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O DIREITO DA MULHER NO AFEGANISTÃO APÓS A RETOMADA DE PODER

DO TALIBÃ (2021): UMA ANÁLISE SOB O PRISMA DEMOCRÁTICO DE ROBERT


DAHL

WOMEN’S RIGHTS AFTER THE TALIBAN RETURN TO POWER (2021): AN


ANALYSIS UNDER THE DEMOCRATIC PRISM OF ROBERT DAHL

Bianca Rebeca Cavalcante Aquino1

Sara de Oliveira Alencar2

Disciplina de Teoria Política Contemporânea

Universidade Estadual da Paraíba – Campus V

João Pessoa – Paraíba – Brasil

RESUMO: A proposta deste artigo é analisar historicamente os caminhos percorridos pela


política no Afeganistão, sob influência da organização nacionalista Talibã e o impacto que a
mesma teve sobre os direitos das mulheres no território, fazendo uma correlação entre este
panorama e a perspectiva democrática de Robert Dahl.

PALAVRAS-CHAVE: Afeganistão; Direitos das Mulheres; Talibã; Democracia; Robert


Dahl.

ABSTRACT: The purpose of this article is to historically analyze the paths taken by politics
in Afghanistan, under the influence of the Taliban nationalist organization and the impact it
had on women's rights in the territory, making a correlation between this panorama and the
democratic perspective of Robert Dahl.

KEY-WORDS: Afghanistan; Women's Rights; Taleban; Democracy; Robert Dahl.

1
bianca.aquino@aluno.uepb.edu.br
2
sara.alencar@aluno.uepb.edu.br
CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O Afeganistão tem marcado em sua história a instabilidade e o conflito, sendo alvo de


muitas tentativas de ocupação, sob a ideia de invasão para a melhoria das condições sociais
dos cidadãos. Houve uma vaga mudança na vida dos afegãos quando os Estados Unidos
invadiram o país. Entretanto, nenhum dos problemas, de fato, teve fim. Dessa forma, o Talibã
retomou o poder em 2021. Consequentemente, todos os direitos conquistados nos 20 anos de
ocupação dos Estados Unidos foram perdidos. As maiores vítimas do Talibã são as mulheres,
que sofreram de 1996 até 2001 e voltam a sofrer novamente, com a nova ocupação do Talibã,
tendo todos os seus direitos ignorados.
Robert Dahl é conhecido pela sua contribuição na formação do conceito de
democracia, onde ele disserta que, para uma democracia existir, é necessário, no mínimo, a
contínua responsividade do governo para com os seus cidadãos, garantindo os seus direitos de
igualdade, de participação e de contestação pública. Entretanto, Dahl afirma que não há
nenhuma democracia completa em nenhum país atualmente, havendo apenas poliarquias, que
são modelos de Estado que chegam próximo às democracias.
Este artigo tem o principal objetivo de relacionar a perda de direito das mulheres no
Afeganistão após a retomada de poder do Talibã com o modelo de democracia de Robert
Dahl, com o propósito de provar que o Afeganistão não é um Estado democrático, sobretudo
com as mulheres. Sendo assim, o artigo está dividido em três partes, em que a primeira parte
consta a dissertação sobre o modelo de democracia de Dahl e os seus requisitos. A segunda,
traz o contexto histórico de conflitos do Afeganistão e como o Talibã conseguiu dominar
aquela área. E, por fim, a terceira, há a dissertação sobre a vida atual das mulheres no domínio
do Talibã, correlacionando-a com os requisitos de democracia de Robert Dahl.

1. A DEMOCRACIA SEGUNDO ROBERT DAHL E OS SEUS REQUISITOS

De origem grega, a ideia de democracia é algo que está presente na vida da maioria
das pessoas atualmente. Norberto Bobbio define a democracia como “um conjunto de regras
de procedimento para a formação de decisões coletivas, em que está prevista e facilitada a
participação mais ampla possível dos interessados”. (BOBBIO, 2009, p. 22). Entretanto, será
que apenas a formação de decisões coletivas define uma democracia? Absolutamente não.
Devido à sua dificultosa aplicação, vários intelectuais estudaram e estudam sobre a
democracia. Robert Dahl3 foi um dos autores que revolucionou o conceito de democracia na
história da ciência política. Dahl define que uma das mais importantes características da
democracia é “a contínua responsividade do governo às preferências de seus cidadãos,
considerados como politicamente iguais” (DAHL, 1971, p.25). Entretanto, ao analisar sobre
este conceito, o escritor afirma que não existe democracia em nenhum lugar do mundo atual,
mas sim a poliarquia. Para Dahl (1971, p. 31), as poliarquias são sistemas relativamente
democráticos, em que os regimes foram abertos para a contestação pública. Para ele, as ideias
da democracia devem ser usadas como base para essas poliarquias:

