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integração e sinergia de
projetos no SUS
B552c
Bertussi, Débora Cristina
Caminhos para produção de integração e sinergia de
projetos no SUS / Débora Cristina Bertussi, Marcos da Silveira
Franco, Luciana Soares de Barros, Aniara Nascimento Correa
Santos, Rossana Staevie Bady, Wilma Madeira da Silva,
Rogério Renato Silva. – Brasília: Ministério da Saúde, 2022.
65f.il.
CDD 362.10981
2
Autores
Débora Cristina Bertussi: Mestre em Saúde Coletiva pela Universidade Estadual de
Londrina (UEL), Doutora em Ciências pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
pós-doutorado realizado no/na (EICOS)/UFRJ, Pesquisadora da Linha de Pesquisa
Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde e do Observatório de Políticas de Saúde e
de Educação, ambos da UFRJ, Consultora Temática do Projeto Rede Colaborativa pelo
Hospital Alemão Oswaldo Cruz (HAOC).
Rossana Staevie Baduy: Doutora em Ciências pela UFRJ, Mestre em Saúde Coletiva pela
UEL, Pesquisadora da Linha de Pesquisa Micropolítica do Trabalho e do Cuidado em
Saúde da UFRJ e do Observatório de Políticas de Saúde e Educação da UEL
Wilma Madeira da Silva: Mestre em Saúde Pública, Doutora em Ciências, ambos pela
USP, pesquisadora e docente na área de Comunicação e Informação em Saúde, gerente de
projetos de ensino e metodologias da Sustentabilidade e Responsabilidade Social do
HAOC.
Rogério Renato Silva: Doutor, mestre e especialista em Saúde Pública pela Faculdade de
Saúde Pública da USP, psicanalista pelo Centro de Estudos de Psicanálise de São Paulo e
facilitador de processos de desenvolvimento pelo Community Development Resources
Association, África do Sul. Estudou avaliação no The Evaluation Center da Western
Michigan University. Com mais de vinte anos de experiência no campo socioambiental,
conduziu centenas de avaliações, é autor de dezenas de artigos e ensaios em estratégia,
monitoramento e é sócio da Pacto.
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APRESENTAÇÃO
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Entendemos a educação como uma forma de interferência no mundo,
pautada no acesso democrático à informação e na inclusão social, e cujos
conhecimentos são desenvolvidos como estratégias para provocar a mudança
da realidade, orientados para a aplicação prática, no aprimoramento do
indivíduo, do incremento social e do cultivo do desenvolvimento sustentável
em um mundo em constante transformação. Uma educação fundamentada no
construtivismo, com ênfase na participação ativa dos indivíduos envolvidos, os
quais são instigados a experimentarem e (re)construírem o conhecimento,
além de serem concebidos como sujeitos ativos na ação do conhecimento
com o objeto, mediados pelo meio cultural e social.
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As reflexões sobre a busca por
integração e sinergia de
projetos, a partir de cada
realidade territorial, bem como
as respectivas elaborações
desenvolvidas buscam a
organização das contribuições
coletadas no desenvolvimento
do processo.
Os autores deste texto
entendem que é oportuna a
formulação deste documento
considerando o momento de
desenvolvimento técnico-
político do SUS, de um curso
com abrangência nacional e
de demandas frequentes nas
discussões tripartite,
relacionadas ao tema da
integração e sinergia de
projetos no SUS.
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Projetos no território:
produção de interferência
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INTRODUÇÃO
Neste documento utilizaremos alguns conceitos e entendimentos que estão sempre em
evolução nas práticas da gestão do SUS, aos quais sempre se atribui novas
perspectivas. Entre tais conceitos está a noção de território, de integração, de sinergia,
de projeto e portfólio de projetos, de capacidade de governo, de experimentação, de
interferência e de monitoramento e avaliação de projetos.
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TERRITÓRIO
Aqui entendido não apenas como área
geográfica, mas também como espaço
de inter-relações sociais. Quando se
pensa em fazer a gestão de um
portfólio de projetos,8 pensamos
inicialmente no território onde essa
gestão está inserida, de acordo com
Milton Santos (1996) que usa o termo
espaço como um território ocupado por
pessoas.
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8A discussão sobre portfólio de projetos encontra-se na página 15.
INTEGRAÇÃO
Para Hartz e Contandriopoulos (2004), coordenação seria o propósito principal dos
processos de integração de serviços em saúde:
É importante que essas ações também se integrem aos tempos da gestão local. O
desenvolvimento técnico, administrativo, político e ético como responsabilidades da
gestão local, determina a produção em um rito processual conhecido, ano a ano, com
uma agenda regulamentada por normas.
A busca pela integração não deve excluir qualquer ação, programa, projeto ou política
em desenvolvimento no território. Nesse sentido, integrar é planejar a implementação
dos projetos de forma sincrônica, minimizando o retrabalho local de constituintes dos
projetos daquele território. Integrar é ter sempre em mente, no planejamento dos projetos
no território, a necessidade de diálogo com o modelo de gestão e de atenção em
desenvolvimento.
SINERGIA
Os conceitos atribuídos ao termo sinergia são
múltiplos e, geralmente, dialogam com os
objetos temáticos aos quais estão se referindo.
Assim acontece nas ciências farmacêuticas,
fisiológicas, clínicas, da saúde, educacionais,
na física e na gestão, cada qual com
entendimentos parcialmente distintos sobre o
significado e o uso do termo sinergia.
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Mariotti (1996) é um autor reconhecidamente
transdisciplinar que estudou o conceito de
sinergia considerando a análise do
comportamento da totalidade e a natureza dos
sistemas. Isto significa que não há condições
de se olhar o todo considerando-o como a
somatória das partes, e essa reflexão em muito
dialoga com o que este documento se propõe
a problematizar: a qual concepção de sinergia
estamos nos referindo?
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9Sentido atribuído refere-se a tudo aquilo que contribui com a compreensão de sentido, de significado,
para determinado termo, palavra ou conjunto de palavras, utilizado por um conjunto de pessoas. Pode
se referir a um conjunto de características, ou efeitos, que contribuem para sua compreensão, a uma
explicação conceitual parcial, ou à explicação completa do uso comum ao termo.
