Você está na página 1de 68

Clínica ampliada e compartilhada

M D 
 D

Clínica Ampliada
e Compartilhada

Braslia – DF
2009
1
Ministério da Saúde

2
M  U  
ecretaria de tenc a o a au de
Poltica acional de Humanizac a o da tenc a o e Gesta o do U

Clínica Ampliada
e Compartilhada

e rie B. extos Ba sicos de au de

Braslia – F
2009
© 2009 Ministe rio da au de.
odos os direitos reservados.  permitida a reproduc a o parcial ou total desta obra, desde que citada a fonte e que na o
seja para venda ou qualquer m comercial.
 responsabilidade pelos direitos autorais de textos e imagens desta obra e da a rea te cnica.
 colec a o institucional do Ministe rio da au de pode ser acessada na ntegra na Biblioteca Virtual em au de do Ministe rio
da au de: http://www.saude.gov.br/bvs
 conteu do desta e de outras obras da ditora do Ministe rio da au de pode ser acessado na pa gina:
http://www.saude.gov.br/editora

e rie B. extos Ba sicos de au de

iragem: 1.a edic a o – 2009 – 50.000 exemplares

Elaborac a o, distribuic a o e informac o es:


M  U  
ecretaria de tenc a o a au de
Poltica acional de Humanizac a o da tenc a o e Gesta o do U
splanada dos Ministe rios, bloco G, edifcio-sede, sala 954
CP: 700058-900, Braslia – F
els.: (61) 3315-3762 / 3315-2782
E-mail: humanizasus@saude.gov.br
Home page: www.saude.gov.br/humanizasus

Coordenador da Poltica Nacional de Humanizac a o:


a rio Frederico Pasche

Projeto gra co e diagramac a o:


lisson brana - u cleo de Comunicac a o/

Revisa o:
Bruno raga o

Fotos:
adilson Carlos Gomes

 M
ocumentac a o e nformac a o
, trecho 4, lotes 540 / 610
CP: 71200-040, Braslia – F
els.: (61) 3233-2020 / 3233-1774
Fax: (61) 3233-9558 Equipe editorial:
E-mail: editora.ms@saude.gov.br ormalizac a o: Vanessa Leita o
Home page: www.saude.gov.br/editora evisa o: Khamila Christine Pereira ilva

mpresso no Brasil / Printed in Brazil

Ficha Catalogra ca

Brasil. Ministe rio da au de. ecretaria de tenc a o a au de. Poltica acional de Humanizac a o da tenc a o e Gesta o
do U.
Clnica ampliada e compartilhada / Ministe rio da au de, ecretaria de tenc a o a au de, Poltica acional de
Humanizac a o da tenc a o e Gesta o do U. – Braslia : Ministe rio da au de, 2009.
64 p. : il. color. – (e rie B. extos Ba sicos de au de)

B 978-85-334-1582-9

1. Humanizac a o do atendimento. 2. au de Pu blica. 3. Gesta o do U. . tulo. . e rie.
CU 35:614

Catalogac a o na fonte – Coordenac a o-Geral de ocumentac a o e nformac a o – ditora M –  2009/0276

Ttulos para indexac a o:


m ingle s: Hospital management: extended general practice and democratic management
m espanhol: Clnica ampliada y compartida
Sumário

Apresentação
05
Por que precisamos
de Clínica Ampliada? 09
O que é Clínica Ampliada?
11
Algumas sugestões práticas
24
Projeto Terapêutico Singular
39
Uma anamnese para a Clínica Ampliada
e o Projeto Terapêutico Singular 47
A reunião de equipe
55
Projeto Terapêutico Singular e gestão
56
Referências
62
Apresentação

 Ministe rio da au de tem rearmado o HumanizaU


como poltica que atravessa as diferentes ac o es e insta n-
cias do istema U nico de au de, englobando os diferentes
nveis e dimenso es da atenc a o e da gesta o.

 Poltica acional de Humanizac a o da tenc a o e Ges-


ta o do U aposta na indissociabilidade entre os modos
de produzir sau de e os modos de gerir os processos de
trabalho, entre atenc a o e gesta o, entre clnica e poltica,
entre produc a o de sau de e produc a o de subjetividade. em
por objetivo provocar inovac o es nas pra ticas gerenciais
e nas pra ticas de produc a o de sau de, propondo para os
diferentes coletivos/equipes implicados nestas pra ticas o
desao de superar limites e experimentar novas formas de
organizac a o dos servic os e novos modos de produc a o e
circulac a o de poder.

perando com o princpio da transversalidade, o Humaniza-


U lanc a ma o de ferramentas e dispositivos para consolidar
redes, vnculos e a corresponsabilizac a o entre usua rios,

5
Ministério da Saúde

trabalhadores e gestores. o direcionar estrate gias e me -


todos de articulac a o de ac o es, saberes e sujeitos pode-se
efetivamente potencializar a garantia de atenc a o integral,
resolutiva e humanizada.

Por humanizac a o compreendemos a valorizac a o dos di-


ferentes sujeitos implicados no processo de produc a o de
sau de. s valores que norteiam essa poltica sa o a autono-
mia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade
entre eles, os vnculos solida rios e a participac a o coletiva
nas pra ticas de sau de.

Com a oferta de tecnologias e dispositivos para congura-


c a o e fortalecimento de redes de sau de, a humanizac a o
aponta para o estabelecimento de novos arranjos e pactos
sustenta veis, envolvendo trabalhadores e gestores do U
e fomentando a participac a o efetiva da populac a o, provo-
cando inovac o es em termos de compartilhamento de todas
as pra ticas de cuidado e de gesta o.

 Poltica acional de Humanizac a o na o e um mero con-


junto de propostas abstratas que esperamos poder tornar
concreto. o contra rio, partimos do U que da certo.

 HumanizaU apresenta-se como uma poltica constru-


da a partir de possibilidades e experie ncias concretas que
queremos aprimorar e multiplicar. a a importa ncia de nos-
so investimento no aprimoramento e na disseminac a o das
diferentes diretrizes e dispositivos com que operamos.
s Cartilhas HumanizaU te m func a o multiplicadora;

6
Clínica ampliada e compartilhada

com elas esperamos poder disseminar algumas tecnolo-


gias de humanizac a o da atenc a o e da gesta o no campo
da au de.

Braslia, 2009.

7
Ministério da Saúde

8
Clínica ampliada e compartilhada

Por que precisamos


de Clínica Ampliada?

xistem dois aspectos importantes para respon-


der a esta pergunta.

 primeiro e que, dentre as muitas correntes teo -


ricas que contribuem para o trabalho em sau de,
podemos distinguir tre s grandes enfoques: o bio-
me dico, o social e o psicolo gico. Cada uma destas
tre s abordagens e composta de va rias facetas;

9
Ministério da Saúde

no entanto, pode-se dizer que existe em cada uma delas


uma tende ncia para valorizar mais um tipo de problema
e alguns tipos de soluc a o, muitas vezes de uma forma
excludente.

este contexto, a proposta da Clnica mpliada busca se


constituir numa ferramenta de articulac a o e inclusa o dos
diferentes enfoques e disciplinas.  Clnica mpliada reco-
nhece que, em um dado momento e situac a o singular, pode
existir uma predomina ncia, uma escolha, ou a emerge ncia
de um enfoque ou de um tema, sem que isso signique a
negac a o de outros enfoques e possibilidades de ac a o.

utro aspecto diz respeito a urgente necessidade de com-


partilhamento com os usua rios dos diagno sticos e condutas
em sau de, tanto individual quanto coletivamente. Quanto
mais longo for o seguimento do tratamento e maior a neces-
sidade de participac a o e adesa o do sujeito no seu projeto
terape utico, maior sera o desao de lidar com o usua rio
enquanto sujeito, buscando sua participac a o e autonomia
em seu projeto terape utico.

o plano hospitalar, a fragilidade causada pela doenc a,


pelo afastamento do ambiente familiar, requer uma atenc a o
ainda maior da equipe ao usua rio.  funcionamento das
quipes de efere ncia possibilita essa atenc a o com uma
responsabilizac a o direta dos prossionais na atenc a o e
construc a o conjunta de um Projeto erape utico ingular.

10
Clínica ampliada e compartilhada

o mesmo modo, no plano da sau de coletiva, ampliar e


compartilhar a clnica e construir processos de sau de nas
relac o es entre servic os e a comunidade de forma conjunta,
participativa, negociada.

rabalhar com diferentes enfoques, trabalhar em equipe, com-


partilhar saberes e poderes e trabalhar tambem com conitos.
s instrumentos aqui propostos - Clnica mpliada, quipes de
eferencia, Projetos erapeuticos ingulares - tem-se mostrado
como dispositivos resolutivos quer seja no ambito da atenc ao
como no ambito da gestao de servic os e redes de saude.

O que é Clínica Ampliada?

e modo geral, quando se pensa em clnica, imagina-se um


me dico prescrevendo um reme dio ou solicitando um exame
para comprovar ou na o a hipo tese de determinada doenc a.
o entanto, a clnica precisa ser muito mais do que isso.

odos sabemos que as pessoas na o se limitam a s expres-


so es das doenc as de que sa o portadoras. lguns proble-
mas, como a baixa adesa o a tratamentos, as iatrogenias
(danos), os pacientes refrata rios (ou “poliqueixosos”) e a
depende ncia dos usua rios dos servic os de sau de, entre
outros, evidenciam a complexidade dos sujeitos que utilizam
servic os de sau de e os limites da pra tica clnica centrada
na doenc a.

