou semestral. É o caso de uma renda mensal devida como
pagamento de um empréstimo à habitação, ou de outro tipo de empréstimo pago em
prestações. Como perpetuidades refiram-se algumas emissões perpétuas de dívida do Estado
(Obrigações do tesouro) ou até de empresas. Na Figura 3.4, que mostra uma lista parcial de

48
obrigações cotadas na Bolsa Euronext de Lisboa em setembro se 2020, pode-se observar
quatro obrigações que não têm data de maturidade, são perpétuas. Exemplos no campo dos
rendimentos pessoais são as pensões de reforma ou subsídios de caráter vitalício. Park20 dá-
nos outros exemplos no domínio das obras públicas, como sejam pontes, sistemas de
irrigação ou barragens, cujos benefícios são considerados (por aproximação) durar
indefinidamente, embora tal não ocorra, como acontece com as pensões de reforma, que
caducam com o falecimento do próprio, ou quando muito, e de forma parcial, com o do seu
cônjuge.

Figura
3.4

Obrigações da Euronext Lisboa

Mas vejamos como calcular o valor de anuidades e perpetuidades. Comecemos por uma
anuidade sem crescimento, correspondente a um bem de preço P a ser pago através de n
prestações constantes de montante A:

20
Park, Chan S., 2009, “Fundamentals of Engineering Economics”, Pearson International Edition, 2nd.
Edition.

49
Tabela 3.2 Representação genérica de uma anuidade

Período 0 1 2 … n

Preço Bem P

Cash Flows A A A

Cash Flows A /(1+r) A /(1+r)2 A / (1+r)n


Atualizados

Queremos que a soma das prestações A seja equivalente ao preço P que teríamos que pagar
a pronto em alternativa (período 0). Para tal não podemos ignorar o fator tempo e somar
simplesmente as prestações, há que atualizá-las. A última linha da tabela representa
corretamente os cash flows A devidamente atualizados a uma taxa de juro r. Podemos
constatar que os valores correspondem a uma progressão geométrica. Pondo A em evidência,
essa progressão geométrica tem 1/(1+r) como primeiro termo e 1/(1+r) como a razão. Ora, a
soma de uma progressão geométrica pode ser obtida pela fórmula (4.5) abaixo,

1ºtermo-último termo × razão (4.5)


Soma=
1-razão

Conduzindo, por substituição, ao Valor Atual de uma anuidade sem crescimento,

1 1 1
( n
1+r (1+r) 1+r (1+r) (1
n
VA#=#A =A
1 (1+r)n r (4.6)
1(
1+r

e por sua vez, também por substituição de n por ∞, à fórmula do Valor Atual da perpetuidade
sem crescimento, caso os cash flows (pagamentos ou recebimentos, consoante o caso) se
prolonguem indefinidamente:

1 1 1
− ×
1 1+r 1
VA = A 1 + r ∞ 1 + r = A × = A× (4.7)
1 1+r r r
1−
1+r

50
É este Valor Atual assim encontrado que deverá ser igual ao preço P do nosso bem, ou ao
valor do empréstimo contraído. Caso haja antecipação dos pagamentos ou o seu adiamento,
as fórmulas terão que ser modificadas: multiplicando por 1/(1+r) quando houver antecipação
de um período, e multiplicando em alternativa por (1+r) quando houver diferimento de um
período. Adiamentos de n períodos terão que ser obviamente multiplicados por (1+r)n . Na
tabela 3.3 apresenta-se um exemplo de um bem de preço igual a 1 000 euros, a ser pago em
5 prestações anuais com taxa de juro de 5%. Usando a fórmula (4.6) ou calculando
simplesmente a prestação através da fórmula da equação – A = 1000
/(1/1,05+1/1,052+1/1,053+1/1,054+1/1,055) – obtém--se o valor da prestação igual a 230,98€.
No caso da antecipação de um período multiplique-se por 1/1,05, obtendo-se termos
idênticos aos da anuidade-base e um valor para cada prestação de 219,98€. Este montante é
obviamente menor do que o anterior, já que se paga mais cedo, donde poupa-se em juros.
No último caso da tabela, há um adiamento de um período, sendo agora as prestações entre
o período 2 e o período 6 (ver a última linha). Neste caso, multiplicando por 1+r (i.e., por 1,05)
obtém-se uma prestação maior – 242,52€.

Tabela 3.3. Anuidades com diferimento e antecipação de prestações

r = 5%

0 1 2 3 4 5 6
P 1000
CF's (A) A A A A A
CF's (A) atualizados A/1,05 A/1,05^2 A/1,05^3 A/1,05^4 A/1,05^5
CF's(A)antecipados 1 período A A A A A
CF's(A)antecip. 1 período atualizados A A/1,05 A/1,05^2 A/1,05^3 A/1,05^4
CF's (A) adiados 1 período A A A A A
CF's (A) adiados 1 período atualizados A/1,05^2 A/1,05^3 A/1,05^4 A/1,05^5 A/1,05^6

Pode ainda demonstrar-se que se os cash flows crescerem a uma taxa de crescimento
constante g (sucessivamente A, A (1+g), A(1+g)2 ...), menor do que r, as fórmulas da anuidade
e da perpetuidade serão respetivamente,

51
Valor Atual da Anuidade com crescimento g:

n
1 (1+g) (4.8)
VA = A( - )
r-g n
(1+r) (r-g)

e Valor Atual da Perpetuidade com crescimento g:

1 (4.9)
VA=A ×
r&g

Vejam-se três problemas de aplicação:

Problema 3.2:

Suponha que vai comprar um computador portátil e quer aproveitar a campanha da loja que
corresponde a pagá-lo em 12 prestações de 100 euros. Sabendo que a taxa de juro aplicável
corresponde a uma Taxa Anual Nominal de 12%, diga:

a) Qual é implicitamente o preço do computador?


b) Qual o valor de juros incluído nas prestações a pagar?
c) Se só pagasse o computador ao final de um ano, e considerando a mesma taxa de juro anual
de 12%, qual o montante que teria que pagar?

a)
Primeiro, uma TAN= 12% significa que a taxa de juro mensal jm = 12% /12 = 1%.
Segundo, com essa taxa e considerando 12 períodos, o valor atual da anuidade é:
VA = ((1+0,01)^12 -1) / ((1+0,01)^12 x 0,01) x 100 = 11,2550 x 100 = 1 125,50
Então P=VA= 1 125,50 euros.

52
b)
O valor dos juros é igual à diferença entre o somatório das prestações pagas e o preço do
computador: 12 x 100 € - 1 125,50 € = 74,5 €

c)
Se só se pagasse no fim do ano, e sendo a taxa de juro anual de 12%, pagaria:
P x (1+ 0,12) = 1 125,50 € x 1,12 = 1 260,56 €.

Este montante supera obviamente a soma das 12 prestações de 100 €, que é 1 200 €,
refletindo o facto de o pagamento ser mais tardio do que o esquema da anuidade, em que se
paga do mês 1 ao 12.

Problema 3.3:
Para um trabalho que se prevê durar 4 anos, uma empresa pode adquirir uma máquina a
pronto pagamento, o que lhe custará 10 000 euros, vendendo-a ao fim desses 4 anos por
4000 euros.
a) Qual o valor atual correspondente, se a taxa de atualização anual for de 5%?
b) Se, em contrapartida, alugar a máquina por 1 500 euros anuais pagos no fim de cada ano,
isso seria mais vantajoso?

Resposta:
a) Na primeira hipótese, de comprar a pronto e revender depois de usar, temos
VA = -10 000 + 4 000 / (1+ 0,05)4 = - 6 709,19 € (Nota: na verdade trata-se do Valor Atual
Líquido, pois estou a subtrair o investimento no montante de 10 000 €).

b) Na segunda hipótese, de aluguer, temos:


VA = -1 500 /(1+0,05) -1 500 /(1,05)2 -1 500 /(1,05)3 - 1 500 /(1,05)4 = -5318,93 €

ou, usando a fórmula (4.6) da anuidade sem crescimento,

VA = - 1 500 x [ (1,054-1) / (1,054 x 0,05) ] = - 5 318,93 euros.

53
Como - 5 318,93 € > - 6 709,19 €, a opção de aluguer é mais barata, e daí ser preferível à
compra. O resultado para o aluguer é idêntico nas duas formulações, mas, como se pode
imaginar, caso o número de períodos seja extenso e não só estes quatro anos, o seu cálculo
é bem mais rápido. No Excel, a função financeira do Valor Atual seria igual a PV (0,05;4;-
1500,0).

Problema 3.4:
Vamos agora supor que a máquina do problema anterior iria trabalhar por tempo ilimitado,
gerando um cash flow anual de 1 000 € .
a) Qual o valor da máquina para a empresa, supondo uma taxa de juro para a atualização dos
cash flows futuros de 5, 10 e 15% respetivamente?
b) Se a máquina só durar, por exemplo, 20 ou 35 anos, a diferença no valor atual será muito
grande?
c) E qual o impacto de um crescimento nos cash flows futuros de, por exemplo, 1% ao ano,
assumindo a taxa de atualização de 5%?

Resposta:
a) Podemos ver na tabela 3.4, nas três últimas colunas, que o valor dessas perpetuidades
variaria entre 20 000 € (20, equivalente a 1/0,05 x 1 000 €) e 6 667 €, dependendo do valor
da taxa. Quanto maior a taxa, menor o valor atual de recebimentos futuros e
consequentemente menor o valor atual da soma de todos os fluxos financeiros.

b) Quanto à questão do valor ao fim de 20 ou 35 anos, por exemplo, em comparação com o


da perpetuidade, vê-se também na tabela que o valor atual variaria entre 12462,2€ e 6259,3€,
no caso dos 20 anos, e entre 16 374€ e 6616,6€, no caso dos 35 anos. Conclusão: os valores
atuais de uma anuidade com 35 anos de duração começam a ser muito semelhantes aos da
perpetuidade, devido à desvalorização temporal dos fluxos financeiros mais longínquos. Essa
semelhança é tanto maior quanto maior for a taxa de juro usada na atualização. Isso faz com
que, mesmo que saibamos que os fluxos financeiros não vão durar indefinidamente, para
durações incertas mas relativamente longas o cálculo de uma perpetuidade pode dar-nos um
valor suficientemente aproximado para os nossos cálculos.

54
c) Caso haja crescimento, a perpetuidade com r=5% passará a 1/ (0.05 – 0.01) = 25, o que
corresponde a 25 000 € para a máquina.

