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Não se pode chamar simplesmente, instinto parcial infantil a escolha de parceiro

sexual
do mesmo sexo. Nas crianças, contudo, o sexo do parceiro tem muito menos
importância do que nos adultos; e no periodo de latência, dentro das condições
culturais atuais, o aparecimento de certa quantidade de homossexualidade mais ou
menos manifesta (ver pág. 102).
De início, todos os indivíduos podem desenvolver sentimentos sexuais in-
discriminadamente; e a busca de objeto é menos limitada do que se pensa, em geral,
pelo sexo do objeto.
Este fato é muito importante que se tenha em mente. Um poema composto por
certo paciente na infância, em colaboração com o irmão mais velho e a irmã,
permaneceu obscuro, durante algum tempo, na análise. Três homens e três mulheres
nele apareciam e eram impossível compreender quem estes personagens representavam
até a análise mostrar que eram uma dupla representação dos três irmãos.
Independentemente dos respectivos sexos, apareciam ora como homens, ora como
mulheres.
A transferência "contra-sexual", ou seja, a transferência materna para analista
homem ou
a transferência paterna para analista mulher, é ocorrência frequente na prática
analítica.
Para a maioria dos pacientes, o sexo do analista não tem muita importância, lanto
os pacientes homens quanto os pacientes mulheres podem desenvolver e desenvolvem
transferências quer paternas, quer maternas em relação ao analista, seja homem,
seja mulher. Entretanto, certa minoria de pacientes mostra reação dê todo diferente
para com analistas homens e analistas mulheres; minoria que, abrangendo os
homossexuais, se compõe de pessoas que, mais do que outras, estão sob o domínio do
complexo de

castração.
O fato de, na pessoa normal, a escolha de objeto vir, mais tarde, a tornar-se mais
ou
menos limitada ao sexo oposto é um problema em si mesmo; problema que é menos
difícil para o rapaz porque a mae, seu primeiro objeto amoroso, é pessoa do sexo
oposto; o desenvolvimento da moça na direção da escolha normal do objeto mostra-se
mais complicado pelo fato do seu primeiro objeto ter sido objeto homossexual (ver
págs. 80 e segs.).
Certa quantidade de sentimento sexual para com o seu próprio sexo subsiste em todos
os indivíduos como resíduo da liberdade original de escolha.
Esta liberdade pode atribuir-se a uma "bissexualidade" biológica do homem.
Entretanto, a expressão não tem significado muito preciso (210, 1243). O fato de
existirem hormônios femininos no homem e hormônios masculinos na mulher liga-se,
decerto, mas não é idêntico,
ao fato de que todo embrião tem o rudimento tanto do dueto de Wolff quanto do dueto
de Miiller; ou o fato de que ambos os sexos têm uma quantidade de características
rudimentares
do sexo oposto. São fatos que, também eles, devem ligar-se, mas não são,
certamente, idênticos, àqueles em que se baseiam as teorias citológicas no sentido
de que todo ser vivo contém um componente material (feminino) e um componente
locomotor (masculino); e de que
a sexualidade é característica meramente relativa, de maneira que certa célula pode
ser, ela mesma, feminina de referência a uma célula mais masculina e masculina de
referência a uma
mais feminina (752).
Nem sequer é clara a expressão "bissexualidade" na esfera psicológica. Hão de
distinguir-
se três aspectos que com freqüência se confundem: (a) se uma pessoa escolhe um
objeto do mesmo ou do sexo oposto; (b) se uma pessoa tem o objetivo sexual que
consiste em introduzir ativamente parte do seu corpo no corpo do seu objeto, ou se
deseja ter alguma coisa introduzida no seu corpo; (c) se uma pessoa tem na vida, de
modo geral, tipo de atitude ativa, agressiva, ou se tem atitude mais passiva,
expectante. Estes três aspectos de "masculinidade" e
"feminilidade" coincidem, por vezes, no mesmo indivíduo, mas há casos em que,
independentemente um do outro variam de forma que existem homossexuais homens muito
ativos e homossexuais mulheres muito passivas. Na realidade, o que há é que aquilo
que se chama masculino e feminino depende mais de fatores culturais e sociais que
de fatores biológicos. Claro que nos dois sexos ocorrem impulsos tanto com
objetivos ativos quanto com objetivos passivos,
Assim, pois, reduz-se o problema do homossexualismo à questão: Dado que o
homossexual, como qualquer outro ente humano, tem, originalmente, a capacidade de
escolher objetos de um e outro sexo, que é que lhe restringe esta capacidade a
objetos do seu próprio sexo?
A primeira indagação a fazer-se neste contexto diz respeito ao papel desempenhado
por

