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s í s i f o / r e v i s t a d e c i ê n c i a s d a e d u c a ç ã o · n .

º 9 · m a i / a g o 0 9 issn 1646‑4990

Políticas avaliativas e accountability em educação —


subsídios para um debate iberoamericano

Almerindo Janela Afonso


ajafonso@iep.uminho.pt
Universidade do Minho, Portugal

Resumo:
O texto desenvolve­‑se em torno de três momentos essenciais: uma apresentação e discus‑
são sucintas do conceito de accountability e conceitos associados; um ensaio de aplicação
e transposição dos elementos teórico­‑conceptuais a um conjunto de normativos legais, re‑
lativamente recentes no âmbito da educação em Portugal; e, por último, uma breve incur‑
são à problemática da accountability tendo como referência debates e trabalhos centrados
na realidade educacional de alguns países da América Latina.

Palavras­‑chave:
Políticas educativas, Políticas de avaliação, Accountability em educação.

Afonso, Almerindo Janela (2009). Políticas avaliativas e accountability em educação — subsídios para
um debate iberoamericano. Sísifo. Revista de Ciências da Educação, 09, pp 57-70.
Consultado em [mês, ano] em http://sisifo.fpce.ul.pt

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As políticas em torno da accountability em educa‑ debates mais aprofundados. Neste sentido, o texto
ção, que contam já com um percurso relativamente que a seguir se desenvolve estrutura­‑se em torno de
longo em países como os EUA, têm sido, no entan‑ três momentos essenciais: uma breve apresentação e
to, marcadas, em muitos outros contextos, por os‑ discussão de conceitos, a partir dos quais se propõe
cilações mais ou menos acentuadas, a que não são um quadro de análise que pretende dar visibilidade
indiferentes os regimes políticos, a natureza dos go‑ ao que se considera serem os três pilares estruturan‑
vernos e os dinamismos emergentes das sociedades tes de um modelo de accountability (avaliação, pres‑
civis nacionais e transnacionais. Nestes processos tação de contas e responsabilização) e, dentro deles,
não é de estranhar que surjam fragilidades em ter‑ a algumas das suas dimensões; num segundo mo‑
mos da construção e consolidação de uma cultura mento, ensaia­‑se a aplicação dos elementos teórico­
social e política de prestação de contas e de respon‑ ‑conceptuais anteriores a um conjunto de normati‑
sabilização — fragilidades que, todavia, vêm sendo vos relativamente recentes no âmbito da legislação
confrontadas e gradualmente superadas nas últimas da educação em Portugal; e, por último, faz­‑se uma
décadas (sobretudo após a restauração da demo‑ breve incursão à problemática da accountability,
cracia em muitos países iberoamericanos). Como tal como ela é apresentada em textos académicos e
resultado desta nova vaga democrática — baseada debates recentes, tendo como foco alguns países da
em valores e movimentos sociais de cidadania acti‑ América Latina.
va e crítica, mas também sincrónicos com pressões
contraditórias de redefinição do papel do Estado,
de tímida e ambígua descentralização administrati‑ PARA UMA DEFINIÇÃO
va, de expansão de lógicas de quase­‑mercado e re‑ DE ACCOUNTABILITY
tracção de direitos sociais, de crescente centralida‑
de dos processos comparados de avaliação em larga Embora seja traduzido frequentemente como sinó‑
escala (nacionais e internacionais) — as demandas nimo de prestação de contas, o vocábulo accountabi‑
por maior participação, transparência, prestação de lity apresenta alguma instabilidade semântica por‑
contas e responsabilização (accountability), sobre‑ que corresponde de facto a um conceito com signi‑
tudo no que diz respeito às instituições publicas es‑ ficados e amplitudes plurais. Discutido a partir de
tatais e também às organizações do chamado tercei‑ uma variedade de abordagens e perspectivas, umas
ro sector, vão ganhando consistência e maturidade, mais simples outras mais complexas, ele remete
que merecem ser analisadas. Por agora, no entanto, para políticas, sistemas, modelos, dimensões, agên‑
não se pretende senão dar um pequeno passo no cias, práticas e actores também diversificados, dan‑
sentido de convocar esta problemática e incentivar do, por vezes, a sensação que continua, ainda assim,

