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Introdução

Este trabalho incidirá, sobretudo, no surgimento, evolução e relevância do Direito do


Ambiente como subsistema dos ordenamentos jurídicos, internacionalmente
considerados.

O Direito Internacional do Ambiente

Sumário:

1. A norma internacional ambiental;


2. A responsabilidade internacional por factos ilícitos e lícitos no contexto da
proteção e conservação do ambiente;
2.1. A relevância da cooperação, prevenção e precaução na determinação da
responsabilidade internacional dos Estados;
3. Considerações finais.

1. A NORMA INTERNACIONAL AMBIENTAL

É através duma análise histórica das relações internacionais entre Estados


envolvendo os recursos naturais que compreendemos que o fundamento da lei
internacional em matéria ambiental.

Inicialmente, essa lei estava em estrita ligação com uma visão utilitarista da natureza e
de domínio sobre os recursos biológicos, numa clara afirmação de soberania e de
desenvolvimento económico.

Até ao séc. XIX, a produção normativa, a nível internacional, sobre os recursos


naturais, enquadrava-se maioritariamente nas questões relativas à pesca.

Atualmente, apesar de ainda estarmos longe de uma abordagem biocêntrica – atitude ou


doutrina filosófica que defende que todas as formas de vida são igualmente relevantes,
sendo as necessidades dos seres humanos tão importantes quanto as dos restantes seres
vivos1 – do mundo, as épocas que antecederam o séc. XX também foram importantes
para o desenvolvimento do direito internacional do ambiente.

1
https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/biocentrismo
Neste âmbito, destaca-se o caso que opôs os E.U.A. ao Reino Unido, sobre a caça de
focas no mar de Bering:

Após a compra do Alasca à Rússia, os E.U.A. proibiram a presença de barcos


de pesca do Reino Unido numa área do mar de Bering, exercendo assim um poder de
soberania naquele espaço marinho, que consistia em limitar a exploração de espécies
de fauna selvagem.

A 15/08/1893, o tribunal arbitral competente para decidir deste caso, constituído


em virtude do Tratado de Washington de 1892 sobre os direitos de soberania dos E.U.A.
nas águas do mar de Bering e a preservação das focas, entendeu que os E.U.A. não
tinham nenhum direito de propriedade ou de proteção exclusiva das focas que
frequentavam as ilhas americanas do mar de Bering, quando esta espécie se encontra
num espaço marítimo para lá do seu mar territorial – é de notar que, nesta altura, ainda
não se tivera adotado o regime juridico da ZEE (Zona Económica Exclusiva) da
CNUDM (Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar), que prevê poderes de
soberania de exploração e conservação dos recursos naturais2.

Todavia, o tribunal entendeu ser necessário criar uma regulamentação


internacional comum aplicavel fora dos espaços marítimos sobre a soberania dos
Estados, para proteger as focas do mar de Bering.

Tal regulamentação implicaria a intervenção de todos os Estados, incluindo do Reino


Unido.

Esta decisão arbitral, além de uma inspiração para as negociações internacionais que
culminaram na adoção de um Tratado em 1911, para a proteção das focas do Pacifico
Norte, também acentuou a necessidade da cooperação para a proteção da natureza, em
particular, das espécies migratórias.

Entre 1926 e 1941, os E.U.A. envolver-se-iam novamente numa disputa arbitral


de âmbito ambiental, desta vez com o Canadá, sobre poluição do ar transfronteiriço, por
fumos de dióxido de enxofre, provenientes de uma fundição, situada em Trail, na
Columbia Britânica.

2
https://www.infopedia.pt/apoio/artigos/$zee
No conflito que ficou conhecido por Caso da Fundição de Trail, os E.U.A. invocaram
os danos materiais e ambientais sentidos no Estado de Washington, oriundas da
fundição.

A decisão relativa às focas do mar de Beiring e a relativa à fundição de Trail


demonstram muito bem os primórdios do fundamento que dá origem à norma
internacional ambiental: a cooperação e a soberania, aliada a um dever de prevenção e
responsabilização/reparação de danos ambientais.

Estes princípios, com origem no costume internacional, são, inclusive atualmente,


invocados em soft e hard law3.

Neste contexto, importa referir o dever de adotar ações de prevenção (ex.: notificação,
informação, monotorização, avaliação de impacto ambiental, etc.) e a responsabilidade
por danos ambientais é extensível às áreas fora da jurisdição dos Estados, como por ex.,
ao alto-mar.

A partir da década de 60 do séc. XX, o crescimento populacional, a


implementação de ideologias capitalistas de apoio ao desenvolvimento económico e o
consumismo desenfreado, o afastamento das pessoas das vidas simples no campo e as
migrações para as cidades, despertariam uma consciência mais ecológica face à
crescente pressão sobre os recursos naturais e suas devastadoras consequências, quer
para a humanidade, quer para a própria economia.

As catástrofes ecológicas, tais como as marés negras provocadas pelo naufrágio do


petroleiro Torrey Canyon4 que afetaram a costa francesa, inglesa e belga em 1967,
incitaram os governos a agir.

Em 1962, a Assembleia Geral das Nações Unidas adota a resolução 1831


(XVII), mediante a qual se considera fundamental conciliar a preservação dos recursos
3
Aqueles, instrumentos do direito não vinculantes; estes, instrumentos do direito vinculantes, i.e., os Tratados e Costume são hard law porque são
imperativos e vinculantes; já soft law consubstancia normas ou princípios que expressam os valores da comunidade internacional, mas não são
vinculantes, não obstante, devem ser respeitados pelos estados, estando desprovidas de qualquer sanção, pois os Estados não lhes atribuem efeitos
jurídicos – caso desrespeitadas, o Estado não incorre em nenhuma sanção, mas pode ter uma manifestação de desaprovação pela comunidade
internacional, i.e., a própria sociedade internacional pode entender que aquele Estado não segue os seus valores comunitários – consequência política,
mas não jurídica – exemplos temos como a Declaração do Rio de Janeiro sobre o Meio Ambiente que é um instrumento de soft law, bem contenha
disposições que relembram aos Estados da existência de normas de hard law; essa declaração faz referência ao princípio da cooperação, que não é soft
law mas hard, o instrumento, que é a declaração, é que é, em si, soft law.
4
As medidas tomadas para reforçar a segurança e reduzir a poluição resultante destes acidentes levaram a uma diminuição importante quer dos
acidentes, quer da poluição por hidrocarbonetos. Não há, no entanto, motivo para complacências. Com o desastre do Torrey Canyon, a atitude dos
cidadãos europeus passou bruscamente da aceitação relutante da poluição como um preço a pagar pelo desenvolvimento económico para a intolerância
e a indignação. É de salientar que nenhum outro tipo de desastre marítimo levou jamais à deterioração de áreas tão extensas do meio marinho e causou
tanto impacto nas vidas e atividade económica de tão grande número de pessoas. Consequentemente, embora seja de saudar a tendência para uma
melhoria da segurança dos petroleiros, é evidente que muito mais pode e deve ser feito para tentar eliminar os acidentes desta natureza.
naturais, da fauna e da flora, com o desenvolvimento económico – cabe referir que já
nesta resolução constava um dos fins do PEE (Pacto Ecológico Europeu), que respeita à
separação da lógica causal entre crescimento económico e a utilização de recursos, no
entanto, apenas como embrião, i.e., é um dos objetivos do PEE a sustentabilidade, que
se traduz, atualmente, num desígnio, visto que ainda não é possível ter desenvolvimento
económico, sem ser gerada pegada ecológica em virtude desse desenvolvimento; na
resolução mencionada, consta o princípio do desenvolvimento sustentável, o cujo
postula que todo o desenvolvimento económico deve ser harmonizado e
compatibilizado com técnicas e mecanismos que atenuem ou minorem o prejuízo
ambiental.

