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GEOGRAFIA

POLÍTICA
Fundamentos da
geografia política
Vítor de Oliveira Santos

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

>> Identificar os principais usos da geografia política.


>> Descrever as principais categorias utilizadas no estudo da geografia política.
>> Relacionar as teorias da geografia política com a consolidação do imperia-
lismo europeu.

Introdução
A geografia política é a área do conhecimento que analisa as unidades políticas,
seu desenvolvimento e expansão territorial, tendo como pano de fundo os aspectos
geográficos dos estados. Significa dizer que a geografia política avalia como os
estados são formados, desenvolvidos, expandidos ou até destruídos, considerando
os meios naturais e físicos.
Neste capítulo, você vai identificar os principais usos da geografia política,
aprendendo a descrever as principais categorias e conceitos utilizados no estudo
dessa ciência. Além disso, vai relacionar as teorias e bases da geografia política
no contexto da consolidação do imperialismo europeu.
2 Fundamentos da geografia política

Principais usos da geografia política

Geografia política ou geopolítica: reflexão acerca do


uso dos termos
Você sabe a diferença entre geografia política e geopolítica? Para dar início
a esta seção, usaremos a diferenciação proposta por Backheuser (1942), que
destaca a importância de diferenciar os termos. O termo geopolítica possui
como similares diversas outras palavras que se utilizam do prefixo “geo” — que
denota uma relação com a terra ou elementos do solo —, como a geologia,
geociências, geoquímica, geomorfologia, etc.
Apoiando-se na etimologia da palavra geopolítica, Backheuser (1942) afirma
que geopolítica é a política feita em decorrência das condições geográficas
e que, portanto, não é parte ou capítulo ou parágrafo da ciência geografia,
mas da ciência política.
Backheuser (1942) baseando-se em Rudolph Kjellén, um dos principais
teóricos da geopolítica clássica pontua que a política tem a função de estu-
dar o estado por meio de cinco modos diferentes, que, para ele são como os
cinco dedos da mão que trabalha nas épocas de paz e que luta nas épocas de
guerra. Desses cinco dedos, o dedo polegar é o da geopolítica, que tem por
função a investigação do país, ou seja, o solo político. Os demais elementos
são: a demopolítica, que estuda o povo e as raças e suas relações políticas
enquanto nação; a ecopolítica, que estuda a exploração dos recursos do
país pela nação visando ao desenvolvimento econômico; a sociopolítica, que
estuda a sociedade dentro da nação; e a cratopolítica, cuja função é estudar
as questões de governo e administração, ou melhor, o regime político e as
manifestações da soberania (BACKHEUSER, 1942).
Mais à frente em sua análise sobre os termos geopolítica e geografia
política, Backheuser (1942) apresenta a distinção entre os termos realizada
pelo geopolítico alemão Karl Haushofer. Para ele, a geopolítica é a ciência que
estuda as formas da vida política nos espaços vitais naturais, compreendidos
em sua vinculação ao solo e à dependência dos movimentos históricos. Por
sua vez, geografia política é a ciência da distribuição do poder do Estado, por
meio dos “espaços” da superfície da Terra e na dependência da morfologia,
clima e revestimento florestal deles.
Apesar de trazer significados diferentes, a íntima relação entre a geografia
política e a geopolítica pode ser explicada pela preocupação dos geógrafos
com a análise do território, com as fronteiras e com o espaço geográfico. Essas
categorias, é importante salientar, constituíam as mais importantes unidades
Fundamentos da geografia política 3