Tabela 3.4. Fatores de atualização e valor atual de anuidades e perpetuidades

55
Capítulo 4. Projetos de Investimento: análise da rentabilidade

4.1 Cash Flows

Como vimos no capítulo anterior, um projeto de investimento pode ser representado como
uma sequência de fluxos financeiros (cash flows) usualmente anuais, sendo o primeiro
período o período atual, período 0:

Período 0 1 2 3 … n

Cash Flows CF0 CF1 CF2 … … CFn

Estes cash flows, ditos totais, correspondem, por sua vez, a dois grandes grupos:

I. Cash flows de investimento (CFI)

Fluxos financeiros correspondentes aos capitais investidos e à parcela dos mesmos que ainda
seja possível recuperar no final, ou, parcialmente, no fim da utilização de alguns dos ativos.
Os Cash Flows de Investimento subdividem-se em:

a) Despesas de Investimento em capital fixo (Capital Expenditures)


É a grande rubrica das despesas de investimento (Inv. CF). São gastos normalmente
concentrados no início do projeto, no ano 0 ou nos primeiros anos, em ativos fixos tangíveis
(p. ex., terrenos, edifícios e equipamentos) e intangíveis (p. ex., software, licenças e patentes).
Registam-se pelas variações brutas dos ativos fixos previstas nos balanços previsionais do
projeto, incluindo custo de aquisição, transporte (eventualmente) e montagem. Nesse custo,
tal como nos balanços contabilísticos, não entra o IVA, já que este imposto é objeto de uma
conta corrente com o Estado, sendo dedutível para a empresa;

56
b) Investimento em fundo de maneio de exploração (Change in Noncash Working Capital)

É usualmente uma fração do investimento de reduzido valor monetário em relação às


despesas de investimento em capital fixo, daí não ser por vezes contabilizado na análise de
projetos. Genericamente pode-se dizer que corresponde a variações nas rubricas do fundo
de maneio dos balanços previsionais do projeto, com exceção dos meios financeiros líquidos
(daí a designação Noncash em inglês). Representa, pois, o reconhecimento da necessidade,
para a concretização do projeto, em imobilizar capital por via destas variações do fundo de
maneio.

Imagine, por exemplo, que investe numa loja de venda de roupa ao público, e que precisa de
ter um stock de mercadoria para decorar a loja e atender aos clientes que a ela acorrem.
Suponha que esse stock de mercadoria (inventário) é constituído no ano 0, antes da loja abrir,
lhe custa 30 000 euros, e que nos anos seguintes se limita a ir repondo a mercadoria vendida,
mas o inventário final de cada ano não se altera. No ano de encerramento do projeto pode
admitir que já não vai repor mais o stock em loja, visto que esta encerra, e pode então
recuperar esse montante inicial. Nesse caso, o valor do investimento em fundo de maneio
seria de - 30 000 euros no ano 0; de 0 nos outros anos; e de +30 000 euros, como valor residual
no último ano do projeto, ano n, admitindo que nesse ano se faz a liquidação de todo o stock
de mercadoria.

Suponha-se outro exemplo. A empresa, feito o investimento, vai vender 100 000 euros por
ano; contudo, há um desfasamento no recebimento por parte dos clientes, e no primeiro ano
só recebe 80 000 euros, recebendo depois 100 000 a partir daí e 120 000 no último ano,
quando os clientes liquidam as dívidas todas. Assim, face ao valor de vendas da conta de
exploração (100 000 euros todos os anos na demonstração de resultados), há lugar a um
acerto correspondente a -20 000 euros no ano 0, 0 euros nos anos intermédios, e +20 000
euros de valor residual no último ano, o ano n.

Em suma, temos que o investimento em fundo de maneio necessário de exploração pode ser
calculado como a diferença entre as variações de ativos e passivos correntes, de curto prazo
(Inv. FME = Δ [inventário + clientes – fornecedores]) . Trata-se, como vimos, de fundos
necessários para, p. ex., constituir ou reforçar o inventário de produtos, peças ou matérias-
primas, ou para financiar os custos com os produtos vendidos a crédito num dado ano,
deduzidos do montante obtido por crédito dos fornecedores.

57
Sendo saídas de dinheiro, os valores dos cash flows de investimento em capital fixo e em
fundo de maneio, alíneas a) e b) acima, são precedidos de sinal negativo. Assim, no caso do
investimento em capital fixo, a aquisição de um equipamento por 1 000€, por exemplo, é
lançada no mapa de cash flows como –1 000 €; um aumento de stocks de 400 € corresponderá
a um lançamento de – 400 €.

c) Valor residual do investimento


No final do projeto, a parte destas despesas de investimento em capital fixo que seja
recuperável constitui um cash flow positivo, conhecido como valor residual do investimento.
Se, por exemplo, houver venda no último ano (ano n) de um dado ativo fixo, este originará
geralmente um ganho ou perda extraordinária. Este valor vai ter impacto fiscal, apurando-se
a diferença entre o valor de venda e o respetivo valor contabilístico (valor do ativo fixo ainda
não depreciado). Se a diferença for positiva estamos perante uma mais-valia e será essa mais-
-valia que é sujeita ao imposto sobre o rendimento; caso a diferença seja negativa, estamos
perante uma menos-valia, e normalmente haverá lugar a uma diminuição dos impostos sobre
o rendimento a pagar pela empresa:

Valor Residual (VR) = Valor Mercado n (VMn) -


- (VM n – Valor Contabilístico n) * Taxa imposto (4.1)

em que:
Valor Mercado n = Valor esperado de venda do ativo no ano n
Valor Contabilístico n = Valor de compra – Amortizações Acumuladas no ano n.

Refira-se ainda que caso se tenha considerado o investimento em fundo de maneio, poderá
haver lugar a considerar o valor residual do mesmo (cash flow positivo), tal como referimos
anteriormente.

58
II. Cash flows de exploração (CFE)

Para além dos cash flows de investimento, a empresa gera fundos provenientes da sua
exploração, os quais serão habitualmente positivos se o projeto for lucrativo. Estes cash flows
calculam-se através das contas de exploração ou demonstrações de resultados previsionais
do projeto, a partir do Resultado Operacional (EBIT, Earnings Before Interests and Taxes)
líquido de impostos sobre o rendimento (IRC), e adicionando-se depois os custos
reconhecidos fiscalmente mas que não implicam pagamento, saída de dinheiro, como
acontece com as depreciações e amortizações. Em equação:

Cash flows de exploração (CFE) = Resultados Antes de Juros e Impostos (EBIT) x


x (1- tx. imposto) + Amortizações e Depreciações (4.2)

Esta definição corresponde à de Cash Flow to Firm21 , em que se considera como Cash Flows
de Investimento a totalidade das despesas de investimento, independentemente de terem
sido financiadas através de capital próprio ou de capital alheio (dívida), e nos Cash Flows de
Exploração se considera o Resultado Operacional Líquido [EBIT x (1-t)], não o Resultado
Líquido do Período [EBT x (1-t)22 ], em que se subtraíram os juros/gastos de financiamento.
Estes (a taxa de juro ou custo do capital alheio) são considerados como parte do custo do
capital total no cálculo da taxa de atualização, como veremos adiante. Na atualização será
também considerado o custo do capital próprio – remuneração desejada pelos investidores.

Finalmente, refira-se que quando num dado ano ou período obtivermos um EBIT negativo,
nem sempre se multiplica o valor por (1-t). Assim, quando o projeto se integrar numa empresa
já existente que apresente prejuízos, ou quando o projeto de investimento coincidir com a
empresa a criar, então não há lugar a dedução fiscal dos prejuízos do projeto, e o valor do
cash flow de exploração será dado por EBIT + Amortizações e Depreciações. Por sua vez, se o
projeto se inserir numa empresa lucrativa, os prejuízos correspondentes ao valor negativo do
EBIT serão deduzidos aos lucros totais da empresa e haverá lugar a um benefício fiscal igual a

21
Ver, por exemplo: Damodaran, A. (2001), “Corporate Finance: Theory and Practice”, Ed. Wiley,
capítulo 5.
22
EBT significa Earnings Before Taxes, ou seja, Resultado Antes de Impostos, em Português.

59
t x EBIT. Nesse caso, usa-se a fórmula normal – (EBIT) x (1- tx. imposto) + Amortizações e
Depreciações – independentemente do valor do EBIT nesse ano ou período ser negativo.

Vejamos agora um exemplo de cálculo do mapa de cash flows de um projeto:

Problema 4.1:

Considere-se que:
1. Uma empresa investiu 100 000 euros numa nova máquina.
2. Esta é depreciável em 5 anos, findos os quais pode ainda ser vendida por 10 000 euros
(valor de mercado no ano 5).
3. Haverá necessidade de aumentar o nível de segurança do inventário de matérias-
primas em 5 000 €, antes da máquina entrar em laboração, sendo esse valor recuperado
por menos aquisições de matérias-primas no último ano.
4. Estima-se que a produção da máquina vá ser vendida por 150 000 € no 1º ano.
5. Os custos operacionais (pessoal, fornecimentos e serviços externos, matérias primas)
serão nesse ano de 100 000 €, sem incluir as depreciações.
6. Rendimentos e gastos sobem 10% ao ano.
7. A taxa de imposto a pagar pela empresa é de 25%.

Resolução:

Calcula-se previamente o Valor Residual do capital fixo (VRCF):

VRCF = VM5 – (VM5 – VC5) x t = 10 000 € - (10 000 € - 0) x 0,25 = 7 500 €

Com VM5 = Valor de Mercado no ano 5;


VC5 = Valor Contabilístico no ano 5;
t = taxa de imposto sobre o rendimento (IRC, em Portugal).

60
Seguidamente, preenche-se o Mapa de Cash Flows com a apresentação que se segue. O que
poderá variar noutros casos é a discriminação de rubricas de gastos.

Rubrica\Período 0 1 2 3 4 5

– Inv. C. Fixo -100 000

Val. Resid. C.F. 7 500

- Inv. F. Maneio -5000

Val. Res. F. Man. 5 000

CF Investimento -105 000 12 500

Vendas 150 000 165 000 181 500 199 650 219 615

- G. Operacionais
(pessoal, fse, mat. -100 000 -110 000 -121 000 -133 100 -146 410
primas)
- Depreciações -20 000 -20 000 -20 000 -20 000 -20 000

Resultado
30 000 35 000 40 500 46 550 53 205
Operacional (EBIT)
EBIT x (1 – 0,25) 22 500 26 250 30 375 34 913 39 904

CFE = EBIT (1-t) + Dep 42 500 46 250 50 375 54 913 59 904

CF Total = CFI + CFE -105 000 42 500 46 250 50 375 54 913 72 404

4.2 Taxa de atualização

Sabemos como calcular os cash flows de um projeto, sendo agora necessário, para os
podermos adicionar, calcular os seus valores no momento atual — ano 0 23 — utilizando uma
taxa de atualização r:

23
Poder-se-ia fazer o cálculo para qualquer outro período, desde que fosse o mesmo para todos os
cash flows, no entanto, a prática habitual é fazer o cálculo para o momento atual ou presente, dado
que é obviamente nesse momento que nos encontramos ao fazer a análise preditiva do projeto.