Isso significa que estamos percorrendo caminhos novos; significa pensar a execução
conjunta de projetos — e a gestão do portfólio de projetos — como uma soma de
projetos que gere valores superiores à soma dos projetos individualmente (MILD, 2004;
DOERNER et al., 2006).
Propomos aqui uma síntese conceitual para o termo sinergia, para que possa ser
utilizada como recurso técnico-político em ações que envolvam a gestão de processos e
projetos:
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A Figura 1 apresenta um esquema gráfico que permite, por meio de um mapa de campo
de estratégia, identificar componentes que podem ser analisados, e estratégias que
podem ser previamente estabelecidas para uma execução planejada de sinergia entre
projetos de um mesmo portfólio.
Figura 1. Mapa de estratégia de portfólio de projetos: perspectiva de ondas de sinergia com objetivos e
prazos (situação atual — visão de futuro)
Fonte: adaptada do Guia Referencial para Gerenciamento de Projetos e Portfólios de Projetos (OLIVEIRA,
2021, p. 29).
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PROJETO E PORTFÓLIO DE PROJETOS
Conforme definição obtida no dicionário Aurélio Digital, projeto:
PORTFÓLIO
PROGRAMA
PROJETO
SUBPROJETO
[do lat. projectu, ‘lançado para diante'.], 1. ideia que se forma de executar ou
realizar algo, no futuro: plano, intento, desígnio. 2. Empreendimento a ser realizado
dentro de determinado esquema. 3. Redação ou esboço preparatório ou provisório
de um texto. 4. Esboço ou risco de obra a se realizar; plano. 5. Arquit. Plano geral
de edificação. 5. Educ.Projeto pedagógico. (PROJETO, 2022).
Maximiano (2014, p. 26), por sua vez, define projeto como “[…] um empreendimento
temporário de atividade com início, meio e fim programados, que tem por objetivo fornecer
um produto singular e dentro das restrições orçamentárias”, seja qual for o tipo de projeto.
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Para Reis e Oliveira (2014), no entanto, projeto é um termo frequentemente usado, em
muitas organizações, por um grande número de pessoas e nos mais variados contextos
e apontam que, segundo a Metodologia de Gerenciamento de Projetos do SISP (MGP-
SISP):
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Oliveira (2021) define projeto como um esforço temporário empreendido para criar um
produto, serviço ou resultado único. Pode também ser visto como uma organização
temporária criada com o propósito de entregar um ou mais produtos de negócios. Além
disso, dependendo da complexidade, pode ser composto por uma sequência de
atividades conectadas, vinculadas ao alcance de um objetivo e que deve ser concluída
em certo tempo, dentro de um orçamento e de acordo com uma especificação. Todas as
inovações significativas são alcançadas através de projetos.
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Projeto é um conceito Nesse sentido, entendemos
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Com relação ao conceito de programa, Oliveira (2021) define como um conjunto de
projetos, programas subsidiários e atividades de programas relacionados, gerenciados
de modo coordenado, visando a obtenção de benefícios que não estariam disponíveis se
eles fossem gerenciados individualmente. Pode ter como foco a entrega de resultados e
benefícios relacionados aos objetivos estratégicos da organização. O referido autor
coloca que, por exemplo, no contexto do Plano Plurianual (PPA), os programas
viabilizam a concretização das diretrizes estratégicas do plano, constituindo a base de
atuação dos diversos ministérios. O gerenciamento de programas é o gerenciamento
coordenado e centralizado de um programa, visando o alcance dos seus objetivos e
benefícios estratégicos. Em programas, é importante integrar, monitorar e controlar as
interdependências entre os projetos. O gerenciamento de programas foca nessas
interdependências e ajuda a determinar a abordagem ideal para gerenciá-las.
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O portfólio refere-se a projetos, programas, subportfólios e operações gerenciados como
um grupo para atingir objetivos estratégicos, sendo esses componentes não
necessariamente interdependentes ou diretamente relacionados. O gerenciamento do
portfólio se alinha com as estratégias organizacionais selecionando os programas ou
projetos certos, priorizando o trabalho e proporcionando os recursos necessários (PMI,
2017).
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A gestão de projetos em outros termos, trata do planejamento, delegação,
monitoramento, controle e motivação dos envolvidos no projeto para atingir os objetivos
seguindo as diretrizes de prazo, orçamento, qualidade, escopo, benefícios e riscos. Inclui
a integração das várias fases do ciclo de vida do projeto. No contexto atual, essa
capacidade é ainda mais desafiadora, uma vez que devem ser gerenciados orçamentos
cada vez mais apertados, prazos mais curtos, recursos mais escassos e tecnologias em
rápido processo de mudança. Sob o ponto de vista das partes interessadas, o
gerenciamento de projetos pode ser visto como uma abordagem organizada voltada ao
atendimento das necessidades do patrocinador e à entrega de valor ao negócio, com o
devido envolvimento do cliente. De acordo com Oliveira (2021), deve-se viabilizar
respostas às seguintes perguntas:
a. Que necessidade de negócio está sendo tratada por esse projeto? No contexto
da administração pública essa questão pode envolver o entendimento sobre o
contexto/problema social que está sendo tratado.
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Para finalizar esta discussão, é indispensável considerar que a consolidação das
políticas de saúde nos últimos 30 anos foi criando novas necessidades para o
desenvolvimento genérico e especializado das tecnologias de gestão em saúde.
Administrar e/ou governar, tanto processos políticos implicados com a formulação e
decisão sobre os caminhos a serem adotados quanto processos de produção de atos de
saúde, tornaram-se necessidades imperativas para ordenar as melhores “máquinas
organizacionais”. Seja na ótica universalista e cidadã de um projeto social-democrata,
seja na perspectiva mercantil e lucrativa do olhar do capital, a seus modos, todos exigem
mais e melhor competência nesse novo território. Os paradigmas da escola clássica da
administração, que sempre viveram certas dificuldades no plano da eficácia operacional
no terreno da saúde, mostraram-se ainda mais insuficientes. Novos problemas foram
colocados e novos rumos exigidos (MERHY, 1999; MERHY et al., 2019).
