Você está na página 1de 6

12/07/2022 19:18 DefesaNet - America Latina - DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conheci…

COBERTURA ESPECIAL
-
AMERICA LATINA
- GEOPOLÍTICA
28 de Agosto, 2019 - 13:00 ( Brasília )

DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conhecimento

DARC COSTA,

Rio de Janeiro em 22/08/2019


Vou me dedicar a ver a geopolítica como área do conhecimento, pois ciência para mim
sempre correlaciona fato com princípio.

A epistemologia dedica-se, como vocês sabem, ao estudo da origem, da estrutura, dos


métodos e da validade do conhecimento. Pergunto: Haveria uma epistemologia da
geopolítica? Como afirmava Platão conhecimento não é crença ou opinião. Para ele o
conhecimento é o conjunto de informações explicativo do mundo natural e social que
nos cerca. Teria a geopolítica parte deste conjunto?

Ao responder estes questionamentos faz-se necessário que nos apresentemos como


indivíduos e como sociedade. Somos humanos detendo, portanto, dois atributos que
nos diferenciam de tudo que nos cerca; a razão e a vontade. Tudo que fazemos, as
nossas ações, tem aí suas origens. Nascem da nossa razão, ou da nossa vontade, ou da
conjugação de ambas, razão e vontade. Chamemos nossas ações de intervenções.

Toda e qualquer intervenção responde a um triângulo indissolúvel, indissociável que


une o que fazer (política), ao como fazer (estratégia) e ao com que meios fazer (poder).

https://www.defesanet.com.br/al/noticia/34006/DARC-COSTA--A-Geopolitica-como-Ciencia-e-Area-do-Conheci… 1/6
12/07/2022 19:18 DefesaNet - America Latina - DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conheci…
Munidos desta colocação podemos acrescentar que toda intervenção, como toda nossa
existência, está submetida a dois parâmetros: espaço e tempo. O espaço onde nos
encontramos e o tempo em que vivemos.

O espaço é sensorialmente observável já o tempo não. Isto explica a grande relevância


que o espaço ocupa no estudo da intervenção.

A Geografia é uma disciplina que se dedica ao estudo do espaço e que tem sua origem,
como vocês sabem, na Antiguidade. Já o seu ramo Geopolítica é algo moderno tendo
atingido destaque no século XX. Só surgiu explicitamente como área de conhecimento
no final do século XIX, graças aos estudos de Friedrich Ratzel e Halford Mackinder. Área
de conhecimento que trabalha com a intervenção, que busca responder o que fazer
dado o espaço, o como fazer dado o espaço e com que meios fazer dado o espaço. Ou
seja, Geopolítica surge como sendo Geopolítica, Geoestratégia e Geopoder.

Todos aqui sabemos que o espaço e mais claramente o território, ou seja, o espaço
delimitado tem uma relação com a política, já que ambos, território e política, fazem
parte do processo histórico de formação das sociedades.

Isto faz que na Geografia haja uma subdisciplina que antecede a Geopolítica a chamada
Geografia Política e que buscava compreender como a política era afetada pela
Geografia.

Nos seus primórdios a Geografia Política seguia o pressuposto de ser a natureza quem
conduz o processo, na corrente pós-aristotélica. A Geografia buscava então na natureza
um marco teórico que explicasse a vida política. E o fazia seguindo a tradição filosófica
do determinismo da natureza, já que a vida política estaria apoiada em fatores
estáticos, quase imóveis, como o meio físico.

Foi desta forma que pela primeira vez o termo Geografia Política foi usado. Em 1750, o
filósofo francês Turgot apresentou uma teoria que para ele era um “tratado de
governo” e que na verdade foi uma tentativa de formalizar uma intersecção da
Geografia com a Política. Esta teoria ele formalizou numa obra que nomeou como
Teoria de Geografia Política, algo que claramente havia sido inspirado pela obra de
Montesquieu em especial pelo Espírito das Leis, de autoria desse filósofo.

Todavia, a moderna concepção da Geografia Política como área consolidada e


terminologia das ciências sociais, data do final do século XIX, quando do seu
reconhecimento formal na Alemanha, a partir dos trabalhos do jurista Friedrich Ratzel.

Ratzel vai muito alem da visão da natureza como uma das responsáveis do processo
político. Apoia-se na visão platônica hegeliana do idealismo e da dialética e busca
construir uma teoria das relações entre o espaço e a Política, dando ao espaço sentido,
seguindo a tese de que certos povos moldavam as paisagens, utilizavam os recursos
naturais e se fortaleciam pelo seu enraizamento no território.