11
Ministério da Saúde

 certo que o diagno stico de uma doenc a sempre parte de


um princpio universalizante, generaliza vel para todos, ou
seja, ele supo e alguma regularidade e produz uma igualda-
de. Mas esta universalidade e verdadeira apenas em parte.
sso pode levar a suposic a o de que sempre bastaria o diag-
no stico para denir todo o tratamento para aquela pessoa.
ntretanto, como ja dizia um velho ditado, “Cada caso e
um caso”, e esta considerac a o pode mudar, ao menos em
parte, a conduta dos prossionais de sau de.

Por exemplo: se a pessoa com hipertensa o e deprimida


ou na o, se esta isolada, se esta desempregada, tudo isso
interfere no desenvolvimento da doenc a.  diagno stico
pressupo e uma certa regularidade, uma repetic a o em um
contexto ideal. Mas, para que se realize uma clnica ade-
quada, e preciso saber, ale m do que o sujeito apresenta
de “igual”, o que ele apresenta de “diferente”, de singular.
nclusive um conjunto de sinais e sintomas que somente
nele se expressam de determinado modo.

Quanto mais longo for o


seguimento do tratamento
e maior a necessidade de
participac a o e adesa o do sujeito
no seu projeto terape utico, maior
sera o desao de lidar com o
usua rio enquanto sujeito.

12
Clínica ampliada e compartilhada

13
Ministério da Saúde

Muitos prossionais tendem a considerar tudo o que na o


diz respeito a s doenc as como uma demanda “excessiva”,
algo que violentaria o seu “verdadeiro” papel prossional.
 Clnica mpliada, no entanto, na o desvaloriza nenhuma
abordagem disciplinar. o contra rio, busca integrar va rias
abordagens para possibilitar um manejo ecaz da com-
plexidade do trabalho em sau de, que e necessariamente
transdisciplinar e, portanto, multiprossional. rata-se de
colocar em discussa o justamente a fragmentac a o do pro-
cesso de trabalho e, por isso, e necessa rio criar um contexto
favora vel para que se possa falar destes sentimentos em
relac a o aos temas e a s atividades na o-restritas a doenc a
ou ao nu cleo prossional.

 proposta da Clnica mpliada engloba os seguintes eixos


fundamentais:

1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença

Busca evitar uma abordagem que privilegie excessivamente


algum conhecimento especco. Cada teoria faz um recorte
parcialmente arbitra rio da realidade. a mesma situac a o,
pode-se “enxergar” va rios aspectos diferentes: patologias
orga nicas, correlac o es de forc as na sociedade (econo micas,
culturais, e tnicas), a situac a o afetiva, etc., e cada uma delas
podera ser mais ou menos relevante em cada momento. 
Clnica mpliada busca construir snteses singulares ten-
sionando os limites de cada matriz disciplinar. la coloca
em primeiro plano a situac a o real do trabalho em sau de,

14
Clínica ampliada e compartilhada

vivida a cada instante por sujeitos reais. ste eixo traduz-


se ao mesmo tempo em um modo diferente de fazer a
clnica, numa ampliac a o do objeto de trabalho e na busca
de resultados ecientes, com necessa ria inclusa o de novos
instrumentos.

2. Construção compartilhada dos diagnósticos


e terapêuticas

 complexidade da clnica em alguns momentos provoca


sensac a o de desamparo no prossional, que na o sabe
como lidar com essa complexidade.

 reconhecimento da complexidade deve signicar o reco-


nhecimento da necessidade de compartilhar diagno sticos
de problemas e propostas de soluc a o. ste comparti-
lhamento vai tanto na direc a o da equipe de sau de, dos
servic os de sau de e da ac a o intersetorial, como no sentido
dos usua rios. u seja, por mais que frequentemente na o
seja possvel, diante de uma compreensa o ampliada do
processo sau de-doenc a, uma soluc a o ma gica e unilateral,
se aposta que aprender a fazer algo de forma comparti-
lhada e innitamente mais potente do que insistir em uma
abordagem pontual e individual.

15
Ministério da Saúde

3. Ampliação do “objeto de trabalho”

s doenc as, as epidemias, os problemas sociais aconte-


cem em pessoas e, portanto, o objeto de trabalho de qual-
quer prossional de sau de deve ser a pessoa ou grupos
de pessoas, por mais que o nu cleo prossional (ou espe-
cialidade) seja bem delimitado.

s organizac o es de sau de na o caram imunes a fragmen-


tac a o do processo de trabalho decorrente da evoluc a o
ndustrial. as organizac o es de sau de, a fragmentac a o
produziu uma progressiva reduc a o do objeto de trabalho
atrave s da excessiva especializac a o prossional.

m lugar de prossionais de sau de que sa o responsa veis


por pessoas, tem-se muitas vezes a responsabilidade
parcial sobre “procedimentos”, “diagno sticos”, “pedac os
de pessoas”, etc.  ma xima organizacional “cada um faz
a sua parte” sanciona denitivamente a fragmentac a o,
individualizac a o e desresponsabilizac a o do trabalho,

 certo que o diagno stico de uma


doenc a sempre parte de um princpio
universalizante, generaliza vel para
todos. Mas esta universalidade e
verdadeira apenas em parte.

16
Clínica ampliada e compartilhada

da atenc a o e do cuidado.  ause ncia de resposta para a


pergunta “e quem e este paciente?”, tantas vezes feita
nas organizac o es de sau de e na rede assistencial, e um
dos resultados desta reduc a o do objeto de trabalho.

 Clnica mpliada convida a uma ampliac a o do objeto


de trabalho para que pessoas se responsabilizem por
pessoas.  proposta de quipe de efere ncia e poio
Matricial (ver adiante nesta cartilha) contribui muito para
a mudanc a desta cultura. Poder pensar seu objeto de
trabalho como um todo em interac a o com seu meio e uma
das propostas e desaos aqui colocados.

4. A transformação dos “meios”


ou instrumentos de trabalho

s instrumentos de trabalho tambe m se modificam


intensamente na Clnica mpliada. a o necessa rios
arranjos e dispositivos de gesta o que privilegiem uma
comunicac a o transversal na equipe e entre equipes (nas
organizac o es e rede assistencial). Mas, principalmente,
sa o necessa rias te cnicas relacionais que permitam uma
clnica compartilhada.  capacidade de escuta do outro
e de si mesmo, a capacidade de lidar com condutas
automatizadas de forma crtica, de lidar com a expressa o
de problemas sociais e subjetivos, com famlia e com
comunidade etc.

17
Ministério da Saúde

5. Suporte para os profissionais de saúde

 clnica com objeto de trabalho reduzido acaba tendo uma


func a o protetora - ainda que falsamente protetora - porque
“permite” ao prossional na o ouvir uma pessoa ou um cole-
tivo em sofrimento e, assim, tentar na o lidar com a pro pria
dor ou medo que o trabalho em sau de pode trazer.

 necessa rio criar instrumentos de suporte aos prossio-


nais de sau de para que eles possam lidar com as pro prias
diculdades, com identicac o es positivas e negativas, com
os diversos tipos de situac a o.

 principal proposta e que se enfrente primeiro o ideal de


“neutralidade” e “na o-envolvimento” que muitas vezes co-
loca um interdito para os prossionais de sau de quando o
assunto e a pro pria subjetividade.  partir disto, a gesta o
deve cuidar para incluir o tema nas discusso es de caso
(Projeto erape utico ingular) e evitar individualizar/cul-
pabilizar prossionais que esta o com alguma diculdade
- por exemplo, enviando sistematicamente os prossionais
que apresentam algum sintoma para os servic os de sau de
mental.

s diculdades pessoais no trabalho em sau de reetem, na


maior parte das vezes, problemas do processo de trabalho,
baixa grupalidade solida ria na equipe, alta conitividade,
diculdade de vislumbrar os resultados do trabalho em
decorre ncia da fragmentac a o, etc.

18
Clínica ampliada e compartilhada

 seguir, veremos algumas situac o es concretas.

Três casos concretos

Caso 1

Um servic o de hematologia percebeu que, mesmo tendo


disponvel toda a tecnologia para o diagnostico e o tratamen-
to dos usua rios com anemia falciforme, havia um problema
que, se na o fosse levado em conta, na o melhoraria a anemia
desses usua rios. Essa doenc a acomete principalmente a
populac a o negra que, na cidade em que o servic o funcio-
nava, tinha poucas opc o es de trabalho.

O servic o percebeu que o tratamento caria muito limitado


caso o enfoque fosse estritamente hematolo gico, pois a
sobrevive ncia dos usua rios estava ameac ada pela com-
posic a o da doenc a com o contexto em que os sujeitos se
encontravam. Era necessario criar novas opc oes de trabalho
para esses usua rios do servic o, uma vez que, apenas com o
tratamento convencional, na o seria possvel obter resultados
satisfatorios. A equipe enta o se debruc ou sobre o problema e
propos buscar ajuda em escolas de computac a o, com a ideia
de oferecer cursos para os usua rios com anemia falciforme
que o desejassem, criando assim novas opc o es de trabalho
e melhorando a expectativa de vida.