Desta forma, a riqueza dum país não se deverá medir apenas pelo desenvolvimento
económico, mas também pelo estado de conservação da natureza de cada território
soberano.

O conceito de integração da proteção do ambiente nas políticas e ações


económicas é alguns anos mais tarde evidenciado na Conferencia das Nações Unidas
sobre o Meio Ambiente Humano5, realizada em Estocolmo (1972).

Em 1987 seria divulgado um documento da Comissão Mundial sobre o Meio


Ambiente e o Desenvolvimento, com o slogan Nosso Futuro Comum, no qual se incita
“ao desenvolvimento que procura satisfazer as necessidades da geração atual, sem
comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem as suas próprias
necessidades” possibilitando que “as pessoas, agora e no futuro, atinjam um nível
satisfatório de desenvolvimento social e económico e de realização humana e cultural,
fazendo, simultaneamente, um uso racional dos recursos da terra e preservando as
espécies e os habitats naturais”6.

Começava-se aqui a desenhar o conceito de desenvolvimento sustentável,


elevado mais tarde a princípio, consagrado em vários instrumentos internacionais, em
Constituições e leis ambientais nacionais, como exemplo disso a nossa, que na sua
revisão de 1997, adotou esse princípio no n.º 2 do seu art. 66º. Este princípio apela à
construção de economias mais ecológicas, de acordo com os valores da justiça social
intra e intergeracional. A geração presente tem o direito de utilizar os recursos naturais,

5
https://cetesb.sp.gov.br/posgraduacao/wp-content/uploads/sites/33/2016/09/Declara%C3%A7%C3%A3o-de-Estocolmo-5-16-de-junho-de-1972-
Declara%C3%A7%C3%A3o-da-Confer%C3%AAncia-da-ONU-no-Ambiente-Humano.pdf
6
https://sustainabledevelopment.un.org/content/documents/5987our-common-future.pdf
mas tem também a obrigação de prevenir os danos ao ambiente, para que as gerações
futuras possam igualmente usufruir da natureza. Assim, é um dever dos Estados
combater as desigualdades sociais através da criação de empregos que não coloquem em
risco a natureza; implementar sistemas de partilha justa e equitativa dos benefícios
decorrentes do acesso sustentável aos recursos biológicos e aos conhecimentos
tradicionais a estes associados dos povos indígenas e das comunidades locais, o que
implica também o reconhecimento e respeito das terras e costumes indígenas, a não
discriminação, o combate às desigualdades entre Estados através da criação de meios de
acesso aos recursos naturais e tecnológicos, bem como a gestão racional dos recursos
naturais para as gerações presentes e futuras – aqui ínsita a ideia de “não deixar
ninguém para trás”, consubstanciada atualmente como um dos fins do PEE. Acresce
ainda que os Estados devem rever regularmente as suas políticas e planos, promulgar
leis eficazes, reformar as instituições, de forma a integrar a proteção do ambiente em
todas as áreas, adotando todos os métodos e aplicando todos os princípios que possam
ajudar nesta missão. A implementação do desenvolvimento sustentável depende da boa
governação.

O desenvolvimento sustentável será também uma questão central nos importantes


fóruns internacionais que se seguiram a Estocolmo, nomeadamente, na Conferência das
Nações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento (já referida), e na Cimeira
Mundial sobre o Desenvolvimento Sustentável, que decorreu em Joanesburgo em 20027.

O desenvolvimento sustentável será também várias vezes invocado pela jurisprudência


internacional.

Na decisão do TIJ (Tribunal Internacional de Justiça) que responsabiliza a Hungria


pelos danos causados à Eslováquia em virtude da suspensão e abandono da construção
do sistema de barragens Gabcikovo-Nagymaros e condena igualmente a Eslováquia a
compensar a Hungria pelos danos causados pelo desvio do rio Danúbio, sendo invocada
a necessidade de ambos os Estados envolvidos no caso de tomarem medidas que
permitam “conciliar o desenvolvimento económico com a proteção do ambiente, de
acordo com um conceito de desenvolvimento sustentável”8.

7
https://www.cm-ansiao.pt/agenda21local/docs/1_declaracoes/Declara%C3%A7%C3%A3o%20Joanesburgo.pdf
8
§140 “sustainable development”
Com um aumento das negociações e organizações internacionais ambientais nas
últimas décadas, têm-se ouvido apelos a um enquadramento das normas ambientais
internacionais de acordo com uma abordagem menos antropocêntrica ou utilitarista da
relação entre o homem e a natureza, e mais biocêntrica. Tal perspetiva tem encontrado
resistências por parte de alguns Estados, consequente e infelizmente, pois os
compromissos ambientais vinculantes que são assumidos são facilmente quebrados, sem
nenhuma consequência, ou sem consequências eficazes para os Estados que se
desvinculam das suas obrigações. Alguns Estados só se vinculam a normas
internacionais quando estas lhe trazem alguma vantagem direta ou indireta nas relações
com outros Estados e organizações internacionais, em especial, benefícios económicos.