fatores constitucionais físicos. Sob a pressão de certos conflitos, uns tantos


indivíduos tendem mais do que outros ao emprego dos mecanismos adiante descritos: e
entre os determinantes desta disposição são decisivos os fatores biológicos
(hormonais); fatores cuja índole mais facilmente se compreende depois que se
clarificam as causas psicogênicas do bloqueio da escolha de objeto heterossexual
(verpágs. 315 e 340 e seg.).
Há situações (no mar, nas prisões, por exemplo) em que, não havendo mulheres,
certos
homens que, noutras condições, permaneceriam normais, estabelecem relações
homossexuais.
É o que se chama homossexualismo acidental (555), prova de que, latentemente, todo
homem é capaz de aderir a este tipo de escolha de objeto. Em condições normais, um
homem prefere mulheres como objetos sexuais; nao havendo mulheres de que dispor,
porém, os homens são a sua segunda escolha.
Do mesmo modo que, no homossexualismo acidental, a ausência real de mulher leva os
homens a recorrer à segunda escolha, assim também nos homens homossexuais alguma
outra razão deve excluir a possibilidade da primeira escolha. Quando se investiga
esta outra razão,
um fato impressionante se revela. A rejeição das mulheres por homens homossexuais
é, de modo geral, rejeição claramente genital. Há muitos homossexuais que fazem
camaradagem
com mulheres, que as estimam muito, mas para os quais toda ideia de contato genital
é
repulsiva ou apavoradora. Sempre que a diferença dos genitais dos sexos tem grande
importância para um indivíduo e sempre que as suas relações com os seus semelhantes
são determinadas, em todos os particulares, pelo sexo dos outros, este indivíduo
está sob a forte influência do complexo de castração. Isto vale para os homens
homossexuais, cuja análise mostra, cons-tantemente, que têm medo dos genitais
femininos. Para eles, a vista de uma criatura sem pênis amedronta de tal forma que
o evitam, rejeitando toda relação sexual com parceiro deste tipo (160, 162, 1345).
O homem homossexual, diz Freud, dá tanto valor à existência de um pênis que não o
dispensa no parceiro sexual (566).
No menino, a vista dos genitais femininos pode gerar angústia de dois modos: (1) O
reconhecimento do fato de existirem entes humanos sem pênis leva a concluir que
também o indivíduo em causa pode transformar-se em criatura semelhante; observação
desta ordem efetiva as antigas ameaças de castração (566, 599, 612); ou (2) Os
genitais femininos, pela conexão entre a angústia de castração e as antigas
angústias orais, talvez se percebam como instrumento castrador, capaz de morder ou
arrancar o pênis (814). É frequentíssimo depararcom a combinação de um tipo e outro
de temor.
A mitologia e os sonhos dos homens que têm angústia de castração estão cheios de
ideias de "mulheres fálicas terríveis", como a cabeça de Medusa (cujas serpentes
são símbolos fálicos nítidosj, ou as feiticeiras com um dente saliente, montadas
num cabo de vassoura. Não são apavoradoras estas figuras por serem fálicas, mas,
sim, apesar de