O servic o buscou aumentar a autonomia dos usuarios, apesar


da doenc a. Ale m disto, ao perceber que as conseque ncias

19
Ministério da Saúde

20
Clínica ampliada e compartilhada

atuais da doenc a tinham determinantes culturais, sociais


e econo micos muito relevantes, criou ac o es pra ticas para
atuar neste a mbito: iniciou conversas na cidade com movi-
mentos sociais diretamente interessados no tema, buscando
atuar junto com estes movimentos, com o poder pu blico
municipal e com outros servic os de sau de.

 servic o de sau de “abriu a roda” (me todo da inclusa o)


para que problemas e soluc o es em relac a o a anemia
falciforme pudessem ser mais coletivos. Houve uma
ampliac a o da compreensa o do processo sau de-
doenc a e uma ac a o em direc a o ao compartilhamento
desta compreensa o.  objeto de trabalho do servic o
de saude se ampliou. Buscou diagnosticar na o somente
os limites e problemas, mas tambem as potencialidades
dos usua rios doentes e da comunidade.

 Clnica mpliada exige dos prossionais de saude,


portanto, um exame permanente dos proprios valores e
dos valores em jogo na sociedade.  que pode ser otimo
e correto para o prossional pode estar contribuindo para o
adoecimento de um usuario.  compromisso etico com o usua-
rio deve levar o servic o a ajuda-lo a enfrentar, ou ao menos
perceber, um pouco deste processo de permanente construc ao
social em que todos inuenciam e sa o inuenciados.

Caso 2

O compositor Tom Jobim certa vez foi perguntado por que


havia se tornado mu sico. Bem-humorado, ele respondeu

21
Ministério da Saúde

que foi porque tinha asma. “Como assim?”, perguntou o


entrevistador. “Acontece que estudar piano era bem mais
chato do que sair com a turma, namorar”, explicou-lhe o
mu sico. “Como eu cava muito em casa por causa da asma,
acabei me dedicando ao piano”.

 exemplo de om Jobim mostra que as pessoas podem


inventar sadas diante de uma situac a o imposta por certos
limites.  Clnica mpliada propo e que o prossional de
sau de desenvolva a capacidade de ajudar cada pessoa a
transformar-se, de forma que a doenc a, mesmo sendo um
limite, na o a impec a de viver outras coisas na sua vida.

as doenc as cro nicas ou muito graves isto e muito impor-


tante, porque o resultado sempre depende da participa-
c a o da pessoa doente e essa participac a o na o pode ser
entendida como uma dedicac a o exclusiva a doenc a, mas
sim uma capacidade de “inventar-se” apesar da doenc a. 
muito comum, nos servic os ambulatoriais, que o descuido
com a produc a o de vida e o foco excessivo na doenc a
acabem levando usua rios a tornarem-se conhecidos como
“poliqueixosos” (com muitas queixas), pois a doenc a (ou
o risco) torna-se o centro de suas vidas.

Caso 3

Ao olhar o nome no prontuario da proxima paciente que cha-


maria, veio-lhe a mente o rosto e a historia de Andreia, jovem
gestante que pedira “um encaixe” para uma consulta

22
Clínica ampliada e compartilhada

de “urge ncia”. Com 23 anos, ela estava na segunda ges-


tac a o, pore m na o no segundo lho. Na primeira vez que
engravidara, ela perdera a crianc a no sexto me s. Estela,
obstetriz experiente, tambe m zera o pre -natal na primeira
gestac a o e po de acompanhar toda a frustrac a o e tristeza
da jovem apo s a perda.

Com o prontua rio na ma o, abriu a porta do consulto rio e


procurou o rosto conhecido. Fez um gesto sutil com a ca-
bec a acompanhado de um sorriso, pensando ou dizendo
de forma inaudvel: “Vamos?”.

Mal fechou a porta e ja ouviu Andre ia dizer, contendo um


choro: “Ele na o esta se mexendo”. Quase escapou de sua
boca uma ordem para que ela se deitasse imediatamente
para auscultar o corac a o do bebe com o sonar. Olhou nos
olhos de Andre ia e, tendo uma su bita certeza do que estava
acontecendo, disse: “Vamos deitar um pouco na maca?”.

Enquanto a ajudava a deitar-se, ainda olhou para o sonar,


conrmando a convicc a o de que na o o usaria... pelo menos
na o ainda.

Andre ia se surpreendeu quando ela disse: “Feche os olhos


e respire fundo”. Pegou a ma o fria de Andre ia, apertou
entre as suas e colocou-a sob a sua ma o, ambas sobre a
barriga. Respirou fundo e procurou se colocar numa postura
totalmente atenta, concentrando-se no instante. Agora eram
ali duas mulheres, reinventando o antigo compromisso de
solidariedade e sabedoria feminina para partejar a vida.

23
Ministério da Saúde

Quanto tempo se passou? Na o saberia dizer. O suciente


para que ele comec asse a se mexer com movimentos for-
tes e vigorosos dentro da barriga, sacudindo as ma os das
mulheres e derrubando la grimas da ma e.

 que aconteceu foi que stela pode mediar uma “conexa o”,
possibilitar uma vive ncia que estabeleceu uma conversa
silenciosa entre ma e e lho e permitiu a ndre ia aprender
a conhecer e utilizar a sua pro pria forc a e lidar com o medo
ao atravessar o “aniversa rio” de uma perda.

Algumas sugestões práticas

A escuta

ignica, num primeiro momento, acolher toda queixa ou


relato do usuario mesmo quando aparentemente na o interes-
sar diretamente para o diagnostico e tratamento. Mais do que
isto, e preciso ajuda -lo a reconstruir e respeitar os motivos
que ocasionaram o seu adoecimento e as correlac o es que o
usua rio estabelece entre o que sente e a vida – as relac o es
com seus convivas e desafetos. u seja, perguntar por que
ele acredita que adoeceu e como ele se sente quando tem
este ou aquele sintoma.

Quanto mais a doenc a for compreendida e correlacionada com


a vida, menos chance havera de se tornar um problema

24
Clínica ampliada e compartilhada

somente do servic o de sau de. ssim o usua rio podera


perceber que, sena o nas causas, pelo menos nos desdo-
bramentos o adoecimento na o esta isolado da sua vida e,
portanto, na o pode ser “resolvido”, na maior parte das vezes,
por uma conduta ma gica e unilateral do servic o de sau de.
era mais fa cil, enta o, evitar a infantilizac a o e a atitude pas-
siva diante do tratamento. Pode na o ser possvel fazer uma
escuta detalhada o tempo todo para todo mundo a depender
do tipo de servic o de sau de, mas e possvel escolher quem
precisa mais e e possvel temperar os encontros clnicos
com estas “frestas de vida”.

Vínculo e afetos

anto prossionais quanto usua rios, individualmente ou


coletivamente, percebendo ou na o, depositam afetos di-
versos uns sobre os outros. Um usua rio pode associar um
prossional com um parente e vice-versa. Um prossional
que tem uma experie ncia ruim com a polcia na o vai sentir-
se da mesma forma ao cuidar de um sujeito que tem esta
prossa o. a o signica, de antema o, uma relac a o melhor
ou pior, mas e necessa rio aprender a prestar atenc a o a
estas sensac o es a s vezes evidentes, mas muitas vezes
sutis. sto ajuda a melhor compreender-se e a compreender
o outro, aumentando a chance de ajudar a pessoa doente
a ganhar mais autonomia e lidar com a doenc a de modo
proveitoso para ela.

25
Ministério da Saúde

 Clnica mpliada traduz-se numa


ampliac a o do objeto de trabalho e na
busca de resultados ecientes, com
inclusa o de novos instrumentos.

esse processo, a quipe de efere ncia e muito impor-


tante, porque a relac a o de cada membro da equipe com
o usua rio e familiares e singular, permitindo que as pos-
sibilidades de ajudar o sujeito doente se multipliquem. em
esquecer que, dentro da pro pria equipe, estes sentimentos
inconscientes tambe m podem ser importantes na relac a o
entre os prossionais da equipe.

Muito ajuda quem não atrapalha

nfelizmente, o mito de que os tratamentos e intervenc o es


so fazem bem e muito forte. ntretanto, ocorre com relativa
freque ncia o uso inadequado de medicac o es e exames,
causando graves danos a sau de e desperdcio de dinheiro.
s diazepnicos e antidepressivos sa o um exemplo. paren-
temente, muitas vezes, e mais fa cil para os prossionais de
sau de e tambe m para os usua rios utilizarem esses medica-
mentos do que conversar sobre os problemas e desenvolver
a capacidade de enfrenta -los.  uso abusivo de antibio ticos
e a terapia de reposic a o hormonal sa o outros exemplos.
Quanto aos exames, tambe m existe uma miticac a o muito
forte.  preciso saber que muitos deles trazem riscos a saude
e limites, principalmente quando sa o solicitados sem os

26
Clínica ampliada e compartilhada

devidos crite rios.  noc a o de sau de como bem de consumo


(“quanto mais, melhor”) precisa ser combatida para que
possamos diminuir os danos. s motivos e as expectativas
das pessoas quando procuram um servic o de sau de pre-
cisam ser trabalhados na Clnica mpliada para diminuir o
nu mero de doenc as causadas por tratamento inadequado
e para na o iludir as pessoas.