É com esta realidade em mente que se entende ser importante prever nos Tratados
mecanismos económicos e financeiros, de forma a facilitar o cumprimento dos Tratados
ambientais, sobretudo quando estes são entendidos como uma ameaça ao
desenvolvimento económico. Por exemplo, o problema das alterações climáticas só
pode ser resolvido de forma global. A Convenção quadro sobre as alterações climáticas
de 1992 (CQNUAC) e os acordos subsequentes como o Protocolo de Kyoto ou o mais
recente Acordo de Paris, desenvolveram um conjunto de obrigações de carácter
económico, como por exemplo, a figura do comércio de títulos de emissões de gases
com efeito de estufa, com o intuito de diminuir as emissões de gases com efeito de
estufa sem impedir o total desenvolvimento económico. Ademais, o princípio previsto
na Declaração do Rio de Janeiro de 1992, da responsabilidade comum, mas diferenciada
entre Estados, que viria a ser um princípio central em vários assuntos ambientais, em
particular no âmbito das alterações climáticas, veio reforçar a necessidade de ajuda
financeira dos países em desenvolvimento aos países mais pobres, de forma a os ajudar
a cumprir as obrigações dos tratados. Este princípio parte da constatação de que, durante
décadas, os países desenvolvidos contribuíram para uma maior pressão sobre os
recursos naturais, obtendo o seu desenvolvimento económico à custa da degradação do
planeta, pelo que, apesar da responsabilidade de proteger o ambiente ser comum a todos
os Estados, os países desenvolvidos devem ter obrigações adicionais, em especial no
que diz respeito à cooperação tecnológica e à assistência financeira.
Desta realidade decorre também a importância do recurso ao soft law para que os
problemas ambientais não sejam esquecidos, na medida em que este pode orientar
políticas nacionais, decisões judiciais e, com o tempo, ser consagrado em tratados ou,
com a prática reiterada dos Estados e a convicção da sua obrigatoriedade, dar origem ao
costume internacional.

No que diz respeito às questões ambientais, o soft law compreende as declarações,


decisões, recomendações e resoluções aprovadas pelos Estados em cimeiras ambientais
ou conferências das partes aos tratados ou emitidas por organizações internacionais que,
não tendo a força jurídica de um tratado, não são obrigatórias, mas podem ser úteis na
interpretação do direito internacional e no preenchimento de lacunas, como inspiração
nas decisões políticas, legislativas, judiciais e empresariais, bem como ser relevantes
para o nascimento da norma ambiental internacional. Apesar de não ser juridicamente
obrigatório, o soft law não é desprovido de força legal. Ele fixa parâmetros dos
comportamentos esperados dos Estados, sem que exista uma coerção ou ordem a guiá-
los. Deve ser respeitado pelos Estados pois representa o conjunto de valores
reconhecidos como vitais para a humanidade.

As questões de proteção do ambiente mexem com o desenvolvimento económico e com


a soberania de um Estado. Negociar tratados demora muito tempo. Por estas razões,
conseguir um consenso a nível internacional nem sempre é fácil.

Lembremo-nos, por exemplo, do tempo que foi necessário para encontrar um sucedâneo
ao Protocolo de Quioto de 1997 à CQNUAC, o Acordo de Paris de 2015 ou o número
de anos para se obter um consenso sobre o texto da CNUDM.

São bem conhecidas as resistências de alguns Estados a se vincularem


internacionalmente a obrigações ambientais que ameaçam abrandar o seu
desenvolvimento económico ou comprometer a sobrevivência de certos sectores
industriais, altamente poluentes. Lembremo-nos, por exemplo, do comportamento do
presidente norte-americano Donald Trump em relação ao Acordo de Paris à CQNUAC.
Não são raras as ocasiões em que os Estados se afastam de tratados ambientais sem
consideração pelo direito internacional. Outras vezes, os Estados não se sentem
preparados internamente para assumir certos compromissos ou as formas de os cumprir,
tendo tais compromissos de ser melhor ponderados face a factos sociais, científicos ou
económicos. Acresce ainda que a maior parte dos tratados multilaterais ambientais faz
depender a sua entrada em vigor da ratificação de um número mínimo de Estados. Tal
acontecimento pode protelar-se no tempo ou mesmo não acontecer. O processo de
negociação de um tratado até à vinculação internacional do Estado é árduo, não
acompanhante do ritmo da degradação do planeta nem da urgência de responder aos
problemas ambientais globais.

Desta forma, a adoção de soft law apresenta-se como um abre-caminho para a solução
urgente dos problemas ambientais, possibilitando que os Estados se unam em torno de
um consenso sobre o dever de agir sem a necessidade de se esperar pelo fim do moroso
processo de entrada em vigor de um tratado multilateral. O soft law servirá assim de
fonte de interpretação dos tratados, podendo ser incorporado por estes e até se
transformar em costume.

Neste contexto, Dinah Shelton aponta alguns aspetos que justificam a relevância do soft
law, nomeadamente a sua capacidade de permitir codificar a norma internacional
consuetudinária, ajudando a melhorar a sua precisão através de um texto escrito;
consolidar uma tendência em relação a uma norma particular, superando as visões
divergentes, e pressionando os organismos que têm pouco ou nenhum poder de
influência para discordar sobre o desenvolvimento de normas a que se vão submeter;
ajudar e preceder a formação da norma internacional consuetudinária; consolidar a
opinião política em relação à necessidade de ação de um novo problema, fomentando o
consenso necessário às negociações de tratados ou de normas de soft law futuras;
preencher as lacunas dos tratados; ser parte da subsequente prática dos Estado na
interpretação dos tratados; fornecer orientação ou servir de modelo para às leis
nacionais, sem obrigação internacional.9

São exemplos de soft law ambiental: a declaração de princípios da Conferência de


Estocolmo de 1972, a Declaração do Rio de Janeiro de 1992, os princípios da Agenda
21, recomendações ou decisões das conferências das partes aos tratados multilaterais
ambientais com a finalidade de clarificar as disposições dos tratados ou de incentivar o
seu cumprimento, memorandos de entendimento (ex: memorando de entendimento
sobre cooperação ambiental entre os Estados Unidos e o Bahrain), códigos de conduta

9
Cf. DINAH SHELTON, Soft Law. Handbook of International Law. George Washington University Law School, Routledge Press, 2008, p. 8
(ex: código mundial de ética do turismo), a Carta Mundial da Natureza de 1982, a
Declaração de Joanesburgo sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2002, as Diretrizes
de Montreal, de 1985, da autoria do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA) para a proteção do meio ambiente marinho, o Pacto Global das
Nações Unidas, entre outros.

