Direito do Mar de 1982. 2. A autoridade interna- cional dos fundos marinhos. 3. O Tribunal Interna- cional de Direito do Mar. 4. Conclusões.
1. A Convenção das Nações Unidas
sobre o Direito do Mar de 1982 Até o século XIX, o costume consubstan- ciava-se na principal fonte do Direito do Mar. No início do século XIX, também atos unilaterais praticados pelos Estados ao subme- terem um espaço marítimo de três milhas, contadas a partir da costa às suas respectivas jurisdições (o Mar Territorial) ganharam força como fonte do Direito do Mar. Inobstante isso, a grande transformação no âmbito das normas sobre o mar ocorreria neste século, ensejada pela ocorrência de múltiplos fatores: o desen- volvimento tecnológico e científico que permitiu a exploração dos recursos marinhos em escala, sem precedentes na história, o surgimento, primeiro, do vapor e dos combus- tíveis fósseis e, depois, dos meios de comuni- cação e localização à distância, que vieram a revolucionar a ciência da navegação; o surgi- mento de um maior número de Estados em condições de disputar com a Grã-Bretanha a supremacia dos mares e a criação de um grande número de Estados, inicialmente no século XIX, na América Latina e, depois, na segunda metade do século XX, na Ásia e África, no fenômeno que ficou conhecido como descolo- nização, que não tinham familiaridade com as normas costumeiras, uma vez não terem parti- cipado de sua elaboração. Jete Jane Fiorati é Professora de Direito Inter- Por outro lado, no final do século XIX, não nacional da UNESP, Mestre e Doutora em Direito. apenas as normas internacionais sobre o mar, Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 129 mas todo o Direito Internacional Público sofrera arquipélagas. Destarte, foi convocada a profundas modificações com o ocaso do Direito Segunda Conferência das Nações Unidas sobre Natural e o desenvolvimento do Positivismo Direito do Mar, reunida em Genebra entre 17 Jurídico, que em Direito Internacional de março e 27 de abril de 1960, que não conse- denominou-se “Voluntarismo”, consubstan- guiu um consenso relativo a nenhum dos temas ciando-se no livre consentimento sobre o qual polêmicos, não resultando nenhuma convenção se assenta a absoluta igualdade jurídica dos a ser assinada pelas partes, o que contribuiu Estados. Para os voluntaristas, o Direito Inter- para o malogro das convenções de Genebra. nacional se compõe de normas criadas pelo livre Embora todas as convenções oriundas da consentimento das partes, derivando-se primeira Conferência sobre Direito do Mar principalmente de duas fontes: os tratados e os tenham sido ratificadas por um número consi- costumes. Contudo, neste século, seja pelo derável de Estados e chegassem a entrar em legado positivista, seja pela sua evidente esta- vigor, sofreram tamanha oposição dos Estados bilidade em relação ao costume, os tratados em desenvolvimento e subdesenvolvidos que reinam incontestes como principal fonte do em 1973 a Assembléia Geral convocou a Direito Internacional, representando o triunfo Terceira Convenção das Nações Unidas sobre do Jus Scriptum em relação ao Direito Costu- Direito do Mar, concluída em 1982, resultando meiro e ao Direito Natural. na assinatura de uma Convenção com trezentos Foi neste século que se iniciou o processo e vinte artigos, que disciplinam de modo preciso de codificação do Direito do Mar. Inicialmente (e também polêmico) todos os aspectos foram os doutrinadores que se encarregaram referentes ao mar e cuja entrada em vigor se de elaborar estudos e modelos de convenção deu em 1994. sobre o Direito do Mar. Ficaram conhecidos os projetos de Bluntschli, Field, Fiori, Arnaud e Apesar das convenções de Genebra terem Internoscia. Também o Instituto de Direito sido objeto de grande entusiasmo no momento Internacional em 1925, a Associação de Direito de sua celebração, passaram a sofrer, no início Internacional em 1926, a Faculdade de Direito dos anos sessenta, intensas críticas, que se de Harvard em 1929 apresentaram seus projetos fundamentavam no fato de que essas convenções de convenção de Direito do Mar. se consubstanciavam em codificações, portanto, Terminada a Segunda Guerra Mundial, foi não disciplinando as novas realidades que criada, em 1945, a Organização das Nações surgiam no cenário internacional. Pretendiam Unidas com a finalidade de manutenção da paz os críticos que estas convenções tivessem não e da promoção dos direitos humanos, bem assim o caráter de codificação, disciplinando e siste- da cooperação em nível internacional acerca matizando as antigas regras costumeiras sobre do desenvolvimento e da integração dos povos o Direito do Mar, mas sim representassem, na e disciplina dos espaços comuns da humanidade. sua concepção e elaboração, o efetivo desen- Foi convocada, pela Assembléia Geral da ONU, volvimento do mesmo surgido no pós-Guerra. a Primeira Conferência sobre Direito do Mar, Em suma: pretendiam que as convenções de com função de examinar aspectos jurídicos, Genebra representassem a criação de uma nova biológicos, econômicos, políticos e técnicos e disciplina jurídica adequada às novas realidades, que se realizou entre 24 de fevereiro e 29 de consubstanciando-se em veículo para o desen- abril de 1958. Oitenta e seis Estados participaram volvimento progressivo do Direito Interna- da Conferência, que resultou na elaboração de cional e não numa codificação de costumes, que quatro convenções internacionais: Convenção não atendiam o interesse de inúmeros Estados. sobre o Mar Territorial e Zona Contígua, Por outro lado, observava-se que as novas Convenção sobre o Alto-Mar, Convenção sobre realidades tinham intenso caráter ideológico e Pesca e Conservação dos Recursos Biológicos econômico, que vieram a se traduzir nos do Mar e Convenção sobre a Plataforma conflitos leste-oeste, fenômeno conhecido como Continental, além de um Protocolo Facultativo Guerra Fria entre os blocos representados pelos acerca da Solução Pacífica Obrigatória de Estados Unidos e URSS, e norte-sul, entre as Litígios. potências industrializadas do norte e os Estados No entanto, essas convenções não delimi- subdesenvolvidos do sul, influenciando decisi- taram claramente alguns assuntos polêmicos, vamente as questões envolvendo o Direito do como o da largura do mar territorial, o Mar, especialmente no que tange à exploração reconhecimento das águas históricas, a delimi- dos seus recursos e à manutenção da paz nos tação das zonas de pesca e a questão das águas espaços marítimos. 130 Revista de Informação Legislativa Destarte em 1967, refletindo este descon- mas motivou o Comitê a apresentar, em 17 de tentamento, Arvid Pardo, embaixador de Malta dezembro de 1970, na XXV Sessão, a “Decla- perante as Nações Unidas, durante a XXII ração de Princípios a Reger o Fundo dos Mares Sessão da Assembléia Geral das Nações Unidas, e dos Oceanos bem como seus Subsolos, além realizada a 17 de agosto de 1967, inscreveu na dos Limites da Jurisdição Nacional”, que foram pauta a questão intitulada “Declaração e declarados “Área de Patrimônio Comum da Tratado relativos à Utilização Exclusiva para Humanidade”, não constituindo objeto de Fins Pacíficos dos Fundos Marinhos e Oceânicos apropriação por quaisquer Estados e de uso além dos Limites da Jurisdição Nacional Atual exclusivamente pacífico. Igualmente no mesmo e à Exploração de seus Recursos no Interesse dia, foi elaborada a Resolução 2.750 da Assem- da Humanidade”. Segundo Pardo, a quantidade bléia Geral, convocando uma conferência e a importância dos recursos marinhos, bem internacional sobre Direito do Mar, cujo obje- assim a condição de sua explorabilidade e o tivo seria “o estudo do estabelecimento de um problema da eventual utilização dos mesmos, regime internacional eqüitativo, combinado pelos Estados desenvolvidos, para fins militares com um mecanismo internacional aplicável à mostravam que as convenções de Genebra não Área e aos recursos dos fundos dos mares e se adequavam à disciplina dos mares, o que oceanos, bem como a seu solo e subsolo, além levava a resultados inesperados no terreno das dos limites da jurisdição nacional, uma relações internacionais. Propunha o embaixador definição precisa da Área e uma série extensa criar uma estruturação jurídica visando à utili- de tópicos pertinentes, como aqueles concer- zação dos recursos dos oceanos além das juris- nentes ao regime do alto-mar, da plataforma dições internacionais, área essa a ser conside- continental, do mar territorial (no qual se rada patrimônio comum da humanidade, bem incluíam a questão de sua largura e dos estreitos assim à criação de um órgão responsável para internacionais) e da zona contígua, a pesca elaborar estudos acerca do estabelecimento de e a conservação dos recursos biológicos do um regime jurídico internacional para a utili- alto-mar (estabelecendo direitos preferenciais zação e exploração dos recursos oceânicos. dos Estados ribeirinhos), a proteção do meio Como conseqüência da proposta Pardo, a marinho (incluindo-se a prevenção da poluição) Assembléia Geral das Nações Unidas adotou, e a pesquisa científica”. em 18 de dezembro de 1967, a Resolução 2.340 Segundo a Resolução 2.750, o Comitê de que criou um comitê encarregado de efetuar Fundos Marinhos foi incumbido de preparar estudos sobre as questões relativas à utilização uma lista de temas a serem discutidos na pacífica e exploração econômica dos fundos Terceira Convenção das Nações Unidas sobre oceânicos em benefício da humanidade. O Direito do Mar e elaborar um projeto de comitê possuía trinta e cinco membros, que, convenção relativo a esses mesmos temas, no prazo de um ano, deveriam consultar os tornando-se o primeiro órgão intergovernamen- Estados-Membros para elaborar um documento tal a preparar uma convenção, tarefa tradicio- indicando os meios para promover a cooperação nalmente conferida à Comissão de Direito internacional no campo do Direito do Mar. Em Internacional. O trabalho do Comitê foi lento, 1968, conforme a Resolução 2.467 da Assem- tendo em vista os diversos interesses dos bléia Geral, o comitê tornou-se permanente, Estados e as grandes divergências surgidas na com poderes para fazer recomendações à ONU, elaboração do Projeto de Convenção. Inicial- e foi intitulado “Comitê de Utilização Pacífica mente, as divergências se deram entre os dos Fundos Marinhos e Oceânicos situados Estados desenvolvidos e os Estados em além dos Limites da Jurisdição Nacional”, ou desenvolvimento, sendo que os primeiros “Comitê dos Fundos Oceânicos”. pretendiam apenas que houvesse previsões Posteriormente, o Comitê apresentou, em convencionais sobre a largura do mar territorial, 15 de dezembro de 1969, um projeto de decla- a liberdade de navegação pelos estreitos e canais ração que originou a Resolução 2.574, estabe- internacionais e a prefixação dos direitos de lecendo que, até o surgimento de uma disciplina pesca dos Estados costeiros relativamente ao jurídica adequada, os Estados e as pessoas alto-mar contíguo, enquanto os segundos plei- físicas ou jurídicas deveriam se abster de teavam uma ampliação de temas visando a explorar quaisquer recursos na área que não estabelecer um regime unitário para o oceano, estivesse sob a jurisdição dos Estados-Membros. disciplinando não apenas questões específicas A Resolução não possuía caráter erga omnes, como a da largura do mar territorial, mas Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 131 também a exploração e o aproveitamento de consubstanciando-se, portanto, em veículo para recursos do alto-mar de forma eqüitativa. que se manifestassem os princípios ligados ao Posteriormente, surgiram divergências que progressivo desenvolvimento do Direito Inter- levavam em conta a diversidade de situação nacional. geográfica dos Estados e interesses regionais A Terceira Conferência das Nações Unidas convergentes. Nestes casos podem ser citados sobre Direito do Mar foi iniciada em dezembro o agrupamento dos Estados arquipelágicos e de 1973, mantendo a estrutura e os métodos de insulares e o agrupamento dos Estados despro- trabalho utilizados pelo Comitê intactos. vidos de litoral. Durante a elaboração do Projeto de Convenção, Em agosto de 1973, o Comitê dos Fundos o Comitê subdividira-se em três comissões: a Marinhos apresentou uma lista com vinte e primeira, responsável pelo regime jurídico dos cinco temas a serem discutidos pelos Estados: fundos marinhos, a segunda que elaborou o 1. Regime jurídico internacional para os fundos projeto relativo aos outros espaços oceânicos e dos mares e oceanos além da jurisdição inter- a terceira cujas atribuições se ligavam às nacional; 2. Mar territorial; 3. Zona contígua; questões da proteção e preservação do meio 4. Estreitos utilizados para a navegação inter- marinho, à pesquisa científica e à transferência nacional; 5. Plataforma continental; 6. Zona de tecnologia. O processo de elaboração das econômica exclusiva situada além do mar normas convencionais foi inédito e inovador territorial; 7. Direitos preferenciais do Estado no âmbito da ONU, utilizando-se de forma ribeirinho sobre os recursos situados fora do inédita de métodos diversos, uma vez que nunca mar territorial; 8. Alto-mar; 9. Países sem fora objeto de convenção questão que agrupasse litoral; 10. Direitos e interesses de Estados de tantos interesses e grupos divergentes e plataforma continental fechada, plataforma trouxesse tanta interpenetração entre fatores continental estreita ou costa pequena; 11. políticos, econômicos, sociais, culturais, tecno- Direitos e interesses dos Estados de plataforma lógicos, geográficos e geopolíticos com o continental ampla; 12. Preservação do meio mundo jurídico internacional. ambiente; 13. Pesquisa científica; 14. Desen- Em 16 de novembro de 1973, a Resolução volvimento e transferência de tecnologia; 15. 