Culpa e medo não são bons aliados da Clínica Ampliada

Quando uma equipe acredita que um jeito de viver e o


certo, tende a orientar o usua rio a ter um tipo de compor-
tamento ou ha bito.  usua rio pode encontrar diculdade
em seguir “as ordens”, ter outras prioridades ou mesmo
discordar das orientac o es da equipe. e esta na o tiver
exibilidade, quando percebe que o usua rio na o obedeceu
a s suas recomendac o es, e bem possvel que se irrite com
ele, fazendo cobranc as que so fazem com que o usua rio
tambe m se irrite com a equipe, num crculo vicioso que na o
e bom para ningue m.

 culpa paralisa, gera resiste ncia, ale m de poder hu-


milhar.  mais produtivo tentar construir uma proposta
terape utica pactuada com o usua rio e com a qual ele se
corresponsabilize.

 fracasso e o sucesso, dessa forma, dependera o tanto do


usua rio quanto da equipe e a proposta podera ser mudada
sempre que necessa rio.

27
Ministério da Saúde

Mudar ha bitos de vida nem sempre e fa cil, mas pode se
constituir numa oferta positiva para viver experie ncias
novas e na o signicar somente uma restric a o. tividade
fsica e mudanc as alimentares podem ser prazerosas
descobertas. Mas atenc a o: na o existe so um jeito sauda vel
de viver a vida.

Diálogo e informação são boas ferramentas

e o que queremos e ajudar o usua rio a viver melhor, e na o


a torna -lo submisso a nossa proposta, na o fac amos das
perguntas sobre a doenc a o centro de nossos encontros.
a o comec ar pelas perguntas ta o “batidas”
(comeu, na o comeu, tomou o reme dio,
etc.) ou infantilizantes (“Comportou-
se?”) e fundamental para abrir outras
possibilidades de dia logo.

28
Clínica ampliada e compartilhada

utro cuidado e com a linguagem da equipe com o usua -


rio. Habituar-se a perguntar como foi entendido o que
dissemos ajuda muito. ambe m e importante entender sua
opinia o sobre as causas da doenc a.  comum que doenc as
cro nicas aparec am apo s um estresse, como falecimentos,
desemprego ou prisa o na famlia. o ouvir as associac o es
causais, a equipe podera lidar melhor com uma piora em
situac o es similares, ajudando o usua rio a ampliar sua ca-
pacidade de superar a crise.

s pessoas na o sa o iguais e reagem diferentemente aos


eventos vividos. le m de interesses, existem forc as inter-
nas, como os desejos (uma comida especial, uma atividade
importante) e tambe m forc as externas – a cultura, por exem-
plo – que inuenciam sobre o modo de viver. presentar os
possveis riscos e necessa rio, de modo que o usua rio possa
discut-los e negociar com a equipe os caminhos a seguir.

29
Ministério da Saúde

Doença não pode ser a única preocupação da vida

Muitas doenc as te m incio em situac o es difceis, como


processos de luto, desemprego, prisa o de parente, etc.,
e a persiste ncia dessas situac o es pode agrava -las. 
importante, nesses casos, que a equipe tenha uma boa
capacidade de escuta e dia logo, ja que parte da cura ou
da melhora depende de o sujeito aprender novas formas
(menos danosas) de lidar com as situac o es agressivas.

 ideia de que todo sofrimento requer uma medicac a o e


extremamente difundida, mas na o deve seduzir uma equi-
pe de sau de que aposte na capacidade de cada pessoa
experimentar lidar com os revezes da vida de forma mais
produtiva.

vitar a depende ncia de medicamentos e essencial. u-


mentar o interesse e o gosto por outras coisas e novos
projetos tambe m e .

 vida e mais ampla do que os meios que a gente vai


encontrando para que ela se mantenha sauda vel.  pro-
cesso de “medicalizac a o da vida” faz diminuir a autonomia
e aumenta a depende ncia ou a resiste ncia ao tratamento,
fazendo de uma intermina vel sucessa o de consultas, exa-
mes e procedimentos o centro da vida.

 medicac a o deve ser encarada como se fosse um pedido


de tempo numa partida esportiva: permite uma respirada

30
Clínica ampliada e compartilhada

e uma reexa o para continuar o jogo. Mas o essencial e o


jogo e na o sua interrupc a o.

A clínica compartilhada na saúde coletiva

 relac a o entre os servic os de sau de e os sujeitos coletivos


tambe m pode ser pensada como uma relac a o clnica. Como
construir pra ticas de sau de neste campo, mais dialogadas,
menos infantilizantes, mais produtoras de autonomia,
menos produtoras de medo e submissa o acrtica? alvez
uma pergunta adequada seja: o quanto nossas pra ticas
de sau de coletiva precisam do medo e da submissa o para
funcionar?

 Poltica acional de Combate a ids pode nos ensinar


alguma coisa sobre o assunto, na medida em que procura
os movimentos sociais (sujeitos coletivos) como parceiros
de luta no combate a doenc a. s campanhas baseadas no
medo foram substitudas ha muito tempo por campanhas
mais instrutivas e que apostam na vida e na autonomia das
pessoas. stas sa o, talvez, as principais caractersticas de
ac oes de sau de coletiva ampliadas: buscar sujeitos coletivos
como parceiros de luta pela sau de, em vez de buscar perpe-
tuar relac o es de submissa o. ste compromisso nos obriga a
buscar as pote ncias coletivas, evitar a culpabilizac a o, estar
atentos a s relac o es de poder (macro e micropolticas).

31
Ministério da Saúde

Equipe de Referência e Apoio Matricial

 conceito de quipe de efere ncia e simples. Podemos


tomar como exemplo a equipe multiprossional de au de
da Famlia, que e refere ncia para uma determinada popula-
c a o. o plano da gesta o, esta refere ncia facilita um vnculo
especco entre um grupo de prossionais e certo nu mero
de usua rios. sso possibilita uma gesta o mais centrada nos
ns (coproduc a o de sau de e de autonomia) do que nos
meios (consultas por hora, por exemplo) e tende a produzir
maior corresponsabilizac a o entre prossionais, equipe e
usua rios.

s quipes de efere ncia e poio Matricial surgiram como


arranjo de organizac a o e de gesta o dos servic os de sau de
como forma de superar a racionalidade gerencial tradicio-
nalmente verticalizada, compartimentalizada e produtora
de processo de trabalho fragmentado e alienante para o
trabalhador. esse sentido, a proposta de quipes de efe-
re ncia vai ale m da responsabilizac a o e chega ate a divisa o
do poder gerencial. s equipes transdisciplinares devem
ter algum poder de decisa o na organizac a o, principalmente
no que diz respeito ao processo de trabalho da equipe.

a o ha como propor humanizac a o da gesta o e da atenc a o


sem propor um equilbrio maior de poderes nas relac o es
entre os trabalhadores dentro da organizac a o e na relac a o
da organizac a o com o usua rio. Ha muitas possibilidades de
operacionalizac a o de poio Matricial. Vamos destacar duas
modalidades que tendem a carregar consigo toda a

32
Clínica ampliada e compartilhada

pote ncia desse arranjo: o atendimento conjunto e a dis-


cussa o de casos/formulac a o de Projetos erape uticos
ingulares.

 atendimento conjunto consiste em realizar uma interven-


c a o tendo como sujeitos de ac a o o prossional de sau de e
o apoiador matricial em coproduc a o. ealizar, em conjunto
com o apoiador ou equipe de apoio matricial, uma consulta
no consulto rio, na enfermaria, no pronto socorro, no domi-
clio, ou em outro espac o; coordenar um grupo; realizar um
procedimento.  intenc a o e possibilitar a troca de saberes
e de pra ticas em ato, gerando experie ncia para ambos os
prossionais envolvidos.

 discussa o de casos e formulac a o de Projetos erapeuticos


ingulares consiste na pra tica de reunio es nas quais parti-
cipam prossionais de refere ncia do caso em questa o, seja
de um usua rio ou um grupo deles, e o apoiador ou equipe
de poio Matricial. a atenc a o ba sica, geralmente, os
casos elencados para esse tipo de discussa o sa o aqueles

Para que se realize uma


clnica adequada, e preciso
saber, ale m do que o sujeito
apresenta de “igual”, o que
ele apresenta de “diferente”,
de singular.

33
Ministério da Saúde

mais complexos. Ja em hospitais e servic os especializados,


muitas vezes sa o feitos projetos terape uticos singulares
para todos os casos.  ideia e rever e problematizar o
caso contando com aportes e possveis modicac o es de
abordagem que o apoio pode trazer e, da em diante, rever
um planejamento de ac o es que pode ou na o incluir a par-
ticipac a o direta do apoio ou de outros servic os de sau de
da rede, de acordo com as necessidades levantadas.

um servic o hospitalar, pode-se denir a quipe de efe-


re ncia como o conjunto de prossionais que se responsa-
biliza pelos mesmos usua rios cotidianamente. Por exemplo,
um certo nu mero de leitos em uma enfermaria a cargo de
uma equipe. sta mesma equipe pode ter prossionais que
trabalhem como apoiadores, quando fazem uma “intercon-
sulta” ou um procedimento com usua rios que esta o sob a
responsabilidade de outra equipe.  diferenc a do apoio e
da interconsulta tradicional e que o apoiador faz mais do
que a interconsulta: ele deve negociar sua proposta com
a equipe responsa vel. u seja, e de responsabilidade da
quipe de efere ncia entender as propostas, as implica-
c o es e as interac o es que o diagno stico e a proposta do
apoiador va o produzir. essa proposta, na o e possvel
transferir a responsabilidade dos “pedac os” do usua rio por
especialidades.

s unidades de urge ncia e emerge ncia tambe m podem


adotar a mesma lo gica interna de divisa o por equipes de
refere ncia em relac a o aos leitos de observac a o ou de espe-
ra para internac a o. stas equipes devera o encontrar formas

34
Clínica ampliada e compartilhada

de lidar com as trocas de planta o sem perder o seguimento


e tentando construir projetos terape uticos. urante o dia, e
recomenda vel dispor de prossionais com contratos de dia-
ristas para poder acompanhar os frequentadores assduos
e os internados de forma mais ecaz e constituir, de fato,
uma equipe multiprossional. o entanto, mesmo quando
ha esta inserc a o horizontal de prossionais no servic o e
necessa rio trocar planto es. stes momentos podem ser
valorizados para a construc a o de Projetos erape uticos
ingulares.

s quipes de efere ncia nas unidades de urge ncia de-


vera o se responsabilizar pelos usua rios que as procuram,
devendo buscar formas de contato com as unidades inter-
nas do hospital. nquanto um usua rio aguarda uma inter-
nac a o no “pronto-socorro”, ele deve ser considerado como
de responsabilidade da quipe de efere ncia da urge ncia,
para evitar que o paciente que abandonado no va cuo das
unidades hospitalares.