Nem sempre é fácil distinguir soft e hard law. Algumas disposições aparecem em
tratados, como por exemplo, as cláusulas de ratificação e de entrada em vigor. No
entanto, como bem sublinha Dinah Shelton, algumas características do hard law
também podem aparecer no soft law, é o caso, por exemplo, das reservas dos Estados a
um instrumento soft law, sendo exemplo a reserva dos Estados Unidos à Declaração do
Rio de Janeiro de 1992 no que diz respeito ao seu direito ao desenvolvimento.10

Entende-se também que o incumprimento de hard law acarreta consequências legais e


que da violação de soft law decorrem consequências políticas.11

Todavia, nem sempre assim é. Muitos dos instrumentos jurídicos ambientais são
tratados de cooperação ou criados de acordo com um fundamento de cooperação. O
incumprimento das obrigações destes tratados tem acarretado, na prática, meras
consequências políticas, ou até nenhuma consequência. Por sua vez, verifica-se que "o
insucesso na implementação de normas de soft law pode resultar em sanções
retaliatórias indistinguíveis de simples contramedidas na lei de responsabilidade do
Estado".12

Ademais, os efeitos políticos ou morais do não cumprimento das normas de soft law
ambiental, como a pressão política, podem ser mais relevantes do que os efeitos do não
cumprimento de um tratado, impelindo os Estados a assumir compromissos
internacionais vinculativos, ou a transpor para o seu ordenamento interno o soft law.

10
Cf. DINAH SHELTON, Soft Law. Handbook of International Law, pp. 5-6. Ver Questões, Casos e Materiais, docs. 259, 260, 261, 262 e 263.

11
Cf. JOÃO HENRIQUE SOUZA DOS REIS e LIVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO, Razões para a Utilização de Normas de Soft Law no Direito
Internacional do Meio Ambiente. Revista Brasileira de Direito Internacional. Volume 4, n.º 1, 2018, p. 90.

12
CfJOÃO HENRIQUE SOUZA DOS REIS E LIVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO, Razões para a Utilização de Normas de Soft Law no Direito
Internacional do Meio Ambiente, 90 e DINAH SHELTON, Soft Law. Handbook of International Law, p. 6.
Diversos tratados internacionais ambientais incorporam normas de instrumentos soft
law.

Se no passado o conteúdo desses princípios poderia ser entendido, por alguns Estados,
como um ataque à sua soberania, hoje são aceites como obrigatórios. Por exemplo,
segundo o princípio 19 da Declaração do Rio "Os Estados deverão notificar, prévia e
atempadamente, os Estados potencialmente afetados, e fornecer-lhes todas as
informações pertinentes sobre as atividades que possam ter um efeito transfronteiriço
adverso significativo sobre o ambiente, e deverão estabelecer consultas atempadamente
e de boa-fé com esses Estados." O dever de notificação e de informação é um
imperativo da prevenção de danos ambientais e está também consagrado na Declaração
do Rio nos seguintes termos: "Para que o ambiente seja protegido, será aplicada pelos
Estados, de acordo com as suas capacidades, medidas preventivas. Onde existam
ameaças de riscos sérios ou irreversíveis não será utilizada a falta de certeza científica
total como razão para o adiamento de medidas eficazes em termos de custo para evitar a
degradação ambiental." (princípio 15). Não só a prevenção é aqui evidenciada como
também a precaução. O princípio da prevenção evoluiu com base na certeza entre os
efeitos de determinada ação e o dano ambiental, enquanto o princípio da precaução é o
resultado do desenvolvimento tecnológico e da incerteza científica quanto aos efeitos
que novas aplicações, usos ou ações podem provocar no ser humano e no ambiente.13

A nível internacional, o princípio da precaução é adotado pela primeira vez em 1987, na


segunda conferência internacional sobre a proteção do mar do Norte: as emissões de
poluição potencialmente poluentes devem ser reduzidas mesmo quando não exista prova
científica evidente do nexo de causalidade entre as emissões e os efeitos provocados.14

Os deveres de notificação, informação, prevenção e precaução, para além de outros,


como o desenvolvimento sustentável, foram, ao longo dos anos, reiterados, aparecendo
em várias resoluções e recomendações de organizações internacionais, tais como o
PNUMA e a Assembleia Geral das Nações Unidas, em declarações, como por exemplo
o parágrafo 7 da Declaração Ministerial de Bergen de 1990, o preâmbulo da Declaração
13
Ver Questões, Casos e Materiais, docs. 264, 265, 266 e 272.
14
Cf. Declaração Ministerial da Segunda Conferência Internacional sobre a Proteção do Mar do Norte, Londres, 1987; LUCA M. FALOMO,
L'Incidenza del Trattato di Maastricht sul Diritto Comunitario Ambientale, Rivista di Diritto Europeo n.º3 Luglio-Settembre 1992, P. 598.
de Haia de 1990, na resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas 1831 (XVIII) de
1962 ou na resolução, também deste órgão, 3129 (XXVIII) de Dezembro de 1973, antes
mesmo de serem incluídos nos tratados internacionais ou aplicados pelo TIJ, pelo que,
quando normas de soft law são emitidas várias vezes no mesmo sentido, mesmo não
sendo juridicamente obrigatórias, ajudam a expressar a opinio juris da comunidade
internacional acerca de determinado assunto, pela reiteração de princípios idênticos", o
que é fundamental, juntamente com a prática reiterada de condutas dos Estados para
fazer nascer o costume.15

O contributo do soft law na área ambiental é, assim, um dos impulsos para repensar
doutrinalmente quais são as atuais fontes de direito internacional ou as formas de
produzir a norma internacional.

Apesar da importância do soft law na criação da norma ambiental internacional, os


tratados continuam a ser uma importante fonte nesta matéria. Mais do que
transfronteiriços, os problemas ambientais são, na sua maioria, globais. Assim se
justifica a importância de se aprovar tratados multilaterais que sejam ratificados por um
maior número de Estados.

Os tratados não preveem somente direitos e obrigações para as partes. Eles dispõem
também sobre as estruturas administrativas próprias de auxílio às partes na sua missão
de cumprir o tratado e de o fazer evoluir, bem como mecanismos financeiros de ajuda
aos países em necessidade. Acresce ainda que o direito internacional dotou os Estados
de meios para contornar a morosidade do processo de vinculação a um texto de tratado e
da adoção de medidas nacionais para cumprir os tratados, e, por conseguinte, permitir
acompanhar os avanços científicos e o aparecimento repentino de novos problemas para
os quais é necessária uma resposta imediata. As obrigações de um tratado podem ser ou
não imediatamente exequíveis. As obrigações que não são imediatamente exequíveis
dependem da criação de medidas legislativas, políticas e administrativas a nível
nacional, sem as quais não é possível cumprir o tratado. As obrigações imediatamente

15
Cf. JOÃO HENRIQUE SOUZA DOS REIS E LIVIA GAIGHER BÓSIO CAMPELLO, Razões para a Utilização de Normas de Soft Law no Direito
Internacional do Meio Ambiente, p. 100 e PIERRE-MA- RIE DUPUY, Soft Law and the International Law of the Environment. Michigan Journal of
International Law, Vol. 122 ed. Michigan - Estados Unidos da América 1991, p. 432.
exequíveis podem ser aplicadas pelos poderes internos, sem que seja necessário a
adoção de medidas para as tornarem exequíveis.