3.067, que convocou a Conferência, estabeleceu Acordos regionais; 16. Arquipélagos; 17. Mares que as partes tomariam decisões acerca das fechados e semi-abertos; 18. Ilhas artificiais e questões debatidas por meio do consenso, instalações; 19. Regime das ilhas; 20. Obrigações utilizando, para isso, um Gentleman Agreement, e responsabilidade relativas aos danos por uso que tornou-se, a partir de 1974, um anexo do do meio marinho; 21. Solução de controvérsias; Regulamento Geral da Conferência. Por meio 22. Utilização com fins pacíficos do espaço deste Anexo, decidiu-se que haveria o consenso oceânico, zonas de segurança; 23. Tesouros quando as decisões fossem adotadas sem que arqueológicos e históricos dos fundos marinhos houvesse objeção de qualquer das partes fora dos limites da jurisdição nacional; 24. negociadoras. Para que ocorresse o consenso Transmissões em alto-mar; 25. Promoção da relativamente à disciplina de um aspecto participação universal dos Estados nas referente ao Direito do Mar, era necessária a convenções multilaterais relativas ao Direito do exposição da questão, às quais posteriormente Mar1. correspondiam deliberações. Tomava-se dessas O trabalho do Comitê delineou a futura deliberações os elementos sobre os quais as convenção como veículo para novas normas partes manifestavam convergência e aqueles criadas para regulamentar as novas realidades nas quais haviam divergências que seriam, por no que se referia ao uso e à exploração do mar, sua vez, objeto de novas discussões, até que se conseguisse, por meio de acordo, um número 1 Troisiéme Conferénce des Nations Unies sur expressivo de Estados concordantes, que le Droit de la Mer. Documents Officiels. Vol. 5. constituísse um fundamento quantitativo para Tradução da Autora. criar um projeto de resolução. As questões Sobre todos os Trabalhos Preparatórios da seriam submetidas a voto apenas quando Convenção bem como sobre as Resoluções da restasse impossível o consenso entre as partes. Assembléia Geral das Nações Unidas sobre o Direito Enfatizar-se-á, outrossim, que o sistema do do Mar, consultar: consenso era o ideal, uma vez que seria impos- Conferénce des Nations Unies sur le Droit de la sível aparar as arestas derivadas de tantas Mer, 3. Documents Officiels. V. 1-17 ou sua versão divergências mediante a instituição do sistema em inglês. de voto para a aprovação de todas as questões 132 Revista de Informação Legislativa referentes à disciplina jurídica dos mares e documentos oriundos das reuniões e do trabalho oceanos. Por intermédio do voto, os Estados das três comissões que compunham o Comitê subdesenvolvidos, que constituíam o grupo dos Fundos Marinhos, embutia o risco de que majoritário, terminariam por aprovar uma houvesse contraditoriedade entre os diversos convenção que atendesse os seus interesses sem temas discutidos, tornando impossível a elabo- levar em conta o interesse dos Estados desen- ração de um texto preciso que disciplinasse volvidos, grupo minoritário, mas detentor dos juridicamente os mares. Assim, em 1975 foi capitais e do avanço tecnológico essencial para redigido um texto único que sofreu diversas a exploração e explotação 2 dos recursos modificações até terminar por transformar-se, marinhos, e que se recusariam a participar de após árduas negociações, em um Projeto de um acordo que lhes fosse prejudicial, o que Convenção sobre Direito do Mar em agosto de impediria também aos Estados subdesenvolvidos 1980 que, após uma série de emendas, foi apro- o acesso aos recursos por meio da inexistência vado em 30 de abril de 1982, durante a décima de meios. Enfim, os convencionais compreen- segunda sessão realizada em Mondego-Bay, deram que somente o sistema de aprovação das Jamaica, por 130 votos a favor, 4 votos questões por intermédio do consenso legitimaria contrários (Estados Unidos, Israel, Venezuela a futura convenção. e Turquia) e 17 abstenções (União Soviética, Deliberou-se também que as questões Polônia, Hungria, Tchecoslováquia, República seriam negociadas, discutidas e aprovadas em Democrática Alemã, Bulgária, Ucrânia, bloco, utilizando-se o método do package deal Bielorrússia, Reino Unido, República Federal ou paquet, visando à celeridade dos trabalhos, da Alemanha, Holanda, Itália, Grécia, Luxem- o que dificultava a inserção de novos termos burgo, Tailândia). ou disposições contrárias ao projeto inicial, Ao final das negociações e da elaboração devido ao fato de que uma modificação em da Convenção sobre Direito do Mar, os Estados apenas um tópico poderia modificar todo o Unidos da América questionaram não a regra restante da futura disciplina jurídica sobre a do consenso em si, que se funda na igualdade questão discutida. Alguns convencionais dos Estados, fundamentado na máxima “um protestaram contra a utilização conjunta dos Estado um voto”, mas os critérios utilizados dois métodos, alegando que a obtenção de um para interpretá-lo. No Gentleman Agreements consenso real seria difícil, haja vista que a regra de 1973 havia a necessidade, para avaliar se do consenso requer tempo e discussão em ocorreu ou não o consenso, de que fosse profundidade de cada aspecto da situação constatada uma “maioria qualificada ou expres- normada, o que não era propiciado pela técnica siva”. Perguntava o representante americano do paquet, uma vez que, por este método, os se a simples maioria numérica dos Estados assuntos eram discutidos em bloco. O que se satisfazia a interpretação da expressão “maioria pode concluir é que a conjugação de ambos os qualificada” ou se era necessário utilizar outros métodos poderia não atender às necessidades critérios. Lembrou ainda, o mesmo represen- de um ou outro Estado isoladamente e relati- tante, que os Estados que se recusaram a vamente a alguns interesses seus que não aprovar o texto convencional e aqueles que se encontrariam correspondência com os de outros abstiveram detinham o peso de setenta por cento Estados, mas era ideal para a elaboração de uma da economia global e contribuíam com quase convenção que estabelecesse regras interna- oitenta por cento dos fundos para a manutenção cionais objetivamente consideradas em função da ONU, e esses fatores deveriam ser levados do bem comum. em consideração no momento da verificação A conjugação do consenso com o método do consenso3. do paquet juntamente com a inexistência de Posteriormente ao término da Convenção, um único texto como base para as negociações, os Estados Unidos, a República Federal da uma vez que no início da convenção havia três Alemanha, o Reino Unido e a França assinaram, em 2 de setembro de 1982, o Tratado Concer- 2 Exploração compreende estudos, testes e 3 processos avaliatórios visando a demonstrar a SOHN, L. B. Law of the Sea implementation : explotabilidade dos recursos. Já a explotação é o Forum the 1994. AJIL, v. 88, p. 687-705, 1994. processo que se inicia com a extração dos minérios STEVENSON, J. The future of U. N. Conventi- do fundo do mar até o posterior armazenamento e on on the Law of the Sea. AJIL, v. 88, 1994. p. comercialização. 488-495. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 133 nente à Explotação de Nódulos Polimetálicos pelo signo da solidariedade e cooperação Existentes no Fundo do Mar, cujas disposições internacionais, cuja realização é complexa e chocam-se com a Parte XI da Convenção das demanda imenso diálogo entre os Estados e Nações Unidas sobre Direito do Mar, referentes desenvolvimento econômico e social para a sua à explotação de recursos marinhos no alto-mar realização. e no fundo do mar. Polêmica e arrojada em suas O primeiro passo para este desenvolvimento disposições normativas, somente em novembro e sistematização do Direito do Mar foi dado já de 1993 a Convenção das Nações Unidas com os trabalhos da Convenção de Genebra, recebeu o seu sexagésimo instrumento de rati- enfatizando a dimensão geográfico-espacial das ficação, tendo entrado em vigor em 16 de normas que disciplinam os mares. Esta novembro de 1994. Destarte, foram iniciadas, dimensão se demonstrou por meio dos a partir de 1990, no âmbito das Nações Unidas, princípios que orientaram a elaboração das negociações para que fossem conciliados os convenções, primeiro as convenções de interesses e as divergências entre os Estados Genebra e depois a de Mondego-Bay. Segundo desenvolvidos e as prescrições convencionais, convencionais, doutrinadores e representantes processo esse que culminou com a celebração dos Estados à época da elaboração das de um Gentleman Agreement em 1994, espe- convenções de Genebra, era necessário que o rando-se para breve a conclusão das negociações Direito do Mar se estruturasse como um direito e a posterior ratificação da Convenção por estes dos espaços marítimos, definindo quais deles Estados, dentre eles Estados Unidos, Japão, estariam sob a jurisdição estatal, quais seriam Reino Unido, França e República Federal da considerados internacionais e que direitos e Alemanha. deveres teriam os Estados perante esses novos Entre a proposta de Arvid Pardo e a entrada espaços marítimos. Havia ainda a questão da em vigor da Convenção decorreram dezessete funcionalidade das convenções que, ao anos de negociações, de amadurecimento e de delimitar os espaços marítimos, garantissem sistematização do Direito do Mar. O seu que o meio marítimo não teria limitada a sua conteúdo tornou-se mais denso e complexo do função clássica e hodiernamente muito impor- que o era no início deste século, quando suas tante de meio de comunicação entre os povos. normas tinham caráter fiscal (imposição de E, por último, haveria que se estabelecer um taxas à navegação, sistema aduaneiro), admi- regime jurídico diferenciado para aquelas nistrativo (poder de polícia nos portos, navios atividades que poderiam ser igualmente exer- e áreas de mar contíguas à costa) e penal (regras cidas nos diversos espaços marítimos, como a aplicáveis aos delitos cometidos a bordo de pesca, a conservação dos recursos vivos e a navios e repressão à pirataria). navegação. Hodiernamente, seja devido aos trabalhos Se as convenções de Genebra deixam à vista de comissões e órgãos internacionais na elabo- que a grande discussão estava centrada na ração das convenções sobre o Direito do Mar, questão do mar territorial e da explotação de como as convenções de Genebra e de Mondego- recursos localizada neste espaço marítimo, após Bay, seja devido aos estudos doutrinários e até a Proposta Pardo observamos que o leque de a atos unilaterais dos Estados, o Direito do Mar divergências foi ampliado, tornando-se neces- sofreu, a partir do pós-Guerra, um desenvolvi- sária nova elaboração jurídica no que se refe- mento sem precedentes, passando a refletir, risse especialmente aos espaços e recursos não- como não poderia deixar de ser, os grandes sujeitos à jurisdição nacional. A discussão deixa embates do mundo contemporâneo: o conflito de ser centrada nos aspectos ligados à soberania leste-oeste, já desfeito nesta década, o conflito e aproveitamento econômico dos recursos do norte-sul, que se torna maior com o aumento mar territorial, na liberdade de navegação para das disparidades econômicas e sociais, os tornar-se uma discussão sobre as funções e uti- conflitos regionais, os nacionalismos de toda a lidades de todo o mar, bem assim de sua explo- sorte, o rápido desenvolvimento tecnológico que tação em benefício de todos os Estados, visando não é acompanhado pari passu pela evolução à criação de uma única ordem jurídica para todo social, normativa e das mentalidades 4 . o mar, que levasse em consideração as Modernamente, o Direito do Mar orienta-se diferenças econômicas entre os Estados, numa 4 TRAPPE, J. Ökonomische aspekte des seere- tentativa de se estabelecer uma nova ordem chts. Zeitschrif für Verkerhswissenchaft. n. 38. p. econômica global. 149-165, 1967. Surgiram assim os grupos políticos de 134 Revista de Informação Legislativa pressão que ficaram conhecidos pelo Grupo dos Direito do Mar trouxe um aumento inequívoco Setenta e Sete, formados por Estados subde- nas áreas do mar sujeitas à jurisdição e ao senvolvidos, o grupo das Potências Marítimas, controle nacionais. Concluir-se-á que, se nos o grupo da América Latina, o grupo dos Estados tempos de Hugo de Grotius o mar era livre, um Insulares, o Grupo dos Estados sem Litoral e espaço para aventureiros, descobridores, Estados Geograficamente Desfavorecidos e viajantes e românticos de toda a espécie, em outros que desejavam influenciar a disciplina suma, para nômades, hodiernamente ele se desta nova ordem jurídica e econômica inter- apresenta como um patrimônio dos Estados, nacional. Em suma, foi a partir de 1967 que o individualizados, como nos casos do mar terri- Direito Escrito do Mar deixou de refletir como torial ou da plataforma continental, ou patri- seus princípios e metas mais importantes, a mônio comum, como nos casos dos fundos liberdade dos mares, a liberdade da navegação oceânicos e alto-mar, denominados de Área pela e a soberania sobre uma faixa do mar costeiro, Convenção das Nações Unidas de 1982. para centrar-se igualmente na exploração e Disciplinando múltiplas finalidades, o explotação econômica de seus recursos e na Direito do Mar torna-se influenciável por igualdade de acesso aos benefícios advindos diversas concepções da ciência política, dentre destas atividades. Mediante consenso, os elas as concepções internacionalistas, indivi- Estados estavam criando um novo Direito dualistas e regionalistas. A concepção interna- Internacional do Mar, positivado e não-costu- cionalista exerceu sua máxima influência no meiro, contendo normas que tinham um caráter que se refere à disciplina dos fundos oceânicos, preciso, evitando toda a sorte de textos propriedade comum da humanidade que deve ambíguos. ter seus benefícios revertidos em favor de todos A diversidade das finalidades do Direito do os Estados. Já o nacionalismo terminou por se Mar trouxe a necessidade de novos conceitos refletir no interesse dos Estados de manter para exprimir novas realidades, tornando-o um soberania exclusiva sobre uma faixa de mar que direito técnico, ou melhor, um direito a serviço se consubstanciou nas normas para a delimitação da técnica, cartográfica, científica, geográfica, do mar territorial, enquanto o regionalismo teve geológica, biológica e até da ciência da admi- importante papel na criação da zona econômica nistração, utilizando-se dos conceitos dessas exclusiva, uma vez que foi um grupo dos ciências, que passaram a fazer parte do mundo Estados da América Latina, com características jurídico, como a gestão econômica dos recursos semelhantes na economia, história, política e biológicos e minerais, a representação geográ- grau de desenvolvimento, o que mais influen- fica e geológica dos mares, a pesquisa cientí- ciou em sua criação. Com a Convenção de fica marinha, a manutenção e o equilíbrio da Mondego-Bay, fortaleceu-se o princípio da biosfera e os limites máximos e mínimos igualdade dos Estados na apropriação dos conjuminados nas margens de segurança para recursos e participação eqüitativa dos benefícios o aproveitamento dos recursos vivos, bem daí advindos, surgindo uma série de direitos assim para o alijamento de poluentes e outros. preferenciais e compensatórios aos Estados do Novos conceitos jurídicos, inéditos para o Terceiro Mundo relativamente à explotação dos Direito do Mar, passaram a designar as novas recursos do mar. Com a entrada em vigor da realidades, especialmente o conceito civilista Convenção, o princípio da igualdade conjun- de patrimônio. Nas discussões referentes ao mar tamente com o princípio da liberdade passaram epicontinental, zona econômica exclusiva e a ser os norteadores do novo Direito do Mar, plataforma continental são freqüentes, nas atendendo às reivindicações dos Estados do discussões dos convencionais, as expressões Terceiro Mundo. mar patrimonial e direitos patrimoniais. Por Manifesta-se ainda o atual Direito do Mar outro lado, os fundos oceânicos foram consi- como um direito repleto de especificidades, derados patrimônio comum da humanidade. derivado do fato de que, apesar de juridicamente Surgiu a necessidade de delimitar as zonas iguais, os Estados não o são econômica, geo- marítimas pertencentes ou sob a influência dos gráfica, biológica, geológica, histórica e cultu- Estados e o grau de controle que cada Estado ralmente, havendo especificidades e particula- teria