61
C0 + C1/(1+r) + C2/(1+r)2 + C3/(1+r)3 + C4/(1+r)4 + C5/(1+r)5 =
= -105000 + 42500/(1+r) + 46250/(1+r)2 + 50375/(1+r)3 + 54913/(1+r)4 + 72404/(1+r)5

Qual deverá ser essa taxa?

Em primeiro lugar, importa verificar se os cash flows estão expressos em termos nominais, a
preços correntes, ou reais, a preços constantes. Se estiverem a preços correntes, a taxa de
atualização r deverá ser uma taxa nominal, se estiverem a preços constantes, r deve ser uma
taxa real, calculada de acordo com o que vimos no capítulo anterior:

taxa real = (taxa nominal – taxa inflação) / (1+ taxa Inflação) (3.3)

Para além disso, vimos anteriormente que a lógica para a atualização de fluxos financeiros
advém de ser possível aplicá-los e obter no futuro uma remuneração em juros caso o dinheiro
esteja disponível de imediato, facto que não acontece quando só se dispõe do mesmo em
momentos (anos) posteriores. Assim, a taxa de atualização aparece como um custo de
oportunidade do capital, exprimindo a remuneração potencialmente perdida quando se
investe no projeto em detrimento de aplicar o mesmo dinheiro numa aplicação nos mercados
financeiros. A taxa de atualização deve, então, igualar a melhor remuneração que se
conseguiria obter em aplicações alternativas, observado um nível de risco semelhante.

Ora, um depósito a prazo com juros previamente conhecidos apresenta, por norma, um risco
bastante inferior a um investimento em ativos reais cujos resultados futuros são
relativamente incertos24. Mesmo entre títulos financeiros, o retorno a prazo obtido em ações
é normalmente maior do que o obtido em Obrigações do Tesouro (Government Bonds —
dívida do Estado a mais de um ano) e Bilhetes do Tesouro (Treasury Bills — dívida da Estado
a menos de um ano), como se comprova para a longa série de dados do mercado norte-
americano entre 1926 a 2012, com valores a rondar os 11%, 5.7% e 3.5% respetivamente 25.

24
A menos que o banco vá à falência — o chamado risco de default — e o montante do depósito
exceda o valor garantido pelo sistema bancário.
25
Morningstar (2013), Classic Yearbook Market Results for Stocks, Bonds, Bills, and Inflation 1926-
2012.

62
A razão prende-se com a menor probabilidade de falência do Estado e com o caráter previsível
dos juros a receber pela dívida pública, em comparação com a maior variabilidade dos
resultados e da cotação das ações das empresas, a qual é evidente na oscilação das respetivas
séries de dados.

Em conclusão, as taxas de atualização devem estar associadas ao risco do investimento. Se o


risco é mais elevado, os acionistas querem maior remuneração das suas ações. Caso
contrário, desinvestem e vão comprar ações de outras empresas. Assim, a taxa de atualização
para um investimento financiado só com capital próprio deve corresponder à soma do
rendimento esperado de ativos sem risco (como a remuneração dos títulos de dívida do
Estado, geralmente mais elevada que a dos depósitos bancários) com um prémio (taxa
adicional) de risco inerente à atividade económica em causa e ao risco financeiro da empresa:

Taxa de atualização para um investimento financiado com capital próprio =


= taxa de remuneração de um ativo sem risco + prémio de risco (4.3)

Nos primeiros meses de 2015, fruto da grande injeção de liquidez por parte do Banco Central
Europeu, com compra maciça de dívida pública e de títulos detidos pelos bancos comerciais,
a taxa de remuneração dos ativos do Estado atingiu valores negativos, situação totalmente
excecional e contrária ao racional exposto anteriormente. A própria taxa de juros de
empréstimos interbancários, Euribor, atingiu valores também negativos. É claro que com uma
taxa de remuneração do ativo sem risco em valores negativos leva a uma descida do custo de
capital a usar na análise de projetos, tendo como consequência viabilizar projetos que até aí
mostravam uma rentabilidade inferior.

Quando, como é comum, os projetos de investimento e as empresas que os promovem são


financiados com capital próprio e alheio, nomeadamente dívida bancária ou obrigacionista, o
custo de capital passa a englobar nas respetivas proporções o custo do capital próprio rCP
(remuneração a pagar a sócios ou acionistas para investirem no projeto) e o custo da dívida
líquido de impostos rD (1-t), já que como sabemos os juros da dívida podem ser considerados
como custo nas demonstrações de resultados e, sendo assim, a empresa pagará menos

63
impostos sobre os lucros. A fórmula designa-se, neste caso, por Custo Médio Ponderado do
Capital (CMPC, em inglês WACC – Weighted Average Cost of Capital):

Taxa de atualização com financiamento misto (Capital Próprio CP e Dívida D) =

= custo do capital próprio x % capital próprio + custo do capital alheio líquido de


impostos x (1 – taxa de imposto) x % capital alheio

= CMPC = rCP x % CP + rD x (1-t) x % D (4.4)

Para o investimento de uma empresa financiado de acordo com a sua estrutura financeira
habitual, as proporções dos capitais próprio e alheio devem ser avaliadas a valor de mercado
e não contabilístico, o que significa que numa empresa cotada o valor do capital próprio deve
ser medido pelo número de ações a multiplicar pela cotação bolsista de cada ação, e não pelo
valor do capital próprio que consta do balanço contabilístico da empresa. Veja-se o exemplo
seguinte.

Problema 4.2:
Uma empresa tem um Capital Social composto por 10 000 ações, com um valor nominal de
1€ cada. O valor do capital próprio em balanço é de 70 000 € e cada ação está cotada em 10€.
O financiamento com recurso a terceiros é constituído por um empréstimo bancário no valor
de 50 000 €, e por 5 000 obrigações com um valor nominal de 1€ e cotação de 0,8€.
i) Qual o valor de capital próprio relevante para cálculo do CMPC (Custo Médio Ponderado do
Capital)?
ii) Qual o valor da dívida relevante para cálculo do CMPC (Custo Médio Ponderado do Capital)?
iii) Qual o valor das percentagens de capital próprio e alheio para cálculo do CMPC (Custo
Médio Ponderado do Capital)?
iv) Se a taxa de impostos sobre lucros (IRC) for de 25%, o custo médio da dívida (rD) for de 5%,
e a remuneração requerida pelos acionistas (rCP) for igual à dos títulos do Estado de curto
prazo (1,5%) + o prémio de risco de 65%, qual será o CMPC?

64
Resposta:
i) O que importa não é o valor contabilístico (7 000€), nem o valor do capital social realizado
(10 000 x 1€ = 10 000€), mas o valor de mercado pelo qual seria possível comprar a empresa
(10 000 x 10€ = 100 000€).

ii) O que importa não é o valor contabilístico (do balanço, pelo valor nominal das ações), que
seria de 55 000€ (50000€ + 5 000 x 1€), mas sim o valor de mercado que é igual a 54 000€ (50
000 + 0,8€ x 5 000).

iii) V = CP + D = 100 000€ + 54 000€ = 154 000€


% CP = CP/V = 100 000€ / 154 000€ = 65%
% D = D/V = 54 000€ / 154 000€ = 35%

iv) CMPC = rCP x % CP + rD x %D x (1-t) = 8% x 65% + 5% x 35% x (1-25%) = 6,5%

4.3 Critérios de análise da rentabilidade

4.3.1 O Valor Atual Líquido (VAL)

O cerne dos critérios de análise de rentabilidade assenta na determinação do Valor Atual


Líquido (VAL), correspondente a Net Present Value (NPV) em língua inglesa. O cálculo do VAL
consiste na soma de todos os cash flows CFk do projeto devidamente atualizados:

!"!
𝑉𝐴𝐿 = ∑()*+ ($%&)! (4.5)

Na expressão (4.5), o período a que se refere o índice k corresponde habitualmente a um


ano, embora seja possível adotar outra periodicidade, desde que esta seja coincidente com a
periodicidade implícita na taxa de atualização. O período inicial é usualmente 0, o período em
que estamos, o que não acontece, contudo, na fórmula financeira do Excel, em que o período

65
inicial é o 1, obrigando à sua correção para o período 0 através da multiplicação do resultado
por (1 + r), com r a taxa de atualização26. Baseadas no VAL podem-se enunciar duas regras de
decisão:

1. Caso de um só projeto: se o VAL > 0 então os Cash Flows de Exploração atualizados


excedem os Cash Flows de Investimento atualizados e o projeto é rentável, i.e., tem uma
rentabilidade maior que o custo do capital expresso pela taxa r;

2. Caso de dois ou mais projetos — Se VAL(P2) > VAL(P1) então o projeto P2 é preferível ao
projeto P1, a menos que haja condições especiais a considerar, como seja a duração de ambos
ser diferente ou o montante investido ser consideravelmente distinto e haver um orçamento
fixo de capital para investir. O raciocínio é recorrente para mais que dois projetos.

Vejamos agora alguns exemplos práticos de cálculo do VAL:

Problema 4.3:

Um investidor comprou 100 ações de uma empresa, tendo pago 7€ por ação na expectativa
de receber dividendos de 1€ x 100 nos anos 1 e 2, e de vender os títulos no ano 3 por 10€
cada. Sabendo que ações de empresas com idêntico grau de risco oferecem uma
rentabilidade anual de 5%, calcule o VAL e diga se aconselha o investimento.

R: Os valores pagos e recebidos por ações e dividendos correspondem aos cash flows
(numerador), a rentabilidade de outras ações corresponde ao custo de oportunidade de
capital – a taxa de atualização r (denominador):

VAL (5%) = -700/(1+ 0,05)0 + 100/(1+0,05)1 + 100/(1+0,05)2 + 1 000/(1+0,05)3 =


= 349,78 €.

Conclusão: aconselha-se o investimento. O VAL é positivo, o investimento é rentável.

26
Veja-se adiante o exemplo de aplicação em Excel da secção 5.3.5.

66
Problema 4.4:

Uma empresa projeta construir um edifício em 2 anos, com custos de 900 000€ no 1º ano e
de 950 000€ no 2º. É de admitir que o edifício possa ser vendido em bloco passados mais dois
anos pelo valor de 2 150 000€. Sabendo que a empresa se financia habitualmente em partes
iguais (dívida e capital próprio), que o juro da dívida bancária é de 8%, que a taxa de imposto
é de 25%, e que empresas similares cotadas em Bolsa oferecem uma rentabilidade de 10% ao
ano, diga se aconselha ou não o investimento.

R: Em primeiro lugar vamos calcular o custo médio ponderado do capital:

cmpc = 0,5 x 0,1 + 0,5 x 0,08 x (1-0,25) = 0,08 = 8%

Depois, calculamos o VAL:

VAL (8%) = -900 000 / 1 – 950 000 /1,08 + 0 / 1,082 + 2 150 000/1,083 = - 72 890,31 €

Conclusão: o VAL é negativo, não vale a pena investir.

