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DIREITO AMBIENTAL: ORIGENS, DESENVOLVIMENTO E OBJETIVOS

Virgínia Totti Guimarães


Especialista em Advocacia Pública pela UERJ. Pós-
graduanda em Direito Ambiental pela PUC-Rio. Integrante
do Setor de Direito Ambiental do NIMA. Membro da
Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ.

1. O Direito Ambiental Internacional

A preservação do meio ambiente, cada vez mais, vem sendo objeto de preocupação da
sociedade, seja em razão de estudos conclusivos da interferência maléfica do ser
humano no equilíbrio ecológico, seja porque as mudanças decorrentes desta
interferência estão sendo percebidas diariamente. O aquecimento global, doenças que
não existiam, perda da biodiversidade, dentre outras, são notícias que estão na ordem do
dia e refletem esta preocupação social.
O Direito, como ciência interligada a questões sociais, responde as preocupações e aos
fatos relacionados a proteção do meio ambiente, em alguns países desde a década de
1960. No entanto, o direito ambiental vem se aperfeiçoando ao longo das décadas e,
atualmente, ainda se empenha na busca por soluções para os atuais anseios sociais.
Em âmbito internacional, uma das primeiras manifestações partiu do Clube de Roma
(1960-1970), um grupo informal de economistas, educadores e industriais que, em
1970, possuía 75 membros de 25 países. Seu objetivo era contribuir para a
compreensão dos principais fatores econômicos, políticos e sociais causadores de
problemas que extrapolavam a competência das instituições e políticas tradicionais. A
degradação ambiental era um desses problemas.
Após a realização de estudos o Clube de Roma concluiu que a população, produção
agrícola, recursos naturais, produção industrial e poluição seriam os principais fatores
limitadores do crescimento. Concluiu, ainda, ser fundamental a conscientização da
população a respeito da esgotabilidade dos recursos e adoção de um posicionamento
crítico com relação às políticas atuais adotadas.1
Em 1972 foi realizada a Conferência de Estocolmo. Participaram representantes de 113
países, 19 órgãos intergovernamentais e quatrocentas outras organizações
intergovernamentais e não-governamentais. Embora todos os países houvessem
participado das reuniões preparatórias, os países do leste europeu, exceto Romênia, se
ausentaram das reuniões.

1
MCCORMICK, John. Rumo ao paraíso. A história do movimento ambientalista. Tradução de Marco
Antonio Esteves da Rocha e Renato Aguiar. Rio de Janeiro: Relume Dumará. 1999, p.86.
A importância da Conferência advém de sua abordagem política, social e econômica aos
problemas ambientais possibilitando, assim, o envolvimento da sociedade civil
organizada e uma cobertura jornalística que sensibilizasse um maior número de pessoas.
A Conferência da Biosfera, realizada em 1968, não teve o mesmo alcance, pois discutiu
os aspectos científicos da conservação da biosfera.2 Resultou em uma Declaração, um
Plano de Ação e uma lista de princípios. Consagrou a noção de desenvolvimento
sustentável em diferentes princípios, como, por exemplo: “O direito ao
desenvolvimento deve ser exercido de modo a permitir que sejam atendidas
eqüitativamente as necessidades de gerações presentes e futuras”; “para alcançar o
desenvolvimento sustentável, a proteção ambiental deve constituir parte integrante do
processo de desenvolvimento, e não ser considerada isoladamente deste”.
Vinte anos depois, realizou-se, no Rio de Janeiro, a Conferência das Nações Unidas de
1992, conhecida como Eco-92, é igualmente reconhecida como um marco no direito
ambiental internacional. Desta Conferência, resultaram importantes documentos
internacionais, como a Agenda 21 e a Declaração sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento do Rio, além da Convenção sobre Diversidade Biológica, da
Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas.
Dentre as convenções que tratam de meio ambiente, destaca-se:
 Convenção Ramsar sobre Áreas Úmidas de Importância Internacional, adotada
em 1971, com ênfase na proteção das áreas úmidas;
 Convenção sobre Comércio Internacional das Espécies da Flora e da Fauna
Selvagem em perigo de Extinção – CITES, entrou em vigor no Brasil em 1975;
 Convenção sobre Direitos do Mar, de 1976, entrou em vigor em novembro de
1994, tendo como foco a proteção do meio ambiente marinho;
 Convenção de Viena para a Proteção da Camada de Ozônio, celebrada em 22 de
março de 1985. Complementada pelo Protocolo de Montreal sobre substâncias
que destroem a camada de ozônio, assinado em 17 de setembro de 1987;
 Convenção da Basiléia sobre movimento transfronteiriço de rejeitos
potencialmente perigosos e seu depósito, de 1989, mas entrou em vigor no
Brasil em 1992;
 Protocolo de Quioto: complementar a Convenção Quadro sobre Mudanças
Climáticas estabelece metas para a redução dos gases de efeito estufa pelos
países desenvolvidos e pelos países da antiga União Soviética. Entrou em vigor
em fevereiro de 2005.