serem fálicas. As características fálicas são tentativas de negar e de


supercompensar a carência, mas a atribuição não logra êxito, continuando a figura a
apavorar mesmo após este acréscimo (634).
O trauma da castração produzido nos meninos pela vista dos genitais femininos não
é, em absoluto, típico dos homossexuais, pois se vê frequentemente também na
história dos heterossexuais. O que é decisivo é a reação a este trauma. Os homens
homossexuais reagem recusando-se a ter que ver, daí por diante, com figuras assim
tão amedrontadoras.
Uns tantos homossexuais, a saber, homens que tiveram, nos primeiros anos de vida,
fixação intensa em um homem (casos em que não houve figura materna, de modo que o
pai
teve de assumir o lugar em geral ocupado pela mãe), regridem, simplesmente, depois
de adquirirem esta atitude, ao seu ponto de fixação e escolhem homens que lhes
recordam o objeto primário (1621). A maioria dos homossexuais, contudo, não
consegue livrar-se com esta faclidade dos seus desejos biológicos normais por
mulheres; estas continuam a atraí-los, mas, por não poderem suportar a idéia de
criaturas sem pênis, eles desejam mulheres fálicas, hermafroditas, digamos assim.
Este desejo agudo de objetos providos de pênis obriga-os a escolher rapazes,
meninos, os quais, todavia, devem ter um máximo de feições femininas. As pessoas
ainda assim aderem aos seus objetos amorosos originais, mas, tendo em vista que os
atributos físicos da feminilidade os repelem, os objetos hão de se apresentar com
aparência masculina. Nas práticas e nas fantasias dos homossexuais, os homens com
vestes femininas
tanto quanto as moças em roupas masculinas desempenham papel importante; e o ideal
homossexual do "pagem" prova que, na realidade, o que eles procuram é "a mulher com
pênis". A psicanálise mostra que os homens homossexuais, em geral, não deixam de
excitar-se sexualmente com mulheres, mas apenas reprimem este interesse e, deslocam
para homens a excitação despertada, originalmente, por mulheres (555). É muito
comum os objetos
masculinos dos homossexuais mostrarem certas características da mãe ou da irmã do
paciente. Um amigo de certo homossexual tinha semelhança impressionante com a sua
irmã;
mais ainda, seu noíne era quase o mesmo que o dela.
A maior parte dos homossexuais não só apresenta amor edipiano pela mãe, tal qual os
indivíduos neuróticos, mas também, em sua quase totalidade, a intensidade da
fixação materna
é ainda mais acentuada. Há casos em que a afeição pela mãe é inconsciente em
absoluto, mas exposta com toda a franqueza.
Seguindo-se à perda de um objeto ou à decepção com um objeto, todo indivíduo tende
a regredir do nível do amor objetal ao nível da identificação; transformar-se no
objeto que não pode possuir. Assim, o homossexual identifica-se com o objeto,
depois que os genitais deste o decepcionaram (608, 1364); o que determina se vai
tornar-se homossexual é de que modo e em que particularidade esta identificação se
realiza. O homem homossexual identifica-se com a