Como apontam Merhy et al. (2019), não é só esse plano formal da política que define o
que se passa no SUS, pois, no processo de produção da política, em diferentes
momentos, prosseguem os enfrentamentos entre forças, que marcam mais ou menos
definições e práticas. É necessário apontar que as derrotas ou vitórias na formulação da
política, continuam produzindo forças atuantes na construção concreta das práticas,
agindo como molaridades. Por exemplo, a força médico-hegemônica, a biopolítica e as
do mercado continuam operando e incidindo nos processos de subjetivação, mesmo que
as políticas de saúde e seus dispositivos tensionem no sentido da ampliação do conceito
de saúde, do reconhecimento da singularidade na produção das existências, da
construção compartilhada dos projetos de SUS territorial. As forças que estão operando
no cotidiano constituem campos de disputa, que se instauram nos atos relacionais do
campo da micropolítica, nas relações de poder, nas relações intersubjetivas. Mas, o que
quer dizer isso? Significa que é nos encontros, entre gestores, trabalhadores e usuários,
e nas relações que aí se estabelecem, que se instauram os campos de força, que
conformam modos de estar no encontro, constituindo processos de subjetivação.
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CAPACIDADE DE GOVERNO
Desde o movimento pela Reforma Sanitária Brasileira e posteriormente a criação do
Sistema Único de Saúde (SUS), com a garantia da saúde como um direito de todos e
dever do estado, muitos obstáculos de distintas naturezas têm se apresentado à
condução da política, sendo amplamente debatidos nos âmbitos da gestão, da
universidade e do controle social.
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Em relação à gestão, a Constituição de 1988 (BRASIL, 1988) introduziu um desenho no
sistema político que impôs maior responsabilização dos municípios, consequência do forte
movimento de descentralização, que passaram a exigir dos estados e, sobretudo, dos
municípios, uma gestão do sistema conduzida pelos princípios da universalidade,
equidade e integralidade, num contexto de desafios gerados pelas desigualdades
regionais de um país com a grande dimensão territorial e pela sua diversidade
socioeconômica.
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Figura 2. O Triângulo de Governo
PROJETO DE
GOVERNO (P)
Experiência
GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DO
(G) GOVERNO (C) Liderança
Ciências verticais
Ciências horizontais
PLANO DO GOVERNO
GESTÃO
P ESTRATÉGICA
EU, TU E
GESTÃO
GESTÃO POLÍTICA
ELES OPERACIONAL
G C
GOVERNABILIDADE CAPACIDADE DO
DO SISTEMA GOVERNO
Para Carlos Matus (2006a), o plano é o produto momentâneo do processo pelo qual um
ato seleciona uma cadeia de ações para alcançar seus objetivos. Em seu significado mais
genérico, plano de ação seria como algo inevitável na prática humana. Esse conceito
genérico de plano não depende de sua pertinência a um sistema econômico-social
determinado, mas sim do uso da razão técnico-política na tomada de decisões. 26
O plano, na vida real, está rodeado de incertezas, imprecisões, surpresas, rejeições e
apoio de outros atores. Em consequência, seu cálculo é nebuloso e sustenta-se na
compreensão da situação, ou seja, é a realidade analisada na particular perspectiva de
quem planifica. O plano, portanto, conduz à ação, isto é, é uma mediação entre o
conhecimento e a ação. Tal mediação, contudo, não se produz através de uma relação
simples entre a realidade e as ciências, pois o conhecimento da primeira vai além do
âmbito tradicional da segunda (MATUS, 2006a).
Para Matus (1989), o projeto deve ser formulado a partir dos objetivos dos atores, são as
suas propostas de ação que se estabelecem no que é possível fazer. A governabilidade
do projeto é a relação entre as variáveis que o ator controla e as que ele não controla.
Assim, quanto menor o número de variáveis sob controle do ator menor a sua
governabilidade. Então, a capacidade de governo é a capacidade de gestão,
administração e controle. é a capacidade de gerar e comandar ações. Essas três
variáveis são interdependentes entre si. O projeto precisa ser compatível com a
governabilidade e com a capacidade de governo.
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Ítalo Aleluia et al. (2022) aponta que a teoria matusiana destaca três elementos
importantes e interdependentes ao processo de governar: o projeto, a governabilidade e
a capacidade de governo. Este último relaciona-se com a expertise do(s) ator(es) para
realizar um projeto. Tal expertise refletiria o domínio do(s) ator(es) sobre os processos
teóricos, metodológicos e técnicos de gestão, a partir da experiência, dos conhecimentos
e da liderança. Além disso, governar constitui-se na capacidade de produzir resultados,
relacionados a um determinado projeto, e de vencer a inércia, as adversidades e as
contradições que podem fugir do controle dos atores sociais que idealizaram esse
projeto. A capacidade de governo também pode ser conceituada como a “capacidade de
ação sobre um projeto”, ou seja, a capacidade de vencer as dificuldades entre as
propostas e o seu alcance.
Gabriela Lotta (2022) considera como capacidade governativa a definição proposta por
Santos (1996). Segundo o autor, capacidade governativa é a
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A capacidade governativa, portanto, deve ser analisada contextualmente considerando
as características do sistema político em questão, das instituições que fazem parte
desse sistema político e das políticas públicas requeridas nesse contexto para resolução
de problemas públicos. E tal conceito de capacidade de governo, segundo Lotta (2022),
apoia-se no entendimento do modelo de governança do Estado Brasileiro que nasceu
após a Constituição e carrega as seguintes características, as quais são consideradas
importantes para que se compreenda tal modelo:
1) Uma lógica federativa que cria diversos entes federativos com autonomia
(política, fiscal e administrativa), mas com necessidade de interdependência para
a efetivação de políticas públicas.
2) Um sistema de participação social proposto pela constituição e ampliado ao
longo da década de 2000 (conselhos de políticas públicas, conferências,
audiências públicas, entre outros processos participativos) que alteraram a
maneira de se pensar a formulação e avaliação das políticas públicas.
3) A consolidação de um sistema de controles mútuos baseado na ideia de
repartição de poderes (judiciário, legislativo e executivo), além do Ministério
Público e de outras instâncias de controle como os Tribunais de Contas.
4) A ampliação do envolvimento de atores não estatais em políticas públicas
(como as organizações sociais, por exemplo).