Taxa de atualização — limiar de rentabilidade

Observe-se agora a tabela 4.1. Na primeira linha de dados vemos os cash flows
correspondentes a um depósito bancário de 1 000€ pagando juros de 100€ durante os 3 anos
seguintes, os quais não capitalizam, levantando-se o dinheiro todo no período 3. Trata-se de
um esquema de juros simples, como vimos anteriormente, e um investimento deste tipo
oferece uma rentabilidade de 10% (100/1000). Ora, atualizando a série de cash flows com
três taxas distintas, de 10%, abaixo desse valor (5%) e acima (15%), verificamos que o
respetivo VAL é nulo, positivo e negativo. Assim, a taxa de atualização assume o papel de
limiar de rentabilidade para aceitação do investimento. Sempre que a rentabilidade do
investimento é idêntica ao custo de capital do denominador, o VAL é nulo, significando que o
investimento não acrescenta qualquer valor face ao custo de capital em causa. Quando o VAL

67
é positivo, é porque há um acréscimo de valor para a empresa face ao custo dos recursos
financeiros envolvidos ou, numa ótica de comparação com eventuais alternativas, face ao
custo de oportunidade do capital. Nesse caso aceita-se o projeto; caso contrário rejeitar-se-
ia.

Tabela 4.1. A taxa de atualização como limiar de rentabilidade: exemplo


de cálculo do VAL com três taxas diferentes
Taxa e período r 0 1 2 3 Σ = VAL
CF's -1000 100 100 1100
CF's/(1+r) j 10% -1000 90,91 82,64 826,45 0,00
CF's/(1+r) j 5% -1000 95,24 90,70 950,22 136,16
CF's/(1+r) j 15% -1000 86,96 75,61 723,27 -114,16

4.3.2 A Taxa Interna de Rentabilidade (TIR)

A taxa interna de rendibilidade (TIR) é outro indicador de rentabilidade usualmente calculado


a par do VAL. Corresponde à taxa de taxa de atualização para a qual este se anula e dá-nos
uma informação sobre a rentabilidade média27 do projeto de investimento na lógica da
capitalização que tem sido usada:

VAL = ∑ CFk k =0 , com r = TIR (4.6)


k=0 (1+r)

Sendo a raiz de um polinómio de grau n+1, como resulta da formulação acima, pode–se
calcular r iterativamente aproveitando o facto de a função VAL(r) ser monótona decrescente
— quanto maior a taxa, menor o VAL, até que se este anula e passa a negativo (fig. 4.1). No
Excel existe uma função específica IRR para calcular a TIR, podendo-se ainda usar-se a função
Goal Seek 28.

27
Anual, se for este o período a que se referem os cash flows.
28
Designações na versão em língua inglesa. No caso da função IRR, o valor pedido GUESS visa iniciar
o processo iterativo de tentativa e erro mais próximo da raiz, poupando tempo de cálculo. Com os
computadores hoje disponíveis isso é irrelevante, bastando assumir 0 como o valor inicial da taxa.

68
Figura 4.1. VAL e TIR

É claro que a regra de aceitação de projetos de investimento:


aceitar projeto com VAL > 0, dada a taxa de atualização r,
corresponde a,
aceitar projeto com TIR > r.

A escolha da TIR em detrimento do VAL pode, contudo, trazer problemas. Pode, por
exemplo, não existir TIR, quando nenhuma taxa anula o VAL.
Ex:
C0 C1 C2
1 000 -3 000 2 500

Pode também existir mais do que uma TIR, em casos de projetos com alternância de cash
flows negativos e positivos (projetos não convencionais), causada nomeadamente por
necessidades de reinvestimento ao longo do projeto — vide a remodelação de hotéis e a
reparação de navios — ou por gastos de desativação e limpeza no fim da vida útil — vide
centrais nucleares e pedreiras. Este facto ocorre no exemplo abaixo, representado
graficamente na fig. 4.2:

C0 C1 C2 TIR’s
-4 000 25 000 -25 000 25 e 400%

69
VAL
3000
2000
1000
0
0 1 2 3 4 5 6
-1000
-2000
-3000
-4000
-5000

Figura 4.2. Projeto com múltiplas TIR

Os projetos podem ainda ser mutuamente exclusivos, quando não se podem realizar as várias
alternativas por limitações imperiosas de recursos financeiros ou por impossibilidade física,
caso típico dos projetos em Engenharia Civil. Nesse caso, e sobretudo se as dimensões do
investimento diferirem, a seleção de projetos com base na TIR é uma escolha muitas vezes
errónea. Veja-se o caso da Tabela 4.2, com um investimento A de 10 000€ e outro B de 5
000€. O investimento mais pequeno apresenta maior TIR, contudo o investimento maior gera
mais dinheiro, apresenta um maior VAL. Ora, a menos que se possam aplicar os 5 000€ de
diferença num pretenso projeto B’ com uma TIR superior a 15% e um VAL(5%) superior a
991,15€ (ver na Tabela 4.2 a linha do projeto fictício A-B), é preferível o projeto A à soma B +
B’.

Tabela 4.2. Projetos mutuamente exclusivos


C0 C1 C2 C3 VAL (5%) TIR
CF A -10 000 5 000 5 000 5 000 3 616,24 23%
CF B -5 000 2 800 2 800 2 800 2 625,09 31%
CF A – B -5 000 2 200 2 200 2 200 991,15 15%

Em alternativa, e como se comprova na fig. 4.3 e na Tabela 4.3, só para uma taxa de
atualização superior a cerca de 15% é que o projeto B supera o A. Para o custo de
oportunidade de capital considerado (5%), A é claramente uma opção superior.

70
VAL=f(r)
6 000,00

4 000,00

2 000,00

0,00
0 0,05 0,1 0,15 0,2 0,25 0,3 0,35 0,4 0,45 0,5 0,55 0,6 0,65 0,7 0,75 0,8 0,85
-2 000,00

-4 000,00

-6 000,00

VAL A VAL B

Figura 4.3. TIR e funções do VAL para dois projetos mutuamente exclusivos A e B

Tabela 4.3. VAL (r) para dois projetos mutuamente exclusivos A e B

r VAL A (r) VAL B (r)


0 5000,00 3400,00
0,05 3616,24 2625,09
0,1 2434,26 1963,19
0,15 1416,13 1393,03
0,2 532,41 898,15
0,25 -240,00 465,60
0,3 -919,44 85,12
0,35 -1520,60 -251,54
0,4 -2055,39 -551,02
0,45 -2533,52 -818,77
0,5 -2962,96 -1059,26
0,55 -3350,34 -1276,19
0,6 -3701,17 -1472,66
0,65 -4020,09 -1651,25
0,7 -4311,01 -1814,17
0,75 -4577,26 -1963,27
0,8 -4821,67 -2100,14
0,85 -5046,69 -2226,15

71
4.3.3 Período de Recuperação do Investimento (PRI) — Payback Period

Outro critério de rentabilidade conhecido é o Período de Recuperação do Investimento


(Payback Period). Corresponde ao tempo necessário para que os cash flows atualizados
gerados pelo projeto igualem (recuperem) o capital investido inicialmente:

PB
i (4.7)
å CFi/(1+r) = 0
i=0

com CFi = cash flow do período i


PB = nº de períodos do Payback
r = taxa de atualização

No exemplo da Tabela 4.4 vemos um investimento com os respetivos cash flows atualizados
e acumulados no fim de cada período. Constata-se que o valor acumulado passa de negativo
para positivo do ano 3 para o ano 4. Nesse ano, o valor do cash flow é de 420, sendo que se
para se calcular a fração do ano que anularia os cash flows acumulados se procede, por
aproximação, a uma interpolação linear. Assim, o PRI é dado por:

PRI = 3 + 100/[320-(-100)] = 3 + 100/420 = 3,238 Anos » 3 anos e 3 (0,238x12) meses

Tabela 4.4. Cash Flows cumulativos para cálculo do Payback

Período (anos) 0 1 2 3 4 5 6

CF’s atualizados -1 000 200 300 400 420 500 700

å CF -1 000 -800 -500 -100 320 820 1 520

Claro que se os cash flows acumulados nunca passarem a positivos o projeto não é rentável,
sendo o PRI superior à vida útil do investimento. Contudo, o PRI é mais um critério de risco
do que de rentabilidade, uma vez que mede a rapidez de recuperação do capital inicial

72
investido, desprezando o valor dos restantes cash flows após se atingir o valor do
investimento.

4.3.4 Índice de Rendibilidade (IR)

Finalmente, há que referir um critério de análise da rentabilidade cuja origem é ainda o VAL
(Valor Atual Líquido), ou melhor, o VA (Valor Atual), o qual é dividido pelo investimento inicial:

𝐕𝐀 𝐕𝐀𝐋,𝐈𝐧𝐯.𝐈𝐧𝐢𝐜𝐢𝐚𝐥
𝐈𝐑 = 𝐈𝐧𝐯 𝐈𝐧𝐢𝐜𝐢𝐚𝐥
= 𝐈𝐧𝐯 𝐈𝐧𝐢𝐜𝐢𝐚𝐥
(4.8)

Aceitam-se como viáveis os projetos de investimento que apresentem um valor do Índice de


Rendibilidade (IR) >1.

Este critério baseia-se no princípio de medir o valor atual (VA) gerado por unidade monetária
investida, permitindo a ordenação e posterior escolha entre projetos, o que pode ser útil
quando haja escassez de capitais para investir. Nesse caso, contudo, deve-se atender ao que
dissemos no caso da comparação pela TIR de investimentos mutuamente exclusivos.

Vejam-se, por exemplo, os projetos A e B constantes da Tabela 4.5. Para a taxa de atualização
em causa (10%), o projeto A tem uma maior rentabilidade por euro investido:
IR(A)=3>IR(B)=2. A realização de A implicará, por sua vez, um investimento de 1 em vez de 10,
o montante do investimento de B. Põe-se então a questão de saber o que seria possível fazer
com o montante poupado (B-A=10-1=9) e, concretamente, se não seria aplicar esse montante
B-A de forma a obter uma rentabilidade cujo índice fosse superior a 1,89, isto é, um Valor
Atual superior a 2.