mãe frustradora em certa característica particular: como ela, é a homens que ama.
Em bom número de homossexuais masculinos, a identificação decisiva com a mãe fez-se
com o aspecto de "identificação com o agressor"; isso ocorre nos meninos que
temeram muito as mães.
Em seguida à identificação decisiva, o desenvolvimento posterior pode caminhar em
várias direções:
1. O tipo de indivíduo que é mais narcísico do que "feminino" tenta, antes de mais
nada,
garantir um substituto dos seus desejos edipianos. Depois que se identificou com a
mãe, comporta-se como até aí desejara que a mãe se comportasse para com ele.
Escolhe para objetos amorosos rapazes ou meninos que, para ele. se lhe assemelham e
ama-os e trata-os com a ternura que desejara da parte da mãe. Embora procedendo
como se fosse sua mãe, está centrado, emocionalmente, no seu objeto amoroso, assim
desfrutando ser amado por si mesmo. Este esboço esquemático está sujeito a muitas
complicações. A mulher com quem o
paciente se identificou pode não será mãe, e sim uma irmã, ou outra mulher do
ambiente
infantil. A transferência da mãe para esta outra pessoa pode ter ocorrido em idade
muito tenra, ou simultaneamente com a regressão do amor à identificação.
O tipo de desenvolvimento a que estamos aludindo produz "indivíduos homoeróticos",
que procuram, de forma aíiva, pessoas mais jovens como objetos (164, 465).
Narcisicamente enamorados de si mesmos e do seu pênis "personalidades fálicas"
(verpágs. 495 e seg.), fixados àquele período da vida em que ocorreu a orientação
decisiva, os indivíduos deste tipo
costumam amar adolescentes, estes os representando ao tempo da sua própria
adolescência (555). É frequentíssimo comportarem-se muito ternamente para com os
seus objetos, mas também há vezes em que se a sexualidade lhes houver sido antes
masoquisticamente distorcida, se comportam, a bem dizer, sadicamente em relação a
eles.
Um jovem com dificuldades de carâter apresentou-se à análise com
aparência muito suave e feminina, sempre disposto a ajudar os outros, a vida sexual
manifesta limitando-se à masturbação; tinha muitos amigos homens, pelos quais se
interessava mais do que pelas mulheres. No decurso da análise, ocupou-se muitas
vezes com comentários psicológicos a respeito dos amigos, comentários que, na
realidade, a
ele mesmo se aplicavam. Daí evidenciou-se que os amigos eram escolhidos à base do
tipo narcísico de relação objetal. O paciente dedicava-se aos amigos com ternura
que só
se podia chamar de maternal. Aos poucos, veio a compreender que a sua natureza
passiva se assemelhava à da mãe, que era muito calma. Disse, certa vez: "Minha mãe
e
eu devemos amar-nos muito porque somos companheiros de infortúnio." Estas palavras,
embora tendo significado consciente preciso, ocultavam-lhe a identificação genital
com a mãe "castrada" a quem imitava, inconscientemente, escolhendo amigos que se
pareciam

com ele.
Outro paciente, cuja personalidade e cuja neurose eram dominadas por iden-
tificação com a mãe, sentia o desejo perverso de fazer a namorada urinar na sua
frente, animando-a de modo afetuoso. Representava o papel da mãe, que costumava pô-
lo no urinol quando era neném.
Ocorre o mesmo mecanismo em indivíduos heterossexuais. Os homens narcísicos que, na
infância ou na puberdade, gostavam de pensar em si mesmos como se fossem meninas
podem vir, posteriormente, a se apaixonarem por "menininhas"(mais ou menos
másculas), nas quais vêem a reincarnação deles próprios; depois, tratam estas
meninas como gostariam de ser tratados pelas mães (416). Estes homens não amam os
seus parceiros femininos como entidades individuais, mas, nelas amam as partes
femininas do seu próprio ego ((1565). Uma angústia de castração, semelhante àquela
que ocorre em casos de homossexualidade pode resultar em constelação inconsciente,
na qual a moça narcisicamente escolhida, amada com a ternura que o indivíduo,
outrora, teria desejado para si por parte da mãe, representa tanto a própria pessoa
na sua adolescência como também, especificamente, o seu próprio pênis (482). Há
tipos caracterológicos que são governados pela necessidade de dar a outras pessoas
aquilo que eles próprios não receberam: desfrutam o "receber" mediante
identificação com aquele a quem dão (607). Anna Freud descreveu este tipo de
altruísmo" em que certos prazeres, que os indivíduos são inibidos de dar a si
mesmos, são a outros dados e desfrutados em identificação com estes (541). O amor
se sente pelos amigos privilegiados vem, então, a ser amor muito ambivalente,
misturado a inveja; e virá a transforrnar-se em furor imediato, no caso das moças
não ficarem tão contentes, ou não serem tão felizes quanto os parentes queriam que
fossem.
O mecanismo básico deste tipo de homossexualidade talvez seja também a raiz de
outra perversão, a pedofilia (247, 927). E certo que, por vezes, razões mais
superficiais bastarão para que algumas pessoas se sintam atraídas por crianças,
estas sendo ffacas e mais fáceis de conquistar quando a angústia exclui outros ob-
jetos (Freud disse que a pedofilia era a perversão dos indivíduos "fracos e
impotentes") (555). Em geral, porém,
o amor pelas crianças baseia-se em escolha objetal narcísica, inconscientemente, os
pacientes estão narcisicamente enamorados de si mesmos como crianças; tratam os
seus objetos infantis ou da mesma maneira pela qual gostariam de ter sido tratados,
ou do modo absolutamente contrário (950).
De forma sublimada, os mesmos motivos que produzem a pedofilia produzirão
interesse pedagógico. O amor pelas crianças significa: "Elas devem ser mais felizes
do que eu." Em uma minoria de casos, o inverso será exato: "Elas não devem ser mais
felizes do que eu fui" (128).
A repressão de uma atitude pedofílica resulta, às vezes, numa espécie de medo das