sob a respectiva zona delimitada, seja ela ridades de toda espécie que dificultam a elabo- o mar territorial, a zona contígua, a plataforma ração e a concretização das normas interna- continental, a zona econômica exclusiva, o alto- cionais e que terminaram por fazer com que o mar ou o fundo do mar. Por outro lado, o novo Direito do Mar, regido até o século XIX por Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 135 normas costumeiras, se tornasse um direito declarações que se assemelhem a reservas, e oriundo de tratados. outras são fixadas exigindo condições para a Os tratados propiciaram uma tentativa de sua implementação, o que facilitaria também revisão da antiga ordem política e da criação declarações-reservas sobre alguns pontos espe- de uma nova ordem econômica internacional. cíficos, o que não chega a prejudicar verdadei- Isso ocorre, em primeiro lugar, porque o tratado, ramente a disposição contida no art. 309 da por ser escrito, propicia uma maior segurança Convenção. jurídica no que se refere às obrigações Visando criar uma disciplina jurídica assumidas pelos Estados e permite a criação unitária, abrangente e adequada às novas de normas que possam disciplinar unitariamente relações estatais que tenham por objeto o mar, todas as multiplicidades decorrentes do uso, a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito apropriação e exploração dos recursos do mar do Mar de 1982 obedece, como não poderia e todas as especificidades decorrentes das dife- deixar de ser, a uma complexa elaboração renças geográficas e biológicas, principalmente, estrutural, tendo os seus trezentos e vinte artigos entre os Estados. Por outro lado, somente pelo subdivididos em dezessete capítulos ou partes, tratado seria possível a integração dos novos cujos critérios obedecem à especificidades dos Estados e sua participação na elaboração das espaços marítimos e das relações conflituais a novas normas necessárias à disciplina unitária serem disciplinados, possuindo, ainda nove das novas realidades internacionais referentes anexos e uma declaração final. ao mar. A elaboração de uma convenção que A Parte I compõe-se de uma introdução disciplinasse, de forma precisa, o Direito do explicativa sobre os diversos termos utilizados Mar representou uma vitória dos Estados do na redação da Convenção, enquanto da Parte Terceiro Mundo, uma vez que as normas II até a Parte X estão disciplinados os diversos costumeiras não atendiam às suas necessidades espaços marinhos na seguinte ordem: mar e reivindicações. territorial, contendo normas ligadas a seus Diante de tamanhas divergências, houve a limites, à passagem inocente de navios, juris- necessidade de se estabelecer diversos métodos dição sobre os navios em mar costeiro e zona para a solução dos conflitos e divergências de contígua; estreitos, contendo normas sobre interpretação, enfatizando-se métodos de regime jurídico e passagem em trânsito; Estados solução pacífica ou consensual. Destarte, a arquipelágicos; zona econômica exclusiva; Convenção trouxe a consagração de inúmeros plataforma continental; alto-mar, delimitando métodos de solução pacífica: a criação de um a jurisdição sobre os navios e a conservação de recursos vivos do alto-mar; regime de ilhas; Tribunal Internacional de Direito do Mar com mares fechados e direito e acesso ao mar dos abrangência global, contendo uma Câmara Estados desprovidos de litoral. A Parte XI, Específica para as Controvérsias dos Fundos intitulada Área e considerada a mais polêmica Marinhos, a criação de um Tribunal Arbitral e da Convenção, refere-se ao aproveitamento de um Tribunal Arbitral Especial para julgar econômico dos recursos do alto-mar e dos questões relativas à pesca, pesquisa científica fundos marinhos, estabelecendo políticas de e proteção do meio marinho, e uma Comissão exploração, órgãos internacionais que farão a de conciliação, todos com atribuições e supervisão dessa exploração, como a Empresa, competências delimitados no próprio texto a Autoridade Internacional dos Fundos convencional, além da Corte Internacional de Marinhos e seus respectivos custos, recursos Justiça. financeiros, estrutura de funcionamento, Privilegiando a unidade e integridade da poderes e imunidades. Da Parte XII até a Parte Convenção, a mesma estabeleceu, no seu art. XIV estão previstos, nesta ordem, a proteção e 309, a impossibilidade de se fazer reservas, preservação do meio marinho, contendo normas embora não tenha colocado óbice a que os referentes à cooperação internacional, assistência Estados elaborem declarações interpretando técnica, normas para reduzir e controlar a restritivamente ou extensivamente certos poluição com suas respectivas garantias, artigos da Convenção. Esse fato faz com que responsabilidades e imunidades; investigação se tornem tênues os limites entre a declaração científica marinha disciplinando as instalações propriamente dita e a declaração restritiva que e equipamentos e a sua realização, bem assim se aproximaria de uma reserva. Por outro lado, as responsabilidades e o desenvolvimento e algumas das regras são fluidas, o que facilita transferência de tecnologia marinha, acerca da 136 Revista de Informação Legislativa cooperação tecnológica e da criação de centros gia, Química, Tecnologia, Política Interna e de pesquisa científica e tecnológica marinhas. Internacional, Economia, Sociologia e Direito. Na Parte XV está disciplinado um sistema de No que se refere ao Direito do Mar, podemos solução de controvérsias que estabelece um dizer que todas estas evoluções refletiram-se procedimento de conciliação, a criação de um nele tão profundamente que terminaram por Tribunal Internacional de Direito do Mar, a modificar os seus fundamentos: a liberdade dos utilização da Corte Internacional de Justiça e a mares cedeu lugar à apropriação de faixas criação de dois Tribunais Arbitrais. Nas Partes marinhas situadas próximas às costas, passan- XVI e XVII estão contidas as disposições gerais do-se às tentativas de um controle institu- e finais. cionalizado das áreas não-suscetíveis de Relativamente aos Anexos, o primeiro apropriação pelos Estados por normas e refere-se às espécies altamente migratórias, organizações internacionais. Surgiu um relacionadas com a criação da zona econômica “Direito dos espaços marítimos” e procurou-se exclusiva, e o segundo à criação de uma implementar os princípios da igualdade e da comissão para delimitar a plataforma continental. solidariedade entre os Estados na exploração Os Anexos III e IV dizem respeito às condições dos recursos do mar, possibilitados pela para a prospecção pesquisa e aproveitamento evolução científica e tecnológica, dentro das dos fundos marinhos e ao estatuto da empresa, discussões iniciadas no âmbito da ONU no que relacionando-se diretamente à Parte XI. Os se refere à criação de uma Nova Ordem Anexos V a VIII reportam-se diretamente ao Econômica Internacional. Nesse contexto, foi sistema de solução de controvérsias, discipli- celebrada em 1982 a Convenção das Nações nando respectivamente o processo de conci- Unidas sobre Direito do Mar, contendo, na Parte liação; o estatuto, a organização, a jurisdição, XI, considerada a mais polêmica da Convenção, o processo, as Câmaras especiais do Tribunal os princípios, regras de execução da explotação Internacional do Direito do Mar; a arbitragem dos fundos marinhos, tidos como um Patrimônio e a arbitragem especial. O Anexo IX disciplina Comum da Humanidade6, bem como a criação, a participação das organizações internacionais regulamentação e atribuições de uma organi- na Convenção. zação internacional encarregada de organizar e controlar as atividades na Área, especialmente Finalizando, é necessária a ênfase de que a no que se refere à gestão dos recursos da área. Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982 representou uma evolução no Essa organização internacional encarregada processo clássico de elaboração de normas de organizar e controlar a explotação dos contratuais por meio da conjugação do recursos da Área é a Autoridade Internacional consenso, do método paquet e dos textos e dos Fundos Marinhos. A Autoridade possui, grupos de negociação informais, em detrimento segundo a Convenção de 1982, uma estrutura do sistema de voto para a adoção de decisões, e complexa: é uma estrutura de poder, cujos implicou uma verdadeira revolução no conteúdo poderes, devidamente jurisdicizados pelo texto do Direito do Mar, com a criação de figuras convencional, possuem características norma- jurídicas inéditas, como o Tribunal Internacional tivas, criadoras do direito, ligadas ao estabele- de Direito do Mar, a Autoridade Internacional cimento de regras a serem cumpridas pelos dos Fundos Marinhos e o Patrimônio Comum Estados-Partes e suas Empresas na explotação da Humanidade, com o objetivo de integrá-lo 6 ao processo em curso de se criar uma nova Após a celebração do “Acordo Geral para a ordem econômica e jurídica internacional5. Implementação da Parte XI da Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1994”, a noção de Patrimônio Comum da Humanidade apro- xima-se da noção de res communis omnium presente 2. A autoridade internacional no Direito Romano. No texto original da Convenção dos fundos marinhos o significado era um pouco diverso, implicando uma conotação mais cooperativa dos Estados, bem como Neste século foram presenciadas inovações o dever dos mesmos de repartir custos, benefícios e em todos os campos do saber humano: Biolo- ônus da explotação dos recursos. Consultar sobre a 5 O Brasil ratificou a Convenção das Nações noção de Patrimônio Comum da Humanidade: Unidas sobre o Direito do Mar em 1987 e tornou IMBIRIBA, M. Nazaré. Do princípio do patri- adequada sua legislação interna à Convenção em mônio comum da humanidade. Dissertação (Douto- 1993 com a promulgação da Lei 8617 de 04/01/93. rado) – Universidade de São Paulo, 1980. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 137 dos recursos do mar, características executórias, lado, o art. 176 especifica que a Autoridade cabendo à própria Autoridade a execução das possui personalidade jurídica internacional, o normas por ela feitas e até mesmo de compe- que lhe confere capacidade jurídica para o exer- tência territorial, tendo em vista que cabe à cício de suas funções, sendo o Conselho quem Autoridade, e somente a ela, a organização e o age como representante da Autoridade (art. controle da explotação dos fundos marinhos. 162, parágrafo 2, letras f e u). A necessidade da existência de uma orga- A Convenção estabelece que todos os Esta- nização internacional nos moldes da Autori- dos-Membros possuem igualdade soberana no dade Internacional dos Fundos Marinhos é que se refere à possibilidade de acesso à Área demonstrada pela própria concepção conven- para a explotação de seus recursos (arts. 157, cional de que a Área é um patrimônio comum parágrafos 2 e 3, e 161, parágrafo 1). Todos os da humanidade e, como tal, é submetida a um Estados-Partes na Convenção, e portanto regime jurídico que a destina para fins membros da Autoridade, têm direito à repre- pacíficos, impossibilita a apropriação de quais- sentação na Assembléia, onde cada Estado tem quer de suas partes ou o exercício de soberania um voto e é proibido o direito de veto. O outro por quaisquer Estados soberanos e estabelece órgão da Autoridade, o Conselho, tem funcio- que sua explotação deve ser exercida em bene- namento diversificado, reformulado recen- fício da humanidade. A Autoridade representa temente no Acordo Geral para a Implementação um marco na institucionalização do Direito do da Parte XI da Convenção das Nações Unidas Mar e uma forma de colaboração entre os sobre o Direito do Mar. Estados. A Autoridade foi concebida como uma A Convenção de 1982 estabeleceu uma série organização internacional sui generis que, além de funções a serem exercidas pela Autoridade das funções políticas, de segurança e de coope- a fim de que pudesse organizar e implementar ração econômica, possui também funções que a explotação de recursos na Área. Essas envolvem atividades comerciais e industriais, funções, nos termos da Convenção, eram bem como de distribuição de riqueza e conhe- bastante amplas e, segundo o parecer dos cimento, possibilitando uma integração maior Estados desenvolvidos, que se recusaram a entre os Estados desenvolvidos, subdesenvol- aderir à mesma, contrárias às práticas do livre vidos e em desenvolvimento. Ela representaria mercado. Assim, em 1994 foi celebrado um a humanidade e realizaria fins econômicos ao Acordo Geral para a Implementação da Parte administrar a Área7. XI da Convenção das Nações Unidas sobre o Por outro lado, a Convenção especifica que Direito do Mar de 1982, ou Agreement de 1994, a Autoridade tem competência sobre a regula- que estabeleceu uma série de mudanças na mentação da explotação de recursos na Área, estrutura da Autoridade, em seus órgãos e não podendo, no entanto, interferir sobre a funções, visando atender às demandas dos liberdade de navegação no alto-mar. Enfim, a Estados desenvolvidos. Essas modificações Autoridade possui jurisdição sobre o leito do terminaram por reduzir suas funções e poderes, mar, os fundos marinhos e o seu subsolo no dando ao Conselho, em detrimento da Assem- que se refere à explotação de recursos mine- bléia, maiores possibilidades de ação. rais, mas não sobre a água do mar e a Todos os Estados-Partes da Convenção são navegação, que configuram-se regidos por uma ipso facto membros da Autoridade, segundo sistemática jurídica diferente, consubstanciada estabelece o art. 156, parágrafo 2. As organi- no regime jurídico do alto-mar. Também a zações internacionais podem ser membros da Autoridade não participa diretamente da deli- Autoridade desde que tenham caráter intergo- mitação da Área: ela constitui-se das áreas vernamental e tenham atribuições estabelecidas adjacentes à das plataformas continentais dos segundo a matéria convencional, incluindo a Estados. celebração de tratados internacionais, conforme A fim de que possa efetuar a explotação dos estabelece o Anexo 9, art. 3, 1. Empresas esta- recursos minerais da Área, a Autoridade pode- tais, pessoas jurídicas de direito privado que se rá exercer várias funções, como a de organiza- interessarem pela participação nas atividades ção e controle das atividades de exploração e a de explotação de recursos da Área o devem 7 DUPUY, R. J., VIGNES, D. Traité du Nouveau fazer por intermédio do seu Estado, que os Droit de la Mer. Paris : Economica; Bruxelles : E. patrocinará perante a Autoridade. Por outro Bruylant, 1985. p. 612-616. 