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a ser “um conceito em expansão” (Mulgan, 2000), e na justificação; ela contém também uma dimen‑
e que, nessa teia de usos e interpretações nem sem‑ são impositiva, coactiva ou sancionatória (enforce‑
pre convergentes, poder­‑nos­‑emos perder naquilo ment) — integrável, do meu ponto de vista, no que
que alguém já designou como a “complexidade bi‑ se poderia designar de pilar da responsabilização.
zantina” do conceito de accountability (Lindberg, Por outro lado, face à grande variedade de situações
2009). Para evitar algumas armadilhas relativas a um existentes, aquelas três dimensões (informação, jus‑
conceito que necessita de mais reflexão, e que, sem tificação e sanção) podem não estar sempre presen‑
dúvida, pode constituir objecto de um interessante tes, mas, “mesmo na ausência de uma ou duas, ain‑
exercício teórico­‑conceptual, vou procurar contor‑ da assim podemos legitimamente falar de actos de
nar essa complexidade e tornar mais acessível a con‑ accountability”. Porém, parece­‑me que estes “actos
textualização do conceito de accountability, optan‑ de accountability”, embora tenham sentido isolada‑
do, para o efeito, por seguir de perto, num primeiro mente, só conseguirão ganhar densidade se forem
momento, um dos trabalhos mais referenciados de integrados e articulados num modelo mais amplo
Schedler (sem, todavia, deixar de introduzir uma ou que se aproxime de algo parecido com aquilo que o
outra interpretação mais pessoal). próprio Schedler designa como sendo uma “catego‑
Para Schedler (1999), accountability tem três ria prototípica” de accountability (1999, pp. 17­‑18).
dimensões estruturantes: uma de informação, outra Mas, mesmo nesse caso, talvez possamos ampliar
de justificação e uma outra de imposição ou sanção. a capacidade heurística de um modelo de accoun‑
Num entendimento mais imediato, a prestação de tability se acrescentarmos o pilar da avaliação aos
contas pode ser o pilar que sustenta ou condensa pilares da prestação de contas e da responsabilização,
as duas primeiras: o direito de pedir informações e estabelecendo então um espaço mais complexo de
de exigir justificações — sendo que, para a concre‑ novas interacções e interfaces. É isso que o Quadro
tização de ambas, é socialmente esperado que haja I procura mostrar².
a obrigação ou o dever (regulamentados legalmente A prestação de contas (enquanto answerability
ou não) de atender ao que é solicitado. Informar e ou respondabilidade) consubstancia­‑se na “dimen‑
justificar constituem assim duas dimensões da pres‑ são informativa” e na “dimensão argumentativa”.
tação de contas, a qual pode, assim, ser definida, Por outro lado, o pilar da responsabilização (em
em sentido restrito, como obrigação ou dever de Schedler “enforcement”) sintetiza outras dimen‑
responder a indagações ou solicitações (answera‑ sões: não apenas a que se refere à imputação de res‑
bility)¹. Estas indagações e subsequentes respostas ponsabilidades e à imposição de sanções negativas,
devem orientar­‑se pela transparência, atender ao mas também as que, em meu entender, podem ser
direito à informação e ter em consideração outros acrescentadas — por exemplo, a assunção autóno‑
princípios legais e éticos congruentes com as espe‑ ma de responsabilidades pelos actos praticados; a
cificidades das situações, de modo que não possam persuasão; o reconhecimento informal do mérito;
ou não devam ser accionados senão procedimentos a avocação de normas de códigos deontológicos; a
tão objectivos quanto possível para recolher “factos atribuição de recompensas materiais ou simbólicas,
autênticos”, informações fidedignas e “razões váli‑ ou outras formas legítimas de (indução de) respon‑
das”. A prestação de contas tem, portanto, segundo sabilização³.
Schedler, uma dimensão informativa e uma dimen‑ Por último, o que designo de pilar da avaliação
são argumentativa, podendo, num certo sentido, ser diz respeito ao processo de recolha e tratamento de
concebida como uma actividade comunicativa ou informações e dados diversos, teórica e metodologi‑
discursiva porque pressupõe uma relação de diálogo camente orientado, no sentido de produzir juízos de
crítico e a possibilidade de desenvolver um debate valor sobre uma determinada realidade ou situação.
público aprofundado. No entanto, como acrescen‑ Neste caso, quando se justifica ou se considera ne‑
ta o mesmo autor, a prestação de contas, enquanto cessário, a avaliação pode anteceder a prestação de
obrigação ou dever de dar respostas (answerabili‑ contas (avaliação ex­‑ante); pode ocorrer, posterior‑
ty), não é apenas uma actividade discursiva, mais mente, entre a fase da prestação de contas e a fase
ou menos benévola, que se esgota na informação da responsabilização (avaliação ex­‑post); ou pode,

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ainda, ela própria, desenvolver­‑se autonomamen‑ sim como instrumento estruturante da prestação de
te através de estudos ou relatórios elaborados por contas (integrável ou não num modelo ou sistema
entidades internas e/ou externas, assumindo­‑se as‑ mais amplo de accountability).

Quadro I — Dimensões de um modelo de accountability

Avaliação ex­‑ante
∙ Fornecer informações
Prestação de contas
∙ Dar justificações
(answerability)
∙ Elaborar e Publicitar relatórios de avaliação

Avaliação ex­‑post
Accountability ∙ Imputação de responsabilidades e/ou imposição de sanções negativas
Responsabilização (enforcement)
(responsabilization)
∙ Assunção autónoma de responsabilidades
∙ Persuasão
∙ Atribuição de recompensas materiais ou simbólicas
∙ Avocação de normas de códigos deontológicos
∙ Outras formas legítimas de responsabilização

FORMAS PARCELARES E MODELOS e contraditório, transparência, responsabilização, ci‑


EMERGENTES DE ACCOUNTABILTY NA dadania activa, empowerment, entre outros.
EDUCAÇÃO PÚBLICA EM PORTUGAL Partindo das definições anteriores, poderia dizer
que não temos actualmente nenhum sistema (formal)
Desenvolverei um pouco o que acabei de afirmar de accountability pública na educação em Portugal,
tomando como exemplo algumas formas parcelares muito embora alguns modelos estejam em construção
de accountability emergentes no campo da educação e, sobretudo, seja possível identificar formas parcela‑
pública em Portugal. Para o efeito, defino como for‑ res de accountability emergentes, legalmente consa‑
mas parcelares de accountability aquelas acções ou gradas ou induzidas, para além daquelas que decor‑
procedimentos que dizem respeito apenas a algumas rem de regras racional­‑burocráticas internas, ou que
dimensões da prestação de contas ou da responsabi‑ sempre existiram de modo não­‑formal ou informal.
lização (“actos de accountabilty” na linguagem de Para procurar sustentar esta hipótese (e consideran‑
Schedler), não constituindo, por isso, um modelo ou do apenas o ensino não­‑superior público), tomo os
uma estrutura integrada. Por outro lado, chamo mo‑ seguintes exemplos: i) a avaliação do desempenho
delo de accountability a uma estrutura mais comple‑ docente; ii) os resultados de exames e testes estandar‑
xa, preferencialmente adaptável, aberta e dinâmica, dizados (nacionais e internacionais) e os rankings es‑
em que diferentes dimensões ou formas parcelares colares; iii) o regime de autonomia e gestão das esco‑
de accountability apresentam relações e intersec‑ las; e iv) o programa de avaliação externa das escolas.
ções congruentes, fazendo sentido como um todo. No que diz respeito à avaliação do desempenho
Finalmente, chamo sistema de accountability a um docente, ainda não é possível (ou desejável) retirar
conjunto articulado de modelos e de formas par‑ ilações sobre a sua configuração, mesmo porque
celares de accountability que, apresentando espe‑ tem havido oscilações e tensões em torno da sua ne‑
cificidades e podendo manter diferentes graus de gociação e regulamentação legal, não estando, por
autonomia relativa, constituem uma estrutura con‑ agora, completamente estabelecidas as condições
gruente no quadro de políticas (públicas ou de inte‑ necessárias à sua estabilização e implementação du‑
resse público) fundadas em valores e princípios do radouras, apesar da existência de algumas experiên‑
bem­‑comum, democraticidade, participação, dever cias nas escolas que se amparam na legislação pro‑
de informar e direito a ser informado, argumentação duzida, e que remetem, directa ou indirectamente,