5) Por fim, a complexificação da percepção dos problemas públicos, com a
entrada na agenda de uma percepção mais complexa e intersetorial de pautas
que antes eram vistas de forma setorial — como a agenda da fome, da pobreza,
da inclusão, do desenvolvimento, entre outras. Essa nova forma de perceber os
problemas públicos passou a mobilizar respostas cada vez mais intersetoriais e
envolvendo diferentes atores dentro do mesmo governo (LOTTA, 2022).
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A autora reitera ainda que essas características apontam para a necessidade de o
Estado agir com outros atores, de tomar decisões conjuntas e compartilhadas e de,
portanto, “governar com”. Afinal, o Estado passa a ter que conseguir governar com
diferentes setores, governar com diferentes entes federativos, governar com diferentes
poderes e sistemas de controle, governar com atores não estatais contratados para
provisão de serviços e governar com a sociedade civil. E, para que este novo “governar
com” se efetive, os atores estatais passam a precisar de novas capacidades
negociadoras e articuladoras (Lotta 2022).
Aleluia et al. (2022), ao citarem Matus, afirmam que para se construir capacidade de
governo faz-se necessária a ampliação de capacidade pessoal e institucional para
superar os obstáculos na implantação de um determinado projeto. Nesse sentido, em
projetos de regionalização interestadual do SUS, a construção dessa capacidade ainda
se mantém na retórica, quando analisadas as estratégias de gestão das Comissões
Intergestoras da Região, nas quais não se instituíram mecanismos para ampliar poder
político e influenciar as decisões entre os diversos atores do sistema de saúde. Nos
territórios interestaduais, a capacidade de produzir resultados efetivos ainda permanece
no plano das intencionalidades quando se trata de operacionalizar projetos de
regionalização do SUS. Os autores apontam ainda que a baixa institucionalidade das
Comissões Intergestores na região estudada ratifica a dificuldade na construção de
capacidade para gerir o SUS interestadual (Aleluia et al., 2022).
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Lotta (2022), por sua vez, afirma que, no SUS, é indiscutível que tenhamos avançado
profundamente na construção de um modelo de governança e nas capacidades
governativas (a ponto de ser referência para construção de sistemas em outras áreas de
políticas públicas). Entretanto, ainda de acordo com a autora, é importante reconhecer
que há ainda uma série de lacunas que mereceriam maior desenvolvimento para
conquistarmos uma governança plena e efetiva, e que é necessário avançar mais nas
dimensões para melhoria das capacidades governativas, como na intersetorialidade, nas
relações interfederativas, na relação com atores não estatais, na territorialização de
políticas públicas, assim como apostar fortemente na descentralização decisória,
fortalecer os atores locais, especialmente os profissionais da linha de frente dos
serviços, para que sejam bons tomadores de decisão e que consigam adaptar as
políticas à realidade que encontram, territorializando na prática (selecionar, formar,
capacitar e gerenciar melhor estes profissionais) para avançar no desenvolvimento das
capacidades governativas com uma inversão na lógica do processo decisório: em vez de
centralizado, construído a partir dos atores da ponta, usando sua criatividade e
experiência para aprender e tomar melhores decisões. E finaliza apontando que um novo
modelo de Estado, voltado à lógica de governança, no qual o Estado governa com, e não
governa para, pressupõe o desenvolvimento de novas capacidades governativas.
Nesse sentido, Lotta (2022) nos ajuda a pensar que, considerando as características do
Brasil e do Estado brasileiro, essas capacidades governativas passam pelo
desenvolvimento de novos instrumentos e mecanismos de coordenação que nos
permitam fazer políticas públicas melhores, mais adaptadas aos territórios, mais
integradas intersetorial e federativamente e que incorporem atores não estatais em
processos decisórios mais efetivos e transparentes.
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Ressalta-se que existem realidades e situações que devem ser analisadas e
melhoradas para que os usuários do SUS tenham garantia de acesso aos serviços de
saúde com resolutividade das suas necessidades. Portanto, é necessário, no atual
momento contrarreformista que o SUS está enfrentando, resolver as questões do
subfinanciamento e avançar na ampliação e qualificação da rede de saúde, na
formação e no desenvolvimento dos profissionais, no processo de gestão dos serviços
de saúde e na comunicação e divulgação aos usuários do acesso e fluxos das ações
de saúde ofertados pelo SUS.
EXPERIMENTAÇÃO
Para iniciar esta discussão sobre experimentação, vamos começar com o que
significa aprender. Na filosofia de Gilles Deleuze, aprender ocupa um lugar de
destaque. É um ato de adaptação e de criação, um agenciamento10 complexo, que
se refere às condições de possibilidade do próprio pensamento:
Formação da ideia e
formulação do problema.
Portanto, o aprender vai
além do saber, confirmando
a vida em seu curso
imprevisível. Aprender não é
reproduzir, mas inaugurar,
inventar o ainda não
existente, e não se
contentar em repetir um
saber.
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Aprender é construir um espaço do encontro com signos,11 um espaço em que os pontos
relevantes se retornam uns aos outros e em que a repetição se forma ao mesmo tempo
que se disfarça. (DELEUZE, 2006). Aprender diz respeito essencialmente aos signos. Os
signos são objeto de um aprendizado temporal, não de um saber abstrato. Aprender é,
de início, considerar uma matéria, um objeto, um ser, como se emitissem signos a serem
decifrados, interpretados. Tudo que nos ensina alguma coisa emite signos, todo ato de
aprender é uma interpretação de signos (DELEUZE, 1987).
Deleuze (1987) acredita que tudo aquilo que nos ensina algo emite signos e nos convida
à interpretação e à criação. O sujeito do aprendizado está envolvido pelo aprendizado,
que dá outro significado àquilo que está aparentemente pronto, acabado, fechado. O
aprendizado do sujeito se daria pela interpretação, o que, em grande medida, é uma
criação. Todo saber é interpretação, é um ato criativo em que o sujeito decifra códigos,
dando-lhes outros sentidos, outras mágicas. Um processo formativo deve proporcionar o
encontro com o outro, uma relação entre os sujeitos e o saber.