Em conclusão a este subcapítulo, importa referir que a norma internacional ambiental é


uma norma de direitos humanos. A vida humana depende da preservação da natureza.
Os desequilíbrios decorrentes das alterações climáticas, da escassez de recursos
naturais, têm e terão consequências devastadoras: desaparecimento de territórios pela
subida do nível do mar, o aumento das desigualdades, dos conflitos pelo controlo dos
recursos naturais, dos movimentos migratórios de fuga à fome e à guerra e a
consequente pressão populacional sobre as cidades, o abandono de terras e a perda de
conhecimentos tradicionais, tornando as regiões desertificadas e mais vulneráveis a
catástrofes. Várias resoluções do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas
chamam à atenção para o impacto da degradação do ambiente nos seres humanos.16

Apesar da jurisprudência sobre os direitos humanos, nem sempre encarar o ambiente


como um interesse juridicamente autónomo, aliando a sua tutela ao direito à vida ou ao
respeito pela vida privada e familiar, os riscos e danos ambientais são uma ameaça e
prejuízo não só para o ambiente como para a vida e a saúde das pessoas e podem ainda
estar relacionados com a privação de outros direitos humanos, como a liberdade de
expressão ou a participação na vida pública.17

Assim, a norma internacional ambiental é uma norma que visa a proteção da natureza
por si mesma contra o desenvolvimento económico desregulado e irracional, mas
também é uma norma não desconectada do impacto que a degradação do planeta pode
ter sobre os seres humanos.

16
Por exemplo, o preâmbulo da resolução 7/23 de 28 de março de 2008, § 1 da resolução 9/1 de 24 de Setembro 2008, resolução 10/4 sobre os direitos
humanos e as alterações climáticas, resolução 10/12 de 26 de Março de 2009 sobre o direito à alimentação, resolução 9/6 de 24 de Setembro de 2008,
bem como outros instrumentos internacionais que incidem sobre os direitos humanos, tais como Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da
Criança no seu artigo 24 n.º 2 alínea c).
17
Cf. Sobre a autonomia do ambiente na jurisprudência dos tribunais de direitos huma nos, Carla Amado Gomes, ao apreciar a decisão SERAP c.
Nigéria (ECW/CCJ/JUD/18/12) do Tribunal de Justiça da Comunidade Económica dos Estados do Sudoeste Africano, que opõe a organização não-
governamental SERAC à Nigéria quanto aos direitos do Povo Ogoni, chama atenção para o facto do Tribunal ter considerado que o artigo 24 da
Carta de Banjul sobre o direito ao meio ambiente, "congloba todos os direitos alegadamente violados: à vida, à dignidade, à informação, ao trabalho,
à propriedade, ao desenvolvi mento, à utilização dos recursos naturais e à repartição dos benefícios que deles advêm.
Cf. CARLA AMADO GOMES, Artigo 24. Comentário lusófono à Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos. Coordenação Patrícia Jerónimo,
Rui Garrido e Maria Assunção Vale Pereira. Observatório Lusófono dos Direitos Humanos da Universidade do Minho (OLDHUM) Direitos Humanos
- Centro de Investigação Interdisciplinar (DH-CII), 2018, pp. 257 e 258.
O direito de cada ser humano a um ambiente saudável tem sido reconhecido e invocado
internacionalmente, ajudando a prosseguir objetivos de proteção das pessoas e, ao
mesmo tempo, de preservação da natureza.18

Num caso envolvendo a Nigéria, submetido ao TIJ, foram invocados os direitos


humanos no contexto da proteção contra danos ambientais. O Equador argumentou que
as pulverizações aéreas com herbicida de campos de papoilas e de coca, por parte da
Colômbia, causaram danos aos equatorianos, às suas colheitas, animais e ao meio
ambiente, pelo que a Colômbia teria violado os princípios da integridade territorial do
Equador, da prevenção de danos ambientais e direitos humanos.

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) tem invocado o direito ao ambiente
aquando da violação de vários artigos da Convenção Europeia dos Direitos do Homem
(CEDH), em especial o art. 8º, relativo ao direito de respeito pela vida privada e
familiar, no âmbito, v.g., da poluição cuja responsabilidade seja imputável aos Estados,
em virtude das ações das entidades públicas, porque ora não adotou: legislação; outras
medidas necessárias para evitar a poluição por parte de entidades privadas. Neste
contexto, o TEDH tem considerado que os Estados devem implementar medidas
legislativas e administrativas adequadas para prevenir os danos ao ambiente e proteger a
saúde, bem como tem identificado obrigações detalhadas sobre o procedimento de
autorização de projetos com impacto no meio ambiente, o acesso a um recurso eficaz, a
avaliação de forma antecipada dos riscos para a saúde e o ambiente, de acordo com o
princípio da precaução ou a importância da participação pública nas questões
ambientais.19

A afirmação da norma ambiental como norma de direitos humanos e a sua eficácia na


resposta às questões ambientais depende do fortalecimento do direito de participação

18
Por exemplo, no artigo 24 da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos de 1981 (Carta de Banjul) e no artigo 11 do Protocolo Adicional
de 1988 à Convenção Americana dos Direitos Humanos (CADH).
19
Cf. Ver por exemplo: TEDH, Lopez Ostra c. Espanha, n.º 16798/90, 9 de dezembro 1994; TEDH. Hatton-I c. n.º 36022/97, 2 de outubro 2001)
TEDH. Hatton II c., n.º 36022/97, 8 de julho 2003; TEDH, Öneryildiz, n.º 48939/99. 30 de novembro 2004; TEDH, Kyrtatos, n° 41666/9822 de agosto
2003, TEDH. Maria Guerra c., Itália n.º 116/1996/735/93219 de fevereiro 1998. Ver Questões, Casos e Materiais, doc. 254.
pública20 e acesso à informação e justiça das organizações não-governamentais (ONGs),
associações, empresas, indivíduos, povos indígenas e comunidades locais.21

Estes atores têm contribuído para a evolução do direito internacional do ambiente, quer
através da pressão política e moral que exercem sobre os governos quer através da sua
participação nas delegações dos Estados nas COP – Conference of the parties – dos
tratados internacionais.