Ha tambe m os contratos com as unidades externas do


hospital: as equipes de atenc a o ba sica ou de um servic o
de especialidade precisam saber – na o somente por meio
do usua rio – que um paciente sob sua responsabilidade
esta usando assiduamente uma unidade de urge ncia ou
apresentou uma complicac a o de um problema cro nico. 
preciso criar novas formas de comunicac a o na rede as-
sistencial a partir do poio Matricial. Hospitais e servic os de
especialidade esta o em posic a o privilegiada, do ponto de
vista epidemiolo gico, para perceber tende ncias sanita rias

35
Ministério da Saúde

e diculdades te cnicas.  poio Matricial convida estes


servic os a utilizar este privile gio com responsabilidade e
compete ncia pedago gica, assumindo um papel na quali-
cac a o e construc a o da rede assistencial.

m relac a o a rede de especialidades, como funciona o


princpio da quipe de efere ncia? a mesma forma. s
centros de especialidade passam a ter “dois usua rios”: os
seus usua rios propriamente ditos e as quipes de efe-
re ncia da atenc a o ba sica, com a qual estes usua rios sera o
compartilhados.

Um grande centro de especialidade pode ter va rias equi-


pes de refere ncia locais.  “contrato de gesta o” com o
gestor local na o pode ser mais apenas sobre o nu mero
de procedimentos, mas tambe m sobre os resultados. Um
centro de refere ncia em oncologia, por exemplo, vai ter
muitos usua rios cro nicos ou sob tratamento longo.
s seus resultados podem depender tambe m da
equipe local de au de da Famlia, da capacidade
desta de lidar com a rede social necessa ria a um
bom po s-operato rio, ou do atendimento adequado
de pequenas intercorre ncias.  equipe especialista
poderia fazer reunio es com a equipe local, para tro-
car informac o es, orientar e planejar conjuntamente
o projeto terape utico de usua rios compartilhados
que esta o em situac a o mais grave.

Quem esta na atenc a o ba sica tem um


ponto de vista diferente e complementar

36
Clínica ampliada e compartilhada

ao de quem esta num centro de refere ncia.  equipe na


atenc a o ba sica tem mais chance de conhecer a famlia
a longo tempo, conhecer a situac a o afetiva, as conse-
que ncias e o signicado do adoecimento de um deles. 
centro de especialidade tera uma visa o mais focalizada
na doenc a. Um especialista em cardiologia pode tanto
discutir projetos terape uticos de usua rios cro nicos com-
partilhados com as equipes locais como trabalhar para
aumentar a autonomia das equipes locais, capacitando-as
melhor, evitando assim compartilhamentos desnecessa rios.

37
Ministério da Saúde

 proposta dos u cleos de poio a au de da Famlia (asf)


pode ser entendida como uma proposta de poio Matricial.
e o contrato do prossional de nutric a o, por exemplo, na o
for de poio Matricial, sua ac a o em consultas individuais
sera segmentada e ele na o dara conta da demanda. Por
outro lado, se ele aprender a fazer o apoio, podera com-
partilhar os seus saberes para que as equipes na atenc a o
ba sica, sob sua responsabilidade, sejam capazes de
resolver os problemas mais comuns. ste nutricionista
participaria das reunio es com as equipes para fazer proje-
tos terape uticos singulares nos casos mais complicados,
ou faria atendimentos conjuntos, como referidos acima. 
atenc a o individual pode ocorrer, mas na o deve se congu-
rar na principal atividade do nutricionista. videntemente,
para que isso acontec a, o prossional que faz apoio deve
adquirir novas compete ncias pedago gicas e o contrato com
o gestor deve ser muito claro.

 proposta de quipe de efere ncia exige a aquisic a o de


novas capacidades te cnicas e pedago gicas tanto por parte

s diculdades no trabalho
em sau de reetem baixa
grupalidade solida ria na
equipe, alta conitividade,
diculdade de vislumbrar os
resultados do trabalho.
38
Clínica ampliada e compartilhada

dos gestores quanto dos trabalhadores.  um processo de


aprendizado coletivo, cuja possibilidade de sucesso esta
fundamentada no grande potencial resolutivo e de satis-
fac a o que ela pode trazer aos usua rios e trabalhadores.
 importante para a humanizac a o porque, se os servic os
e os saberes prossionais muitas vezes “recortam” os pa-
cientes em partes ou patologias, as quipes de efere ncia
sa o uma forma de resgatar o compromisso com o sujeito,
reconhecendo toda a complexidade do seu adoecer e do
seu projeto terape utico.

Projeto Terapêutico Singular

 Projeto erape utico ingular e um conjunto de propostas


de condutas terape uticas articuladas, para um sujeito indi-
vidual ou coletivo, resultado da discussa o coletiva de uma
equipe interdisciplinar, com poio Matricial se necessa rio.
Geralmente e dedicado a situac o es mais complexas. o
fundo, e uma variac a o da discussa o de “caso clnico”. Foi
bastante desenvolvido em espac os de atenc a o a sau de
mental como forma de propiciar uma atuac a o integrada da
equipe valorizando outros aspectos ale m do diagno stico
psiquia trico e da medicac a o no tratamento dos usua rios.
Portanto, e uma reunia o de toda a equipe em que todas as
opinio es sa o importantes para ajudar a entender o sujeito
com alguma demanda de cuidado em sau de e, consequen-
temente, para denic a o de propostas de ac o es.

39
Ministério da Saúde

 nome Projeto erape utico ingular, em lugar de Projeto


erape utico ndividual, como tambe m e conhecido, nos
parece melhor porque destaca que o projeto pode ser feito
para grupos ou famlias e na o so para indivduos, ale m de
frisar que o projeto busca a singularidade (a diferenc a)
como elemento central de articulac a o (lembrando que os
diagno sticos tendem a igualar os sujeitos e minimizar as
diferenc as: hipertensos, diabe ticos etc.).

40
Clínica ampliada e compartilhada

 Projeto erapeutico ingular contem quatro movimentos:

1) enir hipo teses diagno sticas: este momento devera


conter uma avaliac a o orga nica, psicolo gica e social que
possibilite uma conclusa o a respeito dos riscos e da vulne-
rabilidade do usua rio.  conceito de vulnerabilidade (psico-
lo gica, orga nica e social) e muito u til e deve ser valorizado
na discussa o.  equipe deve tentar captar como o sujeito
singular se produz diante de forc as como as doenc as, os
desejos e os interesses, assim como tambe m o trabalho, a
cultura, a famlia e a rede social. u seja, tentar entender
o que o sujeito faz de tudo que zeram dele, procurando
na o so os problemas, mas as potencialidades.  importante
lembrar de vericar se todos na equipe compartilham das
principais hipo teses diagno sticas, e sempre que possvel
aprofundar as explicac o es (por que tal hipo tese ou fato
ocorreu?).

2) enic a o de metas: uma vez que a equipe fez os diag-


no sticos, ela faz propostas de curto, me dio e longo prazo,
que sera o negociadas com o sujeito doente pelo membro
da equipe que tiver um vnculo melhor.

s motivos e as expectativas
das pessoas precisam
ser trabalhados na Clnica
mpliada para diminuir o
nu mero de doenc as causadas
por tratamento inadequado.

41
Ministério da Saúde

3) ivisa o de responsabilidades: e importante denir as ta-


refas de cada um com clareza. Uma estrate gia que procura
favorecer a continuidade e articulac a o entre formulac a o,
ac o es e reavaliac o es e promover uma dina mica de conti-
nuidade do Projeto erape utico ingular e a escolha de um
prossional de refere ncia. a o e o mesmo que responsa vel
pelo caso, mas aquele que articula e “vigia” o processo.
Procura estar informado do andamento de todas as ac o es
planejadas no Projeto erape utico ingular. quele que a
famlia procura quando sente necessidade.  que aciona a
equipe caso acontec a um evento muito importante. rticula
grupos menores de prossionais para a resoluc a o de ques-
to es pontuais surgidas no andamento da implementac a o
do Projeto erape utico ingular. Pode ser qualquer compo-
nente da equipe, independente de formac a o. Geralmente se
escolhe aquele com modo de vinculac a o mais estrate gico
no caso em discussa o.