crianças, ou falta de compreensão em relação a elas. Há pessoas que ficam mais ou


menos embaraçadas quando têm de lidar com crianças ou adolescentes. Em grande
parte, estes casos são de pessoas que são forçadas a reprimir o que elas mesmas
sentiam quando eram crianças ou adolescentes. (Em pequeno número de situações, as
"outras crianças" não representam a própria pessoa do indivíduo, mas crianças que
figuraram na sua história infantil: irmãos, por exemplo.)
2. O quadro clínico é muito diverso quando, seguindo-se à identificação com a mãe,
uma fixação anal determina o desenvolvimento posterior. O desejo de gratificação
sexual com a mãe se transforma no desejo de gozá-la do mesmo modo que a mãe goza.
Daí partindo, o pai fica sendo o objeto de amor e o indivíduo esforça-se por
submeter-se-lhe, tal qual se esforça a mãe, de modo passivo receptivo (555). Quando
discutimos a neurose obsessiva, esclarecemos quais são as condições que favorecem a
regressão anal e também deixamos claro que uma regressão anal em homens resulta no
aumento das reações femininas (ver págs. 285 e seg.). A
feminilidade que foi rejeitada e que permaneceu latente vem a tornar-se manifesta
no homossexual deste tipo. E esta a base em que se desenvolvem os indivíduos
"homoeróticos do objeto" (465). Em casos assim, o complexo de Édipo foi resolvido
pela aceitação da atitude edipiana negativa, característica do sexo oposto (608).
Os pacientes deste tipo, por serem "femininos", se comportam manifestamente, por um
lado, de modo muito suave e meigo; mas, doutro lado, podem ser inconscientemente
governados por hostilidade maior ou menor em relação às figuras paternas a que se
estão submetendo. Nur.berg descreveu uma subcategoria deste tipo de homossexuais,
subcategoria caracterizada por intensidade desacostumada da hostilidade latente
(1181). A submissão passiva ao pai cobre a ideia inconsciente de roubar-lhe a
masculinidade na ocasião do conta-to homossexual imagina exercer uma castração
ativa. Na realidade, é freqüente ver que os homens "femininos" não renunciam de
todo aos seus desejos de ser masculinos. Inconscientemente, consideram temporária a
sua feminilidade, vêem nela o meio de conseguir um fim; quando são parceiros
"femininos de um homem masculino, é como se estivessem aprendendo os segredos da
masculinidade com um "mestre", ou como se estivessem roubando a este tais segredos.
Em casos assim, a submissão ao pai combina-se a traços de identificação amorosa,
arcaica e original (oral), com o pai (147). Todo menino ama o pai como modelo a que
gostaria de assemelhar-se; sente-se "discípulo" que, mediante passividade
temporária, pode conseguir vir a ser ativo, posteriormente. Pode-se chamar de amor
de aprendiza este tipo de amor, que é sempre ambivalente porque o objetivo
derradeiro é substituir o.pai. Depois de renunciar à crença na sua própria
onipotência e de projetá-la para o pai, várias maneiras existem pela qual o menino
tenta recuperar a participação na onipotência paterna Os dois extremos opostos são:
a ideia de matar o pai, a fim de tomar-lhe o lugar, e a ideia de propiciá-lo, de
ser-lhe obediente e