10O conceito de agenciamento está associado ao conceito de “máquina” e ambos foram criados por
Deleuze e Guattari (1995) como uma crítica à psicanálise, especialmente à estrutura moldada pelo
senso comum da representação presente nos textos psicanalíticos clássicos. Luiz Fuganti (2016) coloca
que o conceito de agenciamento opera um duplo ultrapassamento em relação ao modo de pensar da
tradição inaugurada pelo humanismo moderno: por um lado, destitui a ideia dominante de uma natureza
humana a priori – cuja forma legitimaria o senso comum do sujeito do conhecimento, a partir da
constituição de um modo superior de desejar, neutro e desinteressado; por outro, desqualifica a
verdade dos valores universais extraídos ou descobertos a partir de um plano de objetos ideais em si,
constitutivo do bom senso – plano pretensamente superior ao plano de natureza e das forças de
produção das formações sociais (ainda banhado de paixões humanas interessadas e parciais por
natureza), enfim, como fundamento que torna possível o conhecimento verdadeiro, imparcial e
universal. O agenciamento é antes de tudo um ACONTECIMENTO multidimensional. Todo
agenciamento incide sobre uma dupla dimensão: 1) uma dimensão relativa às modificações corporais
(ações e paixões) ou estados de coisas que efetuam um acontecimento, remetendo-os a uma formação
de potências; 2) uma outra dimensão relativa às transformações incorporais ou enunciados de
linguagem (atos) que efetuam o acontecimento na sua face incorporal e que remetem a um regime
coletivo de enunciação. Estas duas dimensões são necessariamente atravessadas por um duplo
processo e um duplo movimento: processo de descodificação das formas (forma própria do regime
corpóreo e da forma própria do regime de signos ou da linguagem); e um movimento de
desterritorialização ou de dessubstancialização das substâncias (das substâncias corporais ou coisas –
estados do movimento – e das substâncias incorporais ou palavras – estados do sentido ou do tempo).
11 Signos, para Deleuze, podem ser considerados como afetos, que em encontros produzem um sentir
diferente. Para o autor, o signo pode ser uma coisa qualquer que em determinado momento pode
evocar lembranças, afetos, pode nos remeter a outras coisas, e aí se tornar um signo. Um signo é algo
que evoca outra coisa para alguém, pode ser concreto, um objeto, uma expressão do rosto, mas pode
ser também abstrato, uma ideia, por exemplo, que evoca algo para alguém (DELEUZE, 1987). 33
Para Vinci (2019, p. 237-328),
[…] nessa concepção de aprendizado, forjada por Deleuze, aprender não passa
de um processo infinito de experimentação de signos12. Estamos sempre nos
deparando com signos que nos forçam a pensar, e, diante deles, resta-nos aceitar
o encontro e permitir-se experimentar a heterogeneidade de que os signos
seriam portadores, por meio do abandono das verdades eternas e criando os
nossos próprios problemas a partir desse encontro; ou, pelo contrário,
calar essa experiência por meio de uma remissão do signo a algum valor
estabelecido de véspera, estabelecidos graças aos falsos problemas
impostos pela cultura.
Ainda de acordo com Vinci (2019, p. 328): “Experimentação, portanto, nada mais é do
que aprender a criar outros mundos, a partir dos encontros com signos diversos que nos
forçam a pensar, nos oferecem elementos singulares a serem interpretados e que nos
forçam a sair da mera condição de observador.”
12 Segundo Vinci (2019, p. 327): “Em Diferença e Repetição, Deleuze contrapõe sua dimensão de aprendizado com aquela dita platônica e argumenta:
‘Aprender é tão somente o intermediário entre não-saber e saber, a passagem viva de um ao outro. Pode-se dizer que aprender, afinal de contas, é uma
tarefa infinita, mas esta não deixa de ser rejeitada para o lado das circunstâncias e da aquisição posta para fora da essência supostamente simples do
saber como inatismo, elemento a priori ou mesmo ideia reguladora. E, finalmente, a aprendizagem está, antes de mais nada, do lado do rato no labirinto, ao
passo que o filósofo fora da caverna considera somente o resultado — o saber — para dele extrair os princípios transcendentais’ (DELEUZE, 1988, p. 238).”
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Bondía (2002), propõe pensar a educação a partir do par experiência-sentido,
contrapondo-se ao modo de pensar a educação como relação entre ciência e técnica, ou
entre teoria e prática. Nesse sentido, o autor explora o significado das palavras
experiência e sentido. Quanto à primeira, a experiência, critica o excesso de informação
e a obrigatoriedade de ter opinião, posturas que estão na base da “aprendizagem
significativa”; considera também que o excesso de trabalho não permite a experiência, e
a própria relação trabalho/experiência. Quanto ao sentido, explora-o a partir do sujeito da
experiência, definido não por sua atividade, mas pela abertura para ser transformado
pela experiência — território de passagem, submetido a uma lógica da paixão; e que o
saber da experiência se dá na relação entre o conhecimento e a vida humana, singular e
concreta.
Ainda de acordo com Bondía (2002), pensar não é somente argumentar, raciocinar e
calcular, mas, principalmente, dar sentido ao que nos acontece, ao que somos. Para o
autor: “A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que
se passa, não o que acontece, ou o que toca” (BONDÍA, 2002). A experimentação a que
nos referimos é esse exercício de produzir encontros, de apreender a experiência, que
podem ser acontecimentos, pois quando paramos para refletir percebemos que algo
mudou em nós e não somos mais os mesmos.
INTERFERÊNCIA
Para começarmos esta conversa,
partiremos da distinção entre intervenção e
interferência, e aqui precisamos enfatizar
que não se trata de uma oposição, mas sim
de uma tensão entre essas noções.
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Inforsato (2010) aponta para a ideia de que a intervenção precisa ser reformulada, na
perspectiva dos múltiplos atravessamentos entre os campos, na produção das mutações
em cada um deles, como se, de alguma forma, pudéssemos implodir os blocos
monolíticos e isolados do conjunto das práticas sociais e estes passassem a se cruzar
em outros tantos territórios. Não há pretensão em um modelo de intervenção, não se
aspira por uma fórmula “mágica” de abordagem para os problemas identificados. A ideia
é produzir uma ação tecno-política capaz de “faiscar” uma nova combinação de
conhecimentos, propensões éticas, técnicas, desejos.