2
JOHN MCCRMICK afirma que a “Conferência de Estocolmo foi o acontecimento isolado que mais influiu
na evolução do movimento ambientalista internacional”. Explica que apresentou quatro importantes
resultados: confirmou a tendência sobre meio ambiente humano que advém da transformação do
ambientalismo em uma questão política mais racional e global; “forçou um compromisso entre as
diferentes percepções sobre o meio ambiente defendidas pelos países mais e menos desenvolvidos”;
marcou o início do novo papel das ONG’s na questão ambiental e, como produto tangível, originou o
Programa de Meio Ambiente das Nações Unidas. MCCORMICK, John. Obra citada, p. 111.
2. A Evolução da Legislação Ambiental Brasileira

Apesar de já existirem algumas regras sobre a utilização e extração de árvores, foi na década de 30 que
surgiram as primeiras normas específicas de bens ambientais, tal como o Código Florestal (Decreto
23.793/34), Código de Águas (Decreto 24.643/34 – ainda hoje com dispositivos em vigor), a disciplina
sobre a Caça (Decreto 24.645/34), o regulamento sobre patrimônio cultural (Decreto-lei 25/37).
Na década de 60, foi editado o novo Código Florestal, que ainda hoje se encontra em vigor (Lei 4.771/65)
e a Lei de Proteção à Fauna (Lei 5.197/1967). Na década seguinte, alguns Estados instituíram seus
sistemas de combate à poluição, como é o caso do Rio de Janeiro que editou o Decreto-lei 134/75,
instituindo o Sistema de Licenciamento de Atividades Poluidoras.
Não havia, contudo, a proteção do meio ambiente de modo integral e como um sistema, tal como ficaria
evidente a necessidade e cuja conscientização aumentava a partir da Conferência de Estocolmo.
No entanto, foi com a edição da Lei Federal 6.938/81 que o Direito Ambiental brasileiro
alcança o patamar que hoje se encontra. Esta Lei, conhecida como a Lei da Polícia
Nacional de Meio Ambiente, traz o meio ambiente como “o conjunto de condições, leis,
influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege
a vida em todas as suas formas” e inaugura uma nova fase no direito ambiental: o do
tratamento ao meio ambiente como um macro-bem.
Além disso, a Lei tem como mérito o estabelecimento de um regime de
responsabilidade civil por danos ambientais em que não se verifica a culpa do causador
do dano – responsabilidade civil objetiva; uniformiza o licenciamento ambiental para
todo o território nacional; estabelece os conceitos de poluidor e de degradação
ambiental; constitui o SISNAMA (Sistema Nacional do Meio Ambiente).
Em seguida, contribuindo para a efetividade do direito ambiental, foi editada a Lei
7.345/85, que disciplina a ação civil pública por danos causados ao meio ambiente, ao
consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e
paisagístico. Esta Lei trata de um dos instrumentos judiciais mais utilizados para a
proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, que pode ser utilizado pelo
Ministério Público, União, Estados, Municípios e associações civis.
Em contribuição ao avanço do direito ambiental, foi promulgado, em 1988, um dos
textos constitucionais mais avançados do planeta: a Constituição da República
Federativa do Brasil. As disposições constitucionais sobre o meio ambiente estão
dispersas em todo o texto, disposto em diversos títulos e capítulos. O dispositivo de
mais destaque, no entanto, é o artigo 225, que estabelece:

Art. 225 – Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo
e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I – preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo
ecológico das espécies e ecossistemas;
II – preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar
as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão
permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente
causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e
substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI – promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a
conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem
em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os
animais a crueldade.
§ 2º – Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na
forma da lei.
§ 3º – As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores,
pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente
da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º – A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-
Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na
forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente,
inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º – São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações
discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º – As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal,
sem o que não poderão ser instaladas.