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para as alterações ao Estatuto da Carreira Docente accountability, não têm constituído de facto mais do
(ECD). De qualquer forma, os elementos actual‑ que uma dimensão da prestação de contas, ou seja,
mente disponíveis parecem indicar que a avaliação um acto ou uma forma parcelar de accountability
dos professores constituir­‑se­‑á como um processo (Darling­‑Hammond, 2004)⁶. Do mesmo modo, po‑
circunscrito ao objectivo que nomeia (isto é, à avalia‑ demos considerar os rankings das escolas, que re‑
ção profissional), podendo vir a ter conexões, ainda sultam dos exames nacionais, como sendo também
que indirectas, com formas parcelares de accounta‑ uma forma parcelar de accountability (neste caso,
bility, eventualmente integráveis num modelo de ac‑ por iniciativa da sociedade civil e do mercado), im‑
countability. Talvez não seja por uma mera questão pulsionada, de forma decisiva no caso português, por
retórica que no normativo que define a composição alguns importantes media (privados) de comunica‑
e o modo de funcionamento do Conselho Científico ção social e por sectores politicamente conservadores
para a Avaliação de Professores se afirme que este (Afonso, 2009). Os rankings são, aliás, uma questão
“vem contribuir para o fortalecimento, nas escolas, controversa que tem sido objecto de análise em vá‑
de uma cultura de avaliação, responsabilização e rios trabalhos de autores portugueses (Melo, 2007a,
prestação de contas, em contextos de autonomia”. 2007b; Neto­‑Mendes et al., 2003; Resende, 2006; Sá
Estas conexões, aliás, estão de algum modo previs‑ & Antunes, 2007; Santiago et al., 2004; Vieira, 2003).
tas no próprio Estatuto da Carreira Docente (ac‑ Por outro lado, deve ser também considerado o
tualizado pelo Decreto­‑Lei nº 15/2007) quando se novo regime de autonomia e gestão das escolas pú‑
refere que a avaliação terá “efectivas consequências” blicas onde, com alguma frequência, são feitas refe‑
para o desenvolvimento da carreira, permitindo, rências à prestação de contas e a outros princípios
nomeadamente, “identificar, promover e premiar o congruentes (Decreto­‑Lei nº 75/2008). Explicita­
mérito”. Estipula­‑se, aliás, um “prémio pecuniário ‑se neste normativo que o regime agora consagra‑
de desempenho” ao qual terão direito os docentes do funciona “sob o princípio da responsabilidade
que obtenham menção qualitativa igual ou supe‑ e da prestação de contas do Estado assim como de
rior a muito bom, em duas avaliações consecutivas⁴. todos os demais agentes ou intervenientes”. Tam‑
Também no ECD se acentua, entre outros aspectos, bém se enfatiza que a participação e intervenção
que a avaliação de desempenho “visa a melhoria dos na “direcção estratégica” dos estabelecimentos
resultados escolares dos alunos”, não deixando, por ou agrupamentos escolares, por parte das famí‑
isso, de haver uma relação entre esses dois factores lias, professores e outros agentes da comunidade,
(desempenho dos professores e resultados dos alu‑ “constitui um primeiro nível, mais directo e imedia‑
nos). Esta última questão, que não é nova noutros to, de prestação de contas da escola relativamente
países, foi contemplada nos normativos regulamen‑ àqueles que serve”. Mais à frente, reitera­‑se que o
tares iniciais do ECD, embora, numa fase posterior, exercício da autonomia “supõe a prestação de con‑
tenha sido (provisoriamente) deixada de lado⁵. To‑ tas, designadamente através de procedimentos de
davia, uma avaliação do desempenho docente com auto­‑avaliação e de avaliação externa”. Salientam­
relações, mesmo que indirectas, com os resultados ‑se, ainda, eventuais consequências decorrentes de
de exames nacionais externos também já está de acção inspectiva e de avaliação externa que podem,
certo modo implícita quando, por exemplo, na ac‑ por exemplo, fundamentar a dissolução dos órgãos
tual avaliação externa das escolas, se tem em conta a de direcção e gestão. Ou seja, este modelo de gestão
comparação entre os resultados da avaliação interna (que não se confunde com um modelo de accoun‑
dos alunos e os resultados dos exames externos e, tability) parece, em várias dimensões, incluí­‑lo im‑
por outro lado, quando a percentagem de menções plicitamente — não apenas pelo que já se afirmou
de excelente e muito bom está condicionada pelos re‑ anteriormente mas, também, porque estão presen‑
sultados dessa mesma avaliação externa das escolas. tes formas de co­‑responsabilização entre o Estado,
Quanto aos exames externos e testes estandardi‑ os agrupamentos e as escolas, sobretudo no que diz
zados (nacionais ou internacionais), apesar de serem respeito aos contratos de autonomia. Além disso, é
frequentemente valorizados como estando (ou po‑ também de considerar que o “conselho geral”, en‑
dendo estar) na base de um modelo ou sistema de quanto novo órgão de “direcção estratégica”, é um