A esta altura, não devemos nos preocupar em saber se este sistema realmente existe,
existiu ou pode existir. Pode-se, seguramente, conceber um sistema hipotético desse
gênero; tal concepção serviu como um ideal, ou parte de um ideal, para muita gente.
Como sistema hipotético, ponto extremo de uma escala, ou estado de coisas
delimitador, ele pode (como um vácuo perfeito) servir de base para se avaliar o grau
com que vários sistemas se aproximam deste limite teórico. (DAHL, 1971, p. 26)

Através disso, Dahl trouxe requisitos mínimos para um país ser de fato democrático.
São três condições: “1. De formular suas preferências; 2. De expressar suas preferências a
seus concidadãos e ao governo através da ação individual e da coletiva; 3. De ter suas
preferências igualmente consideradas na conduta do governo.” (DAHL, 1971, p.26).
Entretanto, para que estas três condições existam, o governo tem que possibilitar oito
garantias para os seus cidadãos, que são:

1. Liberdade de formar e aderir a organizações; 2. Liberdade de expressão; 3. Direito


de voto; 4. Elegibilidade para cargos públicos; 5. Direito de líderes políticos
disputarem apoio (5a. Direito de líderes políticos disputarem votos); 6. Fontes
alternativas de informação; 7. Eleições livres e idôneas; 8. Instituições para fazer
com que as políticas governamentais dependam de eleições e de outras
manifestações de preferência. (DAHL, 1971, p.27)

Estes requisitos são feitos para que os regimes possam ser usados como uma forma de
parâmetro de análise ou uma escala. A partir disso, existem as seguintes definições:
hegemonias fechadas, hegemonias inclusivas, oligarquias competitivas e poliarquias. Sendo
as hegemonias fechadas o tipo de regime mais longe dos ideais democráticos e as poliarquias
o tipo de regime mais próximo destes ideais. Segundo a pesquisa da Economist Intelligence
Unit (EIU)4, a Noruega é o país mais próximo do ideal democrático, sendo assim, uma

3
Robert Dahl (1915-2015) foi um renomado cientista político norte-americano, responsável pela fundação da
escola behaviorista nas ciências políticas. Se destacou, dentre muitos outros fatores, pelo seus pensamentos sobre
a democracia contemporânea, sendo assim, um dos principais pensadores sobre o assunto. Além disso, Dahl é o
criador do conceito de Poliarquia.
4
A new low for global democracy - The Economist, Publicado em: 09/02/2022- Acessado em: 02/12/2022 às
11:52.
poliarquia. Enquanto o Afeganistão é o país menos democrático do mundo, e se encaixa no
perfil de uma hegemonia fechada.