submisso a ponto do pai de bom grado conceder a participação. Em toda a escala que
medeia entre estes dois extremos encontram-se homossexuais do tipo que ora
descrevemos (436).
Há homossexuais que são inconscientemente governados pelo amor ambivalente
por "meninos maiores", os quais ousam fazer coisas que eles mesmos não ousam.
Participar das aventuras sexuais "dos meninos levados" tem a vantagem de
proporcionar prazer sexual com menos responsabilidade: "Não fui eu, foram os outros
que fizeram... "O amor por eles associa-se a todos os graus de hostilidade e de
medo em relação a eles. Não é só uma hostilidade inconsciente relativamente ao pai
que se super-compensa com
este tipo de amor, mas também um temor mais antigo do pai. "Já que nos amamos, não
preciso ter medo do meu pai." Esta tentativa de escapar nem sempre, contudo, logra
êxito. As maneiras pelas quais se procura .negar a angústia podem suscitar nova
angústia. Depois de tentar escapara castração como punição de desejos sexuais pela
mãe. o indivíduo agora teme a castração como pré-requisito da gratificação sexual
pelo pai (599).
A feminilidade nos homens, quer dizer, o objetivo sexual que consiste em alguém
fazer o parceiro introduzir alguma coisa no seu corpo liga-se, em geral, à fantasia
de
que se é mulher (163) e frequente, mas não necessariamente, associa-se a
homossexualidade, à escolha de parceiro do mesmo sexo. Baseia-se em identificação
com a mãe, visando a objetivo instintivo. £ um tipo de identificação que ocorre
quando houve fixação anterior nos objetivos de incorporação passivo-receptivos do
período pré- genital. Neste caso quem predomina é a zona erógena anal. Também
existe uma "zona genital passiva" nos homens, a zona da eroge-neidade prostática;
praticamente, no entanto, se entrelaça inextricavelmente à analidade (ver pág. 169
e seg.). É no fato dos objetivos pré-genitais de incorporação serem muito mais
semelhantes à genitalidade feminina posterior do que à genitalidade masculina que
se baseia a "feminilidade" nos homens.
Na realidade, a feminilidade nos homens liga-se sempre à angústia de castração:
(a) A identificação decisiva com a mãe pode resultar do medo da castração, ligado
à vista dos genitais dela. Certos homens, que não são em absoluto homossexuais,
exibem um amor que se apresenta repleto de traços de identificação com a parceira
sexual, a identificação servindo ao fim de combater a angústia. Um paciente que
amava mulheres com este tipo de "amor de identificação" queria provar às
amiguinhas: "Vejam como eu as compreendo e como compreendo todos os interesses de
vocês; vejam de quanta empatia sou capaz, a ponto de não haver realmente, diferença
entre mim e vocês!" A observação relativamente tardia, traumática, dos genitais de
uma mulher transtornara
o desenvolvimento deste rapaz, o qual tinha experimentado o espetáculo como algo
absolutamente estranho; algo temível em que condensara todos os seus arcaicos
temores