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.
Henz (2014) ainda aponta que uma intervenção simplificadora, simplista, pode ser
aquela que incide sobre a complicação dos casos e das experiências, ocorre ali uma
ordenação que acachapa a complicação; é como imaginar que é possível preparar uma
interferência com um único impulso, sem agenciar de novo, escavar mais embaixo, e, se
não deu certo agora, desconfiar de sua estratégia, e, se deu certo demais, também
deve-se desconfiar. Não se trata de vale-tudo. Ainda que a leveza não esteja excluída,
ela é imprescindível, mas, sobretudo, há necessidade de permanecer na dobra, na pele,
acompanhar os efeitos, acreditar na força instituinte e na experiência
13Intercessão não no sentido de convergência, mas o contrário daquilo que diverge, que produz
desvios, interferências, tal como Deleuze define o conceito de intercessor como a possibilidade de
desvio que cria, isto é, podem ser pessoas, acontecimentos, objetos inanimados (DELEUZE, 1998).
14O território pode se desterritorializar, isto é, abrir-se, engajar-se em linhas de fuga e até sair do seu
curso e se destruir. A espécie. humana está mergulhada num imenso movimento de desterritorialização,
no sentido de que seus territórios “originais” se desfazem ininterruptamente com a divisão social do
trabalho, com a ação dos deuses universais que ultrapassam os quadros da tribo e da etnia, com os
sistemas maquínicos que a levam a atravessar cada vez mais rapidamente, as estratificações materiais
e mentais (GUATTARI; ROLNIK, 1996, p. 323).
37
Para o processo produtivo, nos interessa a experimentação a partir de encontros
intercessores e da produção de redes vivas. Além da potência da tecnologia leve inscrita
na relação, na micropolítica do encontro entre sujeitos, e nas possibilidades e afecções15
dadas nesse acontecimento para produção da gestão de projetos articulados.
38
15Afecção remete a um estado do corpo afetado e implica a presença do corpo afetante, ao passo que o
afeto remete à transição de um estado a outro, tendo em conta variação correlativa dos corpos
afetantes (DELEUZE, 2002, p. 56).
Ao vivenciar processos da gestão de projetos no território, sendo consumidos por eles e
consumindo-os, e nos momentos de alteridade proporcionados pelos acontecimentos e
em relação com todos partícipes no território, é possível perceber que a caixa de
ferramentas16 necessária para essa operação deve ir se compondo ao longo da
formação, ao mesmo tempo que vai se descobrindo que esta caixa de ferramenta monta,
desmonta, quebra, destrói, constrói suas próprias ferramentas, em constante devir,
produzida por e produzindo intercessores com os coletivos em cena. Não é só a caixa de
ferramentas dos partícipes que está em cena, é a caixa de ferramentas de todos aqueles
que estão em e na ação e em disputa, assim, a caixa de ferramentas está em análise e
produção constante. Ao analisar a caixa de ferramentas do outro a minha ferramenta
está em cena, em análise e em produção (BADUY, 2016). Podemos dizer aqui que esse
movimento tem a pretensão de compor a caixa de ferramenta dos partícipes em ato, no
desenvolvimento de projetos (BERTUSSI et al., 2016).
16A caixa de ferramentas de Merhy (2002) é representada por valises, trazendo a imagem das
ferramentas tecnológicas, como saberes e seus desdobramentos materiais e não materiais, que fazem
sentido de acordo com os lugares que ocupam no encontro entre trabalhador e usuário. O trabalho em
saúde é tecnológico — construído com o uso de tecnologias materiais e imateriais. Entre as tecnologias
materiais, estão todas as ferramentas e instrumentos produzidos para serem usados de modo
determinado em dadas situações (equipamentos, instrumentos). Estas, segundo Merhy, são as
tecnologias duras. Há dois tipos de tecnologias imateriais envolvidas no trabalho em saúde: as
tecnologias leve-duras, que correspondem aos saberes estruturados das profissões da saúde — que,
em parte, são duras, porque são produzidas e disponibilizadas a priori, mas, em parte, são leves porque
podem ser usadas de modo singular a depender da situação e do encontro; e há as tecnologias leves
que correspondem a tudo o que é utilizado para favorecer o encontro — escuta, empatia,
reconhecimento, porosidade, conhecimentos produzidos a partir da experiência e agenciados pelo
encontro, entre outros. Tais tecnologias são indispensáveis ao trabalho em saúde, mas, dependendo do
tipo de tecnologia que preside o encontro, maior ou menor será seu potencial cuidador, maior ou menor
a porosidade para o encontro, maior ou menor a troca e a construção de sentidos comuns.
39
A elaboração desse
produto deverá ocorrer em
determinados momentos e
poderão ser revisitados
para adequação ao
momento seguinte,
estrategicamente
desenvolvidos de forma a
garantir a unicidade lógica
da proposta.
A partir do mapeamento, faz-se necessária uma análise crítica com base nos
pressupostos da gestão de portfólios de projetos. Essa análise tem como propósito a
identificação de incômodos ou problemas que possam estar comprometendo os diversos
aspectos dos projetos analisados, bem como a integração e sinergia entre eles.
Em outras palavras, projeto é uma produção de saberes em ação, e uma ação que
produz novos saberes. Essa interação entre teoria e prática é um importante eixo
educacional em metodologias ativas de ensino-aprendizagem, uma vez que busca
associar conhecimento e ação para dar respostas que visem o mundo do trabalho e da
vida.
40
Considerando que “[…]
ensinar exige
compreender que a Formulação de uma proposta de ação
3
educação é uma forma de
interferência no mundo”
(FREIRE, 2011, p. 96), a 2 Identificação de incômodo/problemas
construção de um projeto ligados à sua vivência
representa uma
oportunidade concreta 1 Vivência concreta dos participantes
para produzirmos nossa
ação como sujeitos que
desejam transformar a
realidade.
17As redes vivas trabalham com a noção de que os sujeitos são uma multiplicidade em produção, a
partir dos contextos e das possibilidades existenciais que cada um tem disponível. No campo do
cuidado, ampliar o olhar para as redes vivas existenciais é uma possibilidade de reconhecer que os
encontros, vínculos e conexões entre os sujeitos constituem um espaço de afetação mútua e são,
portanto, micropolíticos, relacionais, produtores legítimos de saberes, de expectativas e de relações de
poder negociando e construindo de modo compartilhado projetos de cuidado em permanente disputa.