138 Revista de Informação Legislativa de explotação da Área (art. 153, parágrafo 1). um Comitê de Finanças, configurando-se a Somente a Autoridade tem poderes para orga- Assembléia em órgão formulador de diretrizes nizar as atividades da Área, podendo adotar para as atividades da Autoridade. Segundo a regras suplementares à Convenção, principal- Seção 1 do Acordo Geral para a Implementação mente no âmbito técnico, administrativo e da Parte XI, a Autoridade deverá processar os financeiro. A Autoridade deverá estabelecer pedidos de aprovação dos planos de trabalho políticas em assuntos de sua competência (arts. para a explotação dos recursos, monitorar seu 160, parágrafo 1, e 162, parágrafo 1) por meio cumprimento, estudar o impacto ambiental da Assembléia e do Conselho e atuará segundo causado pela explotação no meio marinho, bem os princípios e diretrizes fixados pelo Conselho como elaborar normas sobre prevenção do meio (art. 162, parágrafo 2). Para cumprir essas marinho, desenvolvimento da pesquisa científica funções, a Autoridade age como entidade marinha, além de examinar as tendências monopolística, sendo que os Estados ou mundiais em matéria de produção e consumo quaisquer organizações internacionais estão dos minerais extraídos do fundo do mar. À proibidos de decidir relativamente à condução Autoridade não cabe mais a função de explotar, das atividades da Área. direta ou indiretamente (por meio da Empresa), O art. 153, parágrafo 2, letra a, especifica os recursos minerais marinhos. que a Autoridade conduzirá as operações na A Assembléia é o órgão em que participam Área por meio da Empresa, que estará subme- todos os Estados-membros da Convenção de tida à Assembléia e ao Conselho e terá por 1982 e é nela que se manifesta o princípio da função também incluir o transporte, o proces- igualdade jurídica internacional: um Estado, samento e a comercialização dos minerais um voto. Cabe à Assembléia estabelecer a extraídos. No entanto, o Acordo Geral para a política geral da Autoridade, podendo inclusive Implementação da Parte XI da Convenção das elaborar o seu regulamento interno. As decisões Nações Unidas sobre Direito do Mar trouxe serão tomadas por maioria dos membros modificações substanciais nestas atividades, presentes e votantes caso se trate de questões estabelecendo que a Empresa deverá funcionar de procedimento e por maioria de dois terços independentemente da Assembléia, fundamen- dos presentes e votantes no caso das questões tando-se em critérios comerciais, sendo que a de fundo. Havendo dúvida na qualificação de Empresa, para efetuar a explotação de recursos, uma questão como questão de forma ou de deverá celebrar um contrato com a Autoridade. fundo, esta será considerada questão de fundo, Enfim, os arts. 2 e 4 da Seção 2 do Anexo ao conforme prevê o art. 159, parágrafos 7 e 8. O Agreement retiram da Autoridade a função de art. 11, parágrafo 3, letra c do Anexo IV da explotar indiretamente, por intermédio da Convenção prevê que será tomada decisão por Empresa, os recursos minerais, deixando-a consenso, quando disserem respeito a quais apenas com a função regulamentadora e medidas que deverão ser tomadas em caso de controladora da explotação dos fundos marinhos. déficit da Empresa. Por outro lado, a Assem- No texto original da Convenção, havia também bléia utiliza dois procedimentos especiais para um sistema paralelo de explotação onde a tomada de decisões em seu seio: um é o adia- empresas estatais e empresas privadas poderiam mento de voto visando à realização de uma explorar os recursos minerais, conforme negociação em busca de consenso, outro é o prescreve o art. 153, parágrafo 2, letra b. pedido de parecer consultivo utilizado para Hodiernamente este sistema paralelo, concebido questões submetidas à Câmara de Controvérsia como secundário, tornou-se o predominante, e dos Fundos Marinhos. suas premissas deverão também ser utilizadas na explotação a ser efetuada pela Empresa. O Agreement de 1994 estabelece que as decisões, sejam de que natureza forem, deverão No exercício da sua função de controlar e ser tomadas por consenso; somente depois, se organizar as atividades de explotação, a Auto- impossível o consenso, aplicar-se-iam as regras ridade a exercerá por meio de três órgãos: o acima explicitadas. Essa modificação se fez em Conselho, a Comissão Jurídica e Técnica e a benefício dos Estados ricos que, minoria na Comissão de Planejamento Econômico. No Assembléia, não teriam chance de fazer valer entanto, o Agreement determinou que a seus interesses com um sistema de eleição Comissão de Planejamento fosse suprimida e direta. Houve também grande diminuição dos suas funções ficassem a cargo da Comissão poderes decisórios da Assembléia no que se Jurídica e Técnica, tendo criado em seu lugar refere a um grande número de matérias. Pela Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 139 previsão convencional, cabia à Assembléia, interno. O sistema de tomada de decisões foi além de formular as políticas da Autoridade, amplamente negociado entre os grupos de elaborar o orçamento da entidade, as contri- interesses, tornando-se um sistema complexo: buições financeiras de seus membros e estabe- as questões de procedimento são decididas pela lecer um programa de assistência e auxílio maioria simples dos presentes e votantes; as tecnológico aos Estados menos desenvolvidos. questões de fundo de menor importância serão Já o Agreement diz no art. 4 da Seção 3 do decididas por dois terços dos membros Anexo que as decisões da Assembléia que presentes e votantes, considerando que devam devam ser tomadas sobre matérias que o estar presentes a maioria dos membros do Conselho seja igualmente competente ou sobre Conselho; questões de fundo, requerem três quaisquer matérias de interesse administrativo, quartos dos membros do Conselho presentes e orçamentário ou financeiro terão de se basear votantes, devendo estar presentes a maioria dos em recomendações do Conselho. Enfim, houve membros do Conselho; questões de importância uma diminuição no âmbito de ação e decisão primordial devem ser decididas por consenso, da Assembléia, na qual estão representados impedindo que os Estados recorram ao voto. todos os Estados, em benefício do Conselho, Já a aprovação ou recusa de um plano de em que há a representação de interesses. trabalho que exige um procedimento especial, Já o Conselho é um órgão de caráter execu- que previa que os interessados deveriam tivo da Autoridade, em que são executadas e submeter seus projetos de trabalho à Comissão administradas todas as políticas de explotação Jurídica e Técnica, sendo que, se esta outor- marítima. Devido a isso, houve muita polêmica gasse-lhe parecer favorável, a autorização seria entre os Estados em desenvolvimento e os imediata, enquanto, se esta rejeitasse, somente subdesenvolvidos, que pretendiam uma eqüi- três quartos dos membros do Conselho tativa representação geográfica, e os Estados poderiam autorizar a explotação que a desenvolvidos, que desejavam uma represen- Comissão rejeitara. tação de interesses que foi aceita no texto convencional, uma vez que se entendeu que O Agreement de 1994, além de aumentar quaisquer decisões tomadas pelo Conselho as funções do Conselho, dando-lhe poderes de atingiriam diretamente os Estados produtores, decidir e formular políticas em todas as matérias de interesse orçamentário, adminis- exploradores e consumidores. trativo e financeiro, modificou fundamen- Assim, ficou resolvido que o Conselho seria talmente o sistema de tomada de decisões em composto por trinta e seis membros, sendo seu âmbito. Embora tivesse mantido o mesmo dezoito deles eleitos pela Assembléia, assegu- número de membros componentes do Conselho, rando a repartição geográfica eqüitativa, e os preservando também a mesma sistemática de outros dezoito pelo critério dos interesses escolha previamente analisada – representação representados: quatro entre os maiores Esta- geográfica eqüitativa e representação de inte- dos-Partes importadores da mercadoria, dentre resses –, o Acordo especifica que as decisões eles um Estado socialista e o maior Estado deverão ser tomadas por consenso; se este não consumidor, quatro dentre os oito que fizeram for possível, a maioria dos membros presentes por si mesmos, ou por meio de seus nacionais, e votantes decidirá em questões de procedimento os maiores investimentos na Área, quatro e dois terços dos membros presentes e votantes, dentre os maiores exportadores, sendo dois desde que não haja oposição de qualquer uma Estados em desenvolvimento, e seis entre os das câmaras. Estados em desenvolvimento que possuírem A criação de câmaras representa a inovação interesses especiais como os de grande no sistema de tomada de decisões. Os Estados população, grandes importadores dos minerais consumidores e importadores e os Estados extraídos, Estados em situação geográfica exportadores serão considerados uma única desfavorecida, entre outros. Os trinta e seis câmara para efeitos de votação. Os Estados em membros serão eleitos pelo prazo de quatro desenvolvimento que representam interesses anos, sendo que cada grupo apresenta os seus especiais e os dezoito eleitos em termos candidatos à Assembléia. Deflui-se que esta geograficamente eqüitativos formarão uma sistemática faria com que alguns Estados única câmara. Como existem Estados desen- desenvolvidos estivessem sempre presentes na volvidos que são grandes exportadores líquidos composição do Conselho. de minerais, como o Canadá, a Austrália e o O Conselho poderá elaborar seu regulamento próprio EUA, os Estados desenvolvidos asse- 140 Revista de Informação Legislativa guraram o seu controle de uma das câmaras, compensação financeira para os Estados em conseguindo obstaculizar qualquer decisão da desenvolvimento prejudicados com a explotação Assembléia relacionada à matéria orçamentária, dos recursos minerais, bem como estabelecer financeira ou administrativa e do Conselho por um programa de participação, em benefício dos meio desta previsão que está disciplinada nos Estados em desenvolvimento, dos lucros decor- arts. 5, 9 e 15 da Seção três do Anexo do rentes desta explotação. Agreement. As atividades de Comissão de Planejamento Para os Estados desenvolvidos, a modificação Econômico foram muito criticadas pelos do sistema de tomada de decisões era essencial: Estados desenvolvidos, que afirmavam que o eles seriam os que mais contribuiriam com o sistema de compensação aos Estados em orçamento e a manutenção das atividades da desenvolvimento contrariava os Tratados do própria Autoridade, teriam limitados os direitos GATT por privilegiar certos Estados em detri- de seus nacionais e de suas empresas de efetu- mento dos fundos marinhos no comércio inter- arem livremente a explotação de recursos e não nacional. Assim o Agreement de 1994 definiu teriam o controle sobre os capitais, orçamento que a Comissão de Planejamento Econômico e as atividades da Autoridade. Por outro lado, seria suprimida e algumas de suas funções o atendimento dos interesses dos Estados seriam exercidas pela Comissão Jurídica e desenvolvidos fez com que a noção de patri- Técnica e outras pelo Comitê de Finanças por mônio comum da humanidade sofresse um ele criados. grande abalo, ao se reconhecer que as concep- Os membros do Comitê de Finanças, num ções sobre ele não eram unânimes. total de quinze, serão eleitos pela Assembléia, O Conselho tem competência para criar os conforme a distribuição geográfica e de inte- órgãos que achar necessários na realização de resses especiais; cada grupo, num total de cinco, suas funções, sendo que dois foram previstos terá um representante, sendo que, enquanto a pela própria Convenção: a Comissão Jurídica Autoridade não dispuser de fundos suficientes, e Técnica e a Comissão de Planejamento que não as quotas de contribuições para cobrir Econômico. Cada Comissão terá quinze os gastos administrativos, o Comitê incluirá membros, podendo ser o seu número aumentado cinco representantes dos cinco maiores contri- pelo Conselho conforme as necessidades do buintes (art. 3, Seção 4 do Anexo). Em suma: trabalho. Eles serão eleitos por cinco anos e os Estados desenvolvidos terão a maioria deverão ser especializados nas funções para as absoluta dos representantes do Comitê de quais foram eleitos, sendo a escolha feita Finanças enquanto a Autoridade não dispuser segundo a distribuição geográfica eqüitativa e de receitas derivadas da explotação em quanti- a representação de interesses. Os membros dade para torná-la um organismo autônomo, eleitos não podem ter qualquer ligação ou tendo em vista serem eles os que efetivamente interesses financeiros nas atividades da Área e estarão custeando as atividades da Autoridade. devem guardar sigilo sobre todas as informações O Comitê tem funções de elaborar o orça- a que têm acesso durante a realização de suas mento administrativo, os projetos de normas, atividades. regulamentos e procedimentos necessários à administração financeira dos órgãos da Auto- A Comissão Jurídica e Técnica tem por ridade, bem como a gestão financeira e funções examinar a viabilidade técnica dos administração interna da Autoridade. Caberá planos de trabalho submetidos à apreciação da ao Comitê determinar as contribuições dos Autoridade pelos Estados patrocinadores, emi- membros da Autoridade, as obrigações finan- tindo pareceres, e definir normas e padrões ceiras dos Estados-Partes, bem como as impli- técnicos necessários à preservação do ambiente cações financeiras dos gastos propostos pela marinho durante a realização das atividades de Assembléia da Autoridade. Enfim, os Estados explotação de recursos na Área, fazendo desenvolvidos, ao manejarem, por meio do recomendações ao Conselho sobre suspensão Comitê, o orçamento, a fixação das contribui- de atividades em certas regiões da Área ou até ções, os gastos da Autoridade e da Assembléia mesmo a exclusão de alguma região da Área. e os projetos que envolverão desembolso de Já a Comissão de Planejamento Econômico tem recursos, tenderão a limitar as atividades da por funções avaliar as tendências de oferta e mesma, com fundamento quer na economia de procura dos metais extraídos dos fundos fundos, quer no aumento da possibilidade de marinhos e propor ao Conselho um sistema de uma explotação mais livre de controles e ônus Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 141 da Autoridade, a serem executadas pelas dades e de acordo com a distribuição geográfica empresas por eles patrocinadas. eqüitativa. Ao Secretário e ao pessoal de apoio Por outro lado, a Comissão de Planejamento é exigido o sigilo quanto às informações de que Econômico praticamente deixou de ter funções tenham conhecimento no exercício do cargo. conforme o Agreement, devido ao fato de que Como tanto o Secretário quanto o pessoal foram impostas inúmeras mudanças no sistema administrativo podem ser punidos se violarem de compensação aos Estados subdesenvolvidos o dever de sigilo, mesmo quando tenham e em desenvolvimento que fossem prejudicados deixado o cargo; o art. 168 especifica que deverá com a explotação dos recursos dos fundos ser criado um tribunal administrativo para marinhos. Esta compensação ficará condi- dirimir esses casos. Não há qualquer vínculo cionada a uma série de exigências: existência entre o Secretariado da Autoridade e quaisquer de fundos derivados da explotação que excedam Estados ou organizações internacionais. as despesas administrativas da Autoridade, A Autoridade Internacional dos Fundos provindos dos contratantes e da Empresa. Os Marinhos configura-se