4) eavaliac a o: momento em que se discutira a evoluc a o


e se fara o as devidas correc o es de rumo.  simples, mas
alguns aspectos precisam ser observados:

a)  escolha dos casos para reunio es de Projeto


erape utico ingular: na atenc a o ba sica a proposta
e de que sejam escolhidos usua rios ou famlias em
situac o es mais graves ou difceis, na opinia o de alguns
membros da equipe (qualquer membro da equipe
pode propor um caso para discussa o). a atenc a o
hospitalar e centros de especialidades, provavelmente
todos os pacientes precisam de um Projeto erape u-
tico ingular.
42
Clínica ampliada e compartilhada

b) s reunioes para discussa o de Projeto erapeutico


ingular: de todos os aspectos que ja discutimos em
relac a o a reunia o de equipe, o mais importante no caso
deste encontro para a realizac a o do Projeto erapeutico
ingular e o vnculo dos membros da equipe com o
usuario e a famlia. Cada membro da equipe, a partir
dos vnculos que construiu, trara para a reuniao aspectos
diferentes e podera tambem receber tarefas diferentes,
de acordo com a intensidade e a qualidade desse
vnculo alem do nucleo prossional. efendemos que os
prossionais que tenham vnculo mais estreito assumam
mais responsabilidade na coordenac a o do Projeto
erapeutico ingular. ssim como o medico generalista
ou outro especialista pode assumir a coordenac a o de
um tratamento frente a outros prossionais, um membro
da equipe tambem pode assumir a coordenac a o de um
Projeto erapeutico ingular frente a equipe.

c) em sido importante para muitas equipes na atenc a o


ba sica e centros de especialidades reservar um tempo
xo, semanal ou quinzenal, para reunio es exclusivas
do Projeto erape utico ingular. m hospitais, as reu-
nio es geralmente te m que ser dia rias.

d)  tempo de um Projeto erape utico ingular: o


tempo mais dilatado de formulac a o e acompanha-
mento do Projeto erape utico ingular depende da
caracterstica de cada servic o. ervic os de sau de
na atenc a o ba sica e centros de especialidades com
usua rios cro nicos te m um seguimento longo (lon-
gitudinalidade) e tambe m uma necessidade maior
da Clnica mpliada. sso, naturalmente, signica

43
Ministério da Saúde

processos de aprendizado e transformac a o diferenciados.


ervic os com tempo de permane ncia e vnculo menores
fara o Projetos erape uticos ingulares com tempos mais
curtos.  mais difcil e desfazer um vie s imediatista. Muitas
informac o es essenciais surgem no decorrer do seguimento
e a partir do vnculo com o usua rio.  histo ria, em geral,
vai se construindo aos poucos, embora, obviamente, na o
se possa falar de regras xas para um processo que e
relacional e complexo.

e) Projeto erape utico ingular e Mudanc a: quando


ainda existem possibilidades de tratamento para uma
doenc a, na o e muito difcil provar
que o investimento da equipe de
saude faz diferenc a no resultado. 
encorajamento e o apoio podem
contribuir para evitar uma

44
Clínica ampliada e compartilhada

atitude passiva por parte do usua rio. Uma pessoa menos


deprimida, que assume um projeto terape utico solida rio
como projeto em que se (re)constro i e acredita que podera
ser mais feliz, evidentemente tende a ter um progno stico
e uma resposta clnica melhor. o entanto, na o se costu-
ma investir em usua rios que se acreditam “condenados”,
seja por si mesmos, como no caso de um alcoolista, seja
pela estatstica, como no caso de uma patologia grave. e
esta participac a o do usua rio e importante, e necessa rio
persegui-la com um mnimo de te cnica e organizac a o. a o
bastam o diagno stico e a conduta padronizados.

os casos de “progno stico fechado”, ou seja, de usua rios


para os quais existem poucas opc oes terapeuticas, como no
caso dos usua rios sem possibilidade de cura ou controle da
doenc a, e mais fa cil ainda
para uma equipe exi-

45
Ministério da Saúde

mir-se de dedicar-se a eles, embora, mesmo nesses casos,


seja bastante evidente que e possvel morrer com mais
ou menos sofrimento, dependendo de como o usua rio e a
famlia entendem, sentem e lidam com a morte.  Projeto
erape utico ingular, nesses casos, pode ser importante
como ferramenta gerencial, uma vez em que constitui
um espac o coletivo em que se pode falar do sofrimento
dos trabalhadores em lidar com determinada situac a o. 
presunc a o de “na o-envolvimento” compromete as ac o es
de cuidado e adoece trabalhadores de sau de e usua rios,
porque, como se sabe, e um mecanismo de negac a o sim-
ples, que tem ecie ncia preca ria.  melhor e aprender a
lidar com o sofrimento inerente ao trabalho em sau de de
forma solida ria na equipe, ou seja, criando condic o es para
que se possa falar dele quando ocorrer.

iante dessa tende ncia, e importante no Projeto era-


pe utico ingular uma certa crenc a de que a pessoa tem
grande poder de mudar a sua relac a o com a vida e com a
pro pria doenc a.  heranc a das revoluc o es na au de Mental
(eforma Psiquia trica), experimentando a proposta de que
o sujeito e construc a o permanente e que pode produzir
“margens de manobra”, deve ser incorporada na Clnica
mpliada e no Projeto erape utico ingular.  equipe cabe
exercitar uma abertura para o imprevisvel e para o novo e
lidar com a possvel ansiedade que essa proposta traz. as
situac o es em que so se enxergavam certezas, podem-se
ver possibilidades. as situac o es em que se enxergavam
apenas igualdades, podem-se encontrar, a partir dos es-
forc os do Projeto erape utico ingular, grandes diferenc as.
as situac o es em que se imaginava haver pouco o que

46
Clínica ampliada e compartilhada

fazer, pode-se encontrar muito trabalho. s possibilidades


descortinadas por este tipo de abordagem te m que ser
trabalhadas cuidadosamente pela equipe para evitar atro-
pelamentos.  caminho do usua rio ou do coletivo e somente
dele, e e ele que dira se e quando quer ir, negociando ou
rejeitando as ofertas da equipe de sau de.

Uma anamnese para a Clínica Ampliada


e o Projeto Terapêutico Singular

 concepc a o de Clnica mpliada e a proposta do Projeto


erape utico ingular convidam-nos a entender que as situ-
ac o es percebidas pela equipe como de difcil resoluc a o sa o
situac o es que esbarram nos limites da clnica tradicional. 
necessa rio, portanto, que se fornec am instrumentos para
que os prossionais possam lidar consigo mesmos e com
cada sujeito acometido por uma doenc a de forma diferente
da tradicional. e todos os membros da equipe fazem as
mesmas perguntas e conversam da mesma forma com o
usua rio, a reunia o de Projeto erape utico ingular pode
na o acrescentar grande coisa. u seja, e preciso fazer as
perguntas da anamnese tradicional, mas dando espac o para
as ideias e as palavras do usua rio. xceto quando ocorra
alguma urge ncia ou du vida quanto ao diagno stico orga nico,
na o e preciso direcionar demais as perguntas e muito menos
duvidar dos fatos que a teoria na o explica (“o do i quando

47
Ministério da Saúde

chove”, por exemplo). Uma histo ria clnica mais completa,


sem ltros, tem uma func a o terape utica em si mesma, na
medida em que situa os sintomas na vida do sujeito e da
a ele a possibilidade de falar, o que implica algum grau de
analise sobre a propria situac a o. lem disso, esta anamnese
permite que os prossionais reconhec am as singularidades
do sujeito e os limites das classicac o es diagno sticas.

 partir da percepc a o da complexidade do sujeito acometido


por uma doenc a, o prossional pode perceber que muitos
determinantes do problema na o esta o ao alcance de inter-
venc o es pontuais e isoladas. Fica clara a necessidade do
protagonismo do sujeito no projeto de sua cura: autonomia.
 partir da anamnese ampliada, o tema da intervenc a o ga-
nha destaque. Quando a histo ria clnica revela um sujeito
doente imerso em teias de relac o es com as pessoas e as
instituic o es, a tende ncia dos prossionais de sau de e de
adotar uma atitude “aposto lica” ou infantilizante.

 processo de
“medicalizac a o da vida”
faz diminuir a autonomia
e aumenta a depende ncia
ou a resiste ncia ao
tratamento.