Tabela 4.5. Comparação de projetos com base no Índice de Rendibilidade

Investimento C0 C1 r VAL (10%) IR


A -1 3,3 10% 2 (=-1+ 3,3/1,1) 3
B -10 22 10% 10 (=10+22/1,1) 2
B-A -9 18,7 10% 8 (=-9+18,7/1,1) 1,89

73
4.3.5 Cálculo da rentabilidade em Excel

Vamos agora ilustrar a utilização de uma folha de cálculo (neste caso o Excel, da Microsoft
Corporation) para cálculo de alguns dos indicadores de rentabilidade estudados. Siga estes
passos de forma sequencial:

1. Inicialize o Excel;

2. Abra uma folha de cálculo nova;


3. Na primeira linha escreva “taxa de atualização” e na célula seguinte o valor ilustrativo: 0,1
(Nota: na versão do Excel usada, e que aparece na resolução, a separação entre inteiros e
decimais faz-se com “.” e não “,”);
4. Numa linha abaixo escreva “Período” e nas células seguintes introduza os valores 0 a 9;
5. Novamente abaixo porá os Cash Flows, com valores de -10000, 1400, 1650, e 7 vezes 1800;
6. Por baixo, introduza os fatores de desconto (atualização), a partir das referências às células
dos períodos e à da taxa de atualização;
7. Crie uma linha com o produto dos cash flows pelos fatores de desconto;
8. Calcule abaixo o VAL como somatório dessa linha;
9. Calcule abaixo o VAL empregando a fórmula financeira equivalente (NPV());
10. Verifique se os valores são iguais e, caso não o sejam, diga como os igualar;
11. Calcule VAL’s sucessivos com taxas de atualização entre 0 e 0,5, com acréscimos
sucessivos de 0,05;
12. Faça o gráfico daqueles valores (VAL=f(r)) e tire conclusões do mesmo;
13. Calcule a TIR da sucessão de cash flows referida em 5 usando para tal a função financeira
IRR (TIR);
14. Calcule a mesma TIR usando a função GOAL SEEK (ATINGIR META);
15. Conclua quanto ao valor do VAL para taxas de atualização respetivamente inferiores e
superiores à TIR.

Resolução:
Começa-se pela tabela do Microsoft Excel correspondente às alíneas 1 a 6, tendo em atenção
a formulação usada na célula C8, que foi depois copiada até K8:

74
De seguida, introduziu-se a linha com os produtos mencionada na alínea 7 e o cálculo do VAL
como somatório dessa linha (alínea 8):

A seguir, o cálculo do VAL empregando a fórmula financeira equivalente (NPV()) (alínea 9):

Constata-se que o valor não é igual. Para igualar o VAL’ ao VAL calculado pela soma de Cash
Flows é necessário multiplicar o VAL’ por (1+taxa) (alínea 10):

75
Alternativamente, poder-se-ia ter inserido na fórmula só as células equivalentes a CF1...CF9,
adicionando-lhe autonomamente o CF0 ( CF0 + NPV(0,1; CF1...CF9).

Usando a mesma formulação, calculámos de seguida VAL’s sucessivos com taxas de


atualização entre 0 e 0,5 e acréscimos sucessivos de 0,05 (alínea 11). Seguidamente fizemos
o gráfico dos VAL’s em função da taxa – gráfico XY ou Charts -> Scatter Plot.

Verifica-se que, como esperado, a função é monótona decrescente com o aumento da taxa e
que o zero da mesma é próximo de 0,1 (taxa de 10%), que corresponderá assim à TIR (alínea
12):

76
Finalmente, procedemos ao cálculo da TIR com a função financeira IRR (alínea 13):

E utilizando a função GOAL SEEK (em Português, ‘Dados àTeste de Hipóteses àAtingir
Meta’), definimos como meta a célula B12, o VAL, ser igual a 0, por iteração sucessiva dos
valores da taxa de atualização da célula E1. Obviamente o valor encontrado é equivalente ao
anterior – 0,097, ou seja 9,7% – como se vê na figura abaixo (alínea 14):

77
Concluindo quanto ao valor do VAL para taxas de atualização respetivamente inferiores e
superiores à TIR (alínea 15):
Para uma taxa de atualização inferior à TIR o valor do VAL será positivo, enquanto que para
uma taxa superior à TIR, o VAL será negativo.

78
Capítulo 5. Gestão Estratégica e Marketing

5.1. Gestão Estratégica

Nos dois capítulos anteriores falámos sobre a avaliação de decisões de investimento


empresarial no contexto das decisões de gestão de médio e longo prazo. Ora, é claro que a
confiança nas previsões utilizadas no processo de avaliação de rentabilidade de futuros
investimentos, nomeadamente a confiança nas previsões sobre futuros rendimentos de
vendas ou serviços prestados, dependerá do conhecimento que se tenha sobre como a
empresa investidora projeta o seu futuro, de forma planeada e em consonância com o
ecossistema económico e empresarial em que se insere – a economia do país ou da região, a
situação da concorrência, e a evolução esperada em termos tecnológicos e de hábitos de
consumo. Em conclusão: é necessário entender-se o investimento no quadro da estratégia da
empresa para os anos vindouros.

Estratégia é uma palavra que nas suas origens grega e latina se refere ao planeamento da
ação militar, tendo em vista normalmente a vitória no contexto de uma batalha ou, de forma
mais prolongada, de uma guerra. Importada para a gestão, o conceito de estratégia manteve
o significado de elaboração de um plano a um prazo mais longo, visando atingir objetivos
previamente definidos29. Nesse sentido, e na sequência dos capítulos anteriores, importa
abordar, ainda que de forma sintética, quais os principais conceitos e modelos relevantes para
estruturar a análise estratégica e a gestão estratégica em geral30.

29
Para uma análise das relações entre estratégias militar e empresarial veja-se Abreu, Francisco
(2002), “Fundamentos de Estratégia Militar e Empresarial – Obter Superioridade em Contextos
Conflituais e Competitivos, Edições Sílabo.
30
Para uma análise mais aprofundada veja-se, por exemplo, Thompson, A.; Peteraf, M.; Gamble, J.;
Strickland, A (2016), “Crafting & Executing Strategy: The Quest for Competitive Advantage: Concepts
and Cases”, McGraw-Hill Education, 20th Edition.

79
5.1.1. Perspetiva geral do processo de análise e formulação de estratégias a nível
empresarial: visão e objetivos

Pensar a empresa ou organização num prazo alargado e, fruto dessa reflexão e da vontade
dos líderes dessa empresa ou organização, construir uma ideia do que se pretende e pensa
poder vir a atingir no futuro, é um processo que usualmente culmina na elaboração escrita
do que se costuma designar como uma Visão para a empresa ou organização – pensar e
declarar o que ela quer atingir no futuro. Veja-se o caso da Microsoft – “to help people and
businesses throughout the world realize their full potential” – uma declaração que, sem
surpresa, confirma a visão da empresa como uma empresa global em termos geográficos e
em termos de se dirigir às pessoas individualmente e coletivamente a empresas e
organizações, com uma gama de aplicações que potencie as suas capacidades. Ou observe-se
a declaração da KraftHeinz – “Our vision: to be the best food company, growing a better
world”, definindo a sua visão como a da excelência no mercado da indústria alimentar.

Definida a visão para o futuro31, importa a sua concretização em objetivos, sendo


aconselhável que os mesmos possuam três propriedades que permitam vir a controlar a sua
execução. Primeiramente, os objetivos devem ser tanto quanto possível quantificáveis.
Exemplos: o crescimento das vendas no período de 5 anos a uma taxa média anual de 10%; a
redução do passivo da empresa, ou da sua dívida bancária, em 5% ao ano durante o triénio
subsequente; a diversificação dos mercados de exportação, permitindo atingir em cinco anos
quotas de exportação de 30% das vendas para o mercado asiático e de 20% para o mercado
americano.

Por sua vez, sendo quantificáveis, como nos exemplos acima, mais fácil se torna a sua
monitorização, são mensuráveis. Vamos aqui dar um exemplo pelo contraditório: imagine-se
que é definido um objetivo de aumentar a sustentabilidade ambiental da empresa, mas não
se refere quanto, nem se procura quantificar o aumento, por exemplo, da eficiência
energética pela própria empresa, da utilização de energias limpas ou do tratamento dos

31
Por sua vez, a definição das atividades da organização no presente designa-se por ‘missão’.

80
efluentes. Este seria um objetivo impossível de monitorizar e concluir sobre o grau de
concretização do objetivo.

Por fim, a monitorização da eficácia na prossecução dos objetivos implica a definição de um


prazo para que tal aconteça, uma meta temporal.

5.1.2. Análise estratégica: externa, interna e matriz SWOT

Uma estratégia terá também que ser comprovadamente realista, sob pena de não se efetivar.
Para tal, previamente à formulação da estratégia haverá que analisar as condicionantes em
que a mesma decorrerá. Essa atividade de diagnóstico da empresa e das suas envolventes,
desenrola-se em três níveis:

i) Análise externa
i.a) Envolvente Geral
i.b) Envolvente Transacional
ii) Análise Interna
iii) Análise SWOT, conjugando as análises externa e interna.

i) Análise Externa

A análise externa diz respeito ao estudo do meio envolvente da empresa ou organização, na


procura de identificar quais poderão ser no futuro os principais constrangimentos ou
impulsos ao seu desenvolvimento. Em primeiro lugar, atende à Envolvente Geral, que é
composta pelos sistemas político, jurídico (legal), económico, tecnológico, ambiental e de
ordem sociocultural e demográfica. Esta envolvente afeta, embora não necessariamente em
igual grau, os diversos setores de atividade. Haverá setores que sobrevivem melhor a
períodos de crise, que vendam, por exemplo, bens essenciais, como haverá empresas que
vendem bens ou serviços de preço mais elevado e, por isso, mais afetadas pelo custo do

81
crédito, pelas taxas de juro. Contudo, relativamente a todas se colocarão questões como
estas:

‘Há estabilidade política ou, pelo contrário, há um risco de instabilidade governativa? Vive-se
num regime democrático consolidado? O ambiente é favorável aos negócios privados, mesmo
porventura de origem estrangeira? O país ou a região estão sujeitos a acordos de livre
comércio ou jurídicos que envolvam e se subordinem a instituições supranacionais? A
economia tem apresentado um nível e um ritmo de crescimento favoráveis? Qual o
rendimento per capita no país ou região? Há elevado desemprego? Mão-de-obra qualificada?
Estabilidade e convertibilidade da moeda? O crédito bancário e os juros facilitam o
endividamento? Qual o grau de desenvolvimento tecnológico e a cobertura da rede de
telecomunicações de última geração? Quais as metas ambientais e de que modo podem
condicionar a produção da empresa? Por fim, há aspetos de ordem religiosa ou no domínio
dos costumes, bem como demográficos, que possam restringir a atividade comercial e o
mercado potencial da empresa?’

O modelo que corresponde a uma análise sistematizada destes aspetos é comum designar-
se por MODELO PESTLE, em que a palavra PESTLE corresponde às iniciais dos fatores Políticos,
Económicos, Sociais (ou sociodemográficos), Tecnológicos, Legais e Ecológicos acima
referidos.

Passando, por sua vez, para um crivo mais fino, o da envolvente externa mais próxima da
empresa, restringida ao seu setor de atividade, a designada Envolvente Transacional, o
modelo mais difundido na literatura é o Modelo das Cinco Forças de Porter32.