numa organização prejudicados deverão submeter suas reivindi- jurídica internacional, com personalidade cações ao Conselho, que decidirá segundo jurídica internacional e capacidade jurídica recomendação do Conselho de Finanças, exa- para exercer suas funções e perseguir seus minando caso a caso, procurando conciliar o objetivos convencionalmente determinados. orçamento da Autoridade com o prejuízo dos Para isso, a Autoridade, em seus bens e haveres, Estados subdesenvolvidos. Como o Comitê é goza de imunidades e de privilégios, tais como: controlado pelos Estados desenvolvidos e o imunidade de jurisdição e de execução, exce- Conselho não poderá decidir em oposição a uma tuando os casos em que a Autoridade expres- das Câmaras, também compostas por Estados samente renuncie a essa imunidade, imunidade desenvolvidos, dificilmente o Estado prejudi- de busca ou de qualquer detenção sobre seus cado receberá a compensação. bens e haveres, isenção de restrições, regula- mentações, controle e moratórias sobre seus A Autoridade poderia, nos termos da bens e haveres, inviolabilidade de suas comu- Convenção de 1982, contrair empréstimos para nicações, arquivos e eventuais informações de realizar as atividades da Área (conforme o art. caráter industrial que se consubstanciam em 174, parágrafo 1). O texto do Agreement esta- segredo industrial, isenção tributária e alfan- belece que a Autoridade terá um orçamento degária sobre bens, haveres e rendimentos da autônomo em relação ao das Nações Unidas e Autoridade. não poderá contrair, em hipótese alguma, Os representantes dos Estados-Partes da empréstimos, mesmo que um dos membros não Assembléia, do Conselho, de seus orgãos e pague as suas quotas. Nesse caso, ele será comissões, bem como o Secretário-Geral gozam excluído da Autoridade (Agreement, arts. 13 e de imunidade de jurisdição e execução no que 14 da Seção 1 do Anexo). Enfim, nota-se se refere a atos praticados no exercício de suas também aqui que o Acordo para a Implemen- funções, salvo no caso que seu Estado renuncie tação da Parte XI enfraqueceu os poderes da a essa imunidade; imunidade no que se refere Autoridade. ao serviço de imigração, formalidades de Já o Secretariado tem a mesma organização inscrição de estrangeiros e facilidade necessária dos secretariados de outras organizações, para a locomoção em serviço, bem como possuindo o Secretário-Geral e o pessoal de isenção tributária sobre os pagamentos apoio por ele nomeado. O Secretário-Geral é recebidos pelo Secretário-Geral e pelos funcio- eleito pela Assembléia, dentre os candidatos nários da Autoridade. O Estado-Parte perderá constantes de uma lista formulada pelo seus privilégios e imunidades quando deixar Conselho, por maioria de três quartos dos de pagar as suas contribuições financeiras, caso membros presentes e votantes, sendo compu- em que o Agreement de 1994 prevê a expulsão tada a maioria sobre o número total de do Estado-Parte, seja ele membro provisório ou membros. Possui mandato de quatro anos, permanente. podendo ser reeleito, e age como secretário nas A Convenção de 1982 criou a figura jurídica reuniões da Assembléia, do Conselho, das da Empresa, cuja função era atuar como braço Comissões e de quaisquer outros órgãos por ele operacional da Autoridade na explotação dos criados. O restante dos funcionários será esco- recursos minerais a serem explorados na Área lhido com base em suas qualificações e capaci- reservada a ela e aos Estados subdesenvolvidos. 142 Revista de Informação Legislativa A idéia inicial é de que a Empresa deveria ser buições dos Estados-Membros). A Empresa um órgão comercial e economicamente viável, estaria ainda isenta do pagamento de receitas e a fim de competir com as empresas multina- tributos com base no montante dos lucros cionais privadas que também se dedicariam à auferidos com a explotação dos recursos dos explotação marinha, produzindo e comerci- fundos marinhos, diversamente dos contratantes alizando os minerais extraídos da Área. privados, que são os Estados, empresas estatais Durante os trabalhos da Convenção, sua estru- ou empresas multinacionais. tura foi delineada: ela deveria exercer a explo- A Seção 2 do Anexo ao Acordo Geral de tação de recursos sobre as ordens do Conselho Implementação da Parte XI estabeleceu uma e da Assembléia da Autoridade, procurando a série de limitações à atividade da Empresa. consecução dos objetivos estabelecidos na Inicialmente é prescrito que, até que comece a Convenção. operar comercialmente, a Empresa terá suas A Empresa deveria ser estruturada em funções desempenhadas pelo Secretariado termos comercialmente viáveis, entendendo-se Geral da Autoridade. Enquanto estiver sob a essa viabilidade comercial como sinônima de égide do Secretariado Geral, a Empresa terá as isenção de decisões ou fatores políticos, embora seguintes funções: acompanhamento e revisão a Empresa devesse prestar contas por meio de das tendências e desenvolvimento relativos às relatórios e balanços financeiros à Autoridade. atividades de mineração dos fundos marinhos, A função inicial da Empresa era conduzir a incluindo análise das condições do mercado de metais seus preços e tendências; avaliação dos explotação de recursos minerais na Área, para resultados da condução da pesquisa científica a qual teria necessidade de capitais e princi- marinha relativa às atividades da Área, com palmente de tecnologia e pessoal técnico espe- ênfase ao impacto ambiental dessas atividades; cializado. Para isso, foram concedidos à avaliação dos dados disponíveis referentes à Empresa inúmeros privilégios, como a reserva exploração e prospecção; avaliação de infor- de áreas, obrigatoriedade para empresas mações e dados referentes à Área reservada para privadas multinacionais que se interessassem a Autoridade; avaliação de modalidades para pela explotação mineral de repassar-lhe, operações de empreendimentos conjuntos; graciosamente, tecnologia (“Cláusula Brasil”, coleta de informações sobre disponibilidade de porque sugerida pelo representante brasileiro), mão-de-obra qualificada e estudo de opções de prioridade para conseguir autorizações da políticas de gestão para a administração da Autoridade, financiamento especial e isenção empresa nas diferentes fases de operação. tributária. Especifica ainda a Seção 2 do Anexo ao As Áreas recebidas pela Empresa deverão Agreement de 1994 que a Empresa somente ser idênticas às concedidas pela Autoridade aos poderá operar por meio de empreendimentos contratantes privados, com a vantagem de que conjuntos. Como a Seção 5 especifica que a referidas Áreas terão valor comercial, uma vez transferência de tecnologia para a Autoridade que a sistemática convencional previa que o ou para a Empresa não será obrigatória para os contratante privado delimitava as Áreas de contratantes privados, tem-se como resultado explotação, aferia a quantidade de minerais e o fato de que tanto a Empresa quanto a Autori- depois dividiria em duas a Área explorada, dade ficarão desprovidas de tecnologia e não ficando metade para a Empresa, que recebia mais poderão explotar a Área individualmente também as informações técnicas para iniciar o ou em empreendimentos conjuntos com Estados trabalho. A Empresa receberia ainda a tecno- em desenvolvimento, que, com raríssimas logia dos contratantes privados necessária para exceções (o Brasil é uma delas), não possuem iniciar os trabalhos de explotação, tecnologia tecnologia suficiente para elaborar quer a essa que deveria ser repassada até que se pesquisa, quer a prospecção, quer a extração completasse o décimo ano de produção dos minerais da Área. comercial da Empresa. Além de recepção de Assim, a Empresa deverá fazer empreendi- tecnologia, a Empresa poderia contrair emprés- mentos conjuntos com empresas multinacionais timos para efetuar e executar um projeto de ou estatais oriundas dos Estados desenvolvidos mineração que incluía todas as fases da para efetuar a explotação das Áreas que lhe produção dos metais. Esses empréstimos forem reservadas. Esses empreendimentos poderiam atingir o montante de cinqüenta por somente serão possíveis se a área reservada para cento do total de fundos da Autoridade (os a Autoridade for muito rica em minerais, outros cinqüenta por cento viriam de contri- representando um grande potencial de lucros, Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 143 caso em que haveria interesses de empresas que contribuiu com a área terá direito a privadas. Por outro lado, o Conselho somente solicitar a aprovação de um plano de autorizará a Empresa a atuar em empreendi- trabalho para essa área, desde que mentos conjuntos se esses empreendimentos ofereça, de boa-fé, incluir a Empresa basearem-se em sólidos princípios comerciais como sócia num empreendimento que permitam à Empresa atuar independen- conjunto.” temente do Secretariado, o que leva a crer que Em suma: além da disposição normativa tais associações somente se darão quando a deixar patente que a empresa que contribuiu Área em poder da Autoridade for muito rica com a área terá direitos preferenciais, tornan- em minérios; caso contrário, as empresas do-se sócia da Empresa nos planos por esta privadas não terão interesse em utilizar sua formulada, o que colocará as empresas que tecnologia conjuntamente com a Empresa. atualmente efetuam as pesquisas, todas situadas Mais a mais, a Seção 2 do Anexo revoga a em Estados industrializados, na dianteira da norma consubstanciada no art. 11, parágrafo corrida pelos fundos marinhos, esta disposição 3, do Anexo IV da Convenção que obrigava os também termina por limitar as prerrogativas Estados-Partes da Convenção a financiarem as da Empresa de escolher seus sócios, como, por atividades da Empresa em qualquer empreen- exemplo, escolher como sócia uma empresa dimento mineiro conjunto, o que equivale a situada em um Estado de Terceiro Mundo. Cria dizer que, além de estar desprovida de também a possibilidade de que a empresa que tecnologia, a empresa também estará desprovida contribuiu com a Autoridade, caso convidada de capital e não poderá efetuar financiamentos. por esta para integrar um projeto, não se inte- Como a Empresa somente poderá atuar em resse pelos termos da Empresa para a elaboração empreendimentos conjuntos, as Joint Ventures, do contrato de explotação e venha, caso não as mesmas obrigações que têm os contratantes haja outros interessados em associar-se a ela, privados aplicar-se-ão à Empresa, inclusive a após quinze anos, impor à Empresa o projeto obrigatoriedade da mesma de efetuar, com a no qual tenha interesse. Autoridade, um contrato estabelecendo metas Não há mais quaisquer possibilidades de se de produção tal qual seu parceiro contratante limitar a produção dos fundos marinhos em privado. Não terá direito a isenções tributárias benefício da economia dos Estados subdesen- sobre lucros obtidos, não poderá buscar finan- volvidos exportadores dos mesmos minerais ciamento junto a orgãos internacionais ou retirados do mar. Para ressarcir-se do prejuízo, bancos privados, não obterá mais a tecnologia o Estado subdesenvolvido terá apenas o fundo graciosamente dos outros contratantes. Apenas de compensação, que nem sempre fará face a terá a si reservadas áreas correspondentes às esses prejuízos. Como fontes de financiamento áreas destinadas a outros empreendedores como de suas atividades, tanto a Autoridade quanto Estados, empresas públicas, empresas privadas a Empresa somente poderão contar com as ou consórcios multinacionais para a explotação contribuições dos membros feitas à Autoridade, de recursos. as contribuições voluntárias dos membros e as O art. 5 da Seção 2 traz, no entanto, uma receitas originadas da explotação marítima limitação a esta reserva de áreas. Diz o art. 5: conjunta feita entre a Empresa e empresas “Um operador que tenha contribuído privadas, cujo lucro obtido pela Empresa será com uma determinada área para a Auto- repassado à Autoridade. O Comitê de Finanças ridade, como área reservada, tem o será o responsável pelo orçamento da Autori- direito de opção preferente para entrar dade, seja ele administrativo ou ligado à libe- num empreendimento conjunto com a ração de fundos para a explotação marítima. A Empresa para a exploração e o aprovei- Autoridade deverá possuir orçamento autônomo, tamento dessa área. Se a Empresa não embora suas despesas sejam cobertas pelas submeter um pedido de aprovação de um Nações Unidas durante o primeiro ano de plano de trabalho para as atividades funcionamento. relativas a essa área reservada no prazo A Autoridade Internacional dos Fundos de 15 anos após o início de suas funções Marinhos deverá dispor, segundo a Convenção independentes do Secretariado da Auto- de 1982, de um organismo encarregado da ridade ou no prazo de 15 anos após a solução de conflitos e da emissão de pareceres data em que essa área foi reservada para consultivos, cuja função é a de efetuar um a Autoridade, se for posterior, o operador controle jurídico independente e especializado 144 Revista de Informação Legislativa dos atos da Autoridade. Este organismo é a para regulamentar os aspectos da mineração Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos. dos fundos marinhos e um projeto acerca da A Câmara de Controvérsia dos Fundos compensação a ser efetuada aos Estados sub- Marinhos possui um procedimento consultivo desenvolvidos e de distribuição de lucros. A de valor limitado, haja vista não existir para a Comissão já também registrara os investidores Autoridade qualquer obrigatoriedade de decidir pioneiros (quatro grandes consórcios multina- ou fundamentar suas decisões em pareceres da cionais internacionais envolvendo empresas Câmara. Quanto a seu procedimento contencioso, multinacionais de mineração dos Estados este pode ser iniciado por qualquer Estado- Unidos da América, Japão, Canadá, República membro da Autoridade, quando julgar que seus Federal da Alemanha, Reino Unido, Holanda, atos e omissões sejam ilegais, tendo em vista Bélgica e Itália, dois consórcios públicos que como a Autoridade representa o órgão de nacionais envolvendo a França e empresas gestão dos recursos submetidos ao regime jurí- estatais francesas e o Japão com duas multina- dico do Patrimônio Comum da Humanidade, cionais do país, bem como a Índia e a Rússia). considerados como valores de ordem pública Todo esse trabalho paralisou-se em função das internacional ou jus cogens. A Câmara de conversações promovidas pelo Secretário-Geral Controvérsia dos Fundos Marinhos constitui-se da ONU com a finalidade de conseguir modifi- numa Câmara Especializada do Tribunal cações no texto convencional e em seus anexos Internacional de Direto do Mar, sendo que possibilitassem a entrada de Estados composta por onze juízes do tribunal, tendo desenvolvidos. Esses trabalhos também competência exclusiva para julgar atos sofreram modificações tendo em vista as subs- derivados da Autoridade. tanciais modificações no papel e nas funções A Convenção das Nações Unidas sobre da Empresa, bem como nos poderes da Auto- Direito do Mar foi concluída em 1982, tendo ridade, o que atrasou