48
Clínica ampliada e compartilhada

Propomos que na o predomine nem a postura radicalmente


“neutra”, que valoriza sobremaneira a na o-intervenc a o, nem
aquela, tpica na pra tica biome dica, que pressupo e que
o sujeito acometido por uma doenc a seja passivo diante
das propostas. utra func a o terape utica da histo ria clnica
acontece quando o usua rio e estimulado a qualicar e situar
cada sintoma em relac a o aos seus sentimentos e outros
eventos da vida (modalizac a o). xemplo: no caso de um
usua rio que apresenta falta de ar, e interessante saber como
ele se sente naquele momento: com medo? Conformado?
gitado?  que melhora e o que piora os sintomas? Que
fatos aconteceram pro ximo a crise? sso e importante por-
que, culturalmente, a doenc a e o corpo podem ser vistos
com um certo distanciamento e na o e incomum a produc a o
de uma certa “esquizofrenia”, que leva muitas pessoas ao
servic o de sau de como se elas estivessem levando o carro
ao meca nico: a doenc a e o corpo cam dissociados da vida.
a medida em que a histo ria clnica traz para perto dos sin-
tomas e queixas elementos da vida do sujeito, ela permite
que haja um aumento da conscie ncia sobre as relac o es da
“queixa” com a vida. Quando a doenc a ou os seus determi-
nantes esta o “fora” do usua rio, a cura tambe m esta fora, o
que possibilita uma certa passividade em relac a o a doenc a
e ao tratamento.  que chamamos de histo ria “psi” em parte
esta misturado com o que chamamos de histo ria clnica,
mas aproveitamos recursos do campo da saude mental para
destacar aspectos que nos parecem essenciais:

49
Ministério da Saúde

• Procurar descobrir o sentido da


doenc a para o usua rio; respeitar e
ajudar na construc a o de relac o es
causais pro prias, mesmo que na o
sejam coincidentes com a cie ncia
ocial. xemplo: por que voce acha
que adoeceu?  impressionante per-
ceber as portas que essa pergunta
abre na Clnica: ela ajuda a entender
quais redes de causalidades o sujei-
to atribui ao seu adoecimento. m
doenc as cro nicas como a diabetes,
quando a sua primeira manifestac a o
esta associada a um evento morbido,
como um falecimento familiar ou uma
briga, as pioras no controle glicemico
estara o muitas vezes relacionadas a
eventos semelhantes (na perspectiva
do sujeito acometido pela diabetes).
o fazer esta pergunta, muitas vezes
damos um passo no sentido de aju-
dar o sujeito a reconhecer e aprender
a lidar com os “eventos” de forma
menos adoecedora;

•Procurarconhecerassingularidadesdosujeito,perguntando
sobre os medos, as raivas, as manias, o temperamento, seu
sono e sonhos. a o perguntas que ajudam a entender a dina -
mica do sujeito e suas caractersticas. las te m importa ncia
terape utica, pois possibilitam a associac a o de aspectos muito
singulares da vida com o projeto terape utico;

50
Clínica ampliada e compartilhada

• Procurar avaliar se há negação da doença, qual a ca-


pacidade de autonomia e quais os possveis ganhos se-
cunda rios com a doenc a. a medida em que a conversa
transcorre e possvel, dependendo da situac a o, fazer estas
avaliac o es, que podem ser muito u teis na elaborac a o do
projeto terape utico;

51
Ministério da Saúde

•Procurarpercebera chamadacontratranserência,ouseja,
os sentimentos que o prossional desenvolve pelo usua rio
durante os encontros; procurar descobrir os limites e as
possibilidades que esses sentimentos produzem na relac a o
clnica. xistem muitas pessoas e instituic o es falando na
conversa entre dois sujeitos.  prossional esta imerso
nestas forc as. Perceber a raiva, os inco modos, os ro tulos
utilizados (be bado, poliqueixoso, etc.), ajuda a entender
os rumos da relac a o terape utica, na medida em que, ato
contnuo, pode-se avaliar como se esta lidando com estas
forc as. um campo menos sutil, e importante tambe m
analisar se as intenc o es do prossional esta o de acordo
com a demanda do usua rio.  prossional pode desejar que
o sujeito use preservativo e na o se arrisque com  ou
uma gravidez indesejada; o sujeito pode estar apaixonado.
 prossional quer controlar a glicemia; o sujeito quer ser
feliz. nm, e preciso vericar as intenc o es, as linhas de
forc a que interferem na relac a o prossional-usua rio, para
produzir algum caminho comum;

a o ha como propor


humanizac a o da gesta o e da
atenc a o sem um equilbrio maior
de poderes nas relac o es entre
os trabalhadores e na relac a o
com o usua rio.

52
Clínica ampliada e compartilhada

•Procurarconhecerquaisosprojetosedesejosdousuário.
s desejos aglutinam uma enorme quantidade de energia
das pessoas e podem ou na o ser extremamente terape u-
ticos. o na o podem ser ignorados;

•Conhecerasatividadesdelazer(dopresenteedopassa-
do) e muito importante.  simples presenc a ou ause ncia de
atividades prazerosas e bastante indicativa da situac a o do
usua rio; por outro lado, conhecer os fatores que mais desen-
cadeiam transtornos no usua rio tambe m pode ser decisivo
num projeto terape utico. a o questo es que em um nu mero
muito razoa vel de vezes apontam caminhos, sena o para os
projetos terape uticos, pelo menos para o aprofundamento
do vnculo e da compreensa o do sujeito;

• Fazer a “história de vida”, permitindo que se aça uma


narrativa, e um recurso que pode incluir grande parte das
questo es propostas acima. Com a vantagem de que, se os
fatos passados na o mudam, as narrativas podem mudar, e
isto pode fazer muita diferenc a. Como esta te cnica demanda
mais tempo, deve ser usada com mais crite rio. Muitas vezes,
requer tambe m um vnculo e um preparo anterior a conver-
sa, para que seja frutfera. Va rias te cnicas de abordagem
familiar, como o “ecomapa”, “rede social signicativa” entre
outras, podem enriquecer esta narrativa.  importante e que
estes sa o momentos que possibilitam um autoconhecimento
e uma compreensa o do momento vivido atualmente no
contexto de vida de cada um. nta o, muito mais do que o
prossional conhecer a vida do usua rio, estamos falando
de o usua rio poder se reconhecer diante do problema

53
Ministério da Saúde

de sau de, com a sua histo ria. Por u ltimo, em relac a o a in-
serc a o social do sujeito, acreditamos que as informac o es
mais importantes ja foram ao menos aventadas no decorrer
das questo es anteriores, visto que o usua rio falou da sua
vida. o entanto, nunca e demais lembrar que as questo es
relativas a s condic o es de sobrevive ncia (moradia, alimen-
tac a o, saneamento, renda, etc.) ou da inserc a o do sujeito
em instituic o es poderosas - religia o, tra co, trabalho - fre-
quentemente esta o entre os determinantes principais dos
problemas de sau de e sempre sera o fundamentais para o
projeto terape utico.

54
Clínica ampliada e compartilhada

 partir de todo este processo, chega-se a uma proposta,


que deve comec ar a ser negociada com o usua rio. e o
objetivo e que o projeto seja incorporado pelo usua rio,
essa negociac a o deve ser exvel, sensvel a s mudanc as
de curso e atenta aos detalhes.  importante que haja um
membro da equipe que se responsabilize por um vnculo
mais direto e acompanhe o processo (coordenac a o). Geral-
mente, esta pessoa deve ser aquela com quem o usua rio
tem um vnculo mais positivo.

A reunião de equipe

 preciso reconhecer que a forma tradicional de fazer


gesta o (CMP, 2000) tem uma visa o muito restrita do
que seja uma reunia o. Para que a equipe consiga inven-
tar um projeto terape utico e negocia -lo com o usua rio,
e importante lembrar que reunia o de equipe na o e um
espac o apenas para que uma pessoa da equipe distribua
tarefas a s outras. eunia o e um espac o de dia logo e e
preciso que haja um clima em que todos tenham direito a
voz e a opinia o. Como vivemos numa sociedade em que
os espac os do cotidiano sa o muito autorita rios, e comum
que uns estejam acostumados a mandar e outros a calar
e obedecer. Criar um clima fraterno de troca de opinio es
(inclusive crticas), associado a objetividade nas reunio es,
exige um aprendizado de todas as partes e e a primeira
tarefa de qualquer equipe.

55
Ministério da Saúde

Projeto Terapêutico Singular e gestão

s discussoes para construc ao e acompanhamento do Pro-


jeto erapeutico ingular sao excelentes oportunidades para
a valorizac ao dos trabalhadores da equipe de saude. Havera
uma alternancia de relevancias entre os diferentes trabalhos,
de forma que, em cada momento, alguns membros da equipe
estarao mais protagonistas e criativos do que outros (ja que as
necessidades de cada usuario variam no tempo). o decorrer
do tempo, vai cando evidente a interdependencia entre todos
na equipe.  percepc ao e o reconhecimento na equipe desta
variac ao de importancia e uma forma importante de reconhecer
e valorizar a “obra” criativa e singular de cada um.

 espac o do Projeto erape utico ingular tambe m e pri-


vilegiado para que a equipe construa a articulac a o dos
diversos recursos de intervenc a o dos quais ela dispo e, ou
seja, fac a um carda pio com as va rias possibilidades de
recursos disponveis, percebendo que em cada momento
alguns tera o mais releva ncia que outros. essa forma, e
um espac o importantssimo para avaliac a o e aperfeic oa-
mento desses mesmos recursos (“Por que funcionou ou
na o funcionou esta ou aquela proposta?”).

utra importante utilidade gerencial dos encontros de Pro-


jeto erape utico ingular e o matriciamento com (outros)
especialistas.  medida que a equipe consegue perceber
seus limites e suas diculdades - e esta e uma paradoxal

56
Clínica ampliada e compartilhada

condic a o de aprendizado e superac a o - ela pode pedir aju-


da. Quando existe um interesse sobre determinado tema, a
capacidade de aprendizado e maior. Portanto, este e, poten-
cialmente, um excelente espac o de formac a o permanente.
Por outro lado, e um espac o de troca e de aprendizado
para os apoiadores matriciais, que tambe m experimentara o
aplicar seus saberes em uma condic a o complexa, recheada
de varia veis com as quais nem sempre o recorte de uma
especialidade esta acostumado a lidar. ste encontro e mais
fecundo quando ha um contrato na rede assistencial sobre
a existe ncia de quipes de efere ncia e poio Matricial.