O modelo de Porter pretende fornecer uma ferramenta para, de forma sistemática, analisar
um setor de atividade (uma indústria), pondo o foco na análise de cinco forças que podem
condicionar a intensidade da competição dentro desse setor de atividade, e
consequentemente a atratividade da mesma em termos de potencial geração de lucros. As
cinco forças (fig. 5.1) são:

32
Porter, Michael (1979), “How Competitive Forces Shape Strategy”, Harvard Business Review, March.
Porter, Michael (2008), “The Five Competitive Forces That Shape Strategy”, Harvard Business
Review, January.

82
a) O poder negocial dos clientes – Se o número de clientes for diminuto, e
eventualmente as encomendas de cada cliente tiverem um grande peso no conjunto das
vendas da empresa, então o seu poder negocial é maior podendo comprometer margens e
lucro da empresa. O caso extremo será o de uma atividade como a construção de obras
públicas em que o cliente possa ser só um, o Estado, constituindo um monopsónio. Por sua
vez, se os clientes num dado setor dispuserem de abundante informação sobre os produtos
e o mercado, então tenderão a exercer uma maior pressão ou escrutínio ou poderão mais
facilmente mudar de empresa fornecedora. Se, ao contrário, e por razões contratuais, de
canal de distribuição ou de ordem tecnológica, os custos de mudança de fornecedor por parte
dos clientes forem maiores, então maior será a força negocial da empresa.

b) A ameaça de produtos ou serviços substitutos – Nalgumas atividades os produtos


ou serviços podem sofrer a concorrência da oferta de outros sectores. Como exemplo pode-
se pensar em diferentes meios de transporte ou as próprias comunicações que podem
facilitar as reuniões por via remota, impactando negativamente o negócio das viagens de
trabalho.

c) O poder negocial dos fornecedores – também o grau de concentração dos


fornecedores e a dimensão média das encomendas podem indiciar uma dependência de
abastecimento e menores margens de lucro, donde uma menor atratividade do sector.

d) O potencial de entrada de novos concorrentes (barreiras à entrada) – Se houver


restrições de patentes, necessidades de capital elevadas ou o sector económico em causa
apresentar elevadas economias de escala, então as empresas existentes estão mais
protegidas de novos possíveis concorrentes. A questão das economias de escala afeta
sobretudo os novos concorrentes na medida em que por norma começarão produzindo
menos quantidades do que as empresas já existentes no sector. Poderá haver ainda a
imposição de barreiras por razões legais ou administrativas, como acontece por vezes com as
ordens profissionais e o acesso à profissão, ou aconteceu em Portugal antes do 25 de abril
com a Lei do Condicionamento Industrial, que protegeu o desenvolvimento de grandes

83
grupos empresariais nalguns sectores protegidos como a indústria química, a metalúrgica de
base e outras33.

e) A rivalidade interna no sector de atividade – A rivalidade interna depende do tipo


de mercado em presença, concorrencial ou concentrado num número restrito de empresas,
bem como no seu maior ou menor crescimento.

Após a análise a estas cinco forças competitivas, tendo como pressuposto que maiores lucros
advirão de uma menor competição entre as empresas e de uma maior proteção face a forças
externas, o grau de atratividade de um sector corresponderá à menor intensidade de cada
força competitiva.

Figura 5.1. Fatores determinantes no modelo de Porter

33
Decreto-Lei 46 666 de 24 de novembro de 1965 (consultar
https://dre.pt/application/conteudo/512247).

84
ii) Análise Interna

A análise interna visa olhar para as áreas da empresa ou organização, procurando entender
até que ponto estas podem ser consideradas competitivas face à concorrência, e quais podem
ser consideradas as principais forças (aspetos em que a empresa ou organização se revela
forte) ou fraquezas.

‘Por exemplo, na área produtiva, a empresa goza de tecnologia moderna, de acesso


abundante a matérias-primas ou energia a baixo custo, a localização adequada das
suas unidades fabris? Na área financeira, tem um baixo nível de endividamento e fácil
acesso a financiamento externo? Tem níveis de produtividade e competência elevados
da parte dos seus colaboradores? No marketing, tem acesso a canais de distribuição
eficazes, os clientes mostram um grau de satisfação e fidelização elevados? Quais as
capacidades de Investigação e Desenvolvimento da empresa ou organização?’

Estas são exemplos de questões que permitirão identificar em que áreas a empresa ou
organização poderá dispor de vantagens competitivas face aos seus rivais, nomeadamente
em termos de custos ou qualidades. Simultaneamente, deve-se de novo a Michael Porter34 o
desenvolvimento de um modelo de representação sequencial das atividades da empresa na
perspetiva da criação de valor para os clientes, começando no custo de aquisição das
matérias-primas e indo até ao custo do serviço de pós-venda dos seus produtos. Nessa análise
distinguem-se as atividades entre primárias, envolvidas na criação física do produto, venda,
distribuição e serviço pós-venda; e de suporte, que apoiam as primeiras nomeadamente no
fornecimento e planeamento dos recursos necessários ao funcionamento das operações (ver
fig. 5.2).

34
Porter, Michael E. (1985), “Competitive Advantage: Creating and Sustaining Superior
Performance”, New York., Ed. Simon and Schuster.

85
Figura 5.2. Modelo da Cadeia de Valor de Porter

iii) Análise SWOT

Identificadas na análise externa as principais oportunidades e ameaças que se abrem à


empresa, identificadas as suas principais forças (o que ela faz bem, de forma competente, em
termos absolutos e relativos, e em que áreas) e as suas fraquezas (debilidades absolutas e
relativas face aos rivais, o inverso das forças), é possível sumarizar essa informação numa
matriz que se designa precisamente por Matriz SWOT (Strengths, Weaknesses, Opportunities
and Threats), a qual permitirá refletir sobre a estratégia a formular para aproveitar
oportunidades futuras ou ultrapassar ameaças a partir das forças e fraquezas internas (fig.
5.3).

Figura 5.3. Matriz SWOT (a preencher cada um dos quadrantes)

86
5.1.3. Formulação da Estratégia

Feita a análise, passa-se à formulação da estratégia ou estratégias. Há essencialmente quatro


níveis em que se pode pensar. Se estivermos a lidar com um grupo empresarial, uma
corporação de empresas e negócios, o nível superior será o nível corporativo, que poderá
discutir quais os negócios em que a empresa está ou fará sentido vir a estar.

Passando ao nível inferior, será depois possível desenhar estratégias ao nível de cada área de
negócio. Pense-se, por exemplo, num grupo como a Sonae, que está presente na indústria
de aglomerados de madeira, na distribuição alimentar, nas telecomunicações, nas clínicas
médicas, e noutras áreas mais. A este nível, a questão que se coloca é a da identificação das
vantagens competitivas dentro de cada área, e de como competir: com base em preços
baixos, numa política de qualidade e preços mais elevados, ou focando-nos nalgum segmento
de mercado?

O terceiro nível será o funcional. Quando apresentámos a Demonstração de Resultados por


funções discriminámos, por exemplo, a função de marketing, a financeira, a fabril. A este nível
a formulação de uma estratégia será limitada a esse âmbito, de cada área funcional.

Por fim, o quarto e último nível corresponderá ao nível operacional, por exemplo de uma
fábrica ou unidade produtiva, ou até uma divisão de um dado departamento dentro da
empresa.

Não vamos explorar em detalhe o tipo de estratégias possíveis para cada um dos níveis acima.
Vamos simplesmente apresentar algumas estratégias ilustrativas e os respetivos modelos.

Nível corporativo: Concentração ou diversificação

Ao nível corporativo, um dos problemas determinantes em termos estratégicos será o de


privilegiar o crescimento através da diversificação das atividades ou, em alternativa, através
da concentração num negócio que se conheça bem e no qual se possua competências
reconhecidas. De certa forma, dois grandes grupos da distribuição alimentar em Portugal são
exemplos dessas duas vias: a Sonae privilegiando a diversificação em diferentes áreas, para

87
além da distribuição; e a Jerónimo Martins crescendo de forma concentrada. Por sua vez,
optando-se pela diversificação põe-se a questão de o fazer através de atividades relacionadas
ou não, privilegiando eventuais sinergias, mas aumentando o grau de risco, já que uma crise
poderá afetar toda uma fileira industrial.

Para análise de uma carteira (portfólio) de negócios no quadro corporativo, permitindo uma
visualização gráfica de forma compacta desta carteira, Bruce Henderson35, fundador da
Boston Consulting Group, lançou a Matriz BCG, a qual permite classificar os diferentes
produtos ou unidades de negócio de uma empresa em quatro quadrantes distintos, tendo
em conta dois eixos – o eixo da taxa de crescimento anual do mercado em que se insere o
produto ou unidade de negócio, e o eixo da posição da empresa em termos de quota de
mercado (fig. 5.4). Produtos com uma quota de mercado elevada e inseridos num mercado
em franco crescimento correspondem às ‘estrelas’ da carteira de negócios da empresa.
Idealmente, quando o mercado tender para a maturidade, e continuando com quotas de
vendas elevadas, transformar-se-ão a prazo em ‘vacas leiteiras’, com lucros grandemente
consolidados, podendo constituir-se como uma fonte de financiamento para futuros
investimentos da empresa nos setores emergentes. Um trajeto virtuoso, segundo o autor,
seria canalizar recursos gerados pelas ‘vacas leiteiras’ para investir e ajudar a conquistar
quota de mercado aos produtos ou negócios em crescimento, mas em que a posição relativa
de mercado da empresa é ainda baixa (‘pontos de interrogação’), por forma a que possam
tornar-se futuras ‘estrelas’. Por sua vez, os produtos classificados como ‘cão’ (designação
pouco feliz, adotada para substituir a original, pet, e que corresponde a ‘abacaxi’ na versão
brasileira) conhecerão um futuro maioritariamente destinado ao desinvestimento por parte
da empresa. Deve-se dizer, por fim, que este modelo reconhece a necessidade de as empresas
terem uma carteira de produtos com diferentes taxas de crescimento e quota de mercado,
embora privilegie a obtenção de quotas elevadas ou mesmo liderantes, sendo que nem
sempre esse objetivo traz um acréscimo de rentabilidade.