Na saúde, para além das redes instituídas de cuidado, as redes vivas se produzem a partir das lógicas
dos encontros e dos agenciamentos que aí acontecem, produzindo conexões existenciais individuais e
coletivas. As linhas e as infinitas possibilidades são produzidas pelos atores nas afecções de seus
encontros com o(s) “outro(s)” no mundo do cuidado. Esse agenciamento faz de cada sujeito uma rede
viva em si, em permanente produção, produzindo movimentos, elaborando saberes, despertando
afetos, construindo e partilhando cuidados a partir de uma rede não dada, mas tecida em
acontecimento, negociando a todo instante com o que já está estabelecido no contexto e no viver
(MERHY et al., 2014).
41
No processo de construção de um projeto, a contextualização do cenário atual permite a
visualização da imagem para ressignificá-la no sentido de buscar uma releitura, podendo
produzir interferência nos processos e movimentos no território na perspectiva de
transformação do mundo do trabalho.
MONITORAMENTO
Monitorar projetos é um importante componente do ciclo de gestão de políticas e
instituições, uma vez que amplia a capacidade de se fazer uma gestão adaptativa.
42
Se o planejamento continuou sendo um aliado do bom governo das coisas, sobretudo
por sua capacidade de anunciar a direção e convergir esforços e atores, ele só se
manteve vivo porque se tornou efetivamente estratégico. Ou seja, quando se
compreendeu que a direção anunciada, ou seu impacto, só poderia ser alcançada se
houvesse enorme capacidade adaptativa ao longo do percurso. O percurso, aliás, deixou
de ser uma estrada pavimentada em linha reta para ser um conjunto sinuoso e móvel de
caminhos possíveis.
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Com as mudanças das quais falamos, o monitoramento também mudou. Ainda citando
Silva (2020),
[...] na medida em que a gestão [...] passou a flertar com as ciências da complexidade e
com os paradigmas ecológicos, o que era métrica de conformidade tornou-se análise de
adaptabilidade e o que eram certezas traduzidas em planejamentos normativos tornou-se
experimentação de hipóteses e apostas estratégicas baseadas em evidências científicas,
abertura ao risco e compromissos políticos.
E é nesse sentido que queremos destacar algumas premissas que sustentam o desenho
desse movimento. Ao explicitá-las, esperamos estimular os envolvidos a olharem para
elas de modo crítico, problematizando-as e formulando suas próprias ideias e hipóteses
sobre monitoramento de projetos. A tensão criativa entre aquilo que se lê e aquilo que se
possui como acúmulo teórico e prático é um modo potente de aprender.
44
No monitoramento, perguntas de conformidade (esforços e entregas), de gestão
(processos e condições de trabalho) e de governança (corresponsabilidade e controle
social) estão sempre comprometidas com processos de aprendizagem e de adaptação
do curso das ações às inúmeras variáveis que influenciam a implementação de um
projeto. Além disso, os métodos precisam estar a serviço das perguntas dos atores. Isto
é, diferentes objetos (projetos) requerem abordagens de monitoramento também
diferentes. Em alguns casos será fundamental contar com indicadores precisos para
demonstrar esforços e conformidade, o que pode requerer o uso de dados
administrativos, secundários ou aplicação de instrumentos específicos. Em outros casos
um bom monitoramento será feito em uma reunião de equipe ou em uma plenária da
Comissão Intergestores Bipartite (CIB).
Erros acontecem. Processos não são perfeitos. Lacunas são inevitáveis. Confusões e
falhas são da natureza humana e são comuns às organizações. E é preciso aprender
com isso, lançando mão do monitoramento como disparador de análises, aprendizagens,
adaptações e transformações: quanto mais punitiva for a prática de monitoramento,
quanto menos ela tolerar os erros e mais ameaçar os atores, menor será a possibilidade
de ativar a aprendizagem. Sem aprender, menos inteligente, resiliente e sustentável será
um projeto.
45
AVALIAÇÃO DE PROJETOS
Monitoramento e avaliação são partes indissociáveis nas boas práticas de gestão
pública. De acordo com a literatura, a legislação e os gestores do SUS, a avaliação de
projetos é componente essencial do ciclo de gestão de políticas e instituições. A
avaliação está associada à transparência, ao uso inteligente dos recursos, ao controle
social, à qualidade dos serviços e aos resultados das ações.
46
No que toca mais diretamente à avaliação de projetos, as práticas avaliativas fizeram um
longo caminho para alcançar o status em que se encontram. Nascidas como
instrumentos para aferir o alcance de objetivos (objective-oriented evaluation), as
avaliações foram sendo formatadas pela realidade das instituições (mais transparentes,
menos piramidais), pela realidade política (mais democráticas, mais participativas) e pela
realidade das ciências (mais capazes de articular abordagens quantitativas e qualitativas
em métodos mistos).
47
Esse fluxo de mudanças Se as primeiras escolas
também fortaleceu dois outros avaliativas apostavam nas
conceitos importantes na avaliações externas como
avaliação de projetos. As capazes de assegurar o
avaliações tornaram-se mais distanciamento e a
formativas do que somativas, à neutralidade necessária para
medida que foram sendo valorar os objetos, sendo
demandadas a apoiar ainda ideias hegemônicas
progressivamente a nessa direção, as escolas
implementação das ações. contemporâneas
Produzir evidências para reconheceram a importância
embasar decisões capazes de de construir capacidades
melhorar os programas avaliativas nas instituições, o
(desenho, focalização, papel das equipes e
recursos etc.) e assegurar avaliadores internos e o lugar
direitos passou a fazer mais das autoavaliações como ato
sentido do que buscar de responsabilização e
valorações decisivas autonomia política.
(somativas) a respeito de
políticas complexas com
impactos difusos e de longo
prazo.