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espaço particularmente propício à prestação de prestação de contas enquanto respondabilidade
contas (enquanto answerability), envolvendo a co‑ (answerability) — em congruência, aliás, com inten‑
munidade escolar e local nos processos de informa‑ ções expressas no próprio Programa do XVII Go‑
ção, diálogo, argumentação e justificação. Contudo, verno Constitucional (Portugal, 2005). Neste se afir‑
estes princípios dificilmente poderão concretizar­‑se ma, por exemplo, que uma das “ambições para a le‑
à margem da acção do (novo) director, uma vez que gislatura” é a de “enraizar em todas as dimensões do
este órgão vai ter uma grande centralidade na vida sistema de educação e formação a cultura e a prática
de um agrupamento ou de uma escola não agrupa‑ da avaliação e da prestação de contas” (p. 43). No
da. Sabendo que pode haver alguma expressão de que diz respeito às escolas, considera­‑se desejável
tendências tecnocráticas decorrentes da implemen‑ criar condições para uma maior autonomia, signifi‑
tação deste novo normativo — reforçadas por uma cando esta “maior responsabilidade, prestação re‑
maior estratificação e hierarquização funcionais gular de contas e avaliação de desempenho e de re‑
e profissionais, e ampliadas pelo efeito da pressão sultados” (p. 44). É, aliás, neste âmbito que se prevê
para a produção de resultados mensuráveis, a que o lançamento de um programa nacional de avaliação
se soma o facto de o director “intervir nos termos das escolas básicas e secundárias, em que “a avalia‑
da lei no processo de avaliação de desempenho do ção terá consequências, quer para premiar as boas
pessoal docente” — não é de todo improvável que escolas, quer para torná­‑las referências para toda a
ocorram tensões entre os estilos de liderança (ou as rede, quer para apoiar, nos seus planos de melhoria,
práticas efectivas de gestão) e as formas parcelares as escolas com mais dificuldades” (p. 44). Mais à
de accountability decorrentes deste novo regime de frente, reafirma­‑se que “as escolas verão reforçadas
autonomia das escolas. as suas capacidades próprias de organização e ges‑
Finalmente, outro exemplo escolhido para ten‑ tão, num quadro de maior responsabilização e ava‑
tar testar a minha hipótese inicial diz respeito ao liação de processos e resultados” (p. 48). Finalmen‑
programa de avaliação externa das escolas. Este te, sublinha­‑se a ideia de maior exigência e rigor no
processo é da responsabilidade da Inspecção­‑Geral funcionamento do sistema educativo, implicando a
da Educação e conta com a colaboração de especia‑ “transparência e responsabilização dos vários servi‑
listas externos convidados que integram as respecti‑ ços” e a consolidação de um “sistema de informação
vas equipas de avaliação. Antes de iniciar o progra‑ actualizado e credível” que forneça dados e infor‑
ma, o Ministério da Educação constituiu um grupo mações solicitados por organismos internacionais e
de trabalho para propor um modelo de avaliação, o por outros interessados (p. 49). Assim, pode
qual, numa fase­‑piloto, foi testado numa amostra afirmar­‑se que o Programa de Governo aponta não
constituída por escolas com alguma experiência em apenas para o pilar da avaliação e para o pilar da
processos de auto­‑avaliação. Entre outros aspectos, prestação de contas, mas também para o pilar da
o relatório final deste grupo de trabalho afirma uma responsabilização, ou seja, para um modelo de ac‑
“preocupação com a prestação de contas”, não tan‑ countability. Cotejado o Programa do Governo com
to como disponibilização de dados ou informações, o programa de avaliação externa das escolas, este
escrevem os seus autores, mas, sobretudo, como fica um pouco aquém, sobretudo no que diz respei‑
“resposta fundamentada à interpelação que os dife‑ to às consequências da avaliação. Possivelmente,
rentes parceiros fazem aos responsáveis pelas políti‑ como refere o documento da Inspecção­‑geral de
cas de escola sobre o seu desempenho educativo”. Educação (IGE, 2009), porque as consequências
Mais adiante, salienta­‑se ainda que a “divulgação transcendem o âmbito do programa de avaliação ex‑
pública dos resultados da avaliação é uma forma de terna e remetem para funções da “administração
prestação de contas tanto das escolas como dos ava‑ educativa”. De qualquer modo, o pilar da responsa‑
liadores” (Oliveira et al., 2006, p. 8 e p. 10). Tendo bilização é extremamente controverso, como muitos
em conta estas afirmações, parecem estar presentes autores têm chamado a atenção (cf., entre outros,
e ser valorizadas as dimensões da accountability re‑ Corvalán, 2006; Ranson, 2003). O próprio Conse‑
lativas à informação, à argumentação e à justificação, lho Nacional de Educação (CNE, 2008) o reconhe‑
ou seja, parece haver alguma ênfase no pilar da ce quando refere que “o receio de que da avaliação