35
Henderson, B. (1970), “The Product Portfolio”, Boston Consulting Group, January 1

88
Figura 5.4. Matriz BCG (fonte: Henderson, 1970)

Outros modelos procuraram, por isso, uma representação alternativa mais robusta dos eixos
da matriz, como por exemplo a matriz GE-McKinsey (modelo também dos anos setenta do
século passado, que deve o nome à General Electric e à consultora McKinsey36). Esta matriz
tem como eixos a “atratividade da indústria” e a “força competitiva da unidade de negócio”,
sendo que cada eixo combina, através de uma média ponderada, um conjunto de variáveis.
A “atratividade da indústria” é determinada entre outras pela taxa de crescimento do
mercado, o tamanho do mercado, a intensidade da competição, e a rentabilidade da
indústria; a “força competitiva” usa nomeadamente a quota de mercado relativa, a reputação
da marca, e os custos relativamente aos dos concorrentes. A matriz é subdividida em 9 células
em vez das quatro da matriz BCG (fig. 5.5)

Figura 5.5. Matriz GE-McKinsey

36
Veja-se McKinsey & Company (2008), “Enduring Ideas: The GE–McKinsey nine-box matrix”.

89
Numa análise mais recente37, quadros da consultora BCG reconhecem que o modelo BCG
original deve ser visto hoje levando em conta uma muito maior velocidade de deslocação das
unidades de negócio entre os diferentes quadrantes da matriz, com a consequente
imprevisibilidade na gestão da carteira. Por outro lado, constatam a cada vez menor
probabilidade de um líder de mercado ser simultaneamente, e por inerência, o leader em
termos de lucros. Enfatizam, contudo, a relevância da análise das empresas enquanto
carteiras (portfólios) de negócios em diferentes fases de desenvolvimento. Dão como
exemplo a Google, com produtos maduros como a AdWords (Google Ads) e a Adsense na
gestão da publicidade, outros em crescimento acelerado como o sistema Android, e outros
emergentes como os ‘óculos’ Google Glass e o automóvel sem condutor.

Nível corporativo: Integração Vertical

Outra forma de expansão no quadro corporativo pode ser por integração vertical. Esta pode
ser a montante (backward vertical integration), por aquisição de um fornecedor ou início de
produção própria das matérias-primas usadas na produção. É algo que poderá permitir um
maior domínio sobre o abastecimento e uma eventual poupança nos custos dos inputs,
embora reduza a flexibilidade na escolha dos fornecedores e origine custos acrescidos de
investimento e controlo.

Por sua vez, a integração vertical a jusante (forward vertical integration) constitui a opção
pela aquisição de uma empresa distribuidora dos produtos da empresa ou pela constituição
de uma nova cadeia de distribuição própria, tendo como vantagem eventual uma maior
visibilidade perante os clientes, um maior controlo sobre a cadeia de distribuição, e a
absorção da margem de lucro dos distribuidores. Esta estratégia trará um maior esforço de
coordenação em toda a cadeia de valor da empresa.

37
Veja-se Reeves, M.; Moose, S.; Venema, T. (2014), “BCG Classics Revisited: The Growth. Share
Matrix”, Boston Consulting Group, June 4.

90
Estratégias competitivas ao nível do negócio

Passando para o nível inferior das unidades de negócio ou produto, podemos encontrar no
essencial três grandes estratégias38 ou, numa análise mais fina, cinco39. As três estratégias
base são a estratégia de baixo-custo (low-cost), a de diferenciação e a de foco. A primeira
assenta obviamente em conseguir custos de produção e distribuição mais baixos do que a
concorrência por forma a poder competir com preços mais baixos e dessa forma ganhar quota
de mercado. A segunda assenta na ideia de diferenciar os produtos ou serviços pela sua
qualidade ou qualquer (quaisquer) especificidade(s) no seu desemprenho que permitam
captar por essa via a preferência dos clientes. Por fim, a terceira estratégia competitiva
assenta em focar o esforço da empresa num segmento ou segmentos específicos de mercado
(de clientes) e dirigir a sua oferta essencialmente para este(s).

A classificação em cinco estratégias competitivas considera, por um lado, uma divisão da


estratégia low-cost em duas: uma de caráter generalizado, designada por overall low-cost
provider strategy; outra restringida a um nicho ou foco, e não a todo o mercado – focused
low-cost strategy. Por outro lado, também a estratégia de diferenciação é dividida em duas :
uma genérica – broad differentiation strategy; outra também de foco ou nicho – focused
differentiation strategy. Finalmente, é considerada uma estratégia que atenda ao valor
fornecido ao cliente face ao que ele paga pelos produtos (a relação qualidade-preço ou, em
inglês, value for the money). Esta estratégia é designada por best-cost provider. Tem sentido
nomeadamente em áreas como a da hotelaria, em que há uma usual classificação indicativa
das unidades hoteleiras que nos dão uma ideia do maior ou menor luxo das acomodações,
bem como da área e infraestruturas à disposição dos clientes. Esta classificação,
normalmente por estrelas, costuma significar diferentes níveis de preços. Ora, a satisfação
dos clientes é determinada pela perceção que eles têm da qualidade da unidade hoteleira e
dos seus serviços, mas também do confronto entre essa perceção e as expetativas prévias.

38
Veja-se, por ex., Porter, M. (1980), “Competitive Strategy: Techniques for Analyzing Industries and
Competitors, New York: The Free Press; Daft, Richard L. (2018), “Management”, 13th. edition,
Cengage Learning.
39
Veja-se Thompson, A.; Peteraf, M.; Gamble, J.; Strickland, A. (2016), “Crafting & Executing
Strategy: The Quest for Competitive Advantage: Concepts and Cases”, McGraw-Hill Education, 20th
Edition.

91
Assim, quem aluga um quarto numa unidade de 3 estrelas não espera um conforto de 5
estrelas, contudo, se a unidade de 3 estrelas consegue proporcionar um conforto percebido
superior à sua classe, entende-se que se está perante um caso de valor elevado para aquilo
que é pago, e que a estratégia perseguida pela unidade hoteleira possa ser a best-cost
provider.

5.2. Marketing

Associável à gestão das organizações numa perspetiva estratégica, o marketing constitui-se


como uma atividade fundamental na busca de criar produtos, divulgá-los e distribuí-los, por
forma a corresponder às necessidades dos clientes ou utilizadores, eventualmente
antecipando até novas utilizações ou tendências. Nesse sentido, entender a importância
crescente do marketing nas nossas vidas e conhecer alguns conceitos fundamentais desta
área da gestão permitirá entender melhor as atividades de grandes empresas tecnológicas
atuais, como a Google, que na informação que acompanhava a sua entrada em bolsa (Oferta
Pública Inicial de ações) referia: “Começámos como uma empresa de tecnologia e evoluímos
para uma empresa de software, tecnologia, Internet, publicidade e media, tudo em um”.40

A crescente importância do marketing na gestão global das empresas e organizações pode


também ser constatada se atendermos à forma como tem evoluído a abordagem das
empresas ao mercado e o respetivo foco:

i) Conceito de Produção – Nesta abordagem entende-se que os consumidores


privilegiam produtos largamente disponíveis e baratos. É uma ideia que corresponde também
ao início da produção industrial em massa. Nesta perspetiva, o foco da gestão está no
aumento da eficiência do processo produtivo e na produção em massa;

ii) Conceito do Produto – O entendimento de que o preço não é o único determinante


na procura, e de que os consumidores preferem e estão dispostos a pagar mais por produtos

40
Extraído de Auletta, K. (2009), “Google, o fim do mundo como o conhecemos”, Civilização Editora
(título original: Googled).

92
com melhor qualidade, desempenho e inovação, levaram a uma mudança do foco das
empresas para os seus produtos, independentemente da produção em massa;

iii) Conceito da Venda – Nesta abordagem realça-se a importância da força de vendas


para fomentar o impulso comprador dos consumidores, nomeadamente em produtos menos
considerados por estes para aquisição, como, por exemplo, os seguros;

iv) Conceito de Marketing – É a reversão do foco do produto para o consumidor. Com


a possibilidade de recolher enormes quantidades de informação sobre os consumidores ou
potenciais consumidores, com a flexibilização da produção, que permite personalizar a oferta
de produtos ou serviços, ou, no mínimo, apresentar inúmeras variantes para escolha pelos
consumidores, a ênfase passa a ser dada às (diferentes) necessidades destes e à sua
satisfação;

v) Conceito de Marketing Social – O foco continua a ser nos consumidores, mas existe
uma preocupação responsável com as consequências do consumo, quer para os
consumidores quer para a sociedade, em termos, por exemplo, da saúde daqueles e da
preservação do ambiente.

5.2.1. Segmentação, Targeting e Posicionamento

Os dois aspetos que acima referimos – flexibilização da produção e possibilidade de recolha


de grande volume de informação sobre os consumidores – levaram as empresas a poder
encarar o seu mercado de forma diferenciada ou segmentada, por oposição à abordagem
indiferenciada ou de massas. Podendo dedicar-se só a algum(ns) grupo(s) de consumidores,
a alguns segmentos de mercado, ou, mesmo que procurando servir toda a procura, fazendo-
-o com variantes da oferta ajustadas aos diferentes segmentos, as empresas passaram a
adotar o marketing diferenciado como tendência dominante, com reflexos positivos ao nível
da receita das empresas.

Os princípios da diferenciação assentam em três eixos ou dimensões:

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Segmentação

Em primeiro lugar, e como referimos, encontrar grupos de consumidores (segmentos) com


semelhanças entre si, distintos, por assim dizer, dos restantes segmentos de mercado. A
segmentação faz-se, por norma, ou pelas características dos consumidores ou pelo seu
comportamento.

I) Segmentação por características dos consumidores


A segmentação por características dos consumidores pode ser feita atendendo, por exemplo,
a aspetos geográficos (país ou região dos consumidores, dimensão dos agregados
populacionais em que residem, densidade populacional, clima, etc.). Muitas vezes é também
feita tendo em atenção as características demográficas, como a idade, o género, a dimensão
e ciclo de vida da família (exs: jovem solteiro, recém-casado sem filhos, casado com filhos
adultos), ou o rendimento, a religião, a etnia ou nacionalidade dos consumidores. Pode ainda
ter por base a segmentação psicográfica, associada a aspetos psicológicos, e que se
expressam nos valores, atitudes e estilo de vida que estes possam adotar, expressando-se,
por exemplo, na paixão por atividades ao ar livre ou de caráter mais radical ou aventureiro,
sendo por isso objeto da atenção de empresas da área do turismo e do lazer, ou da oferta de
vestuário e equipamento desportivo. Realce-se também aqui a maior sensibilidade de certos
consumidores por um consumo que seja sustentável e socialmente responsável, e pela
rotulagem ecológica. É claro, por fim, que podem existir segmentos que podem ser definidos
por atributos pertencentes a mais do que uma daquelas classes de segmentação.

II) Segmentação por comportamento dos consumidores


A segmentação por comportamento dos consumidores compreende diversos motivos. É o
caso da segmentação por ocasiões, em que, consoante a ocasião, os consumidores revelam
diferente comportamento, justificando eventualmente um diferente preço ou características
do produto. Veja-se, por exemplo, a procura de viagens de avião, normalmente diferenciada
em lazer e negócios. Relativamente à primeira, esta última está disposta a pagar um preço
mais elevado, apresenta menos flexibilidade nas datas da viagem, e valoriza mais um serviço
de qualidade.

