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Florianópolis
2023
José Danilo Debacker Damian
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Florianópolis
2023
Walter Benjamin, em seu texto “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica”,
aponta o método pelo qual o capitalismo, estabelecendo-se sobre os alicerces de valorização da
técnica, transforma aquilo que chamamos de obra de arte. Se, outrora, como diria Baumgarten,
Kant ou até mesmo Rosseau, considerávamos uma obra de arte através de conceitos como
harmonia, para determinar se era bela, ou magnanimidade, para determinar sua sublimidade; agora,
esses conceitos foram ultrapassados com a chegada da fotografia e do cinema. Esses dois elementos
fazem com que as obras de artes, que possuíam unicidade e presencialidade, a saber, elementos que
à garantiam a característica que o autor chama de aura, desaparecem, visto que através da
fotografia, eles podem ser reproduzidos ad infinitum e, portanto, não são mais únicos e
remanescentes de alguma localidade, tornando-se, simplesmente, uma reprodução. Uma
reprodução da técnica.
Assim sendo, os maquinários capitalistas utilizam dessa transformação para promover,
através da fotografia e da “nova arte”, aquilo que eles chamam de “vida feliz”, que, em verdade,
trata-se de “vida consumidora”. Essa maneira de observar a vida leva em consideração que, para
sermos felizes, havemos de ter itens ou posses que nos façam felizes, por exemplo: uma propaganda
de chuveiro no vidro de trás de um ônibus que diz “Seja feliz com um banho de Lorenzetti”; o que
aquela propaganda está realizando, ou tentando realizar, não é a venda do chuveiro Lorenzetti em
si, mas a venda da felicidade que está imbuída na compra daquele chuveiro.
Essa estética faz com que a própria raiz etimológica da palavra ‘felicidade’ seja perdida, a
saber, “felicitas” em latim, que indica fecundação e/ou produção, que nada tem a ver com a relação
de obtenção. Muito pelo contrário, é antagônico. Na compra, não produzimos nada, o produto
aparece para nós autofabricado, diretamente colocado na prateleira do mercado, ou onde quer que
seja, sem nenhuma explicitação do processo de produção do mesmo, e, portanto, sem qualquer
vínculo com qualquer coisa, mas, especialmente, com o proletariado. Dessa maneira, sem essa
demonstração, acabamos por perder a noção da existência desse vínculo que é essencial, visto que
não só somos dependentes dele, mas somos parte dele nós mesmos, os proletariados – mesmo que
não sejamos nós especificamente (eu e você que está lendo) que produzimos os itens do mercado,
visto que estamos envolvidos em outros processos de produção e venda, inclusive de nós mesmos
em algumas situações, mas chegarei nesse ponto -.
Mas que isso tem a ver com a educação e com o resto da vida? Para explicitar essa relação,
tenho que citar mais uma obra de Walter Benjamin, a saber, “O Narrador”. Nessa exposição, Walter
reflete sobre como, com o surgimento da prensa, e, por conseguinte, da imprensa, perde-se a
sensibilidade e a experiência como um todo. Através da formulação dos jornais, as histórias que
outrora eram repassadas verbalmente e, por definição, de pessoa a pessoa, agora são repassadas
através duma maneira homogênea: os jornais; que, adaptando-se ao sistema (e sendo uma das suas
ferramentas principais), procura generalizá-las de modo a cativar o maior contingente possível de
pessoas, ou seja, de modo a vender mais.
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Além disso, essa maneira de se contar o que ocorre mundo afora é revolucionada perante
as guerras mundiais que ocorrem no séc. XX, visto que, ao retornar delas, as pessoas já não traziam
consigo histórias e experiências, mas o silêncio. Não se falava sobre a guerra, não haviam narrações
sobre a guerra por aqueles que a viveram, todos já sabíamos, o jornal já nos havia contado, dizendo
em mais de mil formas aquelas coisas que aconteceram na Europa, trazendo, a cada dia, mais
informações, e amanhã, outras informações, e, depois de amanhã, ainda mais informações.