2. CONTEXTO HISTÓRICO DOS CONFLITOS DO AFEGANISTÃO

O território do Afeganistão está localizado no Oriente Médio, com uma população


predominantemente islâmica. O país é palco de guerra há 40 anos e tem uma enorme
influência na geopolítica do século XXI. Após a Segunda Guerra Mundial, Estados Unidos e
União Soviética saíram do conflito como grandes potências econômicas e ideológicas5. A
primeira, de cunho capitalista, e a segunda, de cunho socialista. Ambas as potências
desejavam expandir suas ideologias e aumentar o seu poder em escala mundial. Portanto,
surgiu um novo conflito: a Guerra Fria. Neste embate, as estratégias utilizadas por esses
países era a de dominar o máximo de territórios possíveis, implementando a sua ideologia.
Era extensa a lista de países que sofreram com essa dualidade, inclusive o Afeganistão, que
sofre, até os dias atuais, com as consequências deste embate.
O ponto de partida para toda essa história tem o seu início em 1973, quando o
comunista Mohammed Daoud Khan, através de um golpe de estado, tenta instaurar uma
república no país. Khan se ligou a marxistas extremamente radicais, que, após um período,
ficaram descontentes com o seu posicionamento conservador. Em 1978, ele foi deposto e
assassinado por membros comunistas do Partido Democrático Popular. Este episódio ficou
conhecido como o início da Revolução Saur6. Na continuação dessa revolução, Nur
Mohammed Taraki foi o novo presidente e se empenhou a implementar reformas extremas
socialistas, se alinhando, assim, ao governo da União Soviética. Consequentemente, isso não
agradou a grupos afegãos que comandavam no interior do Afeganistão e, a partir disso, esses
grupos da oposição começaram a ser financiados por países que eram contra o comunismo,
como o Paquistão, o que deu início a uma guerra civil no país. Quando este fortalecimento
dos grupos de oposição foram notados, a URSS iniciou o seu trabalho de financiar ainda mais
o governo local, e, logo em seguida, os Estados Unidos se juntou ao Paquistão para financiar
os grupos armados. Após outro golpe de estado, Taraki foi assassinado, e Hafizullah Amin
ascende como novo governante do Afeganistão. Entretanto, o governo de Amin foi ainda mais
instável, durando apenas três meses. Após este episódio, a União Soviética iniciou sua política
5
José Saraiva explica: “O curso das duas décadas que vinculam o ano de 1947 ao de 1968, no âmbito das
relações internacionais, foi ditado pela supremacia de dois gigantes sobre o mundo. Os Estados Unidos e a União
Soviética assenhorearam-se dos espaços e criaram um condomínio de poder que só foi abalado no final da
década de 1960 e início da de 1970” .
6
Operação Ciclone: o papel dos EUA na criação do Talebã- BBC News Brasil, Publicado em: 30/08/2021 -
Acessado em: 29/11/2022 às 14:20.
de intervenção, e em dezembro de 1979, invadiu o Afeganistão com as suas tropas.
Logicamente, o mundo condenou o ato do estado soviético e, a partir disso, vários grupos
armados e milícias – como o Talibã e a Al-Qaeda - foram financiados pelos Estados Unidos,
Paquistão e Arábia Saudita para lutar contra as tropas soviéticas. Em 1989, já enfraquecida, a
URSS retira as suas tropas e sai do país. Consequentemente, este ato ocasionou outra guerra
civil entre os vários grupos armados para liderar o país. Em 1996, o Talibã invade a capital,
Cabul, e assume o poder do país, durando de forma hegemônica até 2001.
Com uma interpretação extremamente radical do Alcorão, o Talibã governou durante
esses cinco anos através de uma ditadura – definida por Robert Dahl como uma hegemonia
fechada -, em que não havia o exercício dos direitos básicos, como rir em público. Tanto
homens, quanto mulheres, sofreram com as repressões desse grupo. Entretanto, as mulheres
foram as mais afetadas pela posse de poder desse movimento extremista. Direitos básicos
como exercer uma profissão, estudar etc, foram cerceados. Em seu livro “Mulheres de Cabul”,
a fotógrafa e jornalista Harríet Logan transcreve a fala de uma afegã acerca do governo do
Talibã em 1997:

Estamos muito tristes. As mulheres não estão indo à escola e não sabem se poderão
retomar suas vidas. No início, ouvimos boatos de que os Talebans eram pessoas
boas. Mas não conhecíamos as leis deles. Quando soubemos que teríamos de usar as
burkhas, choramos - todas nós. Ao cobrir meu rosto com a burkha pela primeira vez,
tive vergonha. Me senti injustiçada - eu já não tinha a mesma liberdade das mulheres
de outras partes do mundo. (LOGAN, 2021, p. 33)

Em meio à tanta repressão, na época, usar maquiagem era uma forma de resistência e
de desobediência às ordens do governo opressor, mesmo sabendo das suas possíveis
consequências:

Para Marina, usar maquilagem era um símbolo de resistência às restrições que lhe
foram impostas. Os talebans, no entanto, eram severos em suas punições, e diz-se
que cortavam os lábios das mulheres que eram descobertas usando batom. (LOGAN,
2021, p 36)