de análise para a ciência geográfica, quando essa se preocupava mais com os


fenômenos da política e do poder, na medida em que a preocupação humana
com a geografia se relacionava mais com as vantagens estratégicas que o
conhecimento do espaço, caracterizado pelo meio e pela fisiografia, davam
às comunidades políticas (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
Outros cientistas políticos, em especial o polonês Zbigniew Brzezinski
(1928-2017), afirmam que a geopolítica é a combinação de fatores geográficos
e políticos que determinam a condição de algum estado ou região, focando
o impacto da geografia sobre a política (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
Para Meira Mattos (1913-2007), um dos grandes nomes da geopolítica
nacional, há uma diferenciação entre a geografia política e a geopolítica
que se baseia na maneira como se analisa a interação entre a política e a
geografia. Metaforicamente, para ele, enquanto a geografia política analisa
seus objetos como uma fotografia, algo estático, a geopolítica analisa o seu
objeto como sendo um filme. Para esse autor, a geopolítica é o resultado
da interação dinâmica entre três fatores, que são a política, a geografia e a
história, e que conduz à uma análise das possibilidades de acontecimentos
do Estado (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
A geografia política consiste em uma ciência básica, fundamental. Enquanto
a geopolítica é uma ciência prática e aplicada. Indo mais a fundo, o desen-
volvimento da geografia política, enquanto um rol de teorias fundamentais
e relativamente universais, sempre se deu por uma prática acadêmica que
procurava manter um distanciamento crítico e uma autonomia ante aos
objetivos mais imediatistas e pragmáticos.
Por isso, pode-se dizer que a geografia política é um conjunto de ideias
políticas e acadêmicas sobre as relações da geografia com a política, na me-
dida em que o conhecimento produzido por esse campo do saber é resultado
da interpretação dos fatos políticos, em momentos distintos da história e
em diferentes lugares, se apoiando em uma reflexão teórica e conceitual
desenvolvida na própria geografia ou em outros campos do saber, como a
ciência política, a sociologia, a antropologia, entre outros (CASTRO, 2019).
A geopolítica, por outro lado, é dotada de desconfianças, que se rela-
cionam com à sua utilização na primeira metade do século XX, nas políticas
expansionistas, bélicas e coloniais, consistindo em um saber engajado e
comprometido com o poder.
4 Fundamentos da geografia política

Fundamentos e usos da geografia política


Para Teixeira Júnior (2017), autores importantes para a construção do pen-
samento geográfico, como Vidal de la Blache, são considerados os maiores
representantes do que se chama “escola possibilista”. O possibilismo, campo
oposto ao determinismo geográfico, assenta o seu raciocínio na compre-
ensão de que a liberdade causa um impacto na forma e no alcance em que
o espaço geográfico limita ou possibilita a ação dos seres humanos, e o
elemento humano/racional manifesta-se por meio da política. Desse modo,
a relação entre o homem e a geografia é mediada pelo fator político e o que
fundamenta essa escola geográfica são o progresso e a crença na ciência e
na técnica, fatores que fazem com que a balança entre a racionalidade e a
geografia penda a favor do homem (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
A escola possibilista trouxe grandes contribuições para a ciência geo-
gráfica e para os alicerces da geografia política. Porém, foi no determinismo
germânico (ou alemão) que a geografia política e a geopolítica se desenvol-
veram enquanto disciplina. Ainda no século XIX, já existia a ideia de que a
política mediava as relações entre o ser humano e o seu meio de vivência.
Não obstante, o determinismo geográfico acreditava que o fator físico, ou
seja, o meio natural, os fatores geográficos, climáticos, etc., tinha um papel
preponderante na explicação do processo civilizatório (COSTA, 2008).
Percebe-se, assim, que a escola geográfica alemã, calcada pelo determi-
nismo germânico, foi fortemente influenciada pelo naturalismo e pelas ideias
de Charles Darwin, resultando em uma base teórica-filosófica de conteúdo
determinista para a explicação dos fenômenos, inclusive os políticos (COSTA,
2008).
Para Castro (2019), a tradição do determinismo da natureza na geografia
política foi um prolongamento de uma antiga preocupação de filósofos, como
Montesquieu, sobre a possibilidade de explicar a fluidez da vida política com
argumentos embasados em fatores estáveis, quase imóveis como o meio físico
(natureza), e durante muito tempo houve um esforço para mostrar como a
distribuição dos continentes e oceanos, montanhas, rios, climas, etc., afeta-
vam a maneira como a humanidade dividia o mundo em estados e impérios
e como essas unidades brigavam entre si para adquirir poder e influência.
Sendo assim, semelhante ao que ocorria nos fenômenos do mundo natural,
o estudo da relação homem-meio, elo criado pela ciência geográfica, seria
realizado por meio da ótica biológica, em que o Estado consistia em um
“organismo vivo”, possuindo necessidades biológicas, como a busca voraz
por recursos e o estímulo natural à expansão.
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Esse determinismo geográfico alemão, que condicionava o entendimento