Não se tratava mais sobre vivenciar, experimentar, expor-se à realidade da guerra. É o
contrário: a realidade da guerra é exposta a você, as imagens da guerra são expostas a você. Você
apenas há de ser um mero observador, ali, parado, pronto para dizer “sim” caso alguém lhe pergunte
se você já ouviu, viu ou conhece a guerra. Não havia mais experiência, apenas vivência. Nós
vivenciamos aquilo que, ao redor do tempo, nos é mostrado ou apresentado ou falado, mas não
experimentamos nada, não nos deixamos afetar por nada.
Aqui, hei de trazer o texto de Jorge Larossa Bondía, “Notas sobre a experiência e o saber
de experiência”, onde Larossa afirma que o saber da experiência não é o mesmo que saber coisas
(estar informado), reforçando as ideias trazidas por Benjamin em “O Narrador”. Bondía diz:
“Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da
experiência tem a ver com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do
que nos acontece, trata-se de um saber finito, ligado à existência de um
indivíduo ou de uma comunidade humana particular; ou, de um modo
ainda mais explícito, trata-se de um saber que revela ao homem concreto
e singular, entendido individual ou coletivamente, o sentido ou o sem-
sentido de sua própria existência, de sua própria finitude. Por isso, o
saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo,
contingente, pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que
nos acontece, duas pessoas, ainda que enfrentem o mesmo
acontecimento, não fazem a mesma experiência” (Larrosa, 2002 - “Notas
sobre a experiência e o saber de experiência*”, p 27.)
Portanto, experiências não podem ser apresentadas porque, ao serem apresentadas, deixam
de ser experiências. Elas só se dão no interior do indivíduo, na maneira com a qual ele se relaciona
com aquilo ao que se expõe, visto que, para que ele seja capaz de ser perpassado pela mesma, ele
há de se pôr em prontidão para tal. Não há experiência naquilo que não vem e permanece em nós,
que remanesce e subsiste na nossa existência. A experiência há de sempre estar conectada com o
tempo, local e ser que a vive. Larossa explicita essa relação entre passagem e experiência ao
mostrar a origem etimológica da palavra ‘experiência’:
“Vamos agora ao que nos ensina a própria palavra experiência.
A palavra experiência vem do latim experiri, provar (experimentar). A
experiência é em primeiro lugar um encontro ou uma relação com algo
que se experimenta, que se prova. O radical é periri, que se encontra
também em periculum, perigo. A raiz indo-europeia é per, com a qual se
relaciona antes de tudo a ideia de travessia, e secundariamente a ideia
de prova. Em grego há numerosos derivados dessa raiz que marcam a
travessia, o percorrido, a passagem: peirô, atravessar; pera, mais além;
peraô, passar através, perainô, ir até o fim; peras, limite. Em nossas
línguas há uma bela palavra que tem esse per grego de travessia: a
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palavra peiratês, pirata. O sujeito da experiência tem algo desse ser
fascinante que se expõe atravessando um espaço indeterminado e
perigoso, pondo-se nele à prova e buscando nele sua oportunidade, sua
ocasião. A palavra experiência tem o ex de exterior, de estrangeiro, de
exílio, de estranho e também o ex de existência. A experiência é a
passagem da existência, a passagem de um ser que não tem essência ou
razão ou fundamento, mas que simplesmente “ex-iste” de uma forma
sempre singular, finita, imanente, contingente. Em alemão, experiência
é Erfahrung, que contém o fahren de viajar. E do antigo alto-alemão
fara também deriva Gefahr, perigo, e gefährden, pôr em perigo. Tanto
nas línguas germânicas como nas latinas, a palavra experiência contém
inseparavelmente a dimensão de travessia e perigo.” (Larrosa, 2002 -
“Notas sobre a experiência e o saber de experiência*”, p 25.)
Mas que, pela natureza do capitalismo, é um obstáculo, pois, como disse anteriormente, sua
natureza não se restringe mais a fronteiras. E, sendo ele um meio de produção, Skliar diz, seu
objetivo é outro:
“Com a modernidade, entramos numa era de
produção do Outro. Não se trata, já, de matá-lo, devorá-lo ou
seduzi-lo, nem de enfrentá-lo ou rivalizar com ele, também não
de amá-lo ou odiá-lo; agora, primeiro, trata-se de produzi-lo.