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Nessa jornada que, todavia, é palco de inúmeras disputas, o tema da valoração dos
objetos segue como um dos maiores desafios avaliativos: como valorar os objetos, quais
critérios utilizar, de onde os critérios se originam? Se as avaliações comportam a
descrição das realidades (aspectos, mecanismos, forças, fenômenos) e a medida das
coisas (números, percentuais, séries), os exercícios de valoração continuam a requerer
atenção aos critérios que definem o que é bom e o que não é, o que custa muito ou
pouco, o que é efetivo e o que não é etc. Reconhecer quais são os critérios, quem os
define e o porquê tornou-se essencial.
As avaliações podem ter muitas finalidades, o que requer atenção dos atores para algo
que muitas vezes não é problematizado e tratado com automatismo. Com qual propósito
realizamos uma avaliação? Quais papéis a avaliação deve cumprir? A quais interesses a
avaliação quer responder?
Para melhor cumprir suas finalidades, as avaliações precisam estar bem focalizadas
naquilo que investigam. Avaliações muito abrangentes, por exemplo, podem tornar-se
superficiais. O exercício de focalização requer atenção à formulação de perguntas
avaliativas, ou seja, perguntas que irão guiar o estudo. Quais perguntas avaliativas
precisam ser respondidas? Quais perguntas avaliativas são realmente necessárias para
apoiar os atores em seus processos de análise, aprendizagem e decisão?
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Todo projeto possui sua própria arquitetura, e esse desenho implica a melhor análise
possível de um problema, uma análise de governabilidade e a construção de estratégias
de superação (com base em evidências, pedirão as ciências da implementação). Tais
estratégias produzem ações, levam a entregas (outputs), que levam a resultados de
diferentes níveis. Essa linha de raciocínio, que não deve ser linear, demonstra a teoria de
mudança de um projeto e oferece importantes bases para avaliar implementação e
resultados. Qual é a cadeia de resultados do projeto? Em quais aspectos uma avaliação
deve se concentrar? Avaliar ações, entregas ou resultados?
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A construção de capacidades avaliativas nas instituições costuma apoiar-se em duas
estratégias. Em uma delas, avançar progressivamente com as avaliações, fazendo
pequenos estudos e lançando mão de técnicas simples, de modo a aprender com a
prática; “melhor feito do que perfeito”. Em outra, assegurar que as avaliações fechem
ciclos, ou seja, que seus achados nutram momentos de análise, aprendizagem e decisão
dos atores. Todas as vezes que uma avaliação não retorna aos atores, ela estrangula a
cultura avaliativa. Qual é a estratégia de uso da avaliação? Quais atores irão analisar os
resultados? O que deve se tornar público? A avaliação pode mobilizar atores?
CAMINHOS POSSÍVEIS
Como base para a produção de integração e sinergia de projetos no SUS podem ser
utilizados alguns modos de operar a gestão em saúde. A escolha do caminho deve se
dar em função da necessidade de refletir, analisar e prospectar soluções que possam
emergir a partir dos incômodos/problemas da prática, desde que considerada a
diversidade, a particularidade e as condições de possibilidade para execução, como o
domínio das ferramentas de gestão de projetos, entre outras. O produto desejado é a
integração e a sinergia de projetos no SUS em um território.
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Então, pode-se entender como problema inicial a falta de integração e sinergia dos
projetos no SUS no território. A partir desse problema, o produto a ser produzido
deve demonstrar como esse problema se manifesta no território a ser trabalhado.
Matus (1992) propõe que nesse momento de formulação o grupo condutor faça um
estudo de viabilidade das propostas contidas no produto. Além das dimensões técnica,
política e administrativa, é interessante incluir um estudo de risco normativo nesses
critérios de estudo de viabilidade financeiro e orçamentário: o produto contraria alguma
norma?
TRAJETO METODOLÓGICO
Definição do grupo
construtor território e
objetivo da proposta
Portfólio de projetos
território / tema
Institucionalização do
produto Estudo de viabilidade
do produto
Entretanto, é interessante que possamos nos debruçar intencionalmente sobre isso tudo,
pois há um modo possível de agir nesses espaços com a intenção de aguçar a
possibilidade de reconhecer esse processo como constitutivo do mundo do trabalho.
Podemos, dessa forma, ambicionar a ativação desse processo na busca de novas
visibilidades e dizibilidades sobre o território.
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OS PLANOS CONSTITUTIVOS DO PROJETO INTERFERÊNCIA
A intenção de desenvolver um projeto a partir de planos constitutivos é exatamente que
este opere como disparador da produção e, por consequência, do pensamento, focando
sobretudo nas multiplicidades, no poder e nos devires. Assim, apontamos que o projeto
deve ser elaborado a partir das experiências e percepção da atualidade.
Os planos consecutivos são compostos por cinco camadas, conforme ilustrado na Figura
5 e na Figura 6. Em seguida, será detalhada cada uma dessas camadas.
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Figura 5. Os Planos Constitutivos do Projeto
Proposta
Realidade
Camada 4 – Elaboração do projeto aplicado
Leitura da realidade
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CAMADA 1 - LEITURA DA REALIDADE
1 A melhor composição para esta camada transita por uma boa análise de
situação que considere os seguintes aspectos técnicos no desenvolvimento dos
projetos: aspectos administrativos que podem inviabilizar a busca pela
integração ou pela sinergia; aspectos políticos como moduladores das
propostas de interferências sugeridas pelo projeto; aspectos éticos que se
relacionem com o desenvolvimento institucional dos espaços de governança do
SUS. Os projetos devem, na dimensão ética, contribuir para a construção da
cidadania em saúde. Ainda nesta camada deve-se buscar também a descrição
e a análise de uma situação atual.
2 CAMADA 2 - IDENTIFICAÇÃO DE
INSTITUIÇÕES E/OU NOS SERVIÇOS DA REGIÃO DE SAÚDE
PROJETOS DE SAÚDE NAS
Esta camada termina com um desenho do projeto, que pode ser obtido por meio
da descrição da análise de como se deu a articulação institucional, de
organização dos projetos e de articulação do trabalho dos atores institucionais.
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3 CAMADA 3 - SELEÇÃO E DESCRIÇÃO DOS PROJETOS
O desenho inicial do projeto deve ser aprimorado nesta camada, em que onde
devem ser aplicados os critérios de seleção dos projetos trabalhados na
camada 2.
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Referências
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Referências
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Referências
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Referências
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Referências
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Referências
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