Para que as reunio es funcionem, e preciso construir um


clima favora vel ao dia logo, em que todos aprendam a falar e
ouvir, inclusive crticas.  reconhecimento de limites, como
dissemos, e fundamental para a invenc a o de possibilidades.
Mas e preciso mais do que isso: e preciso que haja um clima
de liberdade de pensar “o novo”.  peso da hierarquia, que
tem respaldo na o somente na organizac a o, mas tambe m
nas valorizac o es sociais entre as diferentes corporac o es,
pode impedir um dia logo real em que pensamentos e sen-
timentos possam ser livremente expressados.

 proposta de quipe de
efere ncia exige a aquisic a o
de novas capacidades te cnicas
e pedago gicas tanto por parte
dos gestores quanto dos
trabalhadores.

57
Ministério da Saúde

lgumas questo es disparadoras que as equipes de sau de


podem utilizar para comec ar a praticar a formulac a o do
Projeto erape utico ingular em grupo e a problematizar
a sua relac a o com os usua rios:

Quem sa o as pessoas envolvidas no caso?


• De onde vêm? Onde moram? Como moram? Como se
organizam?
•Oqueelasachamdolugarquemoramedavidaquetêm?
•Comolidamoscomessesmodosdever edeviver?

Qual a relaca o entre elas e delas com os prossionais


da equipe?

De que forma o caso surgiu para a equipe?

Qual e e como vemos a situaca o envolvida no caso?


•Essasituaçãoéproblemaparaquem?
•Essasituaçãoéproblemadequem?
•Porquevejoessasituaçãocomoproblema?
•Porquediscutiresseproblemaenãooutro?
•Oquejáoieitopelaequipeeporoutrosserviçosnesse
caso?
•Oqueaequipetemeitocomrelaçãoaocaso?
• Que estratégia/aposta/ênase têm sido utilizadas para
enfrentar o problema?
• Como este(s) usuário(s) tem/têm respondido a essas
ac o es da equipe?

58
Clínica ampliada e compartilhada

• Como a maneira de agir, de pensar e de se relacionar da


equipe pode ter interferido nessa(s) resposta(s)?
•Oquenosmobilizaneste(s)usuário(s)?
•Comoestivemoslidandocomessasmobilizações atéagora?
• O que os outros serviços de saúde têm eito com relação
ao caso? Como avaliamos essas ac o es?

 que riscos (individuais, polticos, sociais) acredita-


mos que essas pessoas esta o expostas?

Que processos de vulnerabilidade essas pessoas esta o


vivenciando?
• O que infuencia ou determina negativamente a situação
(no sentido da produc a o de sofrimentos ou de agravos)?
•Comoessaspessoasprocuramsuperaressasquestões?
•Oqueprotegeouinfuenciapositivamenteasituação(no
sentido da diminuic a o ou superac a o de sofrimentos ou de
agravos)?
•Comoessaspessoasbuscam redesparaampliar essas
possibilidades?
• Como os modos de organizar o serviço de saúde e as maneiras
de agir da equipe podem estar aumentando ou diminuindo
vulnerabilidades na relac ao com essas pessoas?

Que necessidades de sau de devem ser respondidas


nesse caso?

 que os usuarios consideram como suas necessidades?

59
Ministério da Saúde

Quais objetivos devem ser alcancados no Projeto era-


pe utico ingular?

Quais objetivos os usua rios querem alcancar?

Que hipo teses temos sobre como a problema tica se


explica e se soluciona?

Como o usua rio imagina que seu “problema” sera


solucionado?

Que aco es, responsa veis e prazos sera o necessa rios


no Projeto erape utico ingular?

Com quem e como iremos negociar e pactuar essas acoes?

Como o usua rio e sua famlia entendem essas aco es?

Qual o papel do(s) usuario(s) no Projeto erapeutico in-


gular?  que ele(s) acha de assumir algumas aco es?

Quem e o melhor prossional para assumir o papel de


refere ncia?

Quando provavelmente sera preciso discutir ou reavaliar


o Projeto erape utico ingular?

60
Clínica ampliada e compartilhada

61
Ministério da Saúde

Referências

Y, J. . C. M. et al.  conceito de vulnerabilidade e


as práticas de saúde: novas perspectivas e desaos. n:
CZ, .; F, C. M. (rg.). Promoção da
Saúde: conceitos, reexo es, tende ncias. io de Janeiro:
Fiocruz, 2003. p. 117-140.
CMPBLL, . M. et al. dentifying predictors of high
quality care in nglish general practice: observational
study. BMJ, [.l.], v. 323, p. 784, 2001.
CMP, G. W. . Considerações sobre a arte e a
ciência da mudança: revolução das coisas e reforma das
pessoas: o caso da saúde. n: CCÍL, L. C. . (rg.).
Inventando a mudança na saúde. ão Paulo: Hucitec,
1994. p. 29-87.
______.  anti-aylor: sobre a invenção de um método
para co-governar instituições de saúde produzindo
liberdade e compromisso. Cadernos de Saúde Pública,
io de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 863-870, out./dez. 1998.
______. Saúde Paidéia. ão Paulo: Hucitec, 2003.
______. ubjetividade e administração de pessoal:
considerações sobre modos de gerenciar o trabalho em
saúde. n: MHY, . .; CK, . (rg.). Agir em
saúde: um desao para o público. ão Paulo: Hucitec,
1997. p. 197-228.
______. Um Método para Análise e Co-gestão de
Coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor
de uso e a democracia em instituições: o método da
roda. ão Paulo: Hucitec, 2000.

62
Clínica ampliada e compartilhada

CMP, G. W. ; M, . C. poio matricial e


equipe de referência: uma metodologia para gestão do
trabalho interdisciplinar em saúde. Cadernos de Saúde
Pública, io de Janeiro, v. 23, n. 2, p. 399-407, fev. 2007
CUH, G. . A Construção da Clínica Ampliada na
Atenção Básica. 2. ed. ão Paulo: Hucitec, 2005.
CMP, . .  gestão: espaço de intervenção, análise
e especicidades técnicas. n: CMP, G. W. . Saúde
Paidéia. ão Paulo: Hucitec, 2003.
LLCH, . Nêmesis da medicina: a expropriação da
saúde. ão Paulo: ova Fronteira, 1975.
KLZL, K. aciocínio Clínico. n: UC, B. B.
Medicina Ambulatorial: Condutas Clínicas em tenção
Primária. 2. ed. Porto legre: [s.n.], 1996. Cap. 1, p. 46-49.
LC, . Clínica Peripatética. ão Paulo: Hucitec,
2005.
LV, G. . O projeto terapêutico e a mudança nos
modos de produzir saúde. ão Paulo: Hucitec, 2008.
______.  projeto terapêutico singular. n: GU,
. P; CMP, G. W. . (rg.). Manual de Práticas de
Atenção Básica à Saúde Ampliada e Compartilhada. ão
Paulo: Hucitec, 2008.
P, duardo; B, . B. de. Clínica e
Biopolítica no Contemporâneo. Revista de Psicologia
Clínica, io de Janeiro, v. 16, p. 71-79, 2001.
P, L. .  Paciente Problema. n: UC, B. B.
Medicina Ambulatorial: Condutas Clínicas em tenção
Primária. 2. ed. Porto legre: [s.n.], Cap. 7, p. 586-592, 1996.
, Geoffrey. ick individuals and sick populations.
Bull World Health Organ, [.l.], v. 79, n. 10, p. 32-38,
2001.  0042-9686.

63
Ministério da Saúde

YL CLLG F PHYC F L;


YL CLLG F GL PC;
H LLC. Clinicians, services and commissioning
in chronic disease management in the NHS: the need
for coordinated management programmes: report of a
joint working party of the oyal College of Physicians of
London, the oyal College of General Practitioners and
the H lliance. [.l.]: H lliance, 2004.
LV, . L. .; FC, . M. G. . Processo de
trabalho em saúde mental e o campo psicossocial.
Revista Latino-Americana de Enfermagem, [.l.], v. 13, n.
3, p. 441-9, maio/jun. 2005.
FL, B. Atenção Primária: quilíbrio entre
ecessidades de aúde, serviços e tecnologia. Brasília:
Unesco: Ministério da aúde, 2002.
______. Coordenação da atenção: juntando tudo. n:
______. Atenção Primária: quilíbrio entre ecessidades
de aúde, serviços e tecnologia. Brasília: Unesco:
Ministério da aúde, 2002. p. 365.
______. s U Health eally the Best in the World? Am.
J. Med., [.l.], n. 284, p. 483-485, 2000.
, C. .; LUZ, M. .; CMP, G. W. .
Inuências da biomedicina na crise da atenção à saúde:
a dicotomia entre a doença do médico e a doença do
doente: eminário de Cultura História e Política. io de
Janeiro: M: Uerj, 1998. 30 p. (érie studos em aúde
Coletiva, n. 177).

64
Clínica ampliada e compartilhada

65
Ministério da Saúde
ISBN 978-85-334-1582-9

9 788533 415829

Disque Saúde
0800 61 1997

Biblioteca Virtual em Saúde do Ministério da Saúde


www.saude.gov.br/bvs

66

Você também pode gostar