da política aos preceitos da natureza, aproximou, cada vez mais, a geografia
da ciência política, estritamente nas manifestações da política de poder, a
exemplo da expansão, a guerra, a conquista de territórios com finalidade de
sobrevivência e aumento de poder do Estado (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
A expressão geografia política foi utilizada em 1750 pelo filósofo francês
Turgot na tentativa de apresentar um “tratado de governo”, uma formalização
da intersecção do político com o geográfico. A preocupação de Turgot era
demonstrar que um governo começa no estudo dos elementos geográficos
da política, que é anterior à participação e à ação política propriamente
ditas (CASTRO, 2019).
Porém, foi apenas no final do século XIX que a concepção moderna de
geografia política foi estabelecida como terminologia e área de conhecimento
nas ciências sociais, sobretudo pela institucionalização da geografia e o
reconhecimento da geografia política como uma subdisciplina formal na
Alemanha, a partir dos trabalhos de Friedrich Ratzel.
Na área da geografia política, poucos autores são tão representativos de
uma escola de pensamento como Ratzel. A sua obra ecoou no pensamento
geográfico, passando pela geografia política e pela geopolítica, e a sua con-
tribuição é fundamental para entender o vocabulário político e estratégico
utilizado por governantes e estadistas, bem como para compreender as
grandes guerras da primeira metade do século XX (TEIXEIRA JUNIOR, 2017).
A articulação entre o Estado e a sua geografia, a relevância do “espaço
vital” (Lebensraum) e o imaginário da tendência natural à expansão territorial
que os estados possuiriam, impactou fortemente a elaboração e evolução
das teorias geopolíticas, e influenciou as ciências humanas, de forma geral,
sobretudo no campo das relações internacionais e da sociologia.

O conceito de espaço vital, do alemão Lebensraum, representa o


equilíbrio entre a sociedade e os recursos naturais disponíveis,
visando ao suprimento de suas necessidades com a pretensão de expandir as
suas fronteiras.

Ratzel pontuou, assim como outros teóricos da geopolítica, como Kjellén,


que o Estado era um ente naturalmente político, mas também orgânico. Uma
vez entendido como entidade viva, um organismo dinâmico, era constituído
por um corpo político e institucional (uma expressão formal do Estado), pelo
território (espaço), e pelo povo (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
6 Fundamentos da geografia política

Uma vez considerado como um organismo vivo, o Estado apresenta uma


tendência natural à expansão, como já foi dito, e desse modo, nem sempre
reuniria as condições necessárias essenciais à sua sobrevivência e susten-
tação. A ausência de recursos e as pressões populacionais se apresentariam
como grandes desafios, mas seriam incluídos no desafio de atingir o espaço
vital. Foi observando a expansão territorial dos Estados Unidos da América,
na segunda metade do século XIX, que Ratzel notou que a expansão do Estado
não é uma pulsão natural, mas está assentado na conquista do espaço vital
(COSTA, 2008).
Ratzel se esforçou para elaborar uma verdadeira teoria das relações entre
a política e o espaço, lançando o conceito de sentido de espaço, segundo o
qual alguns povos tinham maior capacidade de ordenar as paisagens, valorizar
os recursos naturais disponíveis em seus territórios, e de se fortalecer por
meio de seu próprio apego ao território (CASTRO, 2019).
O teórico alemão, assim, elaborou sete pontos que esclarecem o en-
tendimento sobre as motivações, as causas e os mecanismos por trás do
comportamento expansionista do Estado. De acordo com Castro (1999) estas
setes leis seriam:

1. O espaço dos estados deve crescer com a sua cultura.


2. O crescimento do Estado-nação segue outras manifestações de cres-
cimento do povo, devendo, assim, preceder o crescimento do próprio
Estado.
3. O crescimento do Estado se manifesta pela adição de outro Estado
dentro do processo de amalgamação (processo constitutivo da cons-
trução e da expansão dos estados).
4. A fronteira é o órgão periférico do Estado.
5. Em seu crescimento, o Estado luta pela absorção de seções politica-
mente importantes.
6. O primeiro ímpeto para o crescimento territorial vem de outra civi-
lização superior.
7. A tendência geral para a anexação territorial e amalgamação transmite
o movimento de Estado para Estado e aumenta a sua intensidade.