ainda mais a implemen- entrado em vigor somente em 1993. Em 1994 tação e o funcionamento desses orgãos. foi celebrado um Acordo Geral de Implemen- Apesar das modificações introduzidas na tação à Parte XI da Convenção, que trouxe Parte XI da Convenção de 1982 pelo Acordo modificações fundamentais no regime jurídico Geral de Implementação celebrado em 1994, é dos fundos marinhos, na concepção de Patri- possível concluir que a criação da Autoridade mônio Comum da Humanidade, na estrutura Internacional dos Fundos Marinhos insere-se da Autoridade Internacional dos Fundos no contexto das relações econômicas desiguais Marinhos e na Empresa. A Comissão Prepara- e da tentativa de superá-las por meio do diálogo tória da Autoridade e do Tribunal instituída em norte-sul, representando grandes modificações 1982, com a competência de tomar decisões também no Direito das Organizações Interna- administrativas e organizacionais, bem como cionais, uma vez que a Autoridade terá não a pauta da primeira sessão da Autoridade e do somente finalidades institucionais, mas também Tribunal, preparar projetos para o funciona- fins lucrativos. Ela exercerá, como coordena- mento da Empresa e estabelecer regulamentação dora e organizadora da explotação mineral dos para definir o relacionamento dos órgãos da fundos marinhos, um papel de intervenção Autoridade e que iniciou seu funcionamento indireta nas relações econômicas interna- em 1983, sofreu diversas interrupções e cionais, por meio de sua função regulamenta- percalços até 1995, quando terminou seus dora destas relações que envolvem Estados trabalhos, tendo a Autoridade Internacional dos soberanos e empresas privadas por eles patro- Fundos Marinhos iniciado o seu funcionamento cinados. Já a Empresa, que terá seu funciona- em 1996 na Jamaica. mento independente da Autoridade, terá uma A Comissão interrompeu suas atividades em função comercial especificamente lucrativa e 1990 em função do impasse ocorrido entre os representa a intervenção direta, mas relati- Estados desenvolvidos e os Estados em desen- vamente frágil, da comunidade internacional volvimento no que se refere à explotação dos nas atividades econômicas. fundos marinhos e à função de órgãos como a Finalmente, mister a ênfase de que essas Autoridade e a Empresa. intervenções são necessárias, uma vez que é a Em 1990, a Comissão tinha em mãos um Autoridade a responsável pela organização e anteprojeto que definia a organização da controle da exploração econômica da Área que Empresa e do Tribunal Internacional de Direito se configura em Patrimônio Jurídico da Huma- do Mar, bem como um embrião de um código nidade. Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 145 3. O Tribunal Internacional do e do movimento da descolonização, quando um Direito do Mar grande número de Estados tornaram-se atores do cenário internacional e fazia-se necessária O Direito Internacional Contemporâneo a introdução de novos parâmetros jurídicos para vem tendo sua evolução balizada pela idéia de equalizarem as relações entre Estados. Parale- institucionalização e pelo movimento conhe- lamente, surgiram na Europa as Convenções cido como Desenvolvimento Progressivo do Internacionais Regionais de Proteção aos Direito Internacional. Em ambos notam-se Direitos Humanos (Convenção de Roma de algumas semelhanças: a utilização de tratados 1950) no âmbito do Conselho da Europa e as multilaterais em detrimento de normas costu- Convenções da Integração Européia que, em meiras para regulamentar as relações interna- conjunto, criaram inicialmente o Mercado cionais, visando dar um caráter orgânico à Comum Europeu e evoluíram hodiernamente sociedade internacional, a criação de normas para o Tratado de Maastrich, que sacramentou com um mínimo de imperatividade, que não a União dos Estados Europeus (1992). possam ser contrariadas pelos Estados em seus Essas Convenções prescreviam no seu bojo atos e tratados (as normas imperativas de a criação de tribunais encarregados de inter- Direito Internacional geral ou jus cogens), e a pretá-las e aplicá-las aos Estados-Partes inde- fundação de tribunais internacionais com pendentemente da concessão de autorização in jurisdição para decidir dos conflitos entre casu dada pelo Estado que tivesse contra si uma Estados. Se tradicionalmente o Direito Inter- reclamação pendente de julgamento pelos nacional Público foi considerado o “menos referidos tribunais. As Convenções européias jurídico de todos os ramos do Direito”, tal de Direitos Humanos e as referentes à Integração assertiva hodiernamente improcede, haja vista Européia estabelecem que o Estado-membro a existência no cenário internacional de normas que ratificou a Convenção e outorgou jurisdição organicamente elaboradas por meio de tratados às Cortes para julgar as reclamações contra si multilaterais e de tribunais internacionais existentes nos referidos tribunais (estas recla- criados para interpretar e aplicar as convenções mações podem ser feitas por pessoas, empresas, internacionais que determinam as obrigações pela Comissão Européia e por outros Estados) internacionais assumidas pelos Estados. será obrigado a cumprir as decisões deles Os tratados multilaterais surgiram como provenientes. Estes tribunais são a Corte fonte normativa do Direito Internacional Européia de Direitos Humanos e a Corte de Público a partir do século XVII, passando a ser Justiça da União Européia, cujo funcionamento comumente empregados pelos Estados na se iniciou nas décadas de sessenta e setenta, criação de seus compromissos internacionais respectivamente. No que se refere aos direitos no século XIX, enquanto os tribunais jurisdi- humanos, o sistema criado na Europa iniciou cionais internacionais fizeram sua estréia na sua implementação na América nos anos última década do século passado, com a oitenta, mediante a celebração da Convenção instauração da Corte Internacional de Justiça Americana de Direitos Humanos e da criação em Haia, em 1895. A Corte Internacional de da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Justiça tem seu campo de ação limitado, inici- Os sistemas europeus obtiveram, apesar de almente, pela condição dos sujeitos e, depois, alguns percalços, grande sucesso no que se pela autorização dos Estados: somente Estados refere à preservação dos direitos humanos e à podem litigar perante a Corte de Justiça (nada implementação da integração econômica da obstando que um particular a ela se dirija, desde Europa Ocidental. Estes sistemas que surgiram, que patrocinado por um Estado), constitu- dentre outros motivos, para possibilitar a indo-se em condição de admissibilidade que o implementação de formas de solução pacífica Estado que teve contra si a reclamação declare e institucionalizada de conflitos internacionais aceitar o resultado do julgamento (é a autori- passaram a influenciar a celebração de zação para julgamento). Caso não haja esta convenções internacionais que tivessem por autorização, a Corte não se pronunciará sobre conteúdo outros assuntos, dentre os quais o a reclamação. Direito do Mar. Destarte, a Convenção das No entanto, foi neste século que os tratados Nações Unidas sobre Direito do Mar criou um multilaterais iniciaram seu reinado como fonte complexo sistema de solução pacífica das primordial do Direito Internacional Público, controvérsias, dentre eles a previsão de um especialmente após a Segunda Guerra Mundial Tribunal Internacional de Direito do Mar. 146 Revista de Informação Legislativa Esse sistema complexo para a solução serão tomadas com base no critério da maioria. pacífica de conflitos no âmbito do Direito do Após isso, a Comissão examinará as razões de Mar compõe-se de: Acordo entre as Partes para ambas as partes e fará sugestões para uma a Resolução Pacífica de Controvérsias por meio solução amigável. A Comissão deverá apresentar da instalação de uma Comissão de Conciliação um relatório ao Secretário-Geral doze meses a e dos órgãos previstos no art. 287, inciso 1, da partir de sua constituição, com os acordos Convenção de 1982, que são o Tribunal Inter- eventualmente feitos e todos os pormenores de nacional de Direito do Mar, a Corte Interna- fato e de direito do caso. O relatório não tem cional de Justiça, um Tribunal Arbitral e um força obrigatória entre as Partes. As despesas Tribunal Arbitral Especial. O sistema prescreve correrão por conta das partes envolvidas na que os Estados são livres para escolher o sistema controvérsia. de solução pacífica mais adequado à resolução Se não for possível a solução da controvérsia de suas demandas. As partes deverão acordar por intermédio de um acordo entre os Estados- um sistema para a solução de conflitos em Partes, direto ou formulado por meio de uma tratados bilaterais, podendo eleger, nestes Comissão de Conciliação, qualquer uma das tratados, quaisquer dos meios pacíficos, partes poderá submetê-la à Corte ou Tribunal inclusive aqueles previstos no art. 287, inciso 1. que sobre ela tenha jurisdição nos termos da O art. 283 da Convenção cria para os Esta- Convenção. Essa controvérsia será objeto de dos-Partes numa controvérsia envolvendo uma decisão vinculante para as partes por meio Direito do Mar a obrigatoriedade de trocar de procedimentos compulsoriamente previstos opiniões para solucionar o conflito, visando a para a sua aplicação. Essa jurisdição é outor- que as próprias partes cheguem a um acordo gada pelo Estado, ao assinar, ratificar, aderir sobre a controvérsia. Trata-se de uma tendência ou declarar posteriormente que aceita escolher verificada com crescente freqüência no livremente qualquer um dos meios interna- moderno Direito Internacional, uma vez que cionais existentes para a solução dos conflitos, obriga as partes a tentar encontrar uma solução a saber: o Tribunal Internacional de Direito do razoável do conflito para ambas, prescindindo Mar, a Corte Internacional de Justiça, um do exercício da arbitragem ou da, ainda limi- Tribunal Arbitral ou um Tribunal Arbitral tada, jurisdição internacional. Especial. A aceitação da jurisdição do Tribunal As partes em conflito entabularão negocia- Internacional de Direito do Mar não implica a ções, podendo instituir um procedimento aceitação de jurisdição da Câmara de Contro- próprio para efetuarem o processo de conciliação. vérsias dos Fundos Marinhos, que é uma das Se as partes não acordarem a respeito do Câmaras do Tribunal, no que se refere às procedimento, poderá ser utilizado o procedi- controvérsias relativas à explotação mineral mento previsto na Seção 1 do Anexo V. dos fundos, previstas na Parte XI da Segundo o previsto em sua Seção, cada Esta- Convenção. do-Parte na Convenção designará quatro Se ambas as Partes tiverem declarado árbitros, que farão parte de uma lista elaborada aceitar o mesmo procedimento, a controvérsia pelo Secretário-Geral da ONU. Esses árbitros deverá ser submetida a esse procedimento. Se devem ser escolhidos pelos Estados, fundamen- ambas tiverem declarado aceitar procedimentos tando-se nos critérios de imparcialidade, diversos, a controvérsia somente poderá ser competência e integridade. A partir desta lista, submetida à Arbitragem. Por outro lado, a o Estado que iniciou a controvérsia deverá Seção nº 3 da Parte XV da Convenção estabe- escolher dois árbitros, podendo, salvo compro- lece, nos seus arts. 297 e 298, os casos que misso em contrário, um deles ser seu nacional. poderão ser submetidos à solução obrigatória A parte oponente deverá, num prazo de vinte e de controvérsias e aqueles que se excepcionam um dias após recebida a notificação, nomear ao sistema. O art. 297 estabelece as matérias dois árbitros nas mesmas condições já descritas. convencionais cujo conteúdo se configure em Após trinta dias desta segunda designação, os conteúdo da controvérsia no que concerne à quatro árbitros reunir-se-ão para indicar um aplicação e interpretação da Convenção, que quinto árbitro, que será o Presidente da Comissão. serão objeto do sistema de procedimentos A Comissão poderá, com o consentimento compulsórios que conduzem a decisões obri- dos Estados-Partes, pedir a qualquer deles que gatórias, enquanto o art. 298 prescreve as apresente as suas opiniões, sendo que todas as exceções. questões, de procedimento ou substanciais, O Estado poderá suscitar um procedimento Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 147 compulsório de solução de controvérsias sobre direitos, incluindo os seus poderes discricio- quaisquer questões referentes à interpretação e nários de fixar a captura permissível, a sua aplicação da Convenção. Deverá ainda o Estado capacidade de captura, a atribuição dos exce- suscitar o procedimento quando um Estado dentes a outros Estados e as modalidades e costeiro, a pretexto de exercer seus direitos de condições estabelecidas em suas leis e regu- soberania ou jurisdição, atuar violando a lamentos de conservação e gestão” (art. 297, Convenção no que se refere às liberdades de parágrafo 3, letra a). navegação ou sobrevôo ou ao direito de No entanto, a controvérsia sobre a pesca colocação de cabos e dutos submarinos; poderá deverá ser submetida obrigatoriamente ao o Estado costeiro suscitar um procedimento procedimento de conciliação quando se alegue compulsório quando outro Estado violar a que um Estado costeiro tenha deixado de Convenção ou as leis internas dos Estados, cumprir suas obrigações de assegurar a pretextando exercer seus direitos de navegação conservação e gestão dos recursos vivos, não e sobrevôo. Poderá também ser suscitado um tenha fixado, a pedido de outro Estado, a procedimento quando um Estado alegue que captura e sua capacidade de captura dos um Estado costeiro atuou em desrespeito às recursos vivos, prejudicando o seu aproveita- normas convencionais de proteção e preservação mento pela população deste outro Estado inte- do meio marinho aplicáveis à sua zona econô- ressado em pescar, ou tenha se recusado a atri- mica exclusiva. buir a outro Estado sem litoral ou geografi- camente desfavorecido a totalidade ou parte do No que se refere às controvérsias relativas excedente que declarou existir segundo as à investigação científica marinha, são aplicáveis modalidades e condições fixadas pelo próprio as normas da Seção nº 2 da Parte XV, que dizem Estado costeiro. Também neste caso, a respeito à instituição de procedimentos Comissão não poderá substituir o poder discri- compulsórios para a solução pacífica de cionário do Estado costeiro. conflitos, embora o Estado costeiro não seja O Estado, ao ratificar, aderir ou posterior- obrigado a submeter-se à decisão quando alegar mente à adesão ou ratificação, poderá declarar que exercia um direito ou poder discricionário por escrito que não aceita um ou mais procedi- para não permitir a investigação científica mentos compulsórios de jurisdição com respeito marinha a ser efetuada sobre o patrocínio de a algumas controvérsias especiais. São essas outro Estado em sua zona econômica exclusiva controvérsias especiais aquelas que se referem ou plataforma continental ou quando o Estado à interpretação dos arts. 15, 74 e 83, relativas à costeiro ordenar a