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Por Tarso Coelho, 03/09/2023

Sexualidade e Gênero
Introdução
Cabe distinguir sexualidade e gênero. O primeiro, assunto da biologia, XY ou XX, pênis ou
vagina, no big deal. O segundo, entretanto, tem sido tema recorrente de debates na mídia e
universidade. Nele, portanto, repousa minha atenção.
O medo inconfesso de todo homem é, por mais espantoso que isto soe aos ouvidos femininos, a
possibilidade de não o ser. Desde a infância, sabemos que não é possível reivindicar a
masculinidade como direito natural. Pelo contrário, precisamos prová-la! É, para tanto,
necessário distinguir o que é "coisa de homem" do que não é, evitar "baitolices", entender que
"homem não chora"... exemplos à farta. Quanto às mulheres, a coisa não se dá de maneira
distinta, e a frase "não se nasce mulher, se torna...", embora políticamente desgastada, não deixa
de ser verdade quando tomamos o significante para além duma acepção puramente biológica.
Em ambos os casos, nota-se, pois, a existência, em carácter imagético e cultural, dum conjunto
de percepções historicamente cristalizadas sobre o que é ser homem e mulher, seus diretos,
papeis sociais e formas de significação expressos em cores, roupas, condutas socialmente
esperadas etc. A esse emaranhado simbólico damos o nome de gênero, um conceito que vem
ganhando espaço nas ciências sociais.
Seria possível, contudo, separar gênero e sexualidade?, isto é, negar a existência de fatores
biológicos no processo de subjetivação? Em objeção a essa burrice elegante, vendida aos
incautos como última moda em matéria de ciência, este ensaio objetiva defender uma
compreensão de humanidade conciliadora das noções de sexo e gênero, e demonstrar como a
proposta de redefinição das noções de homem e mulher, a partir duma abordagem pautada
exclusivamente na ideia de gênero, não é, conceitualmente, capaz de resistir a uma análise mais
acurada. Não trato aqui dos casos de disforia de gênero, transtorno estudado pela psiquiatria.
Este trabalho situa-se, mais precisamente, entre a filosofia e antropologia.
Identidade de Gênero
Tenho notado uma tendência nos debates atuais sobre o tema, de ambas as partes, em admitir
como "naturais", no ser humano, apenas os comportamentos com os quais os contendores
previamente simpatizam. Se na ala conservadora a naturalização de certos caracteres aparece
como justificativa para manutenção do status quo, os que se situam no espectro progressista, ao
passo que negam a influência do sexo biológico na determinação do gênero, não tardam,
igualmente, em classificar como inatas as condições homo e transexual.
Em verdade, tratando-se do sapiens, separar natureza e cultura é uma tarefa penosa, muita das
vezes inútil. Até mesmo o tamanho do cérebro, nosso traço mais eminente (natureza), pode ser
explicado em função duma mudança de hábitos alimentares após a descoberta do fogo (cultura).
O mesmo acontece para boa parte das características que hoje atestamos em homens e mulheres,
elas possuem raízes antropológicas muito profundas, que remontam à divisão do trabalho em
sociedades tribais e também, pasmém idiotas, à fisiologia hormonal.
A exemplo disso, o rebolado feminino pode ser facilmente explicado pela presença de um quadril
mais largo, resultado dos níveis de estrogênio, o que torna, para elas, mais difícil manter o centro
de gravidade ao caminhar. No homem, igualmente, o efeito da testosterona aumenta sua
propensão ao risco e agressividade. Ademais, por que mulheres tendem a ser mais
comunicativas? Pois tiveram bastante tempo para aperfeiçoar essa habilidade, em companhia da
prole, ao passo que os homens tinham de permanecer em silêncio ao caçar sob pena de afugentar
a presa. Tais comportamentos foram, ao longo dos séculos, incorporados na cultura, mas tudo
indica que surgiram, num primeiro momento, como formas de adaptação ao mundo natural.
Natureza e cultura estão, portanto, intimamente ligadas no ser humano, de modo que não é
possível, no curso duma investigação antropológica, relegar a uma das duas um papel
secundário. Hoje, todavia, muitas das condições sociológicas que tornaram possíveis o
aparecimento de certos comportamentos já não existem, o que indica que, cedo ou tarde, irão
desaparecer. Trata-se porém, igualmente, de um processo natural.
Conclui-se, de tal modo, que a escolha do gênero, ainda que não seja determinada pelo sexo, o
que seria absurdo, é, certamente, fortemente influenciada por ele. Outra prova disso é que os
transexuais, em seu afã de transmutar-se no sexo oposto, apenas são capazes de reproduzir, nele,
comportamentos notadamente esteriotipados, revelando-se nada mais do que uma paródia sem
graça. Alguns, de fato, conseguem transpor essa barreira, mas são casos raríssimos.

Redefinição das Noções de Homem e Mulher


Tomemos como exemplo uma mulher Fulana, desconfortável em representar o gênero
correspondente ao seu sexo biológico. O que isto a torna? Uma mulher diferente, identificada
com o universo masculino. Houve grandes mulheres assim, como Joana d'Arc e Sarah Emma
Edmonds, e não é preciso ser um gênio para perceber que, entre os polos masculino e feminino,
culturalmente, existêm infinitos níveis de gradação. Contudo, não é o que dirá a teoria de gênero,
ou teoria queer, representada por nomes como Judith Butler (Gender Trouble, 1990) Marilyn
Strathern (The Gender of the Gift, 1988). Na verdade, dirá que Fulana é um homem, malgrado
seu sexo biológico, desde que como tal se identifique. Empenham-se o adeptos da teoria, ainda,
numa luta política em favor dessa ideia, encarnada em reivindicações como: acesso à banheiros
(com base no gênero), reconhecimento do nome social, ensino sobre gênero nas escolas etc.
Observa-se aí, em seu bojo, a predominância de um critério subjetivo para definição dos
significantes "mulher" e "homem", pautado na autoidentificação, aspecto fundamental da teoria
de gênero, em contraste com as definições socialmente consolidadas de homem e mulher,
ancoradas na biologia.
Entretanto, diferente da definição tradicional, a nova não atende às exigências da lógica formal.
Isto acontece pois, segundo o critério da autoidentificação, dois indivíduos podem, atribuindo ao
significante "mulher" noções antagônicas, compartilhar da categoria desde estejam, com elas
(noções), respectivamente identificados.
mesmo que a uma vez identificados com elas, atribuindo ao significante "mulher" noções
distintas e mutuamente excludentes.
Por fim, quem estará certo? Não é preciso muita inteligência para perceber que um significante
capaz de abrigar um número infinito de definições, nada significa, em específico. Isto significa,
por fim, a supressão da utilidade social atribuída correntemente ao significante mulher, e também
a qualquer instituição social hitoricamente ancorada como casamento, direito de família etc. Isto
é bom ou ruim? É correto impor a sociedade a mudanças, a toque de caixa, baseada numa
compressão de humanidade minoritaria, inclusive entre a comunidade acadêmica, e
relativamente nova na história? Não me cabe decidir. Esse texto visa, apenas, esclarecer os fatos.

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