Entretanto, na manhã de 11 de setembro de 2001, terroristas da Al-Qaeda – um dos


grupos financiados por países como os Estados Unidos para enfrentar a URSS no período de
1979 a 1989 – sequestraram quatro aviões dos Estados Unidos, sendo dois deles
encaminhados para a derrubada do World Trade Center7, gerando assim milhares de mortos.
Consequentemente, George W. Bush8 acusou o Talibã de abrigar e formar terroristas no
território do Afeganistão, pois acreditava que o líder da Al-Qaeda, Bin Laden, estava no
7
11 de setembro: as 2 causas científicas para queda das torres do World Trade Center - G1 Globo,
Publicado em: 08/09/2021 - Acessado em: 30/11/2022 às 12:34.
8
Presidente dos Estados Unidos de 2001 a 2009.
território. Em 7 de outubro de 2001, tropas americanas invadem o Afeganistão, e inicia-se
um longo conflito de 20 anos. Um dos maiores objetivos dos Estados Unidos era de
reconstruir o Afeganistão. A partir disso, vários direitos foram reconquistados, e em 20 anos
as mulheres conseguiram conquistar direitos básicos – mesmo ainda faltando muito para
essas mulheres alcançarem uma vida digna – como o de trabalhar, frequentar escolas, andar
nas ruas livremente etc.
Contudo, o dia 15 de agosto de 2021 ficou marcado como o dia da volta do Talibã ao
poder na capital de Cabul. Com a reconquista de sua hegemonia, também regressou o medo
dos milhões de habitantes do país, especialmente o das mulheres. Todos os sacrifícios feitos
por elas durante vinte anos para conquistar o básico foram descartados, mesmo o Talibã
declarando mais flexibilidade quanto aos direitos dessas mulheres, e que será tudo feito
através do Alcorão. Entretanto, o movimento é conhecido pela sua maneira radical de
interpretar o livro, clarificando que a luta das afegãs irá perdurar.

3. AS MULHERES NO AFEGANISTÃO APÓS A RETOMADA DE PODER DO


TALIBÃ

Conforme citado, logo em seguida à retirada das tropas militares estadunidenses e seus
aliados da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) do território afegão, o
movimento extremista Talibã retomou o poder. Como já presenciado anteriormente pela
população, o retorno do grupo ao comando de territórios do Afeganistão é uma ameaça aos
direitos básicos dos habitantes, e, principalmente, às mulheres.
A vida de mulheres e meninas afegãs mudou drasticamente em consequência desse
regime do Talibã, que retomou o poder em Agosto de 2021. Mudanças na educação, nas
formas de vestir, na mobilidade, no âmbito profissional são apenas algumas das leis impostas
pelo regime sobre as mulheres. Acusadas de “corrupção moral”, mulheres que saem
desacompanhadas por um homem da família correm o risco de serem detidas. Portanto, uma
mulher, se não acompanhada de um marido, irmão, ou pai, por exemplo, podem ser levadas e
aprisionadas. Entretanto, não de maneira arbitrária. Muitas das vezes essas mulheres são
espancadas, sofrendo abusos e maus-tratos. A extensa lista de restrições impostas
impossibilita que essas mulheres tenham uma vida cidadã comum, sem medos ou riscos.
Segundo Guillermo O’Donnell9 acerca da democracia:

9
Cientista político argentino que escreveu sobre o autoritarismo, processos de transição para a democracia e o
Estado burocrático.
A democracia, por seu turno, introduziu, muito antes do liberalismo e do
republicanismo, uma outra novidade radical e contra-intuitivo: a de que ela não é
apenas um governo para, mas também de e, ainda que na prática de forma incerta,
por aqueles que de algum modo são membros de uma dada sociedade política.
(O'DONNELL, 1998, p. 34)