Pode-se constatar que, olhando o mundo e a geopolítica calcada no evo-


lucionismo darwinista, o progresso da razão e da cultura ocorre simultane-
amente à luta entre povos, estados e culturas por recursos escassos, onde,
em meio a tudo isso está a consolidação de um Estado, do território e da
segurança. Como um corpo vivo, o Estado tende a expandir, originado no cres-
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cimento endógeno, particularmente, na cultura de sua população. Ao atingir


o crescimento natural, o corpo do Estado busca a expansão, incorporando
outros Estados e territórios, por meio da amalgamação (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
O comportamento expansionista gera tensões nas zonas de expansão
imediata, ou seja, nas fronteiras, e como Costa (2008) afirma, a constituição
dessa forma maior de institucionalização do poder político determina a fixa-
ção, cada vez mais rígida dos limites entre as sociedades-nações. É a fronteira
que mantém o caráter definidor e estratégico do Estado — definidor porque
o sentido de fronteira só é revelado quando a coletividade se identifica e
controla determinado território, delimitando o espaço como resultantes de
um antagonismo de necessidades e vontades manifestado por relações de
força, poder e violência; estratégico porque esses mesmos limites apontam
para a zona de expansão do Estado (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
De acordo com Castro (1999), a noção de fronteira, propriamente dita,
surge quando um povo que habita determinado território adquire consciência
nacional, ou seja, a noção de pátria. É essa consciência que dá sentido à ideia
de nação, fundamental para a identificação do corpo político institucional e
de seu povo — o Estado-nação. Ratzel, nesse mesmo sentido, afirmava que,
como as culturas estavam contidas dentro de países ou estados, era esperado
que as suas fronteiras se movessem e ocorresse a expansão. Sendo assim,
quanto mais desenvolvida fosse uma cultura, maior era a probabilidade de
expansão do Estado para territórios de outros países, provavelmente dotados
de culturas menos adiantadas.
Sendo assim, na luta interminável por sobrevivência e segurança, gerada
pelas tensões causadas pela busca do espaço vital, os estados nascem,
crescem (expandem) e morrem. Kjellén, pontuava que o Estado poderia ser
compreendido como um organismo vivo, onde o território é o corpo do Estado,
a capital e os centros administrativos compõem o coração e os pulmões; os
rios e estradas, suas veias e artérias; as áreas produtoras de matérias-primas
e produtos alimentícios são os seus membros (CASTRO, 1999).
A geografia política de Ratzel tinha, portanto, a tarefa de demonstrar
que o Estado é uma realidade humana que só se completa sobre o solo do
país. Nessa perspectiva, os Estados são percebidos como organismos que
mantêm uma relação necessária com o solo e que, por esse motivo, devem
ser considerados sob o prisma geográfico (CASTRO, 2019). Ratzel pontuava,
ainda, que o sentido geográfico jamais faltou aos homens de Estado, sendo
dissimulados pelo nome de “instinto de expansão”, “vocação colonial” ou
de “sentido de poder”.
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Principais categorias e conceitos utilizados


no estudo da geografia política
A geografia política analisa como os fenômenos políticos se territorializam e
recortam espaços significativos das relações e vivências sociais, dos interesses
da sociedade, solidariedades, conflitos, controle, dominação e poder (CASTRO,
2019). Em uma linguagem geográfica, esses espaços podem ser identificados
como fronteiras, centro, periferia, unidades políticas, etc.
Apesar das diferenças entre a geopolítica e a geografia política, ambas
utilizam vocabulários e conceitos em comum, como espaço, território, fron-
teiras, região e Estado-nação. Esses termos aparecem com frequência nas
bibliografias tanto da geopolítica quanto da geografia política, e, por isso,
se faz necessário o entendimento desses fundamentos.