Ratzel em um ensaio por ele denominado de Antropogeografia lançou as bases do


pensamento geopolítico, vendo o Estado como um ser que vive, orgânico, que mesmo
com suas imperfeições tinha necessidade, como todo ser vivo, de crescer, sendo esta
expansão uma necessidade orgânica. Uma clara visão hegeliana calçada na história do
devir do Estado.

https://www.defesanet.com.br/al/noticia/34006/DARC-COSTA--A-Geopolitica-como-Ciencia-e-Area-do-Conheci… 2/6
12/07/2022 19:18 DefesaNet - America Latina - DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conheci…
Resumidamente Ratzel fundamentou em sete princípios a importância do território
para o espaço:

1- Há uma tendência de crescimento do espaço de um Estado advindo da conexão


territorial de espaço em espaço, incrementado pela identidade cultural;

2- O primeiro impulso para o estabelecimento territorial e seu crescimento chega a um


estado primitivo vindo de fora por uma civilização superior;

3- Em seu crescimento o Estado tende a incluir secções politicamente valiosas como os


rios, as linhas da costa, as planícies e outras regiões ricas em recursos;

4- A fronteira é um órgão periférico do Estado e, como tal, seu deslocamento é a prova


da retração ou do crescimento estatal mostrando o desempenho forte ou fraco deste
organismo;

5- O crescimento do Estado pode ser verificado pela coerência e integração de


pequenas unidades fruto do amalgama e da absorção de unidades menores;

6- O espaço dos espaços aumenta com o crescimento cultural; e

7- O crescimento dos Estados apresenta sintomas de desenvolvimento cultural, de


ideias, de produção industrial e comercial, algo que precede necessariamente a
expansão efetiva do Estado.

Literalmente de Ratzel:

“Um povo quando perde território ele pode, apesar de contar com menos cidadãos,
conservar ainda muito solidamente o território restante, desde que ali se encontrem as
fontes de sua vida. Mas se seu território se reduz é, de uma maneira geral, o começo
do fim”.

Para Ratzel o território é apresentado como um espaço variável, não é um espaço fixo,
pelo contrário, está sempre propenso a profundas modificações. Para ele um Estado
que almejasse a paz, que não tivesse ameaças a sua integridade territorial, teria que
possuir um amplo espaço que lhe permitisse se defender de invasões provenientes de
quaisquer de suas fronteiras.

Nessa sua teoria Ratzel recorreu à biologia fazendo com que os temas de sua época,
problemas como as disputas territoriais, fossem enfrentados pelo seu discurso.
Propugnava que o poder exercido pelos povos sobre os seus territórios levava ao
fortalecimento dos seus Estados Nacionais.

Ratzel atendia assim a uma necessidade de sua época como posta no Congresso de
Berlim, em 1884, na chamada partilha da África, ao defender que o colonialismo nada
mais era que a simples progressão dos Estados evoluídos, detentores que são de um
expansionismo crescente e que buscam ampliando suas fronteiras conservarem sua
plena vitalidade. Justificava, portanto ações colonialistas colocando a Geografia Política
nas mãos dos dirigentes políticos, econômicos e militares.

Contudo, o termo Geopolítica só aparecerá em 1916, quando um professor sueco


chamado Rudolf Kjellen o utilizou no seu livro O Estado Como Uma Forma de Vida.
https://www.defesanet.com.br/al/noticia/34006/DARC-COSTA--A-Geopolitica-como-Ciencia-e-Area-do-Conheci… 3/6
12/07/2022 19:18 DefesaNet - America Latina - DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conheci…
Kjellen foi um dos grandes ideólogos do célebre Instituto de Munique, tinha suas ideias
embasadas em Ratzel e afirmava que o Estado era sim um organismo vivo e que
deveria se fosse preciso utilizar-se da guerra para crescer territorialmente.

A Geopolítica desde seus primórdios, como vemos, está associada à ideia de poder. O
inchaço dos Estados seria justificado pela necessidade de seu crescimento orgânico.

Outro geógrafo que contribuiu para esta associação foi, sem dúvida, o inglês Sir Halford
Mackinder, que doze anos antes do lançamento do livro de Kjellen, em 25 de janeiro de
1904, proferiu sua notória palestra na Real Sociedade Geográfica de Londres, intitulada
The Geographical Pivot of History, onde defendia a tese da existência do poder
terrestre sobre o espaço mundo. Contraposição à visão de um poder marítimo que veio
a ser apresentado e defendido pelo almirante estadunidense Alfred Mahan.