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externa possam resultar consequências negativas vários documentos e relatórios produzidos pelas es‑
para as escolas e os seus agentes pode levar a comu‑ colas são disponibilizados e analisados pela
nidade escolar a adoptar uma atitude defensiva, equipa externa de avaliação com o objectivo de pre‑
contornando problemas que devem ser enfrenta‑ parar adequadamente a visita aos estabelecimentos
dos…”. Em resposta a esta preocupação, a IGE é de educação e ensino. Numa terceira fase, durante a
bastante elucidativa no seu posicionamento quando visita da equipa de avaliação externa (constituída
considera que “o acompanhamento, o apoio e a exi‑ por dois inspectores da IGE e um perito em avalia‑
gência relativamente às escolas com classificações ção), realizam­‑se diferentes entrevistas em painel
de Insuficiente é fundamental para que a avaliação onde são ouvidos membros e representantes de to‑
constitua uma oportunidade de melhoria e não um dos os sectores da comunidade escolar e educativa
risco de penalização”. Neste sentido, acrescenta, “a (membros de órgão de gestão, professores, funcio‑
administração educativa tem como desafio encon‑ nários, estudantes, pais, representantes da autarquia
trar as modalidades mais adequadas de acompanha‑ e de outras insti­tuições ou associações locais…).
mento das escolas”. No mesmo documento, Estas entrevistas procuram esclarecer e aprofundar
reconhece­‑se também que “a relação entre a avalia‑ aspectos constantes em documentos e relatórios
ção e as medidas de desenvolvimento organizacio‑ elaborados inicialmente pelas escolas e/ou decor‑
nal, onde se poderão situar os contratos de desen‑ rentes de dados estatísticos fornecidos pelo próprio
volvimento e autonomia, aumenta a possibilidade Ministério da Educação, constituindo­‑se, assim,
de (con)sequência da avaliação e torna mais visível a como oportunidades de diálogo, justificação e argu‑
responsabilidade” (IGE, 2009, p. 66). Do meu pon‑ mentação, onde se recolhem e confrontam informa‑
to de vista, a constatação de que há alguma indefini‑ ções pertinentes para a caracterização dos “domí‑
ção relativamente ao pilar da responsabilização é nios” escolhidos como prioritários neste modelo de
também corroborada no parecer do Conselho Na‑ avaliação externa das escolas (“resultados, presta‑
cional de Educação quando este aponta os seguin‑ ção dos serviço educativo, organização e gestão es‑
tes cenários em relação ao contraditório: “Se predo‑ colar, liderança e capacidade de auto­‑regulação e
minar neste modelo de avaliação das escolas a pers‑ melhoria”), bem como, dentro de cada um destes
pectiva formativa — de apoio à evolução da institui‑ domínios, informações pertinentes para a caracteri‑
ção — como defendemos, a actual forma de resposta zação dos respectivos “factores” (“sucesso académi‑
da equipa avaliadora ao contraditório, com as alte‑ co, participação e desenvolvimento cívico, compor‑
rações na divulgação que preconizamos, parece tamento e disciplina, valorização e impacto das
adequada. Se, pelo contrário, prevalecer uma orien‑ aprendizagens, articulação e sequencialidade, acom­­
tação reguladora, com prémios e punições associa‑ panhamento da prática lectiva em sala de aula, dife‑
das, é necessário instituir um verdadeiro mecanis‑ renciação de apoios, abrangência do currículo e va‑
mo de recurso para uma entidade independente, lorização dos saberes e aprendizagens, concepção,
com igual publicitação dos resultados da sua inter‑ planeamento e desenvolvimento da actividade, ges‑
venção”. E, mais à frente, o parecer conclui: “Desa­ tão dos recursos humanos, gestão dos recursos ma‑
conselha­‑se, pelo menos nesta fase, qualquer liga‑ teriais e financeiros, participação dos pais e outros
ção entre os resultados da avaliação das escolas e elementos da comunidade educativa, equidade e
punições ou prémios dos seus agentes individuais, justiça, visão e estratégia, motivação e empenho,
designadamente a quota de professores titulares e abertura à inovação, parecerias, protocolos e projec‑
de atribuição dos escalões mais elevados na avalia‑ tos, auto­‑avaliação, e sustentabilidade do progres‑
ção de professores”. Em síntese, o modelo actual de so”). Pode, portanto, consi­derar­‑se todo este pro‑
avaliação externa das escolas prevê uma fase inicial cesso como a fase de prestação interna de contas. Na
de recolha e sistematização de informação, por par‑ fase seguinte (avaliação ex­‑post), a equipa de avalia‑
te dos agrupamentos de escolas ou escolas não ção externa pondera as informações e dados reco‑
agrupadas, que se traduz, entre outros aspectos, na lhidos, atribui uma classificação a cada um dos do‑
produção de um relatório de auto­‑avaliação (avalia‑ mínios (muito bom, bom, suficiente e a insuficien‑
ção ex­‑ante). Segue­‑se uma segunda fase em que os te), sinaliza o que considera serem os pontos fortes