O espaço (geográfico?)
Segundo Corrêa (2000), o conceito de espaço aparece como vaga, ora associada
a uma porção especifica da superfície terrestre identificada pela natureza,
ora por um modo específico como o ser humano deixou as suas marcas, ou,
ainda, como uma referência à mera localização. Mais do que isso, a palavra
espaço tem o seu uso associado a diferentes escalas, desde a global até a
um cômodo de uma casa (CORRÊA, 2000).
Todavia, o espaço, na ciência geográfica, é abordado de modos distintos
entre as diferentes correntes do pensamento geográfico. Na geografia tra-
dicional, por exemplo, o espaço não se constitui como um conceito-chave,
sendo que os debates nessa escola incluíam mais os conceitos de paisagem,
região natural, região-paisagem. A abordagem espacial, naquele momento
(1870-1950 aproximadamente), era bastante secundária.
A despeito dessa associação coadjuvante dada ao espaço, esse conceito
está presente nas obras dos geógrafos tradicionais. Em Ratzel, por exemplo,
o espaço é visto como uma base indispensável para a vida do homem, encer-
rando as condições de trabalho, sejam essas condições naturais ou condições
socialmente produzidas. Desse modo, o domínio do espaço transforma-se
em elemento crucial na história do homem (CORRÊA, 2000).
Já para a geografia teorético-quantitativa (aproximadamente em 1950),
o espaço é considerado sob duas formas que não se anulam: a noção de
planície isotrópica e a representação matricial.
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A planície isotrópica é uma construção teórica que resume uma


concepção de espaço que é derivada de um paradigma racionalista
e hipotético-dedutivo. Como ponto de partida, tem-se uma superfície uniforme
abrangendo a geomorfologia, o clima e a cobertura vegetal, assim como a ocu-
pação humana. Sobre essas planícies de lugares iguais são desenvolvidas ações
que levam à diferenciação do espaço. O ponto de partida é a homogeneidade e o
ponto de chegada é a diferenciação espacial, que visa a um equilíbrio espacial.
Na representação matricial, a geografia é considerada uma ciência espacial,
que estudaria os fenômenos sociais e naturais sob a mesma ótica. Assim, rios e
lugares centrais poderiam ser analisados de uma mesma forma. Desse modo, o
espaço geográfico poderia ser representado por uma matriz.
O risco dessa abordagem é que ela trata o espaço de um modo muito li-
mitado, visto como uma variável independente, em que as contradições, os
agentes sociais, o tempo e as transformações inexistem ou são colocadas em
um segundo plano. Dá-se maior importância, aqui, a um presente eterno, com
uma noção paradigmática de equilíbrio (CORRÊA, 2000).

Para a geografia crítica, o espaço desempenha um papel decisivo na es-


truturação de uma totalidade, de uma lógica ou de um sistema. Esse espaço,
bastante relacionado com a prática social não deve ser considerado como
um espaço absoluto, vazio, representado por números, como na geografia
teorética-quantitativa, nem como um produto da sociedade. O espaço, aqui,
não é ponto de partida, nem o ponto de chegada. Mas também não é um
instrumento político, uma área de ações individuais ou coletivas. O espaço,
para a geografia crítica é mais do que isso, engloba essas concepções e, ainda,
as ultrapassa. É o lócus da reprodução das relações sociais de produção
(CORRÊA, 2000).

Território: espaços de poder?


A categoria território, segundo Souza (2000), é um espaço definido e delimitado
por — e a partir — de relações de poder. Por sua vez, o poder é uma habili-
dade humana de não apenas agir, mas de agir em uníssono, coletivamente,
em comum acordo. O poder não é nunca a propriedade de um só indivíduo:
pertence ele a um grupo e existe somente enquanto esse grupo estiver unido
(SOUZA, 2000).
Souza (2000) aponta que quando se diz que “alguém está no poder”, está
dizendo que essa pessoa se encontra investida de poder, por determinado
número de pessoas, para atuar em seu nome.
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Ao considerar o território, a questão principal não é refletir sobre quais