cessação das atividades de delimitação do mar territorial, zona econômica investigação científica marinha nos mesmos exclusiva ou plataforma continental situadas espaços marítimos mencionados porque estejam adjacentemente ou frente a frente ao litoral de colocando em risco o ambiente ou porque o dois Estados, as referentes às baías ou títulos Estado patrocinador não está cumprindo o históricos, ressalvando-se o fato de que “o projeto de investigação apresentado. Contro- Estado que tiver feito a declaração quando tal vérsias que envolvam a acusação do Estado controvérsia surgir depois da entrada em vigor patrocinador da pesquisa de que o Estado da Convenção e quando não se tiver chegado a costeiro não está cumprindo a sua parte no um acordo em prazo razoável de negociação projeto de pesquisa científica marinha poderão entre as partes aceita, a pedido de qualquer parte somente ser resolvidos por intermédio da na controvérsia, submeter a questão ao proce- Comissão de Conciliação, desde que esta dimento de conciliação nos termos da Seção 2 Comissão não coloque em dúvida o direito do Anexo V; além disso fica excluída de tal do Estado costeiro de exercer o seu poder submissão qualquer controvérsia que implique discricionário. necessariamente o exame simultâneo de uma No que tange às controvérsias relativas à controvérsia não-solucionada relativa à sobe- pesca, também estas serão submetidas aos rania de outros direitos sobre um território procedimentos obrigatórios previstos na mesma continental ou insular” ( art. 298, parágrafo 1, Seção 2 da Parte XV “com a ressalva de que o letra a, i). Estado costeiro não será obrigado a submeter São excepcionadas ainda as controvérsias aos procedimentos de solução qualquer relativas às atividades militares e as controvérsias controvérsia relativa a seus direitos soberanos relativas às atividades destinadas a fazer referentes aos recursos vivos de sua zona cumprir normas legais, tendo em vista o econômica exclusiva ou ao exercício destes exercício de direitos soberanos ou da jurisdição, 148 Revista de Informação Legislativa bem como aquelas que estejam em apreciação A Convenção de 1982 estabelece, nos seus do Conselho de Segurança da ONU. Ou seja, Anexos VII e VIII, a constituição e os procedi- apesar da exclusão de aplicação dos procedi- mentos que balizarão as atividades dos tribunais mentos compulsórios, os Estados têm a obri- arbitrais (Anexo VII) e dos tribunais arbitrais gação de entabular negociações, visando a uma especiais (Anexo VIII). solução amigável da controvérsia, visando à O procedimento tendente à instauração de segurança das relações internacionais, à um tribunal arbitral deverá ser iniciado segurança do tráfego marítimo e do comércio mediante notificação enviada por uma das internacional. partes da controvérsia à outra, expondo as Nota-se, entre os Estados que ratificaram a pretensões e os motivos em que se fundamenta. Convenção, ser rara a declaração excepcionando Aceita a Arbitragem, as partes deverão indicar, os procedimentos compulsórios previstos na cada uma, quatro nomes (dois titulares e dois Seção 2 da Parte XV no que se refere à delimi- suplentes) de uma lista de árbitros elaborada tação dos espaços marítimos. A prática inter- pelo Secretário-Geral da ONU para compor o nacional tem demonstrado que os Estados, tribunal, sendo que dois podem ser seus quando se envolvem em controvérsias sobre a nacionais. delimitação de espaços marítimos, especial- O Tribunal será composto de cinco membros mente a delimitação da plataforma continental dentre os oito nomeados, sendo que o Presi- ou da zona econômica exclusiva, levam-nas dente será escolhido pelas partes entre os três para exame da Corte Internacional de Justiça membros não-nacionais dos Estados-Partes. ou instituem tribunais arbitrais com poderes Esses três membros não-nacionais devem ser para dirimir as dúvidas. Mesmo Estados que pessoas de reconhecida competência em Direito sempre tiveram tradição de forte independência do Mar e ser nacionais de três Estados em matéria de política internacional e práticas diferentes, não podendo residir no território das marítimas, como os Estados Unidos da América partes em controvérsia ou estar a seu serviço. e o Reino Unido, já tiveram controvérsias Se as partes não chegarem a um acordo sobre a dirimidas por tribunais arbitrais (o Caso das designação do Presidente nos sessenta dias após Focas do Estreito de Behring no início do século, entre ambas) ou pela própria Corte o recebimento da notificação, será o Presidente Internacional de Justiça (o Caso das Pescarias do Tribunal Internacional de Direito do Mar Anglo-Norueguesas envolvendo Noruega e que fará a designação, e, se este for nacional Reino Unido e o Caso da Competência em de um dos Estados-Partes, será o membro mais Matéria de Pescarias envolvendo a Islândia, de antigo do Tribunal. Trata-se de cautelas que um lado, e o Reino Unido e a República Federal são tomadas para fortalecer a imparcialidade da Alemanha, de outro, além do Caso do Golfo do tribunal arbitral. do Maine envolvendo Canadá e os Estados O Tribunal deverá adotar o próprio proce- Unidos da América). dimento a ser utilizado para a decisão da As exceções para a não-aplicação dos controvérsia, o que demonstra a sua indepen- procedimentos compulsórios nos casos que dência relativamente a outros tribunais inter- envolvam atividades militares, aquelas que nacionais jurisdicionais, salvo acordo das partes estejam sobre apreciação do Conselho de que convierem em algum procedimento espe- Segurança ou aquelas que estejam ligadas ao cífico. Garante-se, no entanto, a cada uma das exercício de soberania ou de jurisdição se fazem partes a oportunidade de ser ouvida e de apre- presentes na grande maioria das ratificações e sentar a sua causa, numa demonstração da adesões dos Estados-Partes na Convenção de indispensabilidade do contraditório. As partes 1982. deverão fornecer todos os documentos, meios Além do Procedimento de Conciliação, os e informações pertinentes à causa ao tribunal Estados poderão dirimir suas controvérsias arbitral, permitindo-lhe ainda citar testemunhas acerca da aplicação e interpretação do Direito ou peritos, receber provas ou visitar locais que do Mar e da Convenção de 1982 por meio de se relacionarem direta ou indiretamente com a organismos jurisdicionais propriamente ditos, causa. como o Tribunal Internacional de Direito do As decisões no seio do tribunal são tomadas Mar e a Corte Internacional de Justiça, e por por maioria dos seus membros, sendo que o intermédio de tribunais arbitrais a serem cons- Presidente possui, em caso de empate, o “voto tituídos pela designação das partes envolvidas. de Minerva”. Não há qualquer empecilho a que Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 149 algum dos membros se abstenha de decidir, uma A diferença marcante entre ambos os vez que as decisões são tomadas por maioria tribunais arbitrais é que o tribunal arbitral de votos. A revelia não impede que o tribunal especial permite a nomeação de peritos inter- arbitral efetue o julgamento da questão, uma nacionais oficiais para averiguarem in loco as vez que a outra parte poderá pedir ao mesmo controvérsias envolvendo a pesca, a poluição, que prossiga com os procedimentos e prolate o a navegação, a pesquisa científica e a proteção laudo arbitral. O tribunal deverá observar se e preservação do meio marinho. Estes peritos possui jurisdição para decidir a controvérsia (ou serão nomeados pelos Estados-Partes a partir seja, se o Estado é parte da Convenção e a rati- de listas especiais formuladas por órgãos ficou com a permissão da constituição de um internacionais: a lista dos peritos na área da juízo arbitral para resolver as controvérsias em pesca será elaborada pela Organização das que fosse parte e se a pretensão possui funda- Nações Unidas para a Agricultura e Pesca, o mentação fática e embasamento convencional rol relativo à preservação científica marinha suficiente). terá como autor o Programa das Nações Unidas O laudo arbitral deverá versar sobre a para o Meio Ambiente, a lista referente à decisão da controvérsia e de seu fundamento, investigação científica marinha terá a titula- mencionando-se os nomes dos árbitros e as ridade da Comissão Oceanográfica Intergover- eventuais opiniões dissidentes, sendo que o teor namental, cabendo à Organização Marítima integral destes votos poderá ser anexado ao Internacional a autoria do rol de peritos sobre laudo. O laudo é definitivo e inapelável, a não a navegação, incluindo a poluição proveniente ser que, previamente à sua prolação, as partes de embarcações e a efetuada por alijamento. convieram na apelação e estabeleceram um Cada Estado-Parte da ONU pode designar dois procedimento para tal. A prática internacional peritos de cada especialidade, de comprovada capacidade técnica e científica e que sejam tem demonstrado serem raros estes acordos para pessoas providas de integridade, para comporem apelação. Havendo quaisquer dúvidas acerca as listas a serem elaboradas por estes organismos da interpretação e execução do laudo, as partes internacionais. poderão submetê-las ao mesmo tribunal que o proferiu para que as dirima. Estas disposições Cada Estado-Parte poderá designar dois presentes no Anexo VII também se aplicarão a peritos para avaliarem a controvérsia, não sendo entidades que não sejam os Estados-Partes, proibida a designação de um perito nacional. como as organizações internacionais e as Serão esses peritos que constituirão o tribunal empresas privadas, sendo que estas em casos arbitral nos mesmos moldes do Anexo VII, ou normalmente ligados à navegação, à explotação seja, o tribunal será constituído por cinco mineral dos fundos marinhos, à pesquisa cien- peritos, sendo que cada parte pode nomear um tífica marinha, à pesca no alto-mar e em águas nacional, e o presidente é escolhido da mesma pertencentes a Estados costeiros, dentre outros. forma que no tribunal arbitral comum. Esses peritos-árbitros decidirão a questão, prolatando O art. 287, parágrafo 1, estabeleceu ainda o laudo, seguindo as mesmas exigências espe- como procedimento compulsório para a solução cificadas no Anexo VII. Este tribunal é consi- de controvérsias um tribunal arbitral especial derado um tribunal especial, porque constituído para solucionar litígios relativos às matérias por pessoas com conhecimentos específicos nas especiais disciplinadas na Convenção e áreas de sua atuação. previstas no Anexo VIII, como a pesca, proteção e preservação do meio marinho, investigação As duas últimas formas previstas no científica marinha e navegação, incluindo aí a complexo sistema de solução pacífica de poluição proveniente de embarcações e a conflitos disciplinado pela Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar são os ocasionada por alijamento. O procedimento tribunais internacionais com jurisdição será iniciado com a notificação dirigida à outra internacional: a Corte Internacional de Justiça parte acompanhada de uma exposição da e a Corte Internacional de Direito do Mar. pretensão e dos motivos em que se fundamenta. Os procedimentos, o número de árbitros, a Durante este século em que o mar foi objeto produção de provas, bem assim a prolação do de novos usos e novas possibilidades, quando laudo arbitral e sua execução são idênticas à a predominância da sua exploração econômica prevista no Anexo VII para a constituição do e do uso racional e eqüitativo de seus recursos tribunal arbitral comum. se fez em detrimento de seu caráter estratégico, 150 Revista de Informação Legislativa novos conflitos surgiram entre os Estados, além Os membros do Tribunal não podem exercer dos tradicionais acerca da navegação e do mar quaisquer funções políticas ou administrativas, territorial. Passaram a ser objeto de disputas estar associados ativa ou financeiramente em entre Estados, notadamente após a Segunda qualquer operação de uma empresa ligada à Guerra Mundial, a delimitação e a exploração explotação dos recursos do mar ou dos fundos das áreas de pesca e da plataforma continental, marinhos, ou, ainda, exercer funções de agente, a explotação dos fundos marinhos, a proteção consultor ou advogado em qualquer questão. e preservação ambiental, as questões referentes O membro do Tribunal deverá declarar-se à poluição e à pesquisa científica marinha, impedido de julgar em casos em que tenha dentre outros. Inicialmente, esses conflitos atuado anteriormente como agente, consultor foram resolvidos por tribunais arbitrais, por ou advogado. Os membros do Tribunal, no exer- tratados entre os Estados contendores, passando cício de suas funções, gozam dos privilégios e a ser objeto, posteriormente, de decisões prola- imunidades diplomáticas. tadas em julgamentos da Corte Internacional O Presidente deverá ser eleito pelo Pleno de Justiça. do Tribunal e nomeará um escrivão; ambos A Convenção de 1982 trouxe, previsto na deverão residir em Hamburgo. Para a realização sua Parte XV, entre os procedimentos compul- das sessões, exige-se a presença da maioria sórios que produzirão decisões obrigatórias, a simples dos membros do Tribunal, ou seja, onze criação de um Tribunal Internacional do Direito membros. O Tribunal Pleno deverá deliberar sobre todas as controvérsias, podendo, no do Mar. Este Tribunal estará sediado na cidade entanto, constituir câmaras que considere de Hamburgo, na República Federal da necessárias para conhecerem determinadas Alemanha, e terá jurisdição sobre qualquer controvérsias. A constituição de câmaras controvérsia relativa à interpretação e aplicação racionaliza e especializa os procedimentos do da Convenção, conforme prevê o art. 288. Ela Tribunal, podendo ser constituída a pedido das tem também jurisdição sobre qualquer contro- partes ou pelo futuro regulamento do Tribunal. vérsia relativa à interpretação ou aplicação de Apenas uma câmara tem sua constituição um acordo internacional relacionado com os prevista pela Convenção: é a Câmara de objetivos da Convenção que lhe seja submetida. Controvérsias dos Fundos Marinhos, cujas Segundo o Anexo VI, que se intitula funções estão previstas na Parte XI da “Estatuto do Tribunal Internacional de Direito Convenção e a competência, no Anexo VI. do Mar”, o Tribunal é composto de vinte e um Não há qualquer óbice para que um membro membros independentes, de reconhecida nacional de cada Estado-Parte envolvido na competência em matéria de Direito do Mar e controvérsia perante o Tribunal participe, em que se destaquem pela integridade. Na compo- igualdade de condições, do julgamento, sição do Tribunal deverão ser levados em podendo as partes, no caso de julgamento por consideração a representação dos principais câmaras, designar, cada uma, um membro sistemas jurídicos do mundo e uma distribuição nacional para julgar a questão. Não havendo geográfica eqüitativa da origem de seus um membro nacional das partes, estas poderão membros. Não poderá compor o Tribunal mais indicar pessoas de capacidade jurídica e de um membro nacional de cada Estado, não idoneidade para participarem do julgamento podendo haver menos