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e fracos da organização escolar visitada, e elabora (expressão que aqui, e em muitos documentos
um relatório que é enviado, algum tempo depois, às latino­‑americanos, é usada como sinónimo de ac‑
respectivas escolas ou agrupamentos. Recebido este countability). Nesse mesmo boletim são também re‑
relatório, as escolas ou agrupamentos que julgarem feridas quatro condições para implementar um sis‑
necessário farão o contraditório. Por último, o rela‑ tema de accountability: definição de normas­‑padrão
tório da equipa de avaliação externa será publicita‑ (ou padrões educacionais); utilização de processos
do na Internet, no sítio da IGE (http://www.ige. diversificados de informação (sobretudo através dos
min­‑edu.pt), tal como o respectivo contraditório (se resultados de avaliações externas); decisão sobre as
houver). Ou seja, esta última etapa (que diz respeito consequências (prémios ou sanções); e mecanismos
à publicitação dos relatórios da avaliação ex­‑post e para o exercício do poder ou da autoridade. Neste
do contraditório) pode ser considerada como a fase sentido, neste mesmo documento, considera­‑se ain‑
de prestação pública de contas. Em síntese, se fizer‑ da que sem a definição e especificação de normas­
mos a aplicação do modelo esboçado no Quadro I ‑padrão claras (estándares) as escolas não poderão
para procurar entender como se desenvolve a actual ser responsabilizadas pelo seu trabalho, e isso inclui
avaliação externa das escolas em Portugal, podere‑ condições como a formação e desempenho dos pro‑
mos reafirmar algumas conclusões já atrás sinaliza‑ fessores, disponibilidade de outros recursos huma‑
das: ou seja, nota­‑se essencialmente a ausência (ou a nos, materiais e didáctico­‑pedagógicos, conteúdos
insuficiente clarificação) do pilar de responsabiliza‑ dos currículos, entre outras. Apesar disto, até há
ção. Por outro lado, é evidente a centralidade do pi‑ bem poucos anos, nenhum país latino­‑americano
lar da prestação de contas (onde a produção de in‑ tinha conseguido “estabelecer, difundir e aplicar
formações, argumentações e justificações tem um padrões educacionais a nível nacional que fixassem
papel estruturante) e está também presente o pilar expectativas elevadas para todos os alunos”. Alguns
da avaliação, em dois momentos distintos: durante estabeleceram apenas padrões mínimos. Por outro
o processo de auto­‑avaliação (ou avaliação ex­‑ante) lado, relativamente à informação, considera­‑se que
e durante o processo de avaliação externa (ou avalia‑ “a primeira prioridade é um sólido sistema de pro‑
ção ex­‑post). Assim sendo, no que diz respeito ao vas nacionais em matemática, ciências e línguas, e
programa de avaliação externa das escolas, podere‑ outras áreas e competências que cada país estime
mos concluir que ele também não coincide com o como cruciais”, cujos resultados devem ser ampla‑
modelo de accountability proposto no quadro mente divulgados, sendo igualmente indispensável
teórico­‑conceptual, muito embora contenha, na sua “avaliar periodicamente os docentes e reconhecer,
configuração específica, diversas formas parcelares de forma pública, o desempenho dos melhores”.
de accountability que poderão, eventualmente, No entanto, ainda segundo o PREAL, “nenhum
articular­‑se melhor e evoluir para um modelo ou es‑ país avalia periodicamente todos os docentes” e,
trutura mais completa e complexa. quanto aos alunos, “a maior parte aplica provas de
rendimento, mas os resultados não são divulgados
de forma adequada ou, inclusive, não são dados a
ACCOUNTABILITY EM EDUCAÇÃO conhecer publicamente”. Argumenta­‑se ainda que
NA AMÉRICA LATINA: BREVES NOTAS as escolas, as comunidades locais e os pais devem
ter autoridade para tomar decisões e promover mu‑
Tal como acontece na Europa ou nos EUA, a ques‑ danças, uma vez que, ”sem isso, tem pouco sentido
tão das consequências ou da responsabilização, responsabilizá­‑los”. Por fim, para que a prestação
também surge na América Latina como o principal de contas possa ser efectiva, “o cumprimento (ou
nó górdio dos debates e propostas em torno dos incumprimento) dos objectivos deve ter conse‑
modelos ou sistemas de accountability. Como se quências”. Isto significa que deve haver uma melhor
acentua num boletim do Programa de Promoção retribuição para os bons professores e que os outros
da Reforma Educativa na América Latina e Caribe devem ser identificados e receber ajuda. Do mesmo
(PREAL, 2003), “é difícil e quase sempre contro‑ modo, as melhores escolas devem ser conhecidas e
verso estabelecer sistemas de prestação de contas” servir de exemplo, enquanto as outras “devem ser