são as características geográficas, ecológicas e os recursos naturais de uma
certa área, ou o que se produz, ou quem produz em determinado espaço,
ou mais subjetivamente, quais as ligações de afeto e identidade entre uma
sociedade e o seu espaço. Apesar de esses elementos serem importantes
para a compreensão e o surgimento do território, o cerne da questão é: quem
domina ou influência e como se domina ou influencia esse espaço? Uma vez
que o território é um instrumento de exercício de poder, outro questionamento
pode ser feito: quem domina ou influencia quem nesse espaço e como esse
exercício de dominação é realizado? (SOUZA, 2000).
Todavia, é necessário aprender a despir o conceito de território da capa
de imponência com a qual se encontra, muitas vezes, vestido. O conceito
de território evoca, normalmente, “território nacional” e nos faz pensar no
Estado, que é o gestor do território nacional, em grandes espaços, sentimen-
tos patrióticos, em governo, dominação, guerras, etc. O território pode ser
compreendido, também, em escala nacional e em associação com Estado.
Todavia, esse conceito não precisa e nem deve ser diminuído a essa escala
ou à associação com a figura estatal. Os territórios existem, são construídos
e desconstruídos nas diversas escalas (da local à internacional, das ruas e
bairros aos blocos econômicos), dentro dos mais diferentes tempos (dias ou
séculos) (SOUZA, 2000).
Na geografia política clássica, o território aparece como espaço concreto
em si, ou seja, com os seus atributos naturais e socialmente construídos, que
é apropriado, isto é, ocupado por um grupo social e essa ocupação é vista
como algo gerador de raízes e identidade, no sentido de que um grupo não
pode ser compreendido sem o seu território, no sentido de que a identidade
sociocultural dos cidadãos estaria ligada aos atributos do espaço concreto
(natureza, paisagem), isso segundo Souza (2000).
Os limites do território, ainda de acordo com Souza (2000), não são imu-
táveis, pois as fronteiras podem ser alteradas, comumente pela força bruta
e pelo uso da violência, mas cada espaço seria, enquanto território, território
durante todo o tempo, isso porque apenas a durabilidade poderia ser geradora
da identidade socioespacial.
Uma outra maneira de se tratar a questão do território, mais abrangente e
mais crítica, pressupõe uma flexibilização da visão do que seja esse conceito:
e não propriamente um descolamento entre as ideias políticas e culturais da
sociedade. Sob esse ponto de vista, o território é um campo de forças, uma
teia ou rede de relações sociais que, considerando toda a sua complexidade,
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define, simultaneamente, um limite, que é a diferença entre “nós” (membros


da coletividade — insider) e os “outros” (os de fora, outsiders) (SOUZA, 2000).
Ao refletir sobre as ideias de território, outros conceitos são trazidos à
tona. Pode-se pensar em soberania, fronteiras, Estado-nação, lugares, região.
Uma das funções do território no século XVII era demarcar o espaço de poder
soberano, estabelecendo, assim, fronteiras e limites. A ideia de soberania
está atrelada ao surgimento de uma autoridade suprema (soberano), que é
reconhecida dentro e fora de seus domínios territoriais.
Desse modo, as ideias de território e de fronteira são fundamentais para
distinguir a soberania interna, em que a autoridade política maior é reconhe-
cida como detentora do direito de governar o povo dentro de seu território,
da soberania externa, que garante o direito de uma autoridade soberana
de governar seu próprio território e seu povo sem interferência de agentes
externos, principalmente por parte de outros estados (TEIXEIRA JÚNIOR, 2017).
Na geografia política clássica os elementos primordiais para delimitar os
espaços domésticos e internacionais são os limites e fronteiras. Os limites
delimitam formalmente a extensão territorial do Estado, indicando até onde
vai a soberania do Estado. As fronteiras, por sua vez, se confundem com os
limites, uma vez que, apesar de serem o marco divisor entre duas ou mais
entidades políticas, apontam para um horizonte expansionista.
As nações podem ser compreendidas como grupos de cidadãos que são
ligadas por fatores culturais, por senso de identidade, religião ou território
compartilhado (GILMARTIN, 2009). Já um Estado-nação é o resultado da con-
vergência entre um povo que está imbuído de identidade nacional para um
território organizado, politicamente, por um Estado próprio, que constitui
uma entidade legal e política que exerce poder soberano dentro de seu
próprio território.
Gilmartin (2009) acredita que nem todo estado é um Estado-nação, lem-
brando que estados com mais de uma nação, como a Bolívia, que é um estado
plurinacional, e de nações sem estado, como o caso do povo palestino.
12 Fundamentos da geografia política

Muitas vezes, pode-se reduzir o Estado a uma mera forma de orga-


nização política. Quando se investiga o período que compreende
o fim do século XIX até meados do século XX, encontra-se uma época na qual
povoava o globo terrestre uma variedade de formas de organização política,
entre elas a Estatal. Cidades-estados, impérios e colônias, que foram dando
espaço, gradativamente, no século XX, ao Estado como forma de comunidade
política predominante.
Outra forma de comunidade política é o Estado-nação. Bresser-Pereira
(2017) considera essa unidade como um tipo de sociedade político-territorial
soberana, formada por uma nação, um estado e um território. Um Estado-
-nação é a forma de poder territorial que se impôs nas sociedades modernas a
partir da revolução capitalista, que substituiu os feudos e os impérios antigos
(BRESSER-PEREIRA, 2017).