A boa governação ambiental depende da intervenção positiva desses novos atores na


cena internacional, o que representa novos desafios para o sistema jurídico internacional
e, simultaneamente, uma oportunidade para o desenvolvimento em benefício da
natureza e da humanidade.

2. A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL POR FACTOS ILÍCITOS E


LÍCITOS NO CONTEXTO DA PROTEÇÃO E CONSERVAÇÃO DO
AMBIENTE

As ameaças e ataques à natureza com origem num território soberano nem sempre se
detêm nas fronteiras desse território. Os ecossistemas são interdependentes e, em alguns
casos, a sua gestão é partilhada entre vários Estados, pelo que um problema que pode
inicialmente ser puramente interno, pode adquirir uma dimensão transfronteiriça. Neste
âmbito, e tal como anteriormente referido, o Estado tem o direito de explorar os seus
recursos naturais, mas deve zelar, pelos meios políticos, legislativos, administrativos,
judiciais, entre outros ao seu dispor, para que as atividades realizadas no seu território
não constituam uma ameaça ou provoquem um dano a outros Estados, ou em espaços
onde nenhuma soberania é exercida.

Todavia, as ameaças ou danos ambientais transfronteiriços podem provir quer de


atividades de entidades públicas como privadas.22
20
Como o consagra a nossa Constituição, no seu art. 66º
21

22
São várias as catástrofes ambientais que têm assolado o planeta Terra nas últimas décadas com efeitos transfronteiriços. Bhopal 1984, Chernobyl
1986, a poluição do Rio Reno, em 1986, com origem em descargas de produtos químicos efetuadas na cidade de Basileia, a poluição do Rio Danúbio,
Para além das normas sobre a responsabilidade internacional dos Estados, as fontes do
direito internacional abrangem também normas relativas à responsabilidade civil
internacional de operadores públicos e privados por danos ambientais.

Desta forma, o presente subcapítulo incide sobre a responsabilidade internacional dos


Estados, em contexto ambiental, interpretada em sentido lato, ou seja, por factos lícitos
e ilícitos que afetem ou ameacem território soberano, ou territórios não submetidos a
nenhuma jurisdição. Apesar da reparação de danos ambientais ser um aspeto importante
da responsabilidade internacional, a norma ambiental tem por finalidade a proteção e a
conservação da natureza.

O conceito de proteção está relacionado com um dever de agir ou de omissão de


condutas prejudiciais para que danos ambientais sejam evitados. A preservação,
embora dependa de ações de proteção, contém em si a ideia de justiça intergeracional,
ou seja, tem por finalidade assegurar o direito das gerações presentes e futuras de
usufruírem do ambiente e dos recursos naturais.

Assim, em matéria de responsabilidade internacional por riscos ou danos ambientais, a


prevenção e a precaução, aliadas ao dever de cooperação, ou, por outras palavras, a
cooperação preventiva, assumem uma destacada importância.

Mesmo nos casos em que o dano não resulta da violação de uma obrigação internacional
de prevenção, as medidas adotadas, que face aos conhecimentos técnicos e científicos
da época são consideradas as mais adequadas, podem ser repensadas pelos Estados,
pelas organizações internacionais e pelos operadores.

em 2000, com origem em descargas na Baia Mare no norte da Roménia, a explosão no golfo do México, em 2010, da plataforma de extração Deep
water Horizon pertencente à empresa British Petroleum, entre outras. Assim se justifica a preocupação internacional com a responsabilidade pelos
danos causados por atividades perigosas, mas não proibidas pelo direito internacional.
Analisaremos a relevância da cooperação relacionada com medidas de prevenção e
precaução na determinação da responsabilidade internacional dos Estados e na definição
e aplicação do princípio do poluidor pagador no contexto da responsabilidade
internacional por danos ambientais com origem em atividades perigosas.

2.1. A relevância da cooperação, prevenção e precaução na determinação da


responsabilidade internacional dos Estados

O direito internacional do ambiente tem evoluído segundo uma lógica de cooperação


entre Estados para a prevenção de danos.

A obrigação de cooperação é uma norma primária, cujo conteúdo, neste domínio,


abrange medidas procedimentais de cariz preventivo quanto à ocorrência de riscos e
danos ou de controlo dos seus efeitos, tais como: a avaliação de impacto ambiental; o
intercâmbio de informações científicas e tecnológicas; a transferência de tecnologia em
benefícios dos países menos desenvolvidos; informação, notificação e consultas sobre
atividades e projetos com impacto transfronteiriço negativo sobre o meio ambiente,
incluindo no âmbito do dever de avaliação de impacto ambiental; a assistência mútua
nos casos de ameaças sobre o ambiente, bem como no âmbito da contenção e reparação
dos prejuízos ambientais; monotorização do estado dos ecossistemas e fiscalização de
atividades perigosas.

Apesar das obrigações de prevenção e da precaução serem, por si mesmas, normas


primárias, são várias as decisões das instâncias internacionais que propõem, como
solução para um diferendo entre Estados, a cooperação preventiva, ou seja, medidas de
cooperação que tenham por finalidade a aplicação dos princípios da prevenção e
precaução.

Neste âmbito, no caso Mox, Irlanda c. Reino Unido, 2001, o tribunal internacional do
direito do mar (TIDM) considerou que "a obrigação de cooperação é (…) um princípio
fundamental em matéria de prevenção da poluição do meio marinho." (§ 82) [...] Desta
forma, a Irlanda e o Reino Unido deviam cooperar, de acordo com as exigências de
prudência e precaução, através do intercâmbio de informações sobre os riscos e efeitos
que poderão resultar das operações da fábrica Mox, bem como, no mesmo espírito de
cooperação, adotar os meios para fazer face a estes riscos (§ 84).

Tendo em conta os tratados e a jurisprudência, a cooperação preventiva engloba um


conjunto de procedimentos.

No domínio das obrigações de comunicação entre Estados, a par das consultas e


notificações prévias, destaca-se a importância da obrigação de disseminação de
informação científica e tecnológica para a proteção da fauna e flora, bem como para a
diminuição de poluentes.