de castração, algo que percebia como se fosse perigo oral. Tentava controlar esta
angústia negando que as mulheres fossem diferentes e assumia a seguinte atitude:
"As mulheres são exatamente iguais a mim; não há descobertas a fazer que me
amedrontem, porque sei tudo a respeito de assuntos femininos." Identificado com o
objeto da sua an- gústia, tornara-se "feminino".
(b) Noutros casos de homens "femininos", a atitude que é decisiva é a seguinte:
"Como tenho medo de que os homens me castrem, não quero meter-me com eles, prefiro
viver no meio de mulheres." Estes indivíduos, decerto, são heterossexuais, se bem
que femininos. Têm de reprimir a sua homossexualidade porque esta significaria
tercontato com homens. Os homens deste tipo interessam-se mais pelo homossexualismo
feminino, querem ser "moça entre moças", gostam de brincadeiras e ocupações
femininas. É freqüente este tipo de "feminilidade" conseguir conter a angústia
somente enquanto, por outros meios, lhe é possível negar o fato de as mulheres não
terem pênis.
A feminilidade como proteção contra o perigo da castração pode de todo falhar se
a pessoa não conseguir negar que "transformar-se em mulher" significará perder o
pênis. Vemos nos homens femininos tentativas múltiplas de garantir esta negação;
procuram acentuar o fato de terem de fato pênis, se bem que procedam como se fossem
mulheres; por esta forma, são mulheres com pênis. Raciocínio inconsciente da mesma
ordem que frequentemente se observa pode ser assim formulado: "Tenho medo de que me
castrem. Se proceder feito mulher, pensarão que isto já aconteceu e, assim,
conseguirei escapar."
Em geral, a feminilidade nos homens é expressão de infantilismo, de regressão a
tipos passivos de controle. De início, o amor fálico do menininho pela mãe também
não foi amor ativo (1071). Pequenino, o menino — como a menina — gosta passivai
íente de que cuidem dele; o comportamento "feminino" nos homens pode ser, na
realidade, comportamento infantil; daí não precisar dirigir-se para pessoas do
mesmo sexo, mas poder dirigir-se para substitutas maternas.
Quando discutimos os estados de inibição, descrevemos tipos de homens cuja
atividade é de modo geral inibida; sobretudo, porque, inconscientemente, têm uma
agressividade intensa que receiam (ver págs. 166, e segs.). Os homens deste tipo
sentem, às vezes, que, se fossem mulheres, ninguém esperaria que fossem ativos, daí
por que desenvolvem desejos femininos. A agressividade rejeitada pode, depois,
voltar e a idéia inconsciente que predomina se transformará em: "Se fosse mulher,
teria oportunidade de me vingar dos homens."
Nos homens bissexuais, há vezes em que é difícil determinar se foi o complexo de
Édipo positivo ou negativo que desempenhou o papel primário. Em geral, melhor se