Sob essa ótica, é notável a diferença entre as formas de governo de países com um
certo grau de democracia - poliarquias, segundo Dahl - e o Afeganistão. Enquanto que, em
outros territórios, mesmo que não de forma plena, as mulheres tenham um governo por elas,
garantindo liberdade para estudarem, trabalharem com aquilo que desejarem, usarem as
roupas que quiserem, as mulheres afegãs sofrem com o abandono governamental, devendo
cobrir seus rostos e corpos, e são impossibilitadas de frequentar lugares públicos como
parques, jardins10, escolas e até mesmo impedidas de trabalhar. As apresentadoras de TV do
Afeganistão, obrigadas pelo Talibã, devem usar hijabs, para cobrir rosto e cabelos durante
toda a transmissão. Além disso, o Ministério da Educação do país impossibilitou a entrada de
meninas na escola. Não somente, algumas universidades afegãs reabriram para recebimento
de mulheres, mas com segregação de gênero. Mulheres e homens devem frequentar a
universidade em horários diferentes, e com o uso obrigatório do hijab pelas primeiras. Ou
seja, atividades básicas que qualquer cidadão deveria ter direito de exercer, as mulheres
afegãs são impedidas de fazê-lo, além de que elas também não têm representação política11
nas tomadas de decisão do Estado. Ou seja, os requisitos mínimos abordados por Dahl e
citados anteriormente, como a liberdade de formular preferências e aderir a organizações, não
estão presentes no Estado afegão. Estas são algumas das notáveis sanções vividas pelas
mulheres no Afeganistão, mas há ainda casos muito mais graves.
Devido às inúmeras crises econômicas e humanitárias, milhares de pessoas têm
passado fome no país. Como forma de tentar alimentar seus filhos e não morrerem de fome,
muitos pais forçam suas filhas a se casarem, em troca de um dote. Além disso, o casamento
também é uma maneira de escape e proteção. Muitas mulheres e meninas são raptadas por
Talibãs e submetidas à cerimônia forçadamente. Por isso, os pais, com a finalidade de
proteger suas filhas, casam as mesmas até com membros da própria família. Em uma matéria
publicada pelo jornal G1, em julho de 2022, a integrante da ONG Anistia Internacional12,

10
Talibãs proíbem entrada de mulheres afegãs em parques e jardins de Cabul - G1 Globo, Publicado em:
12/11/2022 - Acessado em: 30/11/2022 às 13:51.
11
A administração Talibã dissolve o Ministério dos Assuntos da Mulher, e o substitui pelo Ministério da
Promoção da Virtude e da Prevenção do Vício, conhecido pela “polícia da moralidade”, que costumava espancar
mulheres que eram vistas nas ruas sem o acompanhamento de um homem, ou consideradas estarem fora dos
padrões de vestimenta.
12
Organização Não Governamental criada em 1961 em prol do respeito dos Direitos Humanos.
Marie Forestier13, participou de uma pesquisa de campo e relata: “Neste momento, a maioria
dos casamentos acontecem assim, as mulheres se casam sob coação. Elas não têm direitos, são
como objetos, trazidos ao mundo apenas para serem usados ​e não para existirem.” (G1, 2022).
Não somente, há também pais que precisam, literalmente, vender as suas filhas. Em uma
matéria gravada pela BBC News14 em outubro de 2021, uma mãe afegã afirma que terá que
vender sua filha de somente dois anos para poder alimentar a família: “Meus outros filhos
estavam morrendo de fome, então tivemos que vender a minha filha. Como posso não estar
triste? Ela é minha filha. Gostaria de não precisar vender minha filha.” (BBC News, 2021)
Ademais, em seu artigo, Cabul no Inverno - Vida sem paz no Afeganistão, Cabul nas
prisões, Henrique Mercer15 afirma que a vida de dor e sofrimento que essas mulheres levam
se dá, inicialmente, pela visão histórica acerca da mulher em sociedade. A maioria dos
crimes dos quais essas mulheres são acusadas pelo Estado afegão tem base na tradição
patriarcal. Por exemplo, cometer Zina16, estar perdida nas ruas, fugir com um homem, etc.
Todos esses atos são considerados crimes pelo Estado afegão, e essas mulheres, quando
punidas severamente, tanto pelo Estado, quanto até mesmo pelos seus próprios cônjuges, não
têm liberdade para recorrer a um órgão judiciário e buscar proteção. O Poder Judiciário, que
deveria funcionar em prol da proteção de todos os cidadãos, na verdade, não atua na
seguridade dessas mulheres. A princípio, é nesse mesmo âmbito que ocorrem as
investigações, e, além disso, é na suprema corte que são tomadas as decisões, que é
majoritariamente composta por homens. Dessa forma, essas mulheres, na maioria das vezes,
são acusadas de crimes que nem elas mesmas sabem quais são, e, para o testemunho, é
necessário a presença de duas outras mulheres para a equivalência do testemunho de um
único homem. Segundo Henrique Mercer:

O caráter indefinido dos crimes de que as mulheres eram acusadas dá liberdade aos
operadores do direito, investigadores, juízes e promotores, para especular e decidir
casos sem provas empíricas ou até em detrimento delas, com base em atitudes
patriarcais, pelas quais sua obrigação não era promover a justiça ou garanti-la a essas
mulheres, e sim manter sadia a sociedade, a sociedade patriarcal (MERCER, 2007,
p.03).