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sujeitas a medidas correctivas”. Defende­‑se ainda somente é eficaz quando incorpora tal sistema (An‑
que os próprios “certificados ou títulos devem ser drade, 2008, p. 452). Trata­‑se, como se depreende, de
retidos até que os alunos demonstrem que cumprem uma visão relativamente acrítica sobre a problemática
os padrões educacionais nacionais acordados”. em questão. Com efeito, o autor parece ter presente
Como as escolas da região parecem não funcionar as especificidades brasileiras mas, ao fazer uma trans‑
desta forma, o PREAL conclui que “o sucesso e o posição mimética a partir (de uma certa leitura) da
fracasso nas escolas não têm consequências” (PRE‑ realidade norte­‑americana, não cuida de as proble‑
AL, 2003, pp. 1­‑4). matizar. Também em relação à realidade educacional
Como referi anteriormente, esta é uma questão brasileira, N. Brooke utiliza a expressão “política de
central em muitos modelos de accountability, nome‑ responsabilização” para se referir a algumas medidas
adamente pelo facto de existirem representações so‑ e experiências, com consequências “materiais ou
ciais e disposições profissionais críticas ou cépticas simbólicas”, que visam melhorar os resultados esco‑
em relação à utilização de recompensas e sanções. lares “medidos” através de diversos procedimentos
Neste sentido, “a componente das consequências avaliativos, ao nível estadual e municipal (Brooke,
nos processos de accountability é claramente um dos 2008, p. 94). Este autor reconhece que “há poucos
pontos em relação aos quais menos se tem avançado e exemplos de políticas formais de responsabilização
debatido na discussão de política educativa na Amé‑ no Brasil”, sendo que muitas têm sofrido alterações
rica Latina” (Corvalán, 2006, p. 13). Por exemplo, a frequentes. Algumas “podem ser consideradas siste‑
educação básica pública nesta região “tem poucos mas high stakes”, isto é, oferecem “bónus salariais ou
elementos de accountability” e, na maioria dos casos, prémios monetários”, enquanto que outras “são sis‑
não se definiram ainda padrões educacionais claros, temas low stakes”, ou seja, disponibilizam informação
embora, em alguns países, se esteja a avançar nesse pertinente sobre avaliações e indicadores de desem‑
sentido (Puryear, 2006, p. 126). penho, mas “sem consequências materiais explíci‑
Tendo em conta outras realidades nacionais, tas”. O exemplo que foi visto como mais interessante
como a dos EUA, alguns autores defendem que os foi o do Boletim da Escola do Paraná, através do qual
sistemas educativos têm necessidade de definir pa‑ se procurou viabilizar um modelo de accountability
drões educacionais (standards), de tal modo que o que não assentava apenas em avaliações comparativas
currículo e os mecanismos de accountability pos‑ externas e dados de censos, mas incentivava também
sam ser congruentes com os mesmos. Ou seja, por a participação e envolvimento dos pais para acompa‑
um lado, o sistema de avaliação deve estar “alinha‑ nhar os alunos e induzir pressões para a melhoria dos
do” com o currículo e, por outro, “os mecanismos resultados escolares. Por várias razões esta experiên‑
de accountability precisam fornecer incentivos e cia não sobreviveu, embora um instrumento similar
sanções congruentes com o sucesso ou com o fra‑ adoptado em Belo Horizonte pareça estar a ter mais
casso na prossecução dessas normas­‑padrão” (Car‑ sucesso. Deixando transparecer alguma crítica aos
noy & Loeb, 2002, pp. 306­‑307). adeptos ortodoxos de formas de responsabilização
Num trabalho em que revisita programas e siste‑ baseadas em avaliações externas, este autor conclui:
mas de avaliação em larga escala no Brasil, e no qual “Ainda não há evidência objetiva de mudanças, mas
toma como critério algumas políticas para a educação é mais fácil imaginar a aceitação e uso de informação
das últimas décadas nos EUA, nomeadamente a re‑ low­‑stakes para promover discussões sobre o desem‑
forma No Child Left Behind, um autor refere que exis‑ penho no âmbito da escola do que exercícios exter‑
tem experiências recentes (nos âmbitos federal, esta‑ nos de avaliação que logo perdem sua capacidade de
dual e municipal brasileiros) com algumas semelhan‑ diagnóstico em virtude da importância ofuscante dos
ças com as políticas da school accountability. Porém, benefícios a que estão associados” (Brooke, 2008, p.
“de uma maneira geral, elas não incorporam um sis‑ 107; ver também Brooke, 2005 e 2006).
tema de incentivos no qual professores/diretores da Outras análises sobre a realidade latino­‑ameri­
escola sofram penalidades ou recebam bonificações cana indicam, por exemplo, que Cuba é um dos paí‑
em função do desempenho dos seus alunos”. Deste ses que apresenta um modelo de accountability onde
modo, conclui, “a política SA [school accountability] um maior número de características, idênticas às já

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mencionadas, parece estar presente. A este propó‑ lientar que há evidências suficientes para afirmar
sito, é referida a existência de padrões educacionais que estamos numa fase ainda inicial de constru‑
rigorosos (estándares) que se aplicam de forma gene‑ ção de modelos e sistemas de accountability em
ralizada; existe uma grande quantidade de informa‑ educação, dado predominarem, em praticamente
ção sobre o progresso dos estudantes (quer baseada todos os casos, as dimensões referentes ao pilar da
em provas de rendimento censitárias⁷, quer baseada prestação pública de contas, isto é, as dimensões
em observações periódicas de aulas); os professo‑ da justificação e da argumentação e, sobretudo, da
res cujo desempenho não é adequado têm, como informação. No mesmo sentido, também parece in‑
consequência, formação adicional ou são afastados suficiente o debate sobre a construção de modelos
da leccionação; os estudantes que não alcancem os de accountability (avaliação, prestação de contas
objectivos recebem atenção individual específica; e e responsabilização) que, para além das questões
existe um sistema de autoridade muito forte e mui‑ metodológicas, incorporem preocupações efectivas
to presente na coordenação e supervisão do sistema com as dimensões éticas, de justiça e de democracia.
educativo (Puryear, 2006, p. 127). Aliás, parece­‑me ser igualmente pertinente que se
Para além das experiências aqui sumariadas, pense sobre a questão da possibilidade de os mode‑
há também muitas outras, noutros países, que não los e formas parcelares de accountability existentes
é possível recensear nesta oportunidade. Referirei virem a ser integrados em políticas e sistemas mais
apenas, para terminar, um dos projectos que está a amplos onde estes e outros valores e princípios se‑
ser revitalizado no México, e que tem a ver com o jam estruturantes. Por outro lado, caberá estudar, de
pressuposto de que os pais, a comunidade escolar e forma mais demorada e sistematizada, os processos
a sociedade civil em geral devem ser os actores cen‑ em curso no âmbito internacional e supranacional,
trais em processos de accountability em educação. nomeadamente no caso da União Europeia, que já
Trata­‑se dos chamados Consejos de Participación constituem (ou que são integráveis em) sistemas de
Social en la Educación (CPSE). Todavia, analisadas avaliação e de accountability, e que têm consequên‑
as experiências mais recentes à luz da tipologia de cias e impactos importantes no próprio nível da go‑
Schedler (1999), ou seja, considerando como ele‑ vernação. Refiro­‑me particularmente à avaliação de
mentos essenciais a informação, a justificação e san‑ políticas e programas e às suas consequências em
ção, nos três estados mexicanos que foram estuda‑ termos de prestação de contas e responsabilização.
dos em maior detalhe verificou­‑se que em nenhum E vale a pena olhar também para outros contextos,
deles foi possível concluir pela existência de um sis‑ nomeadamente para os países da América Latina,
tema de accountability em sentido amplo (Bordon para perceber como alguns modelos, experiências e
et al., 2007, pp. 89­‑90), muito embora, mais recen‑ debates em curso continuam a tomar como referên‑
temente, tenha havido algum impulso de revitaliza‑ cia o que ocorre em países centrais europeus ou nos
ção daqueles Consejos de Participación através do EUA (principais artífices de uma agenda global),
Programa Escuelas de Calidad, nomeadamente em sendo certo que, contraditoriamente (e ainda bem),
matéria de participação cidadã. Neste sentido, estes a problemática da prestação de contas e da respon‑
autores concluem que embora “já tenha sido inicia‑ sabilização (dentro e fora do campo da educação)
do um processo de transparência e de prestação de está também a afastar­‑se de perspectivas eurocêntri‑
contas, a sua consolidação na estrutura do sistema cas, a ganhar outra capacidade reflexiva e a conse‑
educativo, desde a administração até às escolas, guir maior visibilidade social e política em muitos
continua a ser um desafio pendente” na realidade países iberoamericanos. É, aliás, na América Latina
educativa mexicana (Bordon et al., 2007, p. 103). (e mesmo em alguns países asiáticos) que estão a
surgir algumas das alternativas mais democráticas,
participativas e críticas neste campo⁸. Mas este é,
COMENTÁRIO FINAL seguramente, um outro objecto para uma próxima
reflexão.
A julgar pelos exemplos apresentados em relação a
Portugal e a outros países, quero começar por sa‑