O outro tem deixado de ser um objeto de paixão para se
converter num objeto de produção. Poderia ser que o outro, na
sua alteridade radical ou na sua singularidade irredutível, haja
se tornado perigoso ou insuportável e, por isso, seja necessário
exorcizar a sua sedução? Ou será, simplesmente, que a
alteridade desaparece progressivamente com o aumento, em
potência, dos valores individuais e a destruição dos valores
simbólicos? Seja como for, o caso é que a alteridade começa a
faltar e que é imperiosamente necessário produzir o outro como
diferença à falta de poder viver a alteridade como destino.
Que põe a educação numa esfera de existência paradoxal, onde ela pretende englobar e
possuir a todos, mas o faz de maneira a separá-los de sua suposta totalidade, dessa maneira
segregando-a.
Esse comportamento é trazido à tona posteriormente com as Teorias Críticas, que estão,
também, no texto do Saviani citado anteriormente. Teorias essas que assimilam a educação como
ferramenta do Estado capitalista a fim de concretizar suas necessidades, sendo estas: a pobreza, a
marginalidade, o preconceito e a segregação. Estado que já não é mais entendido como aquele
descrito pelos liberais, mas sim compreendido através da análise material de efetivação do mesmo,
ou seja, como ele opera em sua relação com a sociedade em que se encontra.
É descrito por Marx, em sua obra “O Capital”, o seguinte:
“dentro do sistema capitalista, todos os métodos para elevar a
produtividade do trabalho capitalista, todos os métodos para elevar a
produtividade do trabalho coletivo são aplicados às custas do trabalhador
individual; todos os meios para desenvolver a produção redundam em meios de
dominar e explorar o produtor, mutilam o trabalhador, reduzindo-o a um
fragmento de ser humano, degradam-no à categoria de peça de máquina,
destroem o conteúdo de seu trabalho transformado em tormento; tornam-lhe
estranhas as potências intelectuais do processo de trabalho na medida em que a
este se incorpora a ciência como força independente [...] Mas os métodos para
produzir mais-valor são ao mesmo tempo métodos de acumular, e todo aumento
da acumulação torna-se, reciprocamente, meio de desenvolver aqueles métodos.
Infere-se daí que, na medida em que se acumula o capital, tem de piorar a situação
do trabalhador, suba ou desça sua remuneração” (Marx, 1994, l. 1, v. 2, p. 748-
749)
Portanto, a educação é efetivada para sustentar uma classe em detrimento da outra, mas,
assim como “a experiência da felicidade” (que é ‘busca infinita do ato de consumir), está sob o
manto da “educação da aceitação”. Digo ‘aceitação’ porque essa palavra indica conflito entre
aquele que aceita e aquele que é aceito. O homem que “aceitou” a mulher no ambiente de trabalho.
O branco que “aceitou” o preto na sua escola. Os cis-héteros que “aceitaram” que os LGBTQIA+
existem. O da cidade que “aceitou” o indígena. Todos esses conflitos que já existiam preteritamente
ao capitalismo e que passaram a existir conforme o tempo, mas que, irreparavelmente foram
proliferados através do Imperialismo Monopolista do Capital.
E, sendo ela essa “máquina” de “novos outros”, ela produz, finalmente, um ser sem nome,
sem cultura, sem rosto, sem voz, sem destino concreto, somente com ilusões a buscar. Um ser que
não possui nenhum atrelamento ao local que está, às sabedorias geracionais, às experiências, ao
tempo. E que, sendo ninguém, vive para sempre.
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Formou-se um fantasma da vontade humana sob o manto de ‘população mundial’ e agora
ninguém mais é. Todos estamos.
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Bibliografia
- “As teorias da educação e o problema da marginalidade” - Demerval Saviani, 2002
- “A educação e a pergunta pelos Outros: diferença, alteridade, diversidade e os outros
“outros” - Carlos Skliar, 2003
- “O Príncipe” - Maquiavel, 1532
- “Da Democracia na América” - Tocqueville, 1835
- “Notas sobre a experiência e o saber de experiência*” - Jorge Larrosa Bondía, 2002
- “O Capital. Crítica da Economia Política: livro 1. 12 ed. Rio de Janeiro: Editora Bertrand
Brasil. V. I e II” - Karl Marx, 1994
- “A Obra de Arte na Era de sua Reprodutibilidade Técnica” - Walter Benjamin
- “O Narrador” - Walter Benjamin