94
Outra forma de segmentar a procura quanto ao seu comportamento pode ser a diferença
quanto aos benefícios pretendidos. Há grupos de consumidores que privilegiam a qualidade
do produto, outros o serviço e a assistência, outros a economia na utilização, outros a
velocidade ou a estética, por exemplo. É o caso da decisão de aquisição de um automóvel.
Obviamente que os construtores de automóveis procuram moldar a sua oferta de forma a
servir estas diferentes preferências.

Temos neste grupo também a segmentação por grau de lealdade à marca (de nula a total,
quando o cliente só consome produtos dessa marca). A lealdade é muitas vezes incentivada
com cartões de fidelização, um instrumento do designado marketing relacional que oferece
diferentes vantagens aos clientes fiéis. E para além da fidelização, temos a taxa de utilização
do produto, desde a não utilização, à utilização ocasional, média ou intensiva. Esta
segmentação pode estar presente na oferta de produtos e é evidente, por exemplo, nas lojas
de desporto. Por fim, podemos referir a segmentação por estado de prontidão, que distingue
entre pessoas não conscientes da existência do produto e dos seus benefícios, até aqueles
conscientes, mas pouco informados, ou os conhecedores e com interesse e intenção de
compra do produto. Esta segmentação pode fazer muito sentido em produtos da área da
saúde e em quaisquer produtos inovadores.

Targeting

Analisados os vários segmentos considerados relevantes para a estratégia de marketing da


empresa, pôr-se-á a questão de escolher os segmento-alvo a que a empresa irá dirigir a sua
oferta. Podemos distinguir o marketing concentrado num só segmento, uma especialização
seletiva num grupo de segmentos-alvo, ou a cobertura total do mercado, nomeadamente no
caso de um produto de grande consumo.

Posicionamento

Havendo vários segmentos de mercado é natural que o que os atributos do produto


importantes para um grupo, o não sejam para outro. Quem procura um carro desportivo
valorizará uma mensagem que sublinhe os aspetos do desempenho ou estilo da viatura e não

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tanto a sua capacidade de transporte ou funcionalidade. Dessa forma, o posicionamento em
marketing foca-se na importância a dar pelas empresas aos atributos do seu produto que se
sabe serem mais relevantes para o segmento em causa (desempenho, durabilidade,
fiabilidade, estilo, etc.). Simultaneamente, pode passar por características diferenciadoras em
serviços associados (entrega, instalação, formação, reparação, etc.); pela atitude do pessoal
da empresa (competência, cortesia, boa comunicação, imagem, etc.); ou ainda pela imagem
geral dos produtos, das lojas ou da empresa, presente também muitas vezes na
documentação e comunicação associadas, ou até no tipo de eventos que patrocina, como
acontece nos festivais de música patrocinados pelas operadoras de telecomunicações com o
fito de atrair clientela jovem.

5.2.2. O Marketing Mix

O conjunto de elementos ou instrumentos de que as empresas dispõem para poder atingir


o(s) seu(s) mercado(s)-alvo constitui o designado Marketing Mix, abrangendo o Produto, o
Preço, a Distribuição e a Comunicação:

Produto
A oferta de produtos pelas empresas compreende uma variedade de tipos. O produto pode
ser um qualquer bem físico (um refrigerante, um computador, ...), um serviço (consultoria,
hotelaria, docência, consulta médica, ...), um evento (festival de música, espetáculo
desportivo, ...), um local (Algarve, Lisboa, Douro, Sintra, ...), uma pessoa (atleta, músico,
político, ...), informação e ideias (investigação, bases de dados, consultoria, ...).

De entre os vários tipos de produtos, importa adestacar as características distintivas dos


serviços. A primeira característica é a intangibilidade. Um serviço é por norma intangível,
intocável, embora possa ser materializado em produtos físicos tangíveis como acontece na
hotelaria. O segundo aspeto é o da inseparabilidade ou simultaneidade. Uma consulta
médica ou um corte de cabelo, por exemplo, correspondem à produção e ao consumo do
serviço em simultâneo. Os serviços são ainda por norma objetos de heterogeneidade. A
qualidade de uma consulta médica ou de uma aula, por exemplo, variam com o médico ou
docente, e ainda que com a mesma pessoa podem variar com uma série de circunstâncias, o

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que não é usual acontecer com bens físicos industrializados. Por fim, a última característica a
sublinhar refere-se à perecibilidade. Esta característica tem forte impacto nas receitas das
empresas. Uma viagem de avião ou uma refeição com o avião ou a sala do restaurante meios
vazios são irremediáveis, não se pode armazenar o serviço para consumir mais tarde. São
perecíveis, embora alguns tipos de bens físicos também o sejam ao fim de algum tempo, como
acontece com os produtos alimentares.

Resta apontar quanto aos produtos, as fases do seu ciclo típico de vida, similares aos das
pessoas: desenvolvimento, introdução, crescimento, maturidade e declínio (fig. 5.6).

Figura 5.6 Ciclo de vida dos produtos

Preço
O preço é outro elemento do marketing. Sendo obviamente função dos custos da empresa,
no sentido em que o custo será sempre um limite mínimo na fixação do preço, por forma a
limitar prejuízos, ele poderá variar até ao máximo valor percebido pelos clientes, o valor que
estes possam atribuir ao produto em causa.

Deve também ser claro que é necessário haver coerência na política de marketing, e o preço
tem que corresponder ao posicionamento e às características do produto. Assim, o preço de
um produto já existente atenderá aos preços da concorrência, à fase da vida dos produtos, e
a outros elementos como a clientela a quem se destina. Por outro lado, produtos novos

97
conhecem sobretudo duas estratégias conhecidas: desnatação e penetração. A primeira diz
respeito a produtos como televisores ou telemóveis, em que o preço é mais elevado nos
primeiros tempos, para beneficiar da pressa na aquisição pelos consumidores que gostam de
ter sempre os últimos modelos, as últimas tecnologias. Após esse período inicial, o preço
baixará para os consumidores comuns. A penetração é uma prática distinta desta, mais
comum em bens de consumo e em marcas que pretendem ganhar quota de mercado com
alguma rapidez, e que assim começam por praticar margens de lucro mínimas, com preços
baixos que mais tarde subirão após atraírem clientes fiéis.

Mas estabelecer o preço inicial de um produto é algo que não o deixa imutável, os preços vão
variando com a vida do produto e as diferentes ocorrências do dia a dia. Sublinhemos algumas
das adaptações ao preço mais conhecidas:

i) preços promocionais – baixa de preço normalmente temporária, para ocorrer a


acontecimentos ou épocas especiais (saldos, por exemplo) ou para atrair clientes para as
lojas, onde comprarão também, espera-se, outros produtos com margens de lucro normais
ou superiores. Designam-se estes últimos casos por loss leaders, no caso de serem um
chamariz de vendas e de o preço ser tão baixo que pode trazer perdas nesse produto
específico;

ii) preços discriminatórios – neste caso há preços diferenciados, por exemplo, pela idade,
como nos casos dos transportes públicos ou dos espetáculos, ou pela data e hora, como
acontece nas salas de cinema;

iii) preços de gama – há um preço dominante por gama ou linha de produtos, com pequenas
variações modelo a modelo;

iv) desconto dobre o preço base – há neste caso um preço-base e o desconto sobre o mesmo
pode ter várias razões, como seja a antecipação do pagamento, a maior quantidade
comprada, ou um estímulo às vendas de um retalhista.

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Distribuição
A distribuição é a terceira variável do marketing mix e visa fazer chegar os produtos
atempadamente aos clientes, em condições de rentabilidade e eficácia. Os circuitos de
distribuição podem ter diferentes níveis:

i) marketing direto (nível zero) – venda direta do produtor ao consumidor;


ii) um nível – produtor-retalhista-consumidor;
iii) dois níveis – produtor-grossista-retalhista-consumidor
iv) três níveis – produtor-distribuidor-grossista-retalhista-consumidor.

Por sua vez, o número de intermediários, mais restrito ou mais numeroso e vulgarizado,
define se uma distribuição é exclusiva (restrita, como nos produtos de luxo, por exemplo);
seletiva (num número limitado de lojas, como acontece com alguns equipamentos de alta-
fidelidade); ou intensiva (distribuição ampla como acontece, por exemplo, com a grande
maioria dos produtos alimentares). Finalmente, hoje não se pode ignorar a importância cada
vez maior das vendas online e do e-commerce.

Comunicação
A comunicação é o elemento do marketing mix que se reporta à forma de fazer passar a
mensagem aos potenciais compradores e ao mercado em geral com informação sobre os
produtos em venda e com estímulos, mais ou menos subliminares, ao consumo. Pode revestir
diferentes formas, nomeadamente:

i) Publicidade – a publicidade é uma forma de comunicação não pessoal muito conhecida que
pode ser feita em diferentes meios de comunicação social (jornais, revistas, rádio, televisões,
etc.) ou até em outdoors na via pública. Por norma está identificada como sendo uma forma
de comunicação paga;

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ii) Promoção de Vendas – a promoção de vendas refere-se a incentivos à compra ou à
experimentação de carácter temporário, usualmente com baixa de preço dos produtos;

iii) Força de vendas – a força de vendas corresponde a ter uma equipa de vendedores que
através da interação pessoal com os potenciais compradores tenta estimular a compra;

iv) Marketing Direto –trata-se do uso do telefone, correio ou e-mail para contacto direto com
clientes específicos, atuais ou prospetivos;

v) Online, social media e mobile marketing – uso destes meios de comunicação (internet,
telemóveis, redes sociais) para, de forma mais ou menos interativa, com aplicações mais ou
menos sofisticadas, envolver clientes presentes e futuros;

vi) Relações Públicas – promoção da imagem da empresa ou de produtos através do recurso


a meios ou pessoas selecionadas;

vii) Eventos e experiências – patrocínio a atividades ou eventos como festivais de música,


exposições de arte, ou concursos e prémios, por exemplo, para promover a imagem da
empresa ou de um produto.

Em relação com o meio de comunicação escolhido, importa mencionar, por fim, a existência
de duas grandes estratégias de comunicação e relacionamento envolvendo os produtores, os
intermediários e o consumidor final. Nas estratégias de tipo pull (puxar), o produtor usa, por
exemplo, campanhas publicitárias como forma de se dirigir diretamente ao consumidor final,
levando-o a solicitar o produto aos intermediários (aos retalhistas e destes aos grossistas e
distribuidores). Só marcas bem conhecidas do público podem seguir com êxito esta
estratégia. Por outro lado, nas estratégias de tipo push os produtores empenham-se na
promoção dos produtos junto dos intermediários, com baixa de preços e incentivos ao
retalho, usando ainda a sua força de vendas por forma a aumentar as encomendas e a chegar
com mais destaque ao consumidor final (por exemplo, uma editora usa os seus vendedores
para pressionar as livrarias, com espaço de prateleiras reduzido, a colocarem os seus livros
em destaque nas estantes).

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