Portanto, essas mulheres são impossibilitadas de buscarem ajuda, pois, além da falta
de conhecimento acerca do crime cometido, há também o descaso dos órgãos judiciários.

13
Jornalista independente, pesquisadora e participante de ONGs a favor dos Direitos Humanos e proteção da
mulher.
14
BBC News Brasil. Afeganistão: ‘tive de vender minha filha para não passar fome’ - YouTube, Publicado em:
27/10/2022. Acesso em: 30/11/2022 às 18:43.
15
Pesquisador em Direito, Relações Internacionais, Leis para Refugiados, etc.
16
Relação extraconjugal consensual ou coagida.
Estupros de guerra, segregação, casamentos forçados, torturas, sequestros, etc. São inúmeras
as dificuldades passadas por mulheres afegãs há mais de 40 anos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclusivamente, torna-se evidente que o Afeganistão, sob as análises teóricas de


Robert Dahl, está longe de se tornar um Estado altamente democrático. Dentro das
dificuldades enfrentadas pelo território, este artigo buscou explicitar as mazelas vividas por
mulheres afegãs durante o regime autoritário do Talibã, e, além disso, compreender a origem
dessa tão duradoura guerra civil.
As teorias de Robert Dahl (1971) se destacam nos estudos acerca da democracia,
revolucionando e ressignificando o funcionamento das sociedades e comunidades existentes.
Analisando diferentes regimes políticos sob a visão teórica de Dahl, é possível, dentro de uma
escala, observar o quão alto ou baixo nível de democracia o território estudado obtém. Para
isso, o autor utilizou alguns requisitos mínimos para definir se um país é, de fato,
democrático, ou não. As observações apresentadas neste artigo analisam o território do
Afeganistão sob domínio do Talibã, que se mostra uma hegemonia fechada. Ou seja, o país se
encontra em um dos mais distantes níveis do parâmetro democrático de Robert Dahl. Além
disso, ao observar um certo período da história do Afeganistão, foi possível perceber, por
meio deste artigo, que o país, na verdade, nunca alcançou altos níveis de democracia, sendo
palco, há muito tempo, de guerras civis.
Ademais, ressaltou-se no presente artigo, as dificuldades vividas por mulheres afegãs
desde a primeira tomada de posse do grupo Talibã até a sua mais recente, com a retirada das
tropas militares estadunidenses e aliados. É notável a situação precária e autoritária em que
essas mulheres estão inseridas. Sem liberdade, sem igualdade, e sem direitos básicos, essas
mulheres enfrentam uma luta constante há mais de 40 anos, e, de acordo com o apresentado,
continuarão lutando. Não somente, por meio de notícias recentes e contemporâneas, foi
possível analisar detalhadamente os mais diversos casos de violência e proibições vividos por
essas mulheres.

REFERÊNCIAS:

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: Uma defesa das regras do jogo. Rio de
Janeiro: Paz e terra, 2009.

DAHL, Robert. Poliarquia: participação e oposição. Cap. 1. São Paulo, Edusp, 2005.

Nexo Jornal. A história do Afeganistão, da Guerra Fria à Guerra ao Terror. Youtube,


11/09/2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=fFdDSDI5JHw. Acesso em:
30/11/2022 às 17:55

LOGAN, Harríet. Mulheres de Cabul. Geração Editorial, 2021.


O’DONNEL, G. Accountability horizontal e novas poliarquias. Cap. 3. Lua nova: revista
de cultura e política, 1998.

MERCEL, Henrique. Cabul no Inverno - Vida sem Paz no Afeganistão, Cabul nas prisões.
Revista Brasileira de Direito Internacional. 2007. Disponível em:
file:///C:/Users/Heber%20Almeida/Downloads/9779-30238-1-PB.pdf

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