compreenderá a situação se se admitir que o complexo de Édipo normal constitui o


nível mais profundo, ao passo que o complexo invertido é reação ao normal.
3. Como fixações narcísicas e anais podem ocorrer na mesma pessoa, é possível ver
combinações de ambos os tipos de homossexualidade. Expressões como "homoeróticos de
sujeito" e "homoeróticos de objeto" só têm importância relativa. O homossexualismo
ativo num homem serve, às vezes, para reprimir um desejo passivo mais profundo e
vice-versa. Estes tipos constituem a maioria de todas as homossexualidades
masculinas; mas ocorrem vez por outra, outros tipos.
4. Já falamos na possibilidade de alguém que foi criado sem mãe reagir ao trauma da
castração com perda absoluta de interesse pelas mulheres e regresso aos objetos
masculinos da infância.
5. Freud descreveu uns homossexuais "leves", para os quais o modelo masculino de
fixação foi um irmão mais velho e não o pai (607). É frequente ver, na análise
grande amizade entre irmãos do mesmo sexo constituindo super-compensação de ódio
primário. A atitude afetuosa que se desenvolve com o irmão depois de um período de
hostilidade e ódio original ainda se revela, às vezes, em alguns sinais de
ambivalência presente no amor posterior. O amor homossexual deste tipo — que, para
Freud, contribui em grande parte para aquilo que vem a constituir os "sentimentos
sociais" (606) — mistura-se a características de identificação. Os irmãos mais
novos que lograram superar o ódio e a inveja dos mais velhos vêem a estes com
amizade assim que a identificação chega a ponto de aqueles considerarem seus
próprios os êxitos que os mais velhos conseguem. Já não sentem. "Ele venceu e eu
não", mas "Nós ven- cemos". São mecanismos desta ordem que, com frequência,
desempenham papel decisivo no culto patológico dos heróis.
Certo paciente que tinha um irmão muito brilhante conseguira "partilhar-lhe a
glória", mas a inveja primária se traía na sua ruminação obsessiva da ideia da
superioridade de tal ou qual herói.
Este tipo de amor supercompensatório pela identificação serve bem ao propósito ao
fim
de eliminar um ódio importuno e desesperançado, porque o paciente já não precisa
competir com o irmão. Ambos podem dividir entre si, por assim dizer, os campos de
atividade. Certas esferas nas quais maior esforço se faz necessário serão
abandonadas ao irmão pelo fato de que o êxito deste dá toda a gratificação
necessária. Desta forma, evita-se a colisão competitiva com ele. É esta também a
base de certos tipos de "altruísmo", nos quais o êxito que se inveja é deixado de
boa vontade à outra pessoa (604). Pela identificação com esta, o seu êxito é
desfrutado, em situações nas quais, por causa dos sentimentos de culpa, seria
impossível desfrutar o indivíduo o seu próprio êxito (541). O campo da atividade
sexual presta-se de modo particular à influência deste tipo de evasão, graças ao
qual se evita a competição sexual com o

irmão, quando o indivíduo, homossexual, o deseja como objeto.


Claro que existem muitos pontos de contato entre este tipo de identificação
supercompensatória e os tipos de homossexualismo já descritos. O irmão
relativamente ao qual se comporta o indivíduo "altruisticamente" pode representar,
ao mesmo tempo, a imagem daquilo que ele próprio desejara ser. A identificação com
a mãe, é certo, não exclui a presença concomitante de identificação com um irmão em
algum outro nível.
De modo geral, a identificação influi mais no amor homossexual do que no amor
heterossexual. Os objetos homossexuais assemelham-se à própria pessoa do paciente
mais do que os objetos heterossexuais, daí se explicando a relação íntima entre a
homossexualidade e o narcisismo (1364).
A compreensão dos mecanismos da homossexualidade permite voltar ao problema da
etiologia diferencial. As fixações pré-genitais, particularmente as anais, e a
disposição a
substituir relações objetais por identificações são os pré-requisitos necessários;
disposição que se terá de combinar a intensidade especial de narcisismo secundário,
ou seja, do amor a si mesmo. A probabilidade da orientação homossexual aumenta com
a tendência que tenha o menino de identificar-se com a mãe. As crianças, de modo
geral, tendem a identificar-se mais com aquele dos pais do qual haja recebido as
frustrações mais marcantes. E o que explica os achados de Freud no sentido de que
mais tendem a tornar-se homossexuais aqueles homens que hajam tido pai "fraco" ou
que pai algum hajam tido (555); aqueles homens, noutros termos, que tenham sido
frustrados pela mãe em coisas cruciantes. Também vale, no entanto, o inverso: os
meninos que não tiveram mãe inclinam-se, igualmente, para o homossexualismo, sao
porém diferentes, os motivos: o gozo dos prazeres passivos da época pré-Senital,
aos cuidados de um homem e não de uma mulher, cria a disposição Para o
homossexualismo. Freud aventou a hipótese de que o auge da homossexualidade
masculina na Grécia antiga se devesse ao fato dos meninos serem criados por
escravos homens (555).

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