Conceito de região
Segundo Gomes (2000), a palavra “região” é derivada do latim regere, e com-
posta pelo radical “reg”, que deu origem a outras palavras, como “regente”,
“regência”, “regra”, entre outras. Nos tempos do Império Romano, regione era
a denominação utilizada para designar as áreas que estavam subordinadas
às regras gerais e hegemônicas das magistraturas romanas (GOMES, 2000).
Nesse contexto, o termo “região” surgiu como uma necessidade de um mo-
mento histórico, quando, pela primeira vez, emergiu amplamente a relação
entre a centralização do poder em um local e a extensão desse poder sobre
uma área de grande diversidade social, cultural e espacial (GOMES, 2000).
Para Gomes (2000), no senso comum, a noção de região existe relacionada
a dois princípios fundamentais: o de localização e o de extensão. Assim, a
palavra região pode ser empregada como uma referência associada à loca-
lização e à extensão de um certo fato ou fenômeno, ou, mais além, ser uma
referência a limites mais ou menos habituais, atribuídos a uma diversidade
espacial. A região também tem um sentido muito conhecido como unidade
administrativa, em que a divisão regional é o meio pelo qual se exerce a
hierarquia e o controle da administração dos estados.
Na ciência geográfica, o uso da noção de região é mais complexo à na
medida em que se tentou fazer dela um conceito científico, herdando as
indefinições e a força de seu uso na linguagem comum com as diversas
correntes epistemológicas da geografia. Nesse sentido, tem-se o conceito
de região natural, que surge da ideia de que o ambiente exerce um domínio
sobre a orientação e o desenvolvimento da sociedade (geografia tradicional);
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tem-se a região como uma realidade concreta, física que existe como um
quadro de referência para a população que ali habita (geografia regional
francesa); e tem-se a ideia de que a região é um produto mental, uma forma
de ver o espaço que coloca em evidência as bases da organização espacial
(GOMES, 2000).
Com a crise da geografia tradicional, a noção de região foi rediscutida,
apreendendo que a região não pode ser vista como uma mera evidência
do mundo real-concreto, nem pode ser incluída no mundo científico sem
estar submetida a critérios gerais. Se tornou necessário, então, para que o
conceito de região passasse a ser considerado como um termo científico,
que houvesse uma formulação clara de seu sentido e de seus critérios. O
estabelecimento de regiões, portanto, passou a ser uma técnica geográfica,
um modo de demonstração de uma hipótese e não somente mais um produto
de pesquisas. Regionalizar, assim, passou a ser tarefa de dividir o espaço de
acordo com critérios que são devidamente explicitados e que podem variar
segundo as intenções de cada trabalho (GOMES, 2000).

O imperialismo europeu sob a ótica da


geografia política
O imperialismo, também chamado de “neocolonialismo”, desde a sua origem,
no século XIX, é imanente à expansão (AMIN, 2005), e consiste em uma política
expansionista e de domínio territorial de uma nação sobre outras nações.
Todavia, o imperialismo não se restringe apenas ao domínio político e terri-
torial: ele é uma forma de dominação cultural e econômica.
Arendt (2012) considera que foi a partir de 1884 que o imperialismo euro-
peu, surgido do colonialismo, e gerado pela incompatibilidade do sistema de
estados nacionais com o desenvolvimento econômico e industrial nos últimos
trinta anos do século XIX, iniciou a sua política expansionista por simples amor
à expansão, ou melhor, pela necessidade de expansão, se for considerado o
Estado como um ser vivente. Esse tipo de política expansionista era diferente
das conquistas de caráter nacional, que, anterior ao imperialismo, eram
levadas adiante por guerras de fronteiras. Era diferente também da política
imperialista da formação de impérios mais tradicionais, como o Império
Romano. O imperialismo europeu visava à expansão do sistema capitalista.
Segundo Amin (2005), o imperialismo europeu se desenvolveu em dois
momentos: o primeiro momento foi organizado ao redor da conquista das
Américas, no contexto mercantilista e colonialista iniciado entre os séculos XV
14 Fundamentos da geografia política