Os tratados que incidem sobre cooperação preventiva podem conter normas de conduta
e normas de resultado. As normas de conduta impõem aos Estados a obrigação de adotar
os meios para atingir o fim pretendido de prevenção de danos, de minimização do risco
de atividades perigosas, etc... Um Estado não cumpre a norma de conduta quando não
adota os meios fixados pelo direito internacional, mesmo se o resultado danoso se não
tiver produzido. Desta forma, o incumprimento da norma de conduta começa a partir do
momento em que o Estado deveria adotar os procedimentos por ela fixados. Tal
incumprimento dá origem a uma responsabilidade internacional por factos ilícitos.

As normas de resultado impõem aos Estados o dever de atingir os objetivos a serem


alcançados, por exemplo, não poluir, utilizar de forma sustentável os recursos naturais,
etc.…, permitindo-lhes a escolha livre dos meios para atingir os objetivos pretendidos.
Assim, um Estado não cumpre uma norma de resultado quando ocorre um dano, ou seja,
uma poluição ou o esgotamento ou ameaça de esgotamento de recursos naturais. No
entanto, na obrigação de resultado o Estado pode ter de adotar determinadas condutas. E
nas obrigações de conduta também existe algum tipo de resultado.
A diferença entre obrigação de conduta e de resultado está relacionada com a
especificidade da norma primária. Na primeira obrigação (de conduta), o que se espera
do Estado é a realização de uma conduta que se encontra especificada na norma cujo
cumprimento é essencial para alcançar o objetivo pretendido. Na segunda, a conduta
não se encontra especificada na norma, podendo o Estado escolher a forma que entender
para cumprir o objetivo pretendido. Se o objetivo pretendido for cumprido, como por
exemplo, a inexistência de poluição, entende-se que o Estado cumpriu a norma.

As obrigações de conduta impelem o Estado a adotar o máximo de esforço para atingir


o objetivo da norma. Se um Estado adota o procedimento previsto para prevenir o
dano, não significa que o dano não irá ocorrer, mas evidencia o facto de que o Estado
adotou o máximo de esforço para evitar a ocorrência do dano. Sendo assim, as
obrigações de conduta são obrigações que têm como padrão a due diligence.

O dever de diligência é uma conduta de boa governança para proteger o meio ambiente.
É uma conduta que deve ser exercida de acordo com o princípio de boa-fé e impele os
Estados a regularem as atividades públicas e privadas sob a sua jurisdição.23

Não cumpre com as obrigações de cooperação preventiva o Estado que, através dos seus
órgãos ou através de pessoas que atuam por sua conta, não empreende o máximo de
esforços para monitorizar e minimizar o risco, de forma a prevenir o dano.

No que diz respeito à responsabilidade do Estado por factos ilícitos em virtude de ações
ou omissões cometidas por pessoas de direito privado que atuam por conta do Estado,
nomeadamente no exercício de serviços públicos, entende Guido Soares, em
conformidade com a Comissão de Direito Internacional que "os únicos vínculos
admissíveis entre a pessoa de direito privado e o Estado, que podem legitimar a
responsabilidade internacional deste, são [os] atos de jure ou de facto típicos do
exercício de uma função de órgão estadual, sendo irrelevantes as circunstâncias relativas
23
Cf. ALEXANDRE KISS E DINAH SHELTON, Guide To International Environmental Law, Leiden: Martinus Nijhoff, 2007, p. 91.
à nacionalidade das pessoas mencionadas, do Estado a quem se atribui o ilícito, ou ainda
irrelevante terem elas residência ou domicílio no território do mesmo. Em termos de
proteção internacional do meio ambiente, são evidentes as consequências benéficas de
tal princípio que o sistema de responsabilidade subjetiva do Estado engendra: não
havendo possibilidade de dissociar-se, no direito internacional, em termos de
responsabilidade do Estado, a conduta das pessoas de direito privado das pessoas do
próprio Estado, o efeito é dar causa para os Estados adotarem leis internas, que estejam
mais conformes com as suas obrigações internacionais, com a consequente
determinação de exigirem o cumprimento delas pelas pessoas que lhes são sujeitas.

Assim, a adoção de medidas procedimentais de cooperação preventiva serve de


parâmetro para verificar se o Estado cumpriu o padrão da diligência devida. Por outras
palavras, o Estado cumpre a obrigação de prevenção com diligência quando: adota
legislação interna em conformidade com as normas internacionais de cooperação
preventiva e aplica essas normas, nomeadamente quando realiza estudos de impacto
ambiental, relatórios, consultas prévias e notificações sobre projetos que possam ter
efeitos transfronteiriços, partilha tecnologia e informação, fiscaliza e monitoriza os
riscos de atividades perigosas, entre outros procedimentos criados ao abrigo dos
princípios do direito internacional do ambiente de prevenção, precaução e
desenvolvimento sustentável.

No entanto, apesar da due diligence se referir a um padrão mínimo de conduta por parte
de um Estado, quanto maior for o risco de uma atividade, maior deverá ser a exigência
relativa à conduta do Estado, ou seja, maior será o empenho exigido, ao Estado, na
adoção de medidas preventivas.24

A cooperação preventiva tem um conteúdo evolutivo, acompanhando, muitas vezes, a


materialização do risco em dano, ou seja, as catástrofes da história. O que em 1970 ou
80 era considerado apto para prevenir danos, hoje pode ser considerado manifestamente
insuficiente. Desta forma, faz sentido aplicar o princípio da precaução. Não só a
prevenção é um dever de due diligence mas também a precaução o é. A ausência de

24
Cf. ILC, Yearbook of the International Law Commission, 1999, volume II, part 1. A/ CN.4/SER.A/1999/Add. I (Part 2). New York: United Nations,
1999, p. 118, § 32.
certeza científica não deve motivar o adiamento de medidas de prevenção de danos, de
acordo com o uso da melhor tecnologia disponível.

A ausência de certeza científica não significa ausência de ciência e de dados científicos


sobre os efeitos de determinada atividade, mas tão-só que os estudos científicos não são
conclusivos ou defendem posições divergentes, ou ainda que se desconhecem todos os
efeitos de certas atividades sobre o ambiente e a saúde das pessoas.

No que diz respeito à responsabilidade internacional por factos lícitos ou pelo risco,
apesar do Estado ter cumprido todas as normas referentes aos procedimentos de
cooperação preventiva, agido com a diligência devida e aplicado o princípio da
precaução, o dano com origem em atividades perigosas, mas não proibidas pelo direito
internacional, pode ocorrer.

O Estado poderá ser responsabilizado pelo risco se o dano resultou de atividades


exercidas por operadores que atuam por sua conta, se tal responsabilidade estiver
prevista nos tratados internacionais.