Dentre as importantes leis sobre proteção do meio ambiente, mencione-se ainda:


- Lei 4.717/1965: ação popular;
- Lei 6.766/1979: parcelamento do solo urbano;
- Lei 7.661/1988: Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro;
- Lei 8.723/1993: emissão de poluentes por veículos automotores;
- Lei 9.055/1995: utilização do asbesto/amianto;
- Lei 9.433/1997: Política Nacional de Recursos Hídricos;
- Lei 9.605/1998: crimes ambientais;
- Lei 9.795/1999: Política Nacional de Educação Ambiental;
- Lei 9.985/2000: institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação;
- Lei 10.257/2001: Estatuto da Cidade;
- Lei 10.650/2003: acesso público aos dados e informações do SISNAMA;
- Lei 11.105/2005: biossegurança;
- Lei 11.284/2006: institui o Sistema Florestal Brasileiro e cria o Fundo
Nacional de Desenvolvimento Florestal;
- Lei 11.428/2006: utilização e proteção da vegetação nativa do Bioma Mata
Atlântica;
- Lei 11.445/2007: saneamento básico.

3. O Direito Ambiental Brasileiro

A legislação ambiental foi sendo elaborada à medida que evoluía a concepção de


proteção do meio ambiente. Da proteção dos bens individualmente considerados (água,
floresta, solos etc.), passou-se para a preservação do ecossistema, entendido como o
“conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e
biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas” (definição
constante no art. 3º, I da Lei Federal nº 6.938/1981), e, enfim, para a proteção do meio
ambiente em sua acepção mais ampla e sistêmica, considerado como um macrobem3 e
bem de uso comum do povo (art. 225, caput, da Constituição Federal).
No entanto, diante das normas existentes, não se pode negar a existência do direito
ambiental como um ramo do direito público, autônomo, dotado princípios próprios, que
se constitui um sistema coerente e lógico, “voltado à proteção da diversidade biológica
e da sadia qualidade de vida dentro de um meio ambiente ecologicamente
equilibrado”.4
Neste sentido, Édis Milaré o conceitua como “o complexo de princípios e normas
reguladoras das atividades humanas que, direta ou indiretamente, possam afetar a
sanidade do ambiente em sua dimensão global, visando à sua sustentabilidade para as
presentes e futuras gerações”.5
Diante disso, pode-se concluir que o direito ambiental tem origens que remontam a
necessidade de disciplinar à atuação e interferência humana nos ecossistemas, de modo
3
Como macrobem, o meio ambiente é “enxergado como verdadeira universitas corporalis (...) não se
confundindo com esta ou aquela coisa material (floresta, rio, mar, sítio histórico, espécie protegida etc.)
que o forma, manifestando-se, ao revés, como o complexo de bens agregados que compõem a realidade
ambiental” (BENJAMIN, Antônio Herman, “Função ambiental”. In Dano Ambiental – Prevenção,
Reparação e Repressão. Coord.: ANTÔNIO HERMAN V. BENJAMIN. São Paulo, Revista dos Tribunais,
1993, p. 75).
4
FIGUEREDO, Guilherme José Purvin de, Curso de Direito Ambiental, Curitiba: Arte & Letra, 2008,
o.37.
5
MILARÉ, Direito do ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 93.
a que as conseqüências não sejam tão drásticas e que seu objetivo é claramente definido:
a proteção e conservação do meio ambiente.

4. Bibliografia Complementar

CARSON, R. Silent, Spring. Houghton Mifflin Co.: New York, 1962.


COMISSÃO MUNDIAL INDEPENDENTE SOBRE MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO.
Nosso Futuro Comum. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1988.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12a ed. rev., atual. e amp. São Paulo:
Malheiros, 2004.
MEADOWS, D. et alli. Os Limites do Crescimento. Editora Perspectiva, 1973.
MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, prática, jurisprudência, glossário. 3ª edição. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2004.
OST, François. A natureza à margem da lei: a ecologia à prova do direito. Lisboa: Instituto Piaget,
1997.
RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos do Direito Ambiental: parte geral. 2ª ed. rev., atual. e ampl.
São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. 2a ed. rev.. São Paulo: Malheiros, 1998.
SIQUEIRA, Josafá Carlos de. Ética e Meio Ambiente. 2ª edição. São Paulo: Edições Loyola, 2002.
SOARES, Guido Fernando Silva. Direito Internacional do Meio Ambiente: emergência, obrigações e
responsabilidades. São Paulo: Atlas, 2001.

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