e XVI. O segundo momento que alicerçou o movimento imperialista foi baseado


na Revolução Industrial e manifestado pela submissão colonial da Ásia e da
África, consequência do primeiro momento. Sabe-se que a justificativa de
“abrir os mercados”, na verdade era apropriar-se das reservas naturais do
globo terrestre enquanto bastasse.
O imperialismo surgiu quando a classe que detinha a produção capitalista
rejeitou as fronteiras nacionais como barreira à expansão econômica. A
expansão, ainda, é o objetivo permanente e supremo da política, segundo a
ótica imperialista (ARENDT, 2012). Segundo Arendt (2012), essa expansão não
implica as mesmas características da “conquista” colonialista: a expansão
imperialista visava ao permanente crescimento da produção industrial e das
transações comerciais no século XIX e início do século XX.
A expansão, assim, se relacionava ao crescimento industrial enquanto
objetivo, porém a expansão significava o aumento da produção de bens a
serem consumidos. O processo de produção, assim como a necessidade do
homem de produzir e consumir, é ilimitado e quando se reduzem a produção e
o crescimento da economia, as causas são mais políticas do que econômicas,
uma vez que a produção é inteiramente dependente de povos variados, orga-
nizados em corpos políticos distintos que produzem e consomem, também,
de maneira intensa (ARENDT, 2012).
Uma outra característica importante do imperialismo é que, ao contrário
das estruturas imperiais tradicionais, onde as nações-mães se integram
de diversos modos às do império que criam, permanecem as instituições
nacionais separadas da administração colonial. Arendt (2012) aponta que
a estrutura política não pode se expandir infinitamente, ao contrário da
expansão econômica, pois não se baseia na produtividade humana.
De todas as formas de governo, o Estado-nação, para Arendt (2012), é a
que menos se presta ao crescimento ilimitado, pois a sua base, instaurada
no consentimento genuíno da nação, não pode ser estendida além do próprio
grupo nacional, dificilmente conseguindo o apoio dos povos conquistados.
O que os imperialistas queriam, em suma, era a expansão do poder político
sem a criação de um corpo político por meio da eliminação das leis econô-
micas, visando à multiplicação de capital, onde o dinheiro geraria cada vez
mais dinheiro (ARENDT, 2012).
Percebe-se, portanto, que o imperialismo europeu, traz em seu cerne
todas os conceitos abordados pela geografia política: fronteiras, território,
expansão, soberania. Ao contrário, porém, do vivenciado no colonialismo, o
imperialismo, em sua forma contemporânea, visava à dominação econômica
de nações menos desenvolvidas, utilizando apetrechos políticos, aglutinando
Fundamentos da geografia política 15

as estruturas desses países por meio do monopólio, da mão de obra barata,


da riqueza de recursos naturais e insumos presentes nessas nações.

Referências
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jun. 2005.
ARENDT, H. Origens do totalitarismo: antissemitismo, imperialismo e totalitarismo.
São Paulo: Companhia de bolso, 2012.
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BRESSER-PEREIRA, L. C. Estado, Estado-nação e formas de intermediação política. Lua
nova: Revista de Cultura e Política, São Paulo, n. 100, p. 155-185, jan. 2017.
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SOUZA, M. J. L. O território: sobre espaço e poder, autonomia e desenvolvimento. In:
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Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000. p. 77-116.
TEIXEIRA JÚNIOR, A. W. M. Geopolítica: do pensamento clássico aos conflitos contem-
porâneos. Curitiba: Intersaberes, 2017.

Leituras recomendadas
AZEVEDO, A. A geografia a serviço da política. Boletim Paulista de Geografia, São Paulo,
n. 21, p. 42-68, out. 1955. Disponível em: http://www.agb.org.br/publicacoes/index.php/
boletim-paulista/article/view/1311. Acesso em: 24 fev. 2021.
MAGALHÃES, P. T. Império: notas sobre o alcance de um conceito. Relações Internacionais,
Lisboa, n. 39, p. 78-89, set. 2013.
16 Fundamentos da geografia política

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