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Notas “Progresso dos resultados escolares esperados para
os alunos e redução de taxas de abandono escolar,
1. A expressão answerability poder­‑se­‑á tradu‑ tendo em conta o contexto socioeducativo […]”.
zir em português por respondabilidade, havendo, no 6. Como refere Darling­‑Hammond, os testes são
entanto, “quem refira o conceito de “responsividade uma fonte de informação para um sistema de accounta‑
que consiste na explicação motivada dos fatos per‑ bility, mas não são, em si mesmos, esse sistema: “This
quiridos. […] Ser responsivo significa responder framework also suggests a more limited and appro‑
às questões formuladas, prestar esclarecimentos” priate role for test data as a component of accounta‑
(Mota, 2006, p. 57). bility systems. Assessment data are helpful for crea‑
2. Inspirado na leitura de Schedler (1999), o Qua‑ ting more accountable systems to the extent that they
dro I não pretende seguir exclusivamente este autor, provide relevant, valid, timely, and useful information
tendo sido inseridos acrescentos e enxertos pesso‑ about individual students are doing and how schools
ais (ainda exploratórios). Nele a palavra responsa‑ are serving them. However, indicators such as test sco‑
bilização foi traduzida, de uma forma muito hetero‑ res are information for accountability system; they are
doxa, por responsabilization porque responsability nor the system itself ” (Darling­‑Hammond, 2004, pp.
não parece ter exactamente o mesmo significado que 1080­‑1081). Como escreve outro autor, “las pruevas no
aqui pretendo salientar. son la única fuente de información y ni siquiera cons‑
3. Apesar de o termo “enforcement” aludir, na tituyen un ingrediente esencial para un sistema de
maior parte dos casos, a aspectos relativos a sanções accountability” (McMeekin, 2006, p. 25).
e punições, ele supõe também conotações não neces‑ 7. Os resultados de avaliações por amostra‑
sariamente negativas, como se depreende desta pas‑ gem não são suficientemente divulgados e só um
sagem de Schedler: “[…] we described the exercise pequeno número de países aplica provas que envol‑
of accountability essentially as a discursive activity, as vem todos os alunos (“pruebas censales”), conclui
a sort of benign inquiry, a friendly dialogue between ainda Puryear (2006, p. 127). Por exemplo, no que
accounting and accountable parties. Yet answerabi‑ diz respeito ao Brasil, “em 2005, a primeira avaliação
lity, and the double quest for information and justifi‑ nacional censitária de Português e Matemática no
cation it implies, is not the whole story of accountabi‑ ensino fundamental, chamada Prova Brasil, foi feita
lity. […] In addition to its informational dimension na 4ª e na 8ª série de todas as escolas urbanas, tanto
(asking what has been done or will be done) and its públicas, como privadas” (Brooke, 2008, p. 95).
explanatory aspects (giving reasons and forming 8. O mecanismo público de prestação de contas
judgments), it also contains elements of enforcement denominado “Painel de Inspecção do Banco Mun‑
(rewarding good and punishing bad behavior)” dial” é um bom exemplo para “compreender a natu‑
(Schedler, 1999, p. 15). reza da sociedade civil transnacional que está sur‑
4. Para além destes prémios, o XVII Governo gindo” (Clark et al., 2005, p. 21).
Constitucional, através do Ministério da Educação,
criou ainda um “Prémio Nacional de Professores”, a
ser atribuído anualmente, bem como vários prémios Referências bibliográficas
de mérito, em diferentes áreas (carreira, integração,
inovação e liderança). Afonso, A. J. (2009). Nem tudo o que conta em
5. Relativamente a esta questão, o Decreto Regu‑ educação é mensurável ou comparável. Crítica
lamentar nº1­‑A/2009 decide “Dispensar, neste ano à accountability baseada em testes estandardi‑
lectivo, o critério dos resultados escolares e das taxas zados e rankings escolares. Revista Lusófona de
de abandono, considerando as dificuldades identi‑ Educação, 13, pp. 13­‑29.
ficadas pelo conselho científico para a avaliação dos Andrade, E. C. (2008). ‘School accountability’ no
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efectuada pelo órgão de direcção executiva os indi‑ Bordon, A. M.; González, T. B. & Valle, C. O.
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