No entanto, mesmo nos casos em que a responsabilidade recai sobre o operador, em


virtude da aplicação do princípio do poluidor pagador em conjugação com as
convenções internacionais sobre responsabilidade civil, os Estados têm um dever de
repensar a forma de implementar medidas mais eficazes de prevenção.

Neste sentido, a nível internacional, os Estados devem adotar posições comuns que
favoreçam o desenvolvimento do direito internacional sobre a responsabilidade
internacional pelo risco, bem como sobre a responsabilidade internacional por factos
ilícitos, implementando programas conjuntos de cooperação preventiva ambiental.
E, consequentemente, a nível interno, devem alterar a sua legislação, proceder a uma
monotorização e fiscalização mais eficaz, nomeadamente através de auditorias, e a
promover a educação ambiental e o desenvolvimento de tecnologias ecológicas.

Ademais, os Estados devem impor, através do seu poder judiciário e administrativo, aos
poluidores, no contexto da compensação de danos com impacto transfronteiriço,
medidas que respeitem a dimensão de prevenção e precaução do princípio do poluidor
pagador. O dever de prevenção é distinto do dever de reparação dos danos ao meio
ambiente. No entanto, o princípio do poluidor pagador é um princípio normativo de
carácter económico que imputa ao poluidor os custos decorrentes da atividade poluente.
O objetivo do princípio do poluidor pagador não é apenas fazer com que os custos das
medidas de proteção do meio ambiente sejam suportados pelos operadores, mas também
corrigir e eliminar as fontes potencialmente poluidoras. O princípio do poluidor pagador
obriga à reparação do dano ambiental, uma obrigação que deverá ser entendida como a
mais completa reposição do estado em que se encontrava o local antes da ocorrência do
dano, ou seja, uma reparação que tenha em conta os três níveis da biodiversidade: a
diversidade genética, a diversidade das espécies e a diversidade dos ecossistemas.
Mesmo sabendo que as indemnizações a pagar são avultadas e podem ser uma forma de
dissuasão de comportamentos nocivos para o ambiente, o fator de reparação do dano
ambiental não é por si só suficiente em termos de prevenção de danos transfronteiriços.
A irreparabilidade e a irreversibilidade da maior parte deste tipo de danos devem ser um
elemento indicativo do valor de prevenção ambiental. Tal valor deve estar subjacente à
aplicação do princípio do poluidor pagador, para que novos danos oriundos das
atividades potencialmente perigosas não aconteçam. Assim, o princípio do poluidor
pagador tem uma vocação preventiva na medida em que procura inibir a conduta lesiva
a ser praticada pelo potencial poluidor.25
25
Cf. LÍGIA CARVALHO ABREU, O princípio do poluidor pagador: um imperativo de segurança marítima, Direito e Ambiente, Revista do ILDA, n.º
2 e 3, 2011, pp. 195-205. No mesmo sentido, Alexandra Aragão entende que "a doutrina que se dedicou expressa- mente ao estudo do PPP (princípio
do poluidor pagador) é pacífica em considerar que o fim último deste princípio é a prevenção da poluição futura e não a reparação de danos passados.
Mais vale prevenir, primeiro, porque em muitos casos é impossível remover a poluição ou o dano real, tornando inconcebível a reconstituição natural
da situação anterior à poluição. Mais vale prevenir, em segundo lugar, porque mesmo nos casos em que seja possível a reconstituição in natura,
frequentemente ela é de tal modo onerosa, que não pode ser exigível um tal esforço ao poluidor. Com efeito, o custo das medidas necessárias a evitar a
ocorrência de poluição é, em geral, muito inferior ao custo das medidas de "despoluição" após a ocorrência do dano. Cf. ALEXANDRA ARAGÃO, O
princípio do poluidor pagador. Pedra angular da política comunitária do ambiente, p. 112.

Cf. ALEXANDRA ARAGÃO, O princípio do poluidor pagador. Pedra angular da política comunitária do ambiente, pp. 114 e 115.
Neste contexto, o poluidor não pode ser obrigado a adotar medidas para prevenir um
dano improvável ou imprevisível à luz dos conhecimentos científicos disponíveis. Já a
incerteza científica pode obrigar o poluidor a adotar medidas de precaução. Desta
forma, o princípio do poluidor pagador abrange: " a) a vertente de precaução que se
aplica quando apenas há suspeita de uma atividade poder provocar danos ao ambiente
(atividades potencialmente poluentes) e que se aplica, sobretudo, à poluição acidental
nas atividades perigosas, abrangendo, em qualquer caso, a adoção de precauções ou
cuidados excecionais no desenvolvimento da atividade (cuidados que vão mais além dos
cuidados normais que o exercício de atividades análogas requer), ou até a interdição de
produtos, processos ou atividades; b) a vertente preventiva em sentido estrito que se
aplica quando já há a certeza do dano provocado por uma certa atividade e que abrange
sobretudo o controlo da poluição "gradual" (ou crónica) que por um efeito de
acumulação se pode tornar aguda, conduzindo à rutura do equilíbrio ecológico. Ora, o
que até agora designámos como duas vertentes do PPP, são, na nossa opinião, dois
subprincípios concretizadores do PPP: respetivamente, o princípio da precaução e o
princípio da prevenção.". Assim, os Estados estarão em posição de cumprir as suas
obrigações inter- nacionais em matéria de cooperação preventiva.

3. NO FIM DO CAPÍTULO

Em nenhum outro tempo a comunidade internacional mediatizou tanto as questões


ambientais e a demanda pela justiça intergeracional, no acesso aos recursos naturais,
como no século XXI. Todavia, os problemas ambientais não são de agora. Os tratados
de proteção da natureza, de combate à poluição, as declarações de princípios neste
contexto e os conflitos entre Estados no que diz respeito à utilização dos recursos
naturais têm marcado o desenvolvimento do direito internacional público, em alguns
casos mesmo antes do século XX. A evidência científica sobre as alterações climáticas,
a finitude dos recursos naturais e as divergências ou incapacidades quanto à forma de
restabelecer o equilíbrio universal dos ecossistemas como condição essencial à
sobrevivência humana, leva-nos a considerar que as tensões entre Estados serão cada
vez mais frequentes. Desta forma, é importante refletir sobre o que é a norma
internacional ambiental, o seu valor e a sua força, bem como sobre a responsabilidade
internacional dos Estados por danos ambientais e o seu papel no desenvolvimento de
regimes normativos que tragam para a cena internacional o indivíduo e os agentes
económicos em benefício da natureza e da humanidade.

Bibliografia

REGIMES JURÍDICOS INTERNACIONAIS, VOLUME I. UNIVERSIDADE


CATÓLICA EDITORA . PORTO

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