de três membros de cada (membro ad hoc). Os juízes serão remunerados um dos grupos geográficos estabelecidos pelas nos termos do art. 18 do Anexo VI, e as Nações Unidas (África, Ásia, América Latina, despesas do Tribunal custeadas pelos Estados- Oceania, Europa Ocidental, Europa Oriental e Partes. América do Norte). Cada Estado poderá Terão acesso à jurisdição do Tribunal todos designar duas ou mais pessoas para compor o os Estados-Partes e as entidades de Direito Tribunal, sendo que o Secretário-Geral da ONU Privado que exerçam a explotação dos fundos deverá, para a primeira eleição, convocar os marinhos, conforme previsto na Parte XI da Estados-Partes. A eleição será feita por escru- Convenção, especialmente no que se refere à tínio secreto, com quorum mínimo de dois Câmara de Controvérsias dos Fundos Marinhos. terços dos Estados-Membros da Convenção, O Tribunal deverá pronunciar-se, no exercício sendo considerados eleitos os candidatos que da jurisdição, sobre todas as controvérsias que tiverem maioria de votos. O mandato dos lhe sejam submetidas acerca da aplicação e da membros do Tribunal é de nove anos. interpretação da Convenção, bem assim sobre Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 151 todas as questões previstas em qualquer tratado interesses, sempre foi da práxis desses tribunais referente ao Direito do Mar e que lhe confira a a adoção da eqüidade em seus julgamentos. Em jurisdição sobre eventuais controvérsias. Direito do Mar, a eqüidade mantém a sua Portanto, o Tribunal exercerá sua jurisdição função de permitir ao Tribunal a resolução de sobre todas as questões que envolvam Direito conflitos quando as normas convencionais do Mar previstas na Convenção e em outros ou costumeiras sejam omissas, injustas ou tratados a ele relativos, o que lhe alarga o campo falhas. de atuação. As controvérsias são submetidas ao Tribunal O Tribunal Internacional de Direito do Mar por meio de uma notificação de um acordo e também os tribunais arbitrais deverão aplicar, especial ou por pedido dirigido ao escrivão. O em suas decisões, a Convenção das Nações escrivão notificará os interessados. Os trâmites Unidas sobre o Direito do Mar e outras normas do processo deverão ser definidos pelo regula- internacionais que com ela não sejam incom- mento geral do Tribunal, a ser elaborado após patíveis. Poderão ainda decidir ax aequo et sua efetiva implementação. O Tribunal, bem bono se as partes assim concordarem. Enfim, como a Câmara Especial para a solução de o Tribunal, ao decidir as controvérsias, deverá Controvérsias dos Fundos Marinhos poderão balizar-se pela Convenção, por normas inter- decretar medidas provisórias que considerarem nacionais, incluindo as normas costumeiras e apropriadas ao caso, seja para preservar os os tratados internacionais bilaterais sobre direitos das partes na controvérsia, seja para Direito do Mar, e pela eqüidade se houver impedir graves danos ao meio marinho. No acordo entre as partes. Nesse sentido, a entanto, os poderes para a decretação dessas Convenção de 1982 nada inovou no que se medidas provisórias não é absoluto, haja vista refere ao direito aplicável às decisões de cortes que essas somente podem ser decretadas, revo- internacionais jurisdicionais e de tribunais gadas ou modificadas a pedido de pelo menos arbitrais, haja vista que em muitos casos, como uma das partes na controvérsia e não poderão o da plataforma continental do mar do Norte ser decretadas antes de serem ouvidas todas as em 1969, a Corte Internacional de Justiça partes, segundo o art. 290 da Convenção. A decidiu por eqüidade em virtude da improprie- única exceção à oitiva das partes e à existência dade para o caso das normas existentes na de pedido seria o risco de grave dano ao meio Convenção de 1958 sobre a plataforma conti- marinho, caso em que o Tribunal poderia nental e da ausência de casos em que normas fundamentar-se no fummus boni juris e no análogas foram aplicados. Enfim, a Corte periculum in mora para decretá-las. utilizou-se da eqüidade para julgar8. As audiências deverão ser dirigidas pelo O julgamento ax aequo et bono é conhecido Presidente ou Vice do Tribunal, ou o Presidente desde a Antigüidade Clássica, tendo sido objeto de uma das câmaras. Elas serão públicas, das considerações de Aristóteles na “Ética a excepcionando-se o caso em que uma das partes Nicómaco” e do trabalho dos “prudentes” peça o seu sigilo ou o Tribunal, com objetivo romanos. Aristóteles enfatizava que a eqüidade de garantir sua segurança ou imparcialidade, representa uma correção do justo, uma vez que, determine a sua realização de forma não-pú- como o Direito é universal, poderá ocasionar blica, atendendo ao princípio da publicidade injustiças, excessos ou omissões no momento moderada. Os membros do Tribunal deverão de sua aplicação a casos específicos. Os juris- permitir às partes que apresentem as suas consultos romanos criaram dois brocardos para razões, conforme o princípio do contraditório. definir a eqüidade: summum jus summa injura, A revelia não impede o julgamento da questão jus est ars boni at aequi. Como os tribunais pelo Tribunal, embora este deva avaliar, antes internacionais decidem tendo como paradigma de efetuar o julgamento, se possui jurisdição as normas internacionais costumeiras ou para a controvérsia ou se o pedido tem sólida convencionais, que são extremamente genéricas, fundamentação fática e jurídica. As decisões haja vista representarem um acordo genérico e serão por maioria de votos, sendo que o Presi- pontual entre Estados sobre a jurisdicização de dente ou o seu substituto, em caso de ausência, relações internacionais que, pela sua própria possuem “voto de Minerva”. natureza, são amplas e abarcam diversos O art. 30 do Anexo VI especifica que a sentença deverá ser fundamentada, mencionar 8 LANG, J. Le plateau continental de la mer du os nomes dos membros do Tribunal que a nord. Paris : LGDJ, 1970. p. 55-64. julgaram, e ser lida em público depois de 152 Revista de Informação Legislativa notificadas as partes na controvérsia. designação, cada uma deverá nomear um Permitir-se-á a junção à sentença dos votos membro dentre os onze membros da Câmara dissidentes, ou seja, dos votos daqueles juristas dos Fundos Marinhos, sendo que os eleitos que não concordarem no todo ou em parte com escolherão o terceiro. o conteúdo da decisão. A sentença será Poderão litigar junto à Câmara de Contro- definitiva e inapelável, possuindo natureza obri- vérsia dos Fundos Marinhos os Estados-Partes, gatória apenas para as partes (não possui efeitos a Autoridade Internacional dos Fundos Mari- erga omnes), não podendo obrigar a seu nhos, bem como as entidades jurídicas de direito cumprimento ou atingir a terceiros Estados. privado que se dediquem a efetuar a explotação Destarte, se um terceiro Estado não-parte na dos fundos marinhos. A Câmara é competente, controvérsia tiver um interesse seu de natureza segundo os arts. 187 e 188 da Convenção, para jurídica que puder ser afetado pela sentença conhecer dos litígios envolvendo Estados-Partes resolutória de um litígio, poderá pedir a relativos à aplicação e interpretação da intervenção do Tribunal. O Tribunal pronun- Convenção, das controvérsias entre a Autori- ciar-se-á a respeito, e esta decisão sobre a dade e um Estado, relativamente a descumpri- controvérsia será obrigatória para o Estado mento da Convenção por um deles, ou a atos interveniente, naquelas questões que disserem de abuso de poder da Autoridade, controvérsias respeito à intervenção. entre as partes de um Contrato de explotação A Parte XI da Convenção, considerada a dos Fundos Marinhos, sejam elas a Empresa, a mais polêmica e a de mais difícil implementação, Autoridade, Estados-Partes ou empresas traz no seu conteúdo um sistema específico e privadas, relativamente à interpretação ou exe- obrigatório para a resolução pacífica de cução de um contrato ou plano de trabalho, atos conflitos envolvendo a explotação mineral dos ou omissões de uma Parte que prejudiquem a fundos marinhos. Trata-se da submissão outra e controvérsias entre a Autoridade e um compulsória desses conflitos a uma Câmara candidato a contratante devidamente patroci- Especial do Tribunal Internacional de Direito nado por um Estado que tenha preenchido as do Mar, ou a uma Câmara ad hoc da Câmara exigências da Convenção na elaboração de um de Controvérsias dos Fundos Marinhos, ou plano de trabalho e tenha a si denegado a sua ainda a uma arbitragem comercial obrigatória. transformação em contrato. Esse sistema específico foi criado em virtude As controvérsias entre Autoridade, Empresa, dos sujeitos que nele interferem e da natureza Estados-Partes ou empresas privadas relativas específica do conteúdo das relações jurídicas à interpretação e aplicação de um contrato disciplinadas pela Parte XI, que envolvem poderão ser submetidas a uma arbitragem interesses estatais e os da economia privada, comercial obrigatória, embora essa arbitragem que tem como fim o lucro. não tenha poderes para decidir sobre quaisquer questões que envolvam interpretação da A Câmara de Controvérsias dos Fundos Convenção. Quando a controvérsia suscitar Marinhos é composta de onze membros, esco- quaisquer questões que versem sobre a inter- lhidos pela maioria dos membros do Tribunal. pretação da Parte XI e dos Anexos relacionados Durante a eleição para a composição da às atividades da Área, estas questões serão Câmara, os membros do Tribunal deverão levar remetidas à Câmara de Controvérsia dos em conta que os eleitos deverão representar os Fundos Marinhos para decisão. Estando principais sistemas jurídicos do mundo, asse- ausentes disposições contratuais que disciplinem gurando ainda uma distribuição geográfica a formação do tribunal arbitral, a Arbitragem eqüitativa. Eles terão mandato de três anos, processar-se-á de acordo com as Regras de podendo ser reeleitos, sendo exigido, para a Arbitragem da Comissão das Nações Unidas instauração de qualquer sessão, um quórum sobre o Direito do Comércio Internacional mínimo de sete membros. A Câmara ad hoc (UNCITRAL). será constituída a partir da Câmara de Contro- O art. 189 estabelece que, em suas decisões, vérsias dos Fundos Marinhos: a Câmara esco- a Câmara de Controvérsia dos Fundos Marinhos lherá três de seus membros para dirimir não terá competência para pronunciar-se sobre determinada controvérsia, sendo que estes três questões que envolvam o exercício, pela Auto- membros deverão ser aprovados pelas partes e ridade, de poderes discricionários. A Câmara não poderão ser nacionais de qualquer uma não poderá substituir a Autoridade no exercício delas. Se as partes não concordarem com a de seus poderes discricionários e não poderá Brasília a. 34 n. 133 jan./mar. 1997 153 declarar a invalidade de tais atos. Enfim, a dotar o Direito do Mar de efetividade inter- competência da Câmara estará limitada a nacional, e não apenas de um conjunto de decidir se a aplicação de quaisquer normas, princípios e normas convencionais que não procedimentos ou regulamentos da Autoridade possam ter seu cumprimento exigido pela via seria contrária às obrigacões convencionais jurisdicional. assumidas pelos Estados-Partes, bem como a Devido ao fato de que os Estados desenvol- decidir acerca dos pedidos relativos a desvio vidos recusaram-se a ratificar o texto conven- ou abuso de poder e indenizações ligadas à cional alegando que a Parte XI da Convenção prática de tais atos pela Autoridade; ou seja, a que disciplina a explotação conjunta dos fundos Câmara tem limitada a sua competência no marinhos feria os Acordos do GATT e os exame das decisões da Autoridade. Com o direitos de patente internacionalmente prote- surgimento do Acordo Geral para a Implemen- gidos, foi necessária a celebração, em 1994, do tação da Parte XI da Convenção, foi abolida a Acordo Geral para a Implementação da Parte maioria dos poderes discricionários da Auto- XI da Convenção das Nações Unidas sobre ridade, o que faz com que esta norma perca em Direito do Mar, visando compatibilizar os muito a sua aplicabilidade. Tratados do GATT e a Convenção. Referido Ao se efetuar uma comparação entre os Acordo terminou por modificar as funções, sistemas de jurisdição cogente estabelecidos diminuindo os poderes e os recursos financeiros, pelas Convenções Européias de Direitos bem como trazendo novos deveres à Autoridade Humanos e Relativas à Integração Européia, Internacional dos Fundos Marinhos, o que nota-se que o sistema complexo de jurisdição ocasionou o seu enfraquecimento. Mister a para solução pacífica dos conflitos referentes ênfase de que, mesmo enfraquecida, a Autori- ao Direito do Mar não possui o mesmo grau de dade Internacional dos Fundos Marinhos é cogência. O próprio grau de cogência das essencial para que a comunidade internacional decisões do Tribunal Internacional de Direito tenha um controle sobre a explotação dos do Mar será menor e seu campo de atuação fundos marinhos num cenário internacional menos amplo de que ocorre nos tribunais composto por um grande número de Estados, supranacionais. A sistematização do Tribunal ricos ou pobres, com poderes limitados pelas Internacional de Direito do Mar, seus poderes, práticas democráticas e pelas fronteiras, e um seu exercício de jurisdição e funções asseme- pequeno número de gigantescas empresas lham-se muito mais à Corte Internacional de transnacionais para as quais inexistem linhas Justiça, especificando-se apenas o seu conteúdo, fronteiriças. que é o Direito do Mar. A multiplicidade de meios de solução pací- fica de litígios também enfraquece os poderes 4. Conclusões do Tribunal Internacional do Direito do Mar. Conclui-se que isso ocorre, dentre outros Muitas foram as inovações trazidas pela fatores, pelo maior número e pela desigualdade Convenção das Nações Unidas de 1982 sobre econômica dos Estados-Partes, pelos interesses Direito do Mar, salientando-se, dentre outras, muito complexos que envolvem a explotação a feição unitária que lhe outorgou, disciplinando dos fundos marinhos, opondo Estados desen- num todo orgânico os diversos espaços volvidos, empresas multinacionais e Estados marítimos e as questões especiais como a pesca, subdesenvolvidos e em desenvolvimento. Há a pesquisa científica e a proteção e preservação também a desigualdade cultural, a desigualdade ambiental, a inclusão das relações jurídico-po- interna entre os Estados, a desigualdade dos líticas entre Estados envolvendo os mares nos sistemas jurídicos que impedem a opção contextos do diálogo norte-sul e do surgimento convencional por um sistema de jurisdição da nova ordem econômica internacional, bem única e obrigatória, semelhante ao que existe assim a criação de um organismo internacional no âmbito das Convenções Européias. Destarte, para regulamentar a explotação dos fundos a opção da Convenção pela adoção de um marinhos, a Autoridade Internacional dos sistema complexo para a solução pacífica dos Fundos Marinhos, e um sistema complexo conflitos sobre o Direito do Mar possibilita sua para a solução pacífica de conflitos visando mais fácil aceitação pelos Estados.