Mackinder apresentava especial interesse nas estepes da Ásia Central, onde havia se
gestado levas e levas de invasores de terras europeias. Atenção especial ele concedia
às bordas europeias da Ásia, que para ele era o núcleo do grande continente euro-
asiático e que cujos limites de um lado eram as cadeias montanhosas dos Urais e de
outro o Rio Oder. Para ele, esse território, que na sua exposição era
predominantemente russo seria fundamental nas relações de força e poder. Mais
tarde, chamou este espaço de Heartland e a periferia a este espaço de Hinterland.

Na sua teoria Mackinder colocava haver uma rivalidade secular entre dois grandes
poderes antagônicos que disputavam a supremacia mundial: o poder marítimo e o
poder terrestre. O poder terrestre situado no coração da Eurásia que através de uma
expansão centrifuga buscava se apropriar das regiões periféricas da Eurásia com suas
saídas para o mar aberto. Já o poder marítimo se apresentava nas bordas da Eurásia,
nas suas costas marítimas exercendo ali o seu controle e ao praticar uma pressão
centrípeta procurava deixar o poder terrestre encurralado no interior da Eurásia.

Mackinder foi o primeiro diretor da Escola de Geografia da Universidade de Oxford


tornando-se um grande difusor das ideias geopolíticas.

Na década de 20 do século XX estas ideias foram assimiladas e na Alemanha despontou


outro grande nome da geopolítica o general Karl Haushofer. É dele a célebre afirmação
que a geopolítica era a consciência espacial do Estado. Haushofer teve de início uma
relação bastante cordial com Adolf Hitler, tendo assumido, em 1934, a presidência da
Academia Germânica. Contudo essa relação com Hitler é definitivamente rompida
quando da invasão da União Soviética pela Alemanha em 1941.

Foi nas formulações geopolíticas de Haushofer que a Alemanha nazista estruturou sua
visão de espaço como o disposto na definição oficial pelo 3º Reich que dizia que “a
Geopolítica é a ciência dos fundamentos territoriais e raciais que determina o
desenvolvimento dos povos e dos Estados”. A Geopolítica transformou-se assim numa
espécie de ramo da filosofia política do Estado nazista. Embutem-se nela conceitos
como espaço é poder, poder e terra, espaço vital e outros que levaram o 3º Reich a usar
a geopolítica como a própria geografia do fascismo.

Geopolítica tornou-se devido a isto numa disciplina malvista logo após o término de
Segunda Grande Guerra. Isto levou a que muitas de suas teses ressurgissem nomeadas
não mais de Geopolítica, mas sim como Estratégia Nacional. Expurgou-se neste
processo com a Estratégia Nacional muito da visão racista e ideológica que permeava
https://www.defesanet.com.br/al/noticia/34006/DARC-COSTA--A-Geopolitica-como-Ciencia-e-Area-do-Conheci… 4/6
12/07/2022 19:18 DefesaNet - America Latina - DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conheci…
até aquele momento a Geopolítica. Isto se explicita nas obras e formulações do
geógrafo holandês Nicholas Spykman e do americano George Keenan, recriando o que
Mackinder havia denominado de cordão sanitário no entorno da antiga União Soviética.
Nas décadas de 50 a 80 do século XX a Geopolítica travestida de Estratégia Nacional
determinou os rumos da Guerra Fria.

Para nós brasileiros a Geopolítica surge há cem anos, na década de 20 do século XX.
Como este colóquio versa sobre Geopolítica como ciência e área do conhecimento não
me aterei a nossa notável contribuição a essa matéria. Não falarei de vários pensadores
sobre o tema desde Backheuser até Meira Mattos. Sugiro aos organizadores deste
encontro que promovam outro colóquio que versaria sobre o pensamento geopolítico
brasileiro. Mas não posso deixar de mencionar o trabalho seminal de Mario Travassos,
Projeção Continental do Brasil, que se imiscuiu de forma determinante no Projeto
Nacional de Desenvolvimento que vigorou no Estado Brasileiro entre 1930 e 1980.

Mas a conspurcação do termo Geopolítica pelo nazismo proporcionou também


enfatizar um novo discurso de Geografia Política a partir da segunda metade do século
XX conduzindo a dois eixos de investigação. O primeiro pautado por uma perspectiva
neopositivista o outro fundamentado no neomarxismo.

O neopositivismo gerando uma teoria sistêmica que criou um ferramental que


observando o espaço deu origem a estudos ditos de “planificação regional”,
“integração nacional” e “integração regional” apoiado em ideias que lastrearam um
discurso de sistema mundo ou sistema mundial criando uma ordem mundial altamente
complexa e não linear. Criaram-se assim as bases para se buscar impor através dessa
teoria sistêmica na Geografia Política um modelo que se propunha a ser orientador do
estudo de conflitos e um referencial para o estudo de sua complexidade, mas que na
verdade procurou ser unificador na determinação de hegemonia estadunidense pós
1989 e formulador e defensor da globalização.

Já o corrente neomarxista defendia a tese que todos os processos estudados pela


Geografia Política (como, por exemplo, as causas da expansão ou da dominação
territorial dos territórios) seriam mais bem explicados pela sua arguição e
demonstração pela ótica dos meios de produção. Incorporava, portanto a filosofia
marxista a análise geográfica propondo analisar os processos sociais e econômicos
como os geradores de fenômenos sócio-geográficos numa total inversão dos estudos
que sobre o tema se processavam desde a antiguidade. Parece-nos que essa
incorporação marxista aos estudos geográficos, como a existente nos trabalhos de
Massimo Quaim e Henri Lebfevre, nada mais foi do que uma tentativa de dar uma nova
forma de tratamento à Geografia Econômica do que uma reconstrução da Geografia
Política.

Hoje, a moderna Geografia Política conta com um conjunto de técnicas e métodos


muito avançados em suas pesquisas como os possibilitados pelos Sistemas de
Informações Geográficos (GIS ou SIG) o que possibilita em tempo real o processamento
de dados referenciados geograficamente.

Contudo é preciso deixar claro que a Geografia Política convive com a Geopolítica, mas
ambas tem vida totalmente independente. Cumpre mais uma vez enfatizar que a
Geografia Política como é praticada não é Geopolítica e que Geopolítica só faz sentido
no âmbito de Projeto Nacional de Desenvolvimento que se fundamente em ações e
políticas complementares de Estado tanto no plano interno como no externo, com
https://www.defesanet.com.br/al/noticia/34006/DARC-COSTA--A-Geopolitica-como-Ciencia-e-Area-do-Conheci… 5/6
12/07/2022 19:18 DefesaNet - America Latina - DARC COSTA: A Geopolítica como Ciência e Área do Conheci…
planejamento e visão de longo prazo. Este Projeto Nacional de Desenvolvimento deve
ser responsável por aquelas instituições que constituem no terceiro elemento, que em
conjunto com o território e o povo constroem uma nação.

O contexto cada vez mais conturbado das relações internacionais deve nos exigir que
tratemos a Geopolítica observando os princípios que apresentei aqui no inicio do meu
discurso. Não devemos trata-la mais como tem sido feito até agora, como se
vivêssemos no século XX, presos exclusivamente a conceitos que não veem a conquista
do espaço que se faz presente e está em curso, e que a história da Geopolítica com seu
Heartland, Hinterland e Rimland, apesar de ter sua relevância, ficou no passado.

Temos de ultrapassar a visão colonizada que ainda existe nos estudos de Geopolítica no
Brasil que se prendem exclusivamente a formulações do século XX. Temos que
entender que Geopolítica responde exclusivamente ao que fazer dado o nosso
território e a nossa posição geográfica periférica nas terras emersas do planeta, mas
prevalente no hemisfério sul. Entender que a Geoestratégia é que nos possibilitará
transformar esta posição periférica em posição mais central pela integração da massa
continental que nos cerca, a América do Sul e pelo domínio do cordão de ilhas do
Atlântico Sul, algo que nos possibilitará ter acesso irrestrito ao continente africano e
daí à massa eurasiana.

Considerar que o Geopoder é que construirá, com o tempo, pela mutação dos nossos
recursos humanos e naturais a transformação do nosso potencial no nosso poder, de
forma a termos os meios para praticarmos a Geoestratégia, para atendermos a nossa
Geopolítica.

Meus amigos, temos todos de combater as antigas e errôneas ideias que permeiam
muito do imaginário coletivo de que a Geopolítica é uma arma do fascismo e que serve
antes de tudo para fazer a guerra. Nada disso é verdade, tudo isso é fake.

A Geopolítica é a disciplina que faz do território nacional um instrumento de


construção pelo Estado de uma grande e próspera Nação.

https://www.defesanet.com.br/al/noticia/34006/DARC-COSTA--A-Geopolitica-como-Ciencia-e-Area-do-